1885 d.c - Dom Bosco - Difundir Os Bons Livros

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 DIFUNDIR OS BONS LIVROS Numa carta aos seus salesianos, Dom Bosco, sempre preocupado com o bem da juventude e do povo, recomenda vivamente a difusão dos bons livros. Turim, 19 de março de 1885, Festa de São José. Caríssimos filhos em Jesus Cristo, Deus é que sabe quão grande é o meu desejo de vê-los, estar com vocês, falar das nossas coisas, desfrutar a confiança que nos une os corações. Infelizmente, caríssimos filhos, minhas poucas forças, as seqüelas de velhas doenças, negócios urgentes que me chamam à França, impedem-me de secundar, ao menos por ora, os impulsos do afeto que tenho por vocês. Não podendo, então, visita-los pessoalmente, faço-o por carta, certo de que apreciarão a lembrança constante que guardo de vocês, que são minha esperança, minha glória e arrimo. Por isso, desejando vê-los crescer cada dia mais em zelo e merecimentos diante de Deus, não deixarei de sugerir-lhes, de quando em quando, os meios que julgo melhores para que o ministério de cada um se torne sempre mais frutuoso. Um deles, que pretendo recomendar-lhes vivamente, para a glória de Deus e a salvação das almas, é a difusão dos bons livros. Não receio chamar divino a este meio. O mesmo Deus se valeu dele para regenerar o homem. Foram os livros inspirados que levaram ao mundo a verdadeira doutrina. Quis ele em que em todas as cidades e aldeias da Palestina houvesse suficiente quantidade de exemplares, e que fossem lidos todos os sábados nas assembléias religiosas. Eram, a principio, patrimônio exclusivo do povo judeu. Quando, porém, as tribos foram levadas em cativeiro à Assíria e à Caldeia, a Sagrada Escritura foi traduzida em língua sírio- caldaica, desta maneira toda a Ásia Central pôde te-la na própria língua. Ao prevalecer o poderio grego, os judeus plantaram colônias em todos os recantos da terra. Com elas, multiplicaram-se ao infinito os Livros Santos. Com sua versão os Setenta enriqueceram as bibliotecas dos povos pagãos. Desta maneira, oradores, poetas, filósofos da época colheram na Bíblia muitas verdades. Deus ia preparando o mundo para a vinda do Salvador, principalmente com seus livros inspirados.

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  • DIFUNDIR OS BONS LIVROS

    Numa carta aos seus salesianos, Dom Bosco, sempre preocupado com o bem da juventude e do povo, recomenda vivamente a difuso dos bons livros.

    Turim, 19 de maro de 1885, Festa de So Jos.

    Carssimos filhos em Jesus Cristo,

    Deus que sabe quo grande o meu desejo de v-los, estar com vocs, falar das nossas coisas, desfrutar a confiana que nos une os coraes. Infelizmente, carssimos filhos, minhas poucas foras, as seqelas de velhas doenas, negcios urgentes que me chamam Frana, impedem-me de secundar, ao menos por ora, os impulsos do afeto que tenho por vocs. No podendo, ento, visita-los pessoalmente, fao-o por carta, certo de que apreciaro a lembrana constante que guardo de vocs, que so minha esperana, minha glria e arrimo. Por isso, desejando v-los crescer cada dia mais em zelo e merecimentos diante de Deus, no deixarei de sugerir-lhes, de quando em quando, os meios que julgo melhores para que o ministrio de cada um se torne sempre mais frutuoso.

    Um deles, que pretendo recomendar-lhes vivamente, para a glria de Deus e a salvao das almas, a difuso dos bons livros. No receio chamar divino a este meio. O mesmo Deus se valeu dele para regenerar o homem. Foram os livros inspirados que levaram ao mundo a verdadeira doutrina. Quis ele em que em todas as cidades e aldeias da Palestina houvesse suficiente quantidade de exemplares, e que fossem lidos todos os sbados nas assemblias religiosas. Eram, a principio, patrimnio exclusivo do povo judeu. Quando, porm, as tribos foram levadas em cativeiro Assria e Caldeia, a Sagrada Escritura foi traduzida em lngua srio-caldaica, desta maneira toda a sia Central pde te-la na prpria lngua. Ao prevalecer o poderio grego, os judeus plantaram colnias em todos os recantos da terra. Com elas, multiplicaram-se ao infinito os Livros Santos. Com sua verso os Setenta enriqueceram as bibliotecas dos povos pagos. Desta maneira, oradores, poetas, filsofos da poca colheram na Bblia muitas verdades. Deus ia preparando o mundo para a vinda do Salvador, principalmente com seus livros inspirados.

