146342_A Fenomenologia Da Morte

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Dados Internacionais de Cataloqacao na Publicacao (CIP)

(Camara Brasi le ira do Livro, SP, Brasi l)RENOLD J . BLANK

Blank, Renold J., 1941-

Escatologia da pessoa - Vida, morte e ressurrelcao (Escatologia I) / Renold J.

B lank. - Sao Paulo: Paulus, 2000. - (Colecao Teolog ia Sistematica)

Bibliografia.

ISBN 85-349-1518-0

1. Escatologia 2. Morte 3. Morte - Aspectos psicol6gicos 4. Morte - Aspectos

rel ig iosos 5. Ressurreicao 6. Vida futura I .Tftulo. I I. Ser le,

99-1852 CDD-236 ESCATOLOGIA

DAPESSOAndices para cataloqo sistematico:

1. Morte e ressurrelcao : Escatologia : Teologia crista 236

2. Vida, morte e ressurrelcao : Escatologia : Teologia crista 236

VIDA , M ORTE E RESSURREI<;AO

(ESCATOLOGIA I)

Colecao TEOLOGIA SISTEMATICA

• Curso fundamental da te , K. Rahner

• Teologia do sacramento da penitencie, J. R.-Regidor

• Unidade na pluralidade, A. G. Rubio

• Os sacramentos da te, C. Rocchetta

•0Pai, Deus em seu misteno, F.-X. Durrwel

• A teologia como companhia, memoria e profecia, B. Forte

• Maria, a mulher (cone do Misterio, B. Forte

• Nosso mundo tem fu tu ro, R. J. Blank

• Toologia da histone - Ensaio sobre a reveteceo ... , B. Forte

• His tottn humana: Revelar ;ao de Deus, E. Schillebeeckx

• A rovotnct io do Deus na realizar;ao humana, A. Torres Queiruga

• Too/o!l in Sistom!it ica - Perspectivas cetolico-romenes (Vol. 1), F. S. Fiorenza e J. P.

Galvin (orqs.)

• Tooloqiu s is to t nut ic e - Perspeclivas ceiotico-rotnenes (Vol. 2), F. S. Fiorenza e J. P.

Galvin (orgs.)

• A his l6ria perdida e recuperada de Jesus de Nazare, Juan Luis Segundo

• Mister io e promessa - Teolog ia da reve iecso, John F. Haught

• Historia da Pen itencie: das origens aos nossos dias, Philippe Rouillard

• Mar ia na t radi r;8.o crista - a partir de uma perspectiva contemporsnee, Kathleen Coyle

• lntroduceo a Cristologia, William P. Loewe

• Escatolog ia da pessoa - vida, morte e ressutre iceo (Escatologia I), Renold J. Blank• Escatologia do mundo - a projeto cosmico de Deus (Escatologia /I), Renold J. Blank P A U L U S

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Revisao

Irani ldo B. Lopes

Unidade I

A FENOMENOLOGIA DA MORTE

NOS TODOSNOS CONFRONTAMOSCOM A REALIDADE DA M ORTE

© PAULUS - 2000

Rua Francisco Cruz, 229

04117-091 Sao Paulo (Brasil)

Fax (0- -11) 5579-3627

Tel. (0--11) 5084-3066

http://www.paulus.com.br

[email protected]

ISBN 85-349-1518-0

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1

A ATITUDE DO INDIVIDUO

DIANTE DA MORTE

1.1. As pessoas estao fugindo da morte

Das colunas da revista Manchete e dos outdoors que vemos

nas ruas, rostos jovens riem e sorriem para nos. 0 programa detelevisao "Fantastico" quase nao apresenta reportagens sobre asi-

los de velhos. 0 Brasil e nacao jovem. 0 que os nossos contempo-ranees sabem sobre a morte reduz-se a urn conhecimento geral que,

alias, e muitas vezes reprimido. Nao se fala da morte.

Ndo existe morte

o que lemos sobre pessoas acidentadas e vitimas fatais so se

refere aos outros, nunca a nos mesmos. A morte esta confinada ao

outro lado dos muros dos hospitais e das UTIs, ou, entao, presta-se

ao sensacionalismo para os que assistem as noticias de telejornais

ou para os que leem os jornais. Esta situacao basica nao foi altera-

da sequer em decorrencia do interesse despertado pelas chamadas

"reportagens sobre a vida apes a morte".

o famoso livro Vida depois da vida, 1 de Raymund A. Moody,

alcancou recorde de vendas no mundo inteiro, vindo a ser 0 pre-

cursor de uma infinidade de reportagens e publicacoes recentes

sobre 0 assunto.

IR. A. Moody. Vida depois ciavida.

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Mas, apesar de tudo isso, no dia-a-dia do homem comum, 0

tabu da morte ainda nao foi quebrado. De nada adiantou it Igreja

por os seus fieis, todos os anos, em confronto com as questoes

sabre a morte e a ressurreicao, de acordo com 0seu cicIo liturgico.

As pessoas nao gostam de falar da morte, mesmo em casu de fale-

cimento defamiliares mais ou menos chegados. E, apesar disso,

encontramos na morte 0grande misterio do ser humano, talvez ate

urn dos maiores. Se questionarmos 0 que vern a ser 0 homem, en-tao a resposta a essa pergunta dependera sempre, de algum modo,

da maneira como nos posicionamos ante a morte de determinado

homem. Nao ante a morte do homem como individuo, mas, sim,

ante a propria morte como fato.

FUGIR DA REFLEXAO SOBRE A MORTE SIGNIFICAFUGIR DA REFLEXAO SOBRE 0 HOMEM.

Assim, pois, a rejeicao da reflexao sobre a morte se revela

como sendo a rejeicao da reflexao sobre 0 ser humano.o ser humano com toda a sua grandeza e a sua fraqueza, com

a sua procura do infinito e a lembranca constante das limitacoes

que the sao impostas pela sua "condicao humana". Talvez seja isso

que nos impede de tratarmos, frente a frente, da questao da morte.

E que a indagacao sobre a morte esta forcosamente associada it

questao do fim e tambern it questao se apes 0 fim havera ainda

alguma outra coisa, ou nao.

Se a morte significa 0 fim propriamente dito, entao e certo

dedicar-se it vida e esquecer a morte: assim, nao ha morte porque

eu a reprimo, e com razao. Assim, a morte nao existe porque e

apagada do meu consciente para que eu possa viver. 0 que conta,

entao, e a vida e nada mais. E it medida que a vida se mostra sem

sentido, apesar de toda insinuacao da propaganda, a morte tam-

bern se torna fato absurdo que, de repente, surpreende 0ser huma-

no. Ou, como formulou Fritz Leist: "A falta de sentido da vida e 0

absurdo da morte fazem urn pacto". 2

2 Fritz Leist, Gesundheit und Krankheit derSeele, p. 34.

8

[ I

A REFLEXAO SOBRE A MORTE ESTA LIGADAA REFLEXAO SOBRE 0 SENTIDO DA VIDA.

Dessa forma, 0 ser humano se defronta com 0 paradoxo do

significado da morte ou, por outras palavras, 0paradoxo consiste

em nao se poder pensar na morte nem vivencia-la, independente-

mente da maneira como se vive. E mais, a interpretacdo da morteniio atingira a seu plena significado nem tera a seriedade devida,

se a morte for dissociada da vida. Toda interpretacao desta questao

deve ser feita em estrito relacionamento com a vida passada e futura.

OCUPAR-SE DA MORTETORNA-SE UM OCUPAR-SE COM A VIDA.

Quem se esquivar da discussao sobre a morte se esquivara da

discussao sobre 0que chamamos vida. Elisabeth Kiibler-Ross, fa-

mosa pesquisadora da questao da morte, afirma 0mesmo, do pon-to de vista medico: "Morrer e parte integrante da vida, tao natural

e previsivel quanto nascer"." E continua: "Mas, enquanto 0nasci-

mento e motivo de comemoracao, a morte transforma-se em terri-

vel e inexprimivel assunto, a ser evitado de todas as maneiras na

sociedade moderna. Talvez porque nos relembra a nossa vulne-

rabilidade humana, apesar de todos os avances tecnologicos"."

