1 QUESTÕES PRELIMINARES - Poder e Voz do Cidadão · qual o representante se vinculará durante o...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Poder Legislativo FIDELIDADE PARTIDÁRIA Pascual Pereira de Oliveira Belo Horizonte 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAISPrograma de Pós-Graduação em Poder Legislativo

FIDELIDADE PARTIDÁRIA

Pascual Pereira de Oliveira

Belo Horizonte2008

Pascual Pereira de Oliveira

FIDELIDADE PARTIDÁRIA

Monografia apresentada ao programa de pós-graduação em Poder Legislativo da Pontífica Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de especialização em Poder Legislativo.

Orientador: Natália de Miranda Freire

Belo Horizonte2008

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Pascual Pereira de OliveiraFidelidade Partidária

Trabalho apresentado ao curso de Pós-Graduação em Poder Legislativo da Pontífica Universidade Católica de Minas Gerais.

_______________________________________________Natália de Miranda FreireOrientador (PUC Minas)

Belo Horizonte2008

3

RESUMO

A regulamentação do sistema político-eleitoral brasileiro oferece um panorama instigante

sobre os novos rumos do poder dos partidos políticos nacionais e o uso do território que

promovem ou que almejam através das eleições. O presente estudo discorreu sobre a

fidelidade, haja vista ser este um assunto bem polêmico sobre o qual existem posicionamentos

diversos. Concluiu-se pela necessidade da fidelidade partidária, haja vista que a fidelidade

partidária dará início a uma mudança significativa das normas eleitorais, com conseqüências

importantes para os eleitores e para os partidos. Para os partidos, melhores condições de

impor programas e idéias, de cobrar a sua obediência pelos eleitos e maior coesão interna.

Para os eleitores, uma participação maior na vida política, por causa do reconhecimento da

idoneidade de eleitos e de partidos, identificados por uma comum causa, por um programa ao

qual o representante se vinculará durante o mandato, sem injustificadas trocas de legenda, que

acabam por enfraquecer a representação dada pelo eleitor atualmente.

Palavras-chave: Partidos políticos; Fidelidade partidária.

4

ABSTRACT

The rules of the political-electoral Brazilian inciting offers an overview on the new directions

of the national political parties and the use of the territory that promote or that aim through

the elections. This study talking about loyalty, it is seen that this is a controversial issue and

on which there are several positions. It was concluded by the necessity of party loyalty, it is

seen that party loyalty will usher in a significant change of electoral standards, with important

consequences for the voters and for parties. For parties, better able to impose programs and

ideas, to charge their obedience by elected and greater internal cohesion. To the voters, a

greater participation in political life, because of the recognition of the relevance of elected and

party, identified by a common cause, for a program to which the representative link will be

during the mandate, without unjustified trading of legend , Which ultimately weaken the

representation given by voters today.

Key words: political parties, party loyalty

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................61 QUESTÕES PRELIMINARES...............................................................................................8

1.1 A Sociedade Civil.............................................................................................................91.2 Os movimentos da sociedade civil..................................................................................101.3 O Regime Democrático...................................................................................................101.4 A democracia representativa...........................................................................................121.5 A Forma Federativa de Estado........................................................................................121.6 Os Sistemas Eleitorais.....................................................................................................13

2. REFORMA POLÍTICA........................................................................................................152.1 A atual regulamentação do sistema político-eleitoral brasileiro e as primeiras propostas de reforma política................................................................................................................152.2 Algumas propostas e suas intencionalidades..................................................................172.3 A crise do Estado e a necessidade de reformas...............................................................192.4 O Sistema Distrital..........................................................................................................20

3 FIDELIDADE PARTIDÁRIA...............................................................................................273.1 Conceitos Jurídicos.........................................................................................................273.2 A fidelidade partidária na Constituição .........................................................................283.3 A fidelidade partidária na legislação ordinária...............................................................313.4 Conseqüências das trocas de partido para os eleitores e para os partidos ......................383.5 A Consulta (CTA) 1398 e a Resolução Nº 22.610/07 do TSE.......................................413.6 Competência para processar e julgar ações de perda de cargo eletivo...........................43

CONCLUSÃO..........................................................................................................................44REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................45

INTRODUÇÃO

A regulamentação do sistema político-eleitoral brasileiro oferece um panorama

instigante sobre os novos rumos do poder dos partidos políticos nacionais e o uso do território

que promovem ou que almejam através das eleições.

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A reforma política, entre as reformas anunciadas seja pelo governo Fernando

Henrique como pelo atual governo, aparece hoje como uma prioridade. Todavia, a proposta

apresentada pela Comissão Especial de Reforma Política estava paralisada na Comissão de

Constituição e Justiça desde 2004, esperando parecer desta comissão para ser enviada ao

plenário da Câmara dos Deputados. Isso só ocorreu no final do primeiro semestre de 2005,

por conta da crise política desencadeada pela denúncia de compra de votos de Deputados da

base aliada ao governo para aprovação dos seus projetos enviados à Câmara dos Deputados.

As atuais propostas de reforma política revelam o jogo do poder dos partidos

políticos pelo uso do território. Algumas propostas demonstram claramente uma vontade de

fortalecimento dos grandes partidos, coincidentemente os defensores de muitas das atuais

propostas de modificação do sistema político-eleitoral.

As normas relativas a uma reforma política referem-se a modificações no sistema

político em seus vários aspectos. O sistema político abrange a forma e o regime de governo de

um país (república ou monarquia, presidencialismo, parlamentarismo), o funcionamento e

características das esferas legislativa e judiciária do Estado, a organização político-

administrativa do país (sistema federativo, centralizado etc.), modalidades diversas de

integração entre Estado e sociedade, as instituições políticas partidárias e da sociedade civil, a

cultura política o sistema eleitoral e sua normatização.

Feitas estas considerações iniciais, o presente estudo discorreu sobre a fidelidade,

haja vista ser este um assunto bem polêmico sobre o qual existem posicionamentos diversos.

Para tanto, dividiu-se este estudo em três capítulos: no primeiro capítulo,

discorreu-se sobre o regime democrático, a democracia representativa, a forma federativa de

Estado e os sistemas eleitorais; o segundo capítulo versou sobre a reforma política, analisando

a atual regulamentação do sistema político-eleitoral brasileiro e as primeiras propostas de

reforma política, a crise do Estado e a necessidade de reformas e o Sistema Distrital; no

terceiro e último capítulo, discorreu-se sobre a fidelidade partidária conforme a Constituição

Federal e a legislação ordinária, demonstrando as conseqüências das trocas de partido para os

eleitores e para os partidos, e sobre a Consulta (CTA) 1398 e a Resolução Nº 22.610/07 do

TSE, bem como sobre a competência para processar e julgar ações de perda de cargo eletivo.

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1 QUESTÕES PRELIMINARES

Antes de abordar os principais pontos levantados pela análise do tema proposto,

faz-se necessário evocar algumas questões preliminares.

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1.1 A Sociedade Civil

Desde Hobbes até Kant, a sociedade civil representava a sociedade regulada por

algum tipo de autoridade que era capaz de garantir liberdade, segurança e convivência

pacífica entre os homens1. Quando Hobbes se referiu à “sociedade civil” ele igualava o termo

a “uma cidade” ou a “uma união”. Era como se fosse um contrato ou um acordo onde as

vontades individuais se subordinavam a uma vontade coletiva com o único objetivo de manter

a paz. Porém essa criação não abolia os medos e os perigos que estavam presentes no Estado

de natureza. Ou seja, os riscos de regressão não se extinguiam com a criação dessa sociedade

civil. No entanto, é com Hegel que surge a primeira divisão teórica entre sociedade civil e

Estado.

Com Hegel a sociedade civil vai surgir não do medo, mas das necessidades

materiais articuladas pela divisão do trabalho. Para Hegel os indivíduos estruturados em

corporações, e comunidades perseguiam seu auto-interesse e, para a garantia de tais direitos,

necessitavam de uma autoridade pública confiável e imparcial. Ela incorpora tanto o aparato

econômico, quanto a justiça, a administração e a corporação. O aparato jurídico e

administrativo deve regular o mercado e assegurar a ordem social, enquanto a corporação é o

espaço social onde os indivíduos se apresentam solidariamente vinculados uns com os outros2.

