170443*...seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO _RECURSO, VENCIDO O' 3o JUIZ.", de conformidade...

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA ACÓRDÃO REGISTRADO(A) SOB 170443* Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL' COM REVISÃO' 834.517-5/4-00, da Comarca de MONTE ALTO, em que é apelante USINA BERTOLO AÇÚCAR E ÁLCOOL LTDA.. sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO: '' - ACORDAM, em Câmara Especial, do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça .do Estado de São ''Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO _RECURSO, VENCIDO O' 3 o JUIZ.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este- acórdão. O julgamento teve * a participação dos Desembargadores REGINA CAPISTRANO e AGUILAR CORTEZ. São Paulo, 29 de janeiro de 2009. RENATO NALINI Presidente e Relator \

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  • PODER JUDICI`RIO TRIBUNAL DE JUSTI˙A DE SˆO PAULO

    TRIBUNAL DE JUSTI˙A DE SˆO PAULO ACÓRDˆO/DECISˆO MONOCR`TICA

    ACÓRDˆO REGISTRADO(A) SOB N°

    170443*

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de

    APELA˙ˆO C˝VEL’ COM REVISˆO’ n° 834.517-5/4-00, da Comarca de

    MONTE ALTO, em que Ø apelante USINA BERTOLO A˙ÚCAR E `LCOOL

    LTDA.. sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO: ’’ -

    ACORDAM, em Câmara Especial, do Meio Ambiente do

    Tribunal de Justiça .do Estado de Sªo ’’Paulo, proferir a

    seguinte decisªo: "NEGARAM PROVIMENTO AO _RECURSO, VENCIDO O’

    3o JUIZ.", de conformidade com o voto do Relator, que integra

    este- acórdªo.

    O julgamento teve * a participaçªo dos

    Desembargadores REGINA CAPISTRANO e AGUILAR CORTEZ.

    Sªo Paulo, 29 de janeiro de 2009.

    RENATO NALINI Presidente e Relator

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    TRIBUNAL DE JUSTI˙A DO ESTADO DE SˆO PAULO

    SE˙ˆO DE DIREITO PÚBLICO C´MARA ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE

    VOTO N° 14 .218

    APELA˙ˆO C˝VEL N° 834 .517-5 /4 - MONTE ALTO

    Apelante: USINA BERTOLO A˙ÚCAR E `LCOOL LTDA

    Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SˆO

    PAULO

    SENTEN˙A - NULIDADE CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORR˚NCIA - PRELIMINAR REJEITADA

    A˙ˆO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL -QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-A˙ÚCAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA -INOCORR˚NCIA - EMPRESA QUE SE BENEFICIA DO RESULTADO DO IL˝CITO - PRELIMINAR REJEITADA

    A˙ˆO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL -QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-A˙ÚCAR - NOCIVIDADE MANIFESTA PARA O AMBIENTE, A SAÚDE E MESMO PARA A AGRICULTURA - CORRE˙ˆO DO CRITÉRIO ADOTADO PARA FIXA˙ˆO DA INDENIZA˙ˆO - APELO DESPROVIDO

    Vistos etc. A sentença de fls. 163 /174 ju lgou

    parcialmente procedente o pedido formulado n a açªo civil pœbl ica ambienta l ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SˆO PAULO contra a USINA BERTOLO A˙ÚCAR E `LCOOL LTDA, condenada ao pagamento de indenizaçªo pelos danos ambientais causados com a queima da palha da cana-de-açœca r em Ærea de 5,32 hectares do Sítio Bela Vista, a ser fixada mult ipl icando-se

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    o nœmero de hectares queimados pelo preço de 2.048 litros de Ælcool, considerando o preço do litro do Ælcool da Øpoca do pagamento voluntÆrio da indenizaçªo ou da cobrança via execuçªo judicial, valor que deverÆ ser recolhido ao Fundo Especial de Despesa e Reparaçªo dos Interesses Difusos Lesados (Lei 7.347/85).

    Irresignada, apela tempestivamente a rØ, para sustentar, nas razıes de fls. 179/191 : a) sua ilegitimidade passiva; b) cerceamento de defesa, porquanto impedida de comprovar nªo ter sido a responsÆvel pela queimada; c) nªo ter sido demonstrada, no caso concreto, a potencialidade lesiva da queima da palha de cana-de-açœcar, sendo imprestÆvel o trabalho tØcnico do MinistØrio Pœblico para esse fim; d) a arbitrariedade do valor da indenizaçªo fixada, pois alØm de nªo ter sido constatado objetivamente dano algum, os critØrios trazidos na exordial fundam-se em estudo genØrico promovido hÆ quase 18 anos, para casos que nªo guardam relaçªo com a hipótese. Pugna pelo acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva, pelo decreto de anulaçªo da sentença ou total improcedŒncia do pedido.

    O MinistØrio Pœblico ofereceu contra-razıes em que rebateu as pretensıes da apelante - fls. 196/199 - e a Ilustrada Procuradoria Geral de Just i ça opinou no sentido do desprovimento do apelo - fls. 204/227 .

    É uma síntese do necessÆrio.

    A apelante foi autuada pela CETESB, aos 30 de maio de 2006, e sancionada com a imposiçªo de penalidade de multa - AIIPM 40000273 \ pela "Queima de palha de cana de açœcar, ao ar livre, na propriedade denominada "Sítio Bela Vista", na coordenada geogrÆfica

    1 Fls 33 dos autos

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    UTM 22k 0743554 (E) 7666759 (N), localizada no Município de Pirangi, hÆ menos de 01 (hum) quilômetro do perímetro da Ærea urbana, acarretando a emissªo de fumaça e fuligem, causando incômodos e inconvenientes à populaçªo", com fundamento no artigo 4o , inciso I, do Decreto Estadua l n° 47 .700 /03 , e artigos 2 o eco 3 o , inciso V, e 26 , todos do Regulamento da Lei n ° 9 9 7 / 7 6 , aprovado pelo Decreto n° 8 .468/76 . Impôs-se à infratora mul ta de 7.500 UFESPs .

    Remetida a au tua ç ªo ao MinistØrio Pœblico, foi ins taurado o InquØrito Civil n° 14 /06 na Promotoria de Monte Alto2, que precedeu a presente açªo civil pœblica ambiental .

    O MM. Juízo julgou parcialmente procedente o pedido ministeria l e contra a sentença se i rresignou a empresa .

    Sem razªo , contudo . A part ir de 5 de outubro de 1988 , o meio

    ambiente foi erigido a categoria consti tuciona l na ordem jur íd ica brasileira. Preceitua o artigo 225 da Carta da Repœblica:

    "Todos tŒm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pœblico e à coletividade o dever de defendŒ-lo e preservÆ-lo para as presentes e futuras geraçıes."

    Enorme t ransformaçªo de ót ica vem a impregna r toda a ciŒncia jur ídica diante dessa opçªo const i tuinte . O legislador fundante , pela vez primeira , contempla de maneira explícita u m direito

    2 Fls 2 8 / 9 7 dos au tos

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    intergeracional. Ao Poder Pœblico e à coletividade comete um dever primordial de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado nªo apenas para os viventes, mas tambØm para as geraçıes do porvir. Toda a posteridade depende do zelo que hoje se devotar à natureza.

    Dessa opçªo constitucional - e o Estado de Direito se caracteriza por ser o Estado sob a ordem jurídica, cujo Æpice Ø a Constituiçªo - resultam conseqüŒncias relevantes. Uma delas, a responsabilizaçªo objetiva daquele que se beneficia da infraçªo ambiental, encontrando, pois, ressonância, o longevo artigo 8o da Lei 997/76 : "ResponderÆ pela infraçªo quem, por qualquer modo, a cometer, concorrer para sua prÆtica ou dela se beneficiar".

    Este Ø o caso da rØ que, em suas razıes de apelaçªo, expressamente admite ter se utilizado da cana como matØria prima: "o só fato de haver processado a cana-de-açœcar objeto da queimada, jamais, se presuma tenha sido a apelante a promotora da queimada"3 (g.n.)

    A empresa beneficiou-se do produto da infraçªo e por isso estÆ bem caracterizada sua legitimidade passiva. Nªo hÆ cerceamento de defesa se Ø irrelevante para o deslinde do feito o cometimento direto da infraçªo pelos funcionÆrios da usina, hipótese que, todavia, nªo se descarta, pois por ocasiªo da vistoria da CETESB (Relatório n° 1113077)4 na propriedade rura l em que se realizou a queimada ’foi constatada presença de veículo com identificaçªo da empresa na Ærea".

    E argumentar nªo ter restado comprovada a potencialidade lesiva da queima da palha de cana-de-

    "5 Fls. 180 dos au tos 4 Fls. 36 dos au tos

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    açœcar Ø fazer ouvidos moucos à voz da razªo e fechar os olhos para o que Ø evidente ao infante da mais tenra idade: a queima de palha de cana-de-açœcar em local situado a menos de um quilômetro do perímetro urbano do Município Ø infraçªo gravíssima - artigo 4o, inciso I, do Decreto Estadua l n° 47.700/03 , e artigos 2o eco 3o , inciso V, e 26, todos do Regulamento da Lei n° 997/76 , aprovado pelo Decreto n° 8.468/76 - porque causa danos nªo só ao meio ambiente como à saœde de toda a populaçªo.

    JÆ se afirmou neste Tribunal que

    "a queima da palha da cana-de-açœcar deve ser coibida, data vŒnia, em face dos efeitos degradantes provocados ao meio ambiente e à saœde da circunvizinhança, por atuaçªo direta da combustªo de material em contato com o solo, a liberar resíduos (fumaça/gases) que atingem, tambØm, o equilíbrio dos elementos da atmosfera. ... Ainda que se controverta na academia, reconhecendo-se a defesa sØria e fundamentada de posiçıes científicas, nªo se olvide que a populaçªo-consumidora, titular justa dos bens da vida, de um modo ou d’outro, sofre as conseqüŒncias comprovadas e comprovÆveis pela perícia no sítio produtor da poluiçªo de que se trata. Dessarte, nªo fosse a grave acusaçªo de ilegalidade do Decreto Estadual 42.056/97, por distorcer a hierarquia das leis (Leis Federais 4.771/65 e 6.938/81), a par de abrir caminho à alteraçªo do conceito de poluiçªo, nªo tem eficÆcia, como outros diplomas, de transmudar os efeitos físicos poluidores, substituindo-se à perícia da matØria de fato. Pode, a lei, definir o que nªo mais constitui poluiçªo, mas nªo pode decretar que seus efeitos nªo mais existam"5.

    5 T J S P AC 033 786 , Rel.VALLIM BELLOCCHI, j .22.3 .1999 .

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    O u t r a n ª o t e m s ido a o r i en ta ç ªo des te re la to r e m h i p ó t eses anÆlogas . A inda r e c e n t e m e n t e , e m voto profer ido n o Co lendo Ó rg ªo Espec ia l a respe i to do t e m a , t ive o p o r t u n i d a d e de assevera r :

    "Em termos de legislaçªo, nªo se discute que o interesse econômico obteve junto ao Governo a moratória de tr inta anos, a evidenciar - de um lado -sua força persuasiva, sempre mediante a argumentaçªo da prioridade à balança comercial, ameaça de desemprego e necessidade de alavancar o "progresso". De outro, o desinteresse em fazer valer o preceito constituciona l que subordina a ordem econômica à defesa do meio ambiente6. Nªo Ø apenas esse o princípio fundante em desapreço. O primitivismo das queimadas constitu i um mau uso da propriedade, que o constituinte subordinou à sua inafastÆvel funçªo social7. Em lugar de se adequar à contemporaneidade, preferem os beneficiÆrios dos mØtodos rudimentares reiterar a longeva argumentaçªo a favor da destruiçªo da natureza . Louvam-se atØ mesmo em trabalhos acadŒmicos, de conclusıes a um tempo singelas, de outro altamente discutíveis. Confira-se a fls. 17 da inicial (da açªo direta de inconstitucionalidade ora em curso), o rol das conseqüŒncias da interrupçªo do "científico" sistema da queima de palha: ’1. Por exigir a mecanizaçªo do corte, causarÆ desemprego. 2. Diminuiçªo dos rendimentos operacionais das colhedoras e aumento do desgaste mecânico. 3. Possível aumento de perda de matØria-prima, em casos em que a mÆquina nªo esteja bem regulada para cortar a cana rente ao solo.

    " Artigo 170, inciso VI, da Constitui çªo da Repœblica. 7 Artigo 185, artigo 170, inciso III e artigo 5o , inciso XXIII, todos da Const i tui çªo da Repœblica

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    4. Se manual, a colheita torna-se mais difícil e perigosa em funçªo da palha, de insetos e animais peçonhentos que antes eram "afugentados" pelo fogo. 5. Aumento das impurezas vegetais, aumentando o custo com transporte, quando a limpeza da palha nªo for eficientemente realizada pela colhedora. 6. Perigo de incŒndio na palha antes, durante e depois da colheita. 7. Proliferaçªo de pragas nos resíduos deixados no solo. 8. Necessidade de variedades melhores adaptadas à nova situaçªo, o que pode exigir alguns anos de estudos e pesquisas. 9. Os implementos para o cultivo e adubaçªo deverªo ser adaptados para que consigam trabalhar no solo com palha. 10. ExigŒncias de terrenos mais bem preparados e planos, na busca do melhor rendimento operacional das mÆquinas. 11. Apenas 45% a 55% das terras do Estado de Sªo Paulo sªo aptas a mecanizaçªo da colheita, considerando a declividade de 15% e os tipos de solo do Estado’8. Dos onze argumentos , extrai-se que nªo se pretende investir em estratØgia menos primitiva e a intençªo de se transformar o Estado de Sªo Paulo num imenso canavial, como se essa fora a œnica destinaçªo da terra bandeirante . A leitura que se fez do preceito do artigo 225 da Constituiçªo da Repœblica Ø acanhado e desconforme com a intençªo do constituinte. O teor do dispositivo Ø de ser analisado ª luz da vontade fundante. Dispıe: Artigo 225 - Todos tŒm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

    8 Tese de Mestrado do Engenheiro Agrônomo DANIEL BERTOLI GON˙ALVES, defendida em 2001 perante o Insti tuto de Economia da UNICAMP, que deu origem ao livro "A Regulamentaçªo das Queimadas e As Mudanças nos Canaviais Paulistas", editora Rima, Sªo Carlos, SP, 2002 , p.25

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    povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pœblico e à coletividade o dever de defendŒ-lo e preservÆ-lo para as presentes e futuras geraçıes. Pela primeira vez o constituinte explicita um direito intergeracional no texto fundante. O zelo em relaçªo ao meio ambiente decorre da necessidade da preservaçªo da vida no planeta. Nªo sªo apenas os viventes os titulares desse direito, mas -principalmente - as futuras geraçıes. Por isso Ø que incumbe ao Poder Pœblico o elenco de atribuiçıes descrito nos incisos de I a VII do artigo 225 da CF, de maneira alguma restritos à Uniªo ou ao Estado. Tanto assim, que o artigo 23 da Carta Ø explícito ao cometer a todas as esferas da Federaçªo brasileira proteger o meio ambiente e combater a poluiçªo em qualquer de suas formas9. Ora, vÆrios municípios colhem as nefastas conseqüŒncias dessa prÆtica rude, que jÆ poderia ter sido extirpada se o avanço do agronegócio brasileiro nªo se ativesse prioritariamente ao interesse do lucro, mas tomasse a sØrio as determinaçıes fundantes em relaçªo ao meio ambiente. No caso específico da regiªo de RIBEIRˆO PRETO, a luta contra as queimadas perdura hÆ quase tr inta anos . A Associaçªo Pau-Brasi l fez uma consulta pœblica com u rnas espalhadas pelos diversos bairros e apurou que 98% dos votantes eram contra as queimadas . E isso porque a populaçªo sente nos pulmıes os efeitos adversos decorrentes das queimadas nos canaviais. A safra canavieira da regiªo se inicia entre abril e maio e termina em novembro. Perpassa, portanto, o período de estiagem na regiªo. Isso causa t ranstornos respiratórios, principalmente em crianças e idosos, devido à presença de particulados e suspensªo na atmosfera e a baixa umidade relativa.

    9 Inciso VI do artigo 23 da Constituiçªo da Repœblica

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    O químico PAULO FINOTTI salienta que, "nªo bastasse isso, o aquecimento da matØria orgânica causado pela queimada produz um fenômeno chamado pirólise, que resulta em quase uma centena de substâncias químicas, muitas delas cancerígenas "10. Embora o setor de açœcar e Ælcool movimente 6% do PIB e a tendŒncia seja crescente, mercŒ da disseminaçªo da tecnologia flexfuel 2 - motores de combustíveis flexíveis - o crescimento econômico nªo pode condenar à morte milhares de cr ianças e idosos. O Departamento de Saœde Ambiental da Faculdade de Saœde Pœblica da USP realizou uma pesquisa em que se apurou incidŒncia maior de doenças respiratórias em regiıes de queimadas em culturas canavieiras. Essa pesquisa resultou em dissertaçªo de mestrado de F`BIO SILVA LOPES, cujo título "A utilizaçªo de sistemas de informaçªo geogrÆfica no estudo da exposiçªo humana aos produtos da queima da palha da cana-de-açœcar no Estado de Sªo Paulo" nªo fornece a gravidade do conteœdo. Pois os dados de janeiro de 2000 a dezembro de 2004 evidenciaram a ocorrŒncia de 22 mil internaçıes ao ano por problemas respiratórios, detectados mais de 3 mil focos de queimadas ao ano em mØdia naquele período11. É comprovado que ao serem aspirados pelas pessoas, os compostos emitidos pela queimada atingem os alvØolos e chegam atØ à corrente sangüínea. Desencadeiam processos inflamatórios e causam hipertensªo. Estudos realizados pelos mØdicos MARCOS ARBEX, JOS É EDUARDO CAN˙ADO e F`BIO LOPES, concluem no mesmo sentido: quando aumentam em 10% as partículas da queima do ar, sobem em 22% as internaçıes de

    10 Em "Mais uma vez as queimadas" , Jorna l Tr ibuna de Ribeirªo Preto, www tnbunanbei rao.com.br , acesso em 19 9 2006 . 11 Disponível em www usp br, acesso em 19.9.2006 .

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    crianças e idosos. A poluiçªo nessa regiªo canavieira Ø muito maior do que a poluída megalópole da capital. E 80% das partículas suspensas no ar vŒm da queima da palha de cana12. O próprio SecretÆrio do Meio Ambiente, o cientista JOS É GOLDEMBERG, jÆ observou ser "um absurdo fazer inœmeras exigŒncias ambientais às indœstrias do Estado, tentar melhorar a disposiçªo de lixo e resíduos tóxicos, multar os caminhıes que emitem fumaça e inspecionar os automóveis para que estes emitam menos poluentes e, simultânea e paradoxalmente, permitir a queima descontrolada da cana-de-açœcar que, em certas Øpocas do ano, inferniza a populaçªo de parte do Estado"13. No Brasil conduzido pela lex mercatoria, nªo merecem divulgaçªo as inœmeras pesquisas realizadas por cientistas sØrios e devotados, a evidenciar os males advindos da queima da palha de cana-de-açœcar. Dentre eles, a sujeira nas casas , no trabalho e em todas as Æreas pœblicas; o aumento do consumo de Ægua de abastecimento pœblico para garantir a limpeza dos locais afetados com maior freqüŒncia14. Aumento dos acidentes nas rodovias, devido à falta de visibilidade. InfluŒncia da fumaça

    12 MARCOS ARBEX Ø um dos autores de estudo desenvolvido no Laboratório de Poluiçªo AtmosfØrica Experimenta l da Faculdade de Medicina da USP, F`BIO LOPES Ø pesquisador da Faculdade de Saœde Pœblica da USP e JOS É EDUARDO CAN˙ADO Ø pesquisador do Laboratório de Poluiçªo AtmosfØrica Experimenta l da USP. O estudo foi apresentado no Nationa l Inst i tute of Environmenta l Health Sc ience e publicado no periódico científico Environmenta l Health Perspectives Dispnível em www.mackenzie b r / d h t m / a s s s s o n a , consul ta em 19 9.2006 . 13 Folha de Sªo Paulo de 22 5.2002 . 14 Nªo Ø demais lembrar que toda a comunidade de RIBEIRˆO PRETO se utiliza da reserva do chamado "Aqüífero Guarany" , cuja util izaçªo Ø objeto de preocupaçªo dos quatro países que o hospedam - Argentina, Brasil, Paragua i e Urugua i O "Jorna l Nacional" da TV Globo de 7.10.2006 noticiou que c ient istas verificaram o rÆpido esgotamento desse manancia l HÆ a lgumas dØcadas , a Ægua surgia a 30 metros de profundidade Hoje, sªo necessÆrios quase 100 metros de perfuraçªo para atingi-la E hÆ sinais desalentadores de contaminaçªo do aqüífero, o que Ø trÆgico para o futuro brasileiro

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    no uso dos aeroportos locais e risco potencial maior de acidentes aØreos. Problemas respiratórios em crianças e idosos. Interrupçªo dos serviços de energia elØtrica por problemas causados em l inhas de t ransmissªo próximas à Ærea da queimada . Desperdício de energia. Eliminaçªo de animais silvestres, pÆssaros e outros seres. Extinçªo da biodiversidade. Emissªo de gases prejudiciais ao ambiente. Em tese de doutorado defendida no Instituto de BiocŒncias, Letras e CiŒncias Exatas da UNESP, em Sªo JosØ do Rio Preto, ROSA MARIA DO VALLE BOSSO constatou qualidades a larmantes de substância conhecida pela sigla HPA hidrocarboneto policíclico aromÆtico - na ur ina de cortadores de cana. Com evidŒncias comprovadas de causar câncer, os HPAs constituem uma família de diversas substâncias . Entre elas o naftaleno, fluoreno, pireno e benzopireno. Esses compostos e seus derivados podem ser encontrados em todos os compartimentos ambientais15. Um outro trabalho acadŒmico, realizado por MARY ROSA MARCHI, do Instituto de Química da UNESP de Araraquara, detectou grande volume de HPAs em amostras de poeira suspensa no ar. Para conseguir detectar as substâncias , MARY utilizou um equipamento capaz de coletar partículas inalÆveis com diâmetro menor que 10 microns - equivalente à milionØsima parte do metro. Com a instalaçªo do aparelho a 7 metros da altura do solo, num terreno situado a 5 quilômetros dos canaviais e a 10 quilômetros do centro da cidade, o estudo constatou um volume de HPAs quatro vezes superior durante o período das safras, comparado às entresafras.

    15 Disponível sob o título "A polŒmica do carvàozinho . Queimar a palha de cana -de-açœca r Ø um s istema de cultivo poluente e prejudicia l à saœde , aponta pesquisa da Faculdade de Saœde Pœblica da USP, SYLVIA MIGUEL, www usp b r / i o rusp /aqu i vo /2005 / i usp738 /pag l011 htm , consul ta em 19.9 2006

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    EmpresÆrios mais conscientes nªo desconhecem tais malØficos efeitos, tanto que se antecipam às exigŒncias legais e conseguem reduzir o uso do fogo - o mØtodo mais primitivo, poluente e perigoso ainda em uso . É que a queima emite grande volume de gÆs carbônico - C02 - gases de nitrogŒnio e enxofre, responsÆveis pelas chuvas Æcidas. O efeito estufa, jÆ sentido no Brasil, Ø agravado em virtude das queimadas . Elas ainda provocam significativas perdas de nutr ientes para as plantas e facilitam a erosªo e o aparecimento de ervas daninhas . Somente após a pressªo popular e das ONGs contra as queimadas foi que alguns empresÆrios se sentiram estimulados a obter tecnologias para a colheita de cana mecanizada, o que atØ barateou os custos de produçªo. De acordo com o Centro Nacional de Agrobiologia da Embrapa , a palha depositada anualmente no solo, no sistema de colheita de cana crua, varia de 10 a 15 toneladas por hectare. A queima deste materia l representa a perda de vÆrios nutr ientes , principalmente de nitrogŒnio - 30 a 60 kg por hectare - e enxofre - 15 a 25 kg por hectare. Considerados os 3,5 milhıes de hectares de cana queimados e uma produçªo mØdia de 60 toneladas por hectare, sªo perdidos todo ano 150 mil toneladas de nitrogŒnio e lançados na atmosfera cerca de 64,8 milhıes de toneladas de gÆs carbônico no mesmo período15. Em lugar da queima, a manutençªo da palha e de subprodutos da indœstria sucroalcooleira, seria possível ura dosamento mais racional de adubos . Com isso, preservar-se-ia o equilíbrio ambiental. A palha protege o solo do impacto da chuva, reduz as perdas do terreno por erosªo e a temperatura da superfície do solo, pois conserva sua umidade . AlØm

    10 Disponível em www.cnpag embrapa.br . consul ta em 19.9 2006

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    disso, a palha serve como reserva de nutr ientes , que sªo liberados lentamente em sua decomposiçªo. Toda a argumentaçªo de feiçªo catastrófica e terrorista dos que insistem no primitivismo das queimadas desfalece ao se constatar o resultado de estudos conduzidos por nove anos na Embrapa Agrobiologia. Constataram eles na Usina Cruangi, em Timbaœba, no Pernambuco, produtividade 24% maior em parcelas nªo queimadas . A diferença entre os t ratamentos aumentou com a passagem do tempo e foi 55% na œltima soca. Na Usina Cruangi, a prÆtica da colheita da cana após queima da palha foi abandonada hÆ mais de vinte anos . Com isso, tornou-se usua l manter o canavial por sete socas - 8 anos - em contraste com as us inas vizinhas que, por adotarem a queima, renovam o canavial após quatro socas. Devido ao alto custo da colheita manua l da cana crua, o lucro obtido com ambas as prÆticas de colheita - cana crua ou queimada - Ø aproximadamente o mesmo, considerando-se o aumento na produtividade proporcionado pela manutençªo da palha17."

    Por tudo isso, diante da intensidade do dano, o valor fixado na inicial a título de indenizaçªo - R$ 13.616,20 (treze mil seiscentos e dezenove reais e vinte centavos), em 28.09.2006, Ø meramente simbólico.

    O critØrio para fixaçªo do quantum indenizatório proposto pelo parquet, fundado em estudo do Professor Marcelo Pereira de Souza, do Departamento de HidrÆulica e Saneamento da Escola de Engenharia de Sªo Carlos, Ø bastante razoÆvel, pois parte de dados objetivos e tem embasamento científico: para aferir monetariamente a perda de energia decorrente da queima da palha da cana-

    7 CL`UDIO MARQUES, ín www radiobras.gov br, consulta em 19.9 2006 .

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    de-açœcar busca o equivalente monetÆrio em litros de Ælcool produzidos.

    O constituinte de 1988 conferiu especial tutela ao meio ambiente porque Ø notória a constataçªo de que o Brasil dissipa celeremente o seu patrimônio maior: a natureza que nªo foi produzida por qualquer de seus habitantes, mas que por eles estÆ a ser destruída.

    O planeta emite contínuos sinais de exaustªo. Uma sociedade hedonista, materialista, consumista e egoísta, nªo atenta para a seriedade do tema. O constituinte trouxe nªo apenas um comando rigoroso em relaçªo à proteçªo da natureza, mas material de permanente reflexªo para todos os ainda dotados de alguma consciŒncia, sensibilidade e lucidez. Se nªo houver consistente reversªo de rumos, nªo haverÆ possibilidade de vida na Terra. E isso dentro de poucos anos. Sem catastrofismo ou fundamentalismo ecológico. AtØ os mais cØticos sªo obrigados a reconhecer as mudanças climÆticas, os sintomas do efeito estufa, o derretimento das calotas polares, a intensificaçªo dos ciclones, dos tufıes, dos furacıes, a seca de um lado, a inundaçªo de outro.

    Tudo proveniente da açªo humana . Insensata e insana. Provinda do œnico animal racional suficientemente insensível para produzir sua própria extinçªo.

    A sentença proferida pela MM. Juíza ANA TERESA RAMOS MARQUES NISHIURA OTUSKI deu adequado desate à lide e merece prevalecepf

    Por estes fundamentos, reieíta-se a matØria preliminar e nega-se provimento ao-l£pelo.

    RENATO NALINI Relator

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