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A democratizao do governo das escolas pblicas em Portugal

A democratizao do governo das escolas pblicas em PortugalLicnio C. Lima*

Resumo Tomando por base a investigao realizada sobre a gesto democrticoparticipativa das escolas pblicas aps o 25 de Abril de 1974, o autor apresenta uma interpretao do processo de democratizao do governo das escolas que ocorreu a partir de 1974, apontando os principais perodos, as orientao polticas, os conitos e as contradies desse processo, e discutindo alguns dos mais recentes impactos do novo gerencialismo nas escolas e instituies de ensino superior portuguesas. Palavras-chave: Democratizao escolar, gesto democrtica, organizao da escola

1. Das prticas autogestionrias institucionalizao da gesto democrtica Volvido um ms sobre o dia 25 de Abril de 1974, o I Governo Provisrio, presidido por Adelino da Palma Carlos, que tomara posse a 16 de Maio, aprovava em Conselho de Ministros o Decreto-Lei n 221/74, de 27 de Maio, o primeiro diploma que reconhecia e apoiava as iniciativas democrticas desencadeadas por professores e estudantes em torno da gesto das escolas pblicas de todos os graus de ensino. Tratava-se, para muitos casos, de uma legalizao retrospectiva, de uma resposta do Governo a prticas autogestionrias em desenvolvimento em vrias escolas, que conduziram ao afastamento de alguns reitores e directores (at ento nomeados pelo governo) e sua substituio por comisses directivas ou de gesto, quase sempre na sequncia de decises tomadas por assembleias de escola ou por outro tipo de reunies plenrias.

* Professor catedrtico do Departamento de Sociologia da Educao e Administrao Educacional da Universidade do Minho e investigador do CIEd.

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O diploma legal o mais curto e genrico da histria da produo legislativa sobre governo e gesto das escolas. Apresenta um considerando e cinco artigos, atravs dos quais o Governo se compromete com o estabelecimento de rgos de gesto que sejam verdadeiramente representativos de toda a comunidade escolar, admitindo que Enquanto no for regulado o processo de escolha democrtica dos rgos de gesto dos estabelecimentos de ensino, com participao adequada de estudantes e pessoal docente, tcnico, administrativo e auxiliar, a direco dos mesmos estabelecimentos poder ser conada, pelo Ministro da Educao e Cultura, a comisses democraticamente eleitas ou a eleger depois de 25 de Abril de 1974 (artigo 1). Na prtica, isto signicou uma importante transferncia de poderes do Ministrio para as escolas, na sequncia de uma deslocao de poder antes operada por iniciativa dos actores escolares atravs de processos de mobilizao e de participao activa (cf. Stoer, 1985, p. 67; 1986, p. 138; Lima, 1988; 1992). Esta imposio da periferia, como lhe chamou Rui Grcio (1986, p. 164), foi porm legitimada margem de qualquer projecto consistente de descentralizao da administrao escolar e de atribuio de autonomia s escolas. A autonomia no chegou a ser juridicamente consagrada, embora fosse quotidianamente ensaiada atravs de prticas de democracia directa, de deliberaes colectivas, executadas pelas comisses de gesto. De acordo com a investigao realizada (cf., entre outros trabalhos, Grcio, 1981; Stoer, 1986; Lima, 1988, 1992, 1999; Sanches & Nadai, 1995; Sanches, 2004;Teodoro, 2004; Torres, 2004, 2005; Sanches & Seia, 2007), as escolas registavam durante o perodo revolucionrio uma situao de acentuada e generalizada heteropraxia, em busca de ordenamentos alternativos e de regras prprias, dessa feita divergindo do padro normativo imposto e dos limites de interveno que o prprio decreto de Maio de 1974 procurara estabelecer. As prticas democrticas, colegiais e participativas, solta logo a partir dos primeiros dias, eram objecto de reconhecimento, mas tambm de uma tentativa de regulao genrica, procurando assegurar a autoridade do Governo e os poderes de direco das escolas por parte do Ministrio, assim ganhando tempo para uma posterior e mais sistemtica regulamentao, de resto desde logo anunciada no supra citado artigo 1, para alm de o artigo 5 prever que eventuais dvidas de aplicao seriam resolvidas por despacho do Ministro. A este propsito rera-se, ainda, o contedo mais relevante do artigo 2, que s comisses de gesto democraticamente eleitas reservava as atribuies que incumbiam aos anteriores rgos de gesto, matria que seria muito criticada e alvo de mais ou menos generalizado incumprimento. As assembleias e as deliberaes colectivas estendiam a sua aco a vrias reas de interveno, muito para alm dos limites impostos por um poder central em crise, incapaz de assegurar o controlo poltico e administrativo de um sistema escolar tradicionalmente centralizado. A autonomia da escola, nesta fase, embora fosse expresso pouco utilizada (cf. a excepo apontada por Estvo, 2004) e conceito estranho legislao escolar, era porm

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praticada, de facto, pelas assembleias das escolas, pelos plenrios de professores e pelos rgos colegiais de gesto eleitos em cada escola, segundo regras e com composies bastante diferenciadas. A democracia directa e as modalidades de participao activa e informal, tpicas das fases de activismo poltico e de mobilizao social dos actores, caracterizam este perodo da vida escolar, especialmente no que concerne a professores e alunos (cf. Lima, 1988, 1992), deixando praticamente margem as famlias e os encarregados de educao (cf. N. Afonso, 1993; Silva, 2003; S, 2004), tal como, em geral, as relaes com a comunidade local. Tratou-se de um processo de apropriao de poderes por parte das periferias escolares e de ingerncia no governo, at ento heternomo, de cada estabelecimento de ensino, consubstanciando aquilo que tenho designado por primeira edio da gesto democrtica. Foi uma edio cuja autoria s pode ser atribuda a professores e alunos, organizados em colectivos de diverso tipo, no s sem um projecto poltico governamental e sem legislao que lhes desse cobertura, mas tambm mesmo contra quase todas as tentativas de reposio da autoridade do Estado e da direco do Ministrio (cf. Lima, 1992, 1999). Esta espcie de acelerao revolucionria nas escolas viria, contudo, mais cedo do que na generalidade dos sectores, a ser objecto de um movimento de retraco por parte dos governos provisrios, que procuraram conter as lgicas autogestionrias e estancar a inuncia de certas vanguardas tpicas do poder popular. Tratou-se de uma tentativa, s parcialmente sucedida, de normalizao (precoce), que s teria condies para comear a ocorrer a partir de nais de 1976, aps a aprovao da Constituio e a realizao das primeiras eleies legislativas, mas que, no entanto, deixaria marcas polticas e organizacionais duradouras. Contrastando com o policentrismo e o polimorsmo instituintes, por aco criativa e voluntarista, por vezes aparentemente demirgica, de colectivos locais e de grupos de activistas, certamente tambm com inuncia de foras polticas em processo de organizao, o III Governo Provisrio, presidido por Vasco Gonalves, logo em Dezembro de 1974, aprovar legislao com vista a garantir que o afastamento de formas autocrticas de direco das escolas passasse a ser convenientemente regulado, salvaguardando a seriedade do processo democrtico, agora de tipo representativo, bem como a eccia do funcionamento de cada escola, entendida como local de trabalho efectivo e ao servio da Nao. , por esta via, formalmente iniciada uma fase de transio da primeira para a segunda edio da gesto democrtica das escolas (cf. Lima, 1992), especialmente em termos de consagrao de morfologias organizacionais bem estabelecidas, de tentativa de substituio da democracia directa pela democracia representativa e de reduo da centralidade das assembleias gerais e dos plenrios