Tocqueville talvez seja o primeiro teórico a apresentar a sociedade civil

intimamente associada à idéia de democracia. Anteriormente se via democracia e sociedade

civil como princípios desconectados e antagônicos entre si. Com Tocqueville3 “as associações

de mil tipos” é que levariam os indivíduos isolados a cooperar para propósitos coletivos,

apesar da distância do Estado. Para ele associações comerciais, educacionais, religiosas,

morais, sérias, fúteis, gerais, restritas preenchem o vácuo deixado pela ausência do Estado.

Ele propõe, portanto, a inclusão de diferentes auto-organizações corporativas ou coletivas.

O conceito de sociedade civil foi recuperado mediante os processos de (re)

democratização do Leste Europeu e da América Latina nos anos 70 e 80, apesar do termo ser

tão velho quanto à ciência política. Tal alternativa englobaria a idéia de limitar a atuação do

Estado através da organização da sociedade. Era necessário forçar o Estado a uma reforma

estrutural. Começa-se a tomar força a idéia da sociedade civil contra o Estado, da ordem

social contra o sistema, da vida privada contra o Estado. Essa constatação “conduz

1 COSTA, Sérgio, Categoria Política ou Passe-partout Político-Normativo: Notas Bibliográficas sobre o Conceito de Sociedade Civil, BIB Revista Brasileira de Informação Bibliográfica, 43, 1997, p. 3-25.2 Ibid.3 TOCQUEVILLE, Aléxis. A democracia na América. São Paulo, USP, 1987.

9

inevitavelmente à sua associação com a prática política dos novos movimentos sociais no

Ocidente”4.

1.2 Os movimentos da sociedade civil

Para Pizzorno, os movimentos sociais são ações coletivas que demandam a

obtenção de um bem simbólico ou material e que expressam uma reação inerentemente social

e, portanto, extraestatal e extra-institucional, de crítica às formas de participação política

vigentes quando estas cristalizam uma determinada estrutura de desigualdades5. Ao questionar

as estruturas nas quais estão inseridos, esses movimentos deixam sua face coadjuvante da

mudança social e passam a propor novas formas de organização da sociedade política. A

emergência de um novo movimento social é sempre uma resposta a anseios sociais, até então

difusos, por transformações nas estruturas participativas que congelam desigualdades.

Para Cohen e Arato, a sociedade civil é representada por formas institucionais

permanentes de limitação do Estado e do mercado. A sociedade civil tenta se defender das

garras do Estado através dos novos movimentos sociais, buscando redefinir novas formas de

relações entre a sociedade civil e o Estado sob o ponto de vista da primeira6. Sem uma

sociedade civil segura e independente, o princípio de autonomia não pode ser concretizado.

Sem um Estado democrático comprometido com a redistribuição da renda, essa

democratização tem poucas chances.

Por outro lado, a autonomia democrática busca criar “oportunidades para que as

pessoas se estabeleçam em sua capacidade de ser cidadãos”, ou seja, afirma o direito de

“todos os cidadãos participarem dos assuntos públicos”, ocorrendo assim uma “partilha

legítima do processo de ser governo”.

1.3 O Regime Democrático

Desde Thomas Jefferson os regimes democráticos se identificam com a soberania

do povo, o governo do povo, pelo povo. A Constituição Federal no seu art. 1º, parágrafo único

reproduz o conceito de que a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo, ou

4 AVRITZER, Leonardo (Org). Sociedade Civil e Democratização. Belo Horizonte, Del Rey, 1994, p.35.5 Apud OLIVEIRA, Andréa Cristina de Jesus. (1998), Participação Popular e Clientelismo em São Carlos. Tese de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Sociologia da UNESP. Disponível em: <http//www.politica.pro.br/acervo/acervo.htm>. Acesso em: 28 maio 2008.6 Apud AVRITZER, Leonardo (Org). Op. cit, p.25.

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seja, todo o poder emana do povo (primeiro titular do Poder Constituinte Originário), que o

exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição Federal.

Por isso, se o povo é soberano, mas não pode exercer por si mesmo esta faculdade, ele deve

delegá-la a seus representantes.

Pinto Ferreira traduz dois conceitos de democracia. O primeiro baseado em

Rousseau dita que democracia é o regime do povo, pelo povo e para o povo. O segundo

baseado em Kelsen se refere não só no voto do povo, mas também na liberdade de

consciência, de culto, de religião e de trabalho. O conceito de Kelsen, pelo qual a democracia

é uma técnica de liberdade, é o que melhor define a democracia, visto que um povo sem

liberdade de informação e de manifestação, ainda que vote, jamais terá um governo

verdadeiramente voltado para o bem-estar da maioria7.

Conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “a democracia exige, para seu

funcionamento, um minimum de cultura política, que é precisamente o que falta nos países

apenas formalmente democráticos”, sem a consciência de cidadania, o povo “é presa fácil das

articulações, mobilizações e aliciamento da opinião pública, quando necessária sua adesão ou

pronunciamento, graças ao controle que os setores dominantes detêm sobre a mídia, que não é

senão um dos seus braços”8.

Carmen Lúcia Antunes Rocha9, relembra que a participação política é direito

fundamental, ostentada na Declaração dos Direitos do Homem da Organização das Nações

Unidas de 1948, cujo art. 21 dispõe:

1º – Todo o homem tem direito de tomar parte no governo do seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos;2º – Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país.3º – A vontade do povo será à base da autoridade do governo, esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto equivalente que assegure a liberdade do povo.

Estado de Direito, por sua vez, é aquele em que todos estão igualmente submetidos

à força das leis e o Estado Democrático de Direito, portanto, é aquele que permite a efetiva

participação do povo na administração da coisa pública, visando, sobretudo, alcançar uma

sociedade livre, justa e solidária, em que todos (inclusive os governantes) estão igualmente

submetidos à força da lei10.

7 FERREIRA, Pinto. Manual de Direito Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1992, p.206.8 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Rev. Trimestral de Direito Público. Malheiros.1990, p.15.9 Apud FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. São Paulo, Atlas, 2001.10 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. República e federação no Brasil, Del Rey,1991, p.117.

11

1.4 A democracia representativa

Montesquieu, talvez o mais lembrado por sua discussão sobre as vantagens da

democracia representativa, levanta três pontos que convêm ser relembrados: a capacidade

natural do povo de escolher seus representantes; o conhecimento das condições e

circunstâncias para uma melhor escolha; a relação entre representantes e representados.

Primeiramente Montesquieu diz que o povo é incapaz de discutir certos assuntos,

mas é capaz de escolher os melhores para representá-lo. Capaz de escolher os melhores por

uma questão de bom senso, mas incapaz de discutir certas matérias. Segundo, ele defende que

a “boa escolha” dos representantes é propiciada pelas condições de conhecimento público das

condições da cidade em que se vive preconizando assim a eleição por distritos. Terceiro, ele

prega que a relação entre representantes e representados deve ser de confiança, onde “o corpo

legislativo é depositário da confiança do povo e é mais esclarecido que este”11.

A competição pela liderança é a característica distintiva da democracia. E, em

princípio, qualquer um é livre para competir pela liderança em eleições livres. As eleições

decidem o resultado da competição por política e poder. Para Bobbio12, a democracia é um

conjunto de regras para a formação de maiorias, onde se levam em conta, na constituição do

eleitorado, o peso igual dos votos e a ausência de distinções econômicas, sociais, religiosas e

étnicas.

Para Stuart Mill a sociedade é um conjunto de sistemas políticos cujas estruturas

de autoridade têm um efeito importante sobre o comportamento psicológico dos indivíduos.

Daí poder afirmar que o bom funcionamento desses sistemas políticos vai depender

necessariamente de uma política democrática que busque incluir a maioria nos processos

decisórios13. Assim, a representação é condição da democracia nas sociedades de grandes

números e vastas extensões territoriais.

1.5 A Forma Federativa de Estado

O Federalismo como forma de Estado tornou-se um componente essencial do

governo democrático. Muitos sistemas federais surgiram como resultantes de compromissos

11 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa. São Paulo, Ática, 1991, p.50-51. 12 Apud BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Op. cit.13 Apud BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Op. cit, p.50.

12

históricos, fazendo com que o funcionalismo federal decorresse de certas condições

particulares, sem que se possa ter com isso, um tipo ideal como modelo definitivo do mesmo.

