189 Teoria G Prova e Provas 2014

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ANALISTA JUDICIÁRIO DE TRIBUNAIS ÁREA JUDICIÁRIA 2014 Direito Processual Penal Prof. Ana Cristina Mendonça 1 TEORIA GERAL DA PROVA 1. Conceito e natureza jurídica da prova A palavra prova é derivada do latim probatio e se caracteriza, dentro do contexto processual penal, por um conjunto de atos praticados preferencialmente pelas partes com a finalidade de formar a convicção do julgador sobre a existência ou não de uma determinada situação fática. Muito embora a atividade probatória seja de incumbência das partes, o art. 156 do CPP viabiliza a produção de provas de ofício pelo juiz, o que, para muitos autores, caracteriza uma flagrante violação ao sistema acusatório e à inércia e imparcialidade necessárias ao órgão julgador. Vejamos o que diz o referido artigo 156: Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Embora se possa tecer reais críticas ao inciso I do referido dispositivo, pois flagrante a violação da inércia, fato é que o posicionamento majoritário entende que, durante a instrução criminal, os poderes instrutórios do juízo decorrem do próprio exercício da função jurisdicional, podendo o mesmo, em caráter supletivo ou complementar às partes, determinar a produção de provas. As partes têm um “direito à prova” (“right to evidence”), que configura desdobramento lógico do direito de ação. Por tal motivo, já houve entendimento de que a natureza jurídica da prova é a de uma atividade desenvolvida pelas partes. Contudo, é certo que as provas são instrumentos (prova como meio) aptos a formar a convicção do juiz quanto à existência ou não de uma situação fática (prova enquanto fim). Assim, hoje a prova é considerada tanto como uma atividade, quanto como um meio e um fim. É, em regra, atividade exercida pelas partes com a finalidade de se alcançar o convencimento do julgador acerca de determinado fato. 2. Destinatários O destinatário final da prova é o juiz. Porém as partes também são destinatárias, uma vez que para formar a convicção do julgador, necessário que as provas se submetam ao contraditório e à ampla defesa.

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TEORIA GERAL DA PROVA

1. Conceito e natureza jurídica da prova

A palavra prova é derivada do latim probatio e se caracteriza, dentro do contexto processual penal,

por um conjunto de atos praticados preferencialmente pelas partes com a finalidade de formar a convicção

do julgador sobre a existência ou não de uma determinada situação fática.

Muito embora a atividade probatória seja de incumbência das partes, o art. 156 do CPP viabiliza a

produção de provas de ofício pelo juiz, o que, para muitos autores, caracteriza uma flagrante violação ao

sistema acusatório e à inércia e imparcialidade necessárias ao órgão julgador.

Vejamos o que diz o referido artigo 156:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Embora se possa tecer reais críticas ao inciso I do referido dispositivo, pois flagrante a violação da

inércia, fato é que o posicionamento majoritário entende que, durante a instrução criminal, os poderes

instrutórios do juízo decorrem do próprio exercício da função jurisdicional, podendo o mesmo, em caráter

supletivo ou complementar às partes, determinar a produção de provas.

As partes têm um “direito à prova” (“right to evidence”), que configura desdobramento lógico do

direito de ação. Por tal motivo, já houve entendimento de que a natureza jurídica da prova é a de uma

atividade desenvolvida pelas partes. Contudo, é certo que as provas são instrumentos (prova como meio)

aptos a formar a convicção do juiz quanto à existência ou não de uma situação fática (prova enquanto fim).

Assim, hoje a prova é considerada tanto como uma atividade, quanto como um meio e um fim. É,

em regra, atividade exercida pelas partes com a finalidade de se alcançar o convencimento do julgador

acerca de determinado fato.

2. Destinatários

O destinatário final da prova é o juiz. Porém as partes também são destinatárias, uma vez que para

formar a convicção do julgador, necessário que as provas se submetam ao contraditório e à ampla defesa.

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3. Objeto da prova e objeto de prova

O objeto da prova é o fato que se pretende ver provado. Para se identificar o objeto da prova deve-

se formular a seguinte pergunta: “o que a parte quer provar?”, para a qual a resposta seria: “o fato”.

Entretanto, muitas vezes, uma segunda indagação se faz necessária: “este fato precisa ser

provado?”. Ocorre que existem fatos, tanto no Processo Civil como no Processo Penal, que dispensam a

produção de prova. Assim, por exemplo, no Processo Civil, os fatos incontroversos não precisam ser

provados. Entretanto, o mesmo não pode ser dito no Processo Penal. Aqui, em nome da verdade real,

ainda que o réu confesse os fatos que lhe forem imputados, será totalmente necessária a produção das

provas. Portanto, no Processo Penal, os fatos, ainda que incontroversos, são sim objeto de prova.

