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    NIETZSCHE E O GESAMTKUNSTWERK WAGNERIANO

    Fabiano de Lemos Britto

    PUC-Rio/ PNPD/ PRONEX

    Uma das imagens mais conhecidas entre as inventadas por Nietzsche em seu Ecce Homo volta-se, retrospectivamente, ao instante em que sua trajetria e a de Richard Wagner parecem se cruzar uma ltima vez para depois se afastar. Trata-se da ocasio em que Humano, demasia-do humano tendo sido concludo, dois exemplares so enviados a Wagner e sua companheira Cosima em Bayreuth. Sublinhando os tons mticos deste acontecimento, Nietzsche nos conta que por um milagre, ao mesmo tempo, de Bayreuth lhe era enviado um exemplar do Parsifal: Este cruzamento dos dois livros me pareceu como se tivesse ouvido um som nefasto. No soou como se duas espadas se cruzassem?. Esta evidente mitificao, contudo, no estaria investida apenas nesta espcie de apocalipse desta relao, mas j se encontrava em sua gnese. A carta que Nietzsche envia a seu amigo Erwin Rhode poucos dias aps o primeiro contato pessoal com Wagner, ainda em novembro de 868, , neste sentido, exemplar. Todos os detalhes desta mara-vilhosa fbula [wundersame Mr] so cuidadosamente elaborados sob a forma de uma com-dia [Komdie] em trs atos, sendo que o encontro com o compositor em Leipzig, na residncia

    NIETZSCHE, F., Kritische Studienausgabe (doravante citada como KSA, seguida do nmero do volume e da pgina), vol. VI, p. 37.

    NIETZSCHE, F., Smtliche Briefe Studienausgabe (doravante citada como KSB, seguida do nmero do volume e da pgina), vol. II, p. 340.

    ANALYTICA, Rio de Janeiro, vol 14 n 1, 2010, p. 193-215

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    do professor orientalista Hermann Brockhaus caracterizado ao final da carta como idlico3 ocupa o ltimo e paroxstico ato do enredo nietzscheano. Ainda fora de si ou ainda fora dos velhos trilhos, como afirma a Rhode4 - a narrativa trespassada por uma construo messinica no interior da qual a figura de Richard Wagner, por uma srie extensa e difcil de interpretaes enviesadas e manipulaes equvocas, surge como sntese de uma viso de mundo, de uma Wel-tanschauung com a qual a filosofia da cultura do jovem Nietzsche pretende se comprometer.

    A leitura paralela da correspondncia trocada entre os dois e das obras escritas por am-bos entre os anos em que estiveram mais prximos entre 869 e 876 nos permite afirmar que essa apropriao equvoca se operou nas duas vias: Nietzsche viu em Wagner o messias da cultura e esboou uma espcie de metafsica helenizante romntica na qual procurou en-caixar, ignorando muitas incompatibilidades, as premissas axiomticas da esttica de Wagner. Este, por sua vez, manteve-se frequentemente reticente em relao s posies filosficas mais heterodoxas do jovem professor de filologia da Universidade de Basilia6 justamente porque parecia enxergar nele um elo com o crculo dos eruditos universitrios capaz de invest-lo com a legitimidade intelectual que ele sempre desejou. Os equvocos desta relao, portanto, so to numerosos e to imbricados que a prpria ideia de amizade, usada insistentemente pelos interesses da irm de Nietzsche ao editar sua correspondncia7 parece inadequada aqui. Isso no quer dizer que a relao entre ambos e a maneira como eles pretenderam se representar como grandes amigos no tem importncia. Antes, se um s pde enxergar o outro atravs do filtro de seus interesses ideolgicos e intelectuais particulares, os equvocos assumem, ento, uma dimenso positiva. No caso da filosofia do jovem Nietzsche, isto se mostra em vrios n-

    3 KSB II, 34.

    4 KSB II, 340.

    Recentemente, analisei as caractersticas gerais deste messianismo em torno da figura de Wagner em meu artigo Nietzsche e a construo messinica do wagnerianismo ( In: TRANS/FORM/AO, vol. 33, n., pp. 3-8).

    6 Wagner caracterizou, por exemplo, como uma grande audcia as posies sustentadas por Nietzsche em sua conferncia Scrates e a tragdia e o aconselha a tratar delas apenas quando puderem ser desenvolvidas mais longamente (Cf. a carta de Wagner a Nietzsche de 4 de fevereiro de 870, em JERGER, W. (ed.), Wagner-Nietzsches Briefwechsel, p. 6).

    7 em 9 que aparece seu Wagner und Nietzsche zur Zeit ihrer Freundschaft.

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    veis tanto na emulao da retrica polemista de Wagner, quanto na traduo dos conceitos da esttica wagneriana no interior de seu diagnstico de crise da cultura germnica. Um dos exemplos mais recorrentes deste ltimo caso , justamente, o uso da ideia de obra de arte total, de Gesamtkusntwerk e dos elementos conceituais e axiomticos que dela se avizinham.

    1. O conceito wagneriano de Gesamtkunstwerk.

    Como boa parte dos termos elaborados na esttica de Wagner, este tambm havia surgido muito cedo em sua carreira como escritor terico, e ganhou, ao longo dos anos, uma certa au-tonomia, tanto entre seus defensores como entre seus inimigos, assumindo um significado que freqentemente no havia sido pensado pelo seu autor inicialmente. Na verdade, tal como ficou conhecida, a expresso foi muito pouco usada por Wagner que procurou se afastar dela desde Beethoven aparecendo literalmente apenas algumas vezes, muito mais em sua correspondn-cia pessoal que em seus escritos tericos. Mesmo hoje em dia, o Gesamtkunstwerk representa o mais citado dos jarges quando se trata de fazer referncia grandiosidade pretendida pela m-sica de Wagner. Contudo, o termo tem, em sua origem, uma ligao profunda com o projeto de reforma esttica da Alemanha, que textos como Die Kunst und die Revolution j erguiam com o devido tom de urgncia, e esse tom que permanecer, associado idia de integralidade e to-talidade, mesmo aps o afastamento do conceito. em Die Kunst und die Revolution, alis, que a idia de obra de arte total ou integral surge, apesar do mesmo no ocorrer com a expresso Gesamtkunstwerk ou Gesamt-Kunst: Wagner fala a da verdadeira arte como uma arte indivi-svel [untheilbare].8 A integrao de todas as artes proposta como o resgate de uma unidade que os modernos perderam ao adotar as prerrogativas utilitaristas e segmentrias da crescente indstria alem: quanto modernidade, portanto, sua essncia verdadeira a Indstria [Ihr wirkliches Wesen ist die Industrie], seu fim moral [moralischer Zweck], ganhar dinheiro, seu propsito esttico [ihr sthetisches Vorgeben], o divertimento dos entediados.9 Quando Wag-ner escreve essas linhas, em 849, a indstria alem comea a avanar em seu primeiro grande impulso de desenvolvimento, resultando em um interesse geral da classe mdia emergente e

    8 WAGNER, R. Smtliche Schriften und Dichtungen (doravante citada como SSuD, seguida do nmero do volume e da pgina), vol. 3, p. 8.