Nesta argumentacao, 0ser humano e reduzido it forma generi-

ca da existencia de todos os seres vivos. Sendo assim, tambem a

sua morte, na sua essencia, nao ultrapassa 0 significado da morte

desses seres vivos. Contudo, parece-me que esta visao nao tomasuficientemente em consideracao a seriedade existencial da morte

humana. E verdade que tambern para 0 homem a morte e inevita-

vel. E verdade que 0 ser humano se revela impotente perante esse

fato. Trata-se de fatos que reforcam no homem a tendencia it fuga,

it repressao, acentuando a contradicao existencial da vida humana

em face da morte. Revela-se, portanto, verdadeiro 0 que Bernard

3E. Kubler-Ross, Morte, estdgio final da evolucdo, p. 30.4 Op. cit ., p . 30.

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I)lIillll'qllC af i rma em seu artigo "La Disparition de la Camarde et

l'avcnir de l'hornme": "A morte, ou mais exatamente, 0 pensamen-

tu cia morte, aniquilara aquilo que constitui a minha mais profunda

rcalidade"."

r PROLONGAR A VIDA PARAFUGIR DA MORTE.

Portanto, para esquivar-se dessa aniquilacao, e simplesmentelogico aspirar ao prolongamento da vida. Eis por que 0autor cita-

do chega, com toda a razao, a afirmacao de que "0 prolongamento

da esperanca de vida, e, num futuro muito proximo, 0 prolonga-

mento da certeza de viver e uma das condicoes essenciais para que

o homem ( ... ) possa assumir-se a si mesmo. Assumir-se total e li-

vremente perante 0 universo, 0 absoluto, 0 seu Deus, seja qual for

o significado que se atribua a esta palavra, contanto que seja sufi-

ciente para dar sentido a sua vida". 6

Apresenta-se aqui outra vez a questao do sentido. 0 senti do

da vida humana nao pode ser deduzido a partir da propria duracao

da vida. Muito pelo contrario, 0 prolongamento da vida, por sua

vez, nos leva de volta a pergunta sobre 0 sentido deste prolonga-

mento. A problematica inicial permanece inalterada:

QUAL E 0 SIGNIFICADO DAVIDA HUMANA?

Toda tentativa de responder a essa pergunta no plano de urn

humanismo voltado exclusivamente para este mundo torna-se cir-

culo vicioso. Para podermos escapar a malha desse mecanismo,

devemos tratar da questao da vida e da morte do homem a partir

de urn horizonte mais aberto, a partir de uma visao libertadora que

inclui tambem as dimensoes religiosas.?

5 Ibid., in Etudes, Paris. aout-septcmbrc, 1982, p. 188.bOp. cit .. p. 189.7 Cf. John Bowkler. Os s e nt id o s c ia m o rt e.

10

a) PREOCUPAR-SE COM A MORTE =PREOCUPAR-SE COM AVIDA

~ MORTE REMETE A UM FIM. I

. ~"4.

casu nada mais venha depois: casu haja uma vida p6s-morte:

I I

I

A VIDA VIVIDA I A VIDA VIVIDA PREPARA IEO ONICO VALOR. PARA A VIDA DEPOIS.

r . PREOCUPA<;AO COM A~ORTE SETORNA .I~ SEMPRE PREOCUPA<;AO COM A VIDA.

b) Prolongamento da vida para escapar a morte nao da solucao a

pergunta basica: QUAL E 0 SENTIDO DA VIDA?

Nao tern outrosentido que a vida

A vida vivida conduz a umavida depois da morte

Tambem uma vida prolongadafinalmente nao escapa a morteENTAO, QUAL E 0 SENTIDODE TAL PROLONGAMENTO?

QUAL E 0 SENTIDO DA MORTE?

IA MORTE E ABSURDA. I I AMORTE TEM SENTIDO·I

I I

Com a morte absurda, Quando a morte tern sentido,

tambern a vida entao a vidase torna absurda. tern sentido tambem.

I. • TODAS ESTAS DECLARA<;OES sA o D EC LA RA <;O ES D E FE....JI

Nao existe certeza absoluta.

•MEDO PERMANECE.

ARGUMENTA<;AO NO NIVEL DE HUMANISMO PURONAO RESOLVE.

11

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1.2. Ate os crista os estao reprimindo a reflexao

sobre 0fim da vida

No plano fenomenologico, constatamos uma tendencia nitida

do ser humano a fugir da morte. Poder-se-ia indagar se atras dessa

tendencia nao se esconde algo mais do que a simples recusa de se

oeupar das formas aparentes do fim e da decornposicao. Podemos

perguntar se 0 ternor arcaico do ser humano perante a morte naotern causas mais profundas.

ATE HOTE, A MORTE E ENCARADA

FUNDAMENTALMENTE COMO UM FIM,

COMO 0 FIM DA VIDA.

Sera que 0hom em, inconsciente e instintivamente, estaria re-cusandoaceitar tal fim?

Na evidencia da morte e na falta de solucao mais conveniente,

ele reprime 0 pensamento da morte como tal. E isso, apesarde a

religiao crista apresentar, hi t 2.000 anos, uma alternativa melhor.

Acontece, porem, que muitos de nossos contemporaneos nao veern

at alternativa nenhuma. Ou, entao, veem ai uma alternativa dema-

siadamente presa aos conceit os amedrontadores do juizo e do fogo

do inferno. Inferno ou condenacao nada mais sao do que urn fim

radical, urn nao-ser ou urn nao-ser-mais.

Se, no entanto, ate na esfera das mensagens cristas se impos a

ameaca de urn fim absoluto, 0 dilema que se nos apresenta e pro-

fundo: ou encaramos a situacao heroicamente, ou sucumbimos de

novo a fuga e a repressao. Hoje em dia, parece que muitos cristaosescolheram 0 segundo caminho ...

Por outra parte, nos ultimos anos verificamos urn interesse

crescente pelas questoes relacionadas com a morte. Ainda que para

muitos nao passe de interesse superficial, isto e, apesar de tudo,urn sinal.

No interesse pelas questoes da morte manifesta-se a tentativa

do homem de descobrir algo mais sobre urn fenomeno de sua exis-

tencia que conservou 0 seu carater de misterio. E arras de todo 0

12

interesse despertado esconde-se talvez uma esperanca muito pro-

funda, a esperanca de que este misterio nao se reve~e co~o

"mysterium tremendum", a esperanca de que a morte nao existe

como fim e perecimento da vida.

1.3. A esperanca na vida apos a morte elimina0

medo ou nao?

De todas as pesquisas sobre 0 assunto, deduzimos, de f?rma

bastante clara, urn fato basico: a contradicao fundamental, diante

da qual 0homem se encontra.De urn lado, ele deve aceitar a propria morte; de outro, tern

uma vontade imanente de viver.Percebe-se, claramente, que esta contradicao so pode ser eli-

minada mediante uma atitude que proporcione a esperanca num

"depois da vida".Contudo, nem mesmo aceitando uma vida apos a morte desa-

parece a indagacao, . .Bernpelo contrario, ela seestende tambern ao campo reh~?~o

e teologico, tendo-se tornado, antes, urn problema da Teod.ICeIa:

"Que divindade e esta, que, tendo criado 0 ser humano, deixa-o,

depois, tornar-se comida para os vermes?" Assim formulou 0pro-

blema 0famoso filosofo Kierkegaard.Entretanto, urn refletir sincero sobre a morte e urn desafio

nao so para a filosofia, mas tambern, e com mais razao, ~~~a a

teologia e a fe. A fe transmite uma imagem de Deus aos fieis, e

estes serao sustentados por ela no momento do morrer. Esta mes-

rna imagem, contudo, podera tornar-se mais urn motivo de medoe angustia.f . ., .

Com relacao a esse problema, descobnmos ja nos estudos fei-

tos por Solange Rodrigues, em Sao Paulo,9 urn quadro bastante

serio:

8Cf. sobre este assunto 0 livro especifico do autor, sobre 0medo religioso dos cristaos e

sua superacao: Renold J . Blank. Esperanca que vence 0 temor, 1995.9Cf. Folha de Silo Paulo. lOde julho de 1983. p . 14.

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"1~1Ilbora os religiosos que responderam ao questionario da

psicologa tenham dito que as pessoas que tern fe enfrentam melhor

a situacao, Solange nao chegou a constatar esta verdade".'?

Pelo contrario, ela caracteriza como marcado pelo medo 0es-

tado psiquico das pessoas entrevistadas.

Em nossa propria pesquisa, sobre a atitude das pessoas diante

da morte, realizada em 1991/93, chegamos a esse mesmo resultado.