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no funcionamento ordinrio das escolas. Em geral, o Governo intenta substituir as comisses de gesto, que considera provisrias, por outros rgos colegiais representativos, mas agora eleitos e constitudos segundo regras bem denidas, com competncias bem delimitadas. A legislao referente s ento designadas escolas preparatrias e secundrias (Decreto-Lei n 735-A/74, de 21 de Dezembro) paradigmtica no que referida normalizao precoce se refere, armando a sua sujeio superintendncia dos competentes rgos e servios centrais (artigo 31), admitindo a nomeao de um delegado do Ministro para acompanhar o processo eleitoral para o conselho directivo (artigo 7, n 8), prevendo a nomeao de um encarregado de direco em situaes de excepcional gravidade (o que chegou a ocorrer), ou quando a validade das eleies fosse negada por duas vezes (artigo 21, n 1) e, ainda mais signicativamente, admitindo assembleias apenas por corpos e com carcter meramente consultivo, cujas reunies, de resto, passavam a necessitar de prvia autorizao do conselho directivo, no podendo em qualquer caso prejudicar as actividades escolares (artigo, 32). Assumindo carcter experimental, para vigorar apenas durante o ano lectivo 1974-1975 (embora tenha vigorado tambm no ano lectivo seguinte), o Governo lanar as bases morfolgicas que, no respeitante aos trs principais rgos conselho directivo, conselho pedaggico, conselho administrativo -, ho-de resistir durante cerca de um quarto de sculo, at 1998. A introduo da democracia representativa e de regras eleitorais precisas, da apresentao de listas, do voto secreto, de actas para homologao ministerial, contrasta com a informalidade e a diversidade dos procedimentos anteriores. O mesmo sucede relativamente s regras de funcionamento dos rgos de gesto, todos com competncias prprias, embora continuando a remeter-se para competncias estabelecidas nos antigos estatutos dos diversos graus e ramos de ensino. Em todo o caso, todos os rgos continuam a ser colegiais, cabendo ao conselho directivo a eleio, de entre os seus docentes eleitos, do respectivo presidente, o qual presidir por inerncia aos restantes rgos. A participao de docentes, alunos (no caso do ensino secundrio e com pelo menos 14 anos de idade) e funcionrios encontra-se assegurada no conselho directivo, e no conselho pedaggico encontram-se representantes dos dois primeiros grupos. No que concerne aos estabelecimentos de ensino superior, o Decreto-Lei n 806/74, de 31 de Dezembro, adopta princpios semelhantes, observando embora uma maior autonomia relativa das escolas superiores, embora a categoria autonomia no se encontre expressa e os rgos de gesto se encontrem formalmente subordinados administrao central. Em resposta aos movimentos espontneos anteriores, arma-se pretender consagrar uma certa coerncia, bem como dar rmeza s estruturas representativas, instituindo uma indispensvel diviso de funes, embora assegurando a participao de todos numa tarefa comum.

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O diploma incide especialmente sobre a gesto de escolas ou faculdades, criando uma assembleia de escola, a qual poder delegar os seus poderes numa assembleia de representantes, cuja constituio integra docentes, estudantes e funcionrios, eleitos por escrutnio secreto. O mesmo processo de constituio ser adoptado no caso do conselho directivo, um rgo de gesto e execuo das orientaes governamentais e tambm oriundas da assembleia de escola, presidido por um docente, com mandato de um ano. O conselho pedaggico rene docentes e estudantes, bem como delegados de organismos representativos das prosses para as quais a escola forma, cabendo-lhe fazer propostas e apresentar pareceres sobre planos de estudo, orientaes pedaggicas, coordenao entre departamentos e aquisio de materiais didcticos. Finalmente, o conselho cientco constitudo por docentes e investigadores das diversas categorias e dos vrios departamentos, cujas principais competncias especcas sero as provas e jris de doutoramento e a coordenao cientca interdepartamental. Ambos os diplomas se revelam conservadores na abertura ao meio e, sobretudo, em termos de autonomia das escolas, consagrando no entanto importantes princpios de democraticidade, participao e colegialidade, segundo uma concepo de democracia representativa. Em termos de competncias dos rgos institudos ca clara a sua subordinao genrica a uma administrao centralizada, que de resto procura regulamentar o sistema de governo das escolas para poder vir a reassumir o seu controlo. As prticas sociais, porm, dicilmente se orientavam segundo os mesmos princpios e objectivos, antes insistindo em lgicas autogestionrias que, pelo menos at nais de 1976, garantiriam um maior protagonismo s escolas. No caso das universidades, o Conselho da Revoluo viria ainda a estabelecer as Bases da Reforma do Ensino Superior (Decreto-Lei n 363/75, de 11 de Julho), atravs das quais armava pretender alterar o sistema de governo das escolas, substituindo-o por um esquema de gesto socialista. Anunciava-se a promulgao de legislao no sentido de dotar as universidades de autonomia pedaggica, cientca, administrativa e nanceira e de integrar nos futuros rgos de governo representantes de interesses sociais extra-universitrios, designados, de acordo com o que vier a ser estabelecido em legislao especial, pelas organizaes sindicais, pelos rgos de administrao regional e pelos departamentos estaduais responsveis pelo planeamento econmico, social, cientco e cultural (Base II), o que no chegaria a ocorrer. Uma certa coincidncia de princpios estruturantes e algum isomorsmo entre o governo das escolas bsicas e secundrias, por um lado, e o governo das escolas do ensino superior, por outro, continuar a manifestar-se em termos jurdico-formais durante o perodo seguinte, de normalizao constitucional (Grcio, 1981). A partir de agora, passaro a ser reforados os elementos de uma democracia representativa e de uma participao mais organizada e formalizada,

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garantindo o retorno do poder sobre as escolas ao tradicional centro poltico e administrativo e colocando termo ao que, para vrios sectores, representava o caos total e um edifcio em runas onde o 25 de Abril no tinha chegado, mas to somente o 11 de Maro (nas palavras do Ministro da Educao, proferidas em 1976 na Assembleia da Repblica; cf tambm Maxwell, 1999). Tais objectivos seriam assumidos no programa do I Governo Constitucional, presidido por Mrio Soares, tendo como responsvel pela pasta da educao Mrio Sottomayor Cardia. No nal de 1976, o governo aprovou dois importantes diplomas sobre a gesto das escolas, preparatrias e secundrias, e tambm superiores. Os dois decretos assumem nos respectivos prembulos os objectivos de separar a demagogia da democracia, de repor a disciplina indispensvel, contra a anterior situao de cobertura legal demagogia e supremacia de minorias activistas, que, pela manipulao e pela coaco, conseguiram um efectivo domnio de grande parte das escolas superiores. No caso das escolas superiores, arma-se ainda tratar-se do mais ousado e progressista decreto, quando comparado com outros pases, conjugando democracia e responsabilidade e procurando alcanar uma efectiva democracia nas escolas, contra lgicas corporativas e de feio anarco-populista. A clareza dos propsitos suscitaria os mais duros ataques ao Ministrio Cardia e sua aco sistemtica de destruio das conquistas de Abril, de lvaro Cunhal aos partidos de extrema-esquerda, passando por vrios sectores acadmicos, sindicais e estudantis (cf. Lima, 1992, pp. 255-268), numa oposio sem paralelo, antes como depois, a reformas do governo das escolas em Portugal. No caso das escolas preparatrias e secundrias, o Decreto-Lei n 769-A/76, de 23 de Outubro, seguia genericamente a morfologia e a linha regulamentadora ensaiadas atravs do decreto de Dezembro de 1974, embora com muito maior grau de detalhe em termos de composio, competncias e processos eleitorais, bem como instituindo relaes de maior e mais clara subordinao das escolas ao Governo e respectiva administrao central. As prticas democrticas e participativas so altamente formalizadas e as competncias dos rgos de gesto so predominantemente de execuo institucional das polticas e orientaes dimanadas de cima e de fora, assim reconstruindo o paradigma de centralizao na administrao escolar, transitoriamente em crise durante o perodo revolucionrio. Os alunos perdem a participao paritria com os docentes no conselho directivo, a referncia s assembleias por corpos desaparece, a burocratizao de processos instala-se, o conselho directivo, embora seja aparentemente o representante, democraticamente legitimado, da escola junto do Ministrio, mais parece o primeiro representante, ou delegado, do Ministrio junto de cada escola. Desenhase, paradoxalmente, um organigrama ilusoriamente achatado, com reduzidos nveis hierrquicos, ao mesmo tempo que, de facto, se retira do organigrama

