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III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006
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Modernismo Fluminense: intelectuais para uma nação moderna
Evelyn Morgan Monteiro1
Neste artigo utilizaremos a cidade como efeito de demonstração da modernidade.
Mas qual cidade? Nosso alvo é a cidade de Niterói, pensada através da A Revista2,
periódico nascido na cidade no ano de 1919 e publicado até março de 19233. Pensar a
produção intelectual Fluminense buscando sua particular forma de inserção nos paradigmas
modernos, de projetos para a nação e principalmente a perspectiva sobre uma cidade que se
quer moderna.
Seus números foram publicados mensalmente de 1919 a 1921, e devido à demanda,
passaram a ser quinzenais a partir de 1922. Nas sete coleções da Biblioteca Nacional estão
reunidos os mais sessenta e três números das publicações, contudo fizemos uma opção
teórica de trabalhar com os dois números das edições de especiais do Centenário da
Fundação de Niterói e do Centenário da Independência, dois momentos comemorativos em
que são exacerbadas as características da revista e sobretudo sua doutrinação modernista.
Nestes dois números avaliaremos como o ideal de uma nação moderna fica evidenciado
pela cidade.
A idéia da revista na reavaliação da trajetória de cem anos de história é da
necessidade de se ressaltar a importância dos Fluminenses nos projetos da construção da
nação, por meio dos progressos atingidos no contexto urbano. Como um olhar sobre o
passado que faz nascer a modernidade vivida pela cidade. Ao menos é essa idéia que se
pretende difundir nestas publicações especiais.
Em nossa releitura sobre o tema procuramos buscar a sua singularidade, uma vez
que os intelectuais a frente da A Revista não estão vinculados as idéias modernistas
paulistas ou de qualquer outro grande centro cosmopolita. Ao contrário, são interioranos
dos diversos pequenos municípios do Estado do Rio Janeiro, suas diferenças são latentes e
nos propomos a ressalta-las em vez de trabalhar numa perspectiva de semelhança com os
cânones do movimento modernistas. Afinal deve se trabalhar no plural - “modernismos” -
1 Mestranda em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2 Podemos encontrá-la na seção de periódicos da Biblioteca Nacional, códice nº 0000216658, totalizando sete volumes de coleção. 3 Não há qualquer menção de término da publicação no último número da revista situado na Biblioteca Nacional, a edição acaba sem dar qualquer pista sobre sua continuidade ou não.
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eliminando-se assim a idéia de consciência e do atraso, já que cada uma tem a sua
particularidade.
A Revista em todas as suas cores
Analisar “as cores” do nosso periódico é penetrá-lo, conhecer um pouco mais de
suas propostas, de seu formato, seus intelectuais, de repensá-lo como uma revista
modernista para que possamos entender a qual a imagem de uma cidade moderna esta
queria projetar.
Para atingir nossos objetivos faz se necessário delinear – ainda que brevemente - a
forma e os objetivos do periódico, fundamentais para o sucesso refletido na aceitação do
público, e na longevidade da revista.
Havia uma regularidade, pouco comum - devido ao histórico de efemeridade dos
periódicos dessa natureza - das edições da A Revista. Nestes quase quatro anos de
existência houve apenas a exceção de um número que foi bimestral. A sede do expediente
desta era o centro da cidade de Niterói, capital do Estado do Rio de Janeiro na época.
Quanto à forma, o periódico apresentou-se regularmente, havendo poucas variações
significativas, na capa, nas dimensões e nas seções ao longo do tempo. As dimensões da A
Revista eram de 22,5cm por 15cm ficando um pouco maior no final do primeiro ano com
26cm por 17cm, padrão que se manteve até as últimas edições.
É difícil precisar um tamanho, ou melhor, um número médio de páginas por edição,
pois isto variava muito de acordo com edições especiais ou maior número de anúncios. Mas
arriscamos dizer que girava em torno de 40 a 60 páginas por número. Um número
significativo, ainda que consideremos que praticamente metade destas páginas eram de
propagandas que ajudavam a revista a se manter.
Definir a que se pretendia A Revista é um desafio para nós, mas no editorial do
primeiro número desta, assinado por Gioconda Dolores, há os objetivos a que esta se
destinava : tratar de política, arte e ciência. Ou melhor “ao doutrinamento do civismo, ao
encitamento da arte, ao devotamento pelas verdades científicas”4. Segundo Mônica
Velloso os editoriais das revistas buscam passar uma mensagem singular que a estas se
4 A Revista, nº 1, “Editorial”, p. 1.
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julgam portadoras5. Portanto observamos como é delineada a proposta da revista, busca-se
a idéia de uma nacionalidade ancorada no sentimento cívico, nos progressos da cidade e da
ciência, e da cultura, da produção artística.
No mesmo editorial, antes de buscar definir quais seriam as diretrizes do periódico,
a autora Gioconda Dolores, reforça que não tentaria esboçar escopo definitivo, pois a
revista está em movimento e este certamente mudaria ao longo das edições, mas o que ela
gostaria de retratar era a essência do periódico de que falamos acima. A idéia de
modernidade é exatamente esta. Ou seja, a idéia de um tempo fulgaz, oscilante, um tempo
presente, já que a realidade está em permanente mutação. A Revista traduzia esta nova
linguagem de uma comunicação mais ágil em sintonia com o dia-a-dia.
O moderno também estava nas cores, na visuabilidade e na beleza das edições.
Nossa revista era colorida, editada em papel couché. Nas vinhetas encontramos musas e
ninfas desenhadas; temas da natureza, como passarinhos e flores. A preocupação com a
dinâmica visual era notória, pois para abrir as seções sempre havia desenhos coloridos, em
torno dos poemas e sonetos publicados adornos de traços e cores, mulheres de olhar
distante, mulheres como que deusas que vestiam roupas típicas da moda da época.
As fotografias eram muitas. Retratos de uma cidade em mutação. “Niterói vai se
elegantizando imitando outras cidades, mas com um cunho muito próprio”6, a idéia de
progresso está sempre presente. Progresso de Niterói, especialmente, em relação à cidade
do Rio de Janeiro, porque as conquistas modernas deveriam ser evidenciadas na cidade,
demonstrando sua importância, assim como a vizinha, o distrito federal. Desta forma busca-
se um elo identitário com o público, através da abordagem de temas do seu cotidiano. Por
isso a linguagem fotográfica era importante, afinal era a materialização dos avanços que
tinha conquistado a cidade.
A Revista teve, como observamos, uma vida longa em relação a outros periódicos da
época. Todavia esta duração está intimamente ligada ao corpo que dirige a mesma. O corpo
de redatores efetivos era formado por nove membros, mas o expediente do periódico ainda
contava com vários outros colaboradores que contribuíam a cada número, algo que reitera
um movimento e uma circulação de idéias, pois estes colaboradores estavam ligados a
5 Velloso, Mônica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes, FGV, Rio de Janeiro: 1996. pp. 57 – 59. 6 A Revista, nº 1, 1919, “Vida Elegante”,p. 23.
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outros periódicos e a outros círculos de influência que nos ajudam a pensar em uma rede de
sociabilidade possível.
A existência de lugares comuns para o exercício de debates do meio intelectual é
uma condição para a elaboração do próprio intelectual.7 Estes espaços são afetivos e,
também, geográficos, lugares de aprendizado, debates, de troca, indicando a dinâmica do
movimento e circulação de idéias.
Os locais sempre mencionados nos artigos e onde parte do corpo editorial estava,
também, atuando, era a Academia Fluminense de Letras, criada em 1917, que representava
a institucionalização de uma certa prática intelectual, já que Niterói não possuía
agremiações que congregassem intelectuais neste período.8 Os círculos de convivência
eram mais informais, mas podemos perceber que alguns salões, periódicos e outros lugares
eram espaços onde os intelectuais da A Revista também atuavam. Como a Escola Normal, a
Associação Brasileira de Imprensa, o Instituto Histórico e Geográfico Fluminense e o
Colégio Salesianos. Além do Atlético Fluminense Clube, o Juventude Lusitânia, o Clube
Syrio Fluminense e etc. que demarcavam os salões mais citados no periódico.
Havia também uma interlocução de matérias elogiosas com outros periódicos, na
seção “Palavras que nos estimulam”9 eram comentados os elogios direcionados a A
Revista pela Ilustração Fluminense, Pátria Nova, A Época, Comédia, A Razão, A Rua além
dos jornais O Fluminense, O São Gonçalo,O Momento, O Estado, Correio da Manhã, O
Maricaense.
Os Centenários e a Modernidade da cidade
A comemoração do Centenário da Independência, assim como a do Centenário da
Fundação de Niterói, foram momentos centrais para refletirmos como a intelectualidade
projetará a si mesma e a nação. Ao fazer este projeto, a cidade era um dos principais alvos,
pois o ideal de uma nação moderna foi desenhado pelos “progressos” da cidade,
7 Trebitsch, Michel. apud Gontijo, Rebeca. “História, cultura, política e sociabilidade intelectual”. In: Soihet, Rachel & outros (org.) Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. p.261. 8 Fernandes, Rui Aniceto Nascimento. Construindo o folclore fluminense: Intelectuais, Política e Educação no estado do Rio de Janeiro (1949-1961). Dissertação de Mestrado em História, Niterói: UFF, 2004. 9 Esta seção aparece em vários números, apesar de não existir uma regularidade.
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especialmente ressaltados nestas duas edições especiais de comemoração aos respectivos
centenários.
Estes momentos são particularmente caros, pois buscam uma avaliação do passado
para dar sentido ao presente, e antes, projetar um futuro que é sempre promissor. Logo,
heróis são lembrados, momentos históricos ganham maior importância, as lutas se tornam
mais difíceis, mas conquistas do presente parecem antecipar um por vir grandioso.
E nos perguntamos, a quem cabe esta tarefa de repensar a nação? Aos intelectuais, é
claro. Nesse sentido estes se entendem como vanguarda, afinal a missão social de reavaliar
a trajetória de cem anos de história é a oportunidade de decantar na memória coletiva da
nação os ideais de progresso, de luta, de conquistas, de um Brasil que tem futuro ante as
outras nações.
Marly Mota trabalha coma a idéia de que o Centenário da Independência seria um
momento-chave em que tais questões deveriam ser discutidas. Afinal este momento seria
oportuno para a reinterpretação do passado e projeção do futuro, ou seja, decantar na
memória coletiva um ideal de modernidade10.
Uma mudança subjetiva da identidade coletiva aparece então como preâmbulo
obrigatório de mudanças objetivas, como promessa definitiva de um destino de grandeza
para a nação. O discurso sobre a modernização, entendendo-o como relato que ressignifica
as práticas social e política. A narração do centenário opera como reorganização imaginária
do acontecer histórico e que implica um árduo trabalho enunciativo sobre a memória
discursiva, destinado a configurar um lugar de legitimação para os novos sentidos que
definiriam o fazer político durante a transição para o moderno.11
O fato de estarem ocupando espaços na imprensa também privilegia esses
intelectuais na montagem de imagens de um país moderno, portanto a redefinição dessa
identidade coletiva12 é, antes, a construção de uma “nova” nação, de uma nova sociedade.
Esses tipos de comemorações coletivas, ao invés de só atenderem as prerrogativas de uma
“história oficial”, revelam um caráter institucional e pedagógico. Dessa forma a
10 Mota, Marly. A nação faz cem anos, uma questão nacional no centenário da Independência. Rio de Janeiro: FGV-CPDOC, 1992. 11 Fontana, Mônica Zoppi-. Cidadãos modernos: discurso e representação política. Campinas: SP: Editora da Unicamp, 1997. 12 Sobre identidade coletiva ver também: Hobsbawm, Eric. “Não basta a história de identidade”. In: Hobsbawm, Eric. Sobre história. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
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comemoração seria a “professora da nação”.13 Existe um apelo aos sentimentos de
unificação, da pátria como uma unidade. Criam-se mitos e símbolos, fundamentais para a
construção de uma nacionalidade no imaginário popular .
O nosso exercício se torna ainda mais interessante porque trabalharemos os dois
âmbitos, ou seja com os dois centenários. O Fluminense, que tenta se colocar perante aos
outros estados da federação como sendo de primeira grandeza; e o nacional, que busca sua
afirmação enquanto unidade coesa, para a formação de um sentimento de nacionalidade.
Estas duas faces se misturam e aparecem nos dois números que analisaremos utilizando o
caminho de um ideal de progresso e modernidade para atingir esses objetivos.
O Centenário de Niterói14 foi celebrado na edição de agosto de 1919 em
comemoração a elevação de Niterói a categoria de Vila no dia 11 deste mês em 1819. Já o
Centenário da Independência foi comemorado pela A Revista em uma edição especial que
foi publicada em 12 de outubro de 1922, mais de um mês depois da data oficial do evento.
O pedido de desculpas que integra esta edição é justificado pela tamanho um pouco maior
da média de publicação.
Em ambos os números, a revista estava especialmente colorida. Muitas fotos que
mostravam o antes e o depois da cidade - e do Estado - desvendando seu crescimento e seus
recursos naturais. Nos números dos centenários há a tentativa de fazer uma panorâmica de
todo o Estado, e da capital Niterói, um modelo de cidade moderna para os outros
municípios em desenvolvimento, a exemplo da capital federal. Tenta-se convencer o leitor
de que todo o Estado do Rio está progredindo, economicamente, com projetos de
urbanização, e que este é um modelo de modernidade para todo o país.
E para esta tarefa as edições são repletas de fotos de materializam esta modernidade.
Esta, na verdade, é bastante singular, pois as belezas naturais eram também exaltadas. Na
Fundação da Cidade, por exemplo, a foto da praia de Icaraí, vinha representada como
expoente de uma cidade em crescimento. Nesta foto em particular não se mostrava as
construções ao longo da praia, mas a praia em si, o mar e a pedra de Itapuca15. Sendo uma
13 Marly Motta, op. cit. 14 Para evitar a repetição de termos e tornar a leitura mais aprazível, iremos mencionar em alguns momentos do texto apenas a Fundação da Cidade, que fará alusão ao Centenário de Niterói; e Independência, ou momento da Independência, que irá se referir ao Centenário da Independência. 15 A Revista, nº 4, 1919, p. 7.
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fotografia similar que compõe a capa da edição de Independência: o cenário de Icaraí ao
lado de um ramo de lírios.
Uma espécie de montagem com várias fotografias pequenas organizadas numa sorte
de quadro que ocupava uma página inteira de destaque foi elaborada nestas publicações.
Apareciam como se fossem uma retrospectiva histórica, mostrando um “ideal” de
conquistas agora evidenciadas no antes e depois da cidade, como em uma intitulada “Ex-
Vila Real da Praia Grande” que exibia antigos prédios niteroienses16; ou para mostrar
homens e intelectuais de prestígio como em “Homens Ilustres”,“Parnaso Fluminense”,
“Expoentes Intelectuais”, e entre os citados sempre havia políticos e importantes homens
da localidade; ou ainda artistas de origem fluminense que aparecem em “Uma página de
arte” 17.
A idéia de progresso também era demonstrada a partir de fotos de casas comerciais
ou indústrias em Niterói e em outros pontos do Estado. Observamos isto, por exemplo, a
partir das fotos da inauguração de casas comerciais na própria capital do Estado e em
outros cantões deste, a exemplo do retrato do galinheiro da Fazenda Santa Maria, “onde
será feita uma prodigiosa granja” dizia “A Revista na estação do Rio do Ouro;18 ou a
visita a Miracema para conhecer a firma Salim Damian e C. ;19 ou mesmo ir até Paraokena
para noticiar a Casa Ideal.20 Mostrar estes pequenos municípios e seus sinais de
crescimento era para a revista indícios de uma modernidade que estava sendo construída.
A seção Comércio e Indústria se tornou Exposição de Comércio e Indústria e foram
divulgadas algumas firmas de grande projeção e seus respectivos proprietários, é claro. È
dado um especial destaque para a Companhia Manufactora Fluminense e para seus donos
Sr. João de Deos Freitas, Sr. Carlos Juloi Galliez e Alfredo March Ewbank e para o
Cortume de São Gonçalo S.A. com duas fotos de sua fachada. E no fim do número ainda
havia um apêndice chamado “Mostruário das Indústrias na exposição”, como se fosse um
catálogo de propagandas21.
Na edição do centenário da Independência os redatores optaram por esse modelo.
Foram poucos os anúncios distribuídos ao longo da edição, mas ao fim desta havia um
16 Idem, p. 8. 17 Idem, nº 50, 1922, pp. 49 a 56. 18 Idem, nº 4, 1919, pp.12, 14 e 15. 19 Idem, nº 50, 1922, p. 115. 20 Idem, p. 44.
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“Indicador Nominal”22 que somava mais de 40 páginas e onde diversos anúncios estavam
classificados por ordem alfabética
Certamente muitos dos elogios feitos foram financiados, comprados pelos citados
homens importantes, o que nos dá indícios para saber quem está por trás dos que escrevem
efetivamente no periódico, além de ajudar a compreender o porquê de sua longevidade, de
como era patrocinada a revista.
Ao expor as praças comerciais e o crescimento da cidade e do Estado objetivava-se
que a idéia de melhorias era uma realidade. E “A nossas fotografias servem para mostrar
os progressos de Niterói nestes últimos tempos de propaganda evolucionista” falava a
seção Página Esportiva no mês anterior.23
Mas foi na publicação do número da Independência que um maior relevo foi dado
para expor os municípios do Estado. Na primeira página do referido número temos os
seguinte texto:
“Quem percorrer os férteis municípios do torrão fluminense e observar o surto de intenso progresso em que todos elles se evidencia, não deixará de applaudir a sábia orientação do Dr. Raul Veiga na suprema direção do estado.24
Mais uma vez este “progresso” não é isento existindo toda uma ideologia política
por trás deste. Dessa forma a modernidade não era evidenciada nas ruas, nos habitantes da
cidade, mas era imposta de cima pra baixo. O discurso político incorpora o tom épico das
grandes epopéias nacionais, auto-representando-se como gesto definitivamente fundador de
um novo tempo.25 Esta é, segundo Schorske, a uma forma de desenvolvimento do
modernismo conservador, que anula aquilo que seria fundamental ao modernismo que é a
sua feição democrática.
Um longo caderno também é dedicado aos “Municípios do Estado do Rio de
Janeiro” contando um pouco de suas respectivas histórias, seus dados populacionais,
construções, distritos, escolas e seus intelectuais de renome. A segunda metade do
mencionado caderno era toda de fotografias das diversas municipalidades. Retratos de
21 Idem, nº 4, 1919, pp. 62 a 68. 22 Idem, nº 50, 1922, pp. 181 a 220. 23 Idem, nº 3, 1919, p. 5. 24 Idem, nº 50, 1922, p. 1. 25 Fontana, Mônica Zoppi-. op. cit.
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Igrejas, Câmaras, praças, avenidas, pontes, escolas ou vistas gerais de cada cidade. Não é
difícil cogitar que um maior destaque foi dado à cidade de Niterói e seus palacetes,
alegorias da administração estadual. Uma página dupla exibia uma foto aérea da cidade
com o subtítulo: “Nictherói a vol d’oiseau”.26
A questão histórica teve especial destaque nas nossas edições. No artigo “O
Centenário de Niterói, um pouco de história”27, foram contadas as histórias da cidade
imortalizadas na figura do índio Araribóia, e de como essas conquistas culminaram na
elevação a Vila Real da Praia Grande em 1819, fazendo um balanço de como se tornou a
cidade hoje.
No número da Independência esse caráter sobressai ainda mais. A tentativa de dar
destaque ao papel do Estado do Rio de Janeiro ante a história da nação é uma tarefa
imperativa nos artigos que tratam pontualmente da história.
Em “Os precursores”28 Osório Duque Estrada enfatiza o papel do Estado do Rio de
Janeiro no processo de Independência, citando um discurso feito ao parlamento por José
Clemente Pereira, em 1841, Ministro da Guerra a época, que aqui reproduzo um fragmento:
“A mim me parece que, na cooperação, para a Independência, a glória é egual para todas as Províncias; mas se é necessário que alguma tenha prioridade, há de permitir-me o nobre deputado29 que o conteste e que diga que ella pertence aos Fluminenses” (grifo original) 30
Observamos a tentativa de inserir o estado, e não só da capital, na história da nação.
O que se questiona é o papel dos fluminenses neste projeto de nação e, especialmente, no
seu porvir. Daí parte a necessidade de se colocar ante a federação com um Estado de um
passado prodigioso, mas que não está só no passado, que o desenvolvimento é uma
realidade presente e futura, que os Fluminenses também respiram os ares da modernidade:
“Não devemos parar. A similhança do que se tem operado, na capital da República, façamos de nosso Estado o ponto convergente de todas as iniciativas valorosas. (...) As inclinações louváveis de nossa mocidade – as nossas esperanças vivas, obreiros do futuro.”31
26 A Revista, pp. 169 a 178. 27 Idem, nº 4, 1919, p. 13. 28 Idem, nº 50, 1922, “Os precursores”, pp. 36 a 44. 29 O Ministro se refere a outro deputado que defendia a preponderância de São Paulo para a Independência. 30 A Revista, nº 50, 1922, “Os precursores”, pp. 36 – 44. 31 Idem, “O centenário e a mocidade Fluminense”, p. 73. Escrito por Max Lucano.
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As notícias sobre o centenário buscavam criar uma idéia progresso e um sentimento
de pertencimento na população, fazendo com que esta se sinta parte integrante da
modernidade que era apregoada pela revista.
Se Habermas define a modernidade como a consciência de uma época que olha para
si mesma em relação ao passado, considerando-se o resultado de uma transição do velho
para o novo.32 Nossa revista tinha essa autoconsciência, era, portanto moderna.
Nas páginas da A Revista nós encontramos o caminho seguido por estes intelectuais
fluminenses para se construir uma nação moderna: o ideal de progresso vivenciado na
cidade. Ao longo de suas edições e, em especial nos momentos de comemoração dos
Centenários de Niterói e da Independência, os intelectuais colocavam o Estado do Rio em
uma posição central na vida e na história dos cem anos da nação.
Desejavam sublinhar que este passado glorioso também era presente. E quando não
era possível suprir suas falhas, a revista projeta modernidade para o futuro. O modernismo
fluminense da A Revista era pensar uma nação que progride, que avança. A modernidade
era vivida com o industrialismo, com as reformas urbanas, com as melhorias da cidade,
seus salões e bailes etc. fatores que colocariam a nação em um patamar de igualdade com
os outros países. A relação urbana quer causar um impacto sobre as formas passadistas.
Nosso modernismo tem lugar na cidade, e é dela que se responde a questões modernas.
Esta modernidade partia do âmbito fluminense e se estendia a nação. E essa é a
contribuição, que ao mesmo tempo significa um delinear de identidade de grupo, dos
intelectuais fluminenses. Ou seja, a modernidade era vivenciada em todo o Estado do Rio
de Janeiro, nos seus mais distantes municípios esta brotava de alguma forma. Isto
significava a importância do interior do Estado, origem de boa parte da intelectualidade
fluminense, por seus progressos, seus comércios e indústrias equiparando-o a outros
estados do Brasil e tornando imperativa a sua participação nos debates acerca de uma nação
regenerada e moderna.
32 Habermas, Jürgen. Apud Fontana, Mônica Zoppi-. op. cit.