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    OUTORGA DOS DIREITOS DE USO DE RECURSOS HDRICOS

    Caroline Corra de AlmeidaAdvogada, aluna daFESMPDFT.

    SUMRIO:1. Introduo. 2. Instrumento deoutorga. 3. Outorga dos direitos de uso de recursoshdricos. 4. A funo da Agncia Nacional deguas na outorga dos direitos de uso de recursoshdricos de domnio federal. 5. Concluso.Referncias bibliogrficas.

    1. INTRODUO

    Cresce cada vez mais a conscincia de que a gua vem se tornando um bem escassomundialmente. Embora parea abundante, menos de 3% da gua do planeta classificada como doce. A guapotvel considerada a mais pura da natureza (embora esteja tecnicamente comprovada a sua poluio porPoluentes Orgnicos Persistentes1) se encontra nas calotas polares e nas geleiras, que armazenam 2% da guado planeta. O percentual restante se encontra disperso nos lenis subterrneos, lagos, rios e a atmosfera. Amaioria das guas do planeta (mais de 97%) salgada. Ainda que o consumo de gua seja uma pequena,embora crescente, poro da gua disponvel, a distribuio deste recurso bastante desigual entre pases eregies, o que, combinado com a precria administrao ambiental e o desperdcio no uso, tem levado escassez at em reas bem providas de gua doce. As guas subterrneas no so eternas; so como jazidas depetrleo, no renovveis. Torna-se mais dispendiosa e tecnologicamente complexa a obteno de gua emqualidade e quantidade razovel para o abastecimento pblico. A gua neste sculo reconhecidamente um

    recurso vulnervel, finito e j escasso em quantidade e qualidade. Portanto, um bem econmico2

    . nesse contexto que a gua, elemento essencial vida, ser considerada um elemento

    estratgico nos negcios neste sculo. Algumas empresas esto convencidas de que, num futuro prximo,quem detiver o controle da gua do planeta ditar as regras do produto.

    Os desafios para a conservao e utilizao sustentvel das guas so funes tambm dograu de avano ou implementao de princpios e atividades pertinentes a noo da sustentabilidade ambientaldo desenvolvimento.

    Com a promulgao da Constituio Federal de 1988, foi delimitado o sistema jurdicoambiental. O meio ambiente passou a ser tratado segundo a viso holstica, como um sistema ecolgicointegrado e com autonomia valorativa, abandonando-se a conscincia ambiental restrita marcante nos

    momentos anteriores fase da explorao desregrada e fase fragmentria. As guas receberam novaregulamentao legal, com vistas a preservar e conservar para as presentes e futuras geraes. A Lei n9.433/97, que instituiu da Poltica Nacional de Recursos Hdricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de

    1Os Poluentes Orgnicos Persistentes POPS so um grupo de substncias qumicas altamente txicas, resistentes degradaopor processos bioqumicos e bioacumulativos nos tecidos de animais e humanos. Artificialmente liberadas por atividadesantropognicas, estas substncias qumicas, uma vez no meio ambiente, alcanam at mesmo reas remotas do planeta como osglobos devido ao transporte de longa distncia feito pelas correntes de ar na atmosfera. Os organoclorados so as substnciasmerecedoras de ateno urgente, pois formam um grande grupo de substncias qumicas das quais muitas so POPS. (LISBOA,Marijane. A conveno dos Poluentes Orgnicos Persistentes (POPS) : Sumrio executivo do relatrio sobre POPS naAmrica Latina. Seminrio Internacional sobre Direito Ambiental Ano 3, Braslia, 2001 documento indito).2PEIXOTO FILHO, Aser Cortines; BONDAROVSKY, Sandra Helena. gua, bem econmico e de domnio pblico.RevistaCEJ, n. 12, Braslia, set/dez 2000, p. 14.

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    Gerenciamento de Recursos Hdricos (SINGREH), vem ao encontro da aspirao social, mas, por outro lado,encontra fortes resistncias em ser implementada.

    Alguns dispositivos legais merecem destaque: o reconhecimento das guas como bem dedomnio pblico, um recurso natural limitado e dotado de valor econmico; a descentralizao operacional,

    administrativa, tcnica e legal, viabilizando a democratizao do processo decisrio e promovendo uma realparticipao, transparncia e publicidade na execuo das aes, tudo com o intuito de dar credibilidade aoprocesso como um todo; a gesto das guas como palavra-chave da PNRH, destacando-se as baciashidrogrficas como unidade de gesto; a outorga e a cobrana pelo uso dos mananciais, uma prioridade frenteao uso desordenado e irracional dos recursos.

    A outorga dos direitos de uso dos recursos hdricos configura um dos instrumentos maisrelevantes da PNRH. A sua efetivao possibilita o controle de todos os usos pelo Poder Pblico, visando agarantir o cumprimento dos objetivos da poltica com base nos seus fundamentos e respeitando-se as diretrizesgerais de ao para a implementao. Constitui ainda um meio cognio dos usurios poluidores ou daquelesque, de qualquer forma, degradam os corpos dgua, possibilitando a aplicao das sanes criminais,administrativas, bem como a responsabilizao civil pelo dano causado.

    2. INSTRUMENTO DE OUTORGA

    Por sua relevncia e complexidade, a outorga dos direito de uso dos recursos hdricos umtema merecedor de toda ateno, tendo em vista que, a partir dela, ser viabilizada a cobrana pelo uso dagua importante mecanismo aplicado na racionalizao do uso e melhoria na alocao desse recurso entre osseus mltiplos usurios.