O regime federativo, enquanto forma de organização estrutural de Estado, caracteriza-se por

representar a união indissolúvel de coletividades regionais dotadas de autonomia, que se

manifesta em diversos aspectos, dentre os quais o poder de autoconstituição e auto-

organização, a autonomia política e capacidade legislativa própria, nos termos da

Constituição.

Os princípios e a organização das estruturas da federação encontram-se previstas

no texto constitucional. O Estado Federal, como forma de Estado composto, permite o

controle do processo político. Através dos mecanismos de separação horizontal de poderes e a

separação vertical, propicia-se no Estado Federal, decisões ou técnicas de atuação que

permitem um processo mais transparente, mais balanceado e mais controlável.

No interior do Estado Federal podemos também, constatar a presença de vários

partidos políticos na esfera do legislativo integrando a oposição desta forma, de maneira

efetiva, a ordem democrática, desde que os partidos de oposição possuam a oportunidade de

implementar programas alternativos. O federalismo contribui assim, para facilitar as

diversidades culturais e sociais.

1.6 Os Sistemas Eleitorais

O estudo dos sistemas eleitorais é imprescindível para uma exata compreensão da

organização político-partidária de determinado Estado, do nível de legitimação da “classe

política”, enfim, da canalização da vontade popular, tendo em vista a formação do governo e

do parlamento.

A literatura corrente da ciência política vem dedicando um esforço de análise e de

comparação entre os princípios majoritário e proporcional enquanto princípios recorrentes na

definição do sistema eleitoral das democracias modernas. Dentre os dois, o princípio

majoritário é o que tem mais longa tradição histórica, servindo tanto como critério para a

tomada de decisão em grupos, quanto como critério de representação política.

A designação do titular do mandato eletivo recaia sobre o candidato que tivesse

alcançado a maioria dos votos. Por este sistema, só o grupo majoritário é que elege

representantes, não importando o número de paridos, não importando também a amplitude de

13

superioridade eleitoral. Desde de que determinado grupo obtenha maioria, ainda que de um

único voto, conquista o cargo de governo objeto da disputa eleitoral14.

Desta forma, conforme afirma Celso Fernandes Campilongo, a regra da maioria é

o instrumento técnico capaz de obter o grau máximo da liberdade15.

Há sempre que se observar, porém, se o objetivo da maioria não foi manipulado

por uma minoria dominante. Citando Platão, o Prof. Celso Fernandes enriquece o debate

sobre a efetiva legitimidade da regra da maioria com a indagação do objeto da escolha, nos

seguintes termos:

Já na Grécia clássica, em famosa passagem de Pitágoras, Platão esclarecia: Quando a Assembléia se reúne, se a questão é de deliberar sobre construções a serem realizadas, são chamados arquitetos para deliberarem... Se se trata, ao contrário, de interesses gerais da cidade, vê-se indiferentemente levantarem-se para tomar a palavra arquitetos, ferreiros, sapateiros, mercadores (...) e ninguém os reprova. Em outras palavras: questões técnicas devem ser decididas por especialistas, questões políticas pelos cidadãos .

O princípio proporcional adota parâmetros distintos, estipulando que a decisão

sobre uma eleição deve atender às proporções dos votos conquistados pelos vários

competidores. É apontado por alguns como mais democrático na medida em que “gera a

possibilidade de representação de todos os segmentos do eleitorado”16.

Em primeiro lugar, deve-se buscar o chamado quociente eleitoral, que é o

resultado da soma de todos os votos válidos dividido pelo número de vagas disponíveis no

parlamento. Em segundo lugar, identifica-se o quociente partidário, ou seja, o produto da

divisão da soma dos votos de cada partido pelo quociente eleitoral, atribuindo-se a cada

partido o número proporcional de vagas. Assim computam-se os votos dos partidos: dividem-

se os votos pelo quociente eleitoral e o número obtido será então o número de cadeiras que

cada partido receberá.

Contra o sistema de representação proporcional muitas são as alegações, sendo a

principal delas a que o acusa de provocar uma diluição da responsabilidade e uma redução da

eficácia do governo. Isso porque, sendo o produto de uma conjugação heterogênea, o governo

não é responsável pela manutenção de uma linha política definida, ninguém sendo

responsável pela ineficácia da ação governamental, resultando um sistema de governo

indefinido e muitas vezes até contraditório em si mesmo e nos seus atos17.

14 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo, Saraiva, 2002, p.190.15 CAPILONGO, Celso Fernandes. Direito de Democracia. São Paulo: Max Limonad,1994, p.46.16 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros Editores, 2001, p.251.17 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit, p.192.

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No quadro a seguir, Basedeau resume os principais pontos apresentados a favor de

cada um dos princípios pelas diferentes posições doutrinárias18.

Sistemas de maioria… Sistemas de representação proporcional...Evitam a fragmentação partidária Promovem a representação de todas as opiniões e

interesses de acordo com a sua força na sociedadePromovem a concentração do sistema partidário com vista a um sistema bi-partidário

Evitam a criação de maiorias artificiais que não reflitam a relação de forças na sociedade sendo antes conseqüência de efeitos de desproporção no sistema eleitoral

Promovem a estabilidade governamental Promovem maiorias negociadas no governo através de compromissos entre diferentes grupos sociais.

Evitam o extremismo político; os partidos têm de orientar-se em direção aos círculos moderados da sociedade

Evitam mudanças políticas extremas como resultado de distorções institucionais que não refletem as mudanças reais.

Promovem mudanças políticas. Pequenas mudanças na votação podem provocar grandes mudanças na distribuição de assentos

Promovem a representação de forças emergentes no parlamento

Permitem ao eleitor decidir sobre o governo em vez de se negociar coligações

Evitam sistemas políticos dominados por um ou poucos partidos

Promovem a prestação de contas direta do Deputado ao seu eleitorado

Quadro 1 - Principais pontos apresentados a favor dos sistemas de maioria e sistemas de representação proporcionalFonte: Basedeau19

2. REFORMA POLÍTICA

2.1 A atual regulamentação do sistema político-eleitoral brasileiro e as primeiras

propostas de reforma política

Em 1988, com a Promulgação da nova Constituição, pelo artigo 17, ratifica-se a

liberdade para a criação e extinção de partidos políticos e é resguardado o direito à autonomia

destas instituições.

18 BASEDEAU, Matthias. Princípios básicos e fórmulas de diferentes sistemas eleitorais: funções e efeitos teóricos práticos, in Conferencia sobre sistemas eleitorais, Angola, UCAN, 2001, p.10.19 BASEDEAU, Matthias. Op. cit, p.10.

15

Art.17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I – caráter nacional;II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidades ou governos estrangeiros ou de subordinação a estes;III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.1 – É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias.2 – Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.3 – Os partidos políticos têm direito a recurso do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e a televisão, na forma de lei.4 – É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

O Código Eleitoral Brasileiro em vigor é ainda aquele estabelecido pela Lei nº.

4.737, de 1965, considerando-se, contudo as inovações que foram introduzidas ao longo das

últimas quatro décadas. Destacaremos aquelas mais recentes e que definem as atuais regras do

sistema eleitoral brasileiro atual.

Quanto ao atual sistema eleitoral brasileiro, os chefes do Executivo (presidente,

governadores e prefeitos) e os senadores são eleitos pelo sistema eleitoral majoritário e os

ocupantes das demais cadeiras do legislativo (deputados federais, deputados estaduais e

vereadores municipais) são eleitos pelo sistema proporcional.

A partir de 1988, por deliberação constitucional, as eleições majoritárias para

presidente da república, governadores de Estado e prefeitos de municípios com mais de 200

mil eleitores passaram a ser realizadas pelo sistema de dois turnos.

Só realiza-se um segundo turno quando nenhum candidato obtém mais da metade

dos votos.

A Emenda Constitucional n°. 16, de junho 1997, introduziu o direito à reeleição

para presidente da República, governadores de estado e do Distrito Federal e prefeitos,

vigorando a partir das eleições de 1998.

Quanto ao sistema proporcional, a partir de 1986, são implantadas duas inovações.

