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15 anos do Programa de Educação Fiscal do Estado do Ceará 1

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    15 ANOS DO PROGRAMA DE EDUCAO FISCAL DO ESTADO DO CEAR:memrias e perspectivasISBN 978-85-66674-01-9Copyright 2014 Edies Fundao Sintaf

    Direitos desta edio reservados para:

    Fundao Sintaf de Ensino, Pesquisa, Desenvolvimento Tecnolgico e CulturalRua Padre Moror, 952, Centro,CEP 60.015-220 Fortaleza, CE BrasilE-mail: [email protected]

    Secretaria da Fazenda do Estado do Cear Avenida Alberto Nepomuceno, 2, Centro,CEP 60.055-000 Fortaleza, CE BrasilE-mail: [email protected]

    Os conceitos e opinies emitidos neste livro so de inteira responsabilidade dos autores, no repre-sentando a opinio dos coordenadores, organizadores e editores.

    Este E-book foi editado segundo as normas do Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa, aprovado pelo Decreto Legislativo n 54, de 18 de abril de 1995, e promulgado pelo Decreto n 6.583, de 29 de setembro de 2008.

    1 Edio 2014

    Programao Visual e Capa: Rachel Mota Lima.

    Ficha de Catalogao na Fonte: M da Conceio G. Lemos CRB-3/853.

    mailto:fundacao%40fundacaosintaf.org.br?subject=http://www.fundacaosintaf.org.brmailto:educacaofiscal%40sefaz.ce.gov.br?subject=http://www.sefaz.ce.gov.br%20http://www.sefaz.ce.gov.brhttp://fundacaosintaf.org.br
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    SumrioPREFCIO 7

    APRESENTAO 9

    PARTE I TICA E CIDADANIA NO SERVIO PBLICO 11

    1. EDUCAO FISCAL ITINERANTE: UM RELATO DE EXPERINCIA NA SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DO CEAR 12 Argemiro Torres NetoGermana Parente Neiva Belchior

    2. PROGRAMA DE EDUCAO FISCAL NO BRASIL: ENFATIZAR O GASTO PBLICO 20Denise Lucena Cavalcante

    3. TICA NAS RELAES TRIBUTRIAS 31 Hugo de Brito Machado Segundo

    4. REFLEXES CONCEITUAIS E PRTICAS DO PROGRAMA ESTADUAL DE EDUCAO FISCAL NO CEAR 47 Imaculada Maria Vidal da Silva

    PARTE II TRIBUTAO E CIDADANIA FISCAL 63

    5. A RIQUEZA AO ALCANCE DE TODOS OS TRIBUTOS 64 Alberto Amadei Neto

    6. EFICINCIA DA ADMINISTRAO TRIBUTRIA E REDUO DA POBREZA 105 Flvio Ataliba Flexa Daltro BarretoCarlos Eduardo dos Santos Marino

    7. INCONGRUNCIAS DA POLTICA TRIBUTRIA NO BRASIL E O SEU CONTRIBUTO PARA A CRISE DA RELAO DE TRIBUTAO 132Francisco Ferreira Chagas Jnior

    8. INFLUNCIA DOS FATORES ECONMICOS NA ARRECADAO DA CONTRIBUIO DE MELHORIA NOS MUNICPIOS BRASILEIROS 151 Jos Flvio da Silva

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    9. CIDADANIA FISCAL: O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS 166Marciano Buffon

    10. O PROCESSO DE CODIFICAO DO DIREITO TRIBUTRIO BRASILEIRO 188 Osvaldo Jos Rebouas

    11. O ORDENAMENTO JURDICO E AS ANTINOMIAS TRIBUTRIAS: O LITGIO IDEOLGICO-INTERPRETATIVO ENTRE O FISCO, OS TRIBUNAIS SUPERIORES E A DOUTRINA 204Tonny talo Lima Pinheiro

    12. PARA ALM DA ARREDACAO: A TRIBUTAO COMO INSTRUMENTO DE REDUO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS 220 Victor Hugo Cabral de Morais JuniorGermana Parente Neiva Belchior

    PARTE III CARGA TRIBUTRIA, REFORMA TRIBUTRIA E JUSTIA FISCAL 233

    13. REFORMA TRIBUTRIA COM JUSTIA FISCAL E SOCIAL 234 Antnio Gilson Arago de CarvalhoLucas Mouro Arago

    14. TRANSPARNCIA, EFICINCIA E SIMPLICIDADE A SERVIO DA JUSTIA FISCAL: PROPOSTAS SUTIS DE REFORMAS TRIBUTRIAS 250 Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba

    15. CARGA TRIBUTRIA BRASILEIRA ELEVADA: MITO OU VERDADE? 264 Jurandir Gurgel Gondim Filho

    16. REFORMA TRIBUTRIA, DESENVOLVIMENTO ECONMICO E JUSTIA FISCAL NO BRASIL: DIAGNSTICO E PERSPECTIVAS 286 Marcelo Lettieri Siqueira

    PARTE IV CONTROLE SOCIAL E NOVAS MDIAS 300

    17. CIDADANIA FISCAL E NOVAS MDIAS 301 Debora Bezerra de Menezes Serpa MaiaAna Ceclia Bezerra de Aguiar

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    PARTE V EDUCAO FISCAL NO ENSINO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS 346

    20. A EDUCAO FISCAL SOB A TICA DO ALUNO DA ESCOLA PBLICA ESTADUAL DO CEAR QUE PARTICIPA DO PROJETO BOLSA EDUCAO FISCAL E CIDADANIA 347 Amilca Alves do NascimentoMirizana Alves de Almeida

    21. AVALIAO DO PROGRAMA DE EDUCAO FISCAL: DESAFIOS, LIMITES E VIVNCIAS DA PRTICA DOCENTE 362 Ana Cleiane Carneiro de OliveiraFernando Jos Pires de Sousa

    22. A EXPERINCIA DA EDUCAO A DISTNCIA NO CENTRO DE EDUCAO FISCAL PARA A CIDADANIA DA ESCOLA FAZENDRIA DE SO PAULO E O CURSO DE DISSEMINADORES DE EDUCAO FISCAL 379Augusto Jeronimo Martini

    23. IMPLEMENTAO DO PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAO FISCAL NAS ESCOLAS ESTADUAIS SOB COMPETNCIA DA CREDE 3 397 Erlane Muniz de Arajo Martins

    24. PROGRAMA DE EDUCAO FISCAL DE FORTALEZA: UM LEGADO DE CIDADANIA 408 Leonardo Costa de Almeida

    25. EDUCAO FISCAL SEFAZ NA CIDADE CONSTITUCIONAL 421 Marcelo Arno Nerling

    26. A PERCEPO DOS PROFESSORES SOBRE O CURSO DE DISSEMINADORES DA EDUCAO FISCAL NO MUNICPIO DE IC-CE 445 Maria Nahir Batista Ferreira

    POSFCIO 459

    18. A EVOLUO DOS ESFOROS DE TRANSPARNCIA NA GESTO PBLICA NO CEAR 314 Jos Joaquim Neto Cisne

    19. A EVOLUO DA TRANSPARNCIA DAS CONTAS PBLICAS E DO CONTROLE SOCIAL NO BRASIL: A EXPERINCIA DO IBEF NO CEAR 337 Osvaldo Euclides de ArajoSandra Maria Olimpio Machado

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    Prefcio O Programa Nacional de Educao Fiscal objetiva a conscientizao dos cidados sobre a fun-

    o social dos tributos e de sua responsabilidade no controle da aplicao desses recursos, por meio

    do exerccio da cidadania, buscando, assim, a construo de uma sociedade mais livre, justa e solidria,

    preconizada na Constituio Federal.

    No mbito do Estado do Cear, o Programa Estadual de Educao Tributria (PET) foi institudo

    por meio do Decreto n 25.326/1998. Em seguida, tendo em vista a importncia que o tema adquiriu

    neste Estado, o Decreto n 28.900/2007 criou a Clula de Educao Fiscal (Ceduf) na estrutura organi-

    zacional da Secretaria da Fazenda (Sefaz), passando o Programa a ser chamado de Programa Estadual

    de Educao Fiscal (PEF), nos moldes estabelecidos pelo Programa Nacional de Educao Fiscal (PNEF).

    Dessa forma, a criao da Clula de Educao Fiscal no organograma desta Secretaria da Fazen-

    da ocorreu antes mesmo do Protocolo 05/2007, firmado durante o Encontro Nacional de Administra-

    dores Tributrios (Enat), que incentiva e sensibiliza os Estados a incluir uma unidade especfica em suas

    organizaes fazendrias destinada a desenvolver as atividades da Educao Fiscal.

    Participar do processo de insero de valores ticos e da mudana de perspectiva do papel da

    sociedade na gesto pblica o grande desafio do PEF, aliando-se, por conseguinte, misso desta

    Secretaria da Fazenda de captar e gerir os recursos financeiros para o desenvolvimento sustentvel do

    Estado e promover a cidadania fiscal.

    Ao longo de duzentos anos de histria, a Administrao Tributria cearense tem buscado pro-

    mover o processo de crescimento e modernizao do Estado, incrementar as condies de vida da

    populao mediante a captao dos recursos a serem aplicados nos diversos setores da sociedade,

    bem como melhorar a relao entre Fisco, contribuinte e sociedade, o que gera impacto na qualidade

    da receita e do gasto, conscientizando a coletividade acerca do dever fundamental de pagar tributo.

    Verifica-se, portanto, que o Programa de Educao Fiscal ocupa posio relevante no apenas

    no mbito da Administrao Tributria, mas se revela como uma importante poltica de governo ao

    priorizar o ator e o sujeito social que foco desta gesto: o cidado.

    Em 2013, a Educao Fiscal do Cear completou 15 anos, sendo o momento oportuno de re-

    forar os acertos e refletir sobre novas estratgias para permitir a sustentabilidade do Programa. So

    vivenciados novos paradigmas e novos conceitos, o que impe um novo perfil de servidor e de gesto

    pblica, bem como novos mecanismos de sensibilizao e empoderamento do tema pela sociedade.

    Este livro rene artigos acadmicos sobre temas abordados pela Educao Fiscal e experin-

    cias bem sucedidas que marcaram a histria do PEF Cear, sendo uma das aes comemorativas do

    seu aniversrio de 15 anos. Os estudos trazem interessantes abordagens, tendo em vista a rea de

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    formao e de atuao dos autores, no seguindo, necessariamente, o entendimento que vem sendo

    adotado por esta Administrao Tributria. O conhecimento um processo nunca esgotado, estando

    em constante construo, por isso a importncia de o Fisco estar aberto e reflexivo ao olhar da socie-

    dade. A Educao Fiscal um instrumento de dilogo com a coletividade em suas diversas instncias,

    fortalecendo a legitimao do tributo, o acesso informao e, ainda, o controle social.