    A outorga um instrumento discricionrio atravs do qual o proprietrio de um recursonatural estipula quem pode us-lo e as respectivas limitaes. Quando a propriedade privada, a outorgaequivale aquiescncia, pelo proprietrio, de que outrem o utilize, desde que se sujeite s condies por eleimpostas. Quando a propriedade pblica, serve como um instrumento de gesto, a partir da atribuio de

    cotas entre os usurios, considerando-se a escassez do recurso e os benefcios sociais gerados.3No Direito Administrativo, a descentralizao da prestao do servio pblico ou de

    utilidade pblica ocorre por meio da outorga do servio. H outorga quando o Estado cria uma entidade e aela transfere, por lei, determinado servio pblico ou de utilidade pblica. Nestes casos, o Poder Pblicotransfere a titularidade ou, simplesmente, a execuo do servio a outra pessoa (autarquias, fundaes,empresas estatais, empresas privadas ou particulares individualmente). O servio no deixa de ser pblico oude utilidade pblica, estando sujeito aos requisitos originrios e sob o controle e a regulamentao do poderoutorgante que o descentralizou. Em razo da outorga gerar presuno de definitividade da transferncia, osservios so outorgados por tempo indeterminado. Ressalte-se que o servio outorgado transferido por lei es por lei pode ser retirado ou modificado.

    Ao lado da descentralizao e da desconcentrao, h, como tcnica dedescongestionamento administrativo, a delegao (de execuo de servio pblico) que ora se aproxima dadesconcentrao, ora da descentralizao, conforme suas caractersticas. A diferena que esta efetivada porato administrativo, mediante previso legal, enquanto aquelas, apenas por lei.4 A CF/88, no artigo 175,estabelece que a delegao poder ser sob regime de concesso ou permisso, mediante licitao, na forma dalei Lei n 8.987/95. So delegveis as atribuies genricas, no individualizadas nem fixadas comoprivativas.

    3LANNA, Antonio Eduardo. A insero da gesto das guas na gesto ambiental.Em Interfaces da gesto de recursos hdricos:desafios da Lei de guas de 1997. Org. por Hctor Ral Muoz. 2 ed. Braslia: Secretaria de Recursos Hdricos, 2000. p. 88.4MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.26 ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 700.

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    3. OUTORGA DOS DIREITOS DE USO DE RECURSOS HDRICOS

    No mbito do Direito Ambiental, especificamente na Lei das guas, o conceito de outorgade uso dos recursos hdricos no pode ser compreendido no mesmo sentido do aplicado ao DireitoAdministrativo. Com a proteo das guas pelo instrumento de outorga, no se vislumbra qualquer prestao

    de servio pblico ou de utilidade pblica pelo outorgado, bem como (e a principal diferena), no setransfere a titularidade do volume de gua outorgado pelo Poder Pblico, pois o beneficirio no tem direitoadquirido ao recurso hdrico que um bem de domnio pblico, no passvel de apropriao. A vigncia daoutorga est limitada ao interesse pblico, assim, no assiste qualquer direito de carter indenizatrio aooutorgado quando suspenso o ato de outorga.

    O instrumento de outorga , hoje, o elemento central de controle para o uso racional dasguas, a despeito de no aparecer no rol das inovaes constitucionais. O Cdigo das guas, de 1934, j oregulava. quela poca, era livre a todos usar quaisquer guas pblicas, ressalvados os usos dependentes dederivao5.

    O regime de derivao, aplicado aos usos de guas pblicas, era composto por dois atos

    administrativos reguladores dos usos da agricultura, indstria e higiene. A concesso administrativa, atribudanos casos de utilidade pblica, era outorgada por decreto presidencial e referendada por ato do Ministro daAgricultura. E a autorizao administrativa, conferida na ausncia de utilidade pblica, era outorgada por atodo Ministro da Agricultura, e dispensada nas derivaes insignificantes6. Posteriormente, como observa CidTomanik Pompeu7, o Governo Federal introduziu a permisso administrativa, para outorgar os direitos de usonas derivaes insignificantes as quais o Cdigo das guas havia dispensado a autorizao administrativa.

    A outorga, ato conferido somente a brasileiros ou empresas organizadas no pas, era emitidapor tempo fixo, nunca superior a trinta anos, ficando sem efeito caso no usados os recursos por trs anosconsecutivos (Decreto n 24.634/34, arts. 43, 2 e 3; 46; 195). Ressalte-se a preocupao do Cdigo deguas ao explicitar, no artigo 46, que a concesso no importa, nunca, em alienao parcial das guaspblicas, que so inalienveis, mas no simples direito ao uso destas guas. A Unio, os Estados e osMunicpios eram competentes para outorgar as derivaes conforme o seu domnio sobre as guas ouconforme os servios pblicos a que se destinasse a mesma derivao, salvo para produo de energiahidroeltrica, cuja competncia era dos Estados8.

    Em virtude do instituto da recepo, os preceitos do Cdigo de guas relativos outorgadas guas pblicas, em especial no tocante s derivaes, continuaram vigentes. O regime de outorgapreconizado pelo Cdigo vigeu, no Brasil, at 1997, quando foi promulgada a Lei n 9.433, modificadora doregime de proteo das guas. As inovaes legais refletem a evoluo do pensamento jurdico ambientalsofrida pelo legislador brasileiro e materializada no texto legal a lei produzida no perodo intitulado comofase da explorao desregrada do meio ambiente deu lugar a outra, fundada na sua viso holstica e nasustentabilidade ambiental.

