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Revista RG News 3 (1) 2017 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos 79 11. Conservação ex situ de germoplasma de espinheira-santa Tângela Denise Perleberg Bióloga, Mestre em Sistemas de Produção Agrícola Familiar pela Universidade Federal de Pelotas. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio- grandense, atuando no Campus Pelotas - Visconde da Graça. Tem experiência na área de Botânica, com ênfase em Recursos Genéticos, Biologia Reprodutiva, Taxonomia Vegetal e Ensino de Botânica. Rosa Lia Barbieri Bióloga, Doutora em Genética e Biologia Molecular. Pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Clima Temperado. Integra o corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Pelotas, na área de concentração Fitomelhoramento. Faz parte da diretoria da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos, e é presidente da Rede de Recursos Genéticos da Região Sul do Brasil. Tem experiência nas áreas de Agronomia, Genética Vegetal e Botânica, com ênfase em Recursos Genéticos Vegetais e Agrobiodiversidade. Márcio Paim Mariot Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agronomia, Professor do Instituto Federal Sul- rio-grandense, Campus Pelotas-Visconde da Graça. Chefe do Departamento de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação. Tem experiência na área de Agronomia, Genética Vegetal e Botânica, com ênfase em Plantas Medicinais, Recursos Genéticos Vegetais, Melhoramento Genético e Etnobotânica. Introdução A espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart.) é uma planta medicinal nativa da região sul do Brasil, que pertence à família Celastraceae (Figura 1). Essa espécie pode ser arbustiva ou arbórea, com altura variando de 40 cm até 12 m (MARIOT, 2005; CARVALHO, 2006). Dependendo da região onde ocorre é conhecida por diferentes nomes populares, além de espinheira-santa: cancorosa, cancerosa, erva-cancerosa (MARIOT, 2005). As folhas apresentam grande variação no tamanho e podem ter de um a vários espinhos na margem. A infusão destas é usada para desordens estomacais (NASCIMENTO et al., 2005)

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11. Conservação ex situ de germoplasma de espinheira-santa

Tângela Denise Perleberg Bióloga, Mestre em Sistemas de Produção Agrícola Familiar pela Universidade Federal de Pelotas. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, atuando no Campus Pelotas - Visconde da Graça. Tem experiência na área de Botânica, com ênfase em Recursos Genéticos, Biologia Reprodutiva, Taxonomia Vegetal e Ensino de Botânica. Rosa Lia Barbieri Bióloga, Doutora em Genética e Biologia Molecular. Pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Clima Temperado. Integra o corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Agronomia da Universidade Federal de Pelotas, na área de concentração Fitomelhoramento. Faz parte da diretoria da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos, e é presidente da Rede de Recursos Genéticos da Região Sul do Brasil. Tem experiência nas áreas de Agronomia, Genética Vegetal e Botânica, com ênfase em Recursos Genéticos Vegetais e Agrobiodiversidade.

Márcio Paim Mariot Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agronomia, Professor do Instituto Federal Sul-rio-grandense, Campus Pelotas-Visconde da Graça. Chefe do Departamento de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação. Tem experiência na área de Agronomia, Genética Vegetal e Botânica, com ênfase em Plantas Medicinais, Recursos Genéticos Vegetais, Melhoramento Genético e Etnobotânica.

Introdução A espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart.) é uma planta medicinal nativa da região sul do Brasil, que pertence à família Celastraceae (Figura 1). Essa espécie pode ser arbustiva ou arbórea, com altura variando de 40 cm até 12 m (MARIOT, 2005; CARVALHO, 2006). Dependendo da região onde ocorre é conhecida por diferentes nomes populares, além de espinheira-santa: cancorosa, cancerosa, erva-cancerosa (MARIOT, 2005). As folhas apresentam grande variação no tamanho e podem ter de um a vários espinhos na margem. A infusão destas é usada para desordens estomacais (NASCIMENTO et al., 2005)

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apresentando ação comprovada contra gastrite e úlceras gástricas (CARLINI, 1988; JORGE et al., 2004). Além disso, existem várias indicações populares para a espécie, como antiulcerogênica, anti-inflamatória e analgésica (JESUS; CUNHA, 2012; SIEGEL et al., 2016; STOLZ et al., 2014). A espinheira-santa faz parte da lista nacional de plantas de interesse para o Sistema Único de Saúde (Renisus) do Ministério da Saúde.