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das escolas o rgo que verdadeiramente dirige cada uma delas, atravs de uma administrao directa, ou seja, o Ministrio da Educao, assim separando a direco da execuo e instituindo uma direco escolar atpica (Lima, 2007a). Neste preciso sentido, como se o decreto de 1976, e as sucessivas portarias que regulamentaram (com especial rigor e detalhe) o conselho directivo e o conselho pedaggico, continuassem a vigorar at hoje, impedindo objectivamente uma escola dotada de um certo grau de autonomia substantiva e de um rgo de direco prprio (Lima, 2007b), partilhando certos poderes com o Estado, antes a condenando execuo, e a procedimentos gerenciais, em funo de decises polticas heternomas. Diploma com objectivos semelhantes viria a ser aprovado no mesmo ano e ms, atravs do Decreto-Lei n 781-A/76, de 28 de Outubro, para vigorar nos estabelecimentos de ensino superior. A democracia representativa, a participao, as regras eleitorais, as competncias e o funcionamento dos rgos colegiais, so regulados ao pormenor e de forma universal para todas as escolas. Os mesmos rgos so previstos para todas as instituies, contemplando uma estrutura mais complexa do que a anterior, compreendendo a assembleia geral de escola, a assembleia de representantes, o conselho directivo, o conselho pedaggico, o conselho cientco e o conselho disciplinar. A colegialidade continua a ser assegurada, com base em listas concorrentes e no sistema de representao proporcional, embora num quadro genrico muito formalizado e contendo poucas prerrogativas em termos de autonomia. A paridade entre docentes e estudantes mantida nos principais rgos de gesto, exceptuando o conselho cientco, agora especialmente valorizado em termos de competncias, e a partir de agora restrito a professores e doutores. O j referido pendor regulamentador e burocrtico especialmente visvel em matria eleitoral (a qual concentra um tero do nmero total de artigos do decreto), mas tambm no nmero, periodicidade, por vezes mesmo indicando o ms e os objectivos de cada reunio de certos rgos, como o caso da assembleia geral de escola, ou ainda o estabelecimento do nmero preciso de delegados de docentes, estudantes e funcionrios na assembleia de representantes, em funo do nmero total de cada corpo na respectiva escola. No obstante a anunciada valorizao da democracia representativa, espanta vericar como a nomeao dos reitores pelo Governo permanecer intocvel, ao abrigo do Decreto-Lei n 26611, de 9 de Maio de 1936. E tambm como as relaes entre a tutela e as universidades se mantero segundo um gurino de ampla subordinao das primeiras em muitas matrias dependentes de despacho dos membros do Governo e dos directores-gerais do Ministrio, no apenas uma consequncia da no descentralizao e da no outorga de autonomia s instituies, mas tambm do prprio carcter limitado do decreto de 1976, no incidindo sobre as importantes matrias de governo, organizao e funcionamento das universidades.

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Embora de forma diferenciada, esta segunda edio da gesto democrtica, que vigorar formalmente durante mais de uma dcada no caso das universidades e mais de duas dcadas no caso das outras escolas, revelou-se capaz de substituir no apenas o sistema de governo autocrtico centralizado, mas tambm as prticas autogestionrias e de tipo descentralizado e participativo tpicas do perodo revolucionrio, por um modelo centralizado de legitimao democrtica. Por essa via se garantiu a reanimao de uma administrao fortemente centralizada, atribuindo poderes de gesto corrente a rgos colegiais democraticamente eleitos, embora muito longe das expectativas de descentralizao democrtica e de autonomia das escolas, continuamente reclamadas por certos sectores. De certa forma, a gesto democrtica institucionalizada revelou-se muita gesto para pouca democracia e para pouca, ou mesmo nula, autonomia, mesmo no ignorando os seus contributos para a democratizao das escolas em termos de colegialidade e participao, embora predominantemente insulares e, por vezes, mesmo enclausurados nas estreitas fronteiras institucionais e simblicas das respectivas organizaes. Tambm por isso, as prticas de participao de professores (cf. Lima, 1988, 1992; N. Afonso, 1994; Ferreira, 2007) e alunos na gesto das escolas cedo se revelaram atravs de modalidades de participao formal e relativamente passiva, registando mesmo, no caso dos alunos das escolas bsicas e secundrias, formas de no participao (cf. Lima, 1988, 1992). No caso dos funcionrios, de h muito a sua participao se encontrava bastante ritualizada e subordinada (cf., a propsito, o estudo de Castro, 2002). 2. Os sentidos divergentes da categoria autonomia da escola A partir de meados da dcada de 1980, a categoria poltico-educativa conhecida por gesto democrtica das escolas vai sendo objecto de uma crescente desvitalizao e eroso nos discursos polticos e nos textos normativos. Trata-se, do ponto de vista formal, da fase de produo de um extenso corpus de diplomas que regulamentar ao detalhe a vida nas escolas bsicas e secundrias, sob praticamente todos os pontos de vista, mas tambm da produo de regulamentao diversa para as escolas do ensino superior, consoante o seu estatuto e a sua condio, com as universidades novas e em instalao, por exemplo, a beneciarem de maiores prerrogativas em termos de autonomia administrativa e nanceira. Em geral, no entanto, o processo de transferncia de competncias para as universidades revelou-se muito lento, gradual e fragmentado, tendo a partir de 1979-1980 comeado a incidir sobre recrutamento de docentes no doutorados por convenincia urgente de servio, equiparao a bolseiro de docentes, concesso de equivalncias de habilitaes estrangeiras, mobilidade e gesto de pessoal, nomeao de jris, autorizao de despesas de capital at um certo limite, a par de certos despachos de delegao e subdelegao de competncias por parte do Director-Geral do Ensino Superior (cf. o trabalho

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de Santos, 1999). Em 1982 ocorrer a primeira eleio de um reitor aps o 25 de Abril de 1974, ainda que apenas condicionando, atravs de uma lista trplice resultante da votao levada a cabo na Universidade do Minho, a sua nomeao por parte do Ministro, um processo que o prprio reitor, nomeado pela tutela a partir desse processo eleitoral, no deixou no seu discurso de tomada de posse, em Janeiro de 1982, de considerar um acontecimento relevante, na linha da reconquista da autonomia por que anseiam as universidades (cf. Silva, 2004, p. 128). A autonomia das escolas superiores revela-se uma categoria em emergncia, a partir no apenas da sua reivindicao, mas tambm de um processo de progressiva, ainda que vagarosa e tmida, descentralizao por parte da respectiva tutela. Idntico processo no , contudo, seguido nos ensinos bsico e secundrio, onde a estratgia se revela de feio desconcentrada, procurando afrontar os problemas de controlo de um sistema cada vez maior e mais complexo, em crise de eccia e de ecincia, atravs da criao de uma espcie de capitanias, ou extenses locais do poder central. Ainda que tambm aqui, a categoria autonomia da escola surja como uma espcie de Terra Prometida (cf. Lima & Afonso, 1995), o resultado ser muito mais o da delegao de certas competncias para as direces-regionais de educao, novo nvel de administrao criado, do que de transferncia de competncias para as escolas, desta feita instituindo uma administrao de tipo centralizado-desconcentrado. A democratizao do governo das escolas bsicas e secundrias, a autonomia e a participao cidad da comunidade socioeducativa permanecero, em boa parte, com o estatuto de promessas adiadas, quando no de discurso retrico circunscrito a programas dos governos e a prembulos de diplomas legais, mas sem outras consequncias de maior. Especialmente a partir da aprovao da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n 46/86, de 14 de Outubro) e dos trabalhos produzidos no mbito da Comisso de Reforma do Sistema Educativo (1986-1988), ocorre uma crtica crescente burocracia centralizada do Ministrio da Educao que, em alternativa, prope uma administrao descentralizada e a autonomia da escola como princpio reformador. Este consenso revelou-se, porm, apenas aparente, tornando-se claro que as crticas centralizao e burocracia resultavam de lgicas distintas e propunham solues muito diferenciadas. Para alguns sectores, tais crticas legitimavam a introduo de novos sistemas de governo com maior autonomia face tutela mas, internamente, orientados segundo padres racionais e de modernizao gerencial, inspirados na circulao internacional dos ento emergentes novo gerencialismo e nova gesto pblica (cf., entre outras, as anlises de Brunsson & Olsen, 1993; Self, 1993; Smyth, 1993; Ball, 1994; Fergusson, 1994; Ranson & Stewart, 1994; Clarke & Newman, 1997; Whitty,