    A outorga de direito de uso de recursos hdricos o ato administrativo, de autorizao9,mediante o qual a autoridade outorgante faculta ao outorgado o direito de uso de recurso hdrico, por prazo

    5Derivao a retirada de gua de um manancial por conduto livre, ou seja, a retirada de gua de um rio atravs de um canalque desvia o curso natural de parte da gua do rio.6Decreto n 24.634/34, arts. 43, 150, 171.7POMPEU, Cid Tomanik. Aspectos jurdicos da cobrana pela utilizao dos recursos hdricos. Revista de DireitoAdministrativo, Rio de Janeiro: Renovar, abr/jun 1994. n. 196. p.63.8Decreto n 24.634/34, arts. 62 e 63.9 Autorizao ato administrativo unilateral, discricionrio e precrio pelo qual a Administrao faculta ao particular o usoprivativo de bem pblico, ou o desempenho de atividade material, ou a prtica de ato que, sem esse consentimento, seriamlegalmente proibidos. um ato constitutivo. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13 ed. So Paulo: Atlas,2001. p. 211). Consente-se uma atividade ou situao de interesse exclusivo ou predominante do particular. Por ser um ato precrio,pode ser suspenso a qualquer momento, desde que motivadamente. A discricionariedade envolve a convenincia de atendimento da

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    determinado [no excedente a trinta e cinco anos], nos termos e nas condies expressas no respectivo ato.10No implica em alienao parcial das guas que so inalienveis, mas o simples direito de seu uso11, em razodo princpio constitucional de defesa do meio ambiente erigido categoria de bem de uso comum do povo12.

    Mesmo estabelecendo a obrigatoriedade da outorga dos direitos de uso dos recursos

    hdricos, a Lei n 9.433/97 no especificou o tipo de ato a ser emitido. Tal situao poderia levar presunode que esta se daria em qualquer uma das formas especficas do Direito Administrativo (licena, autorizao,permisso e concesso), caso as normas posteriores de regulamentao j no tivessem optado pelaautorizao, como se depreende da leitura do artigo 2, XVI da IN n 4/2000 e do artigo 4, IV da Lei9.984/2000.

    O rgo responsvel deve proceder basicamente a trs anlises antes de proceder outorga:tcnica (viabilidade do empreendimento), hidrolgica (a quantidade e a qualidade do corpo de gua) e jurdica(o preenchimento dos requisitos legais impostos). Parte deste ato discricionrio, assim, faz-se necessria aclara e ampla motivao do agente administrativo, como forma de manifestao da moralidade, legalidade eimpessoalidade (art. 37 da CF/88), e de impossibilitar arbitrariedades dos rgo gestores.13

    Objetiva assegurar o controle qualitativo e quantitativo dos usos da gua e o efetivoexerccio dos direitos de acesso.14Esta norma vincula a ao do governo, que se v impedido de autorizar osusos que agridam a qualidade e a quantidade das guas e impossibilitado de agir sem eqidade ao possibilitaracesso ao recurso. Faz-se necessria a ateno dos rgos outorgantes no deferimento dos pedidosencaminhados por usurios especficos, para no inviabilizar a qualidade ambiental do corpo de gua, quenecessita de certa reserva hdrica (saldo hdrico) para se adequar s exigncias e emergncias ambientais.

    Nos termos do artigo 13 da Lei 9.433/97, toda outorga estar condicionada s prioridadesde uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hdricos e respeitar a classe em que o corpo de gua estiverenquadrado e a manuteno de condies adequadas ao transporte aquavirio, quando for o caso, bem comodever preservar o uso mltiplo destes. Observa-se que a estrutura dos instrumentos da PNRH inter-relacionada a outorga dos direitos de uso, a cobrana pelo uso e o enquadramento dos recursos hdricos em

    classes agem interligados, no mesmo patamar, em aes interdependentes de cooperao estabelecidas pelosPlanos de Recursos Hdricos, partindo-se das informaes armazenadas pelos sistemas de informaes.

    Para Paulo Affonso Leme Machado, a natureza do ato vinculada ou regrada quanto aosaspectos referidos no artigo 13 supra. O deferimento do pedido no pode estar baseado em interesses pblicosoutros, se os requisitos legais estiverem desatendidos.15

    Com o intuito de apresentar resultados assecuratrios do interesse geral e da boa gesto dasguas, bem como dar efetiva informao social e transparncia ao ato, o procedimento deve ser publicadodesde o pedido at a concesso da outorga. Assim, afastam-se possveis dvidas, principalmente a respeito daanterioridade da requisio da outorga.

    pretenso do interessado ou a cessao do ato autorizado, por no haver qualquer direito subjetivo obteno ou continuidade daautorizao.10Instruo Normativa n 4/2000 da SRH/MMA.11Lei n 9.433/97, arts. 16 e 18.12Cumpre observar que a espresso bem de uso comum do povo, inserta no caputdo artigo 225 da CF/88 no tem o mesmosignificado de bem de uso comum do povo para o Direito Administrativo. Para o Direito Ambiental, o bem de uso comum do povoreveste-se de interesse pblico, seja ele pblico ou privado, que os faz ter um regime jurdico especial so exercidos comolimitaes e restries tendo em vista o interesse pblico neles existente. No Direito Administrativo, bens de uso comum do povoso os bens pblicos que podem ser usados por todos os membros da coletividade (uti universi), sendo que ningum tem o direito aouso exclusivo ou privilegiado do bem h igualdade tanto na fruio do bem quanto no suporte dos nus dele resultantes. Aadministrao destes bens dever do Poder Pblico, que responsvel pela manuteno das condies normais de utilizao pelopblico em geral, bem como responsvel por qualquer dano causado aos usurios pela falta de manuteno ou conservao do bem.13MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro.9 ed. rev. atual. ampliada. So Paulo: Malheiros, 2001. p.445.14Lei n 9.433/97, art. 11.15Ob. cit. p.445.