Uma das novidades é que o eleitor além de continuar podendo efetuar o seu voto, escolhendo

o candidato de sua preferência (voto preferencial), tem a opção de indicar a legenda do

partido (voto de legenda). Neste último caso, o voto é contabilizado para efeito da distribuição

das cadeiras, mas não é computado para nenhum dos candidatos da lista. Outra novidade do

sistema de lista aberta brasileiro é “a formação de uma única lista de candidatos quando

16

diferentes partidos estão coligados. Os candidatos mais votados, independentemente dos

partidos ao qual pertençam, ocuparão as cadeiras eleitas pela coligação”20.

Posteriormente, a Lei 9.504/97 determina como inválidos os votos brancos,

excluindo-os, assim, do quociente eleitoral usado para o cálculo da distribuição de cadeiras

nas eleições proporcionais.

Quanto ao financiamento das campanhas eleitorais, a lei nº. 8.713/93 introduziu o

dispositivo de contribuição de pessoas jurídicas, que passaram a poder doar até 2% de seu

faturamento anual ou 300 mil UFIRs, o que fosse maior.

A lei nº. 9.100/95 estabeleceu uma cota, de no mínimo 25%, das vagas de cada

partido ou coligação a ser preenchida por candidaturas de mulheres. Isso entrou em vigor nas

eleições de 1996, e, a partir das eleições de 2000, o percentual passou para 30%.

A partir de 1995, a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP), Lei nº. 9.096/95,

regulamentou sobre a constituição e o funcionamento do partidos políticos. Com a LOPP, os

partidos políticos tiveram confirmado o seu novo estatuto de pessoa jurídica de direito

privado (e não mais de direito público).

Para J. Dirceu e Ianoni21,

[...] as novidades na legislação eleitoral eram a autonomia partidária, inclusive no que se refere à fidelidade (que passa a ser um princípio constitucional a ser normatizado pelos partidos, sem, no entanto, poder chegar a cassação do mandato), e o estatuto de pessoa jurídica de direito privado, e não mais de direito público, dos partidos.

Pela LOPP, quanto à exigência de caráter nacional dos partidos políticos, o

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) somente está autorizado a conceder registro a novas

organizações partidárias que sejam apoiadas por assinaturas de, no mínimo, 0,5% do

eleitorado votante (exclusive votos nulos e em branco) na mais recente eleição para a Câmara

dos Deputados. Esses eleitores devem estar distribuídos por pelo menos 1/3 dos estados, e em

nenhum deles podem ser em número inferior a 0,1%. Por outro lado, a LOPP também

estipulou que os partidos que, na data de sua promulgação, já tivessem o registro eleitoral

definitivo estariam dispensados dessa exigência.

2.2 Algumas propostas e suas intencionalidades

20 NICOLAU, Jairo Marconi. Sistemas eleitorais. Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 1999, p.53.21 DIRCEU, José de Oliveira e Silva e Marcus Ianoni. Reforma política. Instituições e democracia no Brasil, Atual, Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 1996, p.14.

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A “reforma política” refere-se a uma temática bem específica relativa à forma que

devem ter os mecanismos institucionais – em particular, os mecanismos eleitorais e

partidários – para a constituição de um regime político representativo adequado às condições

atuais do país.

No Brasil, o debate da Reforma Política teve diferentes períodos desde 1988.

Um primeiro período de discussões desembocou na Constituição de 1988, que criou o arcabouço geral das instituições de representação política hoje vigente no Brasil. No entanto, as discussões continuaram por vários motivos e caminhos. Primeiro, porque o adiamento da decisão sobre o sistema de governo (parlamentarista ou presidencialista) criou uma situação de incerteza até o plebiscito de 1993, que decidiu pelo presidencialismo. Segundo, porque a legislação eleitoral e partidária infraconstitucional necessitava de adaptações para ajustá-la à nova Constituição e à nova realidade do país. Terceiro, porque as decisões dos constituintes foram postas em causa por grupos relativamente grandes de estudiosos e políticos, em especial a decisão de manter o sistema eleitoral proporcional22.

Essa conjuntura resultou na instalação de várias Comissões no Congresso Nacional

– e, em particular, na Câmara dos Deputados – para o estudo de temas específicos relativos à

[...] “reforma política” ou para o estudo global da temática nela envolvida. Verificou-se, ao longo do tempo, uma preocupação central nas discussões: “a de criar condições para o surgimento e consolidação de um sistema de partidos estável, representativo das clivagens sociais mais importantes e eficaz na formação de governos23.

Tal preocupação refletia uma avaliação bastante recorrente de que o

funcionamento sistema partidário brasileiro apresentava problemas estruturais.

Com resultado deste processo, a Comissão Especial de Reforma Política elaborou

o Projeto de Lei nº 2.679/2003, que tramita apenso ao PL nº 5.268/200124. Tal projeto já foi

objeto de Parecer do Deputado Rubens Otoni, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica

legislativa e, no mérito, pela aprovação, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de

Cidadania da Casa, no final de 2004.

O PL nº 2.679/2003, conquanto restrito ao plano das leis ordinárias, implica

modificações significativas para o funcionamento de nosso sistema eleitoral e partidário,

22 RABAT, Márcio Nuno. A que se refere a expressão "Reforma Política" nas discussões em curso no Congresso Nacional, Relatório Especial, Câmara dos Deputados, Brasília, agosto 2002, p.3.23 Ibid.24 “A razão da apensação do PL nº 2.679/2003, que resultou dos trabalhos da Comissão Especial de Reforma Política, ao longo do ano de 2003, ao PL nº 5.268/01, foi a de encontrar-se este último em tramitação desde a 51ª legislatura, tendo sido elaborado pela Comissão Especial Destinada ao Estudo das Reformas Políticas, que nela funcionou, e contendo, também, propostas de alteração da legislação político-eleitoral. Suas propostas visam, todavia, a modificações menores nas normas atuais, sendo seu escopo o de facilitar e dar transparência às eleições e ao trabalho da Justiça Eleitoral” (RABAT, 2002).

18

fundamentando-se em algumas propostas de caráter estrutural: 1. adoção de listas pré-

ordenadas e financiamento público de campanha.

Em nossa pesquisa estamos optando por enfocar, dentro de vasto temário da

Reforma Política, estas duas proposições de alteração do sistema político brasileiro. A razão

de nossa opção fundamenta-se no fato de que as duas propostas contribuem para evidenciar

como o sistema político eleitoral participa do atual uso do território brasileiro, com ênfase

ação das instituições partidárias, e quais as possibilidades de novos usos estão sendo

delineadas.

A proposta de adoção das listas pré-ordenadas revela uma tentativa explícita de

fortalecer o papel dos partidos políticos em detrimento da escolha direta do eleitor no

candidato. Objetiva ter partidos políticos “mais sólidos”, ou seja, que as escolhas partidárias

sejam as mediadoras das escolhas eleitorais, significando alterações no jogo político no

sentido de conferir maior poder, sobretudo às elites partidárias.

A discussão sobre o financiamento público ou privado das campanhas eleitorais,

tanto no Brasil como em outras democracias, fundamenta-se em argumento comum: tentar

evitar ou minimizar a interferência do poder da empresas, que propositadamente investem

grandes montas de dinheiro no financiamento de candidatos, atrelando-os futuramente à

política das empresas, tornando o jogo político desigualmente favorável a setores

hegemônicos do poder econômico. Este tema mostra claramente a relação indissociável entre

os sistemas de objetos e de ações no território. Além disso, desvela como o fazer político, no

período atual, é comandado pelas variáveis determinantes da globalização: o dinheiro e a

informação25.

2.3 A crise do Estado e a necessidade de reformas

A crise hoje vivida pelo Estado gera então a necessidade de se repensar as

instituições existentes e sua técnica singular, impessoal e neutra da construção de conceitos e

categorias. Desta forma, uma visão puramente dogmática deve ser substituída por uma visão

sociológica onde as normas costumam ser eficazes quando encontram, na realidade por elas

regulada, as condições sociais, econômicas, políticas, culturais para o seu reconhecimento,

para sua aceitação e para o seu cumprimento por parte dos seus destinatários.

25 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

19

A confiança interna nas associações provoca um maior engajamento cívico e, por

outro lado, a regulamentação do espaço público reproduz e incrementa a efervescência de

iniciativas coletivas. Assim o Estado poderá se tornar capaz de mobilizar coerentemente os

instrumentos normativos de que dispõe. Outrossim, pensar a reforma do Estado implica

pensar o novo contexto de valores e expectativas dominantes nas democracias atuais.