    No podemos deixar de expressar nossa alegria diante do interesse dos servidores e pesqui-

    sadores em relao ao tema e, ainda, nossa gratido aos tcnicos e professores que gentilmente

    aceitaram o nosso convite em participar da obra, contribuindo ainda mais com um enfoque cientfi-

    co do livro. Agradecemos, ainda, a parceria da Fundao Sintaf, pelo seu compromisso com a cultura

    e a pesquisa no apenas no mbito da classe fazendria, mas pelas aes voltadas a toda sociedade,

    bem como a AAFEC, que possibilitou a diagramao deste e-book, que foi feita pela artista grfica

    Rachel Lima.

    Aproveitamos a oportunidade para destacar o valoroso trabalho desenvolvido pela equipe da

    Clula de Educao Fiscal na disseminao do PEF e, em especial, na conduo deste E-book, desde a

    sua iniciativa, divulgao do edital, seleo e formatao dos artigos.

    Esperamos que a obra possa contribuir com o debate dos temas abordados pelo PEF e com a

    disseminao da cidadania fiscal.

    Fortaleza, 20 de maro de 2014.

    Joo Marcos Maia

    Secretrio da Fazenda do Estado do Cear

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    Apresentao No Estado do Cear, o Programa de Educao Fiscal desenvolvido na Sefaz por intermdio da Clula de Educao Fiscal (Ceduf), tendo completado, em 2013, 15 anos de existncia. O trabalho realizado em parceria com a Secretaria da Receita Federal do Brasil da 3 Regio, da Prefeitura Mu-nicipal de Fortaleza, por meio das Secretarias de Finanas e Educao do Municpio, da Secretaria de Educao do Estado e do Centro Regional da Esaf (Centresaf), que constituem o Grupo de Educao Fiscal Estadual (Gefe). Apesar de o termo cidadania fiscal ser ainda pouco difundido na literatura e na Administrao Pblica, indiscutvel que seu contedo ultrapassa uma viso meramente fiscalista. preciso romper o dogma de que o conhecimento do tributo algo distante e complexo, limitado aos tcnicos e es-pecialistas em Tributao e Finanas Pblicas. De nada adianta o conhecimento adquirido se ele no compartilhado, principalmente com a sociedade, que a detentora legtima do dever fundamental de pagar tributo e de fiscalizar a utilizao dos recursos pblicos. Antes de servir ao pblico, o servidor cidado. O servidor pblico fazendrio importante para que o Estado possa efetivamente realizar a justia social, principalmente no mbito do Estado do Cear, j conhecido por seus inmeros problemas sociais. Dessa forma, ao fazer parte do corpo fun-cional da Administrao Tributria, deve-se ter em mente a dupla funo que exerce: cidado e agente do Fisco. Foi exatamente dentro dessa perspectiva que surgiu a ideia do E-book, da vontade de poder compartilhar entendimentos, vises e percepes diferentes (e muitas vezes at contraditrias) acerca dos temas abordados pelo Programa de Educao Fiscal. Acreditamos que o conhecimento liberta-dor e que estar aberto ao novo um desafio de todo ser humano e, principalmente, da Administra-o Pblica. A Administrao Tributria, por ser uma instituio pblica quase bicentenria que cuida dos recursos financeiros da sociedade, tem assim sua misso fortalecida ao publicar uma obra que contm estudos e relatos de experincia sobre a Educao Fiscal. O livro possui 25 (vinte e cinco) artigos, divididos em cinco eixos temticos: (i) tica e cidadania no servio pblico; (ii) Tributao e cidadania fiscal; (iii) Carga tributria, reforma tributria e justia fis-cal; (iv) Controle social e novas mdias e, por fim, (v) Educao fiscal no ensino: desafios e perspectivas.Agradecemos a participao dos autores que tiveram seus trabalhos selecionados pela Comisso Ava-liadora: Amilca Alves do Nascimento, Ana Ceclia Bezerra de Aguiar, Ana Cleiane Carneiro de Oliveira, Antnio Gilson Arago de Carvalho, Carlos Eduardo dos Santos Marino, Debora Bezerra de Menezes Serpa Maia, Erlane Muniz de Arajo Martins, Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba, Fernando Jos Pires de Sousa, Francisco Ferreira Chagas Jnior, Germana Parente Neiva Belchior, Jos Flvio da Silva, Jos Joaquim Neto Cisne, Leonardo Costa de Almeida, Lucas Mouro Arago, Maria Nahir Batista Ferreira, Mirizana Alves de Almeida, Osvaldo Euclides de Arajo, Osvaldo Jos Rebouas, Sandra Maria Olimpio Machado, Tonny talo Lima Pinheiro e Victor Hugo Cabral de Morais Junior.

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    Destacamos que o livro conta tambm com relatos de experincia de aes desenvolvidas pela Clula de Educao Fiscal da Sefaz apresentados por Argemiro Torres Neto, Germana Parente Neiva Belchior e Imaculada Maria Vidal da Silva. Agradecemos, ainda, os tcnicos e pesquisadores que aceitaram o nosso convite em participar do livro: Alberto Amadei Neto (Receita Federal do Brasil), Augusto Jeronimo Martini (Escola Fazendria de So Paulo), Denise Lucena Cavalcante (Universidade Federal do Cear e Procuradoria da Fazenda Nacional), Flvio Ataliba Flexa Daltro Barreto (Universidade Federal do Cear e Instituto de Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear), Hugo de Brito Machado Segundo (Universidade Federal do Cear), Jurandir Gurgel Gondim Filho (Secretaria de Finanas do Municpio de Fortaleza), Marcelo Arno Ner-ling (Universidade de So Paulo), Marcelo Lettieri Siqueira (Receita Federal do Brasil) e Marciano Buffon (Universidade do Vale do Rio dos Sinos). Por fim, nossa gratido Fundao Sintaf e AAFEC pela parceria e a toda a equipe que com-pe a Clula de Educao de Fiscal, pelo compromisso com o e-book, mas ainda por acreditar que sua produo seria possvel. Ns, que fazemos a Educao Fiscal, vivemos a pedagogia do ideal, do afeto, do conhecimento e da cidadania. Afinal, toda grande conquista nasce de um sonho... E com muita emoo que com-partilhamos nosso sonho com todos nossos autores e leitores, na esperana de que a obra estimule o dilogo entre Fisco e Universidade e contribua para a realizao de polticas pblicas voltadas cida-dania fiscal. Boa leitura a todos e a todas!

    Fortaleza, 10 de maro de 2014.

    Argemiro Torres NetoCoordenador do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

    Orientador da Clula de Educao Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado do Cear

    Sandra Maria Olimpio MachadoSecretria Executiva da Fazenda do Estado do Cear

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    PARTE I

    TICA E CIDADANIA NO SERVIO PBLICO

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    EDUCAO FISCAL ITINERANTE: UM RELATO DE EXPERINCIA NA SECRETARIA

    DA FAZENDA DO ESTADO DO CEAR

    SUMRIO: Introduo. 1 A Educao Fiscal na Secretaria da Fa-zenda do Estado do Cear. 2 O Projeto Educao Fiscal Itinerante. 3 Resultados obtidos. Consideraes finais. Referncias.

    INTRODUO

    O Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear (PEF) objetiva a conscientizao dos cida-

    dos sobre a funo social dos tributos e de sua responsabilidade no controle da aplicao desses

    recursos, por meio do exerccio da cidadania, buscando, assim, a construo de uma sociedade mais

    livre, justa e solidria.

    Em 2013, a Educao Fiscal do Cear completou 15 anos, sendo o momento oportuno de re-

    forar os acertos e refletir sobre novas estratgias para permitir a sustentabilidade do Programa. At

    porque so vivenciados novos paradigmas e novos conceitos, o que impe um novo perfil de servidor

    e de gesto pblica.

    Apesar dos expressivos resultados que o PEF tem conseguido no Estado, de onde se destacam

    escolas, ONGs, comunidades e instituies de ensino superior3, o Programa tem tido dificuldade de

    alcanar o pblico interno, em especial, os servidores e colaboradores da Sefaz que, essencialmente,

    devem ser educadores fiscais, o que releva um aparente paradoxo. O senso comum, includo o corpo

    funcional do Fisco estadual, de que a prtica da Educao Fiscal est limitada exigncia do docu-

    mento fiscal e que uma Administrao Tributria deve exclusivamente se preocupar com a arrecada-

    o. difcil perceber e internalizar o que significa a funo social do tributo, bem como a essncia de

    ser um servidor cidado.

    1 Auditor Fiscal da Receita Estadual. Orientador da Clula de Educao Fiscal da Sefaz/Ce e Coordenador do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear. E-mail: [email protected] Auditora Fiscal Jurdica da Receita Estadual. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Cear. Professora universitria. E-mail: [email protected] / [email protected]. 3 Os relatrios com todas as atividades realizadas e os resultados obtidos pelo Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear podem ser visualizados no stio da Sefaz/Ce: www.sefaz.ce.gov.br/educacaofiscal.

    Argemiro Torres Neto1

    Germana Parente Neiva Belchior2

    mailto:argemiro.torres%40sefaz.ce.gov.br?subject=mailto:germana_belchior%40yahoo.com.br?subject=mailto:germana.belchior%40sefaz.ce.gov.br?subject=http://www.sefaz.ce.gov.br/educacaofiscal
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    Diante disso, surgiu o Projeto Educao Fiscal Itinerante, cujo objetivo despertar criticamente

    o corpo funcional da Secretaria da Fazenda acerca dos temas abordados pela Educao Fiscal e refletir

    como e em que medida o PEF pode ser inserido no exerccio das funes e no cotidiano da Adminis-

    trao Tributria.

    A metodologia utilizada para elaborao deste trabalho descritiva, exploratria e puramente

    indutiva, com abordagem qualitativa, na medida em que busca explicar o Projeto Educao Fiscal Itine-

    rante, apontar sua justificativa, metodologia, desenvolvimento e principais resultados obtidos. Nessa

    linha, como se trata de um relato de experincia, importante ressaltar que o foco no ser terico,

    mas essencialmente prtico.

    Em um primeiro momento, ser feito um breve escoro histrico acerca do Programa de Educa-

    o Fiscal no mbito da Secretaria da Fazenda do Estado do Cear para, em seguida, analisar o desen-

    volvimento do Projeto Educao Fiscal Itinerante. Por fim, sero expostos os resultados obtidos com

    as visitas realizadas, a fim de que se possa refletir como o Projeto pode influenciar uma mudana de

    comportamento funcional, bem como a dinmica da gesto fazendria.

    1 A EDUCAO FISCAL NA SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DO CEAR

    Por ocasio da 82 Reunio do Conselho Nacional de Poltica Fazendria (Confaz) sobre Ad-

    ministrao Tributria, em Fortaleza, foi celebrado, em 1996, o Convnio de Cooperao Tcnica que

    inseriu o tema Educao Tributria como uma diretriz a ser desenvolvida pelos Fiscos.

    Em 1997, ocorreu a criao do Grupo Nacional de Educao Tributria (GET), com a participao da

    Secretaria da Fazenda do Estado do Cear, que vinha de uma experincia anterior com o Projeto Ci-

    dado desde pequeno, conhecido como ABC da Cidadania, realizado nas escolas do municpio de

    Horizonte/Ce (RIVILLAS; VILARDEB; MOTA; 2010).