  • Cabe a ns imitar a obra do Pai Celeste. Os livros bons, espalhados entre o povo, so um dos meios apropriados para manter o reino do Salvador em muitos coraes. Os pensamentos, os princpios, a moral de um livro catlico so substncia extrada dos livros divinos e da tradio apostlica. So tanto mais necessrio na medida em que a impiedade e a imoralidade se servem dessa arma para destruir o rebanho de Cristo, para levar e arrastar perdio os incautos e os desobedientes. Necessrio se faz, pois, opor arma a arma. Acresce ainda que se o livro no tem a fora viva da palavra, oferece, entretanto, em determinadas circunstancias, vantagens ainda maiores. Entra nas casas onde no pode entrar o sacerdote. Toleram-no os maus, como lembrana ou presente. Ao apresentar-se no enrubesce. Posto de lado, no inquieta. Lido, ensina com calma a verdade. Desprezado, no se lamuria, mas semeia o remorso, que pode despertar o desejo de conhecer a verdade, sempre pronto a ensinar. Por vezes deixa-se ficar empoeirado numa mesa ou biblioteca, sem que ningum se interesse por ele. Mas, ao sobreviver a hora da solido, da tristeza, da dor, do tdio, da necessidade de lazer ou da preocupao para o futuro, este amigo fiel sacode o p, abre as pginas, e se renovam as admirveis converses de Santo Agostinho, do Beato Columbano e de Santo Incio. Compreensivo com os inibidos pelo respeito humano, entretm-se com eles sem que ningum perceba; para os bons de casa, disposto sempre a dialogar; acompanha-os em qualquer momento ou lu8gar, Quantas pessoas foram salvas pelos livros bons, quantas preservadas do erro, encorajadas ao bem.Quem d um livro bom, outro mrito no tivesse que ode despertar um bom pensamento, j muito mereceria diante de Deus. Entretanto, resultados ainda maiores se colhem. Se numa famlia o livro no for lido por aquele ao qual destinado ou doado, s-lo- pelo filho ou pela filha, pelo amigo ou pelo vizinho. Um livro passa, s vezes, por dezenas de mos. S Deus conhece o vem que faz um bom livro em certos ambientes, numa biblioteca circulante, numa sociedade operria, num hospital, quando oferecido com prova de amizade. No devemos recear que um livro no seja aceito s pelo fato de ser bom. Pelo contrrio. Um nosso irmo de Congregao, sempre que ia ao porto de Marselha, levava proviso de bons livros para d-los aos carregadores, aos estivadores, aos marinheiros. Pos bem, todos recebiam com alegria e gratido esses livros, que algumas vezes eram logo lidos com viva curiosidade.

    Postas estas observaes, e deixando de lado muitas outras que vocs j conhecem, vou apontar-lhes os motivos pelos quais se devem empenhar com todas as foras e meios na difuso dos bons livros. No s como catlicos, mas especialmente como salesianos.

    1. Foi este um dos principais empreendimentos que a Divina Providncia me confiou. Todos sabem como nele me

  • empenhei com incansvel vigor, no obstante tantas outras ocupaes. O dio raivoso dos inimigos do bem, a perseguio contra minha pessoa provam que o erro v nos bons livros um temvel adversrio, uma iniciativa de Deus.

    2. A admirvel difuso desses livros , com efeito, um argumento para provar a assistncia especial de Deus. Em menos de trinta anos, montam a cerca de vinte milhes de fascculos ou volumes que difundimos entre o povo. Se algum livro foi posto de lado, outros tero tido uma centena de leitores cada um, e assim, o nmero de pessoas s quais nossos livros fizeram bem pode ser avaliado com certeza muito maior que o de volumes publicados.

    3. A difuso dos bons livros e um dos fins principais da nossa Congregao. O artigo 7 do pargrafo primeiro das nossas Regras diz que os salesianos se empenharo em difundir bons livros entre o povo, usando todos os meios que a caridade crist inspirar. Procuraro, com palavras e escritos, erguer um dique contra a impiedade e a heresia que de tantas maneiras tenta insinuar-se entre os rudes e ignorantes. Para tal fim devem orientar-se as pregaes que de tanto em tanto se fazem ao povo, os trduos, as novenas e a difuso dos bons livros.

    4. Entre os livros por divulgar, proponho escolher os que so tidos como bons, morais e religiosos, dando-se preferncia s obras que saem das nossas tipografias, quer porque a vantagem material que se obtm transforma-se em caridade com a manuteno dos nossos meninos pobres, quer porque as nossas publicaes tendem a formar um sistema ordenado, que abraa em vasta escala todas as classes da sociedade. No me detenho neste ponto. Destaco, porm, com verdadeira complacncia, uma classe apenas, a dos meninos, qual procurei sempre fazer o bem, com a palavra viva e com a imprensa. Mediante as Leituras Catlicas, alm de instruir o povo, visava entrar nas casas, tornar conhecido o esprito reinante em nossos colgios e atrair os meninos virtude, especialmente com as biografias de Svio, Besucco e outros. Com o Jovem Instrudo, queria leva-los Igreja, instilar-lhes o esprito de piedade atrai-los freqncia aos sacramentos. Pela coleo dos clssicos italianos e latinos expurgados, a Histria da Itlia e outros livros histricos ou

    literrios, desejei sentar-me ao lado deles na aula e preserva-los de tantos erros e paixes que lhes seriam fatais no tempo e na

  • eternidade. Desejava, com o tempo, ser-lher companheiro nas horas de recreio; planejei, ento, uma srie de livros amenos, que espero no tardem avir luz. Com o Boletim Salesiano, finalmente, entre as muitas finalidades, tive tambm esta: manter vivo nos meninos que voltavam s suas famlias o amor ao esprito de S. Francisco de Sales e s suas mximas, e fazer deles prprios os salvadores de outros meninos. No afirmo haver atingido perfeitamente meu ideal; digo-lhes, sim, que toca a vocs coorden-lo de modo que se complete em todas as suas partes.

    Peo-lhes e esconjuro-os, pois, que no descuidem esta parte importantssima da nossa misso. Comecem-na no s entre os meninos que a Providncia nos confiou, mas, com a palavra e com o exemplo, faam deles outros tantos apstolos da difuso dos bons livros.

    No princpio do ano, os alunos, os novos sobretudo, se entusiasmam com a proposta de nossas assinaturas, tanto mais quanto vem que se trata de quantia bem diminuta. Procurem, porm, que elas sejam espontneas, de maneira alguma impostas. Com exortaes convincentes, levam os jovens a serem assinantes, no s em vista do bem que os livros lhes faro, mas tambm com relao ao bem que podem fazer aos outros mandando-os para casa, ao pai, me, aos irmos, aos benfeitores, medida que vo sendo publicados. Tambm os parentes pouco praticantes da religio se comovem lembrana de um filho, de um irmo distante. Procurem, porm, que essas remessas no tomem nunca a aparncia de sermo ou de lio aos parentes, mas sempre e somente de um carinhoso presente e de afetuosa lembrana. Quando em casa, presenteando-os aos amigos, emprestando-os aos parentes, dando-os com retribuio de um servio, cedendo-os ao proco para que os distribua, procurando novos assinantes, estaro aumentando o mrito das boas obras.

    Convenam-se, meus filhos queridos, de que tais iniciativas havero de atrair sobre vocs e nossos meninos as mais escolhidas bnos de Deus.

    Vou terminar. Tirem vocs mesmos a concluso desta carta, procurando que nossos jovens venham haurir os princpios morais e cristos principalmente em nossas publicaes, evitando desprezar os livres dos outros. Devo, porm, dizer-lhes que meu corao ficou magoado quando soube que em algumas das nossas Casas eram desconhecidas algumas vezes ou tidas em nenhuma conta as obras que editamos justamente para a juventude. No amem nem faam com que outros amem aquela cincia que no dizer do Apstolo inflat (incha).

  • Lembrem que santos Agostinho, j bispo, conquanto mestre exmio em letras e orador eloqente, preferia as impropriedades de linguagem e a pouca elegncia de estilo ao risco de no ser compreendido pelo povo.

    A graa de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre com vocs. Rezem por mim.

    Muito afeioado em Jesus Cristo

    Joo Bosco

    PUBLICADO EM BOLETIM SALESIANO EDIAO BRASILEIRA No. 3 MAIO/JUNHO 1989.