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    A funo da outorga ratear a gua disponvel entre as demandas existentes ou potenciais, afim de alcanar melhores resultados sociedade. Estes podero estar atrelados ao crescimento econmico(abastecimento industrial), eqidade social (abastecimento pblico) e sustentabilidade ambiental(manuteno da vazo mnima do curso de gua vazo ecolgica).

    Para o Professor Jerson Kelman, a outorga visa dar uma garantia quanto disponibilidade degua, assumida como insumo bsico de processo produtivo, desta forma, a outorga tem valor econmico paraquem a recebe, na medida em que oferece garantia de acesso a um bem escasso. Todavia, um grandecomplicador no processo de emisso de outorgas tem origem no fato de que o conceito de disponibilidadehdrica admite diferentes formulaes, porque a vazo fluvial uma varivel aleatria, e no umaconstante.16

    A outorga de um recurso cuja disponibilidade aleatria, como as guas, tem como fatorcomplicador a impossibilidade de se precisar o quantumdisponvel em certo perodo e local. Tal fato acarretao estabelecimento da gesto conjunta da disponibilidade (busca-se avaliar as quantidades disponibilizadascom dadas probabilidades e, eventualmente, aument-las com obras de regularizao em reservatrios ou detransposies de vazes entre corpos de gua) e das demandas hdricas (realizam-se estudos para verificar o

    limite a ser concedido, em razo da demanda e da vulnerabilidade com que os usurios respondem aracionamentos). Modelos de previso podero ser empregados para prever situaes crticas de suprimento. Oideal e razovel que seja adotada uma postura conservativa por parte da Administrao Pblica. Conforme asituao hidrolgica prevista, algumas das outorgas concedidas podero ser canceladas, total ou parcialmente,para atender s demandas prioritrias.17

    Em regra, deve-se estabelecer os montantes a serem utilizados em cada perodo e ascondies gerais de racionamento a que o usurio se submeter na eventualidade de ocorrncia de estiagem. Ouso da gua outorgada obrigatrio durante todo o perodo. Esta medida visa evitar a solicitao de volumesalm das reais intenes ou capacidade de uso, meramente para garantir usos futuros ou impedir aconcorrncia. Diante da inconstncia da disponibilidade hdrica, v-se que os outorgados no tm direito

    adquirido a que o Poder Pblico lhes fornea oquantum

    indicado no ato. A Administrao no podearbitrariamente alterar a outorga, mas pode modific-la motivadamente, conforme o interesse pblico.

    A Lei n 9.433/97 listou os usos sujeitos outorga e os que independem dela no artigo 12,capute 1. Esto sujeitos outorga os seguintes usos de recursos hdricos:

    I - derivao ou captao18de parcela da gua existente em um corpo de guapara consumo final, inclusive abastecimento pblico, ou insumo de processoprodutivo;

    II - extrao de gua de aqfero subterrneo para consumo final ou insumo deprocesso produtivo;

    III - lanamento em corpo de gua de esgotos e demais resduos lquidos ou

    gasosos, tratados ou no, com o fim de sua diluio, transporte ou disposiofinal;

    IV - aproveitamento dos potenciais hidreltricos;

    V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da guaexistente em um corpo de gua19.

    16KELMAN, Jerson. Outorga e cobrana de recursos hdricos.Em A cobrana pelo uso da gua. Org. por Antonio Carlos deMendes Thame. So Paulo: IQUAL, Instituto de Qualificao e Editorao Ltda., 2000. p. 96.17LANNA, Antonio Eduardo. A insero da gesto das guas na gesto ambiental.Em Interfaces da gesto de recursos hdricos:desafios da Lei de guas de 1997. Org. por Hctor Ral Muoz. 2 ed. Braslia: Secretaria de Recursos Hdricos, 2000. p. 89-90.18 Captao a retirada de gua de um manancial por intermdio de um conduto forado, ou seja, utilizando-se estaes debombeamento.

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    Independem de outorga pelo Poder Pblico, a ser alvo de regulamentao:

    I - o uso de recursos hdricos para a satisfao das necessidades de pequenosncleos populacionais, distribudos no meio rural;

    II - as derivaes, captaes e lanamentos considerados insignificantes;

    III - as acumulaes de volumes de gua consideradas insignificantes.

