10ª Edição - O Espectro

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O ESPECTRO Núcleo de Ciência Política - ISCSP UL 10ª EDIÇÃO - 25 de Abril de 2014 GENERAL GARCIA DOS SANTOS “Vai ainda demorar três ou quatro gerações para o país ser completamente democrático” Entrevista, 6 LIBERDADE DE IMPRENSA A conquista da comunicação Sociedade, 12 CONFERÊNCIA ISCSP Os 40 anos do 25 de Abril Reportagem, 16 25 DE ABRIL OPINIÃO Construção de um povo livre Política, 8

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O ESPECTRO Núcleo de Ciência Política - ISCSP UL 10ª EDIÇÃO - 25 de Abril de 2014

GENERAL GARCIA

DOS SANTOS

“Vai ainda demorar

três ou quatro

gerações para o país

ser completamente

democrático”

Entrevista, 6

LIBERDADE DE

IMPRENSA

A conquista da

comunicação

Sociedade, 12

CONFERÊNCIA

ISCSP

Os 40 anos do 25 de

Abril

Reportagem, 16

25 DE ABRIL

OPINIÃO

Construção de um

povo livre

Polí tica, 8

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O ESPECTRO

FICHA TÉCNICA

Coordenação Adriana Correia Vice-Coordenação Joana Lemos Coordenador de Entrevistas e Reportagens Adriana Correia Revisão Adriana Correia e Cristina Santos Editor Isa Rafael Plataformas de Comunicação Andre Cabral, Jose Salvador, Joa o Martins e David Martins Cartaz Cultural Isa Rafael Redação Adriana Correia Andre Cabral Cistina Santos Gonçalo Serpa Joana Lemos Joa o Martins Joa o Miguel Silva Joa o Pedro Louro Joa o Silva Jose Salvador Rui Campos Rui Sousa Marta Fernandes Tiago Sousa Santos

CONTACTOS Facebook: facebook.com/OEspectro Correio electrónico: [email protected] Twitter: twitter.com/O_Espectro

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POLÍTICA

O P I N I ÃO d e M A R TA F E R N A N D E S

Va l e u a p e n a ?

Numa altura em que atravessamos uma grave crise ao ní vel econo mico, social e polí tico, Portugal comemora, hoje, dia 25 de Abril, 40 anos desde a Revoluça o dos Cravos. Neste dia, as du vidas instalam-se nas mentes dos portugueses, valeu a pena? Era este o caminho que desejámos? Será necessário outra revolução? A situaça o actual do paí s originou que muitos portugueses começassem a duvidar dos reais benefí cios do 25 de Abril. É comum ouvir-se, numa troca de ideias, indiví duos que ira o sempre defender a ordem, a disciplina e o rigor que outrora vigorou, mesmo com toda a repressa o dos tempos ditatoriais a libertinagem e ao caos hoje instalado no nosso paí s. Na minha perspectiva, o 25 de Abril valeu e valera sempre a pena, pelo simples facto de termos alcançado a liberdade, a liberdade que todos desejavam ha muito, em todos os seus sentidos, sem censuras, sem medos, sem opresso es. Valera sempre a pena pelo derrube de uma ditadura tirana, a implantaça o de uma democracia livre. Valera sempre a pena pelo renascimento de um paí s que dava sinais de envelhecimento, isolamento e de atraso. Por tudo isto, merecera sempre a pena. Todavia, estas conquistas foram, ao longo destes 40 anos, manipuladas por um sistema que se fixou em Portugal e que o corro i. Posto isto, e, deixando a ditadura para tra s, soltos e livres dando os primeiros passos em liberdade, acaba mos por nos desencaminhar da verdadeira esse ncia dos valores de Abril. A pergunta que mais me perturba neste momento e se realmente e necessa rio outra revoluça o. Creio que, neste momento e com a nossa posiça o a ní vel internacional, uma Revoluça o Militar na o seja a

soluça o mais adequada. Na minha perspectiva, as armas na o devem ser o instrumento revoluciona rio primordial mas deve ser sim a unificaça o do povo. E , por isso, necessa ria uma revoluça o popular fundamentada, consistente, consciente de todos os obsta culos e que beba os mais nobres ideais democra ticos, afim de reunirem todos os esforços para a consolidaça o de bases devidamente fortificadas levando a concretizaça o dos mesmos. Os motivos desta revoluça o popular sa o evidentes. Vivemos numa sociedade na qual o conceito de liberdade esta desvanecido. Fundamentado esta ideia, se no passado o povo na o tinha acesso a meios de comunicaça o social livres da opressa o polí tica, hoje em dia a informaça o continua a ser controlada e condicionada de uma forma menos clara, uma vez que esta continua dependente das grandes ma quinas partida rias. Por outro lado, com a liberdade excessiva dada aos meios de comunicaça o social, estes criam notí cias que na o correspondem a realidade, manipulando assim a opinia o pu blica do paí s, isto e , os media acabam por fracassar no seu principal objectivo: a informaça o.

Apo s a libertaça o de um regime polí tico outrora instalado, começa mos a canalizar as nossas atenço es para um exterior mais instruí do e evoluí do. No entanto, com todos os nossos objectivos concentrados externamente, ambicionando alcançar o ní vel de progresso desses mesmos paí ses desenvolvidos, esquecemo-nos de um facto importante. O paí s ainda na o estava preparado de forma consistente ao ní vel tecnolo gico, cientí fico, industrial e mesmo cultural. Se no passado, o paí s vivia isolado externamente e demasiado focado em si pro prio, a Revoluça o de Abril levou a depende ncia excessiva do estrangeiro. Actualmente, Portugal na o tem a autonomia que deveria possuir para decidir as suas pro prias medidas polí ticas, logo a liberdade da naça o esta mais uma vez posta em causa. Para ale m desta care ncia da autonomia polí tica, ao ní vel pessoal a situaça o mante m-se. Actualmente, o povo possui a liberdade de se manifestar sobre qualquer assunto, realidade que outrora era impedida. Pore m, mesmo com a realizaça o de constantes protestos levados a cabo pela populaça o, a voz do povo na o e ouvida. Apesar dos nossos governantes terem sido

eleitos legitimamente por via do sufra gio, estes perdem completamente a mencionada legitimidade quando na o cumprem as medidas anteriormente anunciadas. A liberdade que o povo possui para se manifestar contra o poder polí tico acaba por na o ter qualquer impacto nos governantes. E, se antigamente a populaça o estava proibida de expressar a sua opinia o sobre as medidas impostas pelo governo e este agia conforme as suas convicço es, actualmente existe a liberdade de expressa o pore m os lí deres polí ticos continuam a sobrepor os seus interesses a s vontades do povo. E importante tambe m realçar o facto das eleiço es apenas se darem de quatro em quatro anos, o que honestamente na o vai ao encontro dos reais valores de democracia. A populaça o deveria ser chamada com uma maior freque ncia afim de decidir sobre determinadas polí ticas fundamentais para o funcionamento do paí s. Em suma, na o e so necessa ria uma libertaça o polí tica como tambe m toda uma renovaça o de valores morais, com o objectivo de construir um regime polí tico baseado nos verdadeiros ideais democra ticos, justos e igualita rios que defendem a naça o primordialmente, objectivando o ta o desejado bem-comum.

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POLÍTICA

O P I N I ÃO d e J O ÃO M A R T I N S

S a l a z a r é q u e e ra b o m

“Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode?” Da gosto ouvir “antigamente e que isto era bom”. Da gosto ouvir “isto com o Salazar e que era”. Da gosto ouvir “tenho saudades do meu amigo Salazar” ou “isto so la ia com um Salazar em cada esquina”. Da gosto ouvir “no Estado Novo o paí s era rico. Da gosto ouvir “os polí ticos honestos eram os de antes”. Da gosto ouvir que “havia na Escola uma cultura de me rito, exige ncia, rigor, disciplina e trabalho". Da gosto ouvir que “antes sabiam-se os rios e a tabuada de cor” e que agora “ja na o se aprende nada de jeito”. Na o me lembro de uma altura da minha vida (consciente) em que na o tivesse ouvido pelo menos uma das tolices acima citadas. Antes na o lhes achava piada nenhuma e rapidamente as contrariava. Agora, e como li algures no outro dia, acho que debater isso – eu sei que e pedante – e como debater com algum defensor de que a terra e plana e que tem um fim em jeito de precipí cio. Mas da gosto ouvir, a se rio que sim. E da gosto porque ? Porque, mesmo sem se aperceberem, essas pessoas da o raza o aos democratas que consideram a ditadura de Salazar uma das maiores trage dias na histo ria do nosso paí s. Enquanto que elas podem criticar o atual regime e divinizar o antigo e seus hero is, quando foi ao

contra rio na o se podia. Da gosto ver pessoas a falar a sua vontade porque foi Abril que lhes trouxe isso. Com o fim do Estado Novo e da Primavera que nunca o foi, democratizou-se o paí s e democratizou-se a Palavra, a liberdade de expressa o. Podemos falar todos, sem medo dos pides e dos outros bufos que punham em causa a integridade de vidas e de famí lias por causa de opinio es menos abunato rias ou, va , crí ticas. Da gosto porque a frase “antigamente e que era bom”, dita com a leviandade que e dita hoje, ha mais de 40 anos dava cadeia ao povo que a dissesse. Da gosto porque as mulheres que gostam de Salazar e do regime do respeitinho podem agora sair a rua sem os maridos ou sem a sua permissa o escrita. Da gosto porque a geraça o dos que se queixam da educaça o em Portugal pode hoje olhar para a geraça o deste jornal como exemplo que na o e preciso saber que o rio nasce aqui e a tabuada acaba ali para se ser um cidada o informado e consciente, seja qual for a sua cor polí tica. Informaça o, conscie ncia e liberdade de expressa o. Grandes vito rias da nossa democracia. Ate pode acontecer que elas na o sejam usadas abundosamente e com crite rio, mas esta o aí a disposiça o. E aproveitar, “que isto so la vai com um Salazar em cada esquina”.

