10-CMRP

3
Página | 45 Coluna: AMEMモRIA E O CENTRO DE MEMモRIA DE REALENGO E PADRE MIGUEL Por Allan Pereira de Oliveira Centro de Memória de Realengo e Padre Miguel inaugurado oficialmente em 2001, foi criado em prol da preservação da memória local através do resguardo de fotografias, periódicos, pinturas e registros diversos. Nossa missão consiste em organizá-las proporcionando a disponibilização, utilização e visualização para pesquisadores e membros da comunidade de forma democrática. Porém, para cumprir nosso objetivo é necessário estabelecer alguns pontos de apoio teórico através de questionamentos inerentes ao tema como: o que a memória representa no campo individual e social? Qual a necessidade e a importância de um centro de memória para a comunidade? Que critérios caracterizam esses documentos como “fontes mnemônicas”? Como podemos interpretar e manusear o material disponível? A partir destas perguntas se desenha o nosso projeto de pesquisa. A memória é, segundo Le Goff , o conjunto de funções psíquicas que possuem a propriedade de conservar informações para o homem utilizá-las na atualização de impressões que representam seu passado, mostra-se como objeto em permanente evolução e possui um elo com o tempo presente. Uma de suas características principais, e que a difere da História, é sua continuidade que busca sempre em forma de narrativa ligar os fatos, esta peculiaridade deve ser entendida não só como fenômeno individual que busca alinhar os acontecimentos do passado, mas também como coletivo porque este alinhamento procura sempre ajustar-se ao meio social do indivíduo, ou seja, a construção da memória pode projetar, de forma artificial e inconsciente, acontecimentos, personagens e lugares, que o memorizador não viveu pessoalmente, com o intuito de proporcionar a ele uma coerência de sua continuidade com seu nicho social, o que a configura como um processo social. O século XX trouxe, com as inovações tecnológicas, uma aceleração na transmissão e armazenamento das informações, as buscamos sempre de modo imediato e dispomos de aparelhos e tecnologia para guardá-las e disseminá-las. Vivemos um momento em que as técnicas de memorização são consideradas reacionárias e o novo sempre sobrepuja o velho. Nossa sociedade valoriza mais o moderno que o antigo, mais o presente que o passado. Nesse contexto é que nascem os lugares O

description

 

Transcript of 10-CMRP

Page 1: 10-CMRP

P á g i n a | 45

Coluna:

A MEMÓRIA E O CENTRO DE MEMÓRIA DE REALENGO E

PADRE MIGUEL

Por Allan Pereira de Oliveira

Centro de Memória de Realengo e PadreMiguel inaugurado oficialmente em 2001,foi criado em prol da preservação damemória local através do resguardo de

fotografias, periódicos, pinturas e registros diversos.Nossa missão consiste em organizá-las proporcionandoa disponibilização, utilização e visualização parapesquisadores e membros da comunidade de formademocrática. Porém, para cumprir nosso objetivo énecessário estabelecer alguns pontos de apoio teóricoatravés de questionamentos inerentes ao tema como: oque a memória representa no campo individual e social?Qual a necessidade e a importância de um centro dememória para a comunidade? Que critérioscaracterizam esses documentos como “fontesmnemônicas”? Como podemos interpretar e manusearo material disponível? A partir destas perguntas sedesenha o nosso projeto de pesquisa.

A memória é, segundo Le Goff , o conjunto defunções psíquicas que possuem a propriedade deconservar informações para o homem utilizá-las naatualização de impressões que representam seupassado, mostra-se como objeto em permanente

evolução e possui um elo com o tempo presente. Umade suas características principais, e que a difere daHistória, é sua continuidade que busca sempre emforma de narrativa ligar os fatos, esta peculiaridadedeve ser entendida não só como fenômeno individualque busca alinhar os acontecimentos do passado, mastambém como coletivo porque este alinhamentoprocura sempre ajustar-se ao meio social do indivíduo,ou seja, a construção da memória pode projetar, deforma artificial e inconsciente, acontecimentos,personagens e lugares, que o memorizador não viveupessoalmente, com o intuito de proporcionar a ele umacoerência de sua continuidade com seu nicho social, oque a configura como um processo social.