    A no exigibilidade do instrumento de outorga no significa sua dispensa; apenas garante odireito a certas pessoas de utilizarem a gua sem ter, necessariamente, autorizao expressa de uso. A noobrigatoriedade da emisso no impede ou desobriga o Poder Pblico de exercer o poder de polcia,inspecionando e constatando a ocorrncia das situaes supra, bem como exigindo o cadastro dos usuriosque gozam deste direito.

    possvel a suspenso da outorga, total ou parcialmente, em definitivo ou por prazodeterminado, caso o outorgado incorra em uma das circunstncias listadas no artigo 15 da Lei n 9.433/97:

    I - no cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga;II - ausncia de uso por trs anos consecutivos;

    III - necessidade premente de gua para atender a situaes de calamidade,inclusive as decorrentes de condies climticas adversas;

    IV - necessidade de se prevenir ou reverter grave degradao ambiental;

    V - necessidade de se atender a usos prioritrios, de interesse coletivo, para osquais no se disponha de fontes alternativas;

    VI - necessidade de serem mantidas as caractersticas de navegabilidade docorpo de gua.

    A supervenincia de uma das circunstncias supracitadas gera a suspenso da outorga.Circunstncias supervenientes, no presentes no momento da emisso da outorga, no so responsabilidade daAdministrao Pblica ou do usurio, contudo, em razo do interesse pblico geral (princpio da supremacia),faz-se necessria a suspenso. Motivao pelo Poder Pblico (princpio da legalidade) e proporcionalidade doato administrativo so requisitos fundamentais para a suspenso, sendo prescindvel a abertura deprocedimento administrativo. A suspenso da outorga no gera direito indenizao por parte do outorgado.

    A ausncia de outorga nos casos supracitados ou o no cumprimento da suspenso daoutorga configuram infraes das normas de utilizao de recursos hdricos (art. 49), estando o infrator sujeitos sanes administrativas previstas no artigo 50 da Lei n 9.433/97, que culminam com a revogao da

    outorga. As sanes sero aplicadas findo o respectivo procedimento administrativo. cabvel ao civilpblica nos casos em que a Administrao Pblica queira pleitear a obrigao de reconstituio do ambientehdrico (o recurso hdrico, o leito e a margem indevidamente utilizados) pelo infrator.

    A extino da outorga, apesar de no estarem explicitados os casos em lei, ocorrer nasseguintes circunstncias: morte do usurio (pessoa fsica) e no solicitada a retificao do ato administrativopelos herdeiros; liquidao judicial ou extrajudicial do usurio (pessoa jurdica); trmino do prazo de validadeda outorga sem o pedido de renovao, observados os interesses da bacia hidrogrfica.

    A competncia para a emisso dos atos de outorga obedece a dominialidadeconstitucionalmente estabelecida, assim, a outorga das guas superficiais de competncia da Unio, dos

    19 Dentre os outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da gua existente em um corpo de gua, ou seja,

    interferem nos demais usos ou no regime hidrulico do corpo de gua, podem ser citados as travessias em cursos dgua pontes edutos.

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    Estados e do Distrito Federal, e, a das guas subterrneas, dos Estados e do Distrito Federal 20. Quanto sguas minerais, a competncia atribuda ao Departamento Nacional de Produo Mineral (DNPM),vinculado ao Ministrio de Minas e Energia.

    Aos Poderes Executivos Federal, Estaduais e do Distrito Federal compete a emisso das

    respectivas outorgas, bem como a regulamentao e fiscalizao dos usos dos recursos hdricos21

    , abrangendoinspees peridicas. A lei expressamente estabeleceu a no competncia, gesto privada, para a emissodas outorgas de uso.

    O artigo 4 da Lei 9.433/97 previu a articulao da Unio com os Estados para ogerenciamento dos recursos hdricos de interesse comum. Porm, como a lei no determinou explicitamente aforma de articulao, Jerson Kelman entende ser sensato o condicionamento do poder de outorga dos Estados manuteno de vazo mnima, atendidos os padres de qualidade, no ponto a jusante em que a gua passa aser de domnio da Unio. Porm, reconhece a existncia da controvrsia se a condicionalidade pode ser objetodo Decreto de Regulamentao ou se precisaria ser includa numa nova lei que venha a complementar a Lei9.433/9722.

    O Poder Executivo Federal pode delegar aos Estados e ao Distrito Federal a competnciapara conceder outorga de recursos hdricos de domnio da Unio. A delegao ou transferncia do poder deoutorga est condicionada verificao da existncia, nos Estados e no Distrito Federal, das condiesadministrativas para a perfeita execuo da tarefa delegada. A delegao no constitui um direito a serreclamado pela unidade federada, muito menos, pode ser imposta pela Unio. Por questo de prudncia eeficcia no controle da outorga, a Unio deve conservar este poder quando houver conflito de usos em um riofederal que banha dois ou mais Estados. A delegao da outorga no exime a Unio da co-responsabilidadepela implementao das regras da outorga, pois a responsabilidade pelo bom uso dos rios federais originria.

    Alguns Estados brasileiros adiantaram-se Unio, aprovando suas leis relacionadas spolticas estaduais de recursos hdricos e implementado seus sistemas. Quatro exemplos de organizaopodem ser citados, pela relevncia e diversidade de orientaes: o de So Paulo, o do Cear, o da Bahia e o do

    Rio Grande do Sul.Existem aes pontuais em todo o territrio nacional com o intento de garantir a efetividade

    do instrumento de outorga. Dentre elas, importante mencionar a parceria, iniciada na Bahia, entre aSecretaria de Recursos Hdricos (SRH/MMA)23 e os bancos do Nordeste e Banco do Brasil, objetivandocadastrar os usurios de recursos hdricos para as demandas de irrigao24. Por este acordo verbal, a outorgado direito de uso de recurso hdrico constitui um dos requisitos para a obteno do financiamento bancrio.Desta forma, o agricultor via-se obrigado a requerer a outorga e SRH/MMA caberia o controle e afiscalizao dos usos das guas, outrora impossibilitados pela ausncia do cumprimento legal. No obstante osresultados favorveis, essa parceria no se estendeu s entidades privadas, conseqentemente, no abarcoutodos os usurios.