Ocorrem dificuldades a partir do contraste das expectativas dos dirigentes e das

expectativas da sociedade. A lógica intrapartidária é muitas vezes diferente da lógica do

processo de formação da opinião e atitudes públicas. No interior dos partidos dirigentes lutam

pela conquista e defesa de espaços de poder e muitas vezes tais disputas estão muito longe dos

problemas da sociedade.

O ajuste estabilizador e as reformas são uma tendência geral na realidade atual,

verificada nas sociedades mais diversas. O Brasil não foge à regra, várias são as reformas

propostas e discutidas nos mais diferentes campos frente a uma situação muitas vezes

socialmente insustentável.

A democracia representativa não conseguirá subsistir sem um aparato estatal

efetivamente capaz de corrigir, ou pelo menos atenuas as profundas desigualdades sociais,

setoriais, regionais, etc. Para isso é preciso garantir a participação, a representação dos mais

diversos ramos da sociedade na formação da vontade estatal. Há um fosso cada vez mais

profundo que se cava entre a vontade do cidadão (expressa no voto) e o exercício do mandato

pelo seu representante.

2.4 O Sistema Distrital

Já observamos que as modernas democracias são as democracias representativas e,

desta forma, uma de suas principais conseqüências é que partidos devem desempenhar papel

fundamental na ligação entre o cidadão e o Estado, uma vez que, são eles que, respaldados na

vontade expressa nas urnas, produzirão as políticas públicas.

Segundo Benjamin Constant, um partido político é uma reunião de homens que

professam a mesma doutrina política.

A origem dos partidos políticos não encontra unanimidade doutrinária. Kriele

afirma que se originaram no transcurso do século XIX e se consolidaram no século XX, fruto

de controvérsias parlamentares, fracionamento organizado e formação de facções26. Já para

Moreira, os primeiros partidos modernos nasceram por diversas causas, dentre eles o

ambiente parlamentar, o ambiente social ocidental industrializado, o desmantelamento do 26 Apud FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. São Paulo, Atlas, 2001, p.136.

20

aparelho de intervenção estadual, a luta armada ou subversiva contra os poderes coloniais,

etc27.

O fato é que não se concebe democracia sem organização partidária livre e

plúrima. A Constituição Federal garante o pluralismo político e o pluripartidarismo.

Conforme já abordado anteriormente, nos sistemas de representação proporcional, a

proporção de votos recebidos por partido deve, em princípio, converte-se em proporção

equivalente à sua participação no Parlamento. Contudo a distorção na proporcionalidade

ocorre na maneira como se distribui as cadeiras.

O que se observa é que, do ponto de vista do eleitor, desrespeita-se a sua vontade,

pois o resultado final das eleições muitas vezes não reflete o resultado das urnas.

Atualmente se discute o ingresso do chamado voto distrital no sistema eleitoral

brasileiro o qual se relaciona com as circunscrições ou distritos eleitorais, a porção do

território, dentro das qual a representação política é eleita. Cada um desses distritos tem

direito a eleger certo número de representantes, fixado geralmente em função do seu tamanho

populacional.

Segundo Dallari, o exame do sistema distrital revela, no entanto, que ele tem sido

aplicado de maneiras muito diversas, havendo como único ponto uniforme a proibição de que

o eleitor vote em candidato de outro distrito que não o seu28. Em alguns países o distrito é o

país como um todo, sendo os deputados eleitos nacionalmente, como no exemplo de Israel.

No entanto, vários países dividem-se em vários distritos e elegem neles a representação junto

ao Parlamento Nacional, sendo que cada um desses distritos tem direito a eleger um certo

número de representantes, fixado geralmente em função do seu tamanho populacional29. O

tamanho da representação a ser eleita, isto é, o número de deputados, chama-se magnitude do

distrito que pode ser uninominal, binominal, trinominal, plurinominal.

Vários são os argumentos favoráveis e contrários ao sistema distrital. Os que são

contrários alegam que o sistema de distritos atende à perpetuação de lideranças locais, ou

pelos favores do governo aos seus partidários locais, ou pela consolidação de lideranças

tradicionais, invencíveis nos limites do distrito, mas que podem ser derrotadas quando o

candidato pode receber votos também fora da área de influência dessas lideranças. Além

disso, alega-se que o sistema distrital tende a facilitar a corrupção pelo poder econômico, pois

27 Ibid.28 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Saraiva, 2002, p.192.29 CINTRA, Antonio Octávio, O sistema eleitoral alemão como modelo para a reforma do sistema eleitoral brasileiro Consultoria Legislativa, Estudo, junho, 2000, p.5.

21

a concentração de recursos num só distrito é muito mais eficaz do que quando é necessário

comprar os votos, direta ou indiretamente, numa área muito ampla30.

Contrariamente, os adeptos do sistema distrital o defendem ressaltando as

vantagens do relacionamento direto do representante com determinado colégio eleitoral

restrito. Quando o candidato pode receber votos em todo o Estado, não se sente obrigado para

com qualquer local ou região, uma vez que, a não ser em casos excepcionais, seu eleitorado

está disperso pelo Estado. E, em contrapartida, não existe um grupo homogêneo de eleitores

que tenha condições para exigir do representante que justifique suas posições o que contribui

para reduzir a influência do poder econômico, pois além de ser limitado, em cada colégio o

número de votos compráveis, nenhum colégio dará muitas oportunidades a um representante

que, embora pródigo em conceder benefícios pessoais, se mostre incapaz de trabalhar pelos

interesses gerais31.

De qualquer forma, é muito mais fácil perceber a corrupção quando praticada no

âmbito reduzido de um distrito.

Ainda como vantagem do sistema distrital, sustenta-se que será mais eficiente o

desempenho do representante que concentrará seus esforços sobre um menor número de

problemas, uma vez que deverá dar maior ênfase ao seu respectivo colégio eleitoral32.

O voto distrital não foi incluído no Projeto de Lei nº 2.679, elaborado pela

Comissão Especial de Reforma Política, todavia aparece em várias propostas em tramitação

no Congresso Nacional.

Na constituinte de 1987-88, o voto distrital misto foi derrotado, mas é crescente no

Brasil adeptos a ele.

No relatório do Senador Sergio Machado foi proposto a adoção do voto distrital,

ou sistema eleitoral misto. A combinação entre sistema majoritário e sistema proporcional foi

denominada no Brasil como sistema distrital misto. Neste sistema o eleitor daria dois votos

desvinculados para a escolha de deputados federais: um para o candidato de seu distrito

eleitoral e outro para o partido de sua preferência. Para o primeiro voto, baseado no sistema

de maioria simples, os estados seriam divididos em distritos eleitorais em cada qual apenas

um candidato, o mais votado, seria eleito. O eleitor também daria um segundo voto,

escolhendo uma legenda partidária á qual estaria vinculada uma lista fechada de candidatos

previamente ordenada por cada partido. Metade dos representantes de cada estado seria eleita 30 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit, p.194.31 Ibid.32 Ibid, p.195.

22

nos distritos e o restante pelas listas partidárias através do voto na legenda. No caso do estado

de São Paulo, por exemplo, que tem 70 representantes na Câmara dos Deputados, 35 seriam

eleitos nos distritos pelo sistema majoritário e o restante pelo sistema proporcional de lista

fechada.

