12 // JORNAL DE POMERODE // ESPECIAL Pomerode, 29 de …1).pdf · nem tão bonita como a teoria é...

2
Pomerode, 29 de maio de 2013 Ano XIV, Edição 614 12 // JORNAL DE POMERODE // ESPECIAL ELIMINAR BARREIRAS, proporcionar mobilidade e participação em ativida- des é o objetivo da aces- sibilidade. No entanto, nem tão bonita como a teoria é a realidade vivida pelas pessoas que pos- suem alguma deficiência e precisam, diariamente, lutar e se adequar à falta de acessibilidade a qual são impostas. Simone Weber é po- merodense, mas há dois anos vive em Leipzig, na Alemanha. Em entrevista ao Jornal de Pomerode, Si- mone contou que os pro- blemas de acessibilidade são encontrados por todo o mundo, mas que muita coisa já foi feita. No en- tanto, o Brasil ainda peca nesse sentido. “A dificul- dade com acessibilidade é por todo o Brasil, algumas cidades mais e outras me- nos, mas é complicado”, completa. E quando lá chegou tomou algumas provi- dências. “Minha primei- ra providência ao chegar a Leipzig foi entrar em contato com uma equipe de esporte, faço atletismo uma vez por semana, trei- no tênis de mesa. Quando a temperatura está acima dos 17 graus, é hora de sair de “handbike” e andar pelos parques até o lago. Toda terça-feira percor- remos aproximadamente 30km. No inverno, quando não está com muita neve, vamos a museus. Cadei- ra de rodas e neve não é a melhor combinação”, conta. Quando questionada sobre as principais dife- renças entre os dois paí- ses, diversos tópicos são citados, mostrando que, infelizmente, o sonho do mundo igual para todos, ainda está longe de se tor- nar real. Entre os temas, transporte público mu- nicipal, acessibilidade no trânsito, as calçadas, ba- nheiros acessíveis e setor da saúde. “No setor de turismo, ainda há muito o que fazer. Os sites de hotéis não dis- ponibilizam informações a respeito dos banheiros, que é o maior problema. Uma simples cadeira de banho com rodas gran- des, por favor, e a área do chuveiro sem degrau resolvem praticamente tudo. Abertura de portas, degraus em entrada de comércios, bares.... Não entendo o motivo de fazer portas tão estreitas, é uma economia burra. Tento en- tender como os hotéis no Brasil farão para receber as pessoas com deficiência durante a Copa, Olimpía- das e Paraolimpíadas. Um exemplo é Brasília, tente encontrar lá acomodação adequada para um grupo de cadeirantes, procure por uma van adaptada para transportar cadeiran- tes. Absurdo, é a capital do país! Uma coisa que vem me chamando a atenção, tanto aqui quanto aí, e a que devemos prestar mais a atenção é: Todos temos direitos e deveres! É inaceitável que ainda se permita construir ou reformar sem que haja acessibilidade”, enaltece. Para se respeitar mais o cadeirante, o caminho pre- cisa ser iniciado na infân- cia, quando pais educam filhos a respeitar o sinal vermelho, independente de vir ou não carro, ele próprio dando o exemplo. “Por sinal, aqui se respeita e muito a opinião alheia, você pode andar como quiser, mas não atravesse a rua em sinal vermelho tendo uma criança pre- sente, você será censurado imediatamente. A grande diferença está em oferecer transporte público eficien- te e adaptado, ajudar as pessoas com deficiência a saírem de dentro de casa, vans adaptadas que os le- vem ao centro, calçadas e rebaixamentos condizen- tes, banheiros adaptados em pontos estratégicos na cidade, bares, lojas e restaurantes. Desta ma- neira as pessoas podem se socializar, e assim também Acessibilidade: uma teoria, ainda, diferente da prática Que a prática comece a ser tão ativa e praticada quanto a teoria e que, finalmente, a questão da inclusão social seja uma realidade e uma conquista efetiva para todos haverá inclusão social de maneira mais efetiva. Sei que Pomerode conta com dois ônibus adaptados, mas como se chegar até o ônibus? Como as crianças com deficiência chegam ao colégio? Tem que existir um transporte digno que carregue cada um em se- gurança”, afirma Simone. As melhorias iniciaram na Alemanha há aproxima- damente uns 25 anos. No entanto, ainda há o que melhorar, principalmente na região Leste do país, antiga “República Demo- crática Alemã” (DDR), de acordo com Simone. “Mesmo aqui na Alema- nha ainda são necessárias melhorias, com relação à oferta de moradias adapta- das e a locais de trabalho, por exemplo”, explica. Sempre haverá melho- rias a serem realizadas, mas o respeito é funda- mental em qualquer si- tuação ou país. “Aqui na Alemanha por vezes fi- co constrangida de tanta gentileza, as pessoas se desculpam mil vezes caso percebam que obstruíram minha passagem, ou a vi- sibilidade. Certa vez caí na rua, por descuido meu, eu ainda estava caindo e já havia dois jovens ciclistas vindo me socorrer. No Brasil acho que não é mui- to diferente, todos sempre me trataram muito bem, percebo é que há falta de convívio entre as pessoas com e sem deficiência. As pessoas não sabem Em frente ao Portal de Brandemburgo, Brandenburger Tor, em dia de manifestação pelos direitos da pessoa com deficiência. O tema deste ano é: "Ich bin Entscheidend!" A acessibilidade no “Pergamounmuseum”, em Berlim como se comportar. No comércio, já ocorreu de estar comigo uma amiga andante, procuro uma de- terminada peça de roupa para mim, e a atendente ao responder se dirige a minha amiga de pé: ”isto serve nela!... (eu)”. Ei... estou aqui, eu não ando, mas me comunico nor- malmente! Isto ocorre pela falta de convívio das pessoas com e sem defici- ência”, enaltece. Além de situações co- mo estas, outras tantas acontecem sem que, mui- tas vezes, sejam percebi- das. “Me sinto desrespei- tada toda vez que quero ir ao banheiro e não consigo entrar pela porta; me sin- to desrespeitada sempre que quero atravessar a rua e não encontro um rebaixamento; toda vez que quero estacionar o carro e não há uma vaga na cidade ou pior ainda, quando ela está ocupada por um carro sem permis- são para estacionar ali”,