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Power, Halpin, 1998), com os olhos postos na organizaes empresarias e na gesto privada. Desta forma, retirava-se protagonismo a um modelo de governao de caractersticas democrticas e participativas, na esteira da gesto democrtica das escolas, institucionalizada a partir de 1976, como vimos, mas agora representada como lenta, irracional e corporativa, face almejada modernizao das instituies e da sua gesto. Outros sectores, porm, insistiam na oportunidade de uma descentralizao e de uma autonomia de carcter democrtico e participativo, como aprofundamento de uma gesto democrtica que bem cedo havia sido ritualizada em torno do voto e da colegialidade, no quadro de uma centralizao asxiante que conferia s prticas democrticas uma dimenso mais procedimental do que poltica, exigindo agora, ao invs, uma efectiva descentralizao e transferncia de poderes que, no obstante, reforasse o carcter pblico das escolas e as responsabilidades do Estado na sua co-governao. A democratizao das estruturas, dos poderes e das formas de governo das escolas, como forma de afrontar a centralizao poltica e administrativa do sistema escolar, entrava em conito com uma agenda modernizadora e racionalizadora, alis de circulao internacional e objecto de defesa por parte de importantes organizaes supranacionais, com destaque, at hoje, para a OCDE. Deste confronto terico-ideolgico, em termos mais gerais sobredeterminado por distintas concepes de Estado, umas de resistncia e democratizao do EstadoProvidncia e do seu papel de regulao e proviso, e outras mais claramente orientadas por lgicas de reforma neoliberal e por uma concepo de Estado Supervisor, ou Estado Gerencial, resultou um acentuado hibridismo nas polticas pblicas de educao (em termos mais gerais, veja-se a interpretao de Afonso, 1998). Uma leitura de tipo democrtico-participativo e de defesa de uma concepo sociocomunitria de autonomia das escolas bsicas e secundrias viria a ser defendida no mbito de certos trabalhos da Comisso de Reforma do Sistema Educativo e, em parte, por esta subscrita na sua proposta nal, apresentada ao Governo (cf. CRSE, 1988). Todavia, os sucessivos governos deram prioridade a outras reas da reforma educativa e, ao contrrio do que sucederia noutros pases, optaram por adiar consideravelmente a reforma da gesto das escolas, tendo entretanto tomado algumas medidas relevantes, embora com sentidos nem sempre congruentes. Em qualquer dos casos, a partilha da direco das escolas entre o Estado e um rgo democrtico, com participao externa, de direco de cada organizao escolar, no viria a ser aceite, at porque tal orientao, consoante havia sido previsto pelos proponentes, exigia uma poltica de progressiva descentralizao da administrao escolar, numa lgica de democratizao de poderes e no apenas, ou sobretudo, de modernizao da gesto (cf. Afonso, 1995; Barroso, 1995). A publicao de uma nova orgnica do Ministrio da Educao (Decreto-Lei n 3/87, de 3 de Janeiro), ainda em plena fase de concepo da

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reforma educativa, deixava clara a opo por uma poltica de desconcentrao, atravs da criao de direces-regionais, no abrindo qualquer espao propcio descentralizao e autonomia das escolas, tendncia que, embora com variaes, foi em geral mantida nas sucessivas orgnicas do Ministrio da Educao (de 1993, 2002 e 2006), por vezes mesmo acentuando a centralizao de poderes. Daqui tem resultado uma contradio quase permanente entre uma administrao centralizada-desconcentrada, frequentemente de comando e, por vezes, de estilo autoritrio, e o novo discurso da autonomia das escolas, numa combinao paradoxal e de sentidos opostos que poder ser designada por autonomia heterogovernada. Trata-se de uma lgica de autonomia instrumental ou operacional, subordinada a decises polticas e estratgicas produzidas pelo centro poltico-administrativo, concedendo s periferias o encargo de executar de forma ecaz e eciente as decises supra-organizacionalmente produzidas. A crescente presso sobre a gesto das escolas, em termos de execuo em conformidade, de certa forma despolitizando as decises e naturalizando-as, como se de apenas procedimentos tcnico-racionais se tratasse, tambm uma manifestao do novo gerencialismo nas organizaes escolares. Ser neste quadro de referncia que se podem interpretar as primeiras iniciativas legislativas de tipo reformista, do nal da dcada de 1980 e do incio da dcada seguinte, no que concerne s escolas bsicas e secundrias, mesmo quando o referencial normativo institudo pela Lei de Bases de 1986 compreendia, segundo alguns observadores, potencialidades democrticas. Embora a Lei no atribua autonomia s escolas bsicas e secundrias, mas apenas s universidades, contempla importantes princpios de democratizao do governo das escolas pblicas. Insiste nos processos participativos ao nvel da gesto do sistema escolar, incluindo professores, alunos e famlias (artigo 3, b) e no artigo 45 estabelece que a direco de cada estabelecimento assegurada por rgos prprios, para os quais so democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal no docente. Em termos mais gerais, consagra a descentralizao e a desconcentrao da administrao escolar, armando procurar proporcionar uma correcta adaptao s realidades, um elevado sentido de participao das populaes, uma adequada insero no meio comunitrio e nveis de deciso ecientes (artigo 3, g). As vrias recepes governativas, contudo, seguiram uma lgica modernizadora e racionalizadora, insistindo mais no controlo do que no desenvolvimento de processos democrticos e participativos, como se estes representassem fatalmente uma perda de protagonismo para o Ministrio, a partir de uma concepo de poder do tipo soma-zero. A aprovao do Regime Jurdico de Autonomia das Escolas (DecretoLei n 43/89, de 3 de Fevereiro) e, mais tarde, do Regime de Autonomia, Administrao e Gesto dos Estabelecimentos Pblicos de Educao (DecretoLei n 115-A/98, de 4 de Maio) representam, entre outras, manifestaes claras das acima referidas polticas.

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No primeiro caso, o decreto de 1989, de forma insular, mantendo integralmente a arquitectura poltico-organizacional instituda em 1976, arma no entanto visar inverter a tradio de uma gesto demasiado centralizada, sem se compreender como que tal objectivo ser alcanado margem de medidas concretas de descentralizao da administrao. O resultado um conjunto de denies vagas e genricas, consagrando competncias limitadas e instrumentais que de h muito, nalguns casos, vinham sendo praticadas, admitidas ou toleradas, assim remetendo para uma concepo abstractizante e retrica de autonomia, sem nomear as entidades concretas benecirias da anunciada transferncia de competncias. Tal concepo haveria ainda de conferir sentido ao novo modelo de gesto, institudo a ttulo de experimentao em cerca de cinco dezenas de escolas pelo Decreto-Lei n 172/91, da iniciativa do Governo liderado por Anbal Cavaco Silva, o qual introduzia a gura da assembleia da escola e do director executivo, rgo unipessoal eleito pela assembleia aps complexo e hbrido processo concursal (para uma avaliao da referida experimentao ver CAA, 1997). S quase uma dcada mais tarde, em pleno perodo ps-reformista (cf. Afonso, 2000; Lima, 2000), face reforma educativa iniciada com a aprovao da Lei de Bases de 1986, que viria a ser substitudo o decreto de gesto de Cardia, de 1976, pelo Decreto-Lei n 115-A/98, aprovado pelo Governo do Partido Socialista (PS), presidido por Antnio Guterres. A medida surgia legitimada pelo Programa Eleitoral do PS, de 1995, onde a descentralizao e o poder local eram valorizados e se insistia no reforo da autonomia das escolas, e tambm pelo Pacto Educativo para o Futuro, de 1996, onde se armava que a escola passaria a ser o centro das polticas educativas, beneciria de uma transferncia de competncias e de recursos, designadamente atravs da celebrao de contratos de autonomia entre as escolas e o Ministrio da Educao. O novo regime introduziu algumas alteraes signicativas em termos de morfologia organizacional, instituindo uma assembleia como rgo mximo, mas longe de um rgo de direco, um conselho executivo ou, em alternativa, um director (pela primeira vez depois do 25 de Abril), um conselho pedaggico e um conselho administrativo. Mas a principal inovao consistir na gura dos contratos de autonomia, em duas fases, a celebrar com o Ministrio dentro de certas condies, sujeitas a avaliao. Esta medida, embora criticada por sectores sindicais e por alguns acadmicos, no viria a produzir qualquer impacto durante os anos seguintes, dado que, excepo de um contrato de autonomia, assinado em circunstncias excepcionais, nenhum outro viria a ser rmado at entrada em funes do XVII Governo Constitucional, presidido por Jos Scrates. O novo regime abriu possibilidades formais de maior participao dos pais e encarregados de educao dos alunos, bem como das autarquias e outros actores locais, em torno da assembleia, e na sua sequncia foram transferidas algumas competncias para as escolas, embora de carcter tcnico e processual,