O século XX trouxe, com as inovações tecnológicas,uma aceleração na transmissão e armazenamento dasinformações, as buscamos sempre de modo imediato edispomos de aparelhos e tecnologia para guardá-las edisseminá-las. Vivemos um momento em que astécnicas de memorização são consideradas reacionáriase o novo sempre sobrepuja o velho. Nossa sociedadevaloriza mais o moderno que o antigo, mais o presenteque o passado. Nesse contexto é que nascem os lugares

O

Page 2: 10-CMRP

P á g i n a | 46

de memória, como santuários, cemitérios, monumentos,museus e os centros de memória, que se constituem de“retalhos” da colcha que é a sociedade. Mas sãoexatamente estes fragmentos que fomentam aprodução historiográfica, que promovem a identidadede um grupo, que legitimam a cultura popular. O quejustifica a criação do Centro de Memória de Realengo ePadre Miguel - CMRP é a ameaça iminente doesquecimento, porque sem estes lugares nósfatalmente perderíamos o referencial identitário destascomunidades.

A memória é intrinsecamente narrativa e a partirdesta premissa entende-se que os materiais ligados aela, sejam congruentes com esta característica. Logo,estes objetos, músicas, relatórios, poesias, cartas, fotos,etc, necessitam obrigatoriamente dialogar com anarrativa coletiva, social e da memória de formadesacelerada. Estes artefatos, que também seenquadram no ideal de patrimônio material, sãovalorados somente, e unicamente, quando esteslegitimam ou remetem à “memória nacional”, oumemória do grupo, ou seja, as memórias individuaisque não reverberam a massa dominante ou o modo devida idealizado por elas são descartadas. O que se devesalientar é que estas sacralizações não propõem umdiscurso crítico e, também por isso divergem da

História, estas fontes mnemônicas, que possuempropriedades diferentes do conceito de fonte histórica,são forjadas às luzes de um compêndio ideológico.Então, os critérios que designam a capacidadereminiscente de um documento são sua relação com anarrativa, sua capacidade ideológica e seu diálogosomente com a lembrança e o esquecimento.

O manuseio da memória só é possível a partir deuma busca de suas “raízes”, os relatos, as entrevistas ebiografias tornam-se imprescindíveis nesta etapa dotrabalho para o enquadramento da memória. O quedistingue a fonte mnemônica de qualquer outra folhade papel, por exemplo, é o discurso narrativo, afetivo,atual e absoluto que ele carrega. Portanto, para umacorreta manipulação e interpretação dessa memória opesquisador deve cogitar uma análise psicológica domemorizador em relação a ela. É necessário ressaltarsua conexão com a psiquê, porque sua humanização é oveículo que a torna volátil e susceptível à revisões.

O estudo desenvolvido para abraçar nossa missãopara com o CMRP proporciona enriquecimentocientífico do objeto de estudo e sua estreita relaçãocom a História. O objetivo de nossa empreitada não églorificar as lembranças, mas disponibilizá-las, de modointeligível e acessível, para que sejam fomentadoras denovas pesquisas sobre a região. Para este propósito é

Banda Santa Cecília (21-11-48) - Foto doada ao CMRP pela Senhora Cleuma Goulard deOliveira em 19-02-2004 Moradora de Realengo.

Page 3: 10-CMRP

P á g i n a | 47

que se faz imperioso esmiuçar suas propriedades, poisseu manuseio depende de uma compreensãoabrangente de seus aspectos específicos. Tencionandoimpreterivelmente subjugar a memória, como artériaque alimenta os vasos da produção historiográfica, aorigor metodológico e ao mar de questionamentos queserão propostos pelos historiadores.

Allan Pereira de Oliveira: Graduando em História pelasFaculdades Integradas Simonsen. Pesquisador doCentro de Memória de Realengo e Padre Miguel eBolsista do Programa de Iniciação Científica dasFaculdades Integradas Simonsen.

Referencia bibliográfica:FRÓES, José N. S. Terras Realengas. Rio de Janeiro: CIEZO, 2004.LE GOFF, Jaques. Memória. In: História e memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares, In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, pp. 07-28, dezembro de 1993POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.___________. Memória e identidade Social. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, p.200-212, 1992.SANT’ANNA, Marcia. A face imaterial do patrimônio cultural: os novos instrumentos de reconhecimento e valorização. In: Memória e Patrimônio:ensaios contemporâneos. Ed.2. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.WENCESLAU, Carlos A. C. Realengo, meu bem querer. Rio de Janeiro: CIEZO, 2004.

E.M. Cel Corsino do Amarante em desfile cívico na Avenida Santa Cruz em Realengo - (1976)Foto componente do acervo do CMRP.