    No mbito federal, at o ano de 2000, as outorgas foram emitidas atravs de atos doSecretrio de Recursos Hdricos, segundo o disposto na Instruo Normativa n 4, de 21.6.2000. Com a

    20CF, arts. 20, III; 26, I c/c 32, 1.21Lei n 9.433/97, arts. 29, II e 30, I.22KELMAN, Jerson. Outorga e cobrana pelo uso de recursos hdricos : questes legais e institucionais.Em O estado dasguas no Brasil. Org. por Marcos Aurlio Vasconcelos de Freitas. Braslia: ANEEL, SIH; MMA, SRH; MME, 1999. p. 46.23rgo responsvel pela outorga do direito de uso dos recursos hdricos antes da promulgao da Lei 9.984/2000.24A irrigao tida, no mbito nacional, como o uso que envolve maiores derivaes de gua e maiores usos consultivos. Com base

    nesta constatao, a SRH/MMA buscou, com o auxlio dos bancos, uma forma de persuadir os usurios a requerer a outorga dosdireitos de uso.

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    criao da Agncia Nacional de guas, pela Lei n 9.984, de 17.7.2000, a partir do ano de 2001, os atos deoutorga passaram a ser por ela expedidos25.

    4. A FUNO DA AGNCIA NACIONAL DE GUAS NA OUTORGA DOS DIREITO DE USODE RECURSOS HDRICOS DE DOMNIO FEDERAL

    A Agncia Nacional de guas ANA, criada pela Lei n 9.984, de 17.7.2000, umaautarquia federal sob regime especial, com maior autonomia administrativa e financeira comparadas sdemais autarquias vinculada ao Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal,com o fim de implementao da PNRH, integrando o SINGREH.

    Trata-se de uma agncia reguladora, com a finalidade principal de controlar, supervisionar eavaliar as atividades decorrentes do cumprimento da Lei n 9.433/97 e disciplinar, em carter normativo, aimplementao e operacionalizao da PNRH.

    Em corpos de gua de domnio da Unio, a outorga um ato de competncia da DiretoriaColegiada da Agncia Nacional de guas26 praticado sob a forma de autorizao. Esta nova forma de

    autorizao, introduzida pela Lei n 9.984/2000, , conforme enuncia Hely Lopes Meirelles, um atoadministrativo discricionrio e precrio atravs do qual o Poder Pblico torna possvel, ao pretendente, arealizao de certa atividade ou a utilizao especial de um bem pblico. Tem carter especial e produz osmesmos efeitos da permisso condicionada ou qualificada. Pode ser classificada como autorizaocondicionada, por ser expedida com prazo determinado27.

    A exemplo da permisso qualificada, na autorizao, o Poder Pblico autolimita-se nafaculdade discricionria de revog-la a qualquer tempo, ao fixar, no ato administrativo, o prazo de suavigncia e as condies a serem observadas pelo autorizatrio. Ao estabelecer termo para o ato, aAdministrao atribui a este carter quase-contratual. Limita-se a discricionariedade e a precariedade dasautorizaes s condies descritas no ato, e garante-se ao autorizatrio o direito de usar o volume outorgado,no prazo estabelecido, enquanto adimplir as clusulas. Observa-se, portanto, que o instituto da autorizao

    trazido pela Lei da ANA se confunde com a permisso condicionada do Direito Administrativo, tendo emvista a coincidncia de efeitos existente entre as duas. Tem-se a autorizao de outorga como um institutointermedirio entre a autorizao e a permisso administrativa.

    A atuao da ANA obedecer aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos daPNRH e ser desenvolvida em articulao com rgos e entidades pblicas e privadas integrantes doSINGREH28.

    Nas outorgas de direito de uso dos corpos hdricos de domnio federal sero respeitados osseguintes limites de prazos, contados da data de publicao dos respectivos atos administrativos deautorizao: at dois anos, para incio da implantao do empreendimento objeto da outorga; at seis anos,para concluso da implantao do empreendimento projetado; at trinta e cinco anos, para a vigncia (art. 5

    da Lei 9.984/2000).Os prazos para o incio do empreendimento e concluso da implantao podero ser

    ampliados quando o porte e a importncia social e econmica do empreendimento o justificar, desde queouvido o CNRH. Quanto ao prazo de vigncia da outorga, dever ser fixado em funo da natureza e do porte

    25O que se tem hoje em matria de regulamentao da emisso dos atos de outorga so os artigos 4, IV e 7 c/c 5, 6, 7, 8 e 12,V da Lei n 9.984/00 (Lei da ANA) e Resoluo n 16 do Conselho Nacional de Recursos Hdricos (CNRH), de 08.05.2001.26Ressalte-se que a abordagem feita a respeito da atuao da ANA se restringir apenas aos aspectos relativos outorga dos direitosde uso dos recursos hdricos. No sero abordadas as demais atribuies da agncia.27MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.26 ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 180/520.28Lei n 9.984/00, arts. 4, IV e 12, V.

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    do empreendimento, considerando-se, quando for o caso, o perodo de retorno do investimento. Este ltimoprazo poder ser prorrogado aps verificao das prioridades estabelecidas nos Planos de Recursos Hdricos29.