Transcript of 12 // JORNAL DE POMERODE // ESPECIAL Pomerode, 29 de …1).pdf · nem tão bonita como a teoria é...

Pomerode, 29 de maio de 2013Ano XIV, Edição 614

12 // JORNAL DE POMERODE // ESPECIAL

Eliminar barrEiras, proporcionar mobilidade e participação em ativida-des é o objetivo da aces-sibilidade. No entanto, nem tão bonita como a teoria é a realidade vivida pelas pessoas que pos-suem alguma deficiência e precisam, diariamente, lutar e se adequar à falta de acessibilidade a qual são impostas.

Simone Weber é po-merodense, mas há dois anos vive em Leipzig, na Alemanha. Em entrevista ao Jornal de Pomerode, Si-mone contou que os pro-blemas de acessibilidade são encontrados por todo o mundo, mas que muita coisa já foi feita. No en-tanto, o Brasil ainda peca nesse sentido. “A dificul-dade com acessibilidade é por todo o Brasil, algumas cidades mais e outras me-nos, mas é complicado”, completa.

E quando lá chegou tomou algumas provi-dências. “Minha primei-ra providência ao chegar a Leipzig foi entrar em contato com uma equipe de esporte, faço atletismo uma vez por semana, trei-no tênis de mesa. Quando a temperatura está acima dos 17 graus, é hora de sair de “handbike” e andar pelos parques até o lago. Toda terça-feira percor-remos aproximadamente 30km. No inverno, quando não está com muita neve, vamos a museus. Cadei-ra de rodas e neve não é a melhor combinação”, conta.

Quando questionada sobre as principais dife-renças entre os dois paí-ses, diversos tópicos são citados, mostrando que, infelizmente, o sonho do mundo igual para todos, ainda está longe de se tor-nar real. Entre os temas, transporte público mu-nicipal, acessibilidade no trânsito, as calçadas, ba-nheiros acessíveis e setor da saúde.

“No setor de turismo, ainda há muito o que fazer.

Os sites de hotéis não dis-ponibilizam informações a respeito dos banheiros, que é o maior problema. Uma simples cadeira de banho com rodas gran-des, por favor, e a área do chuveiro sem degrau resolvem praticamente tudo. Abertura de portas, degraus em entrada de comércios, bares.... Não entendo o motivo de fazer portas tão estreitas, é uma economia burra. Tento en-tender como os hotéis no Brasil farão para receber as pessoas com deficiência durante a Copa, Olimpía-das e Paraolimpíadas. Um exemplo é Brasília, tente encontrar lá acomodação adequada para um grupo de cadeirantes, procure por uma van adaptada para transportar cadeiran-tes. Absurdo, é a capital do país! Uma coisa que vem me chamando a atenção, tanto aqui quanto aí, e a que devemos prestar mais a atenção é: Todos temos direitos e deveres! É inaceitável que ainda se permita construir ou reformar sem que haja acessibilidade”, enaltece.

Para se respeitar mais o cadeirante, o caminho pre-cisa ser iniciado na infân-cia, quando pais educam filhos a respeitar o sinal vermelho, independente de vir ou não carro, ele próprio dando o exemplo. “Por sinal, aqui se respeita e muito a opinião alheia, você pode andar como quiser, mas não atravesse a rua em sinal vermelho tendo uma criança pre-sente, você será censurado imediatamente. A grande diferença está em oferecer transporte público eficien-te e adaptado, ajudar as pessoas com deficiência a saírem de dentro de casa, vans adaptadas que os le-vem ao centro, calçadas e rebaixamentos condizen-tes, banheiros adaptados em pontos estratégicos na cidade, bares, lojas e restaurantes. Desta ma-neira as pessoas podem se socializar, e assim também

Acessibilidade: uma teoria, ainda, diferente da práticaQue a prática comece a ser tão ativa e praticada quanto a teoria e que, finalmente, a questão da inclusão social seja uma realidade e uma conquista efetiva para todos

haverá inclusão social de maneira mais efetiva. Sei que Pomerode conta com dois ônibus adaptados, mas como se chegar até o ônibus? Como as crianças com deficiência chegam ao colégio? Tem que existir

um transporte digno que carregue cada um em se-gurança”, afirma Simone.

As melhorias iniciaram na Alemanha há aproxima-damente uns 25 anos. No entanto, ainda há o que melhorar, principalmente

na região Leste do país, antiga “República Demo-crática Alemã” (DDR), de acordo com Simone. “Mesmo aqui na Alema-nha ainda são necessárias melhorias, com relação à oferta de moradias adapta-das e a locais de trabalho, por exemplo”, explica.

Sempre haverá melho-rias a serem realizadas, mas o respeito é funda-mental em qualquer si-tuação ou país. “Aqui na Alemanha por vezes fi-co constrangida de tanta gentileza, as pessoas se desculpam mil vezes caso percebam que obstruíram minha passagem, ou a vi-sibilidade. Certa vez caí na rua, por descuido meu, eu ainda estava caindo e já havia dois jovens ciclistas vindo me socorrer. No Brasil acho que não é mui-to diferente, todos sempre me trataram muito bem, percebo é que há falta de convívio entre as pessoas com e sem deficiência. As pessoas não sabem

Em frente ao Portal de Brandemburgo, Brandenburger Tor, em dia de manifestação pelos direitos da pessoa com deficiência. O tema deste ano é: "Ich bin Entscheidend!"

A acessibilidade no “Pergamounmuseum”, em Berlim

como se comportar. No comércio, já ocorreu de estar comigo uma amiga andante, procuro uma de-terminada peça de roupa para mim, e a atendente ao responder se dirige a minha amiga de pé: ”isto serve nela!... (eu)”. Ei...estou aqui, eu não ando, mas me comunico nor-malmente! Isto ocorre pela falta de convívio das pessoas com e sem defici-ência”, enaltece.

Além de situações co-mo estas, outras tantas acontecem sem que, mui-tas vezes, sejam percebi-das. “Me sinto desrespei-tada toda vez que quero ir ao banheiro e não consigo entrar pela porta; me sin-to desrespeitada sempre que quero atravessar a rua e não encontro um rebaixamento; toda vez que quero estacionar o carro e não há uma vaga na cidade ou pior ainda, quando ela está ocupada por um carro sem permis-são para estacionar ali”,

Pomerode, 29 de maio de 2013Ano XIV, Edição 614

ESPECIAL // JORNAL DE POMERODE // 13

TransporTE público m u n i c i pa l E f i c i E n T E - Trem e ônibus sempre adaptados. Em caso de necessidade de ajuda, há atendimento gratuito de acompanhante oferecido pelo sistema de transpor-te. É só ligar e agendar a ajuda. Como no meu caso, sempre que eu preciso, eles enviam duas pessoas que me buscam em casa e levam ao meu local de destino, o mesmo acontece para o re-torno à casa. Outro meio de transporte disponibilizado é o de uma van adaptada que, mediante agendamento, nos busca em casa e leva para qualquer local da ci-dade. Este serviço é pago, o valor é o mesmo que se paga para uma passagem de trem. Para pessoas com deficiência e acompanhante o transporte público no mu-