Figura 1. A. Planta de espinheira-santa (M. ilicifolia). B. Detalhe da folha, evidenciando os espinhos da margem. Fotos: Tângela Denise Perleberg. O Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de Espinheira-Santa A Embrapa Clima Temperado, em parceria com o Instituto Federal Sul-rio-grandense, mantém um BAG de Espinheira-Santa (Figura 2). Os acessos desse Banco pertencem às espécies Maytenus aquifolia Mart. (oito acessos) e M. ilicifolia (129 acessos). Originários de diferentes regiões do Rio Grande do Sul são conservados a campo desde 2002 em duas áreas distintas no município de Pelotas (MARIOT, 2005). Na Estação Experimental Cascata da Embrapa Clima Temperado estão 471 plantas, dos acessos 01 a 115. O local fica a 25 km do centro de Pelotas e pertence à região fisiográfica da Serra do Sudeste, com altitude de 160m. No Campus Pelotas - Visconde da Graça do Instituto Federal Sul-rio-grandense são mantidas 183 plantas, dos acessos 116 a 137. Esta área fica a 8,5 km do centro de Pelotas, e situa-se na Planície Costeira do município, com 7m acima do nível do mar. Os acessos do BAG foram caracterizados com descritores morfológicos e marcadores microssatélites (MARIOT; BARBIERI, 2010; MARIOT et al., 2008; RIBEIRO et al., 2010). Também foram avaliados caracteres fisiológicos relacionados à qualidade das sementes (MARIOT et al., 2005).

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Desde 2015 vem sendo realizado um estudo para conhecer os polinizadores e os dispersores de M. ilicifolia no BAG Espinheira-Santa. Na época de floração foi feita a observação dos visitantes florais. Os visitantes foram classificados em polinizadores ou pilhadores de néctar de acordo com o comportamento apresentado ao realizar a visitação das flores. Os polinizadores visitaram ambos os morfotipos florais frequentemente, encostando alguma parte do seu corpo nos órgãos reprodutivos da flor, possibilitando, assim, a transferência de pólen entre as plantas. As aves visitantes foram registradas no período em que a espinheira-santa estava com frutos maduros, sendo consideradas dispersoras aquelas que consumiram diásporos, ou seja, o arilo com as sementes. Foram realizados registros fotográficos dos polinizadores e dispersores. Figura 2. Banco Ativo de Germoplasma de Espinheira-Santa da Embrapa Clima Temperado/Instituto Federal Sul-rio-grandense. Foto: Tângela Denise Perleberg.

Os polinizadores da espinheira-santa No BAG Espinheira-Santa o período reprodutivo inicia em junho, com a emissão dos botões florais, e se estende até janeiro, com a produção de frutos maduros. A floração acontece a partir de julho e se estende até novembro, com maior intensidade em agosto e setembro. A formação de frutos maduros ocorre de novembro a janeiro. A espinheira-santa apresenta dois morfotipos florais que ocorrem em plantas distintas. Ambas são muito semelhantes, com flores pequenas, de coloração verde-amarelada e sem perfume. No entanto, diferem quanto à funcionalidade (Figura 3). As flores funcionalmente masculinas produzem grande quantidade de pólen e as flores funcionalmente femininas originam frutos. Por este motivo, é uma espécie considerada funcionalmente dioica. E, portanto, o pólen das flores funcionalmente masculinas precisa ser transportado até o estigma das flores funcionalmente femininas para que o ocorra a fecundação e formação de frutos.