Uma pesquisa psicologica sobre a atitude de criancas, diantede Deus, publicada em 1997, revela 0seguinte fato: "Medo de Deuse 0 que mais estressa criancas". 11

Nao da para negar que, em geral, as pessoas tern medo da

morte, e, em muitos casos, este medo nao esta sendo diminuido

pela sua crenca religiosa em Deus, mas aumentado.!?

Nos deparamos assim com 0grave fato de que a fe, em muitos

casos, nao tira a angustia das pessoas diante da morte nem diante

do que vern depois. A problematica desta constatacao deve preo-

cupar-nos ainda nos capitulos a seguir.

A partir dos resultados das pesquisas respectivas, verificamos

que, ainda hoje, estamos colhendo os frutos de uma catequese que,durante seculos, trabalhou demais com uma pedagogia centrad a

na ameaca religiosa, ao inves de acentuar 0 amor.

A conseqiiencia deste fato e um medo, muitas vezes reprimidoe inconsciente, diante de tudo aquilo que vern depois da morte.

Esse medo encontra as suas razoes basicamente nos seguintes

conteudos religiosos:

- Uma falsa imagem de Deus (Deus vingador).

- Ameacas metafisicas indiretas.

- Ameacas apocalipticas de urn Deus punidor.

- Arneacas de ser seduzido pelo diabo.- Ameacas de acabar no inferno. 13

10Cf. Pollia de Sao Paulo, ibid.

IIFolha de Sao Paulo, 27 de abril de 1997, cad. 3, p. 1; tambem: 0 Estado de SaoPaulo, 28 defevereiro de 1997, cad. A,p . 19.

12Cf. Renold J. Blank, op. cit., pp. 15-32; 49-82; 145-161.I;Cf. Idem, op. cit .

14

Caso a morte se coloca indiscutivelmente

nao seja urn fim: ~~~ uma questao, assustadora:I

CO QUE SERA DEPOIS?)

J t ~

~ ~

o MEDO PERMANECE

1·~ - ; ; ~ ] : i ~ d : b W l u t o

fim radical.

.-----~

Ate nas mensagens cr istas se impoe

a ameaca do fim absoluto.

Dilema:

¥~ sucumbir de novo a fuga

15

encarar heroicamente ~ .. _~

a siruacao:e a repressao.

o DILEMA EXISTENCIAL DO HOMEM

~/ ~

lndividualidade em Finitude/ ~, .

_ autoconscicncia - tran51t01'10

_ pcnsamento - "comida_ hist6ria iniiVidUaJ para os\ vermes

o HOMEM ESTA CONSCIENTE DISSO

~~ -:

~

Kierkcgaard.

Otto Rank

Cf. S. Freud:

"Ninguem

esta livre de

medo perante

a morte".

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2A AT ITUDE P SICOSSOCIAL

D IANTE D A M OR TE

2.1.0 seculo XX,

marcado pela privatizacao progressiva do morrer

Uma pessoa que morre quebra a rotina daqueles que a rodeiam.

Pelo menos isso acontecia ate 0 corneco deste seculo, quando 0

morrer se dava junto it familia. Como se dizia antigamente, depois

de ter posto em ordem seus assuntos terrenos, 0 moribundo se

deitava para morrer, rodeado de amigos, familiares e empregados

da casa. 0 falecimento era ato publico que, com toda a sua digni-

dade e solenidade, expressava a seriedade do que acontecia ali.

Philippe Aries, em seu livro 0 homem diante da morte, relata

que "os medicos higienistas do fim do seculo XVIII cornecaram a

se queixar da multidao que invadia 0quarto dos moribundos. Sem

grande exito, ja que no inicio do seculo XX, quando se levava 0

viatico a urn doente, qualquer pessoa, ate os desconhecidos da fa-

milia, podiam entrar na casa e no quarto do moribundo".!"

Em seu livro Os cadernos de Malte Laurids Brigge, 0 poeta

Rainer Maria Rilke descreve, atraves de imagens bastante expressi-

vas, a consternacao causada pela morte de uma pessoa naqueles

qll(, ,I rodeiam:

II I'hilippc Aries, 0 homem diante da morte, p. 21.

I

I

I

i1

JL

"A morte do camareiro Christoph Detlev Brigge, em Ulsgaard. Elejazia no meio do piso, transbordando imenso do uniforme azul-ma-rinho, e nao se movia. Em seu grande e estranho rosto, ja desconhe-cido por todos, os olhos estavam cerrados: nao viammais 0que aeon-tecia. ( ... ) Mas havia algo mais. Era uma voz, a voz que ha setesemanas ninguem conhecia, pois nao era a voz do camareiro. Essavoz nao pertencia a Christoph Detlev, mas a morte de ChristophDetlev. Ha muitos, muitosdias, a morte de Christoph Detlev habita-va Ulsgaard e falava com todos, e exigia coisas. (... ) Exigia e gritava.Depois, quando a noite baixava, e aqueles entre os criados exaustosque nao precisavam vigiar tentavam dormir, a morte de ChristophDetlev berrava, e gemia, e urrava tanto, sem parar, que os caes, ui-vando juntos no inicio, agora emudeciam, nao ousando deitar-se, etinham medo, sobre as longas pernas esguias e tremulas. Quando aspessoas da aldeia ouviam aqueles urros perpassando a ampla e pra-teada noite de verao dinamarquesa, erguiam-se como nas noites detempestade, vestiam-se, ficavam sentadas ao redor do lampiao, si-lenciosas, ate tudo acabar. As mulheres prestes a dar a luz erampostas nos aposentos mais afastados, nas alcovas mais espessas; ain-da assim ouviam tudo como seestivesse acontecendo dentro de seusproprios ventres. E suplicavam que as deixassem levantar; e vinham,

brancas e volumosas, sentar-se junto aos demais com seus rostosdiluidos. (... )Amorte de Christoph Detlev,morando agora emUlsgaard,nao sedeixa-va pressionar. Chegara para ficar dez semanas, e foi 0 que fez. ( ... )Aquela nao era a morte de hidropico qualquer, era a morte perversae principesca que 0 camareiro carregara em si a vida toda, e alimen-tara consigo mesmo. Todo 0excesso de soberba, poder e autoridadeque nao conseguira gastar nos dias calmos, entrara na sua morte, eera essa morte que agora se alojava em Ulsgaard, e se esbaniava"."

o que e descrito aqui, de forma poetica unica, e a inevitabi-

lidade do morrer , que nao leva em conta nenhuma convencao huma-

na. Com enfase rara, 0 texto de Rilke faz observar a relacao indis-soluvel existente entre 0morrer e a vida anteriormente vivida. " ... a

morte perversa e principesca que 0 camareiro carregara em si a

vida toda, e al imentara consigo mesmo."

Esta morte e vivida e vivenciada como acontecimento de cara-

ter totalmente publico e, justamente por nao ser ocultada, toma-se

ainda mais comovente.

15 Rainer Maria Rilke, Os cadernos de Malte Laurids Brigge, pp. 10-12.

17

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o autor citado anteriormente, Philippe Aries, chama nossa

atencao repet idas vezes para 0 fato de n30 sc ocultar a morte, que

caracterizava a vivencia do morrer ate 0 inicio do scculo XX. No

segundo volume de sua obra 0homem diante da motte. encontra-

mos 0 seguinte comentario sobre 0 assunto:

"Ainda no inicio do seculo XX, digamos ate a guerra de 1914, emtodo 0 Ocidente de cultura cat6lica ou protestantc, a morte de urn

homem modificava solenemente 0 espaco e 0 tempo de urn gruposocial, podendo estender-se a uma comunidade inteira, como, p~rexemplo, a aldeia. Fechavarn-se as ven~zianas do quarto do a~om-zante, acendiam-se as velas, punha-se agua benta: a casa enchia-sede vizinhos, de parentes, de amigos murmurantes e series. 0 sinodobrava a finados na igreja de onde saia a pequena procissao que

levava 0 Corpus Christi . .. " 16

A cerimonia religiosa tinha seu lugar incontestavel em todo 0

decurso dos acontecimentos, e todos sabiam que ali alguem se pre-

parava para encontrar-se com seu Criador e Senhor.