nicípio é gratuito. O mesmo acontece se viajar por toda a Alemanha usando o Trem Regional, que não são os trens rápidos e não per-correm longas distâncias, necessitando assim trocar de trem quando a viagem for mais longa. Neste caso, cada central de trem é avi-sada e em cada plataforma eles disponibilizam alguém que venha a ajudar no em-barque e desembarque, assim como no carrego de malas, se houver. acEssibilidadE no Trân-siTo - Tanto para atraves-sar as ruas, quanto para rodar por elas, há sempre muito respeito, os carros param. Por respeitarem os limites de velocidade, po-dem parar e esperar que se atravesse com segurança, são gentis. A preferência

nas cidades não é do car-ro, e sim dos cicl istas e pedestres, incluindo aí ca-deirantes. Os sinais de trân-sito para carros, ciclistas e pedestres são respeitados, não se atravessa a rua se o sinal estiver vermelho, “mesmo que não esteja vindo carro”! calçadas - Em todas as calçadas há inclinação que facilita a travessia. Se vo-cê se aproxima da rua em uma faixa de segurança os carros já param, o mesmo acontece ao atravessar a rua em uma esquina, mes-mo sem faixa os carros pa-ram à menor menção de travessia de pedestre.As calçadas são padrão e primam pela segurança de pedestres. Mesmo em cal-çadas com mais de cem anos, num trabalho de res-

tauração se procura retirar e assentar a pedra com todo cuidado. banhEiros - Banheiros acessíveis para cadeirantes há por toda cidade. Existe uma chave nos banheiros adaptados da União Eu-ropeia. Caso se apresente a carteira de pessoa com deficiência, pode se solici-tar essa chave, mediante o pagamento de 20 euros. Ela é válida em toda União Europeia. ouTros ponTos - Por ma-pas e também pela internet se é informado dos locais acessíveis nas cidades.No setor de saúde, as ambu-lâncias são preparadas para o transporte de cadeirantes.As empresas de táxi ofere-cem serviço para pessoas na cadeira de rodas.

Principais diferenças entre os dois países

exalta Simone.Para que estas e outras

questões possam ser resol-vidas, Simone enaltece que acessibilidade é também investimento. “Os muni-cípios que não investem em acessibilidade, de uma maneira geral, estão per-dendo dinheiro, e muito! Investir em acessibilidade dá lucro, gera turismo, demonstra respeito pelo semelhante, é um direito adquirido, o direito de ir e vir! E a vida social não é luxo, é saúde”, afirma.

A dificuldade existe e melhorias também pre-cisam ser efetuadas, mas o que realmente precisa mudar é a ideia de que as pessoas com deficiência saem de casa sempre com acompanhante, o que não acontece, pois a cada dia mostram-se mais indepen-dentes. “E isto vale para Brasil e em alguns casos também aqui na Alemanha. No Brasil, em especial, tem se que pensar melhor as cidades, dar mais valor aos Arquitetos e Urbanistas.

Pensar nas gerações futu-ras e abrir as cidades para os pedestres, com melhor transporte público e menos carros, mais bicicletas”, reitera.

As pessoas com defici-ência necessitam de vida social tanto quanto ou até mais do que pessoas sem deficiência, mas precisam poder sair de dentro de

casa. “Se fala tanto em inclusão social, aqui na Alemanha e no Brasil, no mundo. Mas como isto é possível se as barreiras não diminuem? Viabilizar a prática esportiva, a ida à escola... por favor: sem ter que ser carregado no colo, vamos pensar as coisas de maneira digna, vans adap-tadas seriam um ótimo

meio. Sempre achei que Pomerode pode ser Cidade Modelo de Acessibilidade. A “cidade mais alemã do Brasil”, alemã também no quesito acessibilidade. A APODEF está aí, firme e forte seguindo em frente, quem sabe um bom co-meço seja a comunidade se mobilizar e cada um apoiando um pouco, se

consegue uma van adap-tada que possa fazer o transporte digno e seguro de seus atletas e associa-dos”, finaliza Simone.

Que a prática comece a ser tão ativa e pratica-da quanto a teoria e que, finalmente, a questão da inclusão social seja uma realidade e uma conquista efetiva para todos.

“Todos temos direitos e deveres! É inaceitável que ainda se

permita construir ou reformar sem que haja acessibilidade”.

Simone Weber

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Simone Weber vive há dois anos na Alemanha e nota diferenças na questão da acessibilidade