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Figura 3. Morfotipos florais de M. ilicifolia (Celastraceae). A. Flores funcionalmente femininas. B. Flores funcionalmente masculinas. Fotos: Paulo Lanzetta. As moscas e as vespas foram os principais polinizadores da espinheira-santa (Figura 4). Estes insetos visitam as flores em busca de néctar. Ao vasculharem o disco nectarífero, encostam com partes do seu corpo nas anteras ou estigma das flores, propiciando, desta forma, o fluxo gênico entre os acessos do BAG. A mosca varejeira (Lucilia eximia Wiedemann), e a vespa-mexicana-do-mel (Brachygastra mellifica Say), são os polinizadores mais frequentes (Figuras 4A e 4F). A família Syrphidae foi a mais expressiva em diversidade de espécies de polinizadores (Figuras 4D e 4E). Essa família é considerada a mais importante entre os dípteros polinizadores, sendo constituída por moscas especializadas em se alimentar de pólen e néctar, dependendo, na sua fase adulta, quase exclusivamente de flores para sua alimentação, sendo por isso chamadas moscas-das-flores (WILLMER, 2011). As moscas saprófagas e necrófagas, pertencentes às famílias Anthomyiidae, Calliphoridae, Muscidae e Sarcophagidae, também foram considerados polinizadores da espinheira-santa (Figuras 4A, 4B e 4C). Estas moscas realizam visitas rápidas em várias flores de uma planta e após se deslocam para as plantas vizinhas, fazendo a transferência de pólen. Entre as vespas também foram frequentes, Polistes canadensis L., uma espécie do gênero Mischocyttarus e uma espécie pertencente à família Thiphidae (Figuras 4G e 4H). Esta última chamou a atenção não somente pela frequência das visitas, mas por fazê-las sempre em cópula. Essa espécie apresenta dimorfismo sexual acentuado, sendo que os machos são alados e as fêmeas todas ápteras. Neste sentido, os machos coletam néctar e ao se deslocarem sobre as flores “carregam” a fêmea, que também coleta pólen, e nesse processo fica inteiramente repleta de pólen em seu corpo.

Revista RG News 3 (1) 2017 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos 83 Figura 4. Polinizadores de Maytenus ilicifolia (Celastraceae). Moscas: A. Lucilia eximia. B. Espécie da família Sarcophagidae. C. Espécie da família Anthomyiidae. D e E. Espécies da família Syrphidae. Vespas: F. Brachygastra mellifica. G. Polistes canadensis. H. Espécie da família Tiphiidae. Fotos: Tângela Denise Perleberg.

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Os dispersores de sementes de espinheira-santa Quando os frutos estão maduros a coloração varia desde alaranjado, passando por vermelho até marrom, com diversas tonalidades destas cores. Neste momento a cápsula do fruto se abre e expõe o arilo branco e suculento, levemente adocicado (Figura 5A). A coloração do fruto contrasta com a coloração do arilo, chamando a atenção das aves, que são as dispersoras das sementes da espinheira-santa. As aves pousam nos ramos da planta e se alimentam somente do arilo com as sementes (diásporo). Para coletar os arilos as aves utilizam diversas táticas de coleta. A maioria somente pousa no galho e apanha os diásporos mais próximos, sem estender o corpo. No entanto, algumas aves estendem o corpo para baixo, para cima ou para o lado, na tentativa de alcançar os diásporos mais distantes. Outras realizam investidas através de voos curtos. O sanhaço-cinzento (Tangara sayaca L.), o guaracava (Elaenia sp.) e o sanhaço-papa-laranja (Pipraeidea bonariensis Gmelin) visitam as plantas de espinheira-santa com bastante frequência (Figuras 5B, 5C e 5D). Demonstram agilidade ao se locomover entre os ramos na procura de frutos abertos, e então retiram somente os arilos com as sementes e os engolem, utilizando diferentes táticas de coleta. O bem-te-vi (Pitangus sulphuratus L.), o suiriri (Tyrannus melancholicus Vieillot), o sabiá-poca (Turdus amaurochalinus Cabanis), o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris Vieillot), e o peitica (Empidonomus varius Vieillot) realizam visitas esporádicas à espinheira-santa. Figura 5. A. Frutos maduros de espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), Celastraceae; B-D. Aves dispersoras de espinheira-santa. B. Sanhaço-cinzento (Tangara sayaca). C. Guaracava (Elaenia sp.). D. Sanhaço-papa-laranja (Pipraeidea bonariensis). Fotos: Tângela Denise Perleberg.

