1983-AVIEIRA-breveresenha

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Rua dos Ferreiros, 165 9004-520 – Funchal Telef (+351291)214970 Fax (+351291)223002 Email: [email protected] [email protected] http://www.madeira-edu.pt/ceha/ Vieira Vieira Vieira Vieira, Alberto Alberto Alberto Alberto (1983) (1983) (1983) (1983) O O O O Vinho da Madeira Vinho da Madeira Vinho da Madeira Vinho da Madeira (Breve resenha hist Breve resenha hist Breve resenha hist Breve resenha histórica órica órica órica) COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: Vieira, Alberto (1983), O Vinho da Madeira, (Breve resenha histórica), Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1983-AVIEIRA- breveresenha.pdf, data da visita: / / RECOMENDAÇÕES O utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras, usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao rigoroso respeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática, de direitos de propriedade intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente responsável pela infracção aos comandos aplicáveis.

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Vieira, Alberto (1983), O Vinho da Madeira, (Breve resenha histórica), Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1983-AVIEIRA- breveresenha.pdf, data da visita: / / Rua dos Ferreiros, 165 9004-520 – Funchal OOOO Vinho da MadeiraVinhodaMadeiraVinhodaMadeiraVinhodaMadeira ((((Breve resenha histBreveresenhahistBreveresenhahistBreveresenhahistóricaóricaóricaórica)))) Telef (+351291)214970 Fax (+351291)223002

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COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: Vieira, Alberto (1983), O Vinho da Madeira, (Breve resenha histórica), Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1983-AVIEIRA-breveresenha.pdf, data da visita: / /

RECOMENDAÇÕES

O utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras, usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao rigoroso

respeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática, de direitos de

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ALBERTO VIEIRA

(BREVE RESENHA HIST6RICA)

INSTITUTO DO VINHO DA MADEIRA

DIRECÇAO REGIONAL DOS ASSUNTOS CULTURAIS (MADEIRA) DIRECÇAO REGIONAL DOS ASSUNTOS CULTURAIS (AÇORES)

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Perfuma e alegra o solo um vinho histórico, produto de castas primitivas, sangue de raça a perpetuar na ilha o nome de Portugal. Foi este vinho companheiro dos colonos na rota da descoberta i postou-se de guarda à porta de suas casas, de braços abertos, numa ramada acolhedora a · porentes, amigos e vizinhos; dá-lhe vida no trabalho i vibra-lhe na alma em festas de família e todos os anos se renova no barril ou quartola para o aquecer no In­verno, estugar-Ihe o passo nas romarias de Verão, firmar promessas, selar contratos, fechar negócios e ser providência económica no seu lar.

(Eduardo C. N. Pereira - Ilhas de Zal"go, Funchal, 1967, I, pp. 558/9)

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I-INTRODUÇAO

Ao saborearmos um cálice de vinho Ma­deira Velhíssimo ficamos extasiados com o seu aroma ·e sabor, pondo de parte a imagem que o mesmo reflecte, da sua laboração há um ou dois séculos i a época de esplendor do vinho Madeira. Ignoramos a parte amarga: o colo­no na wa labuta diária no campo e nas ade­gas, o árduo trabalho das vindimas, os borra­cheiros no seu passo cadenciado - denuncia­do pelo eco dos seus cantares - por entre as encostas da ilha.

Para podermos recriar essa ambiência te­mos que agarrar os restos materiais e docu­mentais e fazê-los reviver na sua labuta sa­zonai, ou antes, fazer desbobinar o filme que se esconde por entre a ferrugem, a traça e o pó. São o único elo de ligação com esses mo­mentos de esplendor da faina vil'i/vinícola do povo ilhéu, durante cerca de três séculos.

O calendário da História insulana man­tém inapagável algumas colheitas:

1730 - Vinho de Roda - o Madeira ad­quire novo paladar nas zonas tro­picais e cedo se divulga a notícia e se apura o gosto da aristocracia inglesa, que passa a preferir o «Easl' India Madeira» ao «Com­mon Madeira», «London Market», «London Particular». O Madeira salta das escuras adegas para o soalheiro porão das naus.

1794 - Vinho Estufado - o vinho de roda dá lugar ao vinho estufado i a grande procura faz evoluir as téc­nicas de trato, enquanto vai per­dendo qualidades, facto que me­rece a sua rejeição a partir de 1814.

1815 - Battle of Waterloo - época de mudança e, de triste memória, pa­ra os interesses hegemónicos de Napoleão, ficou na História do vi­nho ilhéu a marcar uma colheita de boa I oferecida ao infeliz im­perador, quando passou pela ilha. A tradição refere que a reFerida oferta regressou à ilha depois da morte do imperador, tendo sido comprada e engarrafada em 1840 por C. Blandy.

Beber um Madeira de 1730, o «East India Madeira», é fazer o impossível, é deleitar-se com um dos mais famosos rubi néctares, que concerteza mereceria a aprovação dos deuses do Olimpo,

Beber o Madeira de 1794, o vinho estu-

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fado, será uma sensação gustativa horrível que poderá levar à sua rejeição.

E hoje, que bebemos?

O Vinho Madeira, celebrado por poetas, monarcas, príncipes, generais, exploradores e expedicionistas, há alguns anos a esta parte vem perdendo o seu mercado e os seus po­tenciais apreciadores. Tal estado deve-se à si­tuação criada entre finais do séc. XVIII e prin­cípios do séc. XIX, em que a grande procura fez nascer da sua água e do fogo quantidades apreciáveis de vinho velho. Depois foi o fastio em 18"4. Mais tarde a natureza fez acabar. com as cepas de boa qualidade, fazendo-as zubs\i\uir pelo produtor directo, as quais hoje permanecem lado a lado com as castas eu­ropeias numa prosmicuidade escandalosa.

Sendo ponto assente que foram as castas nobres europeias que criaram e manNveram a fama do vinho Madeira durante mais de 2 séculos, torna-se imperiosa a regulamentação/ jreconversão da viticultura madeirense, caso seja nossa intenção manter viva a lembrança desse famoso vinho.

* * *

«O vinho da Madeira correu mundo­singrou por todos os mal-es e rompeu todas as fronteiras» (E. Nunes, Porque me orgulho de ser N\adeirense, p. 27). Como tal foi um capil·oso embaixador natural que levou o nome da ilha da Madeira aos confins do Mundo.

O Vinho Madeira desde ·tempos recuados adquiriu fama no mundo colonial europeu, tornando-se a bebida preferida do militar, ex­peclicionista, aventureiro, em terras da Améri­ca ou da Ásia. Escolhido pela aristocracia co­lonial manteve-se no mercado londrino, eu­ropeu e colonial como o seu vinho por exce­lência, durante séculos.

O Vinho da ilha não só deu fama à ilha, como se evidenciou, desde meados do séc. XVI, como o único meio de sustento tendo, deste modo l caracterizado o devir histórico insulano por 3 séculos.

O ilhéu desde 1575 fez mudar os cana­viais por vinhedos, os quais alastraram a to­das as terras cultivadas, devorando a floresta a norte e a sul. Nesta febre vitícola o made'i­rense esqueceu que devia semear cereais e plantar árvores de fruto. O vinho era a sua única fonte de sustento i com ele se adquiria o alimento necessário, trazido da América nas naus americanas, ou a 'indumentária e manu­facturas trocadas aos ingleses por pipas de vinho.

Viveu a Madeira, desde o séc. XVII a prin­cípios do XIX, embalada pela opulência de­rivada do comércio vantajoso do vinho e, com

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tão avultados proventos o madeirense adqui­riu o luxo exuberante do meio aristocrático londrino. O íncola habituou-se à vida cortesã europeia, ganhou hábitos ingleses e, nas suas quintas rodeadas de sumptuosos vinhedos e jardins rivalizava o estrangeiro. Os arredores do Funchal, nomeadamente o Monte, St.O An­tónio, S. Martinho, povoaram-se de quintas, onde se esboçava uma vida cortesã em mi­niatura mergulhada no mais opulento luxo, sustentado pelos proventos do vinho.

Erguia-se assim a cidade do Vinho, que escapava ao apertado burgo do açúcar. O Funchal engalanava-se de palácios, igrejas e capelas; ao mesmo tempo que crescia na di­recção E e N. Temos os majestosos palácios de S. Pedro, da Câmara Municipal, a casa Or­nelas (R. ,do Bispo) e Tomaszewski (R. Ferrei­ros).