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de reduzido impacto e, em qualquer caso, inteiramente margem dos contratos de autonomia previstos, mas no celebrados, numa clara demonstrao de falta de vontade poltica e das resistncias da administrao para iniciar uma efectiva poltica de descentralizao e democratizao do governo das escolas. O discurso da autonomia surgia, porm, cada vez mais associado a uma agenda modernizadora e tcnico-racional, afastando-se progressivamente de um referencial democrticoparticipativo, circunstncia em que a participao democrtica na assembleia de cada escola cedo se revelou mais um ritual de legitimao do que um processo de participao na deciso (cf., entre outros estudos, Barroso, 1998, 1999; Afonso, 1999; N. Afonso, 1999; Dias, 1999; Estvo, 1999; Lima, 2000, 2007b). No caso do ensino superior, a reviso constitucional de 1982 tinha acolhido o preceito da autonomia universitria, e a Lei de Bases do Sistema Educativo dispunha, no seu artigo 45 (n 7 e n 8), que os estabelecimentos de ensino superior passavam a gozar de autonomia cientca, pedaggica e administrativa, conferindo ainda s universidades autonomia nanceira. Quanto a todas as escolas do ensino superior, o mesmo artigo (n 6) garante que a sua direco orientada pelos princpios de democraticidade e representatividade e de participao comunitria. Mas s seis anos aps a consagrao da autonomia universitria na Constituio da Repblica (artigo 76), na sequncia da apresentao de projectos pelos partidos polticos e, especialmente pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, ao longo da dcada de 1980, que a Assembleia da Repblica viria a aprovar, por unanimidade, a Lei da Autonomia Universitria (LAU). A Lei n 108/88, de 20 de Junho, estabelecer um regime assente nos princpios da democraticidade e participao, assegurando mtodos de gesto democrtica (artigo 2). Consagra a existncia de rgos de governo prprio de cada instituio a assembleia, o reitor, o senado e o conselho administrativo (artigo 16) -, e a paridade entre docentes e estudantes no caso da assembleia e do senado. Confere s universidades capacidade de autodeterminao e reconhece-lhes autonomia estatutria, cientca, pedaggica, administrativa, nanceira, patrimonial e disciplinar, bem como o direito de elaborar os seus estatutos (artigo 3). Neste quadro, cada instituio passa agora a gozar de poderes prprios de direco e competncia exclusiva para a prtica de certos actos, desta feita subtraindo-se administrao directa do Estado e transitando para um novo estatuto, embora consideravelmente ambguo e controverso, situado entre a administrao indirecta do Estado e a administrao autnoma. No obstante as contradies registadas no que concerne natureza jurdica e denio da autonomia das escolas nas suas relaes com a tutela, a LAU foi em geral recebida como um elemento decisivo para o processo de democratizao, liberdade e autogoverno das universidades, tendo de facto institudo um diferente paradigma nas relaes entre as escolas e o Ministrio. No obstante as restries

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impostas eleio do reitor, atravs da assembleia e no por processo universal com ponderao dos votos dos diferentes corpos, conforme chegou a ocorrer antes da publicao da lei, e ainda a adopo do Decreto-Lei n 781-A/76 como referencial para a estruturao das unidades orgnicas, institua-se um modelo de governo de tipo poltico-participativo, cuja legitimidade assentava na adopo de formas democrticas de organizao e gesto, e de participao no processo de deciso. A universidade era, de certa forma, representada como uma arena poltica e cultural, constituda por projectos e interesses diversos, com legitimidade e liberdade de expresso, democraticamente dirimidos em rgos de governo participados, de tipo colegial, assim se assemelhando a um sistema de governo, ou a uma cidade governada em termos democrticos. Bem cedo, porm, se tornaria claro que a autonomia universitria passaria a legitimar novas formas de regulao por parte do Estado, especialmente por via da avaliao, apresentada como um contraponto indispensvel autonomia, e tambm atravs do nanciamento das instituies. O modelo institucional de tipo colegial-participativo, remetendo para a ideia de autogoverno democrtico, emergia juridicamente num contexto, mais geral, pouco propcio em termos poltico-ideolgicos e, de certo modo, em contra-ciclo face a um modelo institucional, emergente, de feio gerencialista. As tenses e o hibridismo resultantes passaram a ser visveis, desde ento at hoje (cf., entre outros, Lima, 1997; Seixas, 2003; Magalhes, 2004; Amaral & Magalhes, 2001), podendose armar que a autonomia institucional foi sendo progressivamente sitiada por mltiplas, e por vezes subtis, formas de controlo; desde as regras e as prticas de nanciamento, adeso ao Processo de Bolonha e respectivo processo de adequao, passando pela multiplicao das interferncias micronormativas da tutela, frequentemente instituio a instituio, de resto em sincronia com uma crise de representao e armao poltica, sem precedentes, por parte do Conselho de Reitores. A autonomia atribuda s escolas superiores (para o ensino politcnico veja-se a Lei n 54/90, de 5 de Setembro) viria a ser objecto de um processo de desconexo relativa face democratizao do governo das instituies, em termos de aprofundamento da participao nos processos de deciso e da colegialidade, articulando-se preferencialmente com uma agenda modernizadora e racionalizadora. Esta revelou-se mais centrada na eccia e na ecincia da gesto e num conceito de autonomia como delegao poltica de novas responsabilidades e encargos por parte do Estado e, simultaneamente, como uma nova tcnica de gesto, a vrios ttulos aferida sob controlo (re)centralizado. Ou seja, uma autonomia instrumentalizada e instrumental, enquanto parte de uma tecnologia de controlo, por essa via, paradoxalmente, compatvel com a heteronomia e doravante subordinada ao cnone gerencialista. Uma vez mais, a consagrao jurdica de princpios e de morfologias organizacionais de inspirao democrtica, no sendo indiferente, se revelava,

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contudo, insular e insuciente, face a orientaes polticas, nacionais e transnacionais, de distinto signo, radicalizando sem precedentes a polissemia da categoria autonomia da escola. 3. Inuncias do cnone gerencialista: o conselho geral e a liderana do executivo ecaz Ao longo das ltimas quatro dcadas, a categoria poltico-educativa, e jurdica, gesto democrtica das escolas passou de prtica de tipo autogestionrio a objecto de normalizao e consagrao jurdica, tendo sido, posteriormente, sujeita a um processo de progressiva eroso nos discursos de poltica educativa. Mais recentemente, porm, entrou numa fase que poder ser metaforicamente apelidada de ocaso. A categoria autonomia da escola, fortemente associada a uma constelao de conceitos de inspirao neo-cientca e gerencialista (cf., entre outros, Lima & Afonso, 2002; Barroso, 2003; Santiago, Magalhes & Carvalho, 2005), centrada na avaliao e gesto da qualidade, na modernizao e racionalizao, na prestao de contas aos stakeholders (cf. Amaral & Magalhes, 2000), na competitividade entre escolas e na criao de mercados internos entre elas e, at, no interior de cada uma delas, emergiu, como vimos, como alternativa. Ainda que do ponto de vista jurdico-formal, considerando a Constituio e a Lei de Bases do Sistema Educativo, a gesto democrtica das escolas permanea inalterada enquanto referente normativo, os discursos governamentais, a legislao ordinria e uma boa parte das agendas de poltica educativa, mesmo no interior das escolas, deslocaram-se para a gesto ecaz e a exibilidade, a competitividade e a produtividade, a contratualizao e a mercadorizao. Parafraseando Marilena Chau (1999), reconceptualizou-se a escola como organizao social, ou fundao pblica de direito privado (como est previsto para as universidades portuguesas), prestadora de servios, mais do que garante de direitos, como apangio de uma escola, ou universidade, de tipo operacional. O prprio campo lexical da educao e do governo das escolas foi, progressivamente, abandonando palavras como democracia, cidadania, liberdade, cooperao, solidariedade, bem comum, justia, para se concentrar na modernizao, racionalizao, eccia, concorrncia, rivalidade, aproximando-se consideravelmente do universo semntico mais tpico da esfera econmico-empresarial (cf. De Montlibert, 2008; Woolf, 2008). O ambiente comercial e a cultura de empresa parecem suplantar o ethos acadmico e pedaggico, desvinculando o governo democrtico, colegial e participativo do conceito de garantia da qualidade e menosprezando a educao para a cidadania democrtica como dimenso central da misso das instituies. Tambm por esta razo se celebra a transio da colegialidade para a unipessoalidade, remetendo a representatividade democrtica para rgos de topo, de tipo estratgico, com representao externa ou comunitria de sectores interessados, sem interferncia