    9 SSuD 3, 9.

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    do Estado pelo investimento em reas de conhecimento tcnico, em detrimento das cincias hoje conhecidas como humanas, incluindo a as belas-artes. O texto de Wagner pode ser lido, assim, como expresso das primeiras manifestaes contra um quadro social que retirava do intelectual e do artista seus privilgios. Esse quadro social se instalar cada vez mais acelerada-mente nos primeiros anos da dcada de 870, quando o problema da recente conquista da uni-dade nacional ser colocado em termos de uma indstria nacional efetivamente representativa frente do resto economicamente importante da Europa, que havia antecipado essa industria-lizao. Quando Nietzsche faz, em 87, suas conferncias sobre a educao intituladas Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino, est atualizando a herana de um diagnstico levado a cabo, inicialmente, pela gerao de Wagner, refletida nos ltimos escritos de Schopenhauer, especialmente em Sobre a filosofia universitria, publicado em seus Parerga und Paralipomena, em 8. O conceito de Gesamtkunstwerk est, desse modo, diretamente condicionado pela perspectiva social em que se inscreve.

    A reunio de todas as artes em uma forma superior de experincia artstica pretende administrar dois antdotos contra o veneno da industrializao. Contra o utilitarismo e a pre-dominncia dos interesses financeiros portanto, contra a barbrie Wagner opunha a nobreza da verdadeira cultura, capaz de formar os homens como um todo e de libert-los da escravido imposta pelo culto moderno da opulncia e extravagncia, que entende como heri o homem voltado para o dinheiro, o heri da Bolsa.0 Contra a segmentarizao dos saberes imposta pelo avano tecnolgico, a experincia da arte total, integral, devolve ao homem sua unidade perdida, restitui-lhe sua destinao mais essencial.

    Esses dois grandes temas, liberdade e destinao, percorrem toda a base argumentati-va das conferncias de 87. De maneira mais irnica, Nietzsche compartilha com Wagner o desprezo pela escravido da indstria e do comrcio. J na primeira conferncia, contrape sua poca atual, que se se livra de tudo que intil [Unntzen], ao tempo ideal de sua formao pessoal, em que se orgulhava de estar sem ocupaes prticas: No queramos significar nada, nada representar [vertreten], nada almejar, queramos ser sem futuro, nada alm de boas-vidas [Nichtsnutzen] estirados confortavelmente no leito do presente. Um pouco mais adiante, na

    0 SSuD 3, 6.

    KSA I, 664

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    terceira conferncia, aponta-se para o modo como a crescente onda de especializao resultou numa espcie de superpopulao de mestres, de grandes especialistas solicitados para as gran-des massas. Mas a massa o fim da aristocracia, e, portanto, o fim da Bildung verdadeira, fun-damentalmente aristocrtica. O povo o conglomerado de interesses individuais, de vontades para utilizarmos o vocabulrio de Schopenhauer, que tambm alimenta a crtica de Nietzsche que em nada pode formar um todo. Eis a importncia da idia de uma experincia integral, que a esttica wagneriana anunciava e que os anos da Basilia pretendem estender ao conceito de Bil-dung. verdade que, ao longo de todo seu texto, Nietzsche lana mo de uma nomenclatura que parece retirada diretamente de Wagner: escravido, integralidade, indstria, modismo, misria do presente, esperana no futuro uma a uma, essas expresses entram em cena para constituir os limites nos quais o projeto de reforma pedaggica ou ao menos o diagnstico de sua urgncia desenvolvido. O fato que Nietzsche talvez no tenha empreendido exatamente uma cpia das prerrogativas do projeto de reforma de Wagner, mas sua traduo tornou-se quase inevitvel pela permanncia dos mesmos limites um pouco mais estreitos infligidos cultura alem.

    Isso se confirma pelo fato de que a crtica de Die Kunst und die Revolution, de Wagner, possui, ela mesma, um longo histrico precedente. A idia de integralidade, veiculada a pelo conceito de arte indivisa e atualizada nas propostas pedaggicas de Nietzsche conduzem re-trospectivamente sua forte origem romntica, e, ainda um pouco antes, a Schiller. Mesmo que essa no seja a presena mais solicitada pela esttica de Wagner, ela demarca as fronteiras mais remotas de uma concepo sobre arte e integralidade que teve um amplo desenvolvimento posterior na Alemanha, chegando, inclusive, at Nietzsche e ultrapassando-o.

    Em A educao esttica do homem, de 79, Schiller promoveu uma espcie de desloca-mento esttico da tarefa que Kant havia formulado para a Aufklrung: a educao esttica no ergue o homem sua maioridade seno como um resgate de sua ntima unidade:

    Todo homem individual, pode-se dizer, traz em si, segundo a disposio e a destinao, um homem ideal puro, e a grande tarefa de sua existncia [die groe Aufgabe seines Daseins] concordar com sua unidade imutvel, em todas as suas modificaes.3

    KSA I, 697.

    3 SCHILLER, F., ber die sthetische Erziehung des Menschen in einer Reihe von Briefen in Smtliche

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    Mais uma vez, a tarefa da modernidade, enquanto tal, que se coloca em questo; e aqui Schiller a articula com a necessria recuperao de uma unidade perdida pela segmentao de sua cultura e pelo individualismo dos interesses particulares. em nome do todo, de uma unidade ideal que faz de cada um sua espcie e que faz de todas as instncias da sociedade es-tado, Igreja, leis, costumes uma nica experincia coletiva, que uma cultura verdadeira se faz ouvir. Os modernos, fragmentados pela razo barbarizante, desencarnada e mais tarde toda uma gerao diria: pela tcnica utilitarista perderam sua prpria destinao:

    Esse dilaceramento [Zerrttung] que arte e erudio introduziram no homem interno, o novo esprito do governo aperfeioou e generalizou.(...) Eternamente acorrentado a so-mente um pequeno fragmento individual do todo [ein einzelnes kleines Bruckstck des Ganzen], o homem se constri apenas como um fragmento, eternamente apenas com o rudo montono das rodas que ele aciona em seus ouvidos, nunca desenvolve a harmonia de seu ser e no lugar de imprimir a humanidade em sua natureza, torna-se apenas uma cpia [Abdrck] de seu negcio, de sua cincia.4

    claro que Schiller no poderia estar to preocupado quanto Wagner com o avano da indstria seu objetivo declarado era confrontar uma leitura barbarizante de Kant que re-servaria pouco espao para as belas-artes com o estabelecimento da esttica como disciplina autnoma entre as cincias. Desde muito cedo, Nietzsche se mostrou especialmente sensvel a esse problema, sobretudo no contexto de sua tentativa de erguer a esttica a uma espcie de metodologia filolgica, particularmente, e cientfica, em geral. A segunda Extempornea, de 874, insiste longamente na idia de que a cincia de ento, ao romper a unidade entre natureza interior e exterior, acabou por aprofundar o abismo alarmante entre contedo e forma [Inhalt und Form]. Seja como for, essa concepo ser singularmente importante no contexto em

    Werke, Bd. , p. 77 (quarta carta).