    Compete ANA a emisso de outorgas preventivas de uso de recursos hdricos, com ointuito de declarar a disponibilidade de gua para os usos requeridos. Esta autorizao preventiva no confere

    direito de uso dos recursos. Destina-se a reservar a vazo passvel de outorga, possibilitando, aos investidores,o planejamento de empreendimentos que necessitem desses recursos. O prazo de validade ser fixado em attrs anos, considerando-se a complexidade do planejamento do empreendimento. A ANA no est obrigada aoutorgar o uso requerido s pelo fato de ter concedido a outorga preventiva; ela deve seguir as diretrizes doPlano de Recursos Hdricos. Decorrido o perodo, e outorgado o uso, dever ser iniciada a contagem dosprazos de incio ou de concluso da implantao do empreendimento nos moldes dos incisos I e II do artigo 5da Lei n 9.984/0030. A vantagem da outorga preventiva quanto ao estabelecimento de uma lista depreferncia para o uso.

    A ANA dar publicidade aos pedidos de outorga de recursos hdricos de domnio da Unio,bem como aos atos administrativos que deles resultarem, com a publicao na imprensa oficial e em pelomenos um jornal de grande circulao na respectiva regio (art. 8 da Lei n 9.984/2000). Desta forma, todos

    os interessados podero ter cincia dos atos e fiscalizar o cumprimento das metas descritas no Plano Nacionalde Recursos Hdricos, especialmente os Comits de Bacia Hidrogrfica.

    A outorga e uso das guas na gerao de energia eltrica estaro subordinados ao PNRH,obedecida a legislao setorial especfica (art.12, 2 da Lei n 9.433/97). Para licitar a concesso ou autorizaro uso de potencial de energia hidrulica a Agncia Nacional de Energia Eltrica ANEEL dever promover,junto ANA ou respectiva entidade gestora de recursos hdricos, conforme a dominialidade do corpohdrico (Unio, Estados ou Distrito Federal), a prvia obteno de declarao de reserva de disponibilidadehdrica. Esta declarao obedecer ao disposto no artigo 13 da Lei 9.433/97, e ser fornecida em prazos aserem regulamentados por decreto presidencial. A declarao de reserva de disponibilidade hdrica sertransformada, automaticamente, pelo respectivo poder outorgante, em outorga de direito de uso instituio

    ou empresa que receber da ANEEL a concesso ou a autorizao de uso do potencial de energia hidrulica.Deve-se ressaltar que as outorgas de direito de uso de recursos hdricos para concessionrias e autorizadas deservios pblicos e de gerao de energia hidreltrica vigoraro por prazos coincidentes com os doscorrespondentes contratos de concesso ou atos administrativos de autorizao31.

    Um tema bastante discutido hodiernamente diz respeito competncia da ANA para regularno s os recursos hdricos, mas tambm o saneamento bsico. A esse respeito, entendemos que acompetncia da Agncia Nacional deve cingir-se to somente funo atribuda inicialmente pela Lei n9.984/2000, tendo em vista que a incluso do saneamento acarretaria mudana de propsito do rgo. ANAcompete interferir, regular o setor de saneamento apenas em duas situaes: antes do recalque da captao degua bruta e depois do lanamento dos esgotos (tratados ou no) na natureza, do mesmo modo que atua emrelao a qualquer outro usurio. O saneamento, por ser um setor de atividade essencial e complexa que

    congrega objetivos de sade pblica e interesses econmico-financeiros, deve ser multi-regulado pelas reas:ambiental, de sade, de atividades econmicas etc.

    O CNRH estabeleceu critrios gerais para a outorga de direito de uso na Resoluo n 16.Dois dispositivos merecem ser comentados em face das conseqncias de suas aplicaes.

    O primeiro o inciso V do artigo 4, onde foi inserida a expresso e/ou interferncias notexto original da Lei n 9.433/97 (art. 12, V): Esto sujeitos outorga [...] outros usos e/ou interferncias, quealterem o regime, a quantidade ou a qualidade da gua existente em um corpo dgua. Tal alteraodemonstra a preocupao do legislador em proteger as guas pela outorga. Com a outorga das interferncias

    29Lei n 9.984/00, art. 5, 1 a 3.30Lei n 9.984/00, art. 6, 1 e 2.31Lei n 9.984/00, art. 7, 1 a 3 c/c art. 5, 4.

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    amplia-se o campo de atuao dos Planos de Recursos Hdricos das bacias hidrogrficas e, conseqentemente,possibilita-se maior controle dos usos dos recursos no espao da bacia e sua gesto visando, a partir dasdiretrizes, cumprir os objetivos da PNRH.

    O segundo o artigo 5, inciso II, em que o legislador acrescentou, dentre os usos que

    independem de outorga, os lanamentos considerados insignificantes quanto ao volume e carga depoluentes. Ocorre que, para a garantia da qualidade adequada dos recursos hdricos, os lanamentos nopodem estar no rol dos usos independentes de outorga por duas razes. No se pode dissociar os critriosvolume/carga de poluentes sob pena de ocorrerem absurdos, verdadeiras catstrofes ecolgicas amparadaslegalmente, por exemplo, o lanamento de um volume pequeno com altssimo teor de carga poluente ou,inversamente, uma carga poluente insignificante lanada em volumes vultosos, acarretando poluio pelaquantidade de poluentes. Mesmo no dissociando os critrios supra, possvel acarretar poluio poracumulao devido ao acmulo de um grande nmero de agentes poluidores insignificantes num corpodgua que, se forem considerados uti singuli no degradam a natureza, mas, visualizando a situao de formamacro, provocam a degradao do bem ambiental.

    O momento atual de regulamentao e implementao desse instrumento e, nesse

    sentido, que se deve considerar a evoluo no tratamento jurdico do ato administrativo de autorizao,introduzido pela Lei n 9.984/00, e proporcionar a efetiva aplicao da PNRH, obedecendo a seus princpios ediretrizes. Uma das finalidades da outorga o controle e fiscalizao dos usos dos recursos hdricos, a partirdo disposto nos Planos de Recursos Hdricos elaborados para cada bacia hidrogrfica, buscando a adequaodos usos s necessidades ambientais e garantindo o equilbrio e sustentabilidade ambiental.

    5. CONCLUSO

    A aprovao da Lei 9.433/97 deu grande impulso ao processo de gesto das guas aoinstituir a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e ao criar o Sistema Nacional de Gerenciamento deRecursos Hdricos como suporte de implementao da poltica nacional. Com a incorporao dos princpios,

    das normas e padres de gesto j aceitos mundialmente, buscou-se a mudana no tratamento tanto das guasquanto do meio ambiente, objetivando a real implementao dos diversos instrumentos preconizados nessalegislao.

    A interpretao da Lei 9.433/97, relativamente ao instrumento de outorga, leva anlise desua aplicabilidade em funo da dominialidade dos recursos hdricos constitucionalmente estabelecida; dosprincpios, objetivo e diretrizes da PNRH; da estrutura inter-relacionada de todos os seus instrumentos emaes de cooperao; bem como da funo desempenhada por cada entidade integrante do SINGREH. No sos aspectos legais devem ser considerados, mas, principalmente, a disponibilidade hdrica do corpo de gua ea variabilidade natural do processo hidrolgico. A outorga dos direitos de uso dos recursos hdricos avalia asconseqncias lato senso dos usos sobre a qualidade dos corpos hdricos afetados pela ao humana eviabiliza a execuo de outro instrumento da poltica nacional, a cobrana pelo uso dos recursos hdricos.

    Muito se discutiu acerca da natureza jurdica deste instrumento. Em um primeiro momento,observou-se que a outorga dos direitos de uso para o Direito Ambiental em nada se assemelha com a outorgado Direito Administrativo. Posteriormente, viu-se que, na verdade, a outorga confunde-se com a permissocondicionada do Direito Administrativo, assim, a autorizao de outorga pode ser considerada um institutointermedirio entre a autorizao e a permisso administrativa.

    Com a estipulao legal dos casos em que necessria ou dispensada a outorga, bem comodas hipteses de suspenso do ato administrativo, o legislador procurou limitar o interesse pblico aos casosexpressamente previstos em lei, para que no fossem buscadas motivaes outras para embasar atos com ofito de privilegiar determinados usurios e preterir o interesse de outros usurios e at da prpria baciahidrogrfica. A especificao das circunstncias de suspenso visa tambm a garantir segurana na relao

    jurdica firmada, para que os empreendedores estejam cientes dos direitos e obrigaes a serem cumpridos.

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    Para que ocorra a implantao efetiva das normas dispostas na Lei 9.433/97, faz-senecessria a reflexo de alguns tpicos que podem ser considerados hoje os maiores empecilhos aaplicabilidade da PNRH:

    O modelo descrito na Lei das guas inovador, portanto, necessria a adaptao das

    legislaes preexistentes e da postura e comportamento dos agentes pblicos, para que sejamreceptivos parceria com os usurios e demais setores interessados nas questes hdricas na gestodesses recursos.

    A implantao do gerenciamento dos recursos hdricos, por mais que urgente, deve ser umprocesso progressivo, gradual, em consonncia com as peculiaridades e condies de cada regio ebacia hidrogrfica.

    Deve ser respeitada a capacidade de adaptao de cada Estado legislao nacional, sem aimposio de aplicao imediata de todos os instrumentos, mas sim, procurando-se estgiosintermedirios de desenvolvimento do gerenciamento dos recursos hdricos, com o fito de garantir aimplementao plena da PNRH e a conservao das guas.32

    A gesto compartilhada das guas surge como fora modificadora, capaz de transformaruma realidade preocupante num futuro cheio de possibilidades. Nesse contexto, no h espao para o usurioespectador, espera de propostas surgidas nas esferas governamentais. A nova ordem a busca dealternativas pelo cidado ou grupo de cidados, considerando-se as necessidades e dificuldades vivenciadaspelas prprias comunidades.

    O grande desafio est lanado. A proteo e conservao ambiental devem ser o objetivoprimordial da sociedade. No se trata da defesa de um discurso poltico de impacto como forma de desafiar ostantos outros pregados populao. Consiste em um alerta sociedade para que a defesa ambiental,principalmente a das guas, ganhe fora e seja possvel reverter o processo elevado de degradao que assolao planeta.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    32BARTH, Flvio Terra. Evoluo nos aspectos institucionais e no gerenciamento de recursos hdricos no Brasil.Em O estadodas guas no Brasil. Org. por Marcos Aurlio Vasconcelos de Freitas. Braslia: ANEEL, SIH; MMA, SRH; MME, 1999. p. 34.

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