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Conclusões A espinheira-santa (Maytenus ilicifolia) é uma espécie generalista quanto ao processo de polinização e dispersão. A polinização dessa espécie é realizada por insetos (polinização entomófila) e a dispersão das sementes é feita por aves (dispersão ornitocórica). A espinheira-santa tem grande diversidade genética e já existem dados científicos suficientes para que esse BAG seja uma referência nacional.

Referências Bibliográficas CARLINI, E. A. 1988. Estudo da ação antiúlcera gástrica de plantas brasileiras: Maytenus ilicifolia (Espinheira-santa) e outras. Brasília: CEME/AFIP. 87 p. CARVALHO, P. E. R. 2006. Espécies arbóreas brasileiras. v. 2. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica. Colombo: Embrapa Florestas. 627 p. JESUS, W. M. M.; CUNHA, T. N. 2012. Estudo das propriedades farmacológicas da espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek) e de duas espécies adulterantes. Revista Saúde e Desenvolvimento, 1: 20-46. JORGE, R. M.; LEITE, J. P. V.; OLIVEIRA, A. B.; TAGLIATI, C. A. 2004. Evaluations of antinociceptive, anti-inflammatory and antiulcerogenic activities of Maytenus ilicifolia. Journal of Ethnopharmacology, 94: 93-100. MARIOT, M. P. Recursos genéticos de espinheira-santa (Maytenus ilicifolia e Maytenus aquifolium) no Rio Grande do Sul. Pelotas, 2005. 131 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas. MARIOT, M. P.; BARBIERI, R. L. 2010. Divergência genética entre acessos de espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek e M. aquifolium Mart.) com base em caracteres morfológicos e fisiológicos. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, 12: 243-249. MARIOT, M. P.; BARBIERI, R. L.; SINIGAGLIA, C.; RIBEIRO, M. V. 2008. Variabilidade em matrizes de acessos de espinheira-santa. Ciência Rural, 38: 351-357. MARIOT, M. P.; BARBIERI, R. S.; SINIGAGLIA, C.; BENTO, L. H.; RIBEIRO, M. V. 2005. Presença do arilo na produção de mudas de Maytenus ilicifolia. Ciência Rural, 35: 468-470. NASCIMENTO, V. T.; LACERDA, E. U.; MELO, J. G.; LIMA, C. S. A.; AMORIM, E. L. C.; ALBUQUERQUE, U. P. 2005. Controle de qualidade de produtos à base de plantas medicinais comercializados na cidade do Recife-PE: erva-doce (Pimpinella anisum L.), quebra-pedra (Phyllanthus spp.), espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart.) e camomila (Matricaria recutita L.). Revista Brasileira de Plantas Medicinais, 7: 56-64. RIBEIRO, M. V.; BIANCHI, V. J.; RODRIGUES, I. C. S.; MARIOT, M. P.; BARBIERI, R. L.; PETERS, J. A.; BRAGA, E. J. B. 2010. Diversidade genética entre acessos de espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart. ex Reis.) coletados no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, 12: 443-451. SIEGEL, P.; GASPI, F. O.; SALERNO, V.; LIMA, C. S. P.; STEPHAN, C.; BARROS, N. F. 2016. Medicinal herbs for cancer patients undergoing chemotherapy in a Brazilian hospital – An exploratory study. European Journal of Integrative Medicine, 8: 478-483. STOLZ, E. D.; MÜLLER, L. G.; TROJAN-RODRIGUES, M.; BAUMHARDT, E.; RITTER, M. R.; RATES, S. M. K. 2014. Survey of plants popularly used for pain relief in Rio Grande do Sul, southern Brazil. Revista Brasileira Farmacognosia, 24: 185-196. WILLMER, P. 2011. Pollination and floral ecology. Princeton: Princeton University Press. 778 p.