    4 SCHILLER, F., ber die sthetische Erziehung des Menschen in einer Reihe von Briefen in Smtliche Werke, Bd. , pp. 83-84 (sexta carta).

    KSA I, 74. Um pouco antes, na mesma passagem, Nietzsche denuncia a mais especfica caracterstica do homem moderno: a notvel contradio de um interior a que no corresponde nenhum exterior, e de um exterior a que no corresponde nenhum interior; uma contradio que os povos antigos no conhecem(KSA I, 7).

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    que chega a Wagner, ainda que mais atravs do romantismo que de Schiller mesmo.6 Com a grande diferena de que, para este ltimo, uma reconstruo da unidade seria a gigantesca ta-refa legada ao sculo vindouro.7 Wagner, porta-voz do futuro, viu em si mesmo as foras para empreend-la imediatamente.

    A educao esttica de Die Kunst und die Revolution e de todos os escritos programticos wagnerianos de ordem muito distinta daquela de Schiller: ela mais especfica, e, ao mesmo tempo, mais ampla. Mais especfica porque se conecta a um projeto real de reforma, com todas as diretrizes exigidas por ele sendo discutidas e tratadas como questes prementes: a revoluo no pode esperar mais um sculo, tanto quanto Bayreuth ser um projeto h muito aguardado. Por outro lado, ela mais ampla porque atua em todos os nveis da apreciao esttica no apenas no pblico espectador, mas no autor, e, essencialmente, na obra. Por mais que os textos de Schiller tenham se dedicado a discutir o belo, o trgico, a arte em geral, o artista, os gregos e os modernos, e, enfim, a humanidade, no h neles uma problematizao terica que justifique a educao do artista ou a reestruturao da obra de arte exceto se entendermos, o que uma leitura um tanto fora da letra desses textos, que o conceito de humanidade responde a todas essas dimenses.8

    6 A principal referncia de Wagner a Schiller em seus escritos tericos encontra-se em Oper und Drama, de 8, onde o teatro de Schiller comparado ao de Shakespeare, especificamente quanto ao modo que cada um deles faz uso da forma histrica, e onde se conclui que as peas de Schiller, como peas modernas, se renderam tentativa de adaptar poeticamente um contedo histrico, acabando por mutilar sua exatido. So-mente Shakespeare, nesse sentido, havia sido capaz de conciliar as duas coisas e apresent-las em sua unidade (cf. SsuD3, 3 e ss.). Essa posio vai ao encontro da crtica muito geral presente em algumas breves passagens de outros textos wagnerianos, em que Schiller, normalmente associado a Goethe, apresentado, um tanto pejorativamente, como idealista.

    7 Cf. SCHILER, F., Smtliche Werke, Bd. , p. 89-90: O carter da poca deve, portanto, primeiro se er-guer de sua profunda degradao, furtar-se cega violncia da natureza, e, ento, regressar sua simplicidade, verdade e plenitude [Einfalt, Wahrheit und Flle]; uma tarefa para mais de um sculo [eine Aufgabe fr mehr als ein Jahrhundert].

    8 Talvez, nesse sentido, uma exceo seja o conjunto de passagens de Poesia ingnua e sentimental (79) em que Schiller trata do enobrecimento, Veredlung, ou do aperfeioamento da disposio da liberdade no artista (cf. SCHILLER, Sammtliche Werke, Bd. , p. 767). De todo modo, o vis desse processo se aproxima do tratamen-to psicolgico dado por Kant em sua Antropologia ao problema do aperfeioamento das disposies humanas e, por isso, devedor do cosmopolitismo e no do individualismo romntico que chegou at Nietzsche.

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    De todo modo, a abrangncia que a idia de Gesamtkunstwerk sustenta foi a via de acesso da leitura de Nietzsche, que quis fazer da integralidade um mote para a nova Bildung. George Steiner apontou muito precisamente essa caracterstica: Wagner no somente iniciou a criao de uma nova forma de arte, mas tambm de uma nova audincia. Bayreuth representa bem mais que o projeto tcnico de um palco inovador e de um espao acstico. Ele almeja revolu-cionar o carter do pblico, e, por inferncia, da sociedade.9 Poderamos acrescentar a, sem dvida, a reconstruo do significado do artista. Encontramos, assim, um esquema geral em que a idia de totalidade afeta trs diferentes nveis: o autor, a obra e o pblico. Nietzsche tentou manter esse mesmo esquema, apenas alargando-o, em sua filosofia da cultura e isso no sem resultar em sutis, mas profundas transformaes.

    Wagner constri sua metafsica do gnio em torno da figura do artista do futuro, notadamen-te em seu ensaio Eine Mittheilung an meine Freunde [Uma comunicao para meus amigos], publicado em 8, onde aprofunda as consideraes que Oper und Drama, escrito mais ou menos no mesmo perodo, procurava compor.0 A idia de unidade aqui veiculada por um alargamento consider-vel das dimenses que caracterizam a genialidade artstica, tal como, desde o classicismo de Goe-the, elas haviam sido representadas e especialmente se tomarmos como parmetro o modo pelo qual Kant as definiu e as limitou. O pargrafo 46 da terceira Crtica prope essa definio de modo bastante conciso: Gnio a inata disposio do nimo (ingenium) pela qual a natureza d a regra arte. Ao mesmo tempo, Kant muito cauteloso em delimitar o campo de atuao do gnio: uma vez que as regras que ele encontra em seu trabalho no podem ser captadas em uma frmula j que nem o belo, nem o sublime so conceitos objetivamente determinados seu talento est limitado ao domnio da esttica um talento para a arte, no para a cincia.3

    9 STEINER, G., A morte da tragdia, p.64.

    0 Oper und Drama se detm mais em descrever, atravs de uma reconstituio da histria da msica europia, as condies de emergncia da unidade fundamental na arte a partir da reconciliao dialtica entre a dimenso potica do texto dramtico e a orquestrao. Pouco espao, portanto, reservado metafsica do artista, embora esta lhe seja essencial. Por esses motivos, Eine Mittheilung an meine Freunde pode ser lido como uma espcie de complemento de Oper und Drama.

    KANT, I., Kritik der Urtheilskraft, B 8.

    Idem, B 8.