2.2. A privatizacao do morrer significa alienacao do morrer

Com a instituicao da assistencia medico-hospitalar, com a trans-

formacao das condicoes habitacionais, do ambiente social e das

convencoes da sociedade, sobretudo no contexto das cidades gran-

des e das aglomeracoes industriais, tudo mudou. A morte perdeu 0

seu carater de cerimonia publica e tornou-se ato de carater cada

vez mais privado. E a medida que 0 internamento de doentes incu-

raveis acompanhou 0 .aperfeicoamento da assistencia medica, as-

sim 0 hospital tam bern se tornou 0 lugar normal para se morrer.Isso nao significa so a privatizacao do morrer, mas, na maioria dos

casos, a alienacao do morrer. Alienacao esta que pode alcancar ate

a exclusao dos pr6prios familiares.

Desta maneira, 0morrer fica desprovido de seu sentido e as-

sim ndo estamos mais conscientes do fato de a morte ser parte

integrante da vida. 0 falecimento de urn ser humano se trans for-

160p. cit.. vol. II, p. 612.

18

rna, deste modo, em caso clinico, e a morte em falencia da arte da

medicina. 0morrer perdeu sua dimensao humana, ou esta dim en-

sao foi reprimida. E, justamente com esta repressao, ext inguiu-se

tambem do consciente de muitas pessoas a dimensao religiosa do

falecimento.

o MORRER PERDEU SUA DIMENSAoHUMANA E RELIGIOSA.

Mais e mais vozes tem-se manifestado, nos ultimos anos, con-

tra a coisificacao do ser humano nas UTIs de clinicas especializadas

em atendimento de casos fatais.

As pesquisas de Elisabeth Kiibler-Ross e de muitos outros con-

tribuiram para que hoje 3C pcnse e estude seriamente urna reu ..

rlktiLlza'.f~to do 1ll0trer.

2.3. Onde, nesta situacao, ha lugar para a religiao?

Devemos perguntar-nos, porem, onde ha lugar para a religiao

em tudo isso. Onde estao as respostas que uma teologia moderna,

libertadora e orientada pela boa nova do evangelho pode dar a ques-tao dos moribundos? Que resposta dar as perguntas sobre 0 senti-

do da morte? Para numero cada vez maior, ela parece absurda,

indigna da pessoa humana, ou, simplesmente, fatoamedrontador e

horrivel, acontecimento que deve ser reprimido na consciencia, na

medida do possivel.

"Amaneira pela qual a nossa sociedade nega a morte", diz ElisabethKubler-Ross, "nao traz nem esperanca nem empresta nenhum senti-do a este fato, somente aumenta nosso medo e nossa vontade dedestruir."!?

lI

j

o problema basico da negacao ou da repressao da morte, aqui

formulado, em sua essencia tambem vale para a realidade latino-

americana. Temos a impressao de que ° interesse, despertado ulti-

17 Elisabeth Kubler-Ross, Interviews mit Sterbenden, p. 21.

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mamente pela questao da morte, ainda e muito limitado. A fuga

domina abertamente. Nao gostamos de falar da morte.

Em conseqiiencia desta atitude fundamental, freqiientemente

falta em nossos hospitais a preparacao do moribundo para a mor-

teo E assim que muitas vezes se esconde, pelo mais longo tempo

possivel, 0estado do moribundo, nao s6 dele mesmo, mas tambemde seus familiares.

Neste contexto, parece-nos apropriado chamar a atencao para

uma pesquisa realizada em Sao Paulo. A psicologa Solange Ro-

drigues tenta esclarecer 0 significado dos valores que a morte tern

no processo de morrer. Em artigo do jornal Folha de Sao Paulo, de

lOde julho de 1983, ela sintetiza os seus resultados da seguinte

maneira:

"Cria-se uma especie de redoma junto dos pacientes. onde as pala-vras doenca, cancer e morte sao cuidadosamente evitadas. A familiarecusa-se a tocar no assunto, temendo que 0 estado clinico da pes-

soa venha a piorar e com receio de magoa-la. Os medicos preferemnao dizer exatamente aos doentes 0 que eles tern. transmitindo a

noticia aos parentes proximos",

Esse texto reflete uma vez mais a conviccao, nao externada,

de que 0morrer e a morte sao interpretados como falencia da arte

da medicina. Parece que, para muitos, a morte alcanca 0significa-

do de humilhacao para todos aqueles que se esforcam por salvar

vidas. A este fato acrescenta-se, de urn lado, a angustia latente que

largas camadas de nossa populacao sentem em relacao a morte e,de outro lado, observamos, ao mesmo tempo, uma apatia pronun-

dada sobretudo nas areas dos grandes centros urbanos.

2.4. Morrer e as situacoes da morte como vivencia cotidiana

dos povos do Terceiro Mundo

A banalizacao e anonimidade do morrer adquirem maior gra-

vidade ainda quando, alern de constatadas na vivencia de indivi-

duos isolados, tornam-se a experiencia cotidiana de grande parte

de uma populacao. Isso e 0que acontece de maneira generalizada

entre os povos do Terceiro Mundo.

20

Morte solitaria

OS ASPECTOS

SIMBOLICOS

(RELIGIOSOS)

DAMORTE

DESAPARECERAM.

tPOI'exemplo:

Participacao

de funerais dentro

de ur n ana:

30% na cidade,

90% na aldcia.

Repressao da ideiaMorte coisificada -~ da morte

.. ate nos htspitais.

A MORTE APARECE

SOB 0 ASPECTO

DAFALENCIA

DAARTE

MEDICINAL.

o CARATER

SACRAMENTAL

DAMORTE

SE PERDE.

tRepressao da ideia da

morte ate nos hospitais;

cf. Pesquisa de Kastenbaum:

Ur n pacicnte diz:

"Acho que vou

morrer logo".

to morrer e anonimo,o morto desaparece

logo.

~ 5 CATEGORIAS DE

REA<;OES HABITUAIS

a) RECONFORTO:

"Voce vai indo tao bern".

b) NEGA<;Ao: "Voce na?

vai morrer".

c) MUDARDEASSUNTO:

"Vamos pensa r em algo

mais alegre".

d) FATALISMO: "Todos

nos vamos morrer".

somente 18%: e) mscussxo . "POl' que

est a dizendo isso hoje??'?

1--A MORTE DESAPARECEU NA VIDA DO DIA-A-DIA.

Diminuicao da mortalidade

infanti l. Aumento da duracao

media da vida.

1

o morto desaparece logo de nossa visao .

o aumento dos suicidios nao esta regist rado

em publico (Alem. Fed., 1981: 14.000).

:: Cf. Robert Kastenbaum e Ruth Aisenberg, Psicologia da morte, pp. 149-214.Idem, op. cit ., p. 185.

21

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;\ morte deles ja comeca como a "morte social" muito antes

do proprio fato de a vida acabar. E, ao acontecer finalmente a mor-

te fisica, 0 individuo submerge na imensa massa daqueles que nao

tern voz nem nome.

A morte do filho de lavrador analfabeto e a do marginal ou do

mendigo nos suburbios dos grandes centros urbanos nao e interpre-

tada como sendo falencia da medicina, porque ai nao entram ern

jogo os cuidados medicos. Mortes como essas so podem ser interpre-

tad as muitas vezes como sendo 0 resultado de estruturas marcadas

pelo desprezo da vida em si, ou especialmente da vida do pobre.

CONT.RADIGAOENTRE AS SITUAGOES DE MORTE SOCIA0E A MENSAGEM DO DEUS QUE QUER A VIDA. _J

-------------- ._- -

o desprezo da vida, porem, nos poe em oposicao aquele que

se definiu como nao sendo "Deus de mortos, mas sim de vivos"

(Me 12,27). Este Deus que quer a vida revelou-se nas acoes de

Jesus de Nazare. Ele lutou para que os hom ens "tenham a vida e a

tenham em abundancia" (Jo 10,10). Esta vida, porern, corneca aqui

e agora, na his t ori a concreta, desde que Jesus debelou as forcas de

desumanizacao do homem. Nas palavras dele, os cristaos vern-se

apoiando ha dois milenios, mas, apesar de tudo, a experiencia da

morte social nao acabou - muito pelo contrario:

"Nas nacocs pobres domundo _ 0Sui _ a expectativa media de vidae.. . inferior a 50 anos. Nos paises mais pobres do SuI, uma criancaentre quatro morrc antes dos 5 anos de idade e mais de 50% estaocondenadas ao analfabetismo vitalicio. No Sui vivcmhoje 800 milhoesde pcssoas em condicao de pobreza ou miseria absoluta com ccrca

de 500 milhoes sofrendo de subnutricao de proteinas em alto grau".20

No quadro mundial, sao cerca de 110.000 pessoas que mor-

rem de fome pOl' dia.

"Segundo a FAO, 50milhoes de pessoas morrem de fome no mundoanualmente, dezessete milhoes das quais sao criancas menores de 5

anos."?'

20Roger Riddell, in Concilium, 160 - 1980/10. p. 42..,lclix Moracho, Na escola date, p. 77.

) )

Na sua enciclica Populorum progressio, 0 papa Paulo VI de-

nuncia esta situacao com palavras muito claras:

"Hoje ninguem pode ignorar que, em continentes inteiros, sao inu-meraveis os homens e as mulheres torturados pela fome, inumera-veis as criancas subalimentadas, a ponto de morrer grande partedelas em tenra idade e 0 crescimento fisico e 0 desenvolvimento

mental de muitas outras correrem perigo".22

Devido ao agravamento da crise economica, este quadro de

mortandade se agrava cad a vez mais. E esta danca macabra que se

apresenta com as mesmas caracteristicas na esmagadora maioria

dos paises do hernisferio suI.

A isto se acrescenta a ameaca da morte causada pelas guerras

ou perseguicoes ideologicas."

Por tras dos numeros de milhares e dezenas de milhares de

mortos, eseondem-se as tragedias mortais de povos inteiros. Es-

eonde-se tam bern a dura realidade, e a experiencia de muitos des-

ses nossos povos marcados por perseguicoes de cristaos, so com-

paraveis as que foram desencadeadas no Imperio Romano pagao.

Juan Hernandez Pico resume esse fato corn as seguintes palavras

muito claras: "Na AL hoje sao assassinados cristaos inocentes, crian-

«as ainda dependentes do seio materna e adultos pertencentes ao

laicato, a vida religiosa e a hierarquia.?" Os martires reaparecem.

E , pois, absolutamente verdadeiro 0que Florisvaldo Saurin Orlan-

do escreve: "A experiencia da morte e uma das mais generalizadas e

multiplas em nosso continente: morte fisica e moral, individual e cole-

tiva, como acontecimento inevitavel e fruto da limitacao humana ... "25

Encarando todos esses fatos,

e tarefa urgente de uma teologia libertadora despertar a conscien-cia para 0 significado humano e sacramental daquele acontecimen-to que chamamos "0 fim da vida".

22 Paulo VI, 0 desenvolvimento dos povos, n. 45.230rientierung 14/15 (46), aug, 1982, p. 154.

24 Concilium, 183 - 1983/3, p. 57.

25 F. S. Orlando, "As oportunidades da cspiritualidade da cruz na America latina", emW. AA., A cruz, teologia e espiritualidade, p. 83.

23

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Atraves de uma teologia da morte, devemos redescobrir a for-

ca que se esconde atras da mensagem crista sobre a morte; mas

devemos conscientizar-nos tam bern de que essa forca, na conscien-

cia de nosso povo, foi enterrada por muito tempo, devido a uma

visao exageradamente ameacadora.

DEVEMOS REDESCOBRIR 0 DEUS DA VIDA. 3

A COMPREENS Ao

C LIN ICO -T ANATOLOGICA DO MORRERDevemos redescobrir 0Deus da vida, para que assim a morte

se transforme em vida; em vida real que se realiza na hist6ria con-

creta, transformando esta hist6ria naquele reino da vida que Jesus

Cristo denominou 0Reino de Deus.

Mediante pesquisas atuais sobre a morte, ficou claro mais uma

vez que 0fenomeno do morrer esta estreitamente relacionado com

todos os planos da existencia humana. As questoes medicas e psi-

col6gicas devem ser acrescentados os aspectos de carater juridico esociol6gico, alem das contribuicoes da fiIosofia e da teologia.

Mencionaremos a seguir,de forma sucinta, alguns dos aspectos

mais importantes deste extenso problema. Para estudo mais apro-

fundado sobre 0 tema, recomendamos a literatura especifica.i"

3.1. 0 termo "morrer",encarado do ponto de vista medico

o fim do morrer, considerado aqui como Ienomeno existencial,e alcancado na morte.

As opinioes sobre 0momenta preciso, em que a morte se con-

suma, tern divergido muito nos ultimos anos, principalmente por

causa da influencia do aprimoramento cada vez maior da tecnica

no campo da medicina.Foi constatado que era pouco preciso 0 que ate ha pouco tem-

po era visto como a situacao final, isto e, a parada cardiaca e respi-ratoria. Hoje em dia, diferencia-se a morte de cada orgao em sepa-

rado - a chamada morte organica,

26Cf., por exemplo, Klaus Thomas, Warum Angst vor dem Sterben, pp. 11-26.

24

25

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A morte de uma pessoa estara consumada quando nao forem

mais registradas ondas eletricas cerebrais. Klaus Thomas diz, po-

rem, que a "morte do homem", no sentido de morte integral do

organismo humano, "nao deve ser equiparada ao conceito medico

de morte cerebral"." Isto porque as experiencias clinicas dos anos

passados demons tram claramente que quase cada orgao humano

tern a sua propria morte por si mesmo. Apesar de ser 0 cerebro

uma parte essencial do ser humano, nem a sua morte pode ser in-terpretada como a morte de tudo 0 que chamamos de "corpo".

Hans Kung aponta 0 fato de que, apesar de uma pessoa ja ter

sido considerada morta por diagnostico feito com base em

eletroencefalograma, "ela pode ser reanimada, por exemplo, em

casos de resfriamento passivo ou de envenenamento por doses ex-cessivas de sedativos't.i"

A partir destes dados, concluimos ser necessaria distinguir cla-

ramente entre 0momenta da morte clinica e 0 da morte vital pro-

priamente dita. Esta ultima e caracterizada "pela perda irreversivel

das fungoes vitais",29ou, ainda, como "0 estado do corpo, do quale impossivel voltar a vida".30

Entre 0momenta da morte clinica e0da morte vital ha, via de

regra, urn espaco de tempo de aproximadamente cinco minutos, e

em casos extremos este periodo pode ser de ate trinta minutos.!'

Do ponto de vista da medicina, 0morrer acontece da seguinteforma:

~c- MO"Bl '_"("(Nl"9~~_ - 1 - - - - 1 1morte rnorte morte

do coracao do cerebra vital

~~,-\\S\,,\S\'\\\\""\\\',-~t J LCLlNICA VITAL

27 Klaus Thomas, op. cit ., p. 27.28 Hans Kung, Ewiges Leben", p. 34.

29R. A. Moody, Vida depois da vida, p. 142."Tbid,

31 Hans Kung, op. cit ., p. 35.

26

3.2. Quadro psicossocial do morrer

["

Partindo-se de uma perspectiva orientada antes pelo ponto de

vista psicossocial, deveriamos diferenciar esse esquema ainda mais,

fazendo a distribuicao entre viver conscientemente 0morrer e 0 que

vern depois, isto e, 0que a seguir chamaremos de morrer clinico.

Na qualidade de fenomeno existencial e psicossomatico, 0

morrer inicia-semuito antes da morte clinica. Para Martin Heidegger,a totalidade da existencia humana e urn ser-para-a-morte. E ele

entende, com isso, "urn ser que nao caminha simplesmente para 0

acontecimento futuro, isto e, para a morte; ao contrario, 0 homem

e urn ser que, mal nasceu, ja comeca a morrer. 0morrer esta inti-

mamente ligado a existencia humana ... Morrer e uma forma de serque 0 homem assume com sua existencia".'? Assim, entao, 0mor-

rer inicia-se de fato com 0 nascimento da pessoa.

Curiosamente, este ponto de vista que era ainda aceito incon-

dicionalmente no periodo barroco, traz series problemas a maioria

dos contemporaneos do grande filosofo existencial.A interligacao entre os problemas citados acima e a problema-

tica da repressao do pensamento da morte ja foi comentada ante-

riormente.

Do ponto de vista vigente hoje em dia, 0morrer e tido por

aquele periodo de vida, mais ou menos Iongo, com 0 qual 0 ser

humano tern de se conformar, uma vez por todas e muitas vezes a

contragosto, de que sua vida findara em breve.