De um lado, os sistemas mistos são criticados pela complexidade que introduzem

no processo eleitoral. O detalhamento necessário a sua operacionalização, pode dificultar

difícil compreensão dos eleitores sobre o seu funcionamento. Outro conjunto de crítica refere-

se a criação de dois tipos de candidatura, uma direta com os leitores e outra mediada pelo

partido. Estimularia-se, desse modo, o estabelecimento de conexões eleitorais diferenciadas:

“o deputado eleito pela parte majoritária tem fortes incentivos para cultivar laços territoriais

com o seu distrito; já os parlamentares eleitos pela lista terão maiores incentivos para

fortalecer a sua posição dentro do partido”33. Por outro lado, a preocupação com a vinculação

do representante às áreas geográficas correspondentes nas reformas eleitorais em sistemas

proporcionais, apontado por Nicolau34, parece-nos pertinente ao enfoque geográfico quanto à

reforma política em andamento no Brasil. Segundo este autor,

[...] a conexão entre os deputados e o eleitorado depende de vários fatores: tipo de organização partidária, possibilidade de o parlamentar alocar recursos orçamentários para sua circunscrição eleitoral, cultura política. Mas o sistema eleitoral é fator determinante. Quando apenas um parlamentar é eleito por distrito há garantia de que todo o território terá um representante no legislativo. Neste caso são fortes os incentivos para que o deputado crie vínculos mais diretos com os eleitores. No outro extremo, nos países que utilizam o sistema de lista fechada, são reduzidos os incentivos para que o representante cultive uma relação mais direta com os seus representados. Os sistemas de lista flexível e aberta estimulam uma maior personalização do voto, mas não garantem que todas as áreas geográficas tenham representantes no Parlamento. Um dos argumentos recorrentes dos defensores dos sistemas mistos (seja na sua versão de combinação, seja na de correção) é o de que a criação de um distrito que elege um único deputado teria duas vantagens: garantir que todas as áreas de um país tenham representantes e estimular maiores vinculações entre os parlamentares e os eleitores35.

No caso brasileiro, uma reforma eleitoral, segundo o autor, deveria considerar que:

[...] o fato de algumas circunscrições conseguirem eleger um parlamentar é absolutamente contingente no sistema de lista aberta utilizado no Brasil: determinadas áreas conseguem eleger seus representantes (políticos que tem como

33 NICOLAU, Jairo Marconi. Sistemas eleitorais. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1999, p.68.34 NICOLAU, Jairo. “A reforma da representação proporcional no Brasil”, in: Maria Victoria BENEVIDES, Paulo VANNUCHI, Fabio KERCHE (orgs.). Reforma política e cidadania, Instituto Cidadania, Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2003, p.212-213.35 NICOLAU, Jairo. Op. cit, p.213.

23

base eleitoral o seu domicílio e outros municípios adjacentes) e outras não; algumas conseguem mais de um parlamentar, enquanto outras são incapazes de fazê-lo. Certos municípios mais populosos apresentam muitos candidatos, mas a dispersão de votos entre eles faz com que nenhum se eleja. De outro lado, alguns municípios menores que apresentam um único candidato acabam elegendo-o. Estas desigualdades têm sido avo de críticas permanentes36.

Todavia, o que de fato aconteceria com o uso do território brasileiro, pelo voto, se

este sistema fosse incluído? Teremos uma mudança da natureza da política, pela fragmentação

do “território político”? O enunciado é territorial, pois distrital, porém qual o significado

geográfico disto?

Delimitar distritos também pode garantir apenas um vínculo formal com a área

geográfica? Como garantir uma vinculação geográfica que não se baseia apenas em formas

(muitas vezes os casos de delimitações político-administrativas), mas sim em formas-

conteúdo, no território e seu uso?

A diminuição da representatividade (nº de representantes) das regiões que não são

modernas, localizadas fora da região concentrada, leva-nos a se pensar: a diminuição da

quantidade de representantes dessas regiões no poder legislativo não teria reflexo sobre a

presença maior ou menos da ação estatal em áreas mais carentes de uma materialidade para o

bem-estar das populações?

Seria importante pensar se a mudança na representatividade pode favorecer ou não

uma política redistributiva. “Uma política efetiva redistributiva visando a que as pessoas não

sejam discriminadas em função do lugar onde vivem não pode, pois, prescindir do

componente territorial”37.

Um dos problemas a serem enfrentados pelo sistema distrital, assim como o que

ocorre com os demais sistemas eleitorais (majoritário e proporcional), é a representação das

minorias.

Para contornar essa dificuldade alguns doutrinadores defendem a adoção de um

sistema distrital misto, pelo qual se reservaria certo número de cargos para serem preenchidos

mediante a votação de qualquer parte do Estado. Com isso, uma corrente ideológica que

possua adeptos em número razoável, mas espalhados por todo o Estado, não ficará sem a

possibilidade de eleger representante38. Contra essa pretensão argumenta-se, em primeiro

lugar, com a possibilidade da ampla e intensa divulgação de idéias em um determinado

distrito, e depois, valendo-se de uma atuação eficiente de seu representante, teria a facilidade

36 Ibid.37 SANTOS, Milton. Espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987, p.113.38 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit, p.195

24

para a conquista de novos distritos. Além disso, argumenta-se que se a idéia defendida pelo

grupo minoritário corresponder, efetivamente, a uma necessidade ou mesmo à conveniência

do eleitorado, não encontrará dificuldade para a conquista de novos adeptos, deixando de ser

uma expressão de minoria39.

A adoção do sistema distrital e a correção na representação proporcional no Brasil

vêm sendo objeto de discussões nos últimos tempos. Reconhece-se que, por um lado, o

sistema proporcional garante uma representatividade e uma variedade político-ideológica que

não são possíveis no sistema majoritário e, por outro, o voto majoritário garante uma maior

interação e proximidade entre os eleitores e as e suas respectivas unidades territoriais e os

representantes eleitos. Além disso, observa-se a existência de distorções provocadas pela

garantia da representação mínima de oito deputados federais e limitadas à representação

máxima em 70 deputados por Unidade da Federação que geram Estados super e sub-

representados.

No Brasil, o interesse pelo sistema distrital misto vem de longe. Em antigos

projetos de sistema eleitoral já era feita referência a ele. Recentemente propostas vêm sendo

apresentadas nos moldes do sistema eleitoral alemão.

Uma parte dos deputados se elege em distritos uninominais, pela regra da maioria

e voto personalizado, e a outra parte através listas partidárias estaduais, sendo os candidatos

apresentados ao eleitor na seqüência em que deverão ser eleitos. Assim, através desse sistema,

nos pequenos distritos existem as vantagens do voto em candidatos e não em partidos, sem

que, contudo se perca as vantagens do voto partidário, programático, permitido pelo sistema

de listas existente.

Muitos são aqueles que defendem que, no que concerne ao critério de

representação, o sistema alemão consegue satisfazer em grau elevado a exigência da

proporcionalidade.

Através do voto distrital, o eleitor exerce o voto útil ou estratégico, ou seja, uma

vez que o seu candidato não tenha a possibilidade de vencer, procura evitar a vitória do

candidato que não quer que ganhe, votando em um candidato que não esteja tão longe do seu

preferido. E, tendo um segundo voto, poderá então votar no seu partido, mesmo que ele não

esteja entre um dos dois primeiros.

No Brasil, desde que se optou pelo sistema presidencialista no plebiscito

constitucional de 1993, discute-se a ausência de um sistema eleitoral e partidário melhor

adequados ao sistema político. Muitos apontam os pontos negativos dos atuais sistemas

39 Ibid.

25

(eleitoral e partidário), no entanto, há muita controvérsia no tocante a quais seriam as

reformas necessárias a fim de superar a imprópria combinação para alguns entre

presidencialismo com pluripartidismo.

É grande hoje a discussão acerca dos vícios do sistema eleitoral em que vivemos,

os quais podem ser demonstrados por duas questões principais, a saber: o personalismo

exagerado nas eleições e a fragilidade partidária, isto é, pelo fato do eleitor brasileiro votar

em pessoas, em nomes e não nas legendas partidárias, os partidos acabam ficando na

dependência permanente daqueles candidatos que arrecadam mais votos.

Por um lado, essa situação faz com que o partido se submeta àqueles candidatos

que apresentam plenas condições de serem eleitos, independentemente da afinidade e

compromisso ao programa e ao próprio partido. Por outro, o partido escolhe não o candidato

que possua mais merecimento em sua postura, escolhendo muitas vezes pessoas inteiramente

estranhas ao partido, ou seja, o candidato é escolhido e depois de eleito, não se compromete,

absolutamente, com o partido, dele se desligando inteiramente, não sendo cobrados nessa

postura pelos eleitores, que, por sua vez não votaram pensando em qualquer vinculação deste

com o partido e o partido mesmo nada tem a pedir a esse representante.

Neste quadro é que aparecem as chamadas "bancadas de interesses", que existem

paralelamente e muitas vezes dispondo de mais força que os próprios partidos políticos nos

órgãos legislativos.