    3 Idem, B 99.

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    Mas a esttica wagneriana s possvel como reconfigurao de todas as esferas de saber da humanidade; ela s pode vir a se realizar no momento em que realiza tambm a profunda transformao do estado moderno do humano e recupera sua essncia indivisa. Essa essncia permanece intocada, mesmo que subrepticiamente, na figura do gnio e justamente na me-dida em que este um artista do futuro. Como Kant, Wagner enraza a especificidade do artista genial na natureza, e rechaa qualquer hiptese que queira enxergar nele a presena de um dom ou de uma habilidade [Befhigung] especial,4 como um poder oculto qualquer. Tambm bastante de acordo com o mtodo crtico kantiano, sua metafsica do gnio pretende deduzir a singularidade do artista do futuro da disposio geral de suas faculdades do esprito. Para Wag-ner, a caracterstica predominante no gnio sua fora da faculdade da receptividade [Kraft des Empfngnissvermgens], em outras palavras, sua capacidade de conceber as diferentes impresses fornecidas pela vida, transformando, artisticamente, a prpria vida. E nesse ponto exatamente que se opera aquilo que antes chamamos de alargamento e sua insondvel distncia em relao a Kant: que para Wagner no interessa tanto determinar quais faculdades entram em jogo na disposio genial, mas com que intensidade elas passam a funcionar a. No se trata de uma arquitetnica que garante o privilgio de um setor do esprito humano, sem contudo expandi-lo, como postulava a terceira Crtica, mas de uma dinmica que envolve a unidade originria desse mesmo esprito, sempre atravs da fora que o atravessa e que rene todos os campos do saber. H um excesso de fora no gnio, um excesso de vida que o transforma no re-presentante do estado otimizado da natureza humana. Nesse sentido, sua natureza dialtica: ele administra em si mesmo as foras que o ultrapassam: fora da vida [Lebenskraft], fora da aquisio do que afim e do que necessrio.6 Todo o vocabulrio engendrado por Wagner nessas passagens sublinha as dimenses de universalidade e integralidade que o conceito de Gesamtkunstwerk reunia objetivamente. Isso garante conseqncias importantes, sobretudo no que diz respeito passagem do individualismo ao modelo de sociabilidade que tornou inter-penetrveis as esferas do pblico e do privado, do eu e do ns, aquele dos gregos e do futuro. O gnio o si mesmo e o todos ns: e s o primeiro na medida em que o segundo. nesse

    4 Cf. SSuD 4, 48.

    SSuD 4,. 46.

    6 SSuD 4, 49.

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    sentido que se fala aqui de um humano universal [Universal-Menschlichen],7 ou ainda de uma fora comunista [kommunistische]. 8

    Mas ao mesmo tempo em que representa a humanidade como um todo, o genial artista do futuro apresenta a si mesmo integralmente. A dinmica otimizada de suas faculdades men-tais coloca-o no topo da escala de graus da natureza em todos os seus aspectos: o artista do futuro, sendo o homem do futuro, deve ser amado em todas as suas manifestaes sua arte a sua vida. A unidade originria que ele guarda em si no apenas rene as esferas do conhecimento ou as do espao pblico. A fora comunista que dele se desprende tambm a fora, antes, de sua personalidade: o artista no se anula em nome do todo, ele se expande na direo dele. Sua mensagem se dirige, ento, somente aos homens capazes de ouvi-la, aos homens que o amam como um todo; e Wagner, queira ou no, est aqui muito prximo do culto da personalidade que teria um destino sombrio entre os idelogos do nazismo. Como no ouvir as futuras reverbera-es desse destino na passagem que abre Eine Mittheilung an meine Freunde?

    Propus dirigir esses esclarecimentos nessa mensagem a meus amigos porque somente posso esperar ser compreendido por aqueles que tm a tendncia e a necessidade de me compreender, e somente esses, ento, podem ser meus amigos.

    Portanto, no posso considerar aqueles que pretendem me amar como artista, enquanto falham em me depositar sua simpatia enquanto homem. A segregao entre o artista e o homem to insensata quanto a separao [Scheidung] entre a alma e o corpo, e est provado que nunca um artista foi amado e nunca sua arte pde tornar-se compreendida [begriffen] sem que mesmo inconscientemente ou involuntariamente tenha sido amado como homem, e sua arte tenha sido compreendida tanto quanto sua vida.9

    7 SsuD 4, 37.. Em uma passagem de sua segunda Extempornea, Nietzsche acusa o homem universal [Uiversal-Menschen] de ser a mscara ou o disfarce tmido que, na cultura alem de sua poca substitua a fora da personalidade e revelava a desonestidade e a fraqueza dos intelectuais alemes cf. KSA I, 8.

    8 SSuD 4, 48.

    9 SSuD 4, 30-3.

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    O humano universal do gnio no um de seus gestos, isolado, por brilhante que seja; seu rosto mesmo: aquilo sob o que se encontram todos os seus possveis gestos, reais ou virtuais. Em suma, a identidade do gnio a completa coincidncia de sua personalidade com o universal.

    Embora Wagner avise que no pretende criar para si mesmo a glria do gnio,30 sua prpria vida que ele oferece como ilustrao do modo como este trabalha. Sua comunicao para os amigos comporta, portanto, uma retrospectiva breve de sua histria pessoal. Essa re-constituio a contrapartida pessoal em que se apia a legitimidade de seu projeto de reforma: ela como que corrige a linha sinuosa e artificial denunciada pela genealogia dos erros da arte moderna, estruturada em Oper und Drama. Aqui, o gnio assume o comando de seu destino e a est sua maior arte. A narrativa de suas memrias nos mostra como a tendncia primitiva de sua personalidade pde se desenvolver subterraneamente, apesar dos interesses externos polticos, financeiros;3 como esse impulso comunicativo artstico [knstlerischer Mittheilun-gstrieb]3 sempre acabara por transformar sua vida em uma experincia artstica. H traos indiscutveis da to alardeada megalomania de Wagner presentes nessas passagens, mas o mais importante que este foi justamente o modo pelo qual elas vincularam a grandiosidade do projeto de recuperao da unidade originria do homem e o personalismo, que garantiu todas as suas dimenses, que sustentou sua metafsica do gnio e sua proposta esttica em geral, no nos importando aqui se sua origem de ordem psicolgica ou no. difcil, se no impossvel, demarcar at que ponto essas duas instncias suas idiossincrasias e suas formulaes tericas estavam implicadas mutuamente. E essa indiscernibilidade foi responsvel, em grande parte, pela insistncia com que Nietzsche se mostrou favorvel figura de Wagner. Especialmente se levarmos em conta o fato de que, no comeo da dcada de 870, a identidade universal do gnio atualizada pelos problemas imediatos de ordem social: o rosto do artista do futuro, no presente, menos o da humanidade inteira que o da Alemanha unificada.

    30 SsuD 4, 48.

    3 SsuD 4, e ss.

    3 SsuD 4, 3. Wagner narra o caso de uma experincia romntica de sua juventude cujo resultado lgico, diante desse instinto ou dessa pulso, s poderia ser uma obra arte: a pera Das Liebesverbot, oder die Novize von Palermo, encenada pela primeira vez em 836.

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    2. O conceito nietzscheano de unidade da obra de arte.

    A forma com que Nietzsche se apropriou da idia de gnio foi mais cautelosa que a de Wagner, muito embora este tenha sido a sua representao mais perfeita. Ao mesmo tempo, ela constituiu um dos fios condutores de sua primeira filosofia da cultura. Por mais que seu projeto de reforma da Bildung tenha se alimentado da abrangncia que a idia de unidade inerente ao gnio como figura real trazia consigo, essa integralidade foi construda por Nietzsche se-gundo um outro equilbrio, que pretendeu substituir, em alguma medida, o artista pelo filsofo. Isso no significou, claro, relegar Wagner a um segundo plano mais radical que esse gesto, a mudana implicou a transformao do artista em filsofo; o que tambm pode ser dito de forma mais maliciosa: a sobreposio entre Wagner e Schopenhauer. O modo como a terceira Extem-pornea, dedicada a este ltimo, encontra como contraponto inevitvel o nome do primeiro e, como na quarta, dedicada a Wagner, a situao se inverte j aponta para essa direo.

    Nietzsche, obviamente, no poder operar essa transformao e essa sobreposio sem levantar o problema da tradutibilidade, e nesse caso, essa questo surge explicitamente. No projeto de prefcio a Scrates e a tragdia grega, citado anteriormente, a tarefa do cientista como fillogo ou como filsofo precisamente a de traduzir em conceitos [in Begriffe zu bertragen]33 o que ele e o compositor compartilham em sentimento. E, mais adiante, no mes-mo texto, a pergunta retorna, dirigindo-se a Wagner, mas tambm quele que a faz: Meu nobre amigo, se eu consegui at aqui me expressar em seu sentido?.34 Questo que dever perseguir durante todo o perodo da amizade entre os dois. Wagner para Nietzsche, no momento em que O nascimento da tragdia redigido, um sublime precursor,3 mas o que o professor faz ao tomar das mos do artista as rdeas do problema, substituindo-o no combate, vai alm da mera continuidade. Ao entrar em luta, a sua hermenutica que Nietzsche dever fazer valer, e no a de Wagner.

    33 KSA VII, 3.

    34 KSA VII, 33-34.

    3 KSA I, 4. A expresso utilizada por Nietzsche erhabenen Vorkmpfer, em que o substantivo pode traduzir tambm iniciador, predecessor, pioneiro.O que no se deve perder de vista sua raiz, kmpfer, combatente, representando a idia geral de um lutador que antecede outro.

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    Em grande parte das passagens em que o fillogo apresenta o compositor como mestre da humanidade, isso se d como a transposio terica de sua obra artstica: traduo em con-ceitos, insistir. Nietzsche no considerou que Wagner no compreendesse os fundamentos de sua prpria obra, mas que era sua tarefa faz-lo, da melhor forma, diante de um pblico de eruditos. Afinal, no era essa sua funo como Professor, como Lehrer? No havia sido essa a inteno do livro sobre a tragdia, confessada quando fora escrito, e mesmo muito depois? A princpio, Wagner pode ter apreciado a possibilidade de ter um jovem e reconhecido professor de filologia como divulgador de suas idias, mas no momento em que as distncias da traduo passaram a se revelar, suas reticncias no pararam, proporcionalmente, de crescer. As crticas de Wagner sobre o desrespeito de Nietzsche com os antigos so um grande ndice desse des-contentamento. Enquanto fillogo e professor, Nietzsche poderia servir causa wagneriana sem grandes riscos, mas ao entrar no terreno da filosofia, esses riscos aumentaram. parte toda a defesa pblica que Wagner pde empreender a favor de Nietzsche, notvel que suas censu-ras tenham se voltado sempre contra o filsofo e seus incentivos, na direo do erudito. Talvez tenha percebido que no poderia representar aquilo que o primeiro queria fazer dele.

    Mas o gnio para Nietzsche s artista na medida em que filsofo. No o filsofo como autor de livros integrante de uma das castas de eruditos [gelehrten Kasten]36 mas como exemplo vivo. Se pensarmos no modo como Nietzsche descreve as condies de sua admirao por Schopenhauer, fica clara a tentao de sua transposio para a figura tangvel de Wagner:

    Tenho em to alta conta um filsofo na medida em que ele est em condies de dar um exemplo. (...) Mas o exemplo deve ser dado atravs da vida visvel [sichtbar Leben], e no, ab-solutamente, atravs dos livros; ou seja, da mesma maneira que os filsofos gregos ensinaram mais atravs de suas expresses, atitude, vestimentas, alimentao e moral que do discurso ou mesmo da escrita.37

    No ponto de encontro entre Schopenhauer e os gregos, Nietzsche encontrar, portanto,

    o artista. Mas aqui como em todo o lugar de filosofia que se trata a dos pr-socrticos, a

    36 KSA I, 3.

    37 KSA I, 30.

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    de Schopenhauer e, conseqentemente, a de Wagner. Sua perspectiva, que parece limitar a autonomia do artista e substituir o culto da personalidade pelo culto dos costumes, diferena sutil, muitas vezes confundida pelo uso de uma mesma retrica aproxima-se muito mais da metafsica do gnio definida em O mundo como vontade e representao que daquela elaborada em Eine Mittheilung an meine Freunde.

    Schopenhauer procurou preservar parcialmente em seu conceito de gnio a estrutura argumentativa desenvolvida por Kant. Por um lado, concorda com este no que diz respeito inadequao do gnio no campo das cincias: Podemos assim definir a arte: a contemplao [Betrachtungsart] das coisas independente do princpio de razo; ela se ope, assim, ao modo de conhecimento descrito antes, que conduz experincia e cincia.38 Contudo, o que Kant chama de conhecimento cientfico no mbito de sua definio do gnio diz respeito aos conceitos do entendimento, uma vez que idias no so conceitos tericos, mas prticos.39 Para Schopenhauer, por sua vez, a Idia no apenas cognoscvel, mas seu conhecimento o da objetivao da coisa em si40, com a reserva a ser feita de que se trata aqui de um tipo de conheci-mento muito diverso o conhecimento do gnio, precisamente, que por um excesso de acuida-de em seu intelecto capaz de apreender o mundo em sua forma mais geral: O gnio consiste, portanto, em um excesso anormal do intelecto [einem abnormen bermass des Intellekts] cujo nico emprego possvel a dedicao ao conhecimento do que h de geral na existncia [ou unoversal na existncia:Allgemeine des Daseins].4 Essa disposio do conhecimento vai de

    38 SCHOPENHAUER, A., Die Welt als Wille und Vorstellung, Erster Band, p. 8. Entretanto, Schope-nhauer observa nessa e em outras passagens de sua obra que o gnio no est apto para a cincia somente enquanto gnio; mas como no se genial o tempo inteiro, possvel que ele possa desenvolver habilidades cientficas em outros momentos de sua vida. Cf., por exemplo, a sexta preleo de seu curso sobre a esttica, pronunciado em Berlim em 80 (Metafsica do belo, pp. 6-8).

    39 Cf. KANT, I., Prolegmenos, 40.

    40 Cf. SCHOPENHAUER, A., Die Welt als Wille und Vorstellung, Erster Band, p. 06: Ela tam-bm, portanto, a nica possvel objetividade adequada da vontade ou coisa-em-si.

    4 Idem, Zweiter Band, p. 43. Compare-se esta passagem com outra, extrada do curso de esttica: Digo: a essncia do gnio a capacidade de apreender nas coisas efetivamente sua Idia, e, visto que isso s pode ocorrer numa contemplao puramente objetiva, na qual todas as relaes desaparecem (...) ento o gnio pode ser definido como a objetividade mais perfeita do esprito, isto , a capacidade (...) de permanecer como puro sujeito que conhece, claro olho csmico (Metafsica do belo, p. 66). importante tambm lembrar que Scho-

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    encontro a qualquer uso pragmtico do intelecto e denuncia uma tendncia que encontramos freqentemente nos artistas, mas que se manifesta extraordinariamente em todos os sentidos desse advrbio no filsofo. assim, portanto, que Schopenhauer redimensiona Kant: por um lado preserva sua oposio entre gnio e cientificidade; por outro, atravs de uma ampliao do significado do conhecimento permite a transferncia da filosofia para o mbito da contemplao das idias. Tal redimensionamento, e a aproximao entre o artista e o filsofo que dele resulta, est muito mais afinada com a idia de Lehrer que Nietzsche desenvolver na filosofia da cul-tura de seus anos de Basilia, a partir de seu conceito de gnio, que o coroamento universal do artista pretendido por Wagner em sua esttica.

    sob a condio de se apresentar tambm como filsofo que o artista atinge sua destina-o fundamental de educador, de mestre da humanidade. Algo de semelhante poderia se dizer do filsofo: somente enquanto artista ele pode avanar alm dos limites do eruditismo estril das cincias acadmicas. Seja como for, essas duas prerrogativas deixam em desvantagem o artista que se pretendia absolutamente independente. A primeira conferncia de Nietzsche em Basilia, ber Personlichkeit Homers [Sobre a personalidade de Homero], j compreendia o artista como um assistente ou, no mximo, como um advogado do fillogo como cientista. 4 A unidade que sustenta o gnio a fora da vida, mas no sob a forma ainda muito restrita da personalida-de: ela provm da capacidade de se refletir sobre essa fora. Sem o auxlio da reflexo e da dis-ciplina impostas pela filosofia, a fora da unidade se transforma em exagero farsesco, ou mero histrionismo.43 Em sua conferncia inaugural esse problema surge tomando como referncia o fillogo mas se aplica claramente a qualquer outro crculo onde o individualismo est masca-

    penhauer, como Kant e diferentemente de Wagner deduzir a disposio mental do gnio da tpica de suas faculdades mentais e no de sua dinmica.

    4 Cf. NIETZSCHE, F., Werke in drei Bnden (doravante citada como WdB, seguida do nmero do volume e da pgina), vol. I, p. 8: Contra esses inimigos, ns fillogos devemos sempre contar com a assistncia [Beis-tand] do artista e da singular natureza artstica (...). A conferncia foi pronunciada em 8 de maio de 869 e constitui a primeira atividade de Nietzsche como professor de filologia clssica na Basilia. Neste mesmo ano, Nietzsche mandou imprimir uma verso do texto como edio privada sob o ttulo Homer und die klassische Philologie [Homero e a filologia clssica].

    43 Cf. KSA VII, 790: Uma das particularidades de Wagner indocilidade e excesso [Unbndigkeit und Ma-asslosigkeit]. Ele sobe sempre at os ltimos degraus de sua fora, seus sentimentos, e acredita estar somente a na livre natureza (...).

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    rado pelas foras predominantemente pessoais: o motivo pelo qual a filologia desperta tantos inimigos reside precisamente no fato de que ela no encontra sua harmonia enquanto cincia e uma acentuada separao [Verschiedenheit] causada pela luta de fillogo contra fillo-go.44 Sem a reflexo adequada cientfica sua unidade se torna apenas uma medida egosta de comparao. O dficit de Wagner nesse sentido o de sua natureza de ator [Schauspieler-Natur]: de seus modelos [Vorbildern] no compreende nada alm daquilo que tambm pode imitar. E o resultado dessa sua natureza se mostra j em 874, quando Nietzsche obrigado a concluir, nada elogiosamente:

    A msica no vale grande coisa, a poesia tambm , o drama tambm no, a arte dra-mtica freqentemente apenas retrica mas tudo est na grande unidade e a uma mesma altura. Wagner como pensador est na mesma altura que Wagner como msico e poeta.4

    Marcando o ponto crtico dos anos de convivncia, esse diagnstico traz luz aquilo que o mecanismo que lhe permitia ver em Wagner um pensador sua associao com Schope-nhauer fazendo parte dele escamoteava insistentemente. Contudo, desde o comeo, a esttica wagneriana sofreu inmeras tentativas de correes filosficas por parte de Nietzsche o que, evidentemente, foi visto com muita desconfiana pelo compositor. Um outro fragmento, de 87, constata essa tendncia retificadora: nele, o artista do futuro cede lugar ao filsofo do futuro O filsofo do futuro? Ele precisa se tornar o supremo tribunal de uma cultura artstica, como que a garantia oficial [Sicherheitsbehrde] contra todas as desordens.46

    Essa distino fundamental entre a metafsica do gnio de Nietzsche e a de Wagner responsvel pela concepo filosfica do projeto de reforma da Bildung sustentado pelo pri-

    44 WdB III, 9.

    4 KSA VII, 76-77. Esse fragmento integra um conjunto bastante importante, em que Nietzsche se colo-ca, pela primeira vez, profunda e sistematicamente, a questo sobre as causas da impotncia de Wagner como mestre, msico e filsofo. Escritas em janeiro e fevereiro de 874, elas antecederam em quase dois anos a pu-blicao da quarta Extempornea., que retoma o tom de defesa do wagnerianismo. Todos os fragmentos desse perodo insistem nessa Schauspieler-Natur do msico.

    46 KSA VII, 443, fr. 9 [73].

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    meiro. Ela nos ensina especialmente sobre os limites da devoo do primeiro pelo segundo. Ela pode indicar, tambm, por que, apesar de toda a importncia da arte no horizonte filosfico de Nietzsche durante e aps seu professorado em Basilia seu projeto nunca concebeu uma educao esttica nem maneira de Schiller, nem quela de Wagner, mas uma educao filo-sfico-artstica, com o peso necessrio sobre a prioridade do primeiro termo. A reforma exigida por textos como Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino essencialmente filosfica, e isso em grande parte porque, nela, o artista precisa se converter em filsofo tanto quanto todo o resto da aristocracia cultural sem isso, no ser capaz de administrar sua unidade no sentido que ela realmente interessa.

    A mesma distncia entre ambas as concepes se aplica aos outros dois nveis em que a reforma de Wagner pretendia se estabelecer, o da obra e o do pblico. Mais uma vez se tra-ta aqui de uma diferena de nfase entre os elementos envolvidos no equilbrio da totalidade imposta pelo Gesamtkunstwerk. Wagner, como Nietzsche, acredita na necessria reconciliao da arte com a cincia: A obra de arte nesse sentido, como imediato ato da vida [Lebensakt] , portanto, a completa reconciliao [Vershnung] da cincia com a vida, os louros da vitria com que os vencidos, salvos pela sua derrota, rendem alegre homenagem a seus reconhecidos ven-cedores.47 Esse Lebensakt, concebido como pulso, Trieb, est muito mais prximo daquilo que O nascimento da tragdia havia concebido como dionisaco que como apolneo. E, ao se impor como princpio de unidade na equao que o conjuga com a cincia, deve, necessariamente, submet-la a essa espcie de entrega, mais mstica que cientfica, onde a verdade se manifesta em toda sua potncia. A veia do romantismo se expe completamente:

    Se a natureza atinge, em sua ligao com o homem, o homem em sua conscincia, e se a atividade dessa conscincia deve ser a prpria vida humana como se fosse a apresentao, a imagem da natureza ento a prpria vida humana atinge sua compreenso atravs da cin-cia, que, por sua vez, faz desta um objeto da experincia; mas a atividade atravs da qual a cincia atingiu a conscincia, a apresentao atravs da qual ela conheceu a vida, o modelo [Abbild] de sua necessidade [Nothwendigkeit] e verdade a arte.48

    47 SSuD 3, 46.

    48 SSuD 3, 43-44. Wagner acrescenta nesse ponto a seguinte nota de rodap: Isto , da arte em geral ou da arte do futuro em particular.

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    Ora, em Nietzsche esse equilbrio se inverte de maneira anloga quele entre o artista e o cientista talvez como sua conseqncia. claro que a filosofia dever abandonar suas pre-tenses de se tornar uma cincia pura, mas com isso no devemos encontrar imediatamente Wagner, mas Schopenhauer.49A conferncia sobre a personalidade de Homero repetia o mesmo, bem antes, sobre a filologia. Nela, o Gesamtkunstwerk no a vitria do impulso de vida wag-neriano, mas sua domesticao, ou, ao menos, sua limitao. O centauro, signo que mais tarde ser usado para definir o projeto global de O nascimento da tragdia 0, aparece a segundo esse princpio harmnico em que a pulso se submete organizao, integrada atravs da filologia:

    O movimento conjunto, artstico-cientfico, desse estranho centauro segue com assom-brosa fora, mesmo que com lentido ciclpica, a fim de fazer uma ponte entre a antiguida-de ideal que talvez seja apenas o desejo amoroso do mais belo sangue germnico pelo sul e a real; e assim a filologia clssica no aspira como concluso final [endliche Vollendung] nada seno seu ser mais especfico, a completa unificao e unidade das inimizades iniciais e apenas o impulso fundamental violentamente amarrado [gewaltsam zusam-mengebrachten Grundtriebe].

    Domesticar sem violncia esse impulso fundamental a tarefa do cientista apaixonado pela arte. O gnio de Nietzsche , portanto, o gnio da forma harmnica, Apolo, e no Dio-niso. Em um importante ensaio, Grard Lebrun mostrou que toda a primeira filosofia de Niet-zsche se desenvolve no limite desse controle apolneo, como contraposio necessria a seu elogio a Dioniso presente sobretudo no livro sobre a tragdia: Acontece mesmo a Nietzsche,

    49 Como nos afirma a seguinte passagem de Schopenhauer como educador: (...) quero dizer que a filosofia tem de, cada vez mais, desaprender a ser cincia pura: eis a justamente o exemplo do homem Schopenhauer (KSA I, 3).

    0 Referindo-se aos primeiros estudos que resultaro em O nascimento da tragdia, Nietzsche escreve, em uma carta a Rhode, bastante conhecida, do comeo de fevereiro de 870: Cincia, arte e filosofia crescem to juntas em mim agora que eu, pelo menos, um dia darei luz a um centauro (KSB II, 9). A figura do centauro aparece ainda, sob um equilbrio completamente diferente, negativo, no segundo dos cinco prefcios que Niet-zsche redige para Cosima no Natal de 87, onde, ao lado das anormalidades [Abnormitten] ele representa o amlgama no-natural [unnatrlichen Verschmelzung] que caracteriza a modernidade, uma vez compara-da aos antigos (KSA I, 76).

    WdB III, 60-6.

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    na poca, apresentar a tragdia como o triunfo de Apolo: Tragdia: aqui, o mundo apolneo recolhe em si a metafsica de Dioniso. Ao nvel da obra, portanto, o Gesamtkunstwerk impe a idia de uma unidade obtida atravs do esforo contnuo, da observao cuidadosa do cien-tista, que conta com o artista ao seu lado. A verdadeira originalidade de uma obra artstica, mas igualmente a filosfica ou a filolgica advm do trabalho da disciplina. bem verdade que Wagner tambm usou esse termo para expressar o modo de trabalho do gnio, mas aquilo que ele concebia como disciplina artstica3 esteve sempre muito mais prximo de uma entrega obsessiva do artista sua obra que do trabalho cuidadoso e refletido sobre si mesmo. Wagner elogiou freqentemente a concepo de disciplina sustentada por Nietzsche em seu comporta-mento pessoal e em seus trabalhos como professor e intelectual, mas o modo como definiu sua prpria atitude como sendo orientada por essa distinta knstlerichen Disziplin leva a crer que entendia esse princpio primordialmente no mbito da atividade criativa do artista, e no tanto na esfera de sua vida como um todo, mbito que serviria de modelo para a revoluo cultural. Sua recusa do militarismo ia de encontro posio de Nietzsche no perodo em torno da guerra de 87, que acreditava no modelo do exrcito da Prssia, aristocrtica, como modelo de rigor ideal.4 A segunda conferncia sobre os estabelecimentos de ensino insiste sobre essa ltima idia e esse o sentido mais fundamental de sua rejeio ao culto de uma livre personalidade falsificada por uma cultura cientfica materialista tecnicista que exclui o artstico, e de sua contraposio a uma severa auto-educao lingstica [strenge sprachliche Selbsterziehung].6

    LEBRUN, G., Quem era Dioniso? in A filosofia e sua histria, p. 39. A tese de Lebrun a de que, enquanto houve uma contraposio e uma conseqente necessidade de reconciliao dialtica entre Apolo e Dioniso, Nietzsche no pde pensar fora do esquema que colocava este sob a direo daquele. Somente quan-do essa contraposio superada de forma no-dialtica, mas sim unvoca quando a forma se transforma ela mesma no contedo Dioniso poder tomar para si o lugar de prevalncia que ocupar nos ltimos escritos, deixando Apolo cair no esquecimento.

    3 Cf. SSuD 8, 6.

    4 Em uma passagem de sua autobiografia, Wagner contrape essa disciplina na esfera artstica, afetiva, ao militarismo: Devido a um preciso apelo, de minha parte, por uma disciplina em uma bem ordenada orquestra, eu compreendi que no se tratavam de quaisquer soldados prussianos, mas de homens livres (WAGNER, R., Mein Leben, dritter Teil, pp. 66-67).

    KSA I, 683 e ss.

    6 KSA I, 677. Em KSA I, 683 a exigncia se repete: a verdadeira formao [Bildung] comea por um se-

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    De fato, ao longo de todas as conferncias, o rigor de uma cincia reconciliada com a arte a nica forma de garantir a correta unidade das obras capazes de refletir o esprito alemo. Se a medida de um povo o conjunto de suas obras, o projeto de reforma pedaggica de Nietzsche no poder deixar de insistir sobre sua adequada propedutica e quem a legitima no a arte pulsional ou instintiva de Wagner, mas a cincia atravessada pela idia de unidade harmnica. Pois preciso, de alguma forma, ensinar o centauro a marchar, e no somente a galopar.7

    Por fim, a idia de unidade do pblico a que revela mais explicitamente a diferena entre Nietzsche e Wagner. Ela diz respeito, diretamente, a uma distino fundamental entre o significado de aristocracia cultural tal como o primeiro a entendia e o outro havia levado a cabo, mas s pode se tornar explcita o suficiente quando o festival de Bayreuth foi inaugurado, aps inmeros atrasos, em 876. Desde o final de 873 ou o comeo de 874, os cadernos pessoais de Nietzsche testemunham uma desconfiana crescente, embora em surdina, acerca dos valores de Wagner e de sua esttica. Mas foi preciso presenciar em Bayreuth a grandiloqncia exagerada e confrontar seus espectadores nada afinados com uma cultura aristocrtica para que qualquer tentativa de mascarar essa iminente ruptura se tornasse impossvel. As ltimas tentativas de Wagner de garantir o sucesso comercial de seu empreendimento 8 resultaram, sobretudo, em sua redeno ao carter popular em seu sentido mais pejorativo da msica. Se A obra de arte do futuro prometia a realizao do esprito uno de todos os artistas na verdadeira fraternidade [Genossenschaft]9, o que o festival havia desperto era a massa curiosa e atrada pelo luxo do evento: Aparentemente, Wagner deseja criar uma arte para todos, o que explica o seu emprego de meios grosseiros e refinados.60 pela identificao entre a massa e Wagner que o carter fal-

    vero, artstico e cuidadoso treinamento [Zucht] lingstico.

    7 A metfora militar est presente em Nietzsche, tambm na segunda conferncia de Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino: Aqui todos os que levam a srio seus esforos devem experimentar a mesma impresso que aquele que, enquanto adulto, e quando soldado, forado a aprender a marchar, enquanto, at ento, era um vulgar diletante e um empirista quanto marcha. Retorno a esse ponto mais adiante.

    8 Que, a julgar pelo seu dficit, estimado em cerca de 60.000 marcos, no foi bem-sucedida (cf. JANZ, C. P., op. cit., Bd. , p. 7.

    9 Cf. SSuD 3, 6.

    60 Fragmento pstumo citado sem referncia em FRSTER-NIETZSCHE, E., Wagner und Nietzsche zur Zeit ihr Freundschaft, p. 0.

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    sificador de sua esttica se revela. O pblico os wagnerianos s capaz de ser afetado pelo Gesamtkunstwerk naquilo que este possui de aparente. Sua unidade a unidade dessa falsifica-o, que a mesma de Wagner e de todas as suas propostas: a verdadeira msica, a verdadeira obra de arte, poderamos dizer, aristocrtica. O que o pblico de Wagner revela que toda a defesa de uma cultura alem empreendida por este at ento no era seno a defesa da massa, os imaturos!, os blass!, os doentios!, os idiotas!, os wagnerianos!.6

    poca de Bayreuth, as grandes diferenas entre Nietzsche e Wagner enfim se reve-lam; as margens da traduo j no podem ser recobertas. Enfim, as trs dimenses em que se aplicariam a idia de unidade sustentada pela obra de arte total revelam-se fundamentalmente distintas para ambos.

    Bayreuth desenhou o retrato daquilo que a Alemanha era e daquilo que a Alemanha que-ria para sua cultura. E o fato de que a Alemanha queria Wagner se apresenta, nesse momento, como o testemunho de que ela no desejava nenhuma verdadeira reforma de sua Bildung. A sociedade que vai abertura do primeiro festival est bem longe de representar uma verdadeira aristocracia da cultura; a msica executada j no faz soar a Grcia nem o universal, e o futuro se revela, enfim, como a repetio escandalosa do presente. Nenhuma mitificao suficien-temente tenaz para resistir a essas desiluses. Wagner e Bayreuth so, enfim, a farsa que Niet-zsche, ao tentar transform-los em representaes de uma cultura por vir como cultura que sempre estivera a no podia enxergar. O teatro de festivais no anuncia nem inaugura nada novo: antes, ele d voz, ampla, alta e extremamente adornada, ao presente com que deveria se confrontar. Ele confirma a desconfiana que Nietzsche j alimentava secretamente em 874: Wagner no um reformador [Reformator], j que at agora tudo permanece como antes.6 esse o motivo pelo qual o acontecimento que significou Bayreuth demarca o fim da primeira filosofia da cultura de Nietzsche. No tanto porque ele o smbolo maior do fim de sua amizade com Wagner, mas porque reconduz o conceito de Bildung projetado nesses anos, a partir tam-bm de Wagner e apesar dele, sua intangibilidade impossibilidade de sua realizao.

    6 Nietzsche contra Wagner, (KSA VI, 43).

    6 KSA VII, 763, fr. 3 [8].

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    RESUMOA ideia de obra de arte total, de Gesamtkunstwerk, tal como elaborada por Richard Wagner em suas obras est-ticas, apropriada por Nietzsche em seu projeto de renovao da cultura alem durante os primeiros anos de seu professorado na Universidade de Basilia. Esta apropriao, no entanto, logo se mostra problemtica, uma vez que os conceitos e valores que ela pressupe parecem, muitas vezes, contrapor a filosofia de Nietzsche esttica de Wagner. O objetivo deste texto descrever e discutir os esforos operados nesta interpretao e seus impasses que culminaram na ruptura mesmo da relao entre ambos.

    Palavras-chave: Nietzsche, Wagner, Gesamtkunstwerk.

    ABSTRACTThe idea of a unified work of art, a Gesamtkunstwerk, as it was worked out in Richard Wagners aesthetics, is ap-propriated by Nietzsche within his project of recasting German Culture during his first years as Professor in Basel University. This appropriation, however, soon revealed itself as problematic, inasmuch as concepts and values it presupposes seem to sometimes oppose Nietzsches philosophy and Wagners aesthetics. The aim of this paper is to describe and discuss the efforts that were taken in this interpretation and its dilemmas that, all in all, ended up in their mutual break up.

    Keywords: Nietzsche, Wagner, Gesamtkunstwerk.

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    Recebido em 03/2011 Aprovado em 04/2011

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