    No mbito do Estado do Cear, o Programa Estadual de Educao Tributria (PET) foi institudo

    por meio do Decreto n 25.326/1998. Em seguida, tendo em vista a importncia que o tema adquiriu

    neste Estado, o Decreto n 28.900/2007 (CEAR, 2007) criou a Clula de Educao Fiscal (Ceduf) na

    estrutura organizacional da Secretaria da Fazenda, passando o Programa a ser chamado de Programa

    Estadual de Educao Fiscal (PEF), nos moldes estabelecidos pelo Programa Nacional de Educao

    Fiscal.

    Participar do processo de insero de valores ticos e da mudana de perspectiva do papel

    da sociedade na gesto pblica o grande desafio do PEF, aliando-se, por conseguinte, misso da

    Secretaria da Fazenda, para o quadrinio 2011-2014, de captar e gerir os recursos financeiros para o

    desenvolvimento sustentvel do Estado e promover a cidadania fiscal.

    Verifica-se, portanto, que o Programa de Educao Fiscal ocupa posio relevante no apenas

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    no mbito da Administrao Tributria cearense, mas se revela como uma importante poltica de Esta-

    do ao priorizar o ator e o sujeito social: o cidado.

    Apesar de o termo cidadania fiscal ser polissmico e complexo, ainda pouco difundido na lite-

    ratura, seu contedo ultrapassa uma viso meramente fiscalista, focando-se em uma moral tributria

    (TIPKE, 2012). Cidadania fiscal , portanto, um conceito bem mais amplo do que cidadania tributria.

    Inicia na essncia da cidadania, perpassando a legitimao do tributo e a moral tributria, o que re-

    fora sua qualificao enquanto dever fundamental (BUFFON, 2009). Passa, ainda, pelo controle social

    dos recursos pblicos, sendo a questo do gasto uma importante vertente da cidadania fiscal.

    No basta, pois, arrecadar. importante reforar a tributao como instrumento de desenvolvi-

    mento e no apenas uma simples fonte de receita, sendo a educao fiscal um mecanismo para discu-

    tir alguns dos principais problemas apontados no atual sistema tributrio brasileiro, tais como: evaso

    fiscal, estruturas impositivas regressivas, bem como a funo extrafiscal tributo que gira em torno do

    bem estar social e de melhoria da qualidade ambiental (CORBACHO; CIBILS; LORA; 2013).

    No Estado do Cear, o Programa de Educao Fiscal desenvolvido na Sefaz por intermdio

    da Clula de Educao Fiscal (Ceduf), tendo completado 15 anos de existncia. O trabalho realizado

    em parceria com a Secretaria da Receita Federal do Brasil da 3 Regio, da Prefeitura Municipal de For-

    taleza, por meio das Secretarias de Finanas e Educao do Municpio, da Secretaria de Educao do

    Estado e do Centro Regional da Esaf (Centresaf), que constituem o Grupo de Educao Fiscal Estadual

    (Gefe)4.

    Elaborar a poltica econmico tributria do Estado, administrar a Fazenda Pblica (tributao,

    arrecadao e fiscalizao) e gerenciar o sistema de execuo oramentria, financeira, contbil e

    patrimonial da Administrao Pblica so as atribuies institucionais da Receita Estadual do Cear,

    conforme consta do art. 2 do Decreto n 29.201, de 28 de fevereiro 2008, que aprova o regulamento

    interno da Sefaz (CEAR, 2008).

    A legislao tributria deve ser clara e transparente, cuja interpretao deve ser acessvel so-

    ciedade e no apenas aos tcnicos. A elaborao de um parecer jurdico e de uma informao fiscal

    deve ter como foco o interesse pblico primrio, qual seja, da sociedade e no de grupos especficos,

    atendidos os princpios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia. Deve-se

    aplicar diuturnamente a Constituio Federal, Lei Maior de um Estado que est acima de decretos,

    regulamentos e regimes especiais de tributao, tendo em vista o princpio da supremacia da Consti-

    tuio, to difundido na literatura e no Judicirio brasileiro.

    preciso, portanto, refletir acerca da funo do servidor pblico e do papel que exerce no Esta-

    do, bem como ele pode (e deve) desempenhar as suas atividades de forma tica e eficiente. A celeri-

    4 O Acordo de Cooperao Tcnica n 001/2013 (Sefaz/Seduc/Sefin/SRB/Centresaf), assinado em 20 de dezembro de 2013, institucionalizou o Grupo de Educao Fiscal do Estado do Cear, com o objetivo de implantar, executar e monitorar o PEF.

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    dade e a eficincia do processo administrativo tributrio, a mcula ao jogo de influncia e de favores,

    a transparncia das informaes, o combate corrupo, a fiscalizao adequada, a racionalidade e o

    controle social do gasto pblico e a excelncia no atendimento e no tratamento dispensados aos con-

    tribuintes so alguns valores que devem ser incorporados e seguidos no apenas por uma imposio

    legal, mas principalmente por ser uma obrigao moral.

    Por outro lado, a previso da Educao Fiscal no Planejamento Estratgico da Sefaz (2011-

    2014), como um projeto prioritrio, no , por si s, suficiente para a transformao de uma nova

    cultura tributria, por isso que o empoderamento do tema pelos servidores emergencial. O PEF no

    impositivo, devendo ser internalizado aos poucos, a partir de um processo de legitimao que di-

    nmico e contnuo, o que justifica a necessidade de aes endgenas.

    2 O PROJETO EDUCAO FISCAL ITINERANTE

    Diante da necessidade de difundir os temas abordados pelo PEF para o pblico interno, o Se-

    cretrio da Fazenda, Joo Marcos Maia, aprovou, por intermdio da Comunicao Interna n 017, de

    13 de maio de 2013, enviada pela Clula de Educao Fiscal, o Projeto Educao Fiscal Itinerante, como

    uma ao comemorativa dos 15 anos do PEF Cear. Em seguida, o Projeto foi ratificado pelo Comit

    Executivo da Sefaz, em Reunio Ordinria ocorrida no dia 6 de agosto de 2013.

    O objetivo do Projeto disseminar de forma crtica e reflexiva os contedos da Educao Fiscal

    no local de trabalho do servidor e do colaborador fazendrio. No momento em que o agente do Fisco

    incorporar a essncia da Educao Fiscal, possvel a prxis do PEF e, por conseguinte, uma nova cul-

    tura tributria.

    Ao considerar a dificuldade que os servidores e colaboradores tm de se ausentar do seu local

    de trabalho, bem como o deslocamento para os que trabalham nas unidades do interior do Estado, o

    Projeto Educao Fiscal Itinerante desenvolvido por meio de visitas in loco. Dessa forma, a equipe da

    Clula de Educao Fiscal se dirige s unidades fazendrias para dialogar sobre os temas abordados

    pela Educao Fiscal com os colegas.

    As visitas duram cerca de 1 hora e ocorrem durante o horrio de expediente normal, tendo sido

    agendadas previamente com a gerncia de cada setor. Nas unidades de atendimento, como ocorre com

    as Clulas de Execuo Tributria, as visitas ocorrem durante o horrio interno, de 7:30h s 8:30h, a fim

    de que no prejudique o atendimento ao pblico, que inicia s 8:30h. J nas demais unidades, o horrio

    combinado com o gestor, de modo que seja compatvel com o exerccio das atividades funcionais.

    Cada servidor recebe um kit do PEF contendo: folder, lpis, bloco de anotaes e marcador de

    pgina. So apresentados tambm outros materiais pedaggicos que so utilizados nas escolas, uni-

    versidades, ONGs e cursos a distncia.

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

    16

    A metodologia se d por meio de slides com problematizaes, a fim de que os servidores re-

    flitam sobre o contedo e exponham, de maneira informal, suas percepes individuais e coletivas. O

    conhecimento no imposto, mas construdo, a partir da participao dos colegas, numa abordagem

    construtivista (FREIRE, 1987). Os servidores da Ceduf estimulam o dilogo, de modo que se cria um

    ambiente favorvel a discusses e interao entre os participantes.

    So feitas as seguintes indagaes: (i) Qual a relao da tributao com a cidadania? (ii) Qual

    a percepo do indivduo em relao ao Estado? (iii) O que voc entende por Educao Fiscal? (iv) O

    que significa ser servidor cidado? (v) O que a cidadania tem a ver com as suas atividades na Sefaz? (v)

    Como ser um colaborador da Educao Fiscal?

    A ideia que, com o desenvolvimento das respostas, a partir da discusso no grupo, o partici-

    pante possa elaborar um juzo lgico, dedutivo e reflexivo da Educao Fiscal, partindo do geral para

    o especfico. Ao final, espera-se que o servidor saia motivado a desenvolver a Educao Fiscal nas suas

    atividades funcionais, motivo pelo qual so distribudas fichas de colaboradores, para diagnosticar

    quem tem interesse em contribuir com o PEF.

    3 RESULTADOS OBTIDOS

    No ano de 2013, o Projeto foi desenvolvido em 11 (onze) unidades, na seguinte ordem: Clula

    de Execuo Tributria de Sobral, Clula de Execuo Tributria da gua Fria, Clula de Execuo Tri-

    butria da Barra do Cear, Clula de Execuo Tributria do Centro, Clula de Execuo Tributria da

    Parangaba, Clula de Execuo Tributria de Messejana, Clula de Substituio Tributria e Comrcio

    Exterior, Clula de Execuo Tributria de Caucaia, Clula de Execuo Tributria de Maracana, Clula

    de Gesto Fiscal dos Macrossegmentos Econmicos e Clula de Gesto Fiscal dos Setores Econmicos.

    Ao total, foram 251 (duzentos e cinquenta um) servidores e colaboradores que participaram do Proje-

    to, demonstrando estarem abertos e disponveis para conhecer os temas abordados5.

    Aps a realizao das visitas, foram encaminhadas por e-mail as seguintes perguntas aos par-

    ticipantes: (i) Como voc avalia o Projeto Educao Fiscal Itinerante? e (ii) Em que medida o Projeto

    Educao Fiscal Itinerante influenciou a sua percepo em relao ao Programa de Educao Fiscal?

    Dentre as manifestaes recebidas, destaca-se a opinio dos servidores da Clula de Execuo Tri-

    butria (Cexat) da Parangaba6: O Projeto Educao Fiscal Itinerante um instrumento importante

    sociedade criando condies para uma relao harmoniosa entre o Estado (fisco) e os cidados,

    sensibilizando-os para a funo socioeconmica de arrecadao de tributos. Destacaram, ainda, que

    as parcerias com outros rgos como CRC, Secretaria de Educao, TCM e Escolas foram de muita im-

    5 Segundo a Clula de Informao e Normas (Cenor), em consulta realizada no dia 20 de janeiro de 2014 no Sistema PDF, a Sefaz possui 1.541 servidores em atividade e 1.356 servidores aposentados.6 A compilao das respostas dos servidores da Cexat Parangaba foi encaminhada pela colega Dulciclia Gomes Palheta.

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

    17

    portncia, para que os jovens e adultos tenham uma conscincia tica e justa com o trato da aplicao

    dos recursos.

    O servidor Manoel Ferreira Lima Neto, lotado na Clula de Execuo Tributria (Cexat) de Mes-

    sejana, exps o seguinte: Avalio de forma positiva este trabalho de esclarecimento da importncia da

    Educao Fiscal e desejo que este projeto se estenda s escolas. O Projeto ampliou meu conhecimento

    sobre o assunto, pois tinha uma viso muito fiscal.

    Os servidores Carlos Eduardo Marino e Joselias Lopes, lotados na Clula de Gesto Fiscal dos

    Macrossegmentos Econmicos (Cemas), destacaram a importncia do envolvimento da sociedade nas

    aes da Educao Fiscal:

    A iniciativa da Clula de Educao Fiscal fundamental para que os servidores da Se-cretaria da Fazenda compreendam a necessidade das aes desenvolvidas no mbito da Educao Fiscal, principalmente as externas. A atividade de arrecadar e fiscalizar estigmatizada por alguns setores sociais. Desta forma, buscar o apoio da sociedade de grande importncia para a Administrao Tributria. Para tanto, preciso levar aos agentes sociais informaes quanto aos benefcios gerados pelo uso dos valores arrecadados, bem como esclarecer que a evaso fiscal, alm de privar o Estado dos seus recursos, resulta no enriquecimento indevido do sonegador.

    Na Clula de Gesto Fiscal dos Setores Econmicos (Cesec), a servidora Ana Paula Bezerra Pi-nheiro, lotada na Setorial Alimentos, afirmou que o Projeto tem tudo a ver com a nossa misso de servidor pblico. Acrescentou, ainda, que:

    O Projeto Educao Fiscal Itinerante foi muito elucidativo. Durante a apresentao, pu-demos refletir melhor sobre a relao da cidadania com a tributao, os fundamentos da educao fiscal, a minha relao como servidor pblico com a educao fiscal, o que a sociedade espera de ns, servidores, e o que podemos oferecer para que esta sociedade cresa e se fortalea atravs da cidadania.

    Questionado sobre a influncia do Projeto para a percepo interna do Programa de Educao

    Fiscal, o gestor da Cesec, Raimundo Frutuoso de Oliveira Junior, apontou a necessidade de desmistifi-

    car o PEF:H na Sefaz, principalmente nas atividades fiscalizatrias, um desconhecimento das atividades-meio desenvolvidas na nossa casa, sendo que a Educao Fiscal no foge a este paradigma. O que o Projeto Educao Fiscal Itinerante faz desmistificar tal Pro-grama, demonstrando a sua importncia institucional e social, funcionando, tambm, como um meio de incentivo para o engajamento dos servidores fazendrios nestas atividades. Por isso, entendo que o Projeto de importncia extrema para a Sefaz, por albergar a funo social da nossa instituio.

    Em 2014, pretende-se concluir as visitas nas outras unidades da Capital e fomentar o processo

    de interiorizao do PEF. Alm disso, a equipe da Ceduf retornar aos locais inicialmente visitados, a

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

    18

    fim de discutir temas especficos sugeridos pelos servidores e captar o nvel de internalizao da Edu-

    cao Fiscal.

    Diante da boa aceitao do Programa pelo pblico interno, ser oferecido, em 2014, um Curso

    de Formao de Facilitadores em Educao Fiscal, com o propsito de aprofundar o conhecimento do

    PEF e capacitar servidores para disseminar a Educao Fiscal em sua unidade e para a sociedade civil,

    fortalecendo, assim, o grupo de colaboradores do PEF.

    CONSIDERAES FINAIS

    Antes de servir ao pblico, o servidor cidado. O servidor pblico fazendrio essencial

    para que o Estado possa efetivamente realizar a justia social, principalmente no mbito do Estado

    do Cear, j conhecido por seus inmeros problemas sociais. Dessa forma, ao fazer parte do corpo

    funcional da Administrao Tributria, deve-se ter em mente a dupla funo que exerce: cidado e

    agente do Fisco.

    A Educao Fiscal necessariamente perpassa por todas as dimenses de uma Administrao

    Tributria, devendo, assim, ser disseminada para (e pelo) os atores que fazem o Fisco cearense.

    Os depoimentos relataram a importncia do Projeto Educao Fiscal Itinerante e ressaltaram a

    mudana de percepo em relao ao PEF. A cultura institucional ainda fiscalista, mas novos cami-

    nhos se abrem a partir do momento em que o servidor se mostra disponvel para conhecer, aprender e

    vivenciar a cidadania fiscal. At porque a legitimidade e a sustentabilidade do Programa de Educao

    Fiscal dependem de sua incorporao pelo servidor fazendrio. Por ser uma mudana de cultura, um

    processo gradual e contnuo.

    Dentro dessa perspectiva, as entidades representativas dos servidores do Fisco cearense, Sindica-

    to dos Fazendrios do Cear (Sintaf), Associao dos Auditores e Fiscais do Tesouro do Estado do Cear

    (Auditece), Associao dos Aposentados Fazendrios do Cear (Aafec) e Unio dos Funcionrios Fazen-

    drios do Estado do Cear (UFFEC) exercem um importante papel para desenvolver a Educao Fiscal.

    Sob a perspectiva de um sindicalismo social e cidado e no simplesmente corporativo, elas podem

    disseminar a Educao Fiscal como uma ao institucional, fomentando a essncia do servidor cidado.

    preciso romper o dogma de que o conhecimento do tributo algo distante e complexo, limi-

    tado aos especialistas em Tributao e Finanas Pblicas. De nada adianta o conhecimento adquirido

    se ele no compartilhado, principalmente com a sociedade, que a detentora legtima do dever

    fundamental de pagar tributo e de fiscalizar a utilizao dos recursos pblicos.

    Por fim, importante que o servidor, no exerccio de sua cidadania, controle e fiscalize os atos

    da Administrao Pblica, zelando pela coisa pblica e fortalecendo a tica institucional.

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    REFERNCIAS

    BRASIL. Ministrio da Fazenda. Escola Superior de Administrao Fazendria. Programa Nacional de Educao Fiscal (PNEF). Disponvel em: www.esaf.fazenda.gov.br. Acesso em 10 jan. 2014.

    BUFFON, Marciano. Tributao e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

    CEAR. Decreto n 25.326, de 23 de dezembro de 1998. Aprova a estrutura organizacional da Secre-taria da Fazenda, e d outras providncias. DOE 26 dez. 1998.

    ______. Decreto n 28.900, de 27 de dezembro de 2007. Aprova a estrutura organizacional da Secre-taria da Fazenda, e d outras providncias. DOE 28 dez. 2007.

    ______. Decreto n 29.201, de 28 de fevereiro de 2008. Aprova o regulamento da Secretaria da Fazen-da, e d outras providncias. DOE 29 fev. 2008.

    ______. Secretaria da Fazenda. Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear (PEF Cear). Dispo-nvel em: www.sefaz.ce.gov.br. Acesso em 10 jan. 2014.

    CORBACHO, Ana; CIBILS, Vicente Fretes; LORA, Eduardo. Recaudar no basta: los impuestos como ins-trumento de desarrollo. Washington: Banco Interamericano de Desarrollo, 2013.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

    RIVILLAS, Borja Das; VILARDEB, Andr; MOTA, Luiza Ondina Santos. Educao Fiscal no Brasil e no mundo. In: VIDAL, Elosa Maia. (org.). Educao Fiscal e Cidadania. Fortaleza: Edies Demcrito Ro-cha, 2010.

    TIPKE, Klaus. Moral Tributria do Estado e dos Contribuintes. Porto Alegre: Sergio Antnio Fabris,

    2012.

    http://www.esaf.fazenda.gov.brhttp://www.sefaz.ce.gov.br
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    PROGRAMA DE EDUCAO FISCAL NO BRASIL: ENFATIZAR O GASTO PBLICO

    Denise Lucena Cavalcante1

    SUMRIO: Introduo. 1 Alm da arrecadao. 2 O enfoque dos PEFs no necessrio cumprimento das finalidades estatais. 3 A caricatura do Estado Fiscal na imagem do leo fazendrio. 4 A educao fiscal em prol do servidor fazendrio: o novo perfil do servidor pblico. Consideraes finais. Referncias.

    INTRODUO

    Analisando os programas de educao fiscal no Brasil, percebemos que eles evoluram bas-

    tante nos ltimos anos, e bem agiram quando ampliaram seus objetivos transpondo a arrecadao

    e passaram a enfocar tambm como meta a atuao no cuidado da sociedade em relao ao papel

    econmico e social dos tributos, englobando esclarecimentos formais sobre a aplicao dos recursos2.

    Cumprir essa tarefa, porm, no fcil, principalmente quando h outros rgos estatais praticando

    atos dirios de desperdcio, corrupo e m gesto dos recursos auferidos do suor de cada brasileiro.

    A sociedade no se satisfaz com as informaes dos valores arrecadados pelo Fisco, uma

    vez que o crescimento do Pas ocorre abaixo do esperado. Frequentemente os cidados brasileiros

    expem sua insatisfao no momento do pagamento de seus tributos. O ms de janeiro represen-

    ta bem esta afirmao, pois a ocasio em que se cobram os impostos anuais como IPTU e IPVA.

    Em abril temos novas manifestaes de rejeio social com a declarao do Imposto de Renda. So

    momentos bem contingentes em que a populao brasileira se manifesta em relao tributao

    do Pas. Logo em seguida, parece que se esquecem de tudo e voltam a sua rotina diria. Como bem

    acentua Ricardo Lobo Torres (1991, p. 151), no Brasil sempre foi muito tnue a resistncia opresso

    tributria, tanto na via do pensamento como das solues institucionais. Da a importncia de os fis-

    cos persistirem em seus programas para atuarem como parceiros da sociedade brasileira no combate

    1 Ps-Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora pela PUC/SP. Professora de Direito Tributrio e Financeiro da gradua-o e ps-graduao (UFC). Procuradora da Fazenda Nacional. E-mail: [email protected] Na apresentao do Programa de Educao Fiscal da Sefaz/CE, tem-se: O Programa de Educao Fiscal - PEF se fun-damenta na conscientizao dos cidados sobre o papel econmico e social dos tributos. Econmico, quando se volta funo de otimizao da receita pblica; social, quando se volta para aplicao desses recursos, objetivando benefciar a populao. Disponvel em: http://www.sefaz.ce.gov.br/content/aplicacao/internet/programas_campanhas/gerados/proje-to_apresentacao.asp. Acesso em : 12 jan. 2014.

    mailto:deniluc%40fortalnet.com.br?subject=http://www.sefaz.ce.gov.br/content/aplicacao/internet/programas_campanhas/gerados/projeto_apresentacao.asphttp://www.sefaz.ce.gov.br/content/aplicacao/internet/programas_campanhas/gerados/projeto_apresentacao.asp
  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    corrupo e m utilizao dos recursos pblicos.

    Merece aplausos a Secretaria da Fazenda do Estado do Cear, que ampliou sua misso, ante-

    riormente focada na arrecadao tributria, passando a considerar como meta a captao e gerao

    de recursos financeiros para o desenvolvimento sustentvel do Estado e promover a cidadania fiscal.

    Da mesma forma, enaltecemos o trabalho da Clula de Educao Fiscal da Sefaz/CE, na edio

    de obra comemorativa aos 15 anos do Programa de Educao Fiscal no Cear, de que temos a honra

    de participar e exprimir algumas reflexes e sugestes para os passos seguintes desse Programa de

    sucesso.

    1 ALM DA ARRECADAO

    Insistimos na ideia que o oramento pblico tem que ser assunto esclarecido e debatido social-

    mente3. A sociedade brasileira no pode mais permanecer silente e afastada das decises financeiras

    do Pas. A ideia do oramento como um direito de participao cidad remonta Idade Mdia e sem-

    pre so alvos de crticas o forado distanciamento popular e os constantes conflitos entre o Direito e

    o Poder, como j denunciava Paul Laband, em sua clssica obra sobre o Direito Oramentrio4.

    O oramento uma previso de receitas e despesas pblicas. Quanto s receitas, a maior parte

    oriunda dos tributos e s cabe ao cidado pag-los e, caso no o faam, o Estado j tem todos os

    meios devidos para efetivar a devida cobrana, inclusive, pela via judicial mediante a Execuo Fiscal

    (Lei n. 6.830/80). Isto j est devidamente organizado pelo Poder Pblico.

    J em relao s despesas, no obstante tenha expressamente previsto na Lei de Responsabi-

    lidade Fiscal5 que a previso dos gastos dever sempre constar nos planos oramentrios, na prtica,

    sabemos que tais oramentos no so cumpridos.

    O oramento tem como uma das suas principais finalidades a regulao do gasto pblico, e

    essa regulao deve tambm ser feita por intermdio do controle social6. Dado que a receita e a

    despesa no podem estar em desacordo, preciso que o controle da sociedade atue com lentes de

    aumento para checar as contas pblicas; e o estmulo dos rgos vinculados arrecadao, tais como

    3 Sobre o tema ver: CAVALCANTE, 2006. 4 Esta exaltacin, eminentemente poltica, del Derecho presupuestario, hacindolo sobresalir de las restantes teoras jurdi-co-pblicas, no ha sido en modo alguno beneficiosa para el conocimiento desapasionado y objetivo del mismo. Los deseos y afanes polticos consiguieron imponerse y llevar a la confusin a la concepcin jurdica, pese a los esfuerzos hechos para mantenerse en el plano del Derecho positivo. La vinculacin de los ideales polticos a las deducciones del Derecho positivo es causa de los mayores perjuicios, tanto para la poltica como para el conocimiento del Derecho. Para la consecucin de los objetivos polticos es francamente peligroso entregarse a la ilusin de poseer ya positivamente, como derecho, lo que se cree estar obligado a formular como imperativo en favor de una provechosa organizacin del Estado. (LABAND, 1979, p. 3). 5 Art. 15. Sero consideradas no autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimnio pblico a gerao de despesa ou assun-o de obrigao que no atendam o disposto nos arts. 16 e 17. Art. 16. A criao, expanso ou aperfeioamento de ao governamental que acarrete aumento da despesa ser acompanhado de: I - estimativa do impacto oramentrio-financeiro no exerccio em que deva entrar em vigor e nos dois subseqentes; II - declarao do ordenador da despesa de que o au-

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    os programas de educao fiscal, torna-se muito importante.

    Entendemos que os programas de educao fiscal devem insistir tambm no esclarecimento

    da programao da despesa pblica, antecipando-se, assim, ao prprio controle das despesas j efe-

    tuadas e permitindo a participao social na programao prvia de tais despesas.

    A informao essencial para o controle social. E a era da transparncia fiscal exige a utiliza-

    o de condutores eficientes para a compreenso das informaes estatais. Simplesmente disponi-

    bilizar dados contbeis incompreensveis de informaes pblicas no alcana o objetivo da lei da

    transparncia fiscal7.

    2 O ENFOQUE DOS PEFS NO NECESSRIO CUMPRIMENTO DAS FINALIDADES ESTATAIS

    Os programas de educao fiscal devem primar cada vez mais para a questo do cumpri-

    mento das obrigaes estatais. Os avanos devem ser notados pela sociedade, caso contrrio, ela

    continuar desacreditada no que concerne s polticas fiscais. E essa tarefa no nada fcil, quando

    a sociedade no est satisfeita e os direitos sociais no esto sendo cumpridos pelo Estado. So

    constantes as piadas nos meios de comunicao e o Estado fica sem argumentos quando a realidade

    comprova sua ineficincia, como nos exemplos a seguir:

    mento tem adequao oramentria e financeira com a lei oramentria anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes oramentrias. 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se: I - adequada com a lei oramentria anual, a despesa objeto de dotao especfica e suficiente, ou que esteja abrangida por crdito genrico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espcie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, no sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exerccio; II - compatvel com o plano plurianual e a lei de diretrizes oramentrias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e no infrinja qualquer de suas disposies. 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput ser acompanhada das pre-missas e metodologia de clculo utilizadas. 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes oramentrias. 4o As normas do caput constituem condio prvia para: I - empenho e licitao de servios, fornecimento de bens ou execuo de obras; II - desapropriao de imveis urbanos a que se refere o 3o do art. 182 da Constituio.6 Assim expe Ricardo Lobo Torres (2000, p. 9): Uma das caractersticas principais do constitucionalismo atual a sua abertura para a participao social e para o pluralismo de interesses. Sob a influncia do princpio da subsidiariedade, que sinaliza no sentido do primado da sociedade sobre o Estado, o oramento se abre para a participao social durante a sua elaborao, execuo e controle, alm de se deixar tocar pelas demandas em torno dos direitos difusos promovidas por ros societais, em movimento que comea a ganhar corpo nos ltimos anos.7 Sobre o tema ver: CAVALCANTE, 2013, p. 119-137.

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    A desordem das polticas fiscais est frequentemente demonstrada nas charges contempor-

    neas. E essas tambm so expresses de manifestao social e no devem ser ignoradas. As charges,

    com sua plasticidade anrquica, tambm representam os desabafos cotidianos e, como bem assinala

    Slavoc Zizek (2008)8, a verdade tem a estrutura de fico. Se os desenhos acima tivessem a foto real

    de cidados e governantes atuais, certamente a nossa reao seria bem diferente e bem mais revol-

    tante, porm, em forma de piada, rimos ingenuamente da nossa prpria desgraa.

    A sociedade deve ficar alerta para a importantssima questo da adequada aplicao dos recur-

    sos pblicos e este um espao que os programas de educao fiscal devem enfatizar cada dia mais.

    Quando o alerta para a tributao e o gasto pblico vem dos prprios rgos estatais, eles ficam com

    maior credibilidade. Exemplo que merece ser aqui citado a campanha do Sindicato dos Procuradores

    da Fazenda Nacional, intitulada Quanto custa o Brasil?9, que informa o peso da carga tributria nos

    produtos e servios consumidos pela sociedade brasileira, muito bem representado pela formiguinha

    trabalhadora carregando o peso dos tributos:

    8 A verdade tem a estrutura da fico h exemplo melhor dessa tese que os desenhos animados em que a verdade sobre a ordem social existente mostrada diretamente, de uma maneira jamais permitida no cinema narrativo, com atores de verdade? Pensemos na imagem de lutas agressivas entre animais nos desenhos animados: a luta impiedosa pela so-brevivncia, armadilhas e ataques violentos, a explorao dos outros como parasitas... Se a mesma histria fosse contada num longa metragem, com atores de verdade, sem dvida seria censurada ou descartada por ser ridcula e excessivamente pessimista. (ZIZEK, 2008, p. 456).9 Disponvel em: . Acesso em: 14 jan. 2014.

    http://www.quantocustaobrasil.com.br/
  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    O principal mrito da campanha esclarecer a sociedade a respeito do custo dos tributos inde-

    vidamente oculto nas relaes de consumo, sendo muito til na implementao da Lei n. 12.741/2012,

    ao determinar que, por ocasio da venda ao consumidor de mercadorias e servios, dever constar,

    dos documentos fiscais ou equivalentes, a informao do valor aproximado correspondente totali-

    dade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidncia influi na formao dos respectivos

    preos de venda. Infelizmente, at o momento, referida lei no est tendo o cumprimento devido.

    3 A CARICATURA DO ESTADO FISCAL NA IMAGEM DO LEO FAZENDRIO

    O Estado contemporneo atravessa uma grande crise de moralidade decorrente de vrios mo-

    tivos, dentre os quais destacamos a atuao ineficiente das instituies, agravada pelos inmeros atos

    de corrupo que hoje so divulgados diariamente pela imprensa brasileira.

    O Estado Democrtico de Direito tem que ser levado a srio e qualquer imagem que o destora

    deve ser esquecida, como o smbolo do leo fazendrio. Se for necessrio um desenho figurativo do

    fisco contemporneo, devemos pensar em outro e nos livramos definitivamente da desgastada ima-

    gem do leo fazendrio. E sobre isto j havamos nos manifestado:

    O Direito Tributrio tambm tem que se adaptar aos novos paradigmas da ps-mo-dernidade, minimizando seu aspecto coercivo e burocrtico e, muitas vezes, ameaa-dor, conforme exposto pelo prprio smbolo da Receita Federal do Brasil, que ainda hoje a figura do leo como animal representativo deste rgo. A simbologia leo-nina completamente incompatvel com o atual Estado Democrtico de Direito, alm de prejudicar a imagem do Fisco, que insiste em uma figura propagandista da dcada de setenta, onde ainda reinava a ditadura militar no Brasil. As grandes mudanas no sistema tributrio brasileiro devem comear nos pequenos detalhes (sugere-se, desde logo, a extino do inapropriado smbolo do leo), partindo da mudana burocrtica dos balces de atendimento dos rgos fazendrios at a reafirmao dos princpios constitucionais tributrios (CAVALCANTE, 2011, p. 251).

    De uma vez por todas, o leo no uma imagem adequada ao Estado fiscal. O leo feroz e

    considerado o rei da selva. O Estado no uma selva e o fisco no a realeza. No estamos mais na

    Idade Mdia. Alis, nem na Antiguidade o leo tinha uma imagem positiva. Dante Alighieri, em sua

    memorvel obra Divina Comdia, ao discorrer sobre as principais transgresses humanas, utilizou

    alegoricamente o leo como smbolo da violncia10.

    Infelizmente essa figura do leo fazendrio tambm destaque do programa Cidadania Fiscal,

    10 E assim comenta o tradutor da obra, talo Mauro: Dante se encontra perdido numa selva selvagem que representa o resultado do extravio da certa via da virtude. Aps uma noite inteira de angstia ele consegue escapar da selva, mas impedido seguidamente por trs feras. Alegoricamente, ele no est livre da investida das trs transgresses principais

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    onde o leozinho o cone do Programa Nacional de Educao Fiscal11, voltado para o pblico de

    7 a 14 anos. O Programa Nacional de Educao Fiscal PNEF de tima qualidade e visa a alcanar

    os educandos do Ensino Fundamental, por meio da linguagem virtual. A mensagem ali repassada

    adequada e oportuna, contudo, consideramos a insistncia na figura leonina totalmente indevida.

    (Canto XI, versos 22-66) que so: incontinncia, violncia e fraude, exemplificada pelas trs feras, respectivamente a ona, o leo e a loba que o impediam de seguir o caminho do monte que ele avista iluminado j pelo Sol da Graa divina. (ALI-GHIERI, 1998, p. 25).11 Disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2014.

    (cone utilizado na pgina eletrnica da Receita Federal do Brasil)

    O leozinho realmente no convence e s aumenta o desgaste da imagem do Fisco, prevale-

    cendo nas ilustraes abundantemente encontradas nos peridicos nacionais:

    A educao fiscal deve focar seus esforos cada vez mais na recuperao da imagem do Fisco e

    evitar smbolos que possam gerar polmicas. Os servidores fazendrios contemporneos, que atuam

    com zelo e dedicao, no merecem isto. No podemos mais deixar que imagens antigas de servido-

    res ineficientes e de um Estado arbitrrio ainda sejam exaltadas. preciso enfatizar que os atuais ser-

    vidores fazendrios assumiram seus cargos em decorrncia de rigorosos concursos pblicos. Sabem o

    que devem fazer e seu trabalho deve ser reconhecido por seus mritos.

    http://leaozinho.receita.fazenda.gov.b
  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

    26

    4 A EDUCAO FISCAL EM PROL DO SERVIDOR FAZENDRIO: O NOVO PERFIL DO SERVIDOR PBLICO

    Constatamos que muitas das crticas feitas ao servidor pblico decorrem de atos que eles rea-

    lizaram no estrito cumprimento do dever legal, uma vez que o ato administrativo vinculado. As leis

    fiscais confusas e dbias, transformam os funcionrios em verdadeiros bodes expiatrios de uma

    poltica fiscal mal elaborada, conforme bem denuncia Klaus Tipke (2002, p. 97):

    Ahora bien, si las leyes tributarias son injustas, la Administracin tributaria vinculada por dichas leyes no puede producir justicia alguna. Por el contrario, cuanto ms se apliquen tales leyes injustas ms sufrir la justicia tributaria. Puesto que injustamente muchos contribuyentes no atribuyen los defectos de las leyes tributarias al lejano y annimo legislador, sino al funcionario de Hacienda, es ste quien recibe los golpes y se convierte en chivo expiatorio de una poltica fiscal maltrecha. Los responsables en el poder legislativo y en el ejecutivo esperan que los funcionarios acten como si no existiera defecto alguno.

    Outro ponto questionvel so as metas contemporneas da gesto de governo, exigidas por

    vezes, de agentes polticos que desconhecem a estrutura operacional dos prprios rgos de arreca-

    dao, distorcendo a funo dos agentes fiscais. As metas com base na produtividade, por exemplo,

    podem ser extremamente infrutferas. O que ser produtivo num rgo de arrecadao, controle e

    fiscalizao? Emitir autos de infrao? Arrecadar a qualquer custo? Julgar volumes de processos com-

    plexos de qualquer jeito? Se a produtividade representar nmeros, assim ocorrer.

    Quem atua diretamente na administrao fazendria sabe muito bem do que aqui falamos.

    A complexidade de cada caso o que determina o tempo de execuo do trabalho. A eficincia do

    servio pblico deve ser medida em cada caso e no por mera produtividade. Em cada situao o

    servidor tem que observar os direitos fundamentais do cidado-contribuinte; as limitaes ao poder

    de tributar previstas na Constituio; a lei, para o caso concreto, enfim, um trabalho minucioso e

    complexo que exige tcnica e conhecimento profundo do sistema jurdico. No fosse a necessidade

    de observar todo o sistema, partindo das premissas constitucionais, fcil seria o trabalho e prova-

    velmente j estaria delegado para um veloz programa de informtica, afinal, o computador mais

    rpido do que a mente humana. Os dados numricos no representam a realidade do bom servio.

    A mentalidade que predomina hoje com base na produo no compatvel complexidade do

    servio da administrao fazendria.

    Outro grande equvoco que temos visto se alastrar na administrao fazendria a comparao

    do Estado com uma grande empresa e, consequentemente, o cidado-contribuinte como um mero

    consumidor. A relao entre Estado e cidado no se encerra no Cdigo do Consumidor; vai muito

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    mais alm. Os agentes polticos de passagem deveriam entender mais da Constituio. Estado no

    empresa privada e o governante no seu dono. O Estado existe em funo da sociedade e seu poder

    limitado pelos direitos individuais, servindo estes de barreiras rgidas ao poder estatal. Assim prev

    a sbia lio de Geraldo Ataliba (1985, p. 139):

    A cidadania corresponde, portanto, um feixe de privilgios, decorrentes da condio da titularidade da coisa pblica. Desses, os mais conspcuos esto na imunidade jur-dica aos excessos estatais, no direito resistncia aos abusos, na prerrogativa de res-ponsabilizar os agentes excessivos e no direito tutela jurisdicional contra os mesmos. A cidadania, criando o poder, ao mesmo tempo estabelece quais os seus limites, ou o permetro dentro do qual tal poder h de circunscrever-se. Assim, a plenitude do prin-cpio, em matria de direito pblico, assume radical universalidade quando se trata de matria constitucional (definio das liberdades pblicas e organizao do poder vista de sua promoo e proteo, mediante organizao estatal). As liberdades pblicas, inscritas na Constituio, so as mais expressivas balizas ao poder do Estado. Configura usurpao, constitui-se na mais grave violao constitucional, o exerccio seja pelo Legislativo, seja pelo Executivo, seja pelo Judicirio de ato de poder de todo tipo, ou de qualquer ato de fora, voltado contra os cidados, ultrapassando essas mesmas barreiras.

    A prevalncia exagerada do Estado gestor enseja srias distores, inclusive do Direito que tem

    sido reduzido a um simples saber tecnolgico, como bem ressalta Trcio Sampaio Ferraz Junior (2007,

    p. 429)12: mesmo o direito, na lgica do Estado gestor, mero instrumento de atuao, de controle,

    de planejamento, tornando-se a cincia jurdica um verdadeiro saber tecnolgico.

    O servidor pblico hoje tem que ir alm da tcnica. H de ter uma viso global, conhecer o

    sistema, ser corts, ser eficiente, gil, enfim, so tantas as exigncias, que ele se encontra pressionado

    por todos os lados. De uma parte, o cidado-contribuinte exigindo o devido tratamento e velocidade

    das atuaes e, de outra, o gestor exigindo resultados a qualquer custo. E qual o investimento que

    est sendo feito para estes superfuncionrios, que so pressionados para cumprir horrio; executar

    eficientemente suas tarefas; suprir as deficincias materiais de suas reparties; resolver casos com-

    plexos em instituies que sequer tm bibliotecas especializadas; atuar em processos digitais com

    12 E assim conclui com propriedade o autor: Em concluso, aplicando analogicamente, Arendt, podemos dizer por ltimo que o Estado gestor, burocrtico e tecnocrtico, tem por imagem adequada estrutura da cebola, em cujo centro, em uma espcie de espao vazio, acha-se o lder, ou melhor, a liderana. E o que quer que a liderana faa, quer se integre no organismo poltico como uma hierarquia de competncia ou oprima seus sditos como um tirano, ela o faz de dentro, e no de fora para cima. Todas as partes extraordinrias mltiplas do movimento desse todo, as organizaes de frente poltica, as sociedades profissionais, os efetivos dos partidos e a organizao partidria, as formaes de elite e os grupos de policiamento, relacionam-se de tal maneira que cada uma delas constitue camadas da cebola, isto , mundo exterior para a cada interna e mundo interior para externa. A cebola, ou o poder tecnocrtico, proporciona a cada uma de suas camadas a fico de mundo normal, ao lado de uma conscincia de ser diferente dele. A estrutura de uma cebola torna, enfim, o Estado um sistema organizacional do poder prova de choque contra a fatualidade do mundo real: o que quer que acontea, ele necessrio. (FERRAZ JNIOR, 2007, p. 429).13 No captulo A BABA DA LESMA, o personagem Dom Rigoberto desabafa ao seu chefe: Embora eu saiba de sobra que o

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    equipamentos ultrapassados e, ainda, levar trabalhos extras para concluir em casa?

    Temos de admitir que muitos de ns conhecemos alguns servidores que seguem risca a ima-

    gem cmica, descrita pelo gnio de um prmio Nobel de literatura, Mario Vargas Llosa, do servidor

    embrutecido pela rotina burocrtica de sua repartio, que se arrasta em seus dias compridos com

    uma nica motivao: a aposentadoria. Este perfil asfixiante do personagem Dom Rigoberto13 deve

    ser evitado a qualquer custo.

    Felizmente, entretanto, o modelo Dom Rigoberto est a cada dia sendo exceo na ad-

    ministrao fazendria. Ao contrrio desse esteretipo enfraquecido, encontramos hoje uma srie

    de jovens servidores entusiasmados com suas funes e que lutam constantemente por melhores

    condies de trabalho. Quem conhece bem o servio pblico sabe que no h mais espao para

    acomodao. Hoje predomina a proatividade. Precisamos adequar o Estado para esta nova gerao.

    Esses so os jovens que atuam na administrao pblica com domnio da informtica, velocidade do

    pensamento e novos mtodos.

    No podemos tambm limit-los a uma estrutura arcaica e gerida pela Era da escrita. Os jovens

    servidores, comumente, so exmios operadores dos sistemas virtuais. Quando mencionamos aqui esta

    questo da tecnologia, para alertar aos programas de educao fiscal a abrir um campo de debate

    sobre uma nova tica no governo eletrnico. Boas condutas devem ser preservadas e estimuladas, po-

    rm, no se pode limitar o acesso informtica com base em suposies de abusos casuais. Exemplo

    do que aqui discutimos so as redes sociais. As limitaes no servio pblico a estas redes tm que ser

    mais bem repensadas, afinal, a informtica est totalmente inserida na dinmica do prprio servio.

    No mbito da fiscalizao, inclusive, imprescindvel, pois j h alguns anos que atuamos na auditoria

    computadorizada; no governo eletrnico; no e-processo; enfim, na Era do mundo virtual. Limitaes

    generalizadas e sem parmetros a determinados sites nos parecem ineficazes. Controlar os abusos, sim, o que devemos fazer. preciso fazer um uso inteligente da potncia digital, adicionando uma

    dimenso nova e eficiente ao servio pblico contemporneo14. O fato que no podemos mais atuar

    e ser geridos por padres anteriores revoluo tecnolgica. Os conceitos de tempo e o espao tm

    senhor um mal necessrio, sem o qual a vida em comunidade no seria vivvel, devo dizer-lhe que sua pessoa representa tudo o que detesto, na sociedade e em mim mesmo. Pois h pelo menos um quarto de sculo, de segunda a sexta-feira e das oito da manh s seis da tarde, com algumas atividades ancilares (coquetis, seminrios, inauguraes, congressos), s quais me impossvel subtrair-me sem ameaar minha sobrevivncia, tenho sido tambm uma espcie de burocrata, ainda que no trabalhe no setor pblico, e sim no privado. Mas, assim como o senhor e por sua culpa, minha energia, meu tempo e meu talento (tive algum) foram em grande parte engolidos, nesses vinte e cinco anos, pelos trmites, gestes, requerimentos, instncias e procedimentos inventados pelo senhor para justificar o salrio que recebe e a escrivaninha diante da qual engorda suas ndegas, deixando-me apenas umas migalhas de liberdade para tomar iniciativas e levar a cabo um trabalho que merea chamar-se criativo. Sei que os seguros (meu ramo profissional) e a criatividade encontram-se to afastados quanto os planetas Saturno e Pluto no universo sideral, mas essa distncia no seria to vertiginosa se o se-nhor, hidra regulamentarista, lagarta tramitadora, rei do papel timbrado, no a tivesse tornado abissal. Porque, mesmo no rido deserto das seguradoras e resseguradoras, a imaginao do ser humano poderia expandir-se e dali extrair estmulo intelectual e at prazer, se o senhor, encarcerado nessa densa malha de regulaes asfixiantes destinadas a dar carter de necessidade obesa burocracia que inchou at estourar as reparties pblicas [...]. (LLOSA, 2011, p. 234).

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    quer ser reconstitudos. Da a importncia da incluso desse debate acerca do funcionalismo pblico

    contemporneo.

    preciso lutar contra esta realidade. Os programas de educao fiscal devem cada vez mais

    zelar por estes servidores, valorizando suas vocaes, promovendo cursos de capacitao, incentivan-

    do-os mudana e melhoria de suas tarefas. E isto o que vemos na iniciativa privada e que falta no

    servio pblico: motivao e capacitao.

    CONSIDERAES FINAIS

    Neste breve ensaio, pretendemos enfatizar as importantes questes do resgate da cidadania

    fiscal e da respeitabilidade do Estado por intermdio do seu servidor. Essa uma tarefa no s dos

    programas de educao fiscal, mas tambm de toda a sociedade brasileira. No h partidos nessa luta.

    Consideramos de enorme importncia que os programas de educao fiscal ampliem seu enfo-

    que no gasto pblico, pois, assim, engrandeceremos ainda mais a tarefa da arrecadao tributria.

    No podemos mais enfatizar os esforos somente na justificativa da arrecadao quando no

    h uma contrapartida na prestao dos servios pblicos. A maioria das crticas na nossa atual situa-

    o comea pela inobservncia dos direitos sociais pelo Estado e pela pssima aplicao dos recursos

    pblicos.

    O papel do fisco contemporneo transcende a atividade arrecadatria e assim deve ser enfati-

    zado. Os tributos no podem mais ser considerados uma perda no compensada, mas, sim, um inves-

    timento nos bens coletivos.

    Reaver a confiana nas instituies fazendrias um grande desafio, mas, seguramente, uma

    meta possvel. Os programas de educao fiscal so muito importantes nessa luta pela moralidade e

    eficincia estatais e, principalmente, em demonstrar para a sociedade brasileira o fato de que isto

    uma misso de todos, pois, como bem anota Tony Judt (2010, p. 188); temos de reaprender a pensar o Estado; sempre vivemos com ele, afinal.

    14 Para entender a era digital, recomendamos a importante leitura: SCHMIDT; COHEN, 2013.

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    REFERNCIAS

    ALIGHIERI, Dante. A divina comdia: inferno. Traduo e notas de talo Eugenio Mauro original em torno de 1307. So Paulo: Ed. 34, 1998.

    ATALIBA, Geraldo. Repblica e Constituio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.

    CAVALCANTE, Denise Lucena. Anotaes sobre o sistema tributrio brasileiro. In: ELALI, Andr; MA-CHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; TRENNEPOHL, Terence (org.). Direito tributrio: homenagem a Hugo de Brito Machado. So Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 239-255.

    ______. Dos tributos para as finanas pblicas: ampliao do foco. Nomos: Revista do Curso de Mestra-do em Direito da Universidade Federal do Cear, Fortaleza, v. 25, jan./dez. 2006.

    FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado di-reitos humanos e outros temas. So Paulo: Manole, 2007.

    JUDT, Tony. Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos. Lisboa: Edies 70, 2010.

    LABAND, Paul. El derecho presupuestario. Traduo de Jos Zamit (Original de 1871). Madrid: Insti-tuto de estudios fiscales, 1979.

    LLOSA, Mrio Vargas. Os cadernos de Dom Rigoberto. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

    SCHMIDT, Eric; COHEN, Jared. A nova era digital: como ser o futuro das pessoas, das naes e dos negcios. Traduo de Ana Beatriz Rodrigues e Rogrio Durst. Rio de Janeiro: Intrnseca, 2013.

    TIPKE, Klaus. Moral tributaria del Estado y de los contribuyentes. Traduccin de Pedro M. Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002.

    TORRES, Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no Estado patrimonial e no Estado fiscal. Rio de Janei-ro: Renovar, 1991.

    ______. Tratado de direito constitucional financeiro e tributrio. Vol V: o oramento na Constituio. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

    ZIZEK, Slavoj. A viso em paralaxe. Traduo de Maria Beatriz de Medina. So Paulo: Boitempo, 2008.

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    TICA NAS RELAES TRIBUTRIAS

    Hugo de Brito Machado Segundo 1

    SUMRIO: Introduo. 1 Notas preliminares e esclarecimentos ter-minolgicos. 2 tica e concepo de ser humano. 3 possvel dis-cutir objetivamente em torno de questes ticas? 4 tica e as rela-es tributrias. 4.1 Tributao ideal e princpios de legitimao. 4.2 Dois critrios para a correo de dvidas atrasadas. 4.3 Tributao indireta e suas contradies. 4.4 Unificao de rgos arrecadado-res e direito compensao. Consideraes finais. Referncias.

    INTRODUO

    Foi com satisfao e alegria que recebi o convite para participar da coletnea em comemorao

    aos 15 anos do Programa de Educao Fiscal no Cear, organizada pela Secretaria da Fazenda do Esta-

    do do Cear, em parceria com a Fundao Sintaf. A educao seguramente o principal e mais nobre

    instrumento para conscientizao do ser humano a respeito da necessidade de se cumprirem deveres,

    tarefas e obrigaes, os quais assim se efetivam muito mais eficazmente do que quando fundados

    essencialmente na fora e na coao.

    Parece pertinente, a propsito, quando se cogita da razo pela qual se cumprem as normas, que

    no deve ser predominantemente o medo do castigo ou da sano, mas a convico de que se trata

    do melhor caminho, perquirir-se um pouco a respeito da tica em geral, e, no que tange especifica-

    mente aos propsitos desta coletnea, da tica nas relaes tributrias. Afinal, cuidar de fundamentos

    substanciais para o cumprimento de deveres algo diretamente relacionado a questionamentos so-

    bre o que certo e o que errado, bem como sobre as razes pelas quais se deve fazer o que certo,

    assunto central tica. do que cuidar este artigo.

    Vale notar, de incio, que a tica nas relaes tributrias tema de rara abordagem pelos que se

    ocupam da tributao, sobretudo no Sculo XX. Talvez isso decorra do fato de situar-se o assunto em

    zona de fronteira entre o Direito e a Filosofia, levando tributaristas a tangenci-lo por ser demasiada-

    mente filosfico, e filsofos a se distanciarem dele por considerarem a tributao assunto demasiada-

    mente rido e tcnico (GUTMANN, 2002, p. 7), e, ainda, de influncia de um positivismo que indevida-

    mente levou a que se evitassem as to ricas incurses inter ou transdisciplinares. Questionamentos em

    1 Mestre e Doutor em Direito. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributrios (ICET). Professor da Faculdade de Direi-to da Universidade Federal do Cear, de cujo Programa de Ps-Graduao (Mestrado/Doutorado) Coordenador. Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversitt, Viena, ustria. E-mail: [email protected].

    mailto:hugo.segundo%40gmail.com?subject=
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    torno da causa ou da razo de ser da tributao conduziam, no mximo, a um estudo do fato gerador

    e da norma que sobre ele incidia, jamais se discutindo as razes pelas quais referida norma teria sido elaborada e deveria ser cumprida. Assiste-se, porm, mais recentemente, a um crescente interesse, na academia e tambm entre os aplicadores do Direito, por esses temas mais substanciais, o que talvez leve a um gradual preenchi-mento dessa lacuna. De fato, ao lado de pesquisas a respeito de questes formais, em torno de assun-tos como anterioridade, estrutura da norma tributria, irretroatividade etc., assiste-se a um crescente interesse por temas materiais ou substanciais, como capacidade contributiva, legitimidade da tributa-o e justia fiscal. Alm de diversas teses e dissertaes que tm sido defendidas nos Programas de Ps-Graduao no Pas, nos ltimos anos, pode-se apontar, como excelente exemplo do que se est aqui a dizer, o prprio Programa de Educao Fiscal desenvolvido pela Secretaria da Fazenda do Esta-do do Cear. Nos itens que se seguem, procurar-se- examinar, em linhas gerais, o papel da tica nas rela-es tributrias, e como eventual desprezo a ela pode levar perda de juridicidade dessas relaes.

    1 NOTAS PRELIMINARES E ESCLARECIMENTOS TERMINOLGICOS

    No existem sentidos nicos e imutveis para as palavras, os quais possam ser objeto de inves-

    tigao anloga de um bilogo que procura um novo microrganismo na natureza. Alis, as palavras

    tampouco tm um nico sentido literal correto (SEARLE, 2002, p. 184), sendo ele, em verdade, aquele

    que os partcipes do processo de comunicao a elas atribuem, o qual por certo depende de usos

    prvios dessas mesmas palavras, mas que por igual podem ser gradualmente modificados, luz do

    contexto e das circunstncias, no mbito dos chamados jogos de linguagem (WITTGENSTEIN, 2000).

    um tanto contraproducente, portanto, investigar a respeito de qual seria o significado correto

    da palavra tica. Ela pode ser utilizada como sinnimo de moral, derivando essas duas palavras, res-

    pectivamente, de termos em grego (ethos) e em latim (mores) ento usados para designar a mesma coisa, a saber, o conjunto de costumes ou comportamentos adotados em determinada sociedade.

    Existem, porm, algumas realidades diferentes, conquanto relacionadas, que talvez justifiquem o uso

    de palavras distintas em sua designao. H um conjunto de costumes ou comportamentos adotados

    em certa sociedade, mas h, tambm, valores ou parmetros de correo em face dos quais esses cos-

    tumes ou comportamentos podem ser julgados. Pode-se dizer, por exemplo, que na moralidade isl-

    mica, considerado errado a mulher decidir os destinos de sua prpria vida, mas que essa no parece

    a forma mais adequada de tratar as pessoas do sexo feminino. A primeira seria uma moral positiva e,

    a segunda, uma moral crtica. Poder-se-ia cogitar, ainda, do ramo da Filosofia (Filosofia Moral) que se

    2 Como observa Ricardo Lobo Torres (2009, p. 4), boa parte dos problemas das finanas pblicas atuais, no Brasil e no es-trangeiro, veio do corte observado entre poder de tributar e poder de gastar ou entre direito tributrio e direito financeiro, que conduziu irresponsabilidade fiscal e prpria crise fiscal que desestruturou o Estado do Bem-estar Social.

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    ocupa dessas questes, sendo essa ltima parcela da realidade esse ramo da Filosofia mais adequa-

    damente designado pela palavra tica, com E maisculo. Essa ser a opo terminolgica seguida no

    presente trabalho.

    2 TICA E CONCEPO DE SER HUMANO

    Exame das ideias dos filsofos que, ao longo da Histria, se ocuparam da tica, ou da Filosofia

    Moral, revela que todos eles partem, como premissa, de uma concepo de ser humano. Uma antro-

    pologia filosfica, portanto, est na base de qualquer estudo a respeito do que seja certo e errado, e

    das razes que as pessoas tm para agir da forma correta.

    Jeremy Bentham (1996), por exemplo, um dos principais expoentes do utilitarismo, defende

    que o critrio para identificar uma conduta como justa, ou correta, a maximizao da felicidade. O

    que traz a maior felicidade para o maior nmero de pessoas o certo a ser feito. Isso porque parte da

    premissa de que o ser humano um animal que naturalmente vive em busca do prazer e da felicidade,

    e tem averso dor e ao sofrimento.

    Kant (2003), por sua vez, um dos principais crticos do utilitarismo, e autor de um dos mais im-

    portantes sistemas de Filosofia Moral do ocidente, constri toda a sua teoria sobre a premissa de que o

    ser humano, diferentemente dos outros animais e entes existentes na natureza, dotado de liberdade,

    assim entendida no propriamente a possibilidade de escolher por quais meios atingir os fins que a

    natureza lhe impe (v.g. comer arroz em vez de macarro, para matar a fome), que outros animais tam-

    bm tm, mas a aptido de escolher os prprios fins a serem perseguidos, s vezes at em oposio

    aos que seus impulsos naturais indicam (p.ex., no comer, mesmo estando com fome, para, no longo

    prazo, otimizar a sade ou a aparncia fsica). Isso confere ao ser humano o carter de sujeito, dotado

    de livre-arbtrio, e no de mero objeto, donde se deduzem mximas como a de que as pessoas devem

    ser sempre tratadas como fins em si mesmas (sujeitos) e nunca como meros meios (objetos), alm do

    conhecido imperativo categrico, segundo o qual o correto a fazer no necessariamente o que traz

    felicidade ao maior nmero de pessoas, mas aquilo que pode ser transformado em mxima universal,

    ou seja, todos poderiam agir da mesma forma. Em palavras mais simples, para algum saber se uma

    conduta correta, basta imaginar se seria conveniente que ela fosse adotada por todos. Essa uma

    forma de avaliar se estamos sendo impelidos por nossos impulsos a agir de determinada forma, ou se

    ela a maneira correta por estar de acordo com a razo. Furar uma fila, por exemplo, uma conduta

    que pode parecer conveniente a quem a adota, circunstancialmente, mas se todos a adotassem a pr-

    pria figura da fila desapareceria, estabelecendo-se o caos nas situaes nas quais se fizesse necessrio

    ordenar o atendimento de pessoas com igualdade, o que suficiente para que se conclua que a con-

    duta errada.

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    No se pretende, porm, alongar o presente texto com incurses nos vrios sistemas de Filo-

    sofia Moral. Os dois exemplos citados servem apenas para mostrar que toda concepo do que seja

    certo ou errado envolve, necessariamente, uma concepo a respeito da natureza do ser humano.

    Diante disso, na contemporaneidade, no causa surpresa que as principais contribuies para o estudo

    desse tema sejam oriundas da biologia, da neurologia, da psicologia e das cincias cognificas, quando

    se interseccionam no estudo da mente humana e do origem ao rtulo unificador de neurocincia.

    A biologia tem mostrado, de forma contundente, que os sentimentos morais de empatia,

    cooperao, solidariedade e equidade foram naturalmente selecionados, no apenas no ser humano,

    mas em alguns outros mamferos superiores que vivem em grupos, como lobos, golfinhos, e principal-

    mente primatas como chimpanzs e bonobos (WAAL, 1996). Entre muitos outros animais comum o

    sentimento de proteo prole (kin selection), pela bvia razo de que essa a forma mais imediata de perpetuao dos genes, mas entre tais mamferos, a vantagem propiciada pela formao de grupos

    selecionou naturalmente aqueles indivduos dotados de caractersticas que favorecem a vida em gru-

    po, dentre as quais se destacam os sentimentos morais (GREENE, 2013).

    H experimento que se tornou clebre, exibido em palestra ministrada por Frans de Waal no

    TED, que bem ilustrativo dessa ideia. Nele, duas macaco-prego fmeas so solicitadas a realizar a

    mesma tarefa, mas so "remuneradas" de forma desigual. Uma recebe pequenos pedaos de pepino,

    e, a outra, uvas. A que recebe pepinos fica satisfeita, e poderia passar o dia inteiro realizando a mesma

    tarefa e sendo recompensada com os pepinos. O problema surge quando ela v a colega ser remune-

    rada, pela mesma tarefa, com uvas bem mais saborosas. A "injustiada" chega a testar a pedra, para

    ver se a tarefa que desempenha mesmo igual desempenhada pela colega, ou seja, para aferir se h

    alguma justificativa para o tratamento desigual.

    No ser humano, que tambm nutre tais sentimentos, a seleo de caractersticas que favorecem

    a vida em grupo criou mecanismos ainda mais sofisticados, como um sistema neurolgico mais com-

    plexo, e, com ele, a linguagem, propiciando que se teorize em torno dos referidos sentimentos morais,

    e, mais importante, que se construam instituies sociais destinadas a dar-lhes efetividade. Surge,

    assim, o Direito, que no tem, porm, como se desligar inteiramente dessa sua origem. Disposies

    jurdicas que contrariem frontalmente sentimentos morais sero, com maior probabilidade, desres-

    peitadas. Caso se fundamentem no medo, na fora e na coao, e no na convico de que so boas

    para a manuteno da harmonia social razo, de resto, para o prprio surgimento dos sentimentos

    morais elas, alm de brutalizarem o homem, sero, no dizer de Pontes de Miranda (2000), apenas

    uma revoluo que se retarda4.

    3 TED (www.ted.com) uma instituio sem fins lucrativos que tem por finalidade divulgar ideias consideradas importantes. A sigla deriva das palavras Technology, Entertainment, Design. O trecho do vdeo com o experimento citado no texto pode ser assistido em http://youtu.be/lKhAd0Tyny0.

    http://www.ted.comhttp://youtu.be/lKhAd0Tyny0
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    3 POSSVEL DISCUTIR OBJETIVAMENTE EM TORNO DE QUESTES TICAS?

    Poder-se-ia objetar, diante da pretenso de se estudar e considerar a tica no trato de questes

    jurdicas, que questes ticas, ou morais, so sempre muito subjetivas e emocionais, no podendo ser

    estudadas cientificamente mngua da possibilidade de se fazerem afirmaes objetivas em torno

    delas.

    Algo do que se disse no item anterior j deveria afastar essa objeo, mas, em acrscimo, po-

    de-se ressaltar que, mesmo quando h divergncia entre questes morais, as pessoas apresentam (ou

    pelo menos podem ser capazes de apresentar) razes para justificar seus pontos de vista discrepantes.

    No se apresentam razes para convencer algum que sorvete de baunilha mais gostoso que sorve-

    te de morango, ou que o azul mais bonito que o amarelo, mas se apresentam razes para convencer

    algum que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser (ou no) permitido, o que, mesmo

    sem entrar nessa discusso aqui, revela que no so temas assim inteirametne subjetivos como ocorre

    no caso do gosto por sorvetes ou cores (BENN, 1998, p. 5).

    Alm disso, tambm no mbito das cincias naturais, e at da Fsica, h divergncia. No s

    motivada por pessoas intransigentes e dogmticas desprovidas de qualquer base cientfica, como o

    caso dos que negam a evoluo das espcies e dizem que os fsseis de dinossauros so a prova de

    que alguns animais no conseguiram subir na Arca de No, mas entre os prprios especialistas, como

    fsicos que divergem sobre a extenso e a forma do universo, por exemplo (ZIMMERMAN, 2010, p. 26;

    TERSMAN, 2006, p. XI). Isso no significa que inexista um mnimo de intersubjetividade, a permitir um

    debate racional em torno de tais ideias. Tampouco significa que se deva, em tais terrenos, abandonar

    a ideia de verdade e o propsito honesto de alcan-la (MARCONI, 2007, p. 50 e ss; RESCHER, 2003, p.

    83; HAACK, 2011, p. 228).5

    Finalmente, preciso lembrar que a existncia de controvrsia em relao a certos assuntos no

    quer dizer que no existam temas em torno dos quais o consenso seja possvel. Muitas vezez no ne-

    cessrio, por exemplo, saber qual a "justia ideal", se a kantiana ou a utilitarista, ou a aristotlica, ou

    qualquer outra, para se concluir que determinada situao vivida injusta. Amartya Sen (2009, p 109 e

    ss), economista indiano laureado com o prmio Nobel e que desde ento parece ter se dedicado mais

    filosofia moral que economia propriamente dita, utiliza para demonstr-lo a chamada metfora da

    sauna. Para ele, discutir ideais de justia diante de certas injustias flagrantes de nossa sociedade, ou

    recusar o enfrentamento dessas injustias sob a considerao de que a justia ideal de impossvel de-

    5 Como aponta Haack (2011, p. 231), a crtica relativista, em ltima anlise, autodestrutiva e, ainda, falaciosa, pois no se pode, pela investigao honesta, descobrir que no h investigao honesta. Como lembra, no mesmo sentido, Fazzalari (2006, p. 61), no porque a racionalidade falvel que devemos optar pela irracionalidade.

    4 Toda presso que dura indcio certo de revoluo que se retarda. (PONTES DE MIRANDA, 2000, p. 116)

  • 15 anos do Programa de Educao Fiscal do Estado do Cear

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    terminao consensual, algo semelhante a termos algumas pessoas trancadas dentro de uma sauna,

    cujo termostato est localizado do lado de fora. Desesperadas com um calor insuportvel dentro da

    sauna, essas pessoas comeam a gritar para que algum as ajude. Um sujeito que por acaso passava

    pelo lado de fora ouve os gritos e se dirige sauna, mas, com a mo sobre o termostato, afirma que s

    poder ajustar a temperatura dentro da sauna, que j passa dos 50 graus, quando os que esto dentro

    dela trancados decidirem qual seria a temperatura ideal.

    Nessa ordem de ideias, da mesma forma como no se precisa decidir se a temperatura ideal

    18, 21 ou 22 graus positivos para se saber que necessrio reduzir o calor de 50 graus dentro da

    sauna, em muitos casos no preciso saber qual a concepo ideal de justia para se concluir que

    determinada situao flagrantemente desigual, inqua e injusta e precisa ser remediada. Nas linhas

    seguintes, algumas dessas situaes, nas quais a sauna talvez esteja passando dos 50 graus, sero

    examinadas.

    4 TICA NAS RELAES TRIBUTRIAS

    O leitor pode estar, a esta altura, imaginando o que tais ponderaes, de ordem predominan-

    temente filosfica, fazem em texto dedicado, em princpio, ao Direito Tributrio. preciso