O problema que se enfrenta hoje é justamente o contrário, ou seja, despersonalizar

a disputa eleitoral e obrigar o eleitor, a escolher entre os partidos, e não entre os candidatos,

uma vez que o que se busca atualmente é a construção de uma democracia representativa

partidária, onde os partidos possuam coerência interna e representem opções políticas

específicas para a sociedade.

A chamada Lei dos Círculos (Decreto Legislativo 842 de 1885) introduziu o

sistema distrital no Brasil quando então as províncias eram divididas em distritos eleitorais, de

acordo com o número de representantes à Assembléia Geral e a cada círculo cabia um

representante. No entanto, para as eleições à Assembléia Constituinte de 1889 extinguiu-se os

distritos, adotando-se o sistema de lista completa por Estado.

Atualmente, a Constituição Brasileira adota o sistema eleitoral proporcional para

os órgãos legislativos conforme o disposto no seu Art. 47, fundado-se nos seguintes

princípios: participação popular plena; pluralismo político; direitos políticos fundamentais.

26

Para alguns, uma reforma eleitoral nos moldes do sistema alemão permitir-nos-ia

escapar do atual imobilismo na matéria. Poderíamos preservar algumas características de

nosso sistema eleitoral, porém, mas corrigir-lhe-íamos distorções maiores.

3 FIDELIDADE PARTIDÁRIA

3.1 Conceitos Jurídicos

O instituto da fidelidade partidária, veementemente em destaque quando se fala em

Reforma Política, tem sido objeto de diversos debates na doutrina e na jurisprudência pátria.

Num primeiro momento, a fim de viabilizar a sua compreensão, convém trazer à colação

alguns conceitos jurídicos propostos por especialistas na matéria.

Segundo J. Nepomuceno Silva e Sebastião Renato de Paiva, em artigo intitulado A

importância do instituto da fidelidade partidária na reforma política brasileira, significa

“fidelidade aos princípios doutrinários, ao programa do partido e às diretrizes legitimamente

27

estabelecidas pelos órgãos de direção do partido sob cuja legenda o agente político se

elegeu”40.

Já para Said Farhart, “consiste na adesão intelectual do membro do partido -

filiado, ou representante eleito, no governo, no Congresso, nas assembléias legislativas

estaduais ou nas câmaras municipais - à filosofia do partido, sua concepção da sociedade e

dos métodos, caminhos e meios para realizar suas idéias a esse respeito41”.

Outrossim, a doutrina costuma conceituar a infidelidade partidária. De acordo com

De Plácido e Silva, infidelidade partidária é “o ato político que não respeita as diretrizes

partidárias da sua agremiação ou abandona o partido sem justificativa42”.

Inicialmente, a questão da fidelidade partidária gravitava em torno dos mandatos

obtidos através do sistema proporcional, porém, como se verá adiante, o Tribunal Superior

Eleitoral foi além, autorizando também a perda do cargo por infidelidade das cadeiras obtidas

pelo sistema majoritário.

3.2 A fidelidade partidária na Constituição

A fidelidade partidária, como a obrigação que ao parlamentar se impõe de

obediência às normas do partido e a permanência no partido no qual foi eleito, sob pena de

perder o mandato, é novo no Brasil. Foi introduzida através da Emenda Constitucional n° 1,

de 69, em seu artigo 152, que dispunha, em sua original versão:

Art. 152. A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos serão regulados em lei federal, observados os seguintes princípios: I – [...]V – disciplina partidária; VI – [...]Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa.

A Lei de n° 5.682, de 1971 – “Lei Orgânica dos Partidos Políticos”, regulava a

matéria além de impor, como a regra constitucional, que se cassasse o mandato do

40 PAIVA, Sebastião Renato de. SILVA, J. Nepomuceno. A importância do instituto da fidelidade partidária na reforma política brasileira. Disponível em <www.amb.com.br/portal/docs/artigos/>. Acesso em 18 mar. 2008.41 FARHART, Said. Fidelidade Partidária (Dicionário Parlamentar e Político). Disponível em <http://www.politicaecidadania.com.br/site/dicionario_main.asp?Id=787>. Acesso em 17 mar. 2008.42 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1991, v.5, p.123.

28

parlamentar que abandoasse o partido através do qual se elegeu ou descumprisse os

programas e as diretrizes estabelecidas pela direção partidária.

O instituto manteve-se alterado através da Emenda Constitucional de n° 11, de 78,

até sua abolição, pela Emenda Constitucional de n° 25, de 85, que deu redação nova ao artigo

152 para determinar:

Art. 152. É livre a criação de partidos políticos. Sua organização e funcionamento resguardarão a Soberania Nacional, o regime democrático, o pluralismo político e os direitos fundamentais da pessoa humana, observados os seguintes princípios: I – [...]V – [...]§ 3° Resguardados os princípios previstos no caput e itens deste artigo, lei federal estabelecerá normas sobre a criação, fusão, incorporação, extinção e fiscalização financeira dos partidos políticos e poderá dispor sobre regras para a sua organização e funcionamento.

A Constituição Federal 1988 trouxe outra vez o instituto da fidelidade partidária,

mas com mudança importante quanto ao texto de 69, pois, especialmente, não estabelece

penalidades para o não-exercício da norma. As bases para se entender a fidelidade partidária

na Constituição encontram-se em dois artigos, os 14 e 17. O primeiro, ao dispor a respeito das

condições de elegibilidade (artigo 14, § 3°), estabelece a filiação partidária (inciso V) como

sendo uma das exigências para a pessoa postular uma candidatura para qualquer cargo eletivo,

e também outros requisitos (pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral,

nacionalidade brasileira, domicílio eleitoral, idade mínima de 30 anos para Governador e

Vice-Governador do Distrito Federal e dos Estados, de 35 anos para Senador, Presidente e

Vice-Presidente da República, 21 anos para Deputado Distrital, Estadual e Federal, juiz de

paz, Prefeito, Vice-Prefeito, e 18 para Vereador).

O artigo 17, que debate a respeito dos partidos políticos, em seu Capítulo V do

Título II – das Garantias e Direitos Fundamentais, fixa que a criação é livre, incorporação,

extinção e fusão de partidos políticos, defendidos a soberania nacional, o pluripartidarismo, os

direitos fundamentais do indivíduo, o regime democrático, e analisados os preceitos que

enumera:I – caráter nacional; II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III – prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV – funcionamento de acordo com a lei.

O parágrafo 1° garante aos partidos políticos autonomia para a defesa de sua

estrutura interna, funcionamento e organização, e estabelece que seus estatutos deverão

29

determinar normas de disciplina partidárias e fidelidade. Depois da aquisição de

personalidade jurídica, no modo da lei civil, os partidos irão registrar seus estatutos no

Tribunal Superior Eleitoral (parágrafo 2°). Os partidos políticos poderão ganhar recursos do

fundo partidário e possuirão gratuito acesso ao rádio e à televisão, no modo da lei (parágrafo

3°). Finalmente, o parágrafo 4° proíbe a utilização de organização paramilitar pelos partidos

políticos.

Este dispositivo, porém, não representa uma retomada do instituto assim como foi

estabelecido na lei constitucional de 1969, como se pode observar pelo número elevado de

troca de partidos pelos parlamentares, desde a sua edição. Ao estabelecer que os estatutos

partidários incorporem regras de disciplina e fidelidade partidárias, a Constituição está

concedendo aos partidos uma margem ampla de autonomia, para que regulem estes institutos,

em suas regras programáticas e organizacionais, com menor ou maior rigor.

Porém, ao determinar como preceito o parlamentar funcionamento conforme a lei,

a Constituição Federal impõe restrições sérias ao funcionamento dos partidos. Vale observar,

apesar de não ser objeto deste artigo, que o parlamentar funcionamento, definido na Lei de n°

9.096, de 95, nos artigos 12 e 13 constitui uma barreira ao funcionamento dos partidos,

quando estabelece:

Art. 12. O partido político funciona, nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve constituir suas lideranças de acordo com o estatuto do partido, as disposições regimentais das respectivas Casas e as normas desta Lei. Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.

Por força de regra de transição incluída no inciso I do artigo 57 da mesma lei, a

ocorrência do artigo 13 encontra-se suspensa até que se proclame o resultado das eleições do

ano de 2006, o que oferece proteção aos partidos que, já existentes no tempo da edição da

regra, tenham sido eleitos e mantenham filiados, no mínimo, 3 representantes de Estados

diferentes.