11- A VINHA E O VINHO NA HISTóRIA

A vinha existe desde a mais remota an­tiguidade (período terciário), tendo sido di­vulgada no mundo através dos hebreus, gre­gos e romanos. Ê de admitir que a viticultura tenha como ponto de partida a Ásia meridio­nal, donde se estendeu à Ásia central, Europa e Extremo Oriente. No entanto algumas trans­formações de ordem social e religiosa fizeram com que esta cultura fosse abandonada em algumas áreas, como no Japão, China e em muitos países muçulmanos; em detrimento da sua expansão na Europa cristã e colonial (África do Sul e Austrália).

A origem do vinho deu lugar a uma série de lendas e mitos despoletados a partir do relato bíblico de Noé, a que se aliou a fan­tasia do narrador. Segundo Ezler (Ibagoge Phisico magico medicale, Augsburgo, 1630), Noé teria tomado conhecimento com as pro­priedades da labrusca por intermédio dum cabrito que o mesmo soltou em Córico (mon­tanha da Silicia) e que comendo a dita planta se embebedou, de tal modo que começou a atacar o restante rebanho. Outra lencla, con­tacla por Cornai (TheologiCl vitis viniferae, Heiclelberg, 1614) refere que o pastor Staphy­los da Etólia, que servia habitualmente Oinos notou, enquanto apascentava o seu rebanho que uma das cabras saía habitualmente do re­banho e se demorava mais que as outras. Tempos depois veio a descobrir que esta se demorava a comer o fruto de uma árvore­a uva. levando o fruto ao seu senhor este o espremeu e fez com ele um líquido suave­o vinho, que deu a beber a liber Pater, seu hóspede e este como prova de agradecimento deu o seu nome ao vinho (em grego oinos)

Ma

e à videira o nome do pastor (em grego Sta­phyle). Por outro lado a mitologia grega atri­bui essa façanha a Dionísio, enquanto a latina refere que foi Saturno quem introduziu as pri­meiras videiras em Creta e ensinou aos povos do lacio os segredos da viticultura.

Desde tempos imemoráveis que os poetas e escritores fizeram o elogio do vinho: A Ilíada e Odisseia, Vergilio na Eneida ... Ana­creonte cantou-o e imortalizou-o no «Elogio ao vinho», Catz e Aguiquiloco, filhos de Paras e do sacerdote Telésides divinizaram-no, Safo exulta-o e Salomão, no Cântico dos Cânticos elogia-o. Mas, sem dúvida o repositório mais numeroso e contraditório de referências ao vinho encontra-se na Bíblia. Aí no Antigo e Novo Testamento o vinho ora é exultado-O Edesiastes, Provérbios, Livro de Zacarias, os Evangelhos, Cântico dos Cânticos -, ora é vi­lipendiado - O Eclesiastes, Provérbios, livro do profeta Isaías e Jeremias, livro de Ossos. Mas no fundamental a literatura bíblica e cris­tã fala do vinho com certo benemérito, pois que este faz parte do sacrifício eucarístico. Aliás tal situação conduziu a uma forte ex­pansão da cultura da vinha no mundo cristão.

O ritual cristão fez do pão e do vinho os dois elementos substanciais da sua prática, fazendo-os símbolos da essência da vida hu­mana e do seu Salvador-Cristo. O vinho e o pão avançaram conjuntamente com a Cristan­dade, levados por monges e bispos. Tal rea­lidade veio revolucionar os hábitos alimenta­res do ocidente cristão, a partir do séc. VII, estabelecendo o comer pão e beber vinho co­mo o símbolo do sustento humano.

Foi assim que o vinho chegou à Madeira no séc. XV i a expansão europei,a aliava-se à expansão da cristandade e como talo vinho, produto essencial não podia ser esquecido na relação das bagagens dos aventureiros que reconheceram e promoveram a ocupação do arqu'ipélago. Os poucos grãos de trigo e cepas ao encontrarem solo virgem e fértil adapta­ram-se rapidamente às condições mesológicas do meio insular e conquistaram aos poucos a totalidade do solo cultivável da ilha, manten­do-se em perfeita harmonia, adocicados por uma nova especiaria - o açúcar. Mais tarde o ilhéu alheio ou esquecido desta dualidade harmoniosa e adocicada, esqueceu o pão e o açúcar e entregou-se com todas as suas for­ças ao vinho; única cultura capaz de manter o seu susl"ento, mercê de uma forte rentabili­dade. O vinho tornava-se assim no alimento e moeda de troca do ilhéu.

Acompanhar os primórdios da história cla vinha na ilha é uma tarefa arrojada, pois que os nossos avoengos nos legaram poucas refe-

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rências documentais, onde seja possível colher dados sobre a sua introdução e expansão. No entanto aqui e acolá podemos colher elemen­tos que devidamente articulados nos podem dar uma ideia da fase inicial da história do vinho na ilha.

Em meados do séc. XV, com o movimento de ocupação e aproveitamento da ilha temos como certa a introdução de cepas vindas do reino e mais tarde das zonas vitícolas do mar Mediterrâneo. João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrello ao re­ceberem o domínio das capitanias do arqui­pélago, sob a direcção do monarca e do In­fante D. Henrique, procederam ao desbrava­mento e ocupação do solo com diversas cul­turas trazidas do reino - o trigo, a vinha e a cana.

Num curto espaço de tempo a paisagem ilhoa havia-se transformado e em terras onde apenas se vislumbrava o esplendoroso e denso arvoredo começam a surgir clareiras huma­nizadas, devidamente assinaladas pelo casa­rio. Nas planuras ribeirinhas do oceano, onde havia local para varar um barco viu-se surgir o Homem na sua fúria constante contra a na­tureza. No Funchal do funcho fez resplande­cer os campos dourados de trigo, entremeados aqui e acolá por canaviais e vinhedos. Em Câmara de Lobos, depois de afugentarem os lobos marinhos, subiu encosta acima de pica­reta na mão tmçando o rendilhado dos socal­cos donde fez plantar a videira em vistosas latadas.

Assim foi a vinha conquistando o solo ilhéu em todas as direcções, tornando-se o vi­nho um produto importante na actividade agrí­cola do ilhéu. Já em 1455, Cadamosto ao pas­sar peia ilha ficou deslumbrado com o que viu na área vitícola do Funchal i

« ... tem vinhos, mesmo muitíssimos bons, se se considerar que a ilha é habitada há pouco tempo. São em tanta quan­tidade, que chegam para os da ilha e se exportam muitos deles» (A. Aragão - A Madeira vista por estrangeiros, Funchal, 1981, p. 37).

O vinho na Madeira do séc. XV apresen­tava-se com um produto competitivo do trigo e do açúcar, com grande peso na economia local. Desde o início foi um potencial produto do mercado externo da ilha. Sendo já expor­tado em 1455, segundo testemunho de Cada­mosto, comprovado em documento de 1461 em que se dá conta do dízimo de exportação pago pelo vinho à saída. Aliás em 1478 temos referenciada a sua exportação para o mercado londrino, segundo o testemunho de Shakes-

peare que nos dá conta de o Duque de Cla­rence ter manifestado o desejo de morrer afo­gado numa pipa de malvasia i o mesmo re­fere na peça Henry IV (parte I) que Falstaff teria vendido a alma ao diabo, por um copo de vinho Madeira e uma perna de capão.

A cultura da vinha absorvia assim, já na segunda metade do séc. XV, uma porção con­siderável da área arroteada da ilha, nomea­damente na zona vizinha do Funchat onde encontramos II vinhas e II latadas. No século seguinte a cultura da vinha aumenta a sua área e alarga-se além Funchal i na primeira metade do séc. XVI ternos 19 vinhas e 6 latadas no Funchal, 7 vinhas em C. de Lobos e 6 vi­nhas e 7 latadas distribuídas por Ponta de Sol, Ribeira Brava, Caniço e Calheta. Será a partir da segunda metade do século que a vinha conquista em definitivo o solo da ilha, substi­tuíndo os canaviais do Funchal e zonas limí­trofes, ocupando as ela rei ras então abertas no norte - Ponta Delgada, Porto da Cruz ...

Os trigais e canaviais davam assim lugar às latadas e balseiras i a vinha tornava-se na cultura exclusiva do colono madeirense, à qual este dá todo o seu engenho e arte. O vinho adquiria o primeiro lugar na actividade eco­nómica da ilha, mantendo-se na dianteira por mais de três séculos. O ilhéu, desde o último quartel do séc. XVI dedicou-se por exclusivo à cultura da vinha, tirando dela o necessário para o seu sustento diário e, igualmente, para manter uma vida de luxo, sumptuosos palá­cios e igrejas.