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no quotidiano das instituies e sem funes executivas. A estrutura interna das escolas tende a ser governada por gestores intermdios, executivamente subordinados, quer aos conselhos gerais, quer, especialmente, aos executivos de topo ou lderes institucionais, directores ou reitores seleccionados por aqueles conselhos, com programas de governo por eles aprovados, e a eles devendo prestar contas (como acontece com os Chief Executive Ofcers, ou CEO, nas empresas). Neste contexto, parte-se do pressuposto que a gesto prossional o paradigma a seguir, cabendo s lideranas individuais apresentar o seu programa de governo, execut-lo e dele prestar contas aos conselhos gerais, escolher as suas equipas, no apenas de governo, mas tambm de gesto intermdia, atravs da livre nomeao, ou demisso, dos respectivos gestores. Por esta via se subtrai a professores, estudantes e funcionrios a possibilidade de participao nos processos de deciso, a no ser de forma muito indirecta e distante, atravs de alguns representantes no rgo de topo, podendo mesmo afast-los da participao no seu contexto mais prximo e restrito de trabalho, nos casos em que a direco desse seja levada a cabo por rgos unipessoais, nomeados com base na conana poltica do conselho geral ou, como mais plausvel, do gestor de topo, isto , do reitor, presidente, ou director da instituio. Daqui resulta, teoricamente, uma centralizao e uma concentrao de poderes, ao contrrio da anunciada descentralizao, tal como uma situao de generalizada heteronomia para a maior parte dos actores organizacionais, tambm ao invs da prometida autonomia. No limite, pode mesmo ocorrer uma reactualizao do princpio fayoliano da unidade de comando, que muito mais do que o princpio da unidade de direco poltico-estratgica, de resto compatvel com a ideologia gerencialista contempornea, implicitamente assente na mxima da Administrao Cientca, do incio do sculo XX: aquilo que bom para as empresas bom para as escolas, at porque, no essencial, a administrao educacional apenas um campo de aplicao da administrao industrial e geral denida por Henri Fayol (1984). Consequentemente, complexos e paradoxais movimentos de descentralizao e recentralizao, e de autonomia e heteronomia, emergem em articulao, em termos mais amplos, com movimentos diversos de reforma do Estado e das polticas pblicas, alterando profundamente as modalidades de regulao das escolas pblicas (cf. Barroso, 2003). A transio do controlo estatal para novas formas de superviso e de governo pelo mercado, a vrios ttulos visvel em Portugal, e especialmente no ensino superior (cf. Maassen, 2008), confere protagonismo avaliao externa segundo orientaes estandardizadas, passveis de mensurao, de comparao e hierarquizao (cf., por exemplo, ENQA, 2005), assinatura de contratos entre as escolas e o Governo, como se de apenas dois parceiros se tratasse, adopo de oramentos competitivos, com base em resultados ou indicadores de performance, e cada vez mais decisiva actividade de angariao de fundos, como forma de compensar a retirada parcial do Estado. Neste quadro de racionalidade e competitividade

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de tipo econmico, a modernizao do governo e da organizao das escolas encontra-se dependente de lideranas individuais e ecazes, de lideranas fortes, quase sempre assentes nas caractersticas natas do lder (cf. Grilo, 2005, pp. X-XI). Trata-se do elogio do lder executivo ecaz, cujas funes so as de controlar, gerir, supervisionar e dirigir, de acordo com a proposta apresentada, j nos nais da dcada de 1930, por Chester Barnard (1979). Segundo Peter Drucker (1970, p.6), o executivo ecaz o homem ou a mulher que tem que tomar decises e que, por virtude do seu conhecimento, est melhor apetrechado do que qualquer outra pessoa para tomar a deciso certa. Estas abordagens normativistas e racionalistas, em permanente busca da soluo ptima e do menor meio, a partir da capacidade individual de previso, de clculo e de escolha da melhor soluo, revelam-se, no limite, incompatveis com a colegialidade e a participao democrtica nos processos de deciso, dados os seus pressupostos elitistas e oligrquicos. Uma boa parte das acima referidas orientaes poltico-organizacionais encontra expresso, ainda que diversa, na poltica educativa portuguesa dos ltimos anos, seja atravs da actividade legislativa, seja mesmo em termos de estudos, avaliaes e recomendaes de agncias internacionais, produzidos a solicitao do Governo portugus (cf., designadamente, ENQA, 2006; OCDE, 2006). No sendo possvel analisar aqui todo o corpus de documentos pertinentes, opta-se por destacar a legislao produzida por iniciativa do XVII Governo Constitucional, na sequncia do Compromisso de Governo para Portugal (20052009), do Partido Socialista (2005), no que concerne ao RJIES - Regime Jurdico das Instituies do Ensino Superior (aprovado pela Assembleia da Repblica atravs da Lei n 62/2007, de 10 de Setembro), e ao RAAG - Regime de Autonomia, Administrao e Gesto dos Estabelecimentos Pblicos da Educao Pr-Escolar e dos Ensinos Bsico e Secundrio (Decreto-Lei n 75/2008, de 22 de Abril), ambos, em nais de 2008, em fase de adopo por parte dos respectivos estabelecimentos de educao. Sob o signo do combate ao dce de qualicaes, razo considerada central no atraso de desenvolvimento do Pas, o programa eleitoral do PS em 2005 assume, com clareza, as ideias-chave de racionalizao das redes de estabelecimentos de educao, autonomia, contratualizao, avaliao, direco estratgica das escolas e lideranas unipessoais fortes. No caso das escolas bsicas e secundrias, continua a ser armado que as escolas so o centro do sistema educativo, devendo gozar de maior autonomia, atravs da celebrao de contratos de autonomia, acompanhados por um programa nacional de avaliao das escolas (Partido Socialista, 2005, pp. 44-45). Declarando que A participao democrtica na vida das escolas uma das grandes conquistas do Pas (ibid., p.46), arma-se pretender o reforo da participao das famlias e da comunidade na direco estratgica