Para candidatar-se, a pessoa deve estar filiada a um partido político, em que

disciplina deverá dar orientação ao seu desempenho parlamentar, depois de ter sido eleito. A

Constituição não obriga a permanência do parlamentar no partido, então como não prevê

formas para impedir que se troque de partidos.

A perda do mandato, que é a principal pena imposta pela anterior regra

constitucional aos que trocasse de partido, não se encontra prevista na atual Constituição, que

30

impõe a máxima penalidade como sanção para mais graves infrações, como procedimento

dito incompatível com a decência parlamentar, criminal condenação em sentença transitada

em julgado e outras, estabelecidas no artigo 55. Além de não estabelecer a perda de mandato

pelo fato de infidelidade partidária, a Constituição Federal veda essa punição totalmente,

quando proíbe, no artigo 15, a cassação dos direitos políticos, que a suspensão ou perda

apenas ocorrerá em casos de cancelamento da naturalização pela sentença transitada em

julgado, condenação criminal transitada em julgado, incapacidade civil absoluta, enquanto

perdurarem seus efeitos, prestação alternativa ou recusa no cumprimento da obrigação

imposta a todos, nos termos do artigo 5°, VIII, improbidade administrativa, nos termos do

artigo 37, parágrafo 4°.

3.3 A fidelidade partidária na legislação ordinária

Indispensável pressuposto para a candidatura e, logo, para o exercício e a

aquisição do mandato eletivo, a filiação partidária, que a Constituição exige, é determinante

fator da fidelidade partidária, no sentido de exigir obediência às regras programáticas e

doutrinárias e às diretrizes determinadas pelos órgãos de direção partidária, nos termos do seu

estatuto. É o que determina a legislação ordinária, de modo mais específico a Lei dos Partidos

Políticos e o Código Eleitoral.

A Lei de n° 4.737, de 15/06/1965, a qual instituiu o Código Eleitoral, estabelece,

em seu artigo 87, caput, que apenas podem concorrer nas eleições candidatos que foram

registrados por partidos. No parágrafo único determina que não será admitido nenhum

registro fora do período de 6 meses antes da eleição.

A Lei de n° 9.096, de 19/09/1995, que dispõe a respeito dos partidos políticos e

regulamenta os artigos. 17 e 14, parágrafo 3°, inciso 5 da Constituição Federal – “Lei dos

Partidos Políticos”, reproduz o texto constitucional, nos artigos. 2° e 3°, ao garantir a livre

criação, incorporação, extinção e fusão de partidos políticos, em que os programas deverão

respeitar a nacional soberania, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa

humana, e o regime democrático, e, de modo igual, autonomia ao partido político na definição

de sua organização, funcionamento e estrutura interna.

O artigo 15 estabelece que o estatuto do partido precisa conter, entre outras, regras

a respeito da disciplina partidárias e fidelidade, processo para se apurar as aplicações das

penalidades e infrações, garantindo direito amplo de defesa (inciso V). A regra do artigo 16

exige o gozo pleno dos direitos políticos para filiação partidária. Além disto, para concorrer a

31

algum cargo eletivo, o eleitor precisa estar filiado ao partido pelo menos um 1 ano antes da

data estabelecida para as eleições majoritárias ou proporcionais, de acordo com o que

estabelece o artigo 18 da lei.

O capítulo V da lei trata das regras de disciplina e fidelidade partidárias, nos

artigos 23 a 26, verbis:

Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido. § 1º Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido político. § 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa. Art. 24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto. Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários.Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito.

Assim como os partidos possuem liberdade para a tipificação de condutas

consideradas atos de infidelidade partidária, eles precisam respeitar os ditames constitucionais

(especialmente os direitos fundamentais) e legais (principalmente Lei de n° 9.096) para

imposição de penalidades. Autores como Celso Ribeiro Bastos, Clèmerson Clève e José

Afonso da Silva entendem que o instituto precisa ser aplicado com moderação, de maneira a

impedir o domínio dos oligopólios políticos ou a ditadura partidária. Destaca ainda que o

instituto:

[...] não pode desviar-se de sua finalidade, que é a manutenção da coesão partidária, para permitir a persecução de objetivos outros que não aqueles legítimos (desvio de finalidade). Nem pode, ademais, transformar o parlamentar em mero autômato, em boca sem vontade, destinado apenas a expressar, sem independência e violentando a consciência e a liberdade de convicção, as deliberações tomadas pelos órgãos partidários, nem sempre constituídos por titulares de mandatos conferidos pelo eleitorado43.

Na lição de Clèmerson Clève44, o mandato vem dos poderes que a Constituição

concedeu, e o partido não pode livremente dispor a respeito do mandato. E acrescenta que o

fato de o parlamentar, no sistema constitucional contemporâneo brasileiro, não perder o 43 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fidelidade Partidária – estudo de caso. Curitiba, Juruá, 1998, p. 26. 44 Ibid, p.29.

32

mandato em razão de filiação a outro partido ou por causa do cancelamento da filiação por

ação de infidelidade é eloqüente. Mesmo que, doutrinariamente, o regime do mandato venha

sofrer crítica, não se pode duvidar que, à luz do sistema constitucional que esta em vigor, o

mandato não se encontra à disposição do partido.

Salienta também que o mandato brasileiro é representativo, não imperativo, de

onde vem que a fidelidade partidária precisa ser utilizada de maneira moderada, nunca

agredindo os fundamentais direitos do parlamentar, especialmente a liberdade de consciência.

E conclui que:

Assim, mesmo que necessário o instituto para a manutenção da coesão partidária, ele não pode ser utilizado até o ponto de (i) ofender a natureza da representação; (ii) substanciar mecanismo de violação aos direitos fundamentais dos mandatários; (iii) implicar desvio de finalidade (a pretexto de manter a coesão partidária faculta-se o controle das minorias oligárquicas sobre os mandatários); (iv) permitir a cassação dos direitos políticos dos filiados eventualmente expulsos. Ou seja, o território da fidelidade partidária não é ilimitado, sendo certo que suas fronteiras derivam também da incidência de outros dispositivos da Constituição Federal. Apenas uma interpretação sistemática da Constituição é capaz de ilustrar os verdadeiros contornos do instituto. Qualquer interpretação isolada do texto do art. 17, § 1°, da Constituição, portanto, ensejará a emergência de um sentido falseado do Texto Constitucional e, nomeadamente, do regime de fidelidade no âmbito partidário45.

Mesmo que obedeça às normas estabelecidas pela direção partidária, o parlamentar

poderá, em certas circunstâncias, discordar de alguma decisão ou orientação, por causa de

natureza ideológica, política ou religiosa ou de foro íntimo. Constantes mudanças nas

orientações de um partido por causa da sua posição com relação ao governo vêm levando a

impasses entre parlamentares que são fiéis à anterior orientação e a direção partidária, a qual

exige de seus parlamentares fidelidade à diretriz partidária nova, mesmo que a mesma inove

em relação ao original programa do partido. O caso mais atual, da expulsão de 3

parlamentares do PT (uma senadora e dois deputados), em dezembro do ano de 2003, é

ilustrativo desta situação.

A troca de partidos, permitida pela legislação eleitoral e partidária e pela

Constituição Federal, contribui para reduzir o grau de representatividade do regime

democrático do Brasil, pois não respeita o que eleitor queria. O voto que era dado a um

partido é transferido indiretamente, depois das eleições, para outro partido, modificando a

representação eleita, sem consultar o eleitor.

As trocas de partido estão marcando a política do Brasil desde a democratização,

no de 1985. No período democrático de 1946 a 1964, em que não existia restrição para estas

trocas, as alterações ocorreram, mas com intensidade menor. Tradicionais figuras da política

45 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit, p.31.

33

do Brasil estiveram associadas sempre a um mesmo partido: João Goulart, Leonel Brizola e

Getúlio Vargas ao PTB; Benedito Valadares, Amaral Peixoto, Tancredo Neves ao PSD;

Milton Campos, Afonso Arinos, Carlos Lacerda à UDN.

Além de não terem reduzido com o avanço da democracia, as trocas de partido

viraram quase uma norma, isto é, uma solução para diversos problemas dos parlamentares,

como convenções ameