17 - centrocochranedobrasil.com.br · causas, incluindo-se entre elas as infecciosas, doen-ças...

6
/ 17 Neste capítulo abordamos 'inicialmente a fun- ção renal normal na gestação não complicada, Em seguida analisamos as seguintes circunstâncias na gravidez: glomerulonefrite aguda e crônica, sín- drome nefrótica, falência renal aguda, indicações de biópsia renal, gravidez em pacientes dialíticas e gravidez após transplante renal. FUNÇÃO RENAL NA GEST AÇÃO Durante a gestação normal ocorrem várias mo- dificações hemodinâmicas, hormonais eda função renal, que merecem ser reIem bradas, Verifica-seque o ritmo de filtração glomerular aumenta cerca de 50C1'(l e o fluxo plasmático renal se eleva de 30% a SO%, ao mesmo tempo que o débito cardíaco cresce progressivamente até o final da gestação. Do ponto de vista anatõmico os rins aumentam discretamente de tamanho e ocorre evidente dilata- 'ção pieloureteral, que persiste até cerca de dois meses após o parto. Quanto à avaliação da função renal deve-se ressaltar que o ritmo de filtração glomerular no terceiro trimestre da gravidez depende da posição adotada pela ges tan te. Verifica-se que o ritmo de filtração glomerular e o fluxo plasmático renal são cerca de 100% maiores no decúbito lateral esquerdo, quando comparado com o dorsal. Esse fato deve decorrer da compressão da veia cava inferior, pela massa uterina, na vigência do decúbito dorsal. Há, então, diminuição do débito cardíaco e do t1uxo plasmático renal. Verifica-se ainda que, tanto em gestantes normais como naquelas com pré-eclâmp- sia, o decúbito lateral esquerdo aumenta o ritmo de til tração glomerular, a excreção urinária de sódio e, nas hipertensas, diminui a resistência vascular peri- férica. Esses conhecimentos têm importância prope- dêutica e terapêutica. Como resultado do aumento Nefropatias Álvaro Naglb Atallah Gluseplna laqulnto Vlainlch da fil tração glomerular na gestação, os níveis séricos da creatinina e do ácido úrico caem em relação à mulher não-grávida. EÍn gestantes normais verifica- se médias de creatinina sérica em tomo de 0,6mg%. Dessa forma um resultado de creatinina sérica em tomo de I,2mg%,jú significa perda da função renal em gestante de cerca de 50%; níveis de I,Rmg% representam perda em tomo de 70% do RFG. A gestação pode facilitar o surgimento de com- plicações que acometem a função renal, como, por exemplo, a pré-eclâmpsia, a insuficiência renal agu- da isquêmica e a necrose cortical, assim como faci- litar a ocorrência de infecções e pielonefrites agu- das. Por outro lado, uefropatias preexistentes ou intercorrentes podem afetar a evolução da gravidez, como no caso das glomerulonefrites crônicas, nefro- parias crônicas terminais, rins policísticos etc. Em estudos retrospectivos foi verificado-que a gestação dificilmente evolui com sucesso em ges- tantes com níveis de uréia plasmática acima de 60mg%, inferindo-se que o ambiente urêmico é incompatível com o desenvolvimento fetaI. Atualmente entende-se que quando uma ne- fropatia de base, e os níveis séricos da creatinina são inferiores a 1,5mg% e a pressão arterial é bem controlada, o prognóstico da gestação é favorável. Quando os níveis série os da creatinina são maiores que 1,5mg% o prognóstico não é mo bom, sendo ainda pior se houver hipertensão grave ou pré- eclâmpsia associada. Quando a creatinina sérica está acima de 3,Omg%, em geral a paciente não engravida e, quando a gestação ocorre, há neces- sidade de controle rigoroso da pressão arterial e tratamento dialítico. Em certas circunstâncias perda abrupta da função renal durante a gestação, como, por exemplo, na calculose com infecção, elevando-se a creatinina acima de 3,Omg%. Nesses casos, além do tratamento da causa básica, necessidade de tratamento dialí- 143

Transcript of 17 - centrocochranedobrasil.com.br · causas, incluindo-se entre elas as infecciosas, doen-ças...

/17

Neste capítulo abordamos 'inicialmente a fun-ção renal normal na gestação não complicada, Emseguida analisamos as seguintes circunstâncias nagravidez: glomerulonefrite aguda e crônica, sín-drome nefrótica, falência renal aguda, indicações debiópsia renal, gravidez em pacientes dialíticas egravidez após transplante renal.

FUNÇÃO RENAL NA GEST AÇÃO

Durante a gestação normal ocorrem várias mo-dificações hemodinâmicas, hormonais eda funçãorenal, que merecem ser reIem bradas, Verifica-sequeo ritmo de filtração glomerular aumenta cerca de50C1'(l e o fluxo plasmático renal se eleva de 30% aSO%, ao mesmo tempo que o débito cardíaco cresceprogressivamente até o final da gestação.

Do ponto de vista anatõmico os rins aumentamdiscretamente de tamanho e ocorre evidente dilata-'ção pieloureteral, que persiste até cerca de doismeses após o parto.

Quanto à avaliação da função renal deve-seressaltar que o ritmo de filtração glomerular noterceiro trimestre da gravidez depende da posiçãoadotada pela ges tan te. Verifica-se que o ritmo defiltração glomerular e o fluxo plasmático renal sãocerca de 100% maiores no decúbito lateral esquerdo,quando comparado com o dorsal. Esse fato devedecorrer da compressão da veia cava inferior, pelamassa uterina, na vigência do decúbito dorsal. Há,então, diminuição do débito cardíaco e do t1uxoplasmático renal. Verifica-se ainda que, tanto emgestantes normais como naquelas com pré-eclâmp-sia, o decúbito lateral esquerdo aumenta o ritmo detil tração glomerular, a excreção urinária de sódio e,nas hipertensas, diminui a resistência vascular peri-férica. Esses conhecimentos têm importância prope-dêutica e terapêutica. Como resultado do aumento

Nefropatias

Álvaro Naglb AtallahGluseplna laqulnto Vlainlch

da fil tração glomerular na gestação, os níveis séricosda creatinina e do ácido úrico caem em relação àmulher não-grávida. EÍn gestantes normais verifica-se médias de creatinina sérica em tomo de 0,6mg%.Dessa forma um resultado de creatinina sérica emtomo de I ,2mg%,jú significa perda da função renalem gestante de cerca de 50%; níveis de I,Rmg%representam perda em tomo de 70% do RFG.

A gestação pode facilitar o surgimento de com-plicações que acometem a função renal, como, porexemplo, a pré-eclâmpsia, a insuficiência renal agu-da isquêmica e a necrose cortical, assim como faci-litar a ocorrência de infecções e pielonefrites agu-das. Por outro lado, uefropatias preexistentes ouintercorrentes podem afetar a evolução da gravidez,como no caso das glomerulonefrites crônicas, nefro-parias crônicas terminais, rins policísticos etc.

Em estudos retrospectivos foi verificado-que agestação dificilmente evolui com sucesso em ges-tantes com níveis de uréia plasmática acima de60mg%, inferindo-se que o ambiente urêmico éincompatível com o desenvolvimento fetaI.

Atualmente entende-se que quando há uma ne-fropatia de base, e os níveis séricos da creatinina sãoinferiores a 1,5mg% e a pressão arterial é bemcontrolada, o prognóstico da gestação é favorável.Quando os níveis série os da creatinina são maioresque 1,5mg% o prognóstico não é mo bom, sendoainda pior se houver hipertensão grave ou pré-eclâmpsia associada. Quando a creatinina séricaestá acima de 3,Omg%, em geral a paciente nãoengravida e, quando a gestação ocorre, há neces-sidade de controle rigoroso da pressão arterial etratamento dialítico.

Em certas circunstâncias há perda abrupta dafunção renal durante a gestação, como, por exemplo,na calculose com infecção, elevando-se a creatininaacima de 3,Omg%. Nesses casos, além do tratamentoda causa básica, há necessidade de tratamento dialí-

143

· ,

tico, até que a função renal melhore e a creatininac.ua.

Katz e Liudheimer (I nO) relataram a evoluçãode J 21 gestações em RI} pacientes com netropauas,porém com creatinina inferior a J ,4mgl}(,. Encontra-r.un J I perdas de conceptos, sendo cinco intra-ute-rinas e seis no período neonatal. Noventa e um porcento dos conceptos sobreviveram. Embora a funçãorenal nesse tipo de pacientes possa piorar em algu-mas, tal fato não altera a história natural da doença.Os referidos autores sugerem que a gravidez nãodeve ser totalmente desaconselhada em nefropatasquando a creatinina é inferior a J ,5mg%.

Existem controvérsias quanto à evolução dagravidez nos casos em que a nefropatia de base é aglnmerulnnet'rite memhranoprnliferativa, a glome-rulopatia por IgA ou a nefropatia do refluxo. KincaidSmi IIIe Farley (I Yi<7) relataram piora ela nefropatiapor IgA durante a gestação. enquanto Surian (I9X4),Ahe ( I YX5)e Jungerx (J 9i<7) consideruram a evolu-ç:\O satisL\tl'iria.

Nos casos de Iúpus eritematoso sístêmico dis-cure-se se a gestação exacerba ou não a doença. Asevidências mais convincentes sugerem que aquelaspacientes que engravidam após período ele remissãode pelo menos seis meses de atividade lúpica têmmelhor prognóstico, ou seja, menor probabilidadeele exacerbação da doença. A maioria dos autoresaumenta a dose dos corticosteróides no pós-partoimediato. É importante, nesses casos, pesquisar apresença de anücoagulante lúpico, que é anticorpoantitosfolípide. Este, por estar presente na paredeplaquetária, sofre lesão pelo anticorpo, ocorrendoagregação plaquetária e rnfarto placentário, comconseqüente perda fetal. O an ticorpo pode ser detec-tado também por teste anticardiolipina. Quando oteste é positivo o uso de aspirina em doses baixas(entre 50 e IOOmg/dia) pode aumentar as pos-sihilidades ele gestação bem-sucedida.

(;U>MERULONEFRITE AGUDA

Como a maioria elas glomerulopatias, a glome-rulonefrite aguda pode resultar de uma ou váriascausas, incl uindo-se entre elas as infecciosas, doen-ças sistêmicas e desordem primária do glomérulo.Todas são caracterizadas por aumento abrupto daproteinúriae hematúria, acompanhadas por variadosgraus de insuficiência renal, levando a retenção elesal e água. causando edema, hipertensão e congestãocirculatória. A glomerulouefrite pós-estreptocócicaé o protótipo dessa síndrome.

A glomerulonefrite pós-estreptocócica rara-mente se desenvolve durante a gestação. O diagnós-tico no decurso da gravidez é feito pela história dainfecção estreptocócica da faringe ou cutânea,

144

antecedendo II quadro renal, a presença ele hematú-ria e o aumento dos títulos de anuestreptolisina.

É doença de grande risco após a segunda meta-ele da gestação, quando pode ser confundida compré-eclâmpsia. A biópsia renal pode ser útil em I<Ú

circunstância, uma vez que pode excluir pré-eclâmpsia e identificar o tipo de doença glomerular.

De acordo com a literatura o futuro obstétrico,assim como o matemo, certamente fica comprome-tido nos casos de glomerulonefrite rapidamenteprogressiva. De forma geral a glomerulonefrite di-fusa aguda não compromete a evolução da gravidez,desde que haja controle hidrossalino e pressórico.No entanto, pode ocorrer abortamento, PéLf(O prema-turo e óbito fetal.

Segundo Lindheirner e Katz (11..)77) o cursonatural da doença não se altera nas pacientes comGNDA curada.

O tratamento, em geral, não elifere daquele emmulher não-grávida. Deve-se restringir o sal e oslíquidos. Para a infecção estreptocócica administra-se penicilina G benzatina, na dose ele 1.200JX)OUI,por via 1M, por dois dias consecutivos.

Diuréticos terão indicação na dependência dograu de edema, dos níveis pressóricos e de insufi-ciência cardíaca. Como a hipertensão é volume-dependente, o uso ele diuréticos tem precedênciasobre vasodilatadores, embora estes últimos nãosejam contra-indicados.

O tratamento obstétrico fica na dependênciadas eventuais complicações próprias da gravidez.

GLOMERULONEFRITE CRÔNICA

Esta doença é caracterizada por progressivadestruição dos rins, num período de tempo de [mosou décadas, produzindo diminuição da função renal.Em muitos casos a causa é desconhecida, mas adoença pode aelvir após alguns anos de glomerulo-nefrite aguda ou ele síndrome nefrótica, Microsco-picameute a lesão renal pode ser proliferati va, escle-rótica ou membranosa.

A glornerutonetrite crônica pode ser detectadade várias formas, Algumas pacientes podem perma-necer assintomáticas por muitos N10S e a proteinúriaou o sedimento urinário anormal, ou ambos, podemser indicativos da doença. Pode ser descoberta du-rante a investigação ele uma hipertensão crônica oupode ser a primeira manifestação de síndrome ne-frótica. Por vezes exacerba-se e manifesta-se comoglomerulonefrite aguda. A falência renal pode sersua primeira manifestação, assim como pode serdiagnosticada durante a investigação de síndromehipertensiva na gestação.

SÍNDROME NEFR.)TICA

A síudrome nefrótica ou netrose é desordemrenal cuja etiologia é variada. Caracteriza-se porproteinúria excessiva (3 e 4g por dia), hipoalbumi-nemia, hiperlipidemia e edema generalizado. Amaioria das pacientes apresenta lesão renal micros-cópica e, em muitas, tem-se acompanhado algumasevidências de disfunção renal. Os efeitos na barreirada parede capilar glomerular, com excessiva perdadas proteínas plasmáticas, podem advir de causaimuuoiógica. injúria tóxica, doença metabólica.doença vascular e, comumente, de lesão glomerularprimária. As formas não-prohterativas, como a le-são membranosa, as hialinosas segmentar e focal ea!>lesões mínimas, levam li síndrome nefrótica.

Forma rara de nefrose é a síndrome nefróticatransitória da gravidez, em que a proteinúria desen-vol ve-se durante a gestação, desaparece após O partoe recidiva em gestações subseqüentes (Haslam eWallace, 1975).

O tratamento e o prognóstico materuo-fetaldependem da causa lia doença e do grau de insufi-ciência renal. Em revisão da literatura, Weisman ecols. ( 1973) observaram que as pacientes que não setornaram hipertensas e não apresentavam insufi-ciência renal grave geralmente tiveram sucesso nagravidez, o mesmo não acontecendo com os CL<;OSopostos.

FALÊNCIA RENAL AGUDA

Muitas são as oportunidades em que o médicofica frente a gestante, parturiente ou puérpera comquadro clínico de oligúria ou anúria, Antes de maisnada cumpre fazer diagnóstico diferencial entre oli-gúria pré-renal e renal, para em seguida fazer estudosobre ,L\ causas da complicação renal, isto é, necrosetuhular aguda e necrose cortical renal.

Para o referido diagnóstico diferencial temostestes bioquímicos e terapêuticos. Os primeiros sãoexpostos na Tabela 17.1.

Tabela 17.1Testes Rioquímicos para Diagnóstico Diferencial

entre Oligúria Pré-Renal e Renal

Parãmet TOS Pré-renal Renal

Densidade urinaria

Sridio urinário (mEq/l)

V/C (ou uréia)p osmolalidade

> L015

< 20

> 50

>2

<1..015

> 50

<10

= LI

(! = conccnt ração uriná riaF' = concentração plasmáticaC = c rcatinina

Para o teste terapêutico no puerpério recomen-damos a administração de 60ml de manitol a 20%,durante 30 a 90 minutos. podendo-se induzir diuresemaior que 50ml/bora dentro de 30 minutos naspacientes com oligúria por fatores pré-renais. J unta-mente com o manitol pode-se associar furosemide,na dose de 40mg. Uma vez confirmado o diagnós-tico de insuficiência renal, devemos nos preocuparem manter estados geral e metabólico o mais próxi-mo possível dos padrões normais.

Necrose Tubular Aguda (NT A)

Esta entidade clínica pode ser prevista nos ca-sos de hemorragia profusa (descolamento prematu-ro da placenta, placenta prévia. ruptura uterina, ato-nia uteriua no quarto período do parto), pielonetrite.calculose renal, eclâmpsia, choque séptico, abona-mente séptico, corioamnionite e uso de diuréucospotentes e vasodilatadores, empregados inadverti-damente, levando a hipotensão arterial prolongada.

Na NT A notam-se três períodos, que duram emmédia de uma a duas semanas. Na primeira fase deoligúria transitória deve-se restringir Na, K e volu-me hídrico. Na segunda fase, de poliúria, deve-seadministrar líquidos, Na, K e Mg. No período deestabilização a conduta deve ser conservadora,dependendo do quadro clínico. A diálise é indicadade acordo com os critérios clínicos, no período deoligúria e durante a fase de poliúria, enquanto auremia estiver evidente.

Em algumas pacientes desenvolve-se NT A par-cial e a creatinina estabiliza-se em tomo de 3 a4mg%, com volume urinário em tomo de 500ml.Nesses casos os diuréticos podem ser fundamentaisno tratamento da hi pervolemia, da insuficiência car-díaca e da hiperpotassemia, podendo em algunsCéL<;OS evitar tratamento dialítico.

A NTA não é cronicamente progressiva e nãose contra-indica nova gestação.

Necrose Cortical Renal (NCR)

Comparando com a NT A, a necrose bilateral docórtex renal é cada vez mais rara; suas causas,entretanto, são de origem obstétrica, isto é, descola-mento prematuro da placenta, placenta prévia, cho-que séptico e eclâmpsia. O seu desenvolvimentodepende da intensidade da coagulação intravasculardisseminada. Histologicamente a lesão aparece co-mo resultado de trombose do sistema vascular renal.Clinicamente apresenta-se com anúria e manifes-tações de uremia. Se a diálise não é instituída leva àmorte em duas a três semanas.

A diferenciação numa fase inicial com a NT Apode ser feita pelo quadro clínico associado à coa-

145

gulação intravascular disseminada, sendo o volumeurinário nas 24 horas próximo de zero. Na NT A ovolume de urina de 24 horas em geral é maior que100ml.

Em geral os néfronsjustamedulares são preser-vados e, em se mantendo a paciente viva com diálisepor alguns meses e com controle hidroeletrolíticorigoroso, enquanto se aguarda possível recuperaçãoparcial dos rins (por hipertrofia dos glornérulos res-tantes), pode-se proporcionar que a mesma prescin-da de tratamento dialítico por alguns iUlOS.

O prognóstico depende da extensão da lesãonecrótica; em parte dos casos a sobrevida só é pos-sível com diálise crônica ou transplante.

INDICAÇÕES PARA BIÓPSIA RENAL

Em virtude dos riscos serem, em geral, maioresque os benefícios, são cada vez mais raras as reali-zações de biópsia renal durante a gestação. No nossoentendimento, apenas quando há perda progressivada função renal, acompanhada de sinais que suge-rem glomerulonefrite, a biópsia está indicada paraafastar a glomerulonefrite crescêntica (rapidamenteprogressiva).

Nos demais casos deve-se controlar os níveispressóricos, manter dieta hipossódica e com pro-teínas de alto valor biológico (leite, carne. ovo),protelando-se a biópsia para período após o parto.

GESTAÇÃO EM PACIENTE COMTRA T AMENTO DIALÍTICO CRÔNICO

Embora as pacientes com insuficiência renalterminal raramente ovulem, não é infreqüente aocorrência de gestação em mulheres em tratamentodialíuco, na medida em que esse tipo de tratamentovem se expandindo. Para tais pacientes recomen-damos as seguintes condutas:

I. Hemodiálise com banho de bicarbonato desódio (para prevenção de hipotensão arterial) cincovezes por semana. Todo esforço deve ser feito paraprevenir hipotensão durante a hemodiálise. Nos ca-sos específicos a diálise peritoneal ambulatorialcontínua (CAPO) pode ser manüda até a 20<1semanada gestação.

2. Controle rigoroso dos níveis de pressão arte-rial, com adequação do peso. Nos casos refratários,tentar manter pressão normal com alfa-metildopa,em doses que variam de 500 a 2.000mg por dia.

3. Usar eritropoietina, com o objetivo de mantera hemoglobina materna entre 10 e Ilg%.

4. Usar aspirina em baixa dose. A literaturacarece ainda de estudos randomizados a esse res-peito, ficando o uso a critério médico. Teoricamenteo medicamento proporcionaria prolongar a gestação

146

e reduzir a ocorrência de doença hipertensiva es-pecífica da gravidez. Antes da administração daaspirina é essencial a realização de ultra-sonografiaobstétrica, para que se evitem riscos de sangramen-tos nos casos de placenta prévia. Do ponto de vistateórico o uso de aspirina logo após a 1211semana dagestação poderia facilitar o desenvolvimento e aimplantação placentários. Administrada após a 30<1semana. porém, provavelmente aumenta o risco desangramento nos casos em que venha a ocorrerdescolamento prematuro da placenta.

De qualquer maneira, o uso dos banhos debicarbonato de sódio, associado à eritropoietina e àintensificação do tratamento dialítico, aumentamcertamente as probabilidades de sucesso na gestaçãode paciente urêmica,

PERFIL DA NEFROPATA DE MENORRISCO GEST ACIONAL

A paciente nefropata cuja gestação tem as me-lhores probabilidades prognósticas é aquela cujanefropatia é intersticial (melhor que a glomerular),pressão arterial normal ou de fácil controle, nívelsérico de creatinina inferior a 1,5mg% e exame defundo de olho sem evidências de espasmos arterio-lares ou cruzamentos patológicos. A abordagemdesses casos é sempre multidisciplinar, incluindoobstetra, nefrologista e neonatologista experientes.O acompanhamento pré-natal, o parto e o aten-dimento neonatal devem ser realizados em centroterciário de assistência.

GRA VIDEZ APÓS TRANSPLANTE RENAL

As mulheres em tratamento dialítico por falên-cia renal crônica em geral são inférteis. Sua funçãoendócrina, contudo, volta rapidamente ao normalapós transplante renal e, com isso, também a suafertilidade.

Caso haja já no primeiro trimestre da ges taçãoda transplantada hipertensão acentuada e/ou dete-rioração da função renal, o abortamento terapêuticodeve ser discutido.

Nessa fase ocorrem aproximadamente 16% deabortamentos espontâneos e menos de 0,5% de ges-tações ectópicas (Davison, 1987). Também se temdescrito casos de mola bidatifonne com maior pro-babilidade de transformação maligna, talvez devidoao uso de drogas imunossupressoras.

Aproximadamente 40% das gestações, entre-tan to , ultrapassam o primeiro trimestre e cerca de90% destas evoluem com sucesso relativo. A inci-dência de prernaturidade é elevada (45% a 60%),devendo-se a ruptura prematura das membranas ouparto prematuro idiopático.

Deve-se manter as taxas de creatinina plasmá-tica abaixo de 2mg/dl (se possível menos deI .Smg/dl) e de uréia abaixo de JOOmg. A proteinúriaocorre em cerca de 40% das pacientes durante oterceiro trimestre da gestação e desaparece no pôs-parto: só é significativamente grave se for acompa-nhada de hipertensão.

Episódios de rejeição podem ocorrer em cercade 9'7r, das pacientes e são mais freqüentes no pri-meiro trimestre da gravidez. Talvez seja isto bene-tfcio às transplantadas, mil', é entretanto assuntocontroverso.

O estado imunológico próprio da gestação be-neficia a não-rejeição, que só será problema gravequando adquire forma subclfnica, porém progres-siva, atingindo o período puerperal. Deve ser sus-peitada quando surgir deterioração da função renalou oligúria. Difícil é distingui-Ia da glomerulopatiarecorrente e da pré-eclâmpsia,

A ultra-souografia pode mostrar alguma altera-ção na ecogenicidade do parêuquima renal. Pode-sereal izar hiópsia, encontrando-se aIterações suges-tivas de rejeição.

Incidência de pré-eclâmpsia em pacientestransplantadas é de aproximadamente 3()l1'n; rapida-mente evolui para eclâmpsia.

Durante o pré-natal o obstetra deve estar atentopara intercorrências como anemia e suscetibilidadea infecções. A incidência de infecção do trato uriná-rio pode chegar a 40% e a evolução com pielonefritepode levar a insuficiência renal. Também se notamaior incidência de infecção por citomegalovírus eherpes simples.

Desordens gastríntestinaís, como esofagite edispepsia são sintomas comuns. A corticoterapiaimunossupressora pode levar a ulcerações gas-trintestinais e malformações tetais.

Ao nosso ver as consultas pré-uatais devem serrealizadas a cada duas semanas, antes da 32ª semanada gestação, e posteriormente semanalmente, comcontrole laboratorial (hemograma completo comcontagem das plaquetas, creatinina, Na, K, provasde função hepática, proteinúria de 24 horas, urocul-tura e sorologia para círomegalovírus) a cada seissemanas.

A terapia imuuossupressora em geral é mantidae ajustada de acordo com a contagem de Ieucócitose plaquetas.

A azatioprina induz à toxicidade hepática, queem geral responde bem à redução da dose. Para olado tetal pode ocorrer prematuridade e a incidênciade crescimento intra-uterino retardado é de aproxi-madamente 20% (variando na literatura entre X% e45%). Tais complicações não estão necessariamenterelacionadas com doenças vasculares ou hiperten-são maternas (Pirsone e cols., 1985). A teratogeni-

cidade equivale a doses maiores que ómg/kg/dia,sendo que a usada é menor que 2mg!kg/dia.

A ciclosporina é embriotóxica e fetotóxica emanimais, quando administrada em doses duas e cincovezes maiores que a humana. Alguns fetos podemapresentar atrofia do timo, hipoplasia da medula,redução de IgM e IgG, septicemia, aberraçõescromossômicas, redução de lin fóci tos, hipoglicemiae insuficiência adrenocortical.

nnu.roc RAFIA

1. Abe G et al. lnfluence of antecedent renal disease in preg-nancy. Am. J.Ob.<tel. Gynec. 15:'1:101. 19l15.

2. Alexander EA et al. Renal hemodynamics and volumehomeostasix during pregnancy. Rat. Kidn. Inter. Ili: 173.Il)RO.

3. Atallah AN. Insuficiência renal e gestaç.'io. In: Atualizaçãoterapêutica. Artes Médicas. São Paulo. Ic)93.

4. Cararach II et al. Pregnancy after renal transplnntation: 25years experience in Spain. Br. J. Obstei. Gynaec. IO():II2.I\)l!3.

5. Cox SM et al. Acuie focal pyelonephritis cornplicatingpregnancy. Obstei. Gynec. 71:) io. Ic)8R.

li. Cox SM & Cunningharn FCi. I.Ilood volume chauges duringpregnaucy. Society of Perinatal Obstetriciaus. Louisiana,19R9.

7. Cox SM & Cunni ngham Fei. Ureidopenicillin therapy foracure a ntepartum pyelonephritis. Cur. Ther ap. Rex.44:1()29.lq~8.

8. Cunningham FG et al. Acute pyelonephritis of preguaucy.A cliuical review. Obstet. Gynec. 42: 117. 197:'1.

9. Davison 1M. Reual trausplanuuiou and pregnancy. Am. J.Kidn. Dis. IlJ:374. 1987.

10. Davison 1M & Duulop W. Renal hemodynamics and tubu-lar function in normal hurnau pregnancy. Kidn. Internar.IR:152.I9RO.

11. Giltrap LC et al. Acute pyelonephritis in pregnancy: aanterospective study. Obstet. Gynec. 57:4OQ. 198 I.

12. Grunfeld Jl' et al. ACUle renal failure in pregnaucy. Kidn.Interuat. 18: 192. IORO.

13. Hadi HA. Pregnancy in renal tranxplant recipients: a re-view. Obstei. Gynec. Surv, 41:264. 198ó.

14. Hnslan AJ & Wnllace MR. The trausient nephrotic syn-drorne of pregnancy. N Zeal Med. J. XI :470. 1975.

15. Haysleu JP et ai. Effect of preg nancy In patientx with lupuxnephropaty. IGdn. lnternat. 18:207. 19~o.

16. Jungers P. Pregnaucy in nephropaty and focal glornerularsclerosis. Am. J. Kídn. 9:3:'14. 1987.

17. Katz AJ et al. Pregnaucy in wornen with kidney disease.Kidn. Internar. 18: 192. 1980.

18. Kincard Smith P. Kidney disease in pregnancy. Am. J.AustraI.2:1115.1967.

19. Kincard Smith P. The kidney. A c1inical pathological xtudy.Blakwell. Loudon, 1975.

20. Kincard Srnith P & Farley N. Renal disease in pregnancy.Am. J. IGdll. Dis. 9:328.1987.

21. Lindheimer MD & Katz AI. Kidney functions and diseasei11 pregnancy, Lea and Febiger. Philadelphia. 1977.

22: -Llndheimer MD & Katz AI. Thepatient with kidney diseaseand hypertension in pregnancy. In: Manual of nephrology,Little Browu. Loudon, 1980.

23. Lindheimer MI>. Spargo BH & Karz AJ. Renal biopsy iupregnancy induced hypertension. I. Reprod. Med. 15:189.1975.

24. Marshall D & Davison 1M. Renal disease in pregnaucy.Gust. Edit.. 19R7.

147

I1._ ,.

I 25. Noten W & Ehrlich EN. Sodium aud mineralocorticoids innormal pregnancy. Kidn. Intemat. 18: 162. 1980.

26. Peun I et al. Parenthood following renal trausplantation.Kidn. Internat. 18:221. 1980.

148

27. Pirson Y. Vau Lierde M. Ghysen J et al. Retardation offetalgrowth in patients receiving immunosupressive therapy. N.Engl. 1. Med. 313:328. 1985.

28. Surian M. Glornerular disease ín pregnancy. Nephrou36:101. 1984.

."