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dos estabelecimentos de ensino e no favorecimento da constituio de lideranas fortes. O reforo das capacidades de gesto das escolas ser acompanhado de maior responsabilizao e avaliao de processos e resultados (ibid., p. 49). No que ao ensino superior concerne, para alm do grande objectivo de concretizao do Processo de Bolonha, as linhas programticas estabelecidas so idnticas: reformar o sistema de governo das instituies, de modo a consolidar a autonomia, desenvolver a cultura de prestao de contas e exibilizar as formas de organizao e gesto, estruturar um sistema de garantia de qualidade, garantir o reforo dos poderes dos rgos executivos e dos mecanismos de responsabilizao (ibid., pp. 50-52). So visveis, em ambos os casos, as opes por uma concepo gestionria de autonomia, enquanto novo instrumento de regulao, compensado e aferido atravs de novas formas estandardizadas de prestao de contas e garantia da qualidade. Semelhantes tenses, e compromissos, se vericam na legislao posteriormente produzida pelo Governo do PS entre a representao democrtica de membros internos e externos s instituies no rgo de topo, por vezes com fortes limitaes dos membros internos, e a reduzida dimenso do conselho geral, considerada um elemento absolutamente bvio em termos de garantia da qualidade da governao. Ou ainda entre o pretenso reforo da autonomia e da democraticidade das escolas, por um lado, e a imposio de um rgo unipessoal de governo, por outro, responsvel primeiro perante a tutela, devendo representar o rosto da escola, dela prestar contas pelos resultados alcanados e liderar os doravante professores, estudantes e funcionrios administrados. A emergncia de uma nova classe de gestores (cf. Lorenz, 2007), como alternativa a uma colegialidade agora representada como inecaz e desresponsabilizante (mesmo que contra as evidncias da investigao), e a forte administrativizao do governo das escolas, tendendo a limitar as prticas democrticas e participativas aos rgos de topo e sua respectiva legitimao, surge na lgica das propostas de governao institucional que a OCDE (2006) recomendou ao Estado portugus. Um governo baseado em contratos de performance e respectivos indicadores, avaliao sistemtica de resultados, incremento substancial da autonomia institucional em termos de gesto e racionalizao interna das escolas, so os principais elementos propostos com vista a um sistema de governo moderno e eciente (OCDE, 2006, pp. 31-33). A legislao portuguesa adoptou propostas emblemticas do novo gerencialismo e vrias recomendaes da OCDE, ainda que, globalmente, se possa concluir estarmos perante um perodo de transio, que pode vir a ser concludo no futuro e, especialmente, no caso das instituies de ensino superior que venham a optar pelo estatuto fundacional, uma vez que vrias recomendaes importantes da OCDE no obtiveram, nesta fase, concretizao jurdica. A transformao das instituies em fundaes de direito privado, a nomeao do reitor, a nomeao dos directores das faculdades e departamentos, a maioria de membros externos

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no rgo mximo de governo, a perda do estatuto de funcionrio pblico, a no subordinao s normas da contabilidade pblica, so alguns dos elementos mais tpicos do paradigma privado-empresarial que no tiveram acolhimento na lei. Porm, a perda de inuncia dos rgos colegiais, a concentrao de poderes executivos no reitor, ou presidente, e a sua eleio margem da comunidade acadmica ou de um rgo de composio sucientemente alargada, a presidncia do conselho geral por um membro externo, o elogio das lideranas unipessoais fortes, a reduo do nmero de rgos deliberativos e a reduo do nmero de acadmicos envolvidos no governo das instituies, representam elementos nucleares da concepo de universidade empreendedora que vingou no RJIES. A secundarizao do governo acadmico e da participao democrtica dos acadmicos na gesto colegial uma tendncia escala internacional, na lgica dos conselhos de curadores e da devoluo da gesto aos gestores prossionais ou s tecnoestruturas, do menor relevo atribudo aos departamentos e outras subunidades de gesto onde os professores e investigadores se organizam (cf., entre outros, El-Khawas, 2002), de que resulta uma retrica da autonomia das instituies correlativa de maior interveno e interferncia por parte do Estado (cf. Amaral, 2008), bem como uma concentrao de poderes no interior das escolas. A Lei n 62/2007 (RJIES) ganha outra inteligibilidade luz das mximas poltico-gestionrias antes referidas, permitindo mesmo antever possveis desenvolvimentos futuros. No imediato, embora a capacidade de elaborao de estatutos prprios por parte de cada instituio, na observncia da Lei, represente uma prerrogativa de grande importncia em termos de recepo e de latitude de solues organizacionais e de governo, o sistema de governo e a macroestrutura organizacional adoptados tendem para uma subvalorizao das prticas democrticas e participativas no interior das escolas ou faculdades, e dos departamentos e outras subunidades orgnicas. Nada na Lei, de resto, impede a opo pela nomeao dos principais rgos, unipessoais, de tais estruturas, concentrando-se o normativo nos rgos de governo, que regula com detalhe. O conselho geral o rgo mximo, embora de dimenso mnima em termos de participao e representao democrticas, apenas composto por quinze a trinta e cinco membros, integrando professores e investigadores (necessariamente mais de metade dos membros), compreendendo estudantes e, eventualmente (mas no necessariamente) funcionrios no docentes, e ainda, obrigatoriamente, pelo menos 30% de membros externos cooptados, um dos quais ser o presidente do rgo (artigo 81). O conselho geral, sendo o rgo mximo de governo, a quem cabe eleger o reitor, aprovar alteraes aos estatutos, apreciar os actos de gesto do reitor e do conselho de gesto, e propor iniciativas para o bom funcionamento da instituio, no interfere no governo e na gesto quotidianos, que cabem ao reitor ou presidente. So estes os verdadeiros lderes das instituies, concentrando um

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numeroso conjunto de competncias (cf. artigo 92), parte das quais atribudas ao senado na legislao anterior. O senado, porm, de criao facultativa, agora um rgo de natureza consultiva, desaparecendo ainda a anterior assembleia. Conclui-se, assim, que a liderana individual ganha grande centralidade em termos de governo, at mesmo no caso da maioria das competncias exercidas pelo conselho geral, as quais so de aprovao dos mais importantes planos e documentos estratgicos das instituies, sempre sob proposta do reitor ou presidente, rgo a quem compete a conduo da poltica da instituio (artigo 85, n 2). Garantida em termos de mnimos democrticos, a participao na gesto democrtica das escolas e o seu aprofundamento no representam valores nucleares do diploma, sendo que aquela categoria no chega sequer a ser nomeada, concedendo protagonismo aos conceitos de autonomia, autonomia de gesto, autogoverno, consrcio, fundao, entre outros. O estatuto de fundao pblica com regime de direito privado, que pode vir a ser adoptado por iniciativa das instituies ou do Governo, mediante processo de contratualizao, , de certo modo, o paradigma ou referencial em termos de governo e organizao, segundo o legislador. Em tal caso, a exibilidade consideravelmente maior, designadamente em termos de gesto de recursos, de carreira docente e de investigao e, at, de morfologia organizacional, um processo de desregulao relativa que se aproxima consideravelmente das propostas da OCDE, tambm incluindo um conselho de curadores composto por cinco personalidades, sem vnculo laboral instituio, nomeados pelo Governo sob proposta desta, com poderes para homologar diversas deliberaes do conselho geral, para nomear e exonerar o conselho de gesto e para homologar a designao ou destituio do reitor, ou presidente, pelo conselho geral (captulo VI). As perspectivas gerencialistas e tecnocrticas tm sido analisadas em vrios estudos, que chamam a ateno para a subordinao da democracia e da autonomia acadmica garantia da qualidade e prestao de contas, ao ambiente concorrencial, ao capitalismo acadmico e emergncia de um mercado mundial de ensino superior (cf., Martins, 2004), aos poderes exorbitantes dos reitores ou presidentes, traduzindo uma crise do ethos acadmico, uma situao de subnanciamento estatal e de mngua de certos recursos, uma crescente proletarizao, desprossionalizao e precariedade entre docentes e investigadores (cf., por exemplo, Le Gall & Souli, 2007). No entanto, conhecem agora uma renovada centralidade e representam alguns dos possveis eixos de anlise da situao portuguesa, luz do novo regime jurdico. Deste ponto de vista, o ensino superior em Portugal estruturalmente integrado no movimento mais global de reformas europeias, com vista criao de uma rea europeia de educao superior, harmonizada e competitiva, que a vrios ttulos representa um novo paradigma de inspirao mercantil e de prestao de servios em ambiente concorrencial, o que foi recentemente apelidado de pesadelo de Humboldt (Schultheis, Roca i Escoda & Cousin, 2008).