DOCUMENTÁRIOS PARA VER

Este foi sem du vida um dos momentos histo rios mais retratados em Portugal pela se tima arte, mas na o so . Sobre o 25 de Abril, uma lista infinda vel de documenta rios e livros foram filmados e escritos. Impossí vel seria enuncia -los a todos, sintetiza mos aqueles que mais relevo e qualidade demonstraram, neste 40º aniversa rio da Revoluça o dos Cravos. A RTP2 iniciou no dia 22 deste me s, a transmiça o de um conjunto de seis documenta rios, sobre os diferentes olhares dos portugueses sobre a Revoluça o. Todos eles ficara o disponibilizados pelo suporte RTPPlay no dia seguinte a sua exibiça o. Uma excelente oportunidade para assistir a documenta rios nem sempre acessí veis. SER E AGIR “Durante muitos anos o meu avo foi so o meu avo , mas para as outras pessoas o meu avo foi especial. Ao crescer percebi que o Co co, como no s, os netos, o chamavam, fazia coisas importantes aos olhos dos adultos. Neste filme fujo dos tí picos filmes em que os netos descobrem os avo s, eu ja descobri o meu ha muitos anos. A minha intença o e partilha -lo com os outros. Enquadrar o seu percurso num perí odo histo rico e contribuir para a reflexa o sobre o 25 de Abril de 1974. Dar a conhecer, em conjunto com alguns entrevistados, o me dico, o polí tico e sobretudo o homem que foi Joa o Pedro Miller Guerra.” O IMPÉRIO E OS ROMÂNTICOS ARMADOS “Ao todo conta vamos com nove operacionais, nove soldados sem a recruta feita e dois oficiais generais para derrubar uma ditadura de quase meio se culo. Como enta o dizí amos, basta um fo sforo para incendiar o mundo.” Um documenta rio sobre aqueles que de uma forma ousada e radical ousaram afrontar a ditadura. Com

testemunhos de Camilo Morta gua, Ama ndio Silva, Isabel do Carmo, Carlos Antunes, Raimundo Narciso, Fernando Rosas, Ana Sofia Ferreira, Miguel Cardina, Jose Duarte de Jesus, Joana Morta gua e Mariana Morta gua. CAPITÃO DESCONHECIDO Conhecemos os rostos e as histo rias de Otelo Saraiva de Carvalho e Salgueiro Maia. Sabemos dos regressos de Ma rio Soares e A lvaro Cunhal. Vimos os cravos colocados nos canos das espingardas e o Largo do Carmo inundado de populares vitoriosos. Ouvimos e canta mos “E Depois do Adeus” e “Gra ndola Vila Morena”. Mas o 25 de Abril de 1974 começou muito antes dos seus sons e imagens mais ico nicos. Começou nos confins da Guine e nos matos de Angola e Moçambique, nas cabeças e nos coraço es de soldados e capita es, revoltados com as condiço es em que combatiam numa guerra que na o podiam ganhar. PRIMEIRAS ENTRE IGUAIS As Primeiras Damas da Terceira Repu blica. O que te m em comum Manuela Ramalho Eanes, Maria Barroso, Maria Jose Ritta e Maria Cavaco Silva? Sa o as quatro Primeiras Damas da Terceira Repu blica cujos maridos foram eleitos democraticamente, mas sa o tambe m quatro mulheres ativas, ma es, profissionais, solida rias, que marcaram a polí tica e a sociedade portuguesas. Ver o mundo pelos seus olhos, compreender o seu percurso pessoal e profissional, perceber o que mudou nas suas vidas, como encararam o seu papel, como orientaram a famí lia, que recordaço es guardam das grandes personalidades que conheceram e das situaço es histo ricas de que foram testemunhas privilegiadas, e a proposta do documenta rio Primeiras entre Iguais.

Por João Miguel Silva

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POLÍTICA

O P I N I ÃO d e R U I S O U SA

D e m o c ra c i a d o s m e u s 4 0 a n o s

Demo trata do almoço como tem sido ha bito nestas u ltimas semanas de Sol. Na o te m sido fa ceis os dias no bairro. As pessoas olham-no de esguelha sem o reconhecimento do contributo sauda vel que tem oferecido a sociedade. Todos sentem o mesmo mas ningue m o ousa dizer. Acusado de castraça o e de esconder um pequeno diabo dentro da pele desabafa sistematicamente com a sua melhor amiga. A sua mulher Cia. Isto na o pode continuar assim, exclama horas a fio como se o secretismo e a descriça o da sua esposa fossem objecço es aos seus argumentos. Estou gra vida desvenda Cia em tom sussurrante. Demo ou melhor sera dizer, Pai, esboça na face uma expressa o de incredulidade ficando mais amarelo que um pato de louça da cozinha. Temos de mudar.

Temos de comprar isto, mudar aqui, mudar ali, alterar acola , ir ao me dico, sei la , dar-te o melhor. Tornar esse bebe no futuro de uma famí lia honrada e com valores definidos. Entusiasmado com o rebento que vira , Demo muda. Deixou de fumar, conversa com os vizinhos, faz amigos, uns mais que outros e certo, mas faz. Trabalha agora em prol de um sonho, um projecto que ira preservar ate ao fim das suas forças contra tudo e contra todos. Cia descansa todos os dias uma hora da parte da tarde na o descurando os seus textos melodrama ticos como diz Demo. A Ma e e escritora. Relata o dia a dia em cro nicas dia rias. Tem se queixado ao me dico que nos u ltimos meses tem tido pensamentos livres, fraternos e solida rios. Querendo extravasar a sua

vontade para la do papel rediz o que lhe vai na alma sem qualquer controlo. O clinico refere que e uma fase e que as hormonas criativas tambe m te m conscie ncia. Na sua ultima incursa o pela loja de brinquedos, Demo comprou um conjunto de capita ezinhos de chumbo com veí culos a preceito expectante que o seu filho seja um rapaz de barba rija como o pai. Soam as badaladas na Basí lica da Estrela.Rebentaram as mil a guas em Abril. Dia 25. 1974. Uma nova vida esta presente na naça o. Demo visita a sua amada, oferece-lhe as flores da praxe. Cravos. Vermelhos carnudos como os la bios e voz livre de Cia. Vamos ter de mudar de casa, Demo. Na o te preocupes, sei o sitio ideal, tem espaço para brincar, para falarmos de coisas se rias, para

festejarmos o aniversa rio do nosso orgulho e sobretudo para valorizarmos algo concebido num momento ta o fundamental na nossa famí lia. Estou mesmo a ver, imagina Cia, estamos no s na brincadeira e de repente eu faço uns corninhos e a nossa filha vira-se para mim e com uma ternura deliciosa balbuceia: "Isso e muito feio papa ". Somos uma famí lia, Cia. Livre, mudada e com horizontes. Anda ca ao pai, Democracia. Adoro-te. 35 anos depois, a junça o dos nomes de progenitores volta a fazer escola. Uma celebridade e um jogador de Futebol unem os seus nomes e baptizam a sua filha com este me todo. A Democracia esta viva e com sau de. Ha muito a fazer para a recomendar.

O P I N I ÃO d e J O ÃO P E D R O L O U R O

C o n s t r u ç ã o d e u m p o vo l i v r e

Aceitei o desafio de escrever sobre o significado que a Revoluça o do 25 de Abril tem para mim. Devo dizer que na o foi nada difí cil aceita -lo uma vez que, embora nascido 20 anos mais tarde, considero-me um filho de Abril, um privilegiado por nascer e viver num regime e num sistema que tanto admiro e prezo. Como tal, entendo que a Revoluça o ocorrida em 1974 marca na o so a geraça o dos meus pais e dos meus avo s mas tambe m a minha. Ao combater um regime totalita rio ja desgastado como era o do Estado Novo, o Movimento das Forças Armadas abriu as portas a liberdade e ao espaço de democratizaça o de Portugal. Estes sa o, sem du vida, os grandes agradecimentos que tenho de fazer aos hero icos militares, protagonistas do conflito.

O 25 de Abril foi a hora de percorrer o caminho da liberdade polí tica, da democracia social e econo mica, de construir a base de uma sociedade nova, livre e justa mas, sobretudo, foi a hora de acabar com um regime ilegí timo, imoral, opressor que mascarou eleiço es e utilizou a tortura para a sua manutença o. Fundamentalmente, a Revoluça o do 25 de Abril de 1974 constituiu o momento de dar voz ao Povo, de dar ao Povo a opça o livre, sem opressa o, de escolher o destino de Portugal. E certo que a democracia como hoje a conhecemos na o foi instaurada logo apo s a ocorre ncia do Golpe de Estado. Contudo, na o tenho du vidas que foi uma grande contribuiça o para a implementaça o de uma

democracia pluralista aceite por todos. Todavia, existem alguns episo dios que eu lamento profundamente que esta o intimamente ligados a Revoluça o dos Cravos. A ideia de que o Estado Novo foi um regime inteiramente negativo para Portugal e uma ana lise bastante redutora e falaciosa. E o bvio que condeno e repudio o regime, mas isso na o me impede de admitir e elencar alguns factos positivos do mesmo. Por exemplo, o crescimento econo mico e o nascimento do Estado Social surgem com Marcelo Caetano nos anos 60. Mas e claro que, quando aparece algue m a lembrar estes factos positivos, e chamado de “fascista” e acusado de ser defensor de um regime opressor e isto sim e lamenta vel. Outro episo dio tambe m

lamenta vel na minha opinia o, e o facto de haver uma tentativa por parte de algumas facço es de se apoderarem das grandes conquistas trazidas pela Revoluça o do 25 de Abril. Considero estas tentativas actos absolutamente lamenta veis e repudio-os tal como repudio o antigo regime. Isto porque, como ja disse, a grande conquista de Abril e a liberdade e essa na o e de ningue m pois, se tivesse dono, seria uma ditadura. Para terminar, tenho que esclarecer que preferi na o me alongar muito nas diversas mudanças que o 25 de Abril trouxe a Portugal pois, no meu entender, as grandes conquistas deste conflito protagonizado pelo MFA foi a liberdade e a abertura para a democratizaça o do paí s. Sa o estes feitos que devem ser, primeiramente, enaltecidos.

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ENTREVISTA AO GENERAL AMADEU GARCIA DOS SANTOS

“Vai ainda demorar três ou quatro gerações p o r J O A N A

Amadeu Garcia dos Santos, face fundamental na Revoluça o dos Cravos mas pouco conhecida do pu blico, fala dos problemas da Revoluça o, do seu papel na sua execuça o enquanto Capita o de Abril e nos problemas actuais do paí s, numa entrevista gentilmente cedida ao Espectro na Associaça o 25 de Abril. Onde estava no início da Revolução? Podemos considerar o iní cio da Revoluça o em 1973 quando os capita es começaram a pensar que primeiro era preciso acabar com a guerra colonial e veio atra s o problema de acabar com o regime, mas isto começou de uma forma que nada teve a ver com estas duas coisas. No s esta vamos em tre s frentes de guerra pelo menos, tí nhamos forças armadas espalhadas desde Timor/Macau ate ao Minho, tí nhamos cerca de 180 mil homens em armas e o paí s na o aguentava isso. Depois foram recrutados para comandar as Forças Armadas os oficiais milicianos e isto criou uma reacça o muito negativa nos milicianos e nos oficiais do quadro permanente, que sa o os profissionais, porque o governo entendeu os milicianos do Ultramar tinham de ser integrados no quadro permanente dando origem a que meninos que na o percebiam nada da profissa o militar fossem promovidos antes dos oficiais. E aí que nasce a ideia de fazer a Revoluça o para acabar com a guerra colonial

e fazer os 3 D’s: descolonizaça o, democracia e desenvolvimento. Nesta altura era mais velho que os restantes capita es, era tenente-coronel, estava a dar aulas na Academia Militar enquanto professor de Transmisso es e de Ta ctica de Transmisso es e fui chamado por um oficial ligado aos capita es que me veio perguntar se queria fazer parte e aceitei ate porque tinha antecedentes familiares de antagonismo com o anterior regime e aderi com a ideia que o fundamental era acabar com a guerra colonial e deitar o regime abaixo. O motor da Revolução foi a vontade dos militares para resolver a sua própria situação ou derrubar o regime? Começa pelo problema dos milicianos e so depois começam a pensar que isto na o tinha fim se na o acabasse a guerra colonial e para acabar com a guerra colonial tinha de se deitar o regime abaixo, porque Marcelo Caetano, ao contra rio do que se esperava dele, era apologista da ideia de Portugal do Minho a Timor, e ate noutros paí ses ja tinha havido descolonizaça o e Portugal era o u ltimo paí s e havia uma situaça o. Defendia uma retirada gradual das colónias? Claro. Tivemos um perí odo de 13 anos de guerra com despesas brutais, com milhares de mortos de um lado e de outro. Tudo isto