Se em 1547 Hans Standen refere que a economia da ilha se define pelo binómio vi­nho/açúcar, já em 1578 Duarte Lopes colocava o vinho em primeiro lugar nas exportações e em 1669 o consul francês afirmava que o vinho era o principal negócio da ilha. Toda a docu­mentação dos sécs. XVIII/XIX é unânime em considerar o vinho como a principal e total riqueza da ilha; a única moeda de troca. A Madeira não tinha com que acenar aos navios que por aí passavam, ou a demandavam, se­não o copo de vinho i o resto que necessitava para o seu viver quotidiano era trazido pelos navios estrangeiros, que aí trocavam por vinho. Esta situação tornava a economia insular nu­ma situação periférica delicada, pois que a sua posição de dupla dependência em relação ao mercado externo minava os alicerces da sua base material, fazendo-a oscilar consoante a conjuntura favorável ou desfavorável do mercado fornecedor (inglês e americano) e consumidor (colonial britânico).

Contra esta política exclusivista imposta pelo mercantilismo inglês se manifestaram, quer o governador e capitão general Sá Pe-

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reira, em regimento de agricultura para o Porto Santo, quer o corregedor e desembar­gador António Rodrigues Veloso em 1782 nas instruções que deixou na Câmara dC! Calheta, quando aí esteve em alçada. Mas fOI tudo el!1 vão, ninguém era capaz de frenar a feb~~ VI­

tícola nem seria possível convencer o vIticul­tor a' abandonara vinha num momento em que o vinho da ilha tinha grande procura no mercado internacional. E, poucos eram os anos em que a colheita era suficiente para ~atis­fazer a grande procura i por vezes socorna-se aos vinhos inferiores do norte e, até mesmo, ao vinho dos Açores e Canárias para poder saoiar-se o colonialista europeu sedento.

Saciado o coloni'alista europeu, a pro­dução passou a ser exc~dentária e o vinh<: da ilha passou a ser pretendo em favor do vinho de Franca, Espanha e Cabo. O fim das guer­ras euro'peias, em princípios do séc. XIX, abriu as comportas do vinho europeu ao potencial mercado colonial asiático e americano. A re­tirada do coloniaHsta das áreas colonizadas fez perder o gosto pelo vinho da ilha. Como consequência disto temos a manifestação dos primeiros sintomas da rejeição a partir de 1814 i agravando-se a situação de ano para ano. As colheitas de 1819 a 1821 mantiveram­-se estagnadas nos armazéns sem comprador, isto de tal modo que em 1820 20000 pipas aguardavam comprador. A situação era de tal modo aHitiva que em documento da época se referenciava: «Estão as casas ricas de vinho, pobres de sustento e de alimento» (ANTT­Provedoria e J. R. Fazenda do Funchal- N.o 4, II, p. 23).

Re'0iver a ilha no período que decorre dos anos de 1840 a 1860 será rememorar um dos momentos ímpares da fome, miséria da história insulana que se poderá igualar aos momentos aflitivos da Europa da segunda me­ta,de do séc. XIV. Se à Europa de então se seguiu o surto expansionista europeu, à ilha se sucedeu a diáspora madeirense, mercê da sol<icitação e aliciamento feito pelos ingleses e seus acólitos. Entre 1840/50 o madeirense perde o amor à sua terra e vai ao enconl-ro dum novo paraíso fugaz, criado pelo inglês nas Antilhas.

O oídio (1852), a filoxera (1872) deram o gol'Pe final à cultura da vinha na ilha i a Ma­deira perdeu o seu sustento, o seu mercado, as suas parreiras. A recuperação é a meta de todas as iniciativas, mas de pouco tem valido este extremado sebastionismo viticola, pois o p'rocesso apresenta-se como irreversível. Ao ilhéu apenas poderá gravar na memória a ideia de 'esplendor, que caracterizou esse vasto período da história insulana.

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111- A VITICULTURA MADEIRENSE

A região viti·vinícola da Madeira esten­de-se por cerca de 1850ha, representando 2,5% da superfície total da ilha (782 km2) e 8% da área agricultada (248 km2). Tempos houve em que essa área era superior, como em 1845 em que mercê da redução derivada do oídio, ain­da ocupava 2500ha. Na primeira metade do séc. XIX essa área, que s'e estendia a quase todo o solo arável, do norte e do sul, cifra­va-se em cerca de 50% da área cultivada.

A vinha mercê das condições orográficas e dimáticas estende-se até aos 700 metros de altitude no sul e 300 metros no norte. Igual­mente a distribuição das diversas espécies de vitis-vinifera - sereial, verdelho, malvasia, ter­rantez - obedece a um escalonamento em al­titude i que aliado às condições climát,icas dão ao vinho produzido as qualidades caracterís­ticas:

- o sercial nas zonas altas entre os 600 e 700 metros, na área do Jardim da Serra e no alto do Estreito de C. de Lobos, St.O An­tónio.

- o verdelho, zonas intermédias junto ao mar entre os 500 e os 400 metros, Ribeira da Janela.

- o boal, desde os 400m. nas áreas ri­beirinhas, Campanário, Ponta do Pargo.

- tinta negra mole, aos 300m., C. de Lo­bos, S. Marj-inho, St.a Cruz, Gaula.

- malvasia, nas zonas baixas junto do mar, conhecidas por fajãs, Fajã dos Padres, Paul e Jardim do Mar, Arco da Calheta, Ma­dalena, Canhas.

Estas são as castas mais apr,eciadas que deram nome ao vinho da Madeira, infelizmen­te no séc. XIX com a filoxera mu'itas destas foram exterminadas ou preteridas em favor das cepas americanas, resistentes à filoxera e de maior produção. Tardou e a'inda continua a tardar a reconversão da viticultura madei­rense, facto que vem contribuindo para uma certa desconfiança por parte do potencial mer­cado consumidor.

A cultura da vinha na ilha faz-se desde tempos imemoráveis em latadas, armadas so­brance'iras aos passe'ios, terreiros, veredas ou nos poios construídos encosta acima a partir do litoral. Entretanto nalgumas reg'iões do nor­te da ilha predominou durante muito tempo a vinha de pé ou as balseiras. Mas hoje é do­minante o sistema de latadas construídos com arame.

A faina vitícola estende-se por t~do o ano agrícola, obriga'ndo o viticultor madeirense a uma acção constante de cuidados. Mas s'em dúvida, o período de maior actividade situa-

P'

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-se na época da vindima, que decorre de Agosto a Outubro. De Janeiro a Julho as ta­refas e cu'idados assíduos com a vinha surgem espaçadamente de acordo com o ciclo da vinha:

- em Janeiro poda-se, cava-se e aduba--se.

- de Maioa Junho sulfata-se, esfolha-se e enxofra-se.

O viticultor madeirense faz das suas vi­nhas um jardim e a ele se dedica o ano intei­ro, acompanhando a passo e passo o evoluir da videira e o aparecimento, crescimento e amadurecimento do cacho do qual extrairá o vinho.

De Agosto a Outubro o meio rural ani­ma-se com a azáfama das vindimas, atraindo forasteiros e assalariados sazonais. Velhos, adultos, novos e crianças, numa alegria inex­cedível marcada pelos cantares regionais, po­voam os vinhedos e áreas circunvizinhas dos lagares. Enquanto os velhos e novos, munidos de facas e navalhas, cortavam os cachos e enchiam os cestos «vindimas», os homens de «molhelha» ao ombro transportam os barre­leirosacogulados ao respectivo lagar.

Ao findar o dia, terminada a apanha da uva, os homens, de pé descalço e calça arre­gaçada, esmagam as uvas fazendo cair o mosto na tina. Ao longo da noite prossegue esta árdua tarefa com a impesa e repisa, acom­panhada de um farto manjar regado com vi­nho e aguardente, de modo a que a noite se anime com os cantares cadenciados. Depois, alta madrugada, os homens munidos de bor­rachos ou barris transportam o mosto às ade­gas.

Nos tempos que decorrem esta faina per­deu todo o seu aspecto busólico que a caracte­rizava, ao mesmo tempo que retirou ao ho­mem o fardo pesado. A tecnologia moderna veio substituir o homem e ameniz'ar as suas tarefas, de tal modo que não mais vimos os borracheiros ou barrileiros e os lagares de VOTa vêm sendo substituidos por prensas me­canizadas ou máquinas mais avançadas. Mes­mo assim em certas zonas permanecem estes hábitos arcaizantes a dar um traço peculiar à paisagem i no Porto da Cruz, por exemplo, o vinho americano ainda continua a ser trans­portado em borrachos.

Tempos houve em que a produção d.e vinho na ilha atingiu as 40.000 ou 20.000 PI­pas, sendo % de superior qualidade. Na ac­tualidade o seu volume não ultrapassa as ci­fras referentes ao de superior qualidade.

IV - O MADEIRENSE E O VINHO - VINIFICAÇÃO

Se ao madeirense, em geral, é facultada a arte e engenho da viticultura, a vinificação, pelo contrário, mantém-se no segredo dos deu­ses, sendo tarefa da exclusiva responsabilidade do comerciante do Funchal.

O Funchal, feitas as vindimas, adquire uma nova dinâmica que se prolongam por al­guns meses i o tempo suficiente para fazer fermentar e envelhecer o vinho na estufa. De­pois as restantes tarefas que imprimem ao vi­nho as características químicas e organolépti­cas fazem-se espaçadamente ao longo dos anos enquanto o vinho envelhece nas escuras adegas.

A urbe funchalense setecentista e oitocen­tista adquiriu uma nova fisionomia i a área ribeirinha da alfândega e porto apinham-se de complexos vinícolas dos exportadores de vinho, compostos por lojas escuras e espaço­sas, uma estufa e oficina de tanoaria num am­biente amenizado por corredores e latadas de vinho.

Até meados do séc. XVIII apenas se co­nhecia o envelhecimento e trato no canteiro, foi a partir de então que se experimentaram novos processos, primeiro com o adicionamen­to de aguardente, depois com a estufagem (1794). Este último processo generalizou-se e hoje em dia todo o vinho Madeira é submetido à estufagem durante três meses, findos os quais permanece 3 ou 4 anos no canteiro até ser engarrafado.

O trato aliado às condições mesológicas imprimem ao vinho produzido características gustativas inestimáveis e inconfundíveis:

- o malvasia - SWEET - conhecido pela sua doçura e aroma, que se serve a acompanhar o queijo.

- o bual - MEDIUM SWEET - vinho equilibrado que sabe bem em todos os momentos, devendo beber-se acompa­nhado com doces, nomeadamente o bolo de mel.

- o sercial- DRY - côr de topázio cla­ro, seco e alcoólico, sendo habitual­mente usado como aperitivo a acom­panhar azeitonas e peanuts.

- Verdelho e Terrantez - MEDIUM DRY - côr de rubim, apreciado em todos os momentos, ou como aperitivo, sendo servido habitualmente a acompanhar a sopa.

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-v - o VINHO DA MADEIRA NO MUNDO

Desde o séc. XV que o vinho ilhéu traçou a sua rota no mercado internacional, acom­panhando o colonialista europeu nas suas ex­pediçÕ'es e fixação na Asia e América. O co­merciante inglês, aqui implantado desde o séc. XVII soube tirar partido deste produto fazen­do-o chegar em quantidades volumosas às mãos dos seus compatriotas que se haviam espalhado pelos quatro cantos do mundo co­lonial europeu.

Vários factores de ordem conjuntural fi­zeram com que o comerciante inglês se ins­talasse na ilha e cá se afirmasse como um potencial negociante do seu vinho. Destes po­demos salientar: Richard Pickford (1638/82), W. Bol10m (1695/1714), James Leacock (1741), Francis Newton (1745), Blandy (1811).

O movimento do comércio do vinho da Madeira ao longo dos sécs. XVIII e XIX im­b6ca-se de modo directo no movimento das rotas marítimas coloniais que tinham passa­gem obrigatória pela ilha na ida. A estas rotas fundamentais se juntavam outras subsidiárias. De um modo geral estas ordenavam-se segun­do aquilo a que se ousou chamar comércio de triangulação, dando assim ao comércio do vinho da ilha características peculiares i são as rotas da Inglaterra colonial que tocam a Madeira para refresco e carg'a de vinho e se dirigem ao respectivo mercado das Indias Oci­dentais e Orientais, donde regressam, via Aço­res, com o recheio colonial. São os navios portugueses da rota das Indi'as, ou do Brasil que fazem escala na ilha onde recebem o vi­nho que conduzem às praças onde se dirigem, donde regressam com o saque pelo largo pas­sando pelos Açores. São, ainda, os navios in­gleses que se dirigem à Madeira com manu­faduras e fazem o retorno tocando Gibraltar, Lisboa, Porto. E, finalmente, os navios ameri­canos que da América trazem as farinhas para a ilha e regressam carregados de vinho.

A impedir e bloquear este movimento te­mos as guerras europeias e coloniais, a acção dos piratas argelinos, insurgentes ... E, final­mente, as condições dimáticas, os ventos e correntes marítimas i as primeiras restringindo o trânsito atlântico a determinadas épocas, as segundas demarcando as rotas aos veleiros.

Por todas estas razões o vinho ilhéu con­quistou, desde o séc. XVI o mercado colonial europeu na Africa, Asia e América afirman­do-se até meados do séc. XIX como a bebida por excelência do colonialista e das tropas coloniais em acção. Regressado o colonialista à sua terra de origem, depois do surto do mo­vimento independentista, trouxe na bagagem

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o vinho da ilha e fê-lo apreciar pelos seus patrícios.

O momento de apogeu de exportação do vinho da ilha para estes mercados situa-se en­tre finais do séc. XVIII e princípios do séc. XIX, altura em que a saída atingiu a média de 20.000 pipas. Durante este período mais de % do vinho exportado destinava-se ao mer­cado colonial americano, de que se destacam as Antilhas, as pl'Ontações do sul da América do Norte e N. York. A primeira metade do séc. XIX é pautada por uma acentuada alte­ração na geografi·a do mercador consumidor do vinho da Madeira i é o período de afir­mação dum novo mercado para cobrir as exi­gências de novos e velhos apreciadores. A Inglaterra, Rússia tomam o lugar do mercado colonial a partir de 1831.

VI - CONCLUSÃO

Hoje, passados mais de quinhentos anos sobre a introdução da vinha na Madeira, todos nós mantemos bem vivo no rol das nossas recordações os tempos áureos do comércio e apreciação do vinho ilhéu. Mas, infelizmente, hoje essa imagem histórica que marcou o nos­so y.inho foi defraudada ou rejeitada i defrau­dada porque depois dos momentos de grande procura se fazia vinho Madeira de tudo e mais tarde com a filoxera se substituiu as castas nobres pelo produtor directo, resistente ao insecto e de maiór rentabil>idade i esque­cida ou rejeitada porque o ilhéu fez desapa­recer a maior parte dos testemunhos materiais que documentavam esse provir, destruindo ou lançando ao lixo os últimos resquícios desses momenf.os de esplendor, isto de tal modo que nos tempos que decorrem são poucos os restos disponíveis que possam ser utilizados ou de­posij'ados em lugar conveniente, de modo a que possamos legar aos nossos vindouros aquilo que os nossos pais e avós menospre­zaram.

Que perspectivas para um vinho que du­rante muito tempo apenas teve como suporte de comercialização a sua imagem histórica rememorada por monarcas, poetas ou drama­turgos ?

Que fazer perante uma aotividade viti­-vinícola rotine,ira e costumeira alheia aos avanços tecnológicos e botânicos?

Estas e muitas mais questões pairam no panorama político-económico regional faltan­do aqui e acolá so'luções adequadas capazes de reabil'itarem ou fazerem perdurara ima­gem, fama e qualidade do vinho da Madeira.

Na visão do historiador, o vinho da Ma­deira celebrado e saboreado por monarcas e

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aristocratas quinhentistas e se'iscentisras, com­panheiro de viagem de exploradores e colo­nialistas setecentistas e oitocentistas i aquele que os deuses do Olimpo se o bebessem tro­cavam pelo néctar; perdeu-se nos pergami­nhos da história.

A capacidade e ganância do ilhéu oito­centista fê-lo perder qualidades e clientes. E, a natureza castigou-o com o oídio e filoxera, fazendo destruir as cepas que produziam o vinho afamado.

Das soluções à reposição do «status quo» caduco passaram muitos anos e o potencial apreciador do rubinéctar insular fê-lo substi­tuir pelas hodiernas bebidas alcoólicas.

A História é um movimento irreversível e progressivo da acção do Homem, daí que o historiador manifeste o seu desagrado com as medidas ou soluções que mi,litem uma repo­sição num meio onde se torna impossível. Ape­nas nos resta, a nós (historiadores e historia­dos) agarrar o fio condutor do tempo e re­temperados com as exigências e acções pas­sadas avançar pelo rumo que o passado/pre­sente nos traçar.

Deste modo a viti-vinicultura madeirense está carecida duma política capaz de abarcar os problemas existentes, cujas raízes históricas são muito profundas, a qual passa pela exis­tência duma região demaroada e a condução, até às últimas consequências da reconversão da vitis vinífero, repondo o conjunto de castas que deram e continuam a dar nome à ilha. Praz-nos sal'ientar a acção e impulso do Ins­tituto do Vinho da Made'ira que teima em dar aos nossos avoengos a imagem merecida do vinho ilhéu.

NOTA:

Pa,ra a, elaboração desta breve resenha histórica sob1'e o 'vinho da Madeira servimo-nos do material colhido para a elaboração de alguns trabalhos, em vias de pu,blicação, sobre o referido tema. Remete­mos as informações complementares e a constatação do que aqui se refere para, os seguintes textos:

,..

1.° - O vinho da Madeira - séculos XVIII/XIX (prod1tção, preços, circuitos e mercados). No prelo.

2.· - O vinho da Madeira - Álbum. No prelo.

S.· - História do Vinho da Madeira, séculos XV a XX (em preparação).

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ANTOLOGIA DE TEXTOS ALUSIVOS AO VINHO DA MADEIRA

- «Se eu fosse tLm antiquário, s6 'teria olhos para as coisas velhas. Mas sou um historiador. lU por isso que amo a vida.»

Henri Pirenne

Ao saborearmos um cálice de vinho Madeira velhíssimo, ficamos extasiados pelo seu aroma e sabor pondo de parte a imagem que o mesmo re­flecte, da sua laboração hã jã um ou dois séculos ; a época de esplendor do vinho da Madeira. Ignora­mos a parte amarga: o colono na sua labuta diária no campo e nas adegas, o árduo trabalho das vin­dimas, os borracheiros no seu passo cadenciado, de­nunciado pelo eco dos seus cantares, por entre as encostas da Dha.

Para podermos recriar essa ambiência temos que agarrar os restos materiais e fazê-los reviver na sua labutá sazonal, ou antes fazer desbobinar o fnme que se esconde por entre a ferrugem e a traça.

Os restos materiais, já carcomidos pela traça e ferrugem e, ainda, exalando o aroma caracterís­tico do vinho Madeira, são o único elo de ligação com esses momentos de esplendor.

No ,princípio, foi a idade da madeira com as latadas, o almude, o funil, o barril e o lagar; depois tivemos a idade dos metais, com as prcnsas, medidas de cobre e folha, os filtros, cubas, .. ; e, finalmente na era da tecnologia, altamente sofisticada, toda essa utensilagem foi devorada em favor d'outra padro­nizada e universalizada.

Os materiais ora expostos traçam-noa a História e Ciclo de Vida do Vinho da Madeira: - A enxada, o podão, a máquina de sulfatar, o fole, documen­tam a faina vitícola. de Janeiro a Julho.

- Os cestos, o lagar, a prensa, as medidas, o barril recriam-nos a ambiência característica da fai­na das vindimas.

- O borracho aviva-nos o ambiente nostálgico das manhãs e tardes de Setembro, em que os bor­rache iras animam a paisagem com o seu cantar ca­denciado e triste. Hoje, o barril e posteriormente o automóvel destronaram-no.

- A tanoaria, com a sua utensilagem caracte­rfstica, a partir da qual o tanoeiro trabalha a ma-

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deira, com engenho e arte. - Os materiais de laboratóriO' - pipetas, alco­

ómetros, colorímetros, areómetros, ferrómetros ... -que apuram a qualidade e trato do vinho.

- Os materiais de engarrafamento - máquina de encher, de capsular, rotular - que preparam o célebre rubinéctar de modo a que possa chegar atempadamente ao lugar de consumo.

São vestígios de um passado, relíquias preciosas até hoje esquecidas, que atestam o viver e a faina quotidiana dos nossos vindouros.

Alberto Vieira 1/10/82

(texto de abertm'a ao catálogada exposição reali­zada em Outubro .de 198~ no Ji'unchal)

- Há ttés cousas por excelência boas e deliciosas na Madeira: é o clima, são as mulheres e são os vinhos; Ulna8 como outras, como que nos embria­gam; umas como outras são dignas de elogio e pedem apreciações moderadas. E que o clima excita-nos a vida, é que tanto as mu­lheres como os vinhos sabem enlevar o espírito fa­zendo palpitar corações. ( ... ) O vinho não é uma simples combinação; é um pro­blema de gosto, é um alimento e um grande agente terapêutico de primeira ordem.»

(João Altgusto Martins - Madeim, Gabo Vel'de e Guiné, Lisboa, 1981, pp. 89/41)

- Perfuma e alegra o solo um vinho histórico, pro­duto de castas primitivas, sangue de raça a perpe­tuar na ilha o nome de Portugal. Foi este vinho companheiro dos colonos na rota da descoberta; postou-se de guarda à porta de suas casas, de braços abertos, numa ramada acolhedora a parentes, ami­gos e vizinhos; dá-lhe vida no trabalho; vibra-lhe na alma em festas de familia e todos os anos se renova no barril ou quartola para o aquecer no In­verno, estugar-Ihe o passo nas romarias do Verão, firmal' promessas, selar contratos, fechar negócios e ser providência económica no seu lar.»

ID

(B. Pereira -Ilhas de Zm'go, Fun­chal, 1967, vol. I, pp. 558/9)

- O vinho da Madeira correu mundo - singrou por todos os mares e rompeu todas as fronteiras. Está permanentemente nos festins de Francisco I de Fran­ça e de Carlos II da Inglaterra; faz parte das re­feições de Fernando da Bulgária e é colocado nos porões da nau-cárcere que conduz Napoleão ao ca­tiveiro de Santa Helena. Anda por congressos in­ternacionais, conquistando fama e enriquecendo-se

de premlOs, desde a medalha de ouro à legião de Honra. (: ... ) E oferecido a reis e a príncipes regentes, a chefes de estado e a ministros, a senhores feudais e a bur­gueses opulentos ... O vinho de Anacreonte, que o levava a coroar-se de rosas quando esvasiava a última taça, não seria um malvasia de cuja casta vieram para a Madeira al­gumas cepas'? .. »

~

(E. Nunes - Porque me 01'g1!lho de seI' madeirense, Lisboa, 1951, pp. 21/29)

O MADEIRENSE MODELA O ROCHEDO

E o vilão ataca e tritura a rocha para a trans­formar em solo agrícola; geme sob o peso de enol'­Ines pedras para construir um socalco; marinha pelas falésias para conquistar um palmo de terra, mesquinha gleba, pouco maior por vezes do que um ninho de águias . alcandorando no pendor de uma fraga. Antes de ser agricultor, é cabouqueiro e ar­quitecto. Labuta de sol a sol e transforma o seu horto, a sua courela, num jardim. Onde a água cor­re, o agricultor heróico e operoso faz milagres; a levada empurra-o e ele empurra a levada. Novos paios se sobrepõem a outros paios, e assim esse tra­balhador humilde, além de transportar sobre os om­bros o peso da sua cruz, constrói nos degraus da montanha o seu próprio calvário. E a Madeira so­brepovoada que luta heroicamente para viver.

Este vilão madeirense, de torso hercúleo, más­cara rude e austera, personificação da paisagem, figma de painel quinhentista; o homem que cinzela montanhas, escala abismos e amansa torrentes, é uma figura estranha. Não se deixou vencer pelas seduções traiçoeiras do clima desta antessala dos trópicos que despertam em nós, lusíadas indolentes, sonhadores e sensuais, o horror ao esforço paciente e metódico. A meus olhos, o vilão é um português que teve a coragem de partir a guitarra, aquela guitana que todos nós trazemos na alma e no co­ração a consolar-nos, com seus acordes de plangente fatalismo, dos desencantos e dos fracassos da vida.

@

(J. Vieira Natividade. Madeira - a epopeia rural, Funchal, 1954,pp. 89/40)

.A VINHA NA MADEIRA

Hás-de neZa encont1'ar cepas viçosas em partes do teneno tr'ansplantadas já mostrando seus frutos pampinosas paI' mãos da natureza agrioultada: fará que destas parras viçosas fiquem as terras brevemente inçadas

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p01'que farão nos séculos vindouros o prazer das nações, os seus tesouros

Seja pois esta a planta mais querida de que tratem os incolas primeiros: seja p, terra de cepas ,revestida em vez de louros, cedros e pinheiros: a cuztura das parras seja a lide dos que forem aU teus companheiros dizer-te nada mais me cumpre agora, na enseada que vês 6 Zarco ancora.

e

(Francisco Paula Medina e Vascon­celos - Zargueida, Lisboa, 1806, canto IX, estrofes XXIII e XXIV)

EXCLUSIVISMO DO VINHO

- O vinho é o único género abundante que pro­duz esta ilha e faz toda a sua riqueza é a moeda que maIs gira como equivalente do mais que im­porta para sustento de seus habitantes alimentados unicamente do seu produto sem recurso de nenhuma outra produção de outras bebidas capazes de adul­terar os vinhos bons de embarque ou paralizar a venda dos baixos nas tabernas, que desta forma não vendidas se exportam com descrédito dos legais de embarque.

- A Madeira é uma provincia de precária sub­sistência e não produz grão que chegue para con­sumo de dois meses e outros vegetais frutuosos ape­nas darão subsistência para mais um mês, de ma­neira, que o sustento de 8 para 9 meses lhe é im­portado. Ela não tem fábrica, nem produção alguma outra filha da natureza, ,ou de arte que socorra a esta e as outras precisões, além dos seus vinhos ge­nerosos,

e

(Documentos de 1819 e 1821, in Ar­quivo Hist6rico-Ultramar'ino - Ma­deira e Porto Santo, N," 4625; Ar­quivo NacionaZ da Torre do Tombo - Provedoria e Junta da ReaZ Fa­zenda do Funchal - N." 963, fol. 85V·/6; Arquivo Regional da Ma­deira - Registo Geral da aamara do Funchal, T, 15, fols. 100Vo/4)

O VINHO CAI EM DESGRAÇA

As aturadas guerras continentais e o recíproco bloqueio que impuseram o governo inglês e Napoleáo Bonaparte, fizeram com que a ilha da Madeira se encontrasse com vinhos no mercado inglês e ser por isto ela só quem fornecia a Grá-Bretanha e suas imensas colónias deste artigo. Foi por esta simples causa que este produto do seu solo obteve uma de-

manda prodigiosa a par de um preço excessivo e por esta s6 também simples razão os habitantes des­tas ilhas abandonaram toda a espéCie de agricultura e indústria que não fosse a cultura dos vinhos, fa­zendo-se indiscretamente dependentes da sorte, boa ou má deste só único produto. Com o produto das vinhas pagavam toda a classe de artigos necessários à vida e de luxo e, apesar de tudo a circulação de então em metais preciosos foi prodigiosa, a pro­priedade civil e rural se elevou a um valor difícil de se acreditar e a principal de todas, o jornal se­guiu a mesma proporção regulando e sendo regulada pelo valor dos vinhos e de toda a espécie de pro­priedades.

Após dos ingleses que se apoderaram do comér­cio e das riquezas acidentais que promoviam, veio o luxo e este fatal companheiro da riqueza também seguiu aos habitantes destas ilhas em todas as suas direcções.

Tal era o estado da provincia em 1815, quando pela queda de Napoleão Bonaparte teve lugar a paz continental. É pois nessa época que principiam as misérias desta ilha, ainda que desde esse instante se não manifestassem, porém foi desde então que as nações do continente ficaram habilitadas a concor­rerem ao mercado inglês e do mundo com os vinhos da Madeira e ainda mais a suprir esta província dos géner.os e do mundo com os vinhos da Madeira e ainda mais a suprir esta província dos géneros de primeira necessidade que possuindo-os como é da natureza desta operam infinitamente mais baratos e regulando estes toda a espécie de valores, lança­ram estas causas e esses efeitos a esta capitania em embaraços extraordinários, porém consequentes,

A imensa circulação de capitais, a carestia con­sequente dos jornais e a exclusão que tinham seus vinhos no mercado inglês formou a base natural da carestia deste produto. A paz continental rompeu toda a espécie de equilíbrio nas relações e interesses desta ilha.

As nações da Europa que pela guerra tinham sido distraídas dos exercícios pacíficos e pelo blo­queio continental privadas de concorrerem com seus vinhos no mercado a par dos da Madeira, se apres­saram anciosas a aparecer com este produto não só no mercado inglês, mas também no do Mundo, Em tempo desse bloqueio as nações que o sofreram se aplicaram a criar entre si recursos de toda a espécie e que conforme as visitas do seu valor criaram em último resultado a base da independência desses po­vos.

A Madeira nesse tempo mais feliz, excluíu pela mesma razão toda a espécie de agricultura e indús­tria que não fosse a criação dos vinhos. É por isto que agora se vê nas tristíssimas circunstãncias de compra de todo o artigo de necessidade e luxo e essas nações que habilitadas agora com a paz, com esta província igualmente concorrem com os vinhos infinitamente mais baratos. Se a isto se acrescenta

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a natureza custosíssima da agricultura da Madeira comparada com a dessas nações que além de a for­necerem de trigo e milho e, enfim, de tudo, rivali­zam com ela com seus vinhos por preços inferiores, se achará à primeira vista a razão da posição de­sesperada e difícil em que estes povos se encontram agravados cada vez mais por outras causas imedia­tas, acidentais e secundárias, que por sua enorme gravidade e transcendência passo a expor.

No tempo da prosperidade, os ingleses aqui es­tabelccidos com o fim de amadurecer os vinhos e de dar a maior quantidade possível ao mercado, es­tabeleceram as estufas, nas quais fazendo ferver os vinhos lhe davam uma naturalidade ou velhice for­çada c prematura e como tais os vendiam. Então pela cscassez deste artigo no mercado inglês e do mundo, livre do bloqueio continental foi dissimulada ou não advertida esta falsificação, sempre em des­crédito da real e superior qualidade dos vinhos, co­mo também da pública fé; por uma fatalidade e ao mesmo tempo justiça os médicos decidiram que os vinhos da Madeira e não havendo uma corporação poderosa, que revestida de certos privilégios sepa­rasse os bons vinhos dos maus, todos caíram em descrédito.

Por estas causas, os vinhos destas ilhas têm há seis anos ficado estancados nos seus armazéns ou nos do mercado de Londres e outras partes, pois o que se tem embarcado de então para cá tem sido mais objecto de uma operação forçada e prejudicial, do que efeito de ordens encomendadas para esses mercados. Desde que esses transtornos tiveram lu­gar foi preciso comprar tudo, absolutamente tudo com o dinheiro que se tinha acumulado no tempo dessa efémera prospcridade, porém como o comércio inglês era o comércio por excelência destas ilhas e o que portanto se tinha apoderado do seu giro grosso e meúdo, este apenas viu o transtorno a que estas ilhas eram condenadas, passaram seus principais ag"entes com seus capitais para Inglaterra e outras partes, deixando apenas seus caixeiros recompensa­dos com a firma da casa, estes sem fundo não po­deram derramar espécie alguma de recursos no país e só se destinaram a exercer a perniciosa operação das liquidações que não tiveram lugar nos tempos de prosperidade. O comércio nacional foi cousa que não existiu de 1810 e por isso sobre seus recursos nada se pode ventilar nem esperar. O dinheiro que nesse tempo se acumulou nas mãos dos habitantes teria sido suficiente a amparar este golpe se instan­taneamente o luxo não lhes houvesse arrancado.

(Relat6riodo governador José Lú­cio Travassos Valdez de 182"/, in Arquivo Histórico Ultramarino, Ma­deira e Porto Santo N.' 10256)

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• A lvIOLJ!:STIA DAS MOLlilSTIAS

Apareceu entre nós a moléstia das vinhas em 1852, com ela a aniquilação completa da produção quasi exclusiva do nosso pais, da única produção agrícola que ainda dava vida às nossas relações co­merciais com os povos estrangeiros e de que vivia­mos bem ou mal. ..

Já antes da moléstia das vinhas, não eramos ricos, nem felizes; a nossa indústria agrícola a tro­peçar todos os dias em graves erros económicos não se aperfeiçoara, nem desenvolvia, as vinhas em mui­tas localidades não produziam as despesas da cul­tura e pode-se dizer que os lavradores as cultivavam, não Ja por interesse, mas por amor, ou por uma espécie de gratidão aos interesses passados.

Já antes da moléstia das vinhas, milhares de colonos abandonavam esta terra desgraçada e emi­gravam para países pestíferos da América, alguns levados, é verdade, pela ambição e fascinados por promessas sedutoras de vis aliciadores, mas a maior parte fugidos da fome e miséria.

Já antes da moléstia das vinhas eramos um po­vo desgraçado, que marchávamos descuidados e a passos surdos no caminho que nos havia de conduzir à ruína inevitável. Já nessas épocas passadas, aquele que despertasse da espé;cie de torpor em que todos jaziamos e reflectisse um pouco, havia por certo de antever um futuro mais horrendo e assustador, do que o presente que tanto nos assombra.

Então será porventura a causa única de nossos males, ou a que devamos prestar maior atenção, a moléstia das vinhas, quando a despeito desta ha­víamos de sentir aqueles ? Ou será verdade que a moléstia das vinhas não fez mais do que apressar uma crise, porque mais cedo ou mais tarde, havíamos de passar devido a outras 1»

• (Texto de A. Gonçalves publicado no «Clamor Público», N.' la, p. 1)

DA DESGRAÇA AO DESEJADO

Do vasto Oceano flor, gentil 1\fadeira, Que de murta viçosa o cimo enlaças, Sóbria a teu seio amamentando as Graças Co' o 11ítreo StLCO da imortal Pan·eij"a.

Daquele, que em ti viu :a lhtz primeira, Se acaso é criveI que inda apreço taças, Entre o prazer das brincadoras taças, Recolhe a minha produção rasteira.

:Gi donativo escasso, eu bem conheço; Mas o desejo, que acompanha a of'renda, Lhe avulta a estima, lhe engrandece o preço.

Deixa que a roda o meu Destino prenda;

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Em cessando estes males, que padeço, Talvez então mais altos dons te ,'enda,

(soneto de Francisco Alvares de Nó­brega, ln Luís Marino - Musa In­sular, Funchal, S/D, p, 54)

A desgmça da Madeira foi a doença da vinha escusa procura?' mest1'e p'ra aprender adOltt1'ina

6

(E, A, Pestana - Ilha da Madeira - I - Folclore Madeirense, Funchal, 1965, p, 196)

CULTURA DA VINHA

«As t.erras menos alagadas, como é natural, são as que dão melhores vinhos, Nas propriedades mais bem cuidadas, o solo é aberto até à profundidade de dois metros ; o bacelo, plantado fundo, alonga-se pelo gavião a procurar a humidade do subsolo, única que lhe dissolve os elementos necessários à sua nu­trição, Para que a vinha se não tente com a alimen­tação fácil de Inverno, mas improfícua no Verão, das mais altas camadas de terreno, as raízes supe­riores são cortadas permitindo-se-Ihe unicamente es­se árduo trabalho de mineiro que há-de garantir-lhe, por longos anos, o sustento e a produção dos seus saborosos e abundantes cachos de ouro,

Só no fim de três anos é que o bacelo dá colheita apreciável. O seu tratamento não é muito trabalhoso: dá-lhe uma cava em Janeiro para arejar a terra, metendo-se-Ihe o empoçamento da água das chuvas e o seu escoamento profundo na direcção do pé,

Duas enxofrações, uma esfo1l1a depois da flor vingada, c outra mais tarde para amadurecer o bago, é tudo quanto se concede de mais privativo à vinha, Indirectamente recebe ela outros benefícios que vi­sam ao desenvolvimento de certas culturas hortlcu­las, medrando sob as latadas durante o tempo em que a ausência da folha permite a luz do sol chegar ao telTeno agricultado»,

(Quinto Centenári o do Descob1'imen­to da MadeiTa, Funchal, 1922, pp. 4112)

AZAFAMA DAS VINDIMAS

«Os colonos ao passo que as uvas amaduravam, dirigiam-se ao senhorio ou feitor a pedir licença pa­ra fazerea a colh eita, a apalavi'arem o dia de em­préstimo dos lagares, (" ,)

.. . por toda a parte, em montados, fajãs, cabeços, fraldas da montanha, um agitar de braços fazia

estremecer as folhas das vinhas, Velhos e gente nova, munidos de facas e navalhas, cortavam os cachos que lançavam para dentro dos cestos peque­nos, os quais por sua vez, se despejavam em barre­leiros, que se enchiam, até que as uvas, acamadas umas sobre as outras para cima da roda da beira se acogulavam, ( .. ,) trabalhadores a carregarem os barreleiros às costas a caminho do lagar .. ,»

(H. B, de Gouveia, A Canga, Coim­

bra, 1'P. 116/7)

Por Regimento de 12 de Agosto de 1785 se regulamentou o processo das vindimas na ilha, de modo a evitar os abusos praticados pelos colonos, que <<não esperão que as suas uvas estejão perfei­tamente sazonadas para as vindimarem; nem no tempo da vindima fazem a precisa escolha que se requer para que não se misture o verde com o ma­duro, .. »,

No mesmo regimento se estipulava a data certa para a vindima em cada localidade, ficando o cum­primento desta regulamentação a cargo de um ins­pector coadjuvado por inspectores locais,

(ADF-GC-N,' 70, fols. 29Vo/313)

TROVAS A VINDIMA

Menina q'andais à folha na panei/'a d'alicantc dai-me um cachinho d'uvas pUJ'a dar ao melb amante

Yenha vinho venha vinho venha ma'is meia canada quem quiser' beber' mais vinl.o ponha a boca na levada

No mei o daquele mar está uma parreil'a d'1tVas não há faca que as corte lá se perdem de maduras

Contando a bela pinga desta nossa tel'1'a inteira em todo o mundo não há vinho como o da Madeira

O< meu amor anda às uvas J'

eu sou o seu ajudante, Vou apanhando e comendo, qu'a pa)'Teira tem bastante

(Carlos M, Santos - Trovas e bai­lados da ilha - estudo do folclore musical da Madeira, Funchal, 1942, pp, 105, 109, 139, 150) , E, A, Pestana - Ilha da Madeira - I - Folclore Madeirense, Funchal, 1965, p, 142),

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o LAGAR TíPICO MADEIRENSE

• DESORIÇÃO

A espremadura das uvas faz-se a pé calcante, a dentro dum reservatório que antigamente era um simples tronco escavado, em geral de dragoeiro, que constituia o velho lagar de coxo.

Fez-se depois de tábuas justas, calafetadas em caixa aberta com biqueira na base, sobre um suporte de traves, encimando-o a vara do lagar, grossa viga articulada num extremo e apoiada no outro por uma porca, onde vem morder um alto parafuso de ma­deira, ligado a um pesado bloco de pedra. Esta sus­pende, ao elevar-se o parafuso de pau branco, trans­furando a vara, e actua como reforço, premindo de alavanca inter-resistente sobre o bagaço, depois deste ter sofrido o primeiro piso, a pé nu lavado.

Há pequenos lagares mais simples, sem para­fuso, e então .o reforço do peso é feito num prato, como os de balança decimal, onde sucessivamente se vão colocando pedras, aumentando a potência de espremeção, sobre o «frasca!», em forma de pão de açúcar, formado pelos engaços e folhelho, apertado espiralmente por uma resistente corda fabricada de esparto ou raízes de era.

• EVOLUÇÃO

(A. Sarmento - Not'ícia hist6rico­-militar sobre a ilha do Porto San­to, Funchal, 1983, pp. 94/5)

Pisam os homens as uvas nos lagares, de calça arregaçada até ao joelho, músculos estriadas e faces congestionadas. E há 44 lagares em actividade, cons­truidos de cimento, assim como as tinas. Os de ma­deira de til com tinas feitas de ripas arcaizaram-se e aproveitaram-se as tábuas. O cimento conferiu aos lagares uma eternidade que a madeira não podia dar. E, de feito, a substituição desta por aquele trouxe vantagens ao lavrador. Pois os lagares de madeira, todos os anos, por altura das colheitas, ti­nham de ser calafetados. Através das juntas das tábuas, com o batuque das repisas e no ardor ainda maior de tirar do bagaço a água-pé, as pranchas davam de si e o mosto começava de pingar. As tinas apertadas por arcos de ferro também se desconjun­tavam. DE:ixou, portanto, de haver a preocupação do conserto, semanas antes das vindimas, além de que era outra a durabilidade.

Introduziu-se, há muitos anos, a prensa no lagar, mas, no norte da ilha não vingou o moderno aper­feiçoamento da técnica no espremer das uvas. Mais dispendioso, menos prático e de resultados não su­periores ao processo primitivo. Pelo que o sistema da vara corpulenta de pinho ou de castanho e o

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fuso de pau branco, das nossas serras, continua man­tendo o costume, posto que absoleto, dos avoengos . A mesma corda grossa a enrolar o monte dos en­gaços, se bem que o chincho a vá substituindo, as mesmas peças de madeira, o tampão e os dormentes, sobrepostos àquele e até tocarem a parte inferior da vara, a mesma pedra redonda, volumosa e pesada, com um buraco ao de cima, onde sai um ferro que se encaixa na base do fuso e se prende a ele.

(Horácio Bento de Gouveia - Oa­nhenhos da. ilha, Funchal, S/D" pp.

124/5)

O TRANSPORTE DO VINHO

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O BORRACHO

A pele (de cabra) emprega-se no fabrico de borrachos (odres) para transportar vinho dos laga­res para os armazéns, ... 0 borracho é feito de pre­ferência da pele do macho, voltada de dentl'o para fora, depois de sangrado junto dum ouvido e de es­folado pelas orelhas. Pelas aberturas do pescoço e dos ombros, cortados nas articulações inferiores, aparta-se a pele da carne deixando parte do tecido da barriga para fortalecer aquela nessa região. «Fe­chado o borracho pelos membros e extremidades deste é lavado interiormente com água e cinza, a fim de se poder arrancar mais facilmente parte do pelo. Ê deitado em seguida a curtir num banho de casca de vinhático que lhe dá uma cor avermelhada. Passadas estas operações, procede-se à insuflação do ar pela abertura do pescoço, apertando o borra­cho pela parte média para que forme cintura e se torne mais cómodo para .0 transporte (horizontal­mente) sobre os ombros. A suspensão faz-se ligando a pele dos membros próximos, anterIores e poste­riores, em forma de ansas, às quais se prende a testeira-arriscol-formada de duas cordas paralelas (de lã, linho ou estopa entrançada) que vem apoiar­-se sobre o frontal elo condutaI')) (A. Sarmento - Zo­ologia Local).

(E. O. N. Pereira-nhas de Zargo, I, Funchal, p. 423)

OONDUÇÃO DOS VINHOS EM 1777

« ... não se praticão as colheItas como no reino, que vão passando dos lagares a encubar nas adegas. mas como as terras estão aqui divididas em porções módicas de colonos, estes pisando suas módicas por­ções, que logo imediatamente conduzem a meia parte respectiva ao senhorio para a cidade, nem dão lugar

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..... a tirar guias, o que é impraticável por ser a con­dução em barris de dois almudes, ou odres sobre ombros de homens, porque a escabrosidade dos ca­minhos faz impraticáveis outras condições.»

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A GORÇA

(ANTT - PJRFF - N." 994, pp. 8/ /11)

... aqui não há barros, há um equivalente, vem a ser um madeiro, que é conduzido de rastos, preso ao jugo dos bois, a que dão o nome de corça. E este veículo conduzem pipas de vinho, pedras, paus de todo o tamanho, pesos extraordinários ...

• O BAROO

(AFIU - Madeira e Porto Santo­N." 3281)

Enchem-se as pipas que .os camiões hão-de levar para a cidade. Vieram eles em corças que arras­tavam juntas de bois, seguiam para o calhau. Eram amarradas em grossas cordas e, uma atrás da outra, empurradas pelos barqueiros na maré cheia, geral­mente, quando a ondulação permitia. O bolinete de bordo enrolando a corda presa à primeira pipa ia puxando a bicha enorme de pipas.

(Horáoio B. de Gouveia - Ganhe­nhos da ilha, pp. 58/9)

VINIFICAÇÃO MADEIRENSE

Era então pequeno o número de cepas, princi­palmente cultivadas na Madeira: verdelho, malvasia, boaI, sercial, tinta. O vinho feito de uvas de uma só variedade tomava o nome da cepa que o produzia; quando no vinho entravam uvas de diversas varie­dades, ele tomava o nome de vinho Madeira.

Na apreciação do vinho tinham-se em conta o sitio e a exposição; a maturação da uva, que muitas vezes se queria que estivesse meio passada, o que exig-ia sempre uma rigorosa escolha, para que o vinho da uva bem madura ficasse separado do da uva menos madura, que era chamado vinho de es­colha, ou vinho verde; os anos mais chuvosos e frios eram cuidadosamente notados nas reservas anuais; de modo quc quando as casas exportadoras compra­vão o vinho antes da colheita, os cultivadores não tinham, geralmente licença para a vindima, senão depois d~ terem sido enviados inspectores para essas casas, para verem se as uvas estavam capazes.

Mas, a esse tempo, os exportadores, para mais

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segurança costumavam comprar o vinho, depois de claro, aos colonos, aos senhorios ou a comerciantes intermediários. Por isso a colheita da uva era feita sempre com malar cUidado; só depois o vinho ia dos lagares para as adegas ; onde permanecia en­quanto fermentava.

Se era sercial, a fermentação durava enquanto havia açúcar no vinho, que por isso, ficava seco e mais alcoólico, e se tornava, depois mais aromático, Se era malvasia ou boal, numa palavra, era vinho que não contivesse fermentos suficientes para des­dobrarem todo o açúcar, o vinho ficava doce, menos alcoólico, e não se tornava tão aromático.

Se era vinho Madeira ficava, mais ou menos doce, mais ou menos aromático segundo as varie­dades das uvas que o tinham produzido.

O vinho era especialmente notável por sua cor escura que perdia com o tempo».

O vinho clarificava «quando os fermentos ti­nham desdobrado todo o açúcar, ou quando havia mais fermentos em actividade que desdobrado sem o açúcar». A partir de então retirava-se as borras e os exportadores os conduziam ao trato no canteiro.

Os vinhos menos alcoólicos incapazes de manter inertes os fermentos eram submetidos a maiores tra­tamentos com clarificações, balde, celha e por vezes a clarificação deveria fazer-se com ovos, goma, leite, sangue, barro.

O sercial, de todos o mais alcoólico, é também o que requere menos trabalho ( ... )

Mas ao passo que as clarificações e transfegas se iam tornando menos frequentes à medida que os fermentos iam sendo ellminados, o vinho ia per­dendo, sem sair do canteiro, o gosto, o sabor, o cheiro e cor de novo, e adquirindo o gosto, sabor, o cheiro e a cor de vinho mais velho; até que quando, pas­sados quatro .ou cinco anos, o vinho podia conservar­-se, por muito tempo, sem alteração, em vasilha fechada e longe de vinhos mais novos, era consi­derado pronto para consumo, tendo adquirido as qua­lidades especiais que o caracterizavam.

Assim o sercial, côr de topázio claro, tornava-se seco, muito alcoólico e muito aromático; o malva­sia, também côr de topázio, talvez mais apertada, do que a do sercial, conservara-se menos doce do que o malvasia mas tornara-se um pouco mais al­coólico e menos aromático; o boaI, de côr seme­lhante à do sercial, conservara-se menos doce do que o malvasia mas tornara-se um pouco mais al­coólico e aromático; o tinta, era especialmente ca­racterizado pela sua côr eSCU1'a que os anos fazia desaparecer; .o Madeira, em que encontrava, em grande parte o verdelho e, muitas vezes, o tinta a côr de l'ubim mais ou menos viva e apresentava qualidades um pouco variáveis, segundo as varie­dades das uvas que nele predominavam.»

(D, João da Gâmara Leme - Os trl3s Sistemas de tratamento do vinho, p. 6)

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• A ESTUFA

Consiste o processo de estufar vinho, na seguinte maneira. Qualquer que seja o edüício (em geral são de abóbada), deve ser hermeticamente rebocado a estuque, deixando-se-lhe apenas a porta por onde entra o vasilhame, a qual é também entaipada, de­pois que a cascadura se acha estivada dentro, e apenas se lhe deixa um postigo por onde um só homem possa caber, para ir diariamente examinar com uma lanterna se há novidade dentro. No edüício deve haver uma fornalha, praticamente no interior, porém de maneira que facilmente seja alimentada de fora com o necessário combustível, findo o que é fechada. Em todo o circuito do muro da mesma estufa há um cano ou tubo de cantaria ou tijolo, que faz circular o intenso calor da fornalha por toda a parte, calor que muitas vezes excede a 160 graus de Farenheit, e então líquido ferve dentro da vasilha, como uma chaleira em cima de brasas, tendo-se-lhe previamente feito um furo no fundo superior para não arrebentar. Durante 3 meses ou 100 dias se acha nesta continua fermentação na qual perde em geral 10 p 100 da sua totalidade; então apaga-se a for­nalha e dias depois vão as pipas para o canteiro a fim do vinho ser tratado. li: notável, que até durante o mais auge do calor, entrão neste inferno artüicial homens a isso costumados, e com a ajuda da lan­terna correm os sinuosos espaços com que o vasi­lhame está estivado, o estancão facilmente algum esvaziamento, ruptura ou broca.»

(P. P. Câmara-Notícia {3obre a 'ilha da Madeira) Lisboa) 1841) pp. '16/'1)

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Composição, impressão e gvavuras na Tipografia Angrense, com o­

rientação grâflca de Alamo Oliveira. Angra do He­

r.oismo. Março de MCMLXXXrll