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Tradição renovada Associação Pracatum Ação Social Salvador, Bahia Géssica Emily da Silva Oliveira 16anos Segundo a tradição oral do Candeal Pequeno, em Salvador, a região começou a ser ocupada em 1781. Naquele ano, teria chegado lá Dona Josefa Santana, uma negra que veio da Costa do Marfim em busca das irmãs, capturadas e vendidas como escravas no Brasil. Depois de todo o esforço para cruzar o Atlântico, ela não encontrou quem procurava, mas acabou estabelecendo-se ali. Ao repartir sua propriedade em lotes, permitiu a formação da comunidade e, desde então, de sua rica cultura musical. Essa história vem sendo transmitida, de geração a geração, entre os moradores da área. O mais ilustre de todos os filhos do Candeal Pequeno é Carlinhos Brown, criador da Timbalada. Em 1994, o músico assumiu como sua a responsabilidade não apenas de ajudar a contar a história, mas também de mudá-la, dali em diante. Em 1994, Brown já experimentava o sucesso internacional, ao acompanhar Caetano Veloso em uma turnê europeia. Ao voltar para casa depois da série de shows, soube que vários amigos de infância tinham sido mortos numa chacina policial. Se não fosse a música, pensou Carlinhos, talvez ele próprio não passasse de uma estatística da violência. Assim, criou a Associação Pracatum de Ação Social, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento da comunidade, por meio do tripé cultura, educação e mobilização comunitária, utilizando a música como principal ferramenta. No final de 2007, Géssica Emily da Silva Oliveira, então com 13 anos, moradora há apenas quatro anos do bairro onde já viviam seus avós, tios e primos, foi escolhida para uma missão: ser parte da equipe que representaria a centenária cultura do Candeal no México, durante 12 dias, no projeto Acampamentos da Paz, em que trocaria experiências com adolescentes de outros países. “Eu não sabia quase nada da história do Candeal”, admite a garota.

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Tradição renovada

Associação Pracatum Ação Social Salvador, Bahia

Géssica Emily da Silva Oliveira16anos

Segundo a tradição oral do Candeal Pequeno, em Salvador, a regiãocomeçou a ser ocupada em 1781. Naquele ano, teria chegado lá DonaJosefa Santana, uma negra que veio da Costa do Marfim em busca dasirmãs, capturadas e vendidas como escravas no Brasil. Depois de todo oesforço para cruzar o Atlântico, ela não encontrou quem procurava, masacabou estabelecendo-se ali. Ao repartir sua propriedade em lotes,permitiu a formação da comunidade e, desde então, de sua rica culturamusical. Essa história vem sendo transmitida, de geração a geração,entre os moradores da área. O mais ilustre de todos os filhos do CandealPequeno é Carlinhos Brown, criador da Timbalada. Em 1994, o músicoassumiu como sua a responsabilidade não apenas de ajudar a contar ahistória, mas também de mudá-la, dali em diante.

Em 1994, Brown já experimentava o sucesso internacional, aoacompanhar Caetano Veloso em uma turnê europeia. Ao voltar paracasa depois da série de shows, soube que vários amigos de infânciatinham sido mortos numa chacina policial. Se não fosse a música,pensou Carlinhos, talvez ele próprio não passasse de uma estatística daviolência. Assim, criou a Associação Pracatum de Ação Social, com oobjetivo de fomentar o desenvolvimento da comunidade, por meio dotripé cultura, educação e mobilização comunitária, utilizando a músicacomo principal ferramenta.

No final de 2007, Géssica Emily da Silva Oliveira, então com 13 anos,moradora há apenas quatro anos do bairro onde já viviam seus avós,tios e primos, foi escolhida para uma missão: ser parte da equipe querepresentaria a centenária cultura do Candeal no México, durante 12dias, no projeto Acampamentos da Paz, em que trocaria experiênciascom adolescentes de outros países. “Eu não sabia quase nada dahistória do Candeal”, admite a garota.

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produção literária, para que transformassem tudo o queouviam dos mais velhos em livro, que já se encontra emfase de edição.

Profissão

O primeiro projeto da Associação Pracatum de AçãoSocial foi o Tá Rebocado!, em que barracos de papelão,madeira e pau a pique – como a casa em que CarlinhosBrown foi criado, que se desmanchava na época dechuvas – foram substituídos por 114 casas de alvenaria,que ainda hoje enfeitam o Candeal Pequeno com suascores. Na mesma ocasião, foram abertas ruas e orga-nizadas as redes de água e esgoto. Logo depois, come-çaram os cursos na área musical.

Atualmente, a Pracatum mantém uma rádio comu-nitária na web, que é gerida pelos próprios alunos e embreve vai ganhar os postes das ruas do Candeal Pequeno,para ser transmitida por alto-falantes. Na escola, há umaformação específica para roadies – o profissional que,além de carregar os instrumentos até o palco, é capazde instalar, manusear e afinar cada um deles –, umhome-estúdio com equipamentos de última geração,onde se formam sonorizadores, e uma classe sobregravação e edição de áudio e vídeo. “Todos os cursos têmobjetivo profissionalizante. Muita gente já saiu da salade aula direto para o mercado de trabalho”, diz Ruth.

Como nem todos têm aptidão para a música, aPracatum abriu no ano passado uma cooperativa demoda, com apoio do Sebrae, em que desenvolve aces-

Expressão

Géssica, que hoje tem 16 anos, foi intensivamentepreparada para a missão de divulgar o conteúdo doCandeal aos adolescentes de outros países. Teve aulasde espanhol e cidadania. “A escolha foi feita pelo bomrendimento escolar e pelo potencial que ela tem deretransmitir o que aprende”, explica Ruth Buarque,coordenadora da escola do projeto. A menina aindamantém contato pela internet com os amigos que fezno México, de onde traz ótimas recordações. Em relaçãoao espanhol, Géssica tem a acrescentar que até hojeainda fala “muy bien”, e chega a ganhar uns trocadosapresentando o trabalho “Aos olhos dos Erês” (que querdizer criança em ioruba) a turistas que falam a língua evisitam o Museu do Ritmo. “Ela é muito madura eresponsável para a idade dela”, atesta Márcia Abreu,professora de Artes Visuais. “O que eu sou é metade porcausa da Pracatum. Não vou dizer que é 100% porqueminha família sempre me educou para o mundo”,agradece Géssica.

A Pracatum conta com o apoio do Criança Esperançapara incentivar que o Candeal seja representado e vistopor meio da fotografia e das artes plásticas. A intençãofoi colocar câmeras nas mãos dos jovens para que elesdessem formas às ideias que tinham na cabeça. Daimaginação desses meninos e meninas saíram históriasque remontam aos tempos de Dona Josefa. As oficinasincluíam, além do manejo das máquinas digitais, o usode pincel e tinta, para que fizessem autorretratos, e

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sórios e bonecos de pano. “Já estamos começando a escoar a produção, baseada no conceito do mercado justo”,explica Ruth. Para os que ainda estão longe da idade de trabalho, a associação construiu uma escola infantil, comrecursos da realeza espanhola – na Espanha, Carlito Marrón, como é conhecido Carlinhos Brown, desfruta deenorme prestígio. O prédio, construído com 200 mil euros, foi cedido em comodato à rede pública municipal eatende a 200 alunos. Há um posto de saúde onde funcionam equipes de Saúde da Família, agentes comunitáriose médicos.

Em 15 anos de atuação, a Pracatum espalha-se por cinco imóveis na comunidade. Já beneficiou sete mil pessoase continua expandindo suas atividades. Há escola de inglês na comunidade, mas os certificados são emitidos pelaUniversidade de Cambridge, na Inglaterra. “Alguns alunos já falam, cantam e até escrevem blogs em inglês”,entusiasma-se a professora Milena Velloso, coordenadora do curso. Para os jovens da Pracatum, vale a máxima:agir localmente, pensar globalmente.

O bairro do Candeal, em Salvador, transmite sua tradição de geração em geração. O “filho” mais ilustre do bairro é ocantor Carlinhos Brown.

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Exploração sexual, violência e trabalho

precoce foram três dos principais pontos que

aqueceram a pauta de discussão sobre a in-

fância e a adolescência em 2001. Pesquisa do

IBGE indicou que 502 mil crianças e adoles-

centes de 5 a 17 anos trabalhavam em casas

de famílias – 90% eram meninas. Entre os tra-

balhadores, 61% eram negros e 64% recebiam

menos de um salário mínimo e trabalhavam

mais de 40 horas semanais No mesmo ano, a

Justiça condenou por homicídio qualificado

os cinco jovens que atearam fogo ao índio pa-

taxó Galdino Jesus dos Santos, em 1997, en-

quanto ele dormia em um ponto de ônibus em

Brasília.

Em Recife, realizou-se o Encontro Nacional

de Jovens contra a Exploração Sexual e, em de-

zembro, aconteceu no Japão o Segundo Con-

gresso Mundial contra a Exploração Sexual

Comercial de Crianças. Na ocasião, partici-

pantes de 134 países concluíram que o tu-

rismo sexual, rota na qual o Brasil está inserido,

é apenas uma parte do problema da prostitui-

ção infantil. Segundo a ONG End ChildProstitution and Trafficking, uma das mais

atuantes no mundo, pelo menos 80% dos

pedófilos são cidadãos do próprio país das

crianças vitimadas.

Emasculados

Brasília foi palco da IV Conferência Nacio-

nal pelos Direitos da Criança e do Adolescente.

Com o tema “Violência e covardia – as marcas

ficam na sociedade”, o evento resultou no

2001

502 mil crianças e jovens são

empregados domésticos; Justiça condena

jovens que assassinaram o índio Galdino

TV Globo abre o sinal do show do Criança Esperança

para que qualquer emissora possa transmiti-lo;

Espaços Criança Esperança do RJ e de SP são inaugurados

Pacto pela Paz. Um dos terríveis exemplos

desse tipo de ameaça sofrida por jovens no

Brasil começou a tomar conta das páginas

dos jornais: entre 2001 e 2002, os corpos de

21 garotos, emasculados e mortos, foram

paulatinamente encontrados, um a um, no

interior do Maranhão.

Realizada em 14 estados e no Distrito Fe-

deral, a pesquisa “Violências na Escola”, lan-

çada pela Representação da UNESCO no

Brasil, analisou a manifestação de vários tipos

de violência – ameaças, brigas, violência se-

xual, uso de armas, roubos e furtos – no am-

biente escolar e no seu entorno. O estudo

tornou-se referencial no debate sobre o en-

frentamento do problema.

Com a participação do Fórum Nacional

dos Direitos da Criança e do Adolescente,

foram realizadas cinco oficinas – em cada re-

gião do Brasil – para criar agendas de tra-

balho, envolvendo governo, organismos in-

ternacionais, conselhos setoriais (educação,

saúde e direitos) e atores locais interessados

em formular propostas capazes de acelerar a

elaboração de políticas públicas focadas

na área da promoção dos direitos da infância.

No cinema, “Bicho de Sete Cabeças”, um

filme de Laís Bodanzky, estrelado por Rodrigo

Santoro, acirrou o debate sobre o tratamento

a ser dado aos dependentes de drogas.

Na campanha Criança Esperança, a TV

Globo inovou, ao abrir o sinal do show para

qualquer transmissora que quisesse veiculá-

lo. Apresentado do Ginásio do Ibirapuera, em

São Paulo, o espetáculo abordou a gravidez

na adolescência e a problemática dos meninos

que vivem e trabalham nas ruas. Durante o

programa, foram apresentados, ainda, os tra-

balhos da Fundação Gol de Letra, do Projeto

Manguerê, do Programa Muriki e do Grupo

Viva Rachid, apoiados pelo programa Criança

Esperança.

Espaços Criança Esperança

No mesmo ano, a TV Globo inaugurou os

dois primeiros Espaços Criança Esperança do

país: um no Rio de Janeiro, no Morro do Can-

tagalo, e outro em São Paulo, no Jardim Ân-

gela, na periferia da zona sul. Em comum, os

dois lugares ostentavam altos índices de vio-

lência entre a população jovem, além de ele-

vados indicadores de evasão escolar, pouca

escolaridade, significativas taxas de desem-

prego e muitos episódios de gravidez na ado-

lescência.

Os Espaços Criança Esperança foram cria-

dos para dar contribuição expressiva à for-

mulação de políticas públicas e influenciar

positivamente o atendimento à infância e aos

adolescentes nas regiões mais vulneráveis.

Nos dois anos seguintes, foram criados

os Espaços Criança Esperança de Belo Hori-

zonte e de Olinda. Os quatro Espaços torna-

ram-se centros de referência no atendimento

a crianças, adolescentes, jovens e suas famí-

lias e contribuem para promover a educa-

ção, a cultura, a inclusão e o desenvolvimento

social, respeitando e ouvindo a comunidade

local.

CO

NTEXTO

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“Em um país do tamanho do Brasil, com tantas necessidades básicas a serem supridas, uma das metasdo Criança Esperança é o ganho de escala, sempre um desafio para projetos sociais executados fora doâmbito do poder público. Mas o objetivo não é apenas atender a milhares de pessoas. É necessárioatender com qualidade. É preciso fazer a diferença na vida dessas crianças e jovens. Buscamos isso tantonos projetos das ONGs que apoiamos em todo o país, quanto nos quatro Espaços Criança Esperança. OsEspaços são referência de modelo pedagógico e de conceito de parceria – em todos eles há a coordenaçãoda UNESCO, a gestão de uma ONG e a parceria com o poder público. O Criança Esperança é baseado namobilização social, e o papel da TV Globo é mostrar de forma transparente para a sociedade os resultadosdo programa e suas melhores práticas. O Criança Esperança, por seu pioneirismo e resultados,  é umahistória de sucesso não apenas da TV Globo, mas de todo o Brasil.”

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Foto

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aAlbert Alcouloumbre Jr.Diretor de Planejamento e Projetos Sociais – CGCOMTV Globo

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