Desse modo, podemos ampliar da seguinte maneira 0 esque-

ma apresentado anteriormente:

VIDA _ £ 0 ~ ~ ~ L 1 _ ~ ~ ~ ~ ~ EI Imorte

do cerebra

32 Joseph Moeller, Zum Thema Menschsein. p. 36.

27

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).3. Experiencias e relatos de pessoas clinicamente mortas,

mas reanimadas pela medicina

Nos ultimos anos, grande numero de pesquisas, serias ern sua

maioria, tem-se ocupado de vivencias relatadas por pacientes mor-

tos do ponto de vista clinico que, mediante esforcos medicos, fo-

ram trazidos de volta a vida.Os depoimentos mais conhecidos sobre 0assunto, ao lado dos

estudos de Elisabeth Kiibler-Ross, sao os relatos de 150 pessoas

que estiveram por algum tempo clinicamente mortas, e que R. A.

Moody reuniu no seu livro Vida depois da vida. No prefacio, E.

Kiibler-Ross explica 0 seguinte: "A pesquisa, como a que 0 Dr.

Moody nos apresenta no seu livro, e que nos esclarecera muitas

questoes e confirmara 0que tern sido ensinado ha 2.000 anos: queha vida depois da morte". 33

Esta proposicao admite, de antemao, que, a partir dos estudos

mencionados, e possivel deduzir-se indicios claros do que acontece

corn0

ser humano depois da morte e que realmente acontece algo.Partindo do ponto de vista imparcial e cientifico, devemos manter

ernmente 0fato de que todos esses relatos depessoas clinicamente

mortas, que sao conhecidos ate hoje, tratam do que sepassa aquem

daquela fronteira que foi denominada aqui de morte vital . Eles

todos provem daquela zona limitrofe da vida humana existente entre

a morte clinica e a morte vital. Alfred Lapple a denomina "terra de

ninguem entre este e 0 outro mundo'l." Por conseguinte, todas

estas experiencias tarnbern nao podem esclarecer 0que ocorre com

o ser humano depois da morte vital.

Mas, por outro lado, deve-se aceitar que, com base na seme-

lhanca da maioria dos relatos conhecidos ate 0presente momento,esses relatos podem, pelo menos, nos dar indicacoes sobre deter-

minadas experiencias vividas durante a morte clinica, indicios es-

tes que, dentro do contexto de nossa indagacao, talvez possam ser

reunidos sob a palavra-chave "vivencia na morte", mas nao apos a

morte.

33 R. A. Moody,op. cit . . p . 9.

34 Alfred Lapple, Der Glaube an das Jenseits, p. 89.

28

Se examinarmos os principais elementos dos relatos sobre

o morrer, reunidos por diversos pcsquisadores." notaremos sobre-

tudo quatro experiencias basicas que se repetem freqiientemente:

- "0 homem eneontra-se fora de seu eorpo".- "Aparece diante dele urn ealoroso espiri to de uma especie que

nunea eneontrou antes - urn espirito de luz".- "Este ser pede-lhe, sem usar palavras, que reexamine sua vida, eo ajuda, mostrando uma recapitulacao panoramica e instantaneados prineipais aeonteeimentos de sua vida" .36

- "Uma arnpliacao do horizonte do eu humano, geralmente, l iga-

do a urn estado de felicidade"."

Sem nos aprofundarmos muito na questao quase insoluvel

sobre ate que ponto e que se trata aqui de vivencias e que ja se

encontram alem da nossa experiencia humana de vida, podemos

constatar que as revelacoes dos relatos sobre 0morrer nao contra-

dizem absolutamente 0 que pode ser afirmado sobre a morte com

base na revelacao crista. Pelo contrario, e extremamente interes-

sante observar que os relatos sobre 0panorama da vida ressaltam

que nao se trata de ser julgado ou nao.o panorama da vida esta antes ligado a visao deurn ser de luz.

R. A. Moody afirma a esse respeito: "0que e, talvez, 0mais incri-

vel elemento comum dos relatos que estudei, certamente 0elemen-

to que exerce 0mais profundo efeito sobre 0 individuo, e 0 encon-

tro cornuma luz muito brilhante ... Apesar damanifestacao inusitada

da luz, ninguem expressou qualquer duvida de que setratasse de urn

ser, urn ser de luz... urn ser pessoal.. . 0 ser quase imediatamente

dirige certo pensamento a pessoa ... como se fosse uma pergunta.Entre as traducoes que ouvi, estao as seguintes: 'Voce esta

pronto para morrer?'. '0que e que voce fez de sua vida que possa

mostrar?', e '0que voce fez com sua vida ja e suficiente?' ... Inicial-

35 Alem dos relatos de Moody. sao tambem de grande interesse as fontes e relatos sobre

estudos que Hans Kung e Klaus Thomas citam. Sobre os resul tados mais recentes das pes-

quisas tanatol6gicas respectivas. vide tarnbem: Renold J. Blank, A morte em questiio.

36 Cf. R. A. Moody. op. cit., pp. 27-28.37YejaHans Kung, Ewiges Leben?, p. 26. e tambem Klaus Thomas, Warum Angst vor

dem Sterben, pp. 47-73.

29

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RELATOS DE PESSOAS CLINICAMENTE MORTAS

QUE FORAM REANIMADAS

a) Raymond A. Moody: Vida depois da vida:

150 pessoas: I Eram clinicamente mortas, Iforam reanimadas pela medicina.

A declaracao de Elisabeth Kiibler-Ross, no pre facio do livro, deveser criticada. Ela diz: "A pesquisa, como a que 0 Dr. Moody nos

apresenta no seu livro, e que nos esclarecera muitas quest6es e

confirmara 0 que tern sido ensinado ha 2.000 anos: que ha vidadepois da morte".

A partir do ponto de vista imparcial e cientffico, devemos reiterar que

nenhuma destas pessoas passou realmente a barrei ra da morte vi tal.

AS EXPERIENCIAS VEM DA ZONA LIMITROFE

ENTRE A MORTE CLINICA E A MORTE VITAL.

•pesar desta Iimitacao, sao experiencias muito interessantes. Podem

nos informar sobre 0 que se passa NA MORTE (nao apos a morte).

b) Principais elementos dos relatos:

1.IMPRESSIONANTE SEMELHAN9A DOS RELATOS.

2. QUATRO EXPERIENCIAS BASIC'AS QUE SE REPETEM NA

MAlORIA DOS RELATOS:

a) 0 homem se encontra fora de seu corpo.

b) Aparece diante dele urn caloroso espirito de especie que nunca

encontrou antes - urn espirito de luz.

c) Este ser pede-lhe, sem usar palavras, que reexamine sua vida, e

o ajuda, mostrando uma recapitulacao panorarnica e instanta-

nea dos principais acontecimentos de sua vida.d) Uma ampliacao do horizonte do eu humano, geralmente ligadoa urn estado de felic idade.

(cf. os exemplos no livro de Moody)

Apos a critica formulada anteriormente, podemos, apesar dela,concluir 0 seguinte:

- OS RELATOS NAO CONTRADIZEM AQUILO QUE SE

AFIRMA COM BASE NA REVELA<;:AO CRISTA.

- NUNCA SE FALA DE JULGAMENTO.

30

mente, devo insistir que a questao, profunda e final como parece

~;l'l'no seu imp acto emocional, nao e feita como uma condenacao.

Todos parecem concordar que 0ser de luz nao faz a pergunta para

acusar ou para ameacar, pois sentem todos 0total amor e aceitacao

vindos da luz, qualquer que seja a resposta=."

Diante de tais pesquisas sobre a experiencia de moribundos

rcanimados, podemos nos perguntar se estas experiencias confir-marn de certa maneira, no plano cientifico, aquilo que a teologia

scm pre dizia. E grande a tentacao de bus car nestes resultados de

pcsquisas apoio ao discurso teologico. Devemos, porem, ter cons-

ciencia de que, do ponto de vista cientifico, uma equacdo "ser de

luz = Cristo" ndo pode ser aceita. 0 que se pode dizer e apenasisto: os resultados das pesquisas mencionadas nao contradizem

aquilo que a teologia e a fe crista sempre formulavam. E se as expe-

riencias recentes da ciencia revelaram que 0moribundo vivencia

depois da morte clinica urn "panorama de vida", entao tambem

este resultado nao e contraditorio a uma visao teologica, Na morte,diz a teologia, sera impossivel para 0 ser humano ignorar a sua

propria vida.

;~R. A. Moody,op. cit ., pp. 62-65.

31

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4

CONSIDERA<;OES PSICOLOGICAS:

AS PESSOAS NO CONFRONTO

DIRETO COM A MORTE

4.1. Comportamento do moribundo em face do morrer

Em tempos normais, agimos "sem realmente jamais acreditaremnossa propria morte; como se acreditassemos piamente em nossa

(...) imortalidade fisica. Tencionamos dominar a morte".39

Na epoca em que estamos para morrer, isto nao e mais possivel,

E assim 0 ser humano se encontra perante 0 conflito fundamental

entre aceitar este fato e a sua vontade imanente de autoconservacao.Para Kierkegaard esta e a problematica existencial por exce-

lencia: "Saber que 0 homem e comida para os vermes. Este e 0

terror: ter emergido do nada, ter urn nome, consciencia do proprio

eu, sentimentos intimos profundos, urn cruciante anelo interior pela

vida e pela auto-expressao e, apesar de tudo isso, morrer. Parec.e

uma burla, pela qual urn tipo de hom em cultural s~r.ebelaost~ns.l-vamente contra a ideia de Deus. Que especie de divindade cnana

id ?"40tao complexa e extravagante comi a para vermes ." .o protesto de Bernard Duburque, de que la mort est m-

justifiable"," visto a partir da perspectiva de Kierkegaard, apre-

senta-se com toda a sua grandeza.

)<) G. Zilboorg, Fear of Death, cit . em Err ts t Becker, A negaciio da morte, p . 35.

40 Ernst Becker, op. cit., p. 111. , . '" '41 B. Duburque, "La dispariti on de la camarde et Iverur de Iomme, em Etudes, aout-

s et ., p . 188 .

32

Ocupar-se dela e a exigencia inevitavel, que se apresenta ao

moribundo. E dai surgira forcosamente tambem a pergunta sobre

seu relacionamento com Deus. Contudo, este e problema relacio-

nado, por urn lado, com a vida anteriormente vivida e, por outro

lado, com 0 fato de se aceitar ou nao uma vida depois da morte.

No que se refere a influencia das conviccoes religiosas sobre 0

comportamento dos moribundos, Elisabeth Kiibler-Ross se mani-festa antes com reservas. Ela observou, no decorrer de suas pesqui-

sas, que 0morrer do homem normalmente se da em cinco fases, de

duracao bastante variada.F

1. Choque e incredibilidade. Nao querer aceitar 0fato como verda-deiro e isolamento.

2. Ira, rancor, raiva, inveja. (Por que logo eu?) Brigas com Deus ecom 0mundo.

3. Negociacdo (tentativa de prorrogar 0 inevitavel).4. Depressiio (sentimento de perda irreparavel).5. Aprovaciio (0 ser humano consente a morte).

~--~--.-----~-~----------~--- -- ..-----------~- --~-----

Segundo estudos da pesquisadora Kiibler-Ross, em tais situa-

coes 0 comportamento de doentes devotos "quase nao difere do

dos pacientes sem fe".43

Ela admite ter "deparado somente com poucos fieis realmente

crentes", durante suas investigacoes, e continua: "Afe, porem, aju-

dou estes poucos. Eles se comportavam de forma semelhante aos

ateistas convictos. A grande maioria dos pacientes encontravam-

se, por sua vez, em algum ponto entre estes dois grupos e manifes-

tavam uma fe que, por causa de suas angustias e seus conflitos, nao

era suficiente para Iiberta-los, de fato, interiormente"."

A correlacao aqui esbocada apenas por alto, entre a fe pessoal

e a angustia em face da morte, pode ser vista mais claramente no

estudo feito por J . Wittowsky. Em suas pesquisas, ele entrevistou,segundo a escala americana "Death Anxiety Scale", pessoas de ida-

42 E. Kiibler-Ross, Interviews mit Sterbenden, pp. 41-119.4, Op. cit., p. 2 20.

44 Ibid.

33

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de entre 67 e 91 anos, que vivem em asilos de velhos. Oeste estudo

rcsultou uma relacao significativa entre 0grau de angustia perante

a morte e as atitudes religiosas fundamentais dos entrevistados.

"Ouanto mais firme a conviccao religiosa, tanto menor era a an-

gustia em face damorte.?"

Chegou-se a esses resultados ap6s ter-se aplicado, em urn hos-

pital norte-americano, urn programa de pesquisas, no qual foram

observados durante oito meses oitenta e quatro moribundos, seguin-

do-se acurados metod os psicol6gicos. No resumo dos resultados la

obtidos, Raymond C. Carey escreve 0 seguinte: "0 aspecto mais

importante da variavel religiosa era a qualidade da orientacao reli-

giosa - mais do que mera filiacao ou aceitacao verbal de crencas

religiosas. Pessoas intrinsecamente religiosas (aquelas que tentavam

integrar suas crencas em seu estilo de vida) tinham maior ajusta-

mento emocional que os nao-cristaos"." (Verquadro das pp. 35-36).

4.2. Comportamento do ministro religioso em face do morrer

o morrer do homem tern ou nao tern urn sentido?

A morte humana nada mais e que 0 inexplicavel escandalo de

uma vida que termina?

Ou sera que esta morte deve ser encarada como novo comeco?

/'Os homens morrem e nao sao felizes", grita Caligula, na obra

de Camus,"? e 0 grito dele se junta ao brado de Jesus crucificado

que tambern morreu gritando.

No seu clamor, diz [iirgen Moltmann, nao era apenas "a divin-

dade de seu Deus e Pai que estava em jogo"," mas tambem 0 sen-

tido de tudo aquilo que e vida humana.No morrer de Jesus, assim como no de qualquer outro ser hu-

mano, surge 0paradoxo insoluvel de que ali sefinda algo que nunca

mais e demodo nenhum podemos reencontrar nesta nossa vida aqui.

45 Vide J . Wittowsky, Todund Sterben, Ergebnisse der Thanatopsychologie. Heidelberg,1978.

46Carey, R. C., cit. em Elisabeth Kiibler-Ross, Morte, estagio final da evolucdo, p. 115.47Albert Camus, Caligula, p. 27.48 [iirgcn Moltmann. Der gekreuzigte Gott, p. 144.

34

() comportamento generico do moribundo diante da sua morte

cf. ELISABETH KUBLER-ROSS

(famosa pesquisadora em tanatologia)

5 FASES

1.[ CHOQUE, INCREDIBILIDADE [ - Ele nao quer aceitar 0

fato como verdadeiro.

- Isola-se.

Apesar disso, pode ser que ele gostasse de falar com alguem sobre

sua morte iminente:

Regras: 1 . A conversa deve realizar-se quando 0moribundo a quer.

(Nao quando 0 interlocutor a quer.)

2. Ela deve ser interrompida quando 0moribundo nao mais

a pode agiientar, (Nesta fase, a flutuacao entre aceita-

cao e rejeicao e norrnal.)3 , Nao fugir , quando 0 doente quer falar; mas nao forcar,

quando ele nao quer .

2 . U ~ A ,RANCOR, RAIVA, INVEJA[ - Por que logo eu?

- Brigas com Deus e c om

o mundo.

Uma fase di ficil tambem para enfermeiras, medicos, amigos.

o moribundo se compara com os outros:

- Por que cu, e nao eles?

Regras: 1, A ira do doente nao e contra mim pessoalmente.

2, Ser tolerante.3. Estar consciente de que as provocacoes do doente sao

manifestacoes de seu desespero.

3 . [ NEGOCIAC;Ao I - Tentativa de prorrogar 0 inevitavel (atra-

yes de "promessas").

Detras deste comportamento se esconde muitas vezes 0 sentimen-

to de culpa (importante para 0 sacerdote).

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4 . l DEPRES~ - Sentimento de perda irreparavel,- Perda em direcao aopassado: saude, amigos,profissao, financas ... (Significa grande aju-

da quando acalmamos 0 paciente, mostran-do que osproblemas causados por sua doen-

ca estao resolvidos.)- Perda em direcao ao futuro: 0 paciente se

prepara para a perda de todas as coisas e detodos os homens que ele amou.

Regras: 1. 0 paciente tern 0 direito de ficar triste. (Seria [also que-rer impedi-Io de formular sua tristeza.)

2. Deixa-Io exprimir sua tristeza. Ficar com ele, escutarsem dizer que ele nao deveria ficar triste.

3. Esta fase e necessaria para 0 doente poder aceitar de-pois sua morte.

5.[~CEITA<;AO, APROVA<;Ao I - 0 homem consente a

morte.- 0 mori bundo nesta Iaseesta calmo, ele aceitou.

Regras: 1. 0 moribundo precisa de nossa presenca. (Sem falar,gestos sao importantes.)

2. Nesta fase, e muitas vezes a familia que precisa de maisajuda do que 0moribundo.

Regra geral: - Ficar aberto as necessidades do moribundo.- Nunca the destruir as esperancas.- Aceitar quando ele quer falar sobre a morte.

- - - - - - - - --- ~- - - ~- ~- _ - - ~- - -- - -- ---

- As fases podem ficar paralelas, nao devem se seguir necessaria-mente uma apos a outra.

- Na aproximacao da morte, 0moribundo reage como se tivesseurn sistema interno que the sinaliza esta aproximacao,

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Diante deste fato inegavel, chega ao fim tudo aquilo que as

pcsquisas da Psicologia e da Tanatologia ou da Medicina tern para

olcrecer.

o unico discurso que ainda pode agir, agora, e 0 da fe. E 0

rcpresentante desse discurso que esta sendo desafiado.

Como e que ele reage? Qual a sua atitude? Qual a sua resposta?o ja citado livro de R. Kastenbaum e R. Aisenberg, Psicologia

ria morte.t? apresenta vasto material a respeito do papel e do com-

portamento do ministro religioso diante do moribundo.

o quadro seguinte mostra as conclusoes mais importantes dosdois autores. (Vel'quadro das pp. 38-39)

4.3.0 discurso religioso corre 0 perigo de nao corresponder

aos anseios das pessoas

o morrer coisificado em hospital ja representa luxo inacessivelpara milhoes de pessoas neste continente. A experiencia dessas pes-

soas e marcada por outra forma de coisificacao que vivem dia apos

dia: a fome, a doenca, a miseria social e a marginalizacao em situa-

cao de pobreza desumana "e que se exprime, pOI'exemplo, emmor-

talidade infantil , em falta de moradia adequada, em problemas de

saude, salaries de fome, desemprego e subemprego, desnutricao, ins-

tabilidade no trabalho, migracoes macicas forcadas e semprotecao" .50

Alern dessas experiencias, escrevem os bispos em Puebla, exis-

tern ainda os outros sofrimentos causados pOI'guerras; existem "an-

gustias provocadas pela violencia da guerrilha, do terrorismo e dos

seqiiestros, efetuados por extremistas de sinais diversos". 51

Assim, a vivencia do morrer inicia-se muitas vezes como avivencia de "morte social", muito antes da constatacao da morte

clinica..Na experiencia cotidiana de milhoes de pessoas, a vida toma

significado negativo, transfonnando-se em verdadeiro "viver-para-

a-morte". Em uma realidade destas, uma teologia da morte ve-se

varias vezes ameacada.

49R. Kastenbaum e R. Aisenberg, op. cit., pp. 96-98; 189-198.00Conclusoes da Conjerencia de Puebla, n. 29.

, \ Ibid. , n. 43.

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o papel do ministro religioso, diante da morte

a) Ele mesmo esta atingido pel as transforrnacoes e questio-

namentos atuais diante da morte.

(Por exemplo: Eutanasia.)

b) Dele se pede de modo especial a demonstracao de total con-trole e tranqiiilidade diante da situacao da morte.

(Uma situacao que desperta sentimentos de angustiae de impotencia na maioria dos homens.)

PAPEL PlJBLICO I

Como representante Ele se encontrade Deus, deve "domi- numa situacaonar 0assunto", falan- contradit6ria.

do com autoridade. ~ /

DUVIDAS PRIVADAS

Como homem, ele estana mesma situacao deduvida e de ansiedade

como qualquer outro.

(Cf. estudosde Margarctta K. Bowers.)

o clerigo recorrea 5 tipos de mascaras:

1) SEPARATIVIDADE: Acentuacao de seus poderes especiais, re-_ cebidos pela ordenacao.

2) AC;AORITUALIZADA: Usar preces e rituais formalizados e tra-dicionais. 0 contato com 0moribundoesta assim generalizado. Nao is pessoal,

3) LINGUAGEM ESPECIAL: Pronunciar "formulas".

Por ex.: - "a graca da salvacao"- "0 poder de redimir".Estas f6rmulas muitas vezesnao dizem nada ao mori-bundo.

4) VESTUARIO ESPECIAL: Acentua a "diferenca" do clerigo nummomenta em que 0moribundo pre-cisa de alguem que compartilhe com

, ele sua condicao humana.5) NEGOCIO: Nao tern tempo. Muitas obrigacoes importantes so

permitem "0 rapido favor de uma breve visita".

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o reverendo Robert Buxbaum distingue 2 tipos de comportamen-tos que nao satisfazem as necessidades do paciente:

1) 0 clerigo fala de tudo, mas nao de religiao. Esta com pres-sa por causa dos muitos outros pacientes que deve visitartambem,

2) 0 clerigo entra no quarto com a Biblia ja aberta, com aoracao ja pre-fabricada. Ele esta "preparado".

Mas: Assim, ele deve concentrar-se para nao esquecer a sua prepa-

racao.- Nao pode concentrar-se no ser humano em frente dele.

RITUAL PARA SUPERAR A PROPRIA ANSIEDADE.

o que deveria fazer uma pessoa que acompanha 0moribundo(considera<;6espsico16gicas):

a) I ESTAR COM 0 PACIENTE. I

- S6 isso!- Hoje, sentimos constrangimento com uma pessoa que nao esta

fazendo nada.Mas aquilo de que 0moribundo precisa e exatamente isso:

UMA PESSOA QUE ESTEJACOM ELE.

A presenca do sacerdote pode reduzir tambern a in-seguranca do pessoal hospitalar, que "nada mais pode

fazcr".

b)

A presenca do sacerdote pode melhorar a vida inter-pessoal do moribundo.

c)

A presenca do sacerdote demonstra ao pessoal hospita-lar e aos visitantes: ESTEMORIBUNDO E AINDA UMAPESSOA QUE MERECE ATENC;Ao.

d)

Permite ao moribundo /"-. Toma 0moribundo maisaceitar sua situacao. / ~ "atraente" ao p essoal hospitalar.

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40 41

II ) Tcntacdo de formular mensagem de consolo

Por urn lado, essa teologia e exposta ao perigo de tornar-se

apenas simples consolo pelo anseio de vida melhor depois da mor-

te, contribuindo assim de maneira culposa para 0estabelecimento

e a fixacao das estruturas injustas.

De urn lado, esta teologia deve, de maneira muito sincera, to-

mar a serio 0fato indiscutivel de que com a morte desaparece urn

ser humano. Do outro lado, esta mesma teologia e chamada a des-pertar aquela esperanca que forma 0 nucleo da boa nova sobre

Jesus Cristo.

b) Perigo de se perder a dimensdo transcendente da mensagem

POI' outro lado, a teologia, confrontada com as angustias e os

anseios concretos dos homens, e exposta tam bern a outro perigo. Eo perigo de perder de vista sua relacao transcendente.

Isto poderia ir ate 0 ponto em que essa teologia ficaria voltada

apenas para a existencia terrena, tornando-se assim uma especie de

sociologia religiosa ou de sociopsicologia.

c) Perigo de se habituar it morte

E, por ultimo, temos urn terceiro perigo que, contudo, naodeve ser negligenciado: 0 elemento do habito. Estamos na situa-

cao em que 0morrer degenera em acontecimento cotidiano, ba-

nal e sem sentido: uma situacao, em compensacao, em que esse

mesmo morrer atingiu importancia cada vez mais comercial como

estimulo para a ten sao de telespectadores. Numa situacao des-

sas, a teologia corre 0 extremo perigo de tambern se habituar amorte.

d) Perigo de se contentar com as respostas e formulas habituais

o habito, porem, impede a elaboracao de nova linguagem so-bre 0morrer, Contenta-se com as respostas tradicionais estabelecidas

no decorrer de uma historia milenar. No entanto, as perguntas de

hoje nao podem mais ser aclaradas com formulas do passado. Isso

e valido, principalmente, para a materia tratada neste livro.Sob a pressao desse multiplo dilema, nao e facil reformular e

proclamar 0carater sacramental, isto e, significativo, do morrer do

ser humano. Mas e justamente ai que se situa a tarefa e 0dever de

uma teologia que se considera libertadora.