podia ter sido evitado e a nossa relaça o com esses paí ses, agora independentes, podia ser totalmente diferente. Como foi participar no processo da Revolução dos Cravos e em que medida é que contribuiu para tal? Convidaram-me para aderir ao Movimento dos Capita es, que so mais tarde se veio a chamar Movimento das Forças Armadas e eu disse que sim. A partir do momento em que se pensou neste movimento e no derrube do regime nasceu a ideia de que se tinha de fazer a revoluça o. A partir do 16 de Março, que foi o caos, sem qualquer planeamento das unidades que saí ram para a rua, entendeu o MFA que para se fazer algo com “cabeça, tronco e membros” era preciso organizaça o e enta o Otelo Saraiva de Carvalho ficou encarregue de fazer uma ordem de operaço es que define quem sa o as nossas forças, as dos inimigos, qual o terreno, como se fazem as ligaço es etc. E tambe m era preciso fazer o anexo de transmisso es, o planeamento das ligaço es entre todas as unidades que participam nessa operaça o. O Otelo, que nessa altura ja conhecia muito bem, veio ter comigo e perguntou-me se eu estaria disposto a fazer esse anexo e eu disse “com certeza”. Como conseguiram fazer esse plano de transmissões sem ter sido

descoberto? Fazem-se esquemas das ligaço es de ra dio, usam-se nomes de co digo e definem-se as horas a que funcionam, onde funcionam e foi isso que eu fiz. Foi um processo completamente secreto e as pessoas que fizeram as operaço es do 25 de Abril eram escolhidas pelas suas convicço es dentro do conjunto das Forças Armadas. O subdirector da PIDE, Barbieri Cardoso, chamou-me e disse que tinha ouvido falar de uns capita es que andavam com opinio es divergentes e perguntou se eu sabia alguma coisa. Respondi-lhe que nunca tinha ouvido falar nisso e mais tarde vim a saber que havia uma lista de oficiais feita pela PIDE e um dos nomes que la estava era o meu portanto ele sabia perfeitamente que eu estava metido dentro do assunto. Na noite de 24 para 25 de Abril escutei uma conversa telefo nica entre membros do governo que se iam ausentar de Lisboa e que o pro prio Ame rico Toma s se ia deslocar para Tomar. A essa hora ja estavam todas as unidades na rua o que significa que aquela gente na o tinha dado por nada e fizemos tudo com tal segurança que ningue m se tinha apercebido do que se estava a passar. Qual considera ter sido a mudança mais profunda desde o 25 de Abril em Portugal? A primeira, que considero concretizada em absoluto e a democracia. Hoje somos um paí s democra tico porque temos direitos e respeitamos

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o direito dos outros. A segunda era a descolonizaça o que tambe m se concretizou na í ntegra, ainda que com alguns erros crassos e a terceira que era o desenvolvimento, que deixa muito a desejar neste momento pois o paí s na o esta ainda encaminhado no sentido de se desenvolver porque na o tem um projecto, anda aos ziguezagues e isso ainda ningue m pensou nem ningue m fez. Qual era o projecto das forças militares para o 25 de Abril? O programa das Forças Armadas afirmava que uma vez feita a Revoluça o o poder seria entregue a sociedade civil e isso significou que os militares abdicaram de ser eles a mandar no paí s e deram aos civis a oportunidade de continuar esse processo. Se os militares tivessem continuado com esse poder na ma o corria-se o risco de cairmos outra vez numa ditadura militar,

para o país ser completamente democrático” L E M O S

porque no meio militar tambe m ha pessoas que podem ser potenciais ditadores e porque ainda por cima os militares te m a força das armas. Os partidos fizeram muitas coisas boas mas tambe m ainda falta muito por fazer. A sociedade civil na o estava preparada para tomar nas suas ma os o paí s e como na o havia essa preparaça o vai ainda demorar 3 ou 4 geraço es para o paí s ser completamente democra tico. Quais eram os flagelos da ditadura em Portugal? Primeiro, a ignora ncia da democracia. Segundo, viver nessa ignora ncia. Era preciso corrigir toda essa situaça o e, como diria a pouco, e preciso preparar o futuro de acordo com aquilo que sa o as possibilidades do paí s. E preciso fazer um plano para desenvolver o paí s, para haver uma espinha dorsal daquilo que

o paí s devia fazer para a sua estruturaça o e para o seu desenvolvimento, e na o se faz. Considera que os valores do 25 de Abril foram de alguma forma defraudados? Na o, de maneira nenhuma. O que acontece e que algumas coisas ainda na o esta o conseguidas, principalmente na parte do desenvolvimento do paí s, que para mim e o grande problema. Qual a posição dos capitães de Abril em relação à polémica das comemorações do 25 de Abril? Primeiro, na o e de hoje a na o ida dos capita es a Assembleia da Repu blica nas comemoraço es do 25 de Abril. Na o fomos la nos u ltimos dois anos porque o paí s esta a ser mal conduzido, e na o esta a ser conduzido de acordo com os

chamados valores de Abril e nessas circunstancias os militares entenderam manifestar o seu desagrado e o seu desgosto pelo que estava a acontecer. Na o queremos de maneira nenhuma de criar antagonismo, o paí s na o precisa disso, antes pelo contra rio. Há hoje uma verdadeira democracia ou nós ainda não sabemos lidar com ela? Encontrámos o nosso caminho? Uma verdadeira democracia ha , porque ha liberdade de expressa o, de reunia o, e um paí s livre, vota se quer, na o vota se na o quer. A democracia existe. O que na o existe e a capacidade e o entendimento dos portugueses de viver em democracia porque ainda na o aprendemos o suficiente para que a democracia seja uma coisa concreta e sem problemas. E evidente que na o ha nenhum paí s, que seja democra tico ha se culos, em que as coisas funcionem a cem por cento. Mas quando os paí ses ja sa o democra ticos ha muitos anos as coisas funcionam ja tradicionalmente e correctamente. Em Portugal isso na o acontece, ainda ha pessoas que na o sabem nem aprenderam a viver em democracia, mas isso ha -de ir ao sí tio, vai com certeza, mas levara mais duas ou tre s geraço es.

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EDUCAÇÃO

O P I N I ÃO d e T I AG O S O U S A S A N TO S

E d u c a ç ã o d e A b r i l

Hoje comemoram-se os 40 anos do 25 de Abril, data maior da histo ria de Portugal e que per-mitiu ao paí s evoluir e aproxi-mar-se dos seus conge neres eu-ropeus, cujo progresso na o havia sido impedido por um re-gime ditatorial, ao contra rio do que se passou no nosso paí s. Escrevo sobre progresso, na o escrevo sobre Revoluça o, Golpe de Estado e tentativas de reclamar a queda do antigo re-gime como conquistas par-tida rias e sectoriais, pois acredi-to que nos pro ximos dias na o faltara o textos, reportagens e afirmaço es polí ticas que tomem essa direcça o. Acredito que esta data que hoje se assinala foi muito mais do que uma bandei-ra polí tico-partida ria.

O progresso na o se faz sem edu-caça o e talvez tenha sido neste campo que maior evoluça o se registou em Portugal depois de 1974. Dito isto, e de superior importa ncia elevar as al-teraço es efectuadas ao ní vel do ensino, permitidas pelo fim da ditadura, que proporcionaram ao nosso paí s uma aproximaça o polí tica, social e econo mica aos Estados mais desenvolvidos de enta o.

Antes do 25 de Abril o Sistema de Ensino Portugue s era um dos mais atrasados a ní vel europeu, materializando taxas de analfabetismo da ordem dos 40% que beneficiava o sexo masculino em detrimento do sexo feminino. Era caracteriza-do pela imensa carga ideolo gica, a obrigatoriedade na o se verifi-cava (sendo implementada em 1956) e o principal foco das es-colas era a profissionalizaça o, o que se alcançava pelo prevaleci-mento do Ensino Te cnico sobre o Ensino Corrente.

Na o interessava a Oliveira Sala-zar facultar aos seus su bditos as condiço es para se tornarem cul-tos, situaça o que poderia colo-car em perigo a sua governaça o. Contrariamente, era proveitoso

para o regime uma maior formaça o profissional que per-mitisse a qualificaça o da ma o de obra nacional, com o intuito de melhorar e aumentar a produça o industrial e assim contribuir para a Economia do paí s, sem questionar a legitim-idade do Poder. Foi com este pensamento que o ensino se manteve facultativo por va rios anos e que, mesmo apo s a in-stituiça o da obrigatoriedade, a "imposiça o" do percurso profissionalizante continuou enquanto pilar do ministe rio encarregue pelo sector.

Quanto a ideologia claramente professada nas escolas pouco ha a dizer. Era obrigato ria a inscriça o nos quadros da Mo-cidade Portuguesa para todos os alunos do liceu, a trí ade "Pa tria, Famí lia e Deus" era constantemente invocada nos manuais e a selecça o dos do-centes na o se centrava no me -rito, mas sim no apoio incondi-cional ao regime. Nestes tra mites era impossí vel for-mar o futuro, era impensa vel evoluir. O fecho das fronteiras era acompanhado pelo fecho das mentes, na o havia espaço para a opinia o, nem para o de-bate, o que limitava a trans-missa o de conhecimentos a um mono logo incessante, que cabia aos estudantes assimilar e na o questionar.

A acrescentar ao conser-vadorismo ja demonstrado ao ní vel da educaça o, o Ensino Superior durante os anos da governaça o salazarista era, pa-ra a maioria da populaça o, uma realidade so imaginada. As restriço es eram manifestas e era impensa vel, para um es-tudante descendente de uma famí lia de opera rios ou cam-poneses, ingressar neste ní vel educacional, uma vez que tal representava abandonar o tra-balho fabril ou o do campo e consequentemente, deixar de contribuir para o sustento da famí lia.

A democratizaça o do sistema polí tico possibilitou tambe m uma democratizaça o do en-sino e permitiu uma maior in-struça o dos cidada os, inde-pendentemente da sua classe social, contribuindo para o desenvolvimento tecnolo gico e cientí fico que hoje coloca Portugal na linha da frente em termos de investigaça o. Para ale m da maior taxa de estu-dantes com diploma superior que se verifica desde o fim do Estado Novo, tambe m se pode hoje contemplar o respeito e admiraça o com que os "ce rebros" portugueses sa o brindados no estrangeiro, fazendo desta classe uma mais valia para o paí s.

A tremenda evoluça o verifica-da ao ní vel do ensino e , como ja disse, uma das mais im-portantes conquistas da in-stauraça o da democracia em Portugal. Sem ela seria im-pensa vel qualquer tentativa de aproximaça o aos padro es econo micos e sociais europe-us.

Para ale m da melhoria das condiço es facultadas aos estu-dantes, tambe m nos quadros dos docentes se verificaram evoluço es fundamentais que se prendem essencialmente com a maior exige ncia re-querida para a prossecuça o da carreira, quando comparada com o processo de selecça o pre -25 de Abril. No entanto, e ainda impossí vel avaliar a ca-pacidade efectiva de um pro-fessor, visto que a u nica im-posiça o para a entrada na car-reira acade mica e a obtença o de um diploma, o que caso se contemplassem outros modelos de diferenciaça o, co-mo a obrigatoriedade de elab-oraça o de um exame apo s a conclusa o do curso superior, conduziria, invariavelmente, a uma maior capacidade por parte do corpo docente.

Actualmente ha quem tente

atacar o estatuto do Ensino Su-perior afirmando que conduzira o nosso paí s a um regresso ao passado, por todos indeseja vel, e que este e novamente uma re-alidade so ao alcance de deter-minados extractos sociais. A demagogia pauta os discursos que apontam nesse sentido, porque apesar das restriço es que a conjuntura exige, o En-sino Superior Portugue s contin-ua a formar quadros de excele n-cia com me rito nacional e inter-nacional, permitindo, mediante a atribuiça o de bolsas de estudo (recentemente alteradas de mo-do a possibilitar a candidatura de estudantes cujas famí lias se encontrem em situaça o de in-cumprimento para com o Es-tado), que jovens adultos de todas as classes ingressem nas Universidades e adquiram conhecimentos que permitam a ta o desejada mobilidade social.

O 25 de Abril foi, neste ponto de vista, um marco de releva ncia extrema para o processo de de-mocratizaça o do ensino e para a aproximaça o de Portugal aos seus parceiros europeus. A ide-ologia foi deixada de lado, a liberdade de pensamento e de expressa o permite o debate e contribui para o desenvolvi-mento intelectual dos estu-dantes, a obrigatoriedade do ensino proporcionou a diminu-iça o do analfabetismo e o au-mento da integraça o social.

A universalizaça o deste sector fomentou a igualdade de ge ne-ros e todas estas condiço es tomadas enquanto um todo, de-ram a Portugal a capacidade de se desenvolver, de exportar, de competir com outros Estados e de fazer esquecer a ideia de que no s, os portugueses, somos um povo sem instruça o.

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POLÍTICA

O P I N I ÃO d e R U I C A M P O S

A b r i l : o q u e f a z e r ?

Ha uns tempos houve um debate bastante media tico em torno da seguinte pergunta: valeu a pena o 25 de Abril? Bem, a pergunta em si e um pouco provocato ria secalhar porque a Revoluça o ainda e relativamente recente mas este e tambe m um debate que se perde em si mesmo face a s evide ncias que demonstram que Abril abriu portas e ensaiou novos caminhos rumo a uma

outra sociedade. A pergunta a fazer nestes 40 anos da Revoluça o talvez seja outra e arrisco propondo: o que faltou por fazer? E assim somos capazes de encontrar respostas para os problemas que hoje em dia sentimos. Ora o 25 de Abril, desde as primeiras horas, adquiriu caracterí sticas dina micas que rapidamente fugiram do controlo dos militares e essa foi talvez a primeira vito ria e demonstraça o de rebeldia do povo portugue s. O perí odo que se viveu ate ao 25 de Novembro de 1975 ficou conhecido como o PREC ou Processo Revoluciona rio em Curso. Para muitos sera um perí odo negativo da histo ria

recente mas, para mim, foi talvez o perí odo em que este povo mais exerceu a sua liberdade de pensar, falar de decidir e de transformar. As nacionalizaço es, ocupaço es de terras, fa bricas, as greves, o direito ao sala rio mí nimo, a luta por um sala rio igual para trabalho igual ou ainda a descolonizaça o. Tudo isto abalou aqueles que tudo tinham e que tudo podiam

fazer, aqueles que no tempo da ditadura lucravam com a exploraça o dos trabalhadores. Estes viram o seu mundo de luxo a desabar quando o povo perdeu o medo. Infelizmente, este perí odo chegou ao fim sem que se tenha conseguido uma vito ria ampla sobre aqueles que queriam manter tudo igual ou, no pior dos casos, mais atrasado. Uma revoluça o inacabada dira o alguns, uma revoluça o traí da dira o outros mas o facto prende-se pela realidade notada nos u ltimos tempos de que ficou algo por fazer, algo que na o permitisse a existe ncia de 2 milho es de pobres em Portugal, algo que na o fizesse de Portugal um dos

paí ses mais desiguais da Unia o Europeia, algo que na o deixasse as fortunas do Belmiro e companhia crescer, ao mesmo tempo que os rendimentos da maioria da populaça o diminuem. E, no fundo, algo que tivesse terminado de vez com o medo, de falar, de agir e de ser. Os senhores que tinham medo dos “excessos” revoluciona rios sa o aqueles que mais os cometem sobre todos no s, todos os dias. Abril na o se vai repetir mas os seus valores e ideias devem ser uma importante refere ncia para aqueles que desejam um paí s onde liberdade tenha um significado real e que na o se limite apenas a uma palavra. Liberdade deve ser sim uma concretizaça o, cuja democracia dia ria seja exercida em todos os aspectos da vida individual e colectiva. Deste modo, comemorar os 40 anos da Revoluça o de Abril so fara sentido se a liberdade conquistada for exercida e se as novas geraço es, nas quais me incluo, forem capazes de pegar na realidade e transforma -la de acordo com as suas necessidades e sonhos. E se e verdade que muito foi conquistado, tambe m e verdade que muito ficou por conquistar. Para terminar deixo-vos um pouco de Jose Ma rio Branco e da sua famosa mu sica “Eu vi este Povo a Lutar”. Eu vi este povo a lutar Para a sua exploração acabar Sete rios de multidão Que levavam História na mão Alça meu menino Vê se te arrebitas Que este peixe podre Só é bom para os parasitas Só a nosso mando É que há liberdade Vamos lá lutando

Por JOÃO MIGUEL SILVA “LEMBRO-ME QUE – AS MEMÓRIAS DOS DIAS QUE ANTECEDERAM O 25 DE ABRIL” de FERREIRA FERNANDES «Lembro-me que por vezes se escrevia como meteorologista nos jornais, na o o sendo. Um dia, o jornalista Ví tor Direito escreveu no jornal “Repu blica”: “Manha de nevoeiro transforma a cidade (…) Na o se ve um palmo em frente do nariz (…) Andam para aí certos senhores, feitos meteorologistas de trazer por casa, a prever “boas abertas”. Mas o nevoeiro persiste.» No total, Ferreira Fernandes apresenta 327 notas, 327 pequenas recordaço es de um paí s antes do 25 de Abril. “O MOVIMENTO DOS CAPITÃES E O 25 DE ABRIL” de AVELINO RODRIGUES, CESA RIO BORGA E MA RIO CARDOSO Boaventura de Sousa Santos considera esta obra «um dos livros mais emblema ticos de quantos se publicaram no imediato po s-25 de Abril», muito devido a dois factores segundo o mesmo: um texto de escrita veloz (…) mas na o trapalhona e um texto de investigaça o e contextualizaça o. «Quase quarenta anos depois da sua primeira ediça o, os me ritos deste livro na o murcharam, ao contra rio do que eventualmente aconteceu aos cravos que ele descreveu», escreve Boaventura de Sousa Santos no Prefa cio.

PARA LER

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ENTREVISTA AO PROFESSOR ANTÓNIO SOUSA LARA

«O risco do aparecimento do totalitarismo aumenta p o r J O S É

Estas eleiço es gerais acabam por ser menos fraudulentas. Isto deve-se ao facto do Governo obrigar-se a deixar funcionar a oposiça o nessas alturas e havia a possibilidade de se expressar em relaça o ao regime, na o sendo possí vel a formaça o de partidos polí ticos. Todavia, existiram movimentos de oposiça o como o MUD (Movimento de Unidade Democra tica), o Congresso Republicano de Aveiro, a Comissa o Democra tica Eleitoral, entre outros, durante a ditadura. Isto acontecia em momentos em que o pro prio regime tinha de mostrar a imagem para o exterior da existe ncia de alternativas. E importante lembrar que Salazar permitiu a candidatura de Humberto Delgado, por exemplo, uma vez que era necessa ria a imagem da existe ncia de candidatos da oposiça o. Mais tarde, esses movimentos e personagens eram perseguidos. Era um regime com uma apare ncia democra tica e e nesta ode que, durante o Marcelismo, muitos opositores como Sa Carneiro conseguem entrar.

Onde estava durante o 25 de Abril de 1974?

Eu estava em casa do meu pai (ainda era solteiro) e fiquei bastante contente. Era estudante universita rio, no meu ano de finalista, sendo que o meu pai tinha ficado algo escandalizado (pro -regime). Mais tarde, perdi as iluso es do 25 de Abril.

Qual a diferença entre o ambiente social vivido no pré e no pós 25 de Abril?

No pre -25 de Abril existia

perseguiça o mas especialmente a dois tipos de pessoas: as pessoas com ligaço es ao Partido Comunista e de esquerda com propenso es revoluciona rios (socialistas de esquerda ou anarquistas) e a quelas relacionadas de alguma forma com a extrema-direita. O grupo do Dr. Francisco Rola o Preto, o Nacional Sindicalismo, foi um dos perseguidos. Estes grupos na o te m nada a haver com a Direita de hoje, mas sim com uma direita protofascista, ate mesmo Nazi, com fardas militares, a semelhança de outros regimes fascistas. Rola o Preto foi perseguido e esteve exilado em Paris, juntamente com algumas

personalidades comunistas. Estas auxiliaram-no mais tarde e exigiram, apo s o golpe de Estado, que retornasse a Portugal uma vez que, a semelhança deles, ele fora perseguido, torturado e um exilado polí tico. No po s-25 de Abril e durante o PREC, a populaça o vivia tranquilamente afastada da polí tica. Era um paí s parado, calmo, muito rural, muito pacato, quase pre -histo rica, com poucas mudanças e difí ceis acessibilidades. Era a “aldeia da roupa branca”, com uma parte urbana muito remediada, limpa mas muito pobre. Na o existiram perseguiço es ou tumultos. Na o existiam os grandes ní veis de fiscalidade

O que significa para si o 25 de Abril?

Na o conseguindo despir a pele de polito logo, o 25 de Abril e um golpe de Estado esperado, depois do Golpe das Caldas e da “peregrinaça o do Reuma tico”. Era o bvio que iria acontecer alguma coisa e, por isso, acabei por na o ter uma enorme surpresa face ao golpe de estado do 25 de Abril. Na o imaginei que acontecesse assim pois nunca se imaginaria o que fosse acontecer. Nunca me teria passado pela cabeça a previsa o de Salazar de que, no dia em que este golpe acontecesse, existiria uma Revoluça o Comunista, bolchevizada, o que acabou por na o ser totalmente mentira, uma vez que concluí mos o PREC rapidamente com um Primeiro-Ministro e va rios ministros comunistas. Na o havia du vida que Portugal esteve nas “ma os” dos comunistas, o que obrigou a uma contra-revoluça o. Na o consigo ver a “parte floral” da Revoluça o porque, analiticamente, isto e o que eu observo.

É legítimo dizer que a oposição ao regime já era sentida antes do Golpe de Estado?

Ja . A oposiça o ao regime era o bvia. O regime tinha um problema de legitimidade, uma vez que nasce num golpe de Estado (o 28 de Maio). O que aconteceu foi que, como Salazar era Professor de Direito, redigiu uma Constituiça o onde “fingia” que tinha alguma legitimidade democra tica atrave s da eleiça o por sufra gio universal do Presidente da Repu blica bem como uma Assembleia Nacional suposta e igualmente eleita ou vereadores nas autarquias.

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porque “desde que me paguem, eu trabalho”» S A LVA D O R

Comunista, nomeadamente da Unia o dos Estudantes Comunistas, assim como um grupo da extrema-esquerda maoí sta, menos activos. Existia tambe m um grupo maiorita rio no meio que na o se alinhava e na o se metia muito em discusso es polí ticas, embora tivesse alguma lo gica polí tica, tal como os situacionistas e conformados com a situaça o polí tica. Sinto que existia uma solidariedade entre os estudantes que deixou de haver, principalmente devido a existe ncia de emprego. Qualquer um que se formasse nessa altura tinha emprego garantido, ao contra rio do que acontece hoje, ja que uma licenciatura ou ate mesmo um ou mais mestrados na o sa o garantias disso. Sendo este um paí s de analfabetos (na altura do 25 de Abril), na o havia licenciados na a rea. Este caso agrava-se quando se da um grande aumento no nu mero de Universidades, cursos, pessoal formado em Direito ou outras a reas. Com esta realidade, surge um grande aumento da procura face aos lugares disponí veis.

Isto trouxe um individualismo e uma competiça o sinistra a Universidade. A actual geraça o de estudantes e concorrencial e competitiva e a Academia como era desapareceu por isso mesmo.

Hoje, as Universidades acabam por ser fa bricas de executores para obedecer a ordens. O pensamento crí tico auto nomo desapareceu. E o risco do aparecimento do totalitarismo aumenta porque: “Desde que me paguem, eu trabalho”.

que existem actualmente. Havia burocracias para entrada e saí da no paí s ou quando era necessa rio um projecto. Era um paí s mais simples e mais livre. Em termos de liberdade polí tica, essa simplesmente na o existia. A liberdade de expressa o era muito restrita. Existia tambe m uma taxa de leitores de jornais referente a cerca de 3% da populaça o. Analisando as liberdades polí ticas, de expressa o, de informaça o e a liberdade de reunia o, o paí s era uma ditadura sinistra. A liberdade que “consumimos” todos os dias, como a liberdade de poder fumar onde se quiser, a liberdade de faltar ou chegar atrasado sa o liberdades que o povo portugue s estima muito e que estavam e continuam a estar relacionadas com o seu quotidiano. Podemos ter liberdade polí tica e de expressa o mas vivemos novamente de uma forma ditatorial e totalita ria. Acabou por se dar uma inversa o da ditadura pois transferiu-se do domí nio do polí tico para o domí nio do comum civil.

Após o PREC, quais foram as grandes alterações na sociedade civil e política em Portugal?

Na sociedade civil da -se o boom da classe me dia, inexistente em Portugal durante o regime. Este era um paí s muito proletarizado, com um grande campesinato, de auto-consumo. Existia tambe m um proletariado urbano ligado a s empresas e indu strias fixadas nas zonas urbanas bem como uma pequena classe me dia em Lisboa e no Porto ou nas cidades maiores, mesmo com fracas condiço es de vida. A grande classe me dia aparece

logo apo s o Marcelismo e sobretudo com o 25 de Abril. O acesso das classes pobres “remediadas” urbanas e mesmo rurais a classe me dia que tem vindo a ser destruí da nos u ltimos anos deve-se ao Golpe de Estado. Se algue m tem a agradecer ao 25 de Abril e a s alteraço es verificadas e essa classe me dia uma vez que, se o sistema na o se tivesse alterado, esta viveria apenas um furo acima do limiar da pobreza. E, apesar de ter vindo a ser destruí da nos u ltimos anos, temos ainda uma classe me dia bem composta e minimamente de acordo com os padro es europeus. Relativamente a sociedade polí tica, voltou-se a Primeira Repu blica mas apenas com a diferença de que a classe polí tica e muito pior e na o esta preparada para este regime po s-Estado Novo. Na o e defeito, e feitio.

No pós-25 de Abril, até que ponto é que o sistema político foi influenciado por forças externas?

Portugal era um paí s fechado. Eu com a vossa idade na o podia beber Coca-Cola nem comer McDonald’s ou semelhante, apesar de ja existirem. O Dr. Salazar criou um sistema auta rcico, fechado, com o lema “orgulhosamente so s”. Era difí cil comprar uma revista estrangeira ou jornais estrangeiros noticiosos. O paí s delimitava-se entre Portugal e o Ultramar. Sabe-se (quem leu, porque nunca dei por isso) que Kennedy fez um ultimatum a Salazar, no iní cio da de cada de 60, devido a uma biografia de Salazar feita por Franco Nogueira que fora Ministro dos Nego cios Estrangeiros do mesmo.

Existiu espionagem Russa em Portugal, apesar de na o ter existido grande influe ncia russa. A u nica influe ncia quer russa como chinesa era o apoio a partidos libertadores no Ultramar contra Portugal, tal como o MPLA, UNITA ou PAIGC que acabaram por dar origem a s Guerras Civis em Angola e Moçambique no po s- descolonizaça o. Ja em termos econo micos, Portugal integrava a EFTA e era membro da NATO. Existia alguma influe ncia americana e da NATO em Portugal mas nunca de uma maneira o bvia. Hoje, essa influe ncia e muito mais o bvia e verifica vel.

Até que ponto a academia sofreu alterações com o 25 de Abril?

O depois e sempre drama tico. No imediato existe um caos. No caso do ISCSP houve um grupo de Professores (ligado a extrema-esquerda) que o invadiram, ficando um certo ambiente de terror. Chega mos a fazer barricadas para na o sermos assaltados pelos retornados porque houve algue m que içou uma bandeira da FRELIMO no antigo ISCSP (na rua da Junqueira). Os professores ligados ao antigo Regime, acabaram por voltar ao ISCSP, retomando a lo gica antiga. O ensino manteve-se muito pouco alterado, a excepça o do perí odo do PREC.

A grande diferença existe ao ní vel dos estudantes. Isto deve-se ao facto de, antigamente, existir uma maior motivaça o ideolo gica em comparaça o com a actualidade. Na o havia neutros. Havia um grupo razoavelmente activo da Direita e outro (o mais numeroso) do Partido

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SOCIEDADE

O P I N I ÃO d e G O N Ç A L O S E R PA

A c o n q u i s t a d a C o m u n i c a ç ã o

Numa ediça o marcada pela comemoraça o de um feito histo rico em Portugal que cumpre hoje 40 anos, na o quero deixar passar em branco uma das conquistas que maior influe ncia teve apo s o 25 de Abril de 1974. O facto de poder escrever livremente este artigo traz-me uma enorme satisfaça o e um sentimento de orgulho nas pessoas que conseguiram transformar um regime ditatorial - em que uma das principais restriço es era a liberdade de expressa o – num regime democra tico, que com todas as crí ticas que lhe possam ser atribuí das, continua a ser superior ao que estava anteriormente em vigor. Na e poca pre 25 de Abril, o medo de se pronunciar contra o controverso regime estava instalado na populaça o. O Estado, atrave s da censura e ate da PIDE, encarregava-se de propagar este clima de desconfiança e de falta de liberdade, pois o regime começava a fragilizar-se e qualquer movimento

clandestino era perigoso para a manutença o do poder instituí do. Estas pra ticas estatais tinham como objectivo defender os o rga os governativos de qualquer tipo de protesto existente, que embora na o fossem em grande nu mero, abalava a estrutura polí tica. Os meios de comunicaça o nesta altura tinham uma expressa o muito menor do que hoje em dia, devido em grande parte a tecnologia menos desenvolvida que a que existe, com a televisa o e a internet a assumirem o principal papel, enquanto que no passado a ra dio era o principal meio de informaça o, comunicaça o e ate entretenimento. Mas, mesmo com esta menor expressa o, a revoluça o na o era possí vel sem a ocupaça o dos estu dios da Ra dio Renascença, que foram fundamentais para o lançamento das senhas de iní cio da revoluça o. A Grândola, Vila Morena e o E Depois do Adeus foram e continuam a ser marcos

revoluciona rios que trazem boas recordaço es a algumas pessoas que presenciaram todos os passos do 25 de Abril. A revoluça o dos cravos foi um sucesso e esta experie ncia trouxe algumas ilaço es que merecem ser retiradas. A comunicaça o foi e continua a ser uma arma bastante poderosa na manutença o e afirmaça o de um regime. Hoje em dia existe liberdade de expressa o, mas mesmo assim o controlo e constante e nunca a frase “The Big Brother is watching you” fez tanto sentido. Este controlo e tambe m conseque ncia dos avanços tecnolo gicos, pois tudo o que e realizado em plataformas interactivas como as redes sociais pode ser colocado ao dispor de qualquer pessoa com meia du zia de cliques e por isso todo o cuidado continua a ser pouco. "Autoridade absoluta pode existir, liberdade absoluta na o existe nunca”. Esta e uma frase de Salazar que tambe m retrata a liberdade em que vivemos: podemos ser livres de fazer muita coisa, mas a “minha liberdade termina onde começa a dos outros”. Assim podemos ver que mesmo sem existir um controlo rí gido dos meios de comunicaça o, estes sa o regidos por forças elitistas que elaboram a agenda-setting e permitem um excesso de soft news e de infotainment na nossa imprensa, que e prejudicial para a formaça o de uma populaça o mais culta e com opinia o formada acerca de temas que sa o realmente importantes para a nossa sociedade.

DEMOCRACIA E GESTÃO AUTÁRQUICA

Edição 2014

Por JOÃO MIGUEL SILVA “NAS BOCAS DO MUNDO – O 25 DE ABRIL E O PREC NA IMPRENSA INTERNACIONAL” de JOAQUIM VIEIRA E RETO MONICO «Reconstituem-se assim neste livro (que esperamos poder servir de trampolim para outras investigaço es na mesma mate ria) as diversas formas e perspetivas pelas quais a imprensa internacional olhou e acompanhou o tumultuoso processo polí tico portugue s que precedeu o atual regime.»

“OS RAPAZES DOS TANQUES” de ALFREDO CUNHA E ADELINO GOMES «Os Rapazes dos Tanques», uma obra que reu ne as histo rias dos militares que, no dia 25 de Abril de 1974, estiveram dentro dos tanques mas que decidiram na o disparar sobre o povo. No corpo do livro temos as fotografias de Alfredo Cunha, na altura com 20 anos e estagia rio no jornal O Se culo, fotos que «fixam, com oportunidade e sensibilidades raras, momentos-chave do golpe de Estado e de alguns dos seus protagonistas maiores, no terreno. Va rias delas inscreveram-se rapidamente entre as mais ico nicas do 25 de Abril.»

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CULTURA

O P I N I ÃO d e A N D R É C A B R A L

E d e p o i s d o c ra vo

Fado, futebol e Fa tima. O leitor estara com certeza familiarizado com estes 3 elementos, quer seja de forma singular quer seja assim, em trio. Nos anos em que vigorou o salazarismo no nosso Portugal, o fado, o futebol e a religia o eram as tre s peças mais importantes de uma cultura limitada, de um quotidiano controlado e filtrado pela censura que remetia para a lixeira qualquer coisa que parecesse minimamente desestabilizadora da boa ordem intelectual popular. A literatura era restrita a s tema ticas que na o interessavam ao estado, plastificava as massas contra os estrangeirismos irreverentes e liberta rios e nas livrarias so assentavam nas prateleiras obras bajuladoras dos “bons costumes” e todas as outras que na o os desafiavam. Tudo isto, claro, com a ajuda de um serviço pu blico de censura, representante da autoridade na hora de abrir as portas do come rcio a s obras que a ele se candidatavam. Nada se difundia sem autorizaça o do estado. A arte era para Salazar uma preocupaça o de maior, alia s o mesmo chegou a afirmar que “ a arte, a literatura e a cie ncia constituem a grande fachada duma nacionalidade, o que se ve la de fora” o que, para Salazar,

apesar do mote “orgulhosamente so s” muito significava. Os instrumentos e apoios que dela se podiam encarregar eram delegadas ao Secretariado de Propaganda Nacional o que, internamente e pelas ma os deste o rga o, se traduziu na instituiça o de va rios pre mios e concursos anuais que acabaram por criar uma boa dina mica artí stica, sobretudo na arte da pintura. Nunca esquecer contudo, que toda ou a maior parte dela era orientada por tema ticas de alusa o ao regime ou por outras quaisquer que o referissem positivamente. A Exposiça o do Mundo Portugue s, em 1940, foi a afirmaça o e a maior manifestaça o dessa lo gica do estado. Nesta exposiça o pretendia mostrar-se ao mundo a nossa cultura e familiariza -lo com o que e portugue s, seja o costume ou a obra. Pode, inegavelmente, dizer-se que o evento marcou o auge da polí tica cultural do regime salazarista, na o so por ser o resumo da sua ideologia mas tambe m pela sua dimensa o. Ao longo dos anos de ditadura e conforme o tempo modernizava os paí ses e as mentalidades ale m-fronteiras, tambe m os portugueses, de uma forma ou de outra

arranjaram maneira de contactar com essas realidades e acabaram por aderir a s novas correntes litera rias. A s cantigas novas enquanto cantores de intervença o, proibí dos mas reais, que na sua clandestinidade ta o paralela a do golpe de estado acabaram por nele ser fulcrais. Gra ndola Vila Morena de Jose Afonso ou Zeca Afonso como passou a ser popularmente conhecido e , a par do cravo, o sí mbolo maior da Revoluça o de Abril. Apo s esta data o leitor conhece a histo ria. A dina mica cultural cresceu. Passa mos a contactar com outras realidades e a deixar-nos contactar por elas. As influe ncias alargaram-se e o filtro do estado caiu com o golpe de estado. A criatividade despontou e conheceu novos limites. As guitarras passaram a poder ouvir-se estridentes, calmas a contra e a favor. O pincel tornou-se livre e a caneta tambe m. E na o e ta o melhor assim? A liberdade e o objetivo do homem e condiça o necessa ria para que recrie e inspire a criar. O cravo e liberdade mas o tamanho desta palavra mal nos cabe na compreensa o possí vel de se ter das coisas.

DOCUMENTÁRIO

Por João Miguel Silva

ESTÉTICA, PROPAGANDA E UTOPIA NO PORTUGAL DO 25 DE ABRIL O 25 de abril fara da propaganda uma desenfreada exaltaça o, da este tica um laborato rio e da utopia uma excitaça o. Apo s o 25 de Abril de 1974, a Este tica e Propaganda mais significativa esta ligada aos suportes Polí ticos de produça o ra pida e na maioria das vezes de baixo orçamento como o caso dos murais polí ticos que preencheram as paredes de todo o Portugal. E principalmente atrave s do uso do suporte cartaz que nos surgem alguns dos trabalhos mais relevantes desse perí odo. TERRA DA FRATERNIDADE A 40 anos da Revoluça o dos Cravos, Portugal e novamente abalado por ventos de revolta. Alvo do descontentamento popular ja na o e o punho de ferro polí tico e social de uma ditadura interna mas a austeridade econo mica imposta por governos estrangeiros, mercados financeiros e organizaço es supranacionais. Todavia, a palavra de ordem que inflama as praças continua a ser a mesma: o povo e quem mais ordena. Um pai e uma filha, com percursos distintos mas unidos na mesma luta, guiar-nos-a o numa viagem atrave s da revoluça o que foi e daquela que, porventura, vira a ser.

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ENTREVISTA AO PROFESSOR JOSÉ ADELINO MALTEZ

“Andava com a Guerra na cabeça há bastante tempo, há

p o r J O S É

Mesmo sendo pe ssimo, e o menos pe ssimo de todos os outros que tivemos ate hoje.

Melhor que a primeira República?

A primeira Repu blica foi estu pida, terrí vel. Todos os fundadores do 25 de Abril tinham na cabeça o medo da Primeira Repu blica. A começar pelo Ma rio Soares, juntamente com o Cardeal Patriarca de Lisboa, Sa Carneiro, Cunhal e Freitas do Amaral, queriam um Regime onde na o se confundisse a Religia o e a Polí tica.

Se analisa ssemos os principais partidos de acordo com a 1.ª Repu blica, havia um Partido Republicano e outro na o Republicano. Um ligado a maçonaria e outro ligado a “padralhada”. E o segredo deste regime foi claramente, o PS ter anticlericais e beatos, o PSD ter “meninos do bispo” e chefes da maçonaria e a certa altura nenhum dos partidos representa isso. Podiam ser divergentes noutras coisas, mas na o na questa o entre Religia o e Polí tica.

O falhanço da Primeira Repu blica e a falta de um Presidente da Repu blica eleito pelo povo diretamente. A ditadura aproveitou essa falha. A grande ideia e motivaça o do Regime de Abril era a necessidade da existe ncia de um Presidente da Repu blica eleito por sufra gio universal. A Primeira Repu blica era uma trafulhice, porque tinha um Partido U nico, o Partido Republicano, que depois teve disside ncias. Na o e o caso do Regime de Abril; o Partido Comunista e o Partido Comunista e sempre existiu desde 1921, o PS e o PS, pertence a uma famí lia

polí tica, o PSD e o PSD e por aí adiante. Ha aqui pluralismo (competitivo), coisa que na o aconteceu na Primeira Repu blica, porque os Pais Fundadores tiveram a noça o e a abertura de fazer uma autocrí tica, de forma a perceber porque e que a ditadura tinha vencido por falhas da 1.ª Repu blica. Alia s, no 28 de Maio, 80% dos dirigentes do 28 de Maio sa o Republicanos. Foi um golpe de Republicanos contra a Repu blica. Quem acabou por beneficiar das diverge ncias entre Republicanos foi o Dr. Anto nio de Oliveira de Salazar.

Outro fator que contribuiu para as falhas da 1.ª Repu blica foi, 3 anos apo s a sua instauraça o, o iní cio da 1.ª Guerra Mundial. Portugal entrou em bancarrota em 1890, outro aspeto que veio agudizar ainda mais a questa o Republicana. A 1.ª Repu blica governava um regime em bancarrota que na o foi ela que o fez. Hoje, no s percebemos o que e um regime em bancarrota. Eu gostava de saber o que era o Regime de Abril ter tido uma bancarrota e ter de entrar numa Guerra Mundial. Portanto, na o podemos ver a 1.ª Repu blica com os olhos de hoje.

Onde estava quando soube da revolução e qual foi a sua primeira reação quando soube do golpe de Estado?

Estava a fazer exame escrito de medicina legal, um exame sobre auto psias e violaço es. Ainda estava em Coimbra, era estudante de Direito. A minha reaça o nesse dia (e que pode parecer estranha), foi a mesma a reaça o dos meus colegas de turma , porque durante a tarde, em Coimbra

na o se sabia se tinha sido um golpe dos ultras do regime, se tinha sido um golpe de um lado polí tico ou de outro e nem se soube porque nem eles pro prios sabiam quais seriam as linhas de força desse ge nero. Os ultras do regime eram o grupo dos militares que estavam em discorda ncia com Marcello Caetano e que seriam organizados por Kau lza de Arriaga (Kau lzistas).

A oposição ao regime era muito sentida antes do 25 de Abril?

Ha tentativas de golpes de Estado desde 1927, muitas delas sangrentas, como caso do “reviralho”. Depois, com Salazar no poder, houve sempre bastante contestaça o, mona rquicos a comunistas, ate ao 25 de Abril. A oposiça o sentia-se. Mesmo todas as ditaduras criam um consenso, nem que seja a paz dos cemite rios. E portanto, so os doidos e que eram da oposiça o. O 25 de Abril equilibrou as coisas porque quem elaborou o golpe de 28 de maio que deu origem a ditadura, foram as forças armadas, e tiveram a coragem de fazer um golpe militar contra aquilo que tinha sido uma criaça o deles. Acabaram, por voltar aos quarte is, e empenharam-se civicamente em alterar as coisas e depois voltaram humildemente a sua posiça o.

Qual era o ambiente social e político vivido no pré e no pós 25 de Abril?

O pre teve uma modificaça o estrutural, sociolo gica. O Portugue s de classes socialmente mais baixas tinha, ate aos anos 60/70, duas hipo teses de ser igual ao outro.

O que significa para si o 25 de Abril?

O 25 de Abril foi uma revolta eficaz contra uma ditadura, sendo a principal alteraça o dos tempos antes do 25 de Abril para hoje e a sensaça o de poder dizer o que se pensa e poder viver como se pensa. Portanto, foi um exercí cio de libertaça o antes de ser um Regime, e uma libertaça o. O essencial, para mim, do 25 de Abril e o facto de eu na o ter ido a guerra. Houve, pela primeira vez em muitos anos, um grupo de pessoas que na o foram a guerra, como foi o meu caso. Andava com a Guerra na cabeça ha bastante tempo, ha 13 anos que eu sabia que ia para a guerra. Teria que tomar uma opça o: ou ia para a guerra ou fugia. Isto estava na cabeça de qualquer jovem, de qualquer ma e, qualquer irma o, qualquer pai. Tive muitos colegas meus que morreram. Eu na o fui para a Guerra porque estava a terminar o curso, tive o privile gio de ter tido o adiamento.

E a seguir de na o ter havido guerra civil no po s 25 de Abril. Outra coisa do 25 de Abril e que, pela primeira vez na Histo ria de Portugal cria mos um regime onde um comunista, um fascista, um indiví duo de extrema-esquerda revoluciona rio, um indiví duo de direita, um indiví duo liberal, que fazem parte da classe dirigente do paí s. E a primeira vez que cria mos um regime que e de todos, curiosamente, 4 anos apo s o 25 de Abril a chamada Direita ganhou as eleiço es, portanto o regime na o e de Direita nem de Esquerda. Criou uma Direita e uma Esquerda. Este e o melhor regime que Portugal teve em toda a sua histo ria, apesar de ser um pe ssimo Regime.

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13 anos que eu sabia que ia para a guerra.”

S A LVA D O R

Guerra Fria. E um Salazar esperto aguentou a guerra colonial devido a possibilidade da existe ncia de uma 3.ª Guerra Mundial e os possí veis retornos que Portugal pudesse obter de alguma das forças externas. A guerra colonial existiu porque, nalguma literatura e na base do discurso de Salazar, a estupidez de pensar que na de cada de 60 fosse existir uma 3.ª Guerra Mundial. A polí tica de integraça o vem da 1.ª Repu blica e da Monarquia liberal. Com Salazar houve colonialismo.

Para além de todos os balanços que já apresentou do 25 de Abril e a sua evolução, que balanço final é que faz ao Golpe de Estado e ao resultado desse golpe 40 anos depois?

A crí tica a democracia, na 1.ª Repu blica foi feita, maioritariamente pelos inimigos da democracia. Hoje, os fascistas esta o desempregados. Os primeiros crí ticos da decade ncia da democracia sa o democratas e ha uma certa mentalidade que pensa o contra rio. Quem encabeça, hoje, a crí tica a degeneresce ncia da democracia em Portugal sa o os democratas. Para criarmos uma democracia melhor e na o para termos uma ditadura. Por exemplo, eu faço parte de uma classe que nasceu com a democracia, que e a Cie ncia Polí tica. Eu na o conheço a Cie ncia Polí tica em ditadura, em regimes totalita rios, sejam fascistas ou comunistas. A cie ncia polí tica nasceu com a democracia e na sociedade pluralista. Uma das funço es da Cie ncia Polí tica e denunciar a degeneresce ncia do Poder, sendo sino nimo de democracia e da teoria da democracia.

Ou ia para o semina rio (a Igreja proporcionava, muitas vezes uma forma de igualdade de oportunidades) ou ia para a tropa. A certa altura, passou a ir para o sistema de ensino pu blico dos liceus salazaristas, as escolas te cnicas salazaristas e para as universidades salazaristas .Tornou-se outra forma de igualizaça o. O ensino salazarista no po s guerra começou a fazer algumas alteraço es sociolo gicas. E, curiosamente, grande parte da revolta que esta por detra s do 25 de Abril ou e feita pelo capita o ou major de baixa classe popular ou e o povo de classe baixa e a Universidade. O ambiente que se sentia era um ambiente de mudança sociolo gica (mesmo que pequena) mas que ja tinha alguns sinais daqueles pais que apostaram na utilizaça o de algumas vias de igualizaça o.

As conseque ncias principais do 25 de Abril foi o alargamento deste modelo de uma maneira maciça e global. Hoje na Universidade acaba por refletir a sociedade, na o havendo tanta elitizaça o como no Antigo Regime. A Universidade passou

a ser um instrumento de igualizaça o, assim como serviços como o SNS se desenvolveram e passaram a abranger e a fazer um retrato da sociedade, ao contra rio do que era verificado anteriormente. Se ha duas coisas sagradas numa sociedade sa o a igualdade de oportunidades no sistema de ensino e igualdade de oportunidades no Sistema de Sau de. Sem isso na o ha uma sociedade minimamente justa e isso e a grande conquista do Regime atual.

A sociedade polí tica evoluiu por passarmos a ter partidos com maior duraça o que os anteriores. Os partidos, infelizmente na o sa o assim muito bons te m a sua origem em classes mais elevadas da sociedade, acabando por manipular e mobilizar depois a classe social maiorita ria. Foram aqueles que o MFA escolheu para ir para o governo ou para o Conselho de Estado. Esses partidos instalaram-se e sa o hoje uma desgraça, que adve m de partidos que foram bons. Ate no comenta rio Polí tico,

assistimos a polí ticos “desempregados” que tomaram conta dos serviços informativos, em vez do tí pico e bom jornalista polí tico.

Até que ponto é que a academia se alterou com o 25 de Abril?

Existe uma maior variedade de Universidades e Polite cnicos apo s o 25 de Abril. Ainda bem que ha um alargamento quantitativo do ensino superior, porque veio abrir a Universidade a uma maior parte da populaça o e na o cingi-la a s elites. O problema e que agora existem mais melhores alunos e mais piores alunos. E natural. Necessa rio e haver bons professores para perceberem a sociologia que te m, para trabalharem com aquilo que te m e na o com aquilo que pensavam que deviam de ter e na o te m. Qualquer estudo demonstra uma melhoria quantitativa dos melhores, e um alargamento claro do aluno me dio e do aluno menos bom. Basta ver o nu mero de cientistas, o nu mero de doutoramentos. Aí , o sistema funcionou e melhorou. Tambe m a qualidade de vida geral dos Portugueses melhorou, na o so devido ao 25 de Abril, mas tambe m devido a questo es de fundo como o caso da forte ajuda dos emigrantes.

Até que ponto é que a construção da sociedade portuguesa no pós 25 de Abril foi influenciada por forças externas?

Claro que sim, pelo KGB, pela CIA e por uma guerra colonial que era uma guerra por procuraça o entre pote ncias da

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REPORTAGEM

A D R I A N A C O R R E I A e C R I S T I N A SA N TO S

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A emblema tica data que marcou Portugal comemora hoje os seus quarenta anos de existe ncia. Foi a partir deste dia que se deu o derrube de um regime repressivo que negava direitos e liberdades aos seus cidada os. Ficara para a histo ria a frase de Fernando Jose Salgueiro Maia que deu iní cio a todo este nota vel acontecimento: “Nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chega mos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for volunta rio, sai e forma. Quem na o quiser sair, fica aqui!”. Foi numa terça-feira de Abril, mais precisamente no dia 22, que se realizou a confere ncia que celebrou os quarenta anos da Revoluça o que marcou o nosso paí s. O painel, desde logo visí vel e devidamente projectado, contou com a presença na parte da manha do jornalista Anto nio Borga e do Coronel Sanches Oso rio (Major na e poca da Revoluça o). O audito rio do piso 1 do Instituto Superior de Cie ncias Socias e Polí ticas encontrava-se ja composto e a mesa dos convidados ficou completa com a presença do Professor Jose Adelino Maltez e ainda com um dos alunos responsa veis pela realizaça o desta iniciativa, Ru ben Guerreiro. Apo s os cumprimentos iniciais e as explicaço es sobre como surgiu a ideia desta comemoraça o, o Professor Jose Adelino Maltez salienta a liberdade de expressa o de todos os presentes e como tal a possibilidade de um contributo sem quaisquer tipo de restriço es. O primeiro convidado a ter a palavra e o Coronel Sanches Oso rio, que de microfone a sua frente, começou por falar aos presente sobre o que o levou a adoptar a sua luso-descende ncia. O episo dio da invasa o de Go a em 1968 e a Guerra Colonial,

levaram-no segundo as suas palavras, a divergir com o Estado Novo. Para ele, o 25 de Abril começou por ser uma reinvindicaça o meramente corporativa. Explicou-nos o porque da existe ncia do programa do Movimento das Forças Armadas e realçou a falta de confiança que existia por parte dos militares revoluciona rios nos quadros polí ticos do paí s, desconfiança essa totalmente reconhecida tambe m nos tempos de hoje. Dos momentos mais marcantes do seu testemunho pessoal foi quando

confidenciou aos presentes o seu tempo no exí lio e a acusaça o de que foi ví tima (rebentamento de uma bomba) em Paris. Acabou preso em Caxias, com mais dois distintos militares. Desperta a curiosidade da palteia quando diz que para se fazer polí tica em Portugal e preciso ser-se rico e e preciso na o se importar de deixar tal

riqueza. Quando foi questionado sobre a situaça o actual do paí s, Sanches Oso rio foi imperativo e afirmou que "hoje, ou se e quente ou frio”. A seu ver, na nossa sociedade existem muitas pessoas mornas e isso sim e um grande problema. Toma enta o a palavra Anto nio Borga, jornalista de profissa o, e que começa por referir o 25 de Abril como “a festa da liberdade”. Defende que se festeja a liberdade, mas questiona sobre o que e realmente a liberdade. Para si, começa-se por falar, por

questionar sobre o que e e so depois começamos a ter a percepça o do que esta podera realmente ser. “No dia 25 de Abril as pessoas tiveram um verdadeiro sentimento de liberdade”, “a liberdade e algo que se vai descobrindo e exercitando por todos e cada um de no s”, afirma convicto nas suas palavras. Em seguida conta que no dia

24 de Abril de 1974 estava em Istambul, quando atrave s de um homem de nego cios se apercebe da agitaça o que estava a acontecer no paí s. No fim do dia de 25 de Abril, a informaça o que lhe chegou ao seus ouvidos era que tinha ocorrido um Golpe de Estado e que o General Anto nio de Spí nola estava na frente do mesmo. Relatou na primeira pessoa que “mesmo longe senti uma tremenda euforia e sensaça o de alí vio por todos os portugueses nesse mesmo dia”. Para ele, “a liberdade de informaça o e essencial ao Homem e a

sociedade”. Esta liberdade de informaça o e acompanhada de direitos, que da o corpo a mesma: o direito de informar, de ser informado e do direito do cidada o informar-se (este u ltimo tem sempre de ser aprendido e nunca e sempre conseguido). “Em polí tica o que parece e ”, afirma convicto que esta foi a ma xima das ditaduras e foi

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tambe m no regime salazarista. Nas palavras de Anto nio Borga, “havia um sentimento de revolta e para os jornalistas havia ainda um esforço adicional para contornar a censura”. No final da sua intervença o, referiu em tom informal e de piada, uma conversa que teve entre amigos onde um deles se dizia ansioso pela Revoluça o mas que quando houvesse a ta o desejada liberdade deixaria o jornalismo, porque ja na o havia a censura para combater. Apo s tal data emblema tica, apercebeu-se que havia ainda muito trabalho pela frente e novos desafios a serem combatidos. Apo s estes testemunhos foi a vez do professor Jose Adelino Maltez se pronunciar, começando por referir distintas personalidades que passaram pelo Instituto Superior de Cie ncias Sociais e Polí ticas e o contributo das mesmas para o nosso paí s. Foi o responsa vel por uma das frases que mais deixou o audito rio a reflectir, quando afirmou que “quem controla o passado, controla o presente e o futuro e todos temos o direito de celebrar Abril e a Revoluça o”. Afirmou tambe m que “na o ha liberdade sem desobedie ncia” e que “a liberdade e um desassosego”. Ainda antes do meio-dia, foi aberto o debate a plateia presente na sala, na sua grande maioria composta por alunos da casa. A primeira voz ouvida na o se fez rogada e questionou se apo s a revoluça o de Abril, este caminho actual era o pretendido a ser seguido. Depois, foi a vez de de uma aluna do 3º ano de Relaço es Internacionais no Instituto, perguntar como se poderiam modificar as mentalidades de toda uma naça o que se encontra actualmente “estupificada” e que na o se importa com o que os polí ticos fazem ou deixam de fazer. Ambas as respostas dadas

pelo Coronel Sanches Oso rio, foram ao encontro da neessidade de actuaça o e de participaça o por parte de cada um de no s, embora o caminho percorrido ate enta o na o tenha sido mais acertado. Sanches Oso rio vai mais longe e fala-nos no grande fantasma dos mercados e na importa ncia da religia o, como premissas relevantes para o melhor entendimento da sociedade dos nossos dias. O professor Adelino Maltez referiu ainda algumas caracterí sticas dos autoritarismos e de como ainda hoje existem os que denomina como micro-autoritarismos. “A liberdade tem um preço”, segundo as suas palavras, e que pode custar um preço mais alto do que se esperava. Indiví duos que na o levantem ondas e o que se quer, e o que a sociedade pretende. Para Anto nio Borga, o voto actualmente tem uma conotaça o de que e apenas um pedaço de papel. Assertivo, afirmou ser conviniente que as pessoas deixem de acreditar na importa ncia do seu voto. Para si, as entidades que nos governam sa o entidades na o eleitas. Defendeu que existem maneiras de na o compactuar com tal facto. “O voto pode na o ser uma arma poderosa, mas pode fazer a diferença se for

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colocado no sí tio certo”, elucida Anto nio Borga. Por u ltimo, foi a vez do professor Adelino Maltez lembrar a todos os presentes, de outras iniciativas que va o ocorrer ao longo da semana e que celebrara o estes ta o emblema ticos 40 anos da Revoluça o de Abril. Depois do almoço, por volta das 15 horas, o Professor Jorge de Sa dirige-se ao audito rio para debater a ditatura nacional e as suas caracterí sticas mais vincadas, tal como o corporativismo, o catolicismo e o nacionalismo, vincados pela forte repressa o e atentado a liberdade de expressa o. Em tom informal, recorda o seu namoro de adolesce ncia e um episo dio pessoal, quando um simples abraço no Calva rio tera sido alvo de atentado ao pudor e cujos pais tiveram de justificar tal acto insconciente dos filhos junto do liceu que frequentavam. A Revoluça o de 25 de Abril na o foi obra do acaso, afirma. Num paí s atrasado e subdesenvolvido, onde imperava a humilhaça o, a ignora ncia e a centralizaça o de capitais, bem como a existe ncia de monopo lios sem monopolistas conseguiram esmagar tudo. Para ale m disso, realça a dicotomia dos mercados coloniais e a mise ria das populaço es cuja riqueza

dos primeiros na o satisfaziam as necessidades das segundas. Apela, em tom final, a trilogia Viva a Democracia! Viva a Liberdade! Viva Portugal! De seguida, a palavra e cedida a Rodrigo de Sousa e Castro, militar portugue s que integrou na clandestinidade a Comissa o Coordenadora do Movimento dos Capita es, em 1973 e cuja participaça o na elaboraça o do documento O Movimento das Forças Armadas e a Nação bem como a organizaça o e desencadeamento da operaça o militar de 25 de Abril de 1974, na o passaram despercebidos. Relembrando a sua infa ncia, a Legia o Portuguesa, a Mocidade Portuguesa ou a Escola da Ditadura foram memo rias emocionalmente partilhadas. Nesta u ltima, os meninos mais pobres iam descalços. E o Sa bio era um desses meninos. Este era um dos seus colegas, com uma nota vel intelige ncia, cujas blusas da ma e era o que o aquecia em dias mais frios. O Sa bio, apesar das suas capacidades, na o po de continuar a estudar. Assim, realça-se mais uma vez a mise ria vivida em Portugal enquanto um exe rcito era treinado para combater na Guerra colonial, contra a UPA, FNLA, MPLA ou UNITA. Termina com a amostra de um excerto do filme A Hora da Liberdade.

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ENTREVISTA PROFESSOR JORGE DE SÁ

“O 25 de Abril significa a liberdade (…) porque sem liberdade não

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seguindo-se contactos para Portugal e telefonemas para outros Portugueses que estavam na dia spora polí tica.

Sentia a oposição ao Regime antes da Revolução?

Houve sempre oposiça o ao regime, oposiça o que se manteve heroicamente, apesar da fortí ssima repressa o, das priso es e das mortes com que a ditadura respondia aos anseios legí timos do povo portugue s.

Qual o ambiente social vivido no pré e no pós 25 de Abril?

No pre 25 de Abril viví amos num paí s em que os trabalhadores conheciam a pobreza que se manifestava a todos os ní veis, econo mico, social, cultural. Um paí s duramente empobrecido, cuja pobreza gerava emigraça o, com cerca de um milha o de portugueses, quase todos homens em idade ativa, a procurarem fugir a mise ria em França e na Alemanha durante a de cada de ’60. Ja tinham acontecido vagas de migraça o antes, nomeadamente para a Ame rica do Sul e alguns movimentos migrato rios tambe m em relaça o a s Colo nias. Mas na de cada de ’60 a perda desse ta o elevado nu mero trabalhadores, a maioria camponeses, e um dos factores que explicam o atraso estrutural que ainda hoje vivemos. No pre -abril tí nhamos um paí s esquartilhado em contradiço es, sociais, econo micas, polí ticas e culturais, agudizadas pela guerra colonial. Essa guerra colonial que depois vai servir para que dela emergisse o

Movimento dos Capita es, tal como uma flor pode romper de um cha o de esco ria. Para ale m desta causa pro xima, ha que entender que a nossa 2.ª Repu blica, iniciada com o 25 de Abril, tem como causa estrutural a resiste ncia do povo portugue s a polí ticas que o subjugavam e o limitavam na sua pro pria dignidade.

Até que ponto é que a sociedade civil e política se alteraram com o 25 de Abril?

A principal diferença e a existe ncia de um Estado de Direito e uma democracia, e isso foi resultado da Revoluça o democra tica de 1974. Na sociedade civil as mudanças estruturais sa o lentas e mais ainda nos casos em que a populaça o possui ní veis de ignora ncia e de iliteracia muito elevados, que ainda hoje continuam a manifestar-se no nosso paí s. A sociedade civil mudou, e hoje temos grandes conquistas, entre as quais a reduça o de taxas da mortalidade infantil, que reflete uma melhoria na qualidade de vida, com va rios outros indicadores. Apesar disso, ainda continuamos a viver muitas contradiço es num paí s que tem algumas deficie ncias estruturais que so polí ticas arrojadas dirigidas para esse fim conseguira o corrigir.

Até que ponto é que a academia se alterou com o 25 de Abril?

A academia mudou completamente, ja que os estudantes universita rios, na sua grande maioria pertenciam a s elites. Com o 25 de Abril, massificou-se o

acesso ao ensino superior, desenvolveram-se as Universidades, que praticamente eram limitadas a Lisboa, Coimbra e Porto. A academia muda tambe m com a sua gesta o democra tica, com participaça o dos estudantes e dos pro prios trabalhadores e professores na gesta o das escolas, coisa que na o existia antes. E assim que temos um panorama totalmente distinto daquilo que era a Universidade antes e daquilo que foi a Universidade depois. Se bem que muito ainda haja por fazer.

Estando o professor fora do país na altura, até que ponto é que acha que o sistema político foi influenciado por forças externas?

Todos os sistemas polí ticos sa o influenciados por forças internas e externas. E claro que no s fomos, em Portugal, a expressa o daquilo que era o conflito da Guerra Fria, na o esquecendo que Portugal era um paí s integrante da NATO. Do outro lado, havia o bloco de leste. As contradiço es entre as superpote ncias foram vividas em Portugal intensamente, com muitas influe ncias externas das quais resultaram va rias movimentaço es polí ticas que tinham expresso es do ponto de vista partida rio. Portugal desencadeou uma onda de interesse enorme porque era um paí s atrasado que alcançava a democracia e interessou muita gente, democratas de va rias matrizes que se interessavam por vir ver o que se passava por Portugal. Portugal foi notí cia positiva em termos internacionais. Os espanho is, que na altura ainda viviam no regime ditatorial de Franco diziam: “Portugal, ta o perto e ta o diferente”. E no

O que significa, para si, o 25 de Abril?

E uma data que representa o culminar de um processo de transformaça o de Portugal, em relaça o ao qual me empenhei desde bastante jovem, tanto no MAESL (movimento de estudantes liceais) como, aos 18 anos, pela oposiça o democra tica nas eleiço es de 1969. O meu empenhamento pela liberdade continuou depois no exterior, ja que tive que sair de Portugal, nomeadamente por questo es de desacordo com a polí tica relativa a guerra colonial, exilando-me na Be lgica, onde estudei na Universidade Livre de Bruxelas. Aí ajudei na luta pela liberdade tanto em Portugal, como nas ex-colo nias.

Portanto, o 25 de Abril significa a liberdade, significa a possibilidade de ter uma vida digna, porque sem liberdade na o ha dignidade.

Onde estava quando se deu o 25 de Abril de 1974 e qual a sua reação?

Essa pergunta e uma pergunta um bocado cliche (risos). Estava em casa, em Bruxelas. Soube muito cedo, cerca de 7 da manha , quando recebi um telefonema de um amigo meu Belga que me disse que estava a haver uma revoluça o em Portugal. Eu acordei, com o telefonema e disse ao meu amigo Pierre que se calhar era “mais do mesmo”, na seque ncia do apoio da “Brigada do Reuma tico” ao regime, depois do falhado movimento de Março desse ano, iniciado nas Caldas da Rainha. Ele respondeu-me que, segundo o que estavam a dizer no ra dio, era uma revoluça o de esquerda, e aí ja na o larguei mais a ra dio,

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há dignidade”

pro prio Brasil, que ainda estava sob a ditadura militar, recordo duas belas canço es de Chico Buarque alusivas a Abril e aos sí mbolos da Revoluça o.

Que balanço, 40 anos depois é que faz do 25 de Abril?

O balanço e francamente positivo. Em termos de aquilo que e um Estado de Direito, a Democracia, a vida com dignidade feita num espaço com liberdade, na o ha qualquer du vida acerca disso. Mas esse balanço tambe m tem que ter em conta aspetos que na o foram ta o positivos nessa evoluça o.

Nesse sentido temos de estar atentos e desenvolver a nossa capacidade crí tica e respondermos de forma organizada como sociedade civil a quilo que sa o as demandas do povo portugue s. Com sabedoria, com força e com beleza, enquanto elementos capazes de reunir o que de melhor trazemos do passado para o projetar frutuosamente no futuro.

Um futuro que esta nas ma os dos jovens e que eu, enquanto for u til, sinto ser meu dever continuar a contribuir para o seu desenvolvimento cí vico, porque a qualidade da democracia depende sempre de cidada os empenhados, lu cidos e exigentes.

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POESIA

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Pedra filosofal ANTÓNIO GEDEÃO

Eles na o sabem que o sonho e uma constante da vida ta o concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul. Eles na o sabem que o sonho e vinho, e espuma, e fermento, bichinho a lacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa atrave s de tudo num perpe tuo movimento. Eles na o sabem que o sonho e tela, e cor, e pincel, base, fuste, capitel,arco em ogiva, vitral, pina culo de catedral, contraponto, sinfonia, ma scara grega, magia, que e retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante, caravela quinhentista, que e cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pa ra-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisa o do a tomo, radar, ultra-som, televisa o, desembarque em fogueta o na superfí cie lunar. Eles na o sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as ma os de uma criança.

Menina Dos Olhos Tristes JOSÉ AFONSO Menina dos olhos tristes o que tanto a faz chorar o soldadinho na o volta do outro lado do mar Vamos senhor pensativo olhe o cachimbo a apagar o soldadinho na o volta do outro lado do mar Senhora de olhos cansados porque a fatiga o tear o soldadinho na o volta do outro lado do mar Anda bem triste um amigo uma carta o fez chorar o soldadinho na o volta do outro lado do mar A lua que e viajante e que nos pode informar o soldadinho ja volta esta mesmo quase a chegar Vem numa caixa de pinho do outro lado do mar desta vez o soldadinho nunca mais se faz ao mar

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Núcleo de Ciência Política Universidade de Lisboa - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas

Parceria com Jornal Económico do ISEG

L I B E R DA D E C R I AT I VAL I B E R DA D E C R I AT I VA 24 a 25 de Abril das 11h às 20h

J a r d i m d o P r í n c i p e R e a l actividades para toda a família

2 5 2 5 D E A B R I L , D E A B R I L , 4 0 4 0 A N O SA N O S Lisboa 23 a 26 de Abril

vários acontecimentos por Lisboa: teatros, concertos,

festas, museus, galerias, entre outros.

25 DE ABRIL, SEMPRE

Parte I, o movimento das coisas 1 a 30 de Abril

Cinemateca

20 | 14 Abril 2014

O ESPECTRO

CARTAZ CULTURAL

FILMES FILMES -- cruzamentos com o 25 de Abril ao centrocruzamentos com o 25 de Abril ao centro

7 a 28 de Abril

Segundas-feiras às 21h30

Casa da Achada em LISBOA