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O Decreto-Lei n 75/2008 (RAAG) transfere para os estabelecimentos de educao bsica e secundria uma boa parte das orientaes, e tambm das solues organizacionais, acima analisadas, embora num contexto global de administrao directa do Estado, de que resulta uma concepo de autonomia consideravelmente mais limitada e circunscrita a dimenses predominantemente tcnicas e operacionais, e um ordenamento mais directivo e menos aberto s diferenas. O diploma arma pretender o reforo da participao das famlias e comunidades na direco estratgica dos estabelecimentos de ensino e tambm favorecer a constituio de lideranas fortes. No primeiro caso refora-se a participao dos respectivos sectores no conselho geral, considerado o rgo colegial de direco estratgica (embora muito longe de assumir as competncias do seu congnere nas escolas superiores) e no segundo caso impe-se, pela primeira vez desde o 25 de Abril de 1974, a generalizao da gura do director, rgo unipessoal que, tambm pela primeira vez, passa a ter o poder de nomear todos os responsveis pelos departamentos curriculares, principais estruturas de coordenao e superviso pedaggica. No obstante o legislador reconhecer que, sob lideranas colegiais anteriores, foi possvel a emergncia de boas lideranas e at de lideranas fortes, incluindo casos assinalveis de dinamismo, entende que se trata de excepes e que, atravs da imposio, por decreto, da gura do director, ser possvel garantir, de forma generalizada, a emergncia de lideranas ecazes, numa viso racionalista e legalista que parece mais induzida pela ideologia gerencialista do que pelo conhecimento crtico da realidade. A argumentao, desprezando os resultados da investigao portuguesa sobre o assunto, revela-se inconsequente, confundindo boas lideranas com lideranas fortes, e estas com lideranas unipessoais, de resto num contexto histricocultural ainda marcado pela vigncia de um regime autoritrio e por lideranas unipessoais muito fortes, a vrios ttulos e em vrios contextos, designadamente nas escolas. Finalmente, a centralidade de tais lideranas surge sistematicamente desmentida no prprio diploma, amplamente subordinada a uma direco escolar atpica, de feio centralizada-desconcentrada, primeira responsvel perante a tutela pela execuo local das medidas de poltica educativa. Trata-se, portanto, de estabelecer um director internamente forte, um executivo que concentra mais poderes e competncias (cf. artigo 20), eleito pelo conselho geral na sequncia de um procedimento concursal, assim retornando a procedimentos usados experimentalmente no incio da dcada de 1990 e que, j ento, se revelaram confusos e controversos. Tal director, porm, surge como externamente fraco, especialmente perante a tutela, representando do ponto de vista desta o escalo ltimo de uma administrao radicalmente desconcentrada, com capacidade para penetrar j no interior das escolas e de a encontrar o seu primeiro representante, embora democraticamente legitimado a nvel escolar. Recorde-se, a este propsito, que o director e os restantes rgos de direco e gesto, podero ser dissolvidos a qualquer momento pelo Governo, na sequncia de processo

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de avaliao externa ou de aco inspectiva que comprovem prejuzo manifesto para o servio pblico ou manifesta degradao ou perturbao da gesto (artigo 35). Instituindo uma parcialmente nova morfologia organizacional, com relevo para o conselho geral, o director, o conselho pedaggico e o conselho administrativo, o diploma insiste numa concepo instrumental e subordinante de autonomia, numa autonomia de gesto fortemente sobredeterminada e governamentalizada, cujo pivot, em termos internos, o novo director. Neste sentido, a democratizao do governo das escolas revela-se incompatvel com o estabelecimento de solues universais para alm do razovel, generalizando e impondo solues que caberiam a escolas dotadas de algum grau de autonomia democrtica, substantiva. No se trata, ao contrrio do que foi armado, de um enquadramento legal mnimo, nem da matriz de modelos de gesto escolar que vem sendo reclamada h mais de duas dcadas. Trata-se de uma variao operacional, ou procedimental, do conceito de autonomia, sujeito a um processo de ressemantizao na linha das perspectivas da Nova Gesto Pblica. Tal viso insular dispensa-se de operar mudanas polticas na orgnica do Ministrio da Educao e no respectivo sistema de administrao escolar, as quais seriam indispensveis consagrao de um governo mais democrtico e mais autnomo das escolas. Ao deixar inclume o poder central, o diploma amputa-se das condies mnimas para realizar o princpio da autonomia das escolas que arma defender, antes o limitando e circunscrevendo a agendas tcnico-racionais e de tipo ecientista, isto , compatibilizando-o com uma situao de generalizada heteronomia. Embora a realizao de estudos empricos, ao longo dos prximos anos, se revele indispensvel a uma compreenso aprofundada das polticas e das prticas de governo e gesto das escolas, bem como das diversas recepes e recontextualizaes, j possvel, a partir de uma interpretao do processo de democratizao levado a cabo desde o 25 de Abril de 1974, destacar alguns elementos centrais. A perda de protagonismo e de legitimidade da categoria gesto democrtica das escolas, especialmente a favor da categoria autonomia das escolas, interpretada como uma autonomia de tipo gerencial e tcnicoinstrumental, desvinculada da democratizao do governo das instituies, representa uma orientao nuclear, suportada por novas correntes da gesto e por recomendaes de importantes organizaes internacionais, frequentemente representada como um requisito do processo mais global de modernizao e europeizao da educao. O aprofundamento de processos democrticos de organizar e governar as escolas, e as suas conexes com a promoo de uma educao para a participao e a cidadania democrticas, em ambiente de convivncia cvica, crtica e dialgica, ampliando as dimenses pblicas, poltico-educativas, das escolas pblicas, representa uma narrativa em crise

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face s narrativas gestionrias de feio econmico-empresarial. A cultura do novo capitalismo e a sua economia das capacitaes(cf. Sennett, 2006), ou qualicaes, remete a governao democrtica das escolas, a colegialidade e a participao, tal como muitos traos da cultura acadmica, para o rol das disfunes de organizaes burocratizantes, que urge reformar, e para o grupo das irracionalidades de gesto, incompatveis com a modernizao e inovao que se exige de escolas integradas em ambientes concorrenciais. Os modelos colegiais, congruentemente, so representados como obstculos boa gesto e indispensvel aco dos lderes unipessoais, os novos executivos ecazes que so uma das principais marcas dos modelos gerencialistas defendidos (cf., por exemplo, Crespo, 2003, pp. 71-80). Neste contexto, a colegialidade, mesmo quando admitida, predominantemente associada a rgos de natureza consultiva, exceptuando a constituio dos conselhos gerais, por necessidade de os dotar de um mnimo de legitimidade democrtica, nestes concentrando as principais decises polticas, dessa forma acentuando a despolitizao das restantes estruturas, representadas como predominantemente tcnicas ou apenas produtoras de trabalho. Sendo tambm uma das manifestaes dos processos de individualizao, o executivo ecaz tende para a centralizao de poderes, concentrando sobre si, individualmente, a procura de solues para problemas estruturais e colectivos, expondo-se especialmente a erros e a omisses, margem de contextos colectivos de deciso, de discusso e de intersubjectividade no apenas mais democrticos, mas at mesmo mais ecazes. Frequentemente apresentados como vectores das abordagens ps-burocrticas de regulao e governao, os princpios gerencialistas antes referidos parecem, no entanto, suceder-se mais em termos de transio do iderio da gesto democrtica das escolas para uma espcie de ps-democracia gerencial, bem como de mudana do papel do Estado em termos regulatrios e de proviso pblica de recursos, do que propriamente no captulo da reclamada desburocratizao. Talvez, pelo contrrio, a racionalidade tcnico-instrumental, e vrias dimenses do conceito weberiano de burocracia, nunca tenham atingido, nas formas de regulao da educao e de gesto das escolas, uma to expressiva presena e radicalizao, tambm por essa via se constituindo como obstculos democratizao do governo das escolas.

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Abstract Based on the revision of research data about the democratic-participatory management of state schools after the Portuguese revolution of 1974, the author presents an interpretation of the democratization process of the governance of schools which took place after 1974, pointing out the main periods, policies, conicts and contradictions, and discussing some of the more recent impacts of new managerialism on Portuguese schools and higher education institutions.

Rsum En prenant par base la recherche ralise sur la gestion dmocratique-participative des coles publiques aprs le 25 avril 1974, lauteur prsente une interprtation du processus de dmocratisation du gouvernement des coles qui sest produit partir de 1974, en indiquant les principales priodes, lorientations politiques, les conits et les contradictions de ce processus, et en discutant certains des plus rcents impacts du nouveau managerialisme dans les coles et les institutions denseignement suprieur portugaises.

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