Em regra, no Processo Penal, todos os fatos são objeto de prova. Mas, como sempre, para toda

regra há exceções, e dispensam a produção de prova no Processo Penal os fatos notórios (salvo quando

versarem sobre o estado das pessoas, art. 155, parágrafo único, do CPP), os fatos axiomáticos e os

legalmente presumidos.

4. Meios de prova

Os meios de prova são classificados sob três aspectos: quanto ao objeto, quanto aos sujeitos e

quanto à forma.

Quanto ao objeto, a prova pode ser direta ou indireta. Exemplificando, quando um perito examina o

vestígio de um crime produz uma prova, quanto ao objeto, direta, uma vez que o mesmo se manifesta

acerca do que ele próprio está examinando. Da mesma forma, uma testemunha presencial dos fatos fala

sobre algo que ela própria presenciou. No entanto, quando uma testemunha presta depoimento sobre

algo que ela ouviu dizer, a prova é, quanto ao objeto, indireta.

Quanto às pessoas, a prova pode ser pessoal ou real, esta última também chamada material.

São provas pessoais aquelas que detém uma carga de subjetividade, como as provas

testemunhais, a oitiva do ofendido e o interrogatório do próprio réu.

São provas reais as perícias, uma vez que se constituem em provas técnicas, que não têm caráter

subjetivo.

c) Quanto à forma, a prova pode ser documental, oral ou testemunhal e material ou pericial.

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5. Ônus da prova e iniciativa do juiz

Dispõe o Código de Processo Penal:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, ...

Assim, de acordo com o CPP, o ônus da prova seria de quem alega, ou seja, a parte que alegar

determinado fato teria o encargo de prová-lo.

Portanto, o que se vê no CPP não é muito diferente daquilo que dispõe o CPC, em seu art. 333, ao

definir que ao autor compete o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, e ao réu o de provar os

fatos extintivos, impeditivos ou modificativos.

Ocorre, entretanto, que o processo penal não pode se distanciar do princípio constitucional da

presunção de inocência, motivo pelo qual não se pode exigir que o réu produza a prova de sua inocência.

Assim, o ônus da prova, em razão do preceito constitucional acima indicado, reverte todo para a

acusação, que deve provar o que ela própria alega, produzindo ainda prova cuja certeza seja suficiente a

derrubar as alegações do réu. E o réu passa a ter uma mera faculdade, e não um encargo. Caso a prova

da acusação não seja suficientemente segura a derrubar as alegações do réu, o juiz deverá considerar

que é o último presumidamente inocente, absolvendo-o por insuficiência de provas (in dubio pro reo).

Contudo, não há que se falar em total ausência de ônus da prova para o réu. Imagine que o

mesmo alegue possuir um álibi, e não queira ser absolvido por insuficiência de provas, e sim por negativa

de autoria. O álibi seria um fato impeditivo do direito do autor, e o ônus de prová-lo é, sim, do réu.

Questão excelente foi apresentada pela FGV no exame da OAB 2010.2, que achamos importante

transcrever abaixo:

(FGV/OAB/2010-2) 65 Em uma briga de bar, Joaquim feriu Pedro com uma faca, causando-lhe sérias lesões

no ombro direito. O promotor de justiça ofereceu denúncia contra Joaquim, imputando-lhe a prática do crime

de lesão corporal grave contra Pedro, e arrolou duas testemunhas que presenciaram o fato. A defesa, por

sua vez, arrolou outras duas testemunhas que também presenciaram o fato.

Na audiência de instrução, as testemunhas de defesa afirmaram que Pedro tinha apontado uma arma de

fogo para Joaquim, que, por sua vez, agrediu Pedro com a faca apenas para desarmá-lo. Já as testemunhas

de acusação disseram que não viram nenhuma arma de fogo em poder de Pedro.

Nas alegações orais, o Ministério Público pediu a condenação do réu, sustentando que a legítima defesa não

havia ficado provada. A Defesa pediu a absolvição do réu, alegando que o mesmo agira em legítima defesa.

No momento de prolatar a sentença, o juiz constatou que remanescia fundada dúvida sobre se Joaquim

agrediu Pedro em situação de legítima defesa.

Considerando tal narrativa, assinale a afirmativa correta.

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(A) O ônus de provar a situação de legítima defesa era da defesa. Assim, como o juiz não se convenceu

completamente da ocorrência de legítima defesa, deve condenar o réu.

(B) O ônus de provar a situação de legítima defesa era da acusação. Assim, como o juiz não se convenceu

completamente da ocorrência de legítima defesa, deve condenar o réu.

(C) O ônus de provar a situação de legítima defesa era da defesa. No caso, como o juiz ficou em dúvida

sobre a ocorrência de legítima defesa, deve absolver o réu.

(D) Permanecendo qualquer dúvida no espírito do juiz, ele está impedido de proferir a sentença. A lei obriga

o juiz a esgotar todas as diligências que estiverem a seu alcance para dirimir dúvidas, sob pena de nulidade

da sentença que vier a ser prolatada.

Veja que o gabarito é a letra C. Quem alegou a legítima defesa foi o réu e o ônus de prová-la,

portanto, seria do mesmo. Contudo, como a prova produzida pela acusação não foi suficiente a formar o

convencimento do juiz, o réu será absolvido.

6. Princípios

6.1. Verdade real

O juiz julga de acordo com o que está nos autos, não podendo se curvar à vontade das partes, ao

contrário do processo civil, pois no processo penal o bem que está em julgamento é indisponível. O juiz

tem poderes instrutórios suplementares, ou seja, produzida prova e existindo ainda dúvida, pode tentar

esclarecê-la para buscar a “verdade real” (que significa convencimento do juiz, nos limites daquelas provas

produzidas – aliás, uma “verdade processual”).

São limites à busca da verdade real: 1) Transação penal, que abre espaço para a chamada

“verdade ficta”, que é uma mitigação da verdade real; 2) impossibilidade de revisão criminal pro societate;

3) inadmissibilidade de provas por meios ilícitos.

6.2. Liberdade dos meios de prova e livre convencimento motivado ou persuasão racional

Como já observado no início desta obra, vigora no processo penal brasileiro a liberdade dos meios

de prova. Entretanto, exceção ocorre no que diz respeito às provas ilegais (ilícitas e ilegítimas).

Da mesma forma, não há, até o momento de sua valoração pelo juiz, uma prova com maior ou

menor valor probante. Todas as provas são relativas. Não há, portanto, hierarquia entre provas no Brasil.

No tocante aos sistemas probatórios, ou seja, na forma de administração da prova ou gestão

valorativa, adota o direito brasileiro o livre convencimento motivado ou persuasão racional.

6.3. Inadmissibilidade da prova ilícita

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São totalmente inadmissíveis, no processo penal, as provas ilícitas, obtidas com violação das

normas de direito material.

Tal garantia, assegurada no inciso LVI do art. 5º. da CRFB/1988, estende-se às provas derivadas

das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando

puderem, as que seriam consideradas “derivadas”, serem obtidas por uma fonte independente e lícita (art.

157 do CPP).

Entretanto, como o réu não pode ser prejudicado por uma garantia que possui, provas ilícitas em

favor do réu devem ser admitidas.

6.4. Publicidade

Significa dizer que os atos processuais são públicos. O princípio da publicidade é garantido

constitucionalmente, mas também possui previsão no art. 792 do CPP.

6.5. Comunhão ou aquisição da prova

A prova, apesar de ter sido requerida pela parte, pertence ao processo, motivo pelo qual a parte

pode vir a ser prejudicada pela prova que ela própria, voluntariamente, produziu.

6.7. Autorresponsabilidade das partes

As partes são responsáveis pela prova que pretendem produzir. Neste sentido, importante lembrar

que testemunhas importantes devem ser gravadas com o que chamamos cláusula de imprescindibilidade.

6.8. Audiência contraditória

A prova deve ser produzida sob o crivo do contraditório. Significa ouvir a parte contrária quando a

prova tiver sido produzida, salvo no caso das provas urgentes, cautelares e irrepetíveis, casos em que o

contraditório se dará de forma diferida, em momento posterior.

6.9. Oralidade e concentração

As provas serão produzidas preferencialmente em audiência, regidas pela oralidade e

concentração.

7. Procedimento Probatório

Envolve quatro etapas: proposição ou requerimento, admissibilidade, produção e valoração.

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8. Prova emprestada e o princípio do contraditório

É aquela produzida em um processo e transferida documentalmente a outro processo, diante da

impossibilidade de sua repetição. Embora sobre aquele documento haja contraditório diferido, perde a

prova emprestada o valor necessário a uma condenação. No processo penal, o juiz não pode condenar

com base em provas emprestadas.

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PROVAS EM ESPÉCIE

1. Exame de corpo delito e outras perícias

Inicialmente, quando pensamos em corpo de delito, pensamos em laudo de exame cadavérico,

lesões corporais, conjunção carnal e coisas relacionadas ao corpo. No entanto, esse entendimento está

totalmente equivocado. O corpo de delito significa materialização do crime, por exemplo: um exame de

local do crime é um exame de corpo de delito, o exame de balística é um exame de corpo de delito,

existindo assim uma serie de situações que não envolvem o corpo humano.

1.1. Corpo de delito direto e indireto

Corpo de delito direto é o realizado pela perícia técnica, que, analisando diretamente o vestígio de

um crime, elabora um laudo técnico acerca do que foi examinado.

Já o corpo de delito indireto é a prova testemunhal que supre a ausência do corpo de delito direto

(art. 167 do CPP). Importante destacar que não é, necessariamente, a testemunha que presenciou os

fatos, e sim aquela testemunha que presenciou os vestígios, substituindo, assim, a perícia. Sendo assim, é

a prova testemunhal que presenciou os vestígios do crime.

1.2. Indispensabilidade do exame, prova legal e nulidade

O art. 158 do CPP estabelece uma exceção à liberdade dos meios de prova, ao estabelecer a

indispensabilidade do exame de corpo de delito. Trata-se de uma prova pré-definida pela lei, podendo ser

considerado um vestígio de prova legal.

A ausência de exame de corpo de delito acarreta nulidade absoluta como prevê o art. 564 do CPP.

1.3. Peritos oficiais e não oficiais. Número de peritos.

Com a reforma de 2008, o art. 159 do CPP passou a exigir um único perito oficial, não mais se

aplicando a parte inicial da Súmula 361 do STF, que indicava nulidade na perícia realizada por um único

perito. Dispõe, hoje, o art. 159:

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.

No entanto, na ausência de um perito oficial, o juiz nomeará dois peritos não oficiais ou peritos ad

hoc, conforme estabelece o § 1º. do mesmo art. 159:

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§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

Perito oficial é, em regra, concursado, e será designado pelo chefe do instituto de polícia técnica.

Assume o compromisso quando da sua posse, e não em cada perícia realizada.

Perito não oficial ou juramentado é perito de confiança da autoridade judicial, nomeado por ela. O

compromisso lhe é tomado pelo juízo toda vez em que é nomeado. Se não houver um perito na comarca,

serão nomeados peritos extra oficiais, escolhendo-se para tanto pessoas com habilidade técnica na área

específica.

1.4. Laudo e vinculação ao laudo

A pericia elabora um laudo pericial, que é submetido primeiramente às partes, de forma a se

garantir o contraditório e a ampla defesa. O juiz pode ou não valer-se do laudo na formação de seu

conhecimento, portanto, o juiz poderá julgar contrariamente ao laudo, desde que fundamente sua decisão

nas demais provas dos autos (art. 182 do CPP).

1.5. Momento para realização de exame

Perícias devem ser realizadas o mais rapidamente possível. Importante destacar que existem

delitos que deixam vestígios permanentes (facti delicti permanentis) e delitos de vestígios transitórios (facti

delicti tanseuntis), porém a maioria dos vestígios é de natureza transitória, o que impõe a realização da

perícia o quanto antes, de forma a assegurar a produção da prova pericial. Entretando, a nomenclatura

facti delicti tanseuntis é muitas vezes utilizada para identificar as infrações que não deixam vestígios.

Contudo, deve-se ressaltar que, no caso de exame cadavérico, o art. 162 do CPP estabelece um

prazo mínimo de 6 horas após o óbito para a realização da necropsia.

1.6. Perícias desnecessárias

O juiz poderá indeferir perícias desnecessárias. Normalmente essas perícias são requeridas pelas

partes e obviamente elas poderão ser indeferidas pelo juiz, desde que ele fundamente sua decisão.

2. Interrogatório ( art. 185 e ss do CPP)

2.1. Natureza jurídica do interrogatório

Embora no processo penal o interrogatório possa ser elencado como meio de prova, ele na

verdade consagra o exercício da autodefesa por parte do acusado. Como já indicado, a ampla defesa no

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processo penal caracteriza-se pela satisfação do binômio autodefesa e defesa técnica. Da mesma forma,

a autodefesa é exercida pelo réu através dos direitos à audiência e de presença.

Ao falarmos em direito à audiência, referimo-nos ao momento do interrogatório, no qual o réu dá ao

juiz a sua versão dos fatos.

A doutrina apresenta divergências no tocante à natureza jurídica do interrogatório, se meio de

prova ou meio de defesa. Contudo, a posição majoritária é de que o interrogatório é ao mesmo tempo é

meio de prova e meio de defesa, tendo uma natureza mista. De qualquer forma, inegável ser o meio

através do qual o réu exerce o seu direito de ser ouvido pelo juiz, apresentando-lhe, caso queira, sua

versão dos fatos.

Até 2003, o interrogatório configurava-se como ato privativo do juiz, uma vez que acusação e

defesa, ainda que presentes, não poderiam intervir na produção do interrogatório. Entretanto, desde a Lei

10.792/03, o interrogatório ocorre na presença obrigatória do advogado ou defensor, podendo as partes

formular perguntas (art. 188 do CPP), o que garante, durante sua realização, a defesa técnica necessária

à satisfação da ampla defesa, e também do contraditório.

2.2. Necessidade de interrogatório

O interrogatório é necessário como mecanismo de defesa. Como visto anteriormente, a ampla

defesa no processo penal constitui-se no binômio autodefesa + defesa técnica, sendo a autodefesa, em

face do direito ao silêncio e da garantia de não autoincriminação para o réu, disponível.

Por tal motivo, o réu pode abrir mão de se auto defender, mas, caso queira dar a sua versão dos

fatos, o juiz deverá ouvi-lo, ou seja, para o juízo a auto defesa é indisponível. A ausência de oportunidade

ao réu para ser interrogado configura nulidade absoluta.

2.3. Silêncio do réu (arts. 186 e 198 do CPP e art. 50, inc. LXIII, da CRFB/88)

Dispõe o art. 5º., inc. LXIII, da Constituição:

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Neste mesmo sentido, não menos importante o art. 8º., 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica

(Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969):

Artigo 8º - Garantias judiciais

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;

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Compreende-se que o direito ao silêncio, assegurado constitucionalmente, abrange a garantia da

não autoincriminação, expressa no Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992.

Evidente, portanto, que o réu não apenas tem o direito de ficar em silêncio, como também o de não

produzir provas contra si mesmo; daí que não existe, no Processo Penal, confissão ficta.

O art. 186 do CPP, alterado pela Lei 10.792/03, assim estabelece:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Contudo, a reforma de 2003 incorreu no erro de não alterar o art. 198 do mesmo CPP:

Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

Por óbvio que a parte final do dispositivo não se encontra recepcionada pela CRFB/88, não

podendo o juiz considerar o silêncio do réu em prejuízo de sua defesa, conforme disposto expressamente

no parágrafo único do art. 186 do CPP, acima indicado.

Da mesma forma, em razão do direito de não produzir prova contra si mesmo, não será o réu

prejudicado pela mentira.

2.4. Novo interrogatório

Como antes indicado, o réu pode dispor do seu direito de se autodefender, mas para o juízo este

direito é indisponível, motivo pelo qual o réu pode pedir para ser reinterrogado, o que provavelmente será

deferido pelo juiz.

2.5. Interrogatório por videoconferência e outros meios eletrônicos

O réu tem o direito de prestar seu depoimento diretamente ao juiz, na sua presença. Por tal motivo,

a regra é o réu deslocar-se ou ser deslocado até a sala de audiências do juízo. Contudo, em determinadas

situações, excepcionais, o mesmo não é possível, devendo então o juiz deslocar-se para ouvir o réu onde

o mesmo se encontre (como exemplos, temos o réu que se encontra em estabelecimento hospitalar sem

possibilidade de deslocamento, ou ainda o réu preso em regime de segurança máxima, cujo deslocamento

possa implicar em questões de preocupação para a segurança pública).

Ou seja, caso o réu não possa se deslocar ou ser deslocado, o juiz deverá ir ao réu.

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Contudo, desde janeiro de 2009, quando surgiu a Lei 11.900/2009, admite-se o interrogatório por

videoconferência, dispondo o art. 185 do CPP:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. § 1o O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.

§ 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;

IV – responder à gravíssima questão de ordem pública.

§ 3o Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.

§ 4o Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código.

§ 5o Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. § 6o A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 7o Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1o e 2o deste artigo.

§ 8o Aplica-se o disposto nos §§ 2o, 3o, 4o e 5o deste artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido.

§ 9o Na hipótese do § 8o deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor.

Assim, somente em casos excepcionalíssimos será possível a videoconferência no interrogatório,

sendo certo que antes do advento da Lei 11.900/09, o STF manifestou-se pela inconstitucionalidade da

videoconferência em tal ato, seja pela ausência de lei federal que dispusesse sobre a matéria, seja

declarando a inconstitucionalidade da Lei Estadual 11.819/05, de São Paulo, por vício de origem.

Importante frisar, no entanto, que a videoconferência deve ser realizada nos estritos limites e dentro

das exigências indicadas no art. 185, acima transcrito, ou seja, caso ocorra, necessário que o

estabelecimento penal possua uma sala própria, com o sistema de vídeo previamente instalado. A sala de

videoconferência deve ser vistoriada mensalmente pelo juiz, pelo Ministério Público, por um membro da

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OAB e da corregedoria. No momento da audiência, são necessários dois advogados presentes: um com o

juiz e outro com o réu, e os mesmos devem estar em contato em tempo real e privativo entre si.

2.6. Chamada de corréu ou delação

A chamada de corréu ou delação ocorre quando o réu, durante seu interrogatório, deixa de falar

sobre os fatos que o envolvem, passando a falar de fatos praticados por terceiro. Neste momento o

interrogatório passa a configurar prova “testemunhal” contra referido terceiro, devendo ser garantidos o

contraditório e a ampla defesa em relação ao mesmo.

3. Confissão

Muito embora a confissão esteja elencada dentre as provas, para alguns também se caracterizaria

como um mecanismo de defesa, já que se constitui em uma atenuante da pena.

Para que a confissão seja considerada válida, necessário o atendimento aos seguintes requisitos:

pessoalidade (somente o réu pode confessar), explicitude (a confissão deve ser expressa, não existe

confissão ficta no processo penal), clareza, verossimilhança, persistência, concordância (deve concordar

com as demais provas dos autos, de nada serve uma confissão isolada, sem respaldo nas demais provas

dos autos), a confissão deve ser livre e espontânea, e o réu deve gozar de saúde mental.

A confissão pode ser simples, complexa ou qualificada. Em regra a confissão é simples quando o

réu confessa o fato de forma integral e única. A confissão é complexa quando são imputados ao réu vários

fatos e, por conseguinte o réu confessa vários fatos, ou ainda quando confessa parte dos fatos e não

confessa outra parte, existindo uma multiplicidade de imputação. A confissão é qualificada é quando o réu,

ao confessar, traz novos elementos para o conteúdo probatório, embora tenha confessado os fatos.

A confissão é, ainda, divisível e retratável.

4. Perguntas ao ofendido

O ofendido (ou vítima) não é testemunha, motivo pelo qual não presta compromisso, e não pratica

o crime de falso testemunho.

Como qualquer outra prova no Processo Penal, a palavra da vítima tem valor relativo, devendo ser

confrontada com as demais provas dos autos. Entretanto, como existe um evidente envolvimento

emocional com os fatos, a palavra da vítima deve ser vista com reservas, especialmente quando restar

isolada nos autos, não sendo suficiente a uma condenação. A doutrina e a jurisprudência reconhecem,

entretanto, que a palavra da vítima tem grande relevância em crimes contra a dignidade sexual, seja pela

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superação das dificuldades características de crimes desta natureza, seja pela dificuldade de produção de

outras provas em tais casos.

5. Prova testemunhal

Qualquer pessoa pode ser testemunha, seja ela nacional ou estrangeira, menor ou maior, capaz ou

incapaz, ainda que doente mental, etc. Da mesma forma, toda pessoa é obrigada a depor, sujeitando-se,

se for o caso, à condução coercitiva. Entretanto, são dispensados do testemunho as pessoas arroladas no

artigo 206 do CPP:

Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

É característica da prova testemunhal o compromisso de dizer a verdade, que deve ser tomado

pelo juiz antes da testemunha prestar seu depoimento. Contudo, são dispensados do compromisso os

menores de 14 anos, os doentes mentais e as pessoas indicadas no art. 206 acima indicado, quando

chegam a prestar depoimento.

Art. 208. Não se deferirá o compromisso a que alude o artigo 203 aos doentes e deficientes mentais e aos

menores de quatorze anos, nem às pessoas a que se refere o artigo 206.

Todavia, é comum o juiz deixar de exigir o compromisso dos familiares da vítima, ou ainda de

amigos e pessoas próximas desta ou do réu.

A prova testemunhal possui as seguintes características: judicialidade, oralidade, objetividade e

retrospectividade. Assim, considera-se testemunha stricto sensu aquela que presta depoimento na

presença do juiz. Tal depoimento deve ser objetivo, limitado a fatos que guardem relação com o processo,

e não a fatos futuros, e é uma prova oral, não sendo possível à testemunha levar seu depoimento por

escrito. Entretanto, é possível que a mesma leve pequenos apontamentos para serem conferidos em caso

de necessidade, como a data ou outro detalhe específico.

Embora toda pessoa possa ser testemunha, e todos tenham obrigação de depor, há pessoas que

não podem depor em razão do dever de sigilo. São aqueles que souberam dos fatos em razão de

ministério (padre etc), profissão (médico, advogado etc), ofício (instrumentador do médico, secretária do

advogado etc) e função (senventuário da Justiça que atuou no processo etc). Entretanto, o réu pode

desobrigá-los do dever de sigilo, caso em que não será praticado o crime de violação de segredo

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profissional ou similar, mas isso não significa que estarão isentos de sanção na esfera administrativa

específica. Importante ressaltar que as pessoas que sabem dos fatos em razão de função, como o Juiz, o

membro do Ministério Público, os serventuários da Justiça etc estão proibidos de depor, o que significa

dizer que a eles não é aplicável a desobrigação, estando impedidos de prestar depoimento. Trata-se do

impedimento previsto nos arts. 112, 252, incisos II e III, 258 e 274, todos do CPP.

As testemunhas classificam-se em numerárias e extranumerárias (dentro ou não do número

legal); próprias (que prestam o compromisso) e impróprias (ouvidas como informantes); referidas (que

não foram arroladas pelas partes, mas como seu nome foi mencionado por uma das testemunhas no

processo, o juiz decide ouvi-las); contraditas (testemunhas suspeitas; a parte deve arguir a contradita no

momento de sua qualificação, sendo impossível fazê-lo durante ou após prestar seu depoimento, art. 214

do CPP); instrumentárias ou fedatárias (que prestam depoimento sobre uma fase do processo, e não

sobre os fatos em si); de visu (é a testemunha que presenciou visualmente os fatos); presenciais (a

testemunha que presenciou os fatos, não necessitando ter “visto” os acontecimentos; é hoje nomenclatura

mais utilizada, até em função de sua maior abrangência); de caráter (não sabem dos fatos em si, mas

prestam depoimento sobre o caráter, personalidade, conduta do agente em sociedade; é importante para a

aplicação da pena em caso de condenação); computadas (aquelas que são consideradas para o cômputo

do número legal; os informantes são computados, bem como as testemunhas “de caráter”); não

computadas (aquelas que nada sabem de relevante para os fatos ou processo).

O valor da prova testemunhal é o mesmo das demais provas, ou seja, é relativo. O Brasil não adota

a máxima testis unus, testis nullus (uma testemunha, nenhuma testemunha). Isso significa dizer que, no

direito brasileiro, o juiz pode formar seu convencimento no depoimento de uma única testemunha, desde

que fundamente sua decisão, demonstrando os motivos do seu convencimento.

Por muitos anos, o sistema adotado para as audiências de prova testemunhal foi o chamado

sistema presidencialista, no qual as partes não podiam dirigir-se diretamente às testemunhas, devendo

formular as perguntas ao juiz, e este reperguntava à testemunha. O sistema processual brasileiro não é

mais o presidencialista. Porém, também não é o chamado cross examination, muito embora diversos

autores estejam utilizando esta expressão.

O próprio Supremo Tribunal Federal, em recentes julgados, referiu-se à atual sistemática das

audiências como cross examination. Contudo, o atual sistema de audiências apenas se identifica com este

formato do exame cruzado por permitir que as perguntas sejam formuladas diretamente pelas partes às

testemunhas (direct examination). No real sistema do cross examination (exame cruzado), utilizado por

exemplo no sistema norte-americano, as próprias partes examinam as perguntas feitas pela parte

contrária, requerendo o indeferimento das perguntas impertinentes através do conhecido “protesto”.

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Portanto, embora o nosso atual sistema se assemelhe, em parte, ao cross examination, porquanto

as partes podem formular perguntas diretamente às testemunhas, o juiz pode indeferir perguntas de ofício,

da mesma forma que pode complementar a inquirição, em consagração ao princípio da verdade real. Cria-

se, portanto, um sistema próprio, parecido com aquele, é certo, porém não idêntico.

Entretanto, para uma prova objetiva, diante das recentes decisões do STF, o candidato pode

considerar o cross examination como resposta.

Veja o que dispõe o art. 212 supra citado:

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

Ressalte-se que o não respeito à ordem indicada no referido artigo, ou seja, primeiro perguntam as

partes, depois o juiz complementa, caracteriza nulidade relativa, motivo pelo qual a parte deve, em caso

de descumprimento pelo juiz, se insurgir no momento da audiência, fazendo consignar o desrespeito à lei

em assentada, sob pena de preclusão.

O réu tem o direito de presenciar o testemunho, entretanto, é possível sua retirada da sala de

audiências quando sua presença puder causar constrangimento ou humilhação à testemunha. Com a

reforma de 2008, tal providência passou a configurar exceção, uma vez que o juiz deve, na hipótese,

preferencialmente, permitir que o réu assista o depoimento através do sistema de videoconferência. Este o

teor do art. 217 do CPP:

Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.

É possível a antecipação da prova testemunhal, ao que alguns autores chamam depoimento ad

perpetuam rei memoriam (art. 225 do CPP). Outros entendem que esta nomenclatura somente seria

aplicável quando a antecipação da prova ocorresse através de processo cautelar, anterior ao processo

principal.

6. Reconhecimento de pessoas

Dispõe o art. 226 do CPP:

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Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, SE POSSÍVEL, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Repare que o procedimento indicado no inciso II do referido artigo somente será realizado se

possível, e tal impossibilidade não gera nulidade, não passando de mera irregularidade.

É possível ainda que o reconhecimento de pessoas e coisas seja efetuado através de fotografias.

7. Acareação

Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre ACUSADO E TESTEMUNHA, entre TESTEMUNHAS, entre ACUSADO OU TESTEMUNHA E A PESSOA OFENDIDA, e entre AS PESSOAS OFENDIDAS, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.

Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.

Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente.

Verifica-se que é possível a acareação entre todos aqueles que produzem provas orais.

Entretanto, devemos nos perguntar: é possível acareação envolvendo o réu? A resposta positiva se

impõe. No entanto, como existe o direito à não autoincriminação, pode o réu negar-se à produção da

referida prova, da mesma forma que poderá mentir para preservar a si mesmo.

Da mesma forma, não podemos nos esquecer que a garantia à não autoincriminação estende-se

também às testemunhas, que poderão lançar mão deste argumento para evitar a participação naquele ato

procedimental.

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8. Documentos

Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.

A juntada da prova documental pode ocorrer, em regra, a qualquer tempo, até sentença.

Entretanto, exceção ocorre no procedimento do Tribunal do Júri, no qual não podem ser juntados

documentos, na 1ª fase, após a oitiva do réu. Desse momento até o início da 2ª fase, a juntada de

documentos está vedada. Na 2ª fase, podem ser juntados documentos até 3 dias antes da sessão

plenária. Caso isso seja desrespeitado, a prova será ILEGÍTIMA, devendo ser desentranhada. Caso haja

prova importante que deve ser juntada e já se esteja dentro do prazo de 3 dias para a sessão plenária, o

juiz deverá, simplesmente, adiar o julgamento.

9. Indícios

Indício está preconizado no art. 239 do CPP: considera-se indício a circunstância conhecida e

provada que, tendo relação com o fato, permite, por dedução, concluir sobre outras circunstâncias. Sendo

assim, os indícios nos levam a presunções, as quais são insuficientes para um juízo de certeza. Não pode

o juiz condenar com base exclusivamente em indícios.

10. Busca e Apreensão

Preliminarmente, destacamos que busca e apreensão não é uma espécie de prova, possuindo

natureza jurídica de medida cautelar.

Trata-se de medida cautelar que recai sobre coisas e pessoas.

Dispõem os arts. 240 e 241 do CPP:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

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§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Art. 241. Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

Para a busca domiciliar imprescindível a existência de um mandando prévio, expedido pelo juiz

competente. A menção, no at. 241, a uma busca domiciliar realizada diretamente pela autoridade policial,

sem mandado, não foi recepcionada pelo art. 5º., inc. XI, da Constituição Federal:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Da mesma forma, devemos observar que a busca e apreensão depende de um mandado o mais

determinado possível, que somente poderá ser cumprido durante o dia1, sendo certo que a alínea f do art.

240 também não foi, no todo, recepcionada, sendo inadmissível, após a CRFB/1988, a apreensão de

cartas fechadas, por flagrante violação ao disposto no art. 5º., inc. XII:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Quanto à busca pessoal, a mesma pode ocorrer independentemente de mandado, sendo realizada

quando houver “fundada suspeita”, aplicando-se aqui mesmas restrições quanto à inviolabilidade do

domicílio e de cartas fechadas.

A busca em automóveis é considerada extensão da busca domiciliar, salvo quando o automóvel é

utilizado como domicílio.

1 DIA para o Processo Penal é das 6 às 18 horas, ou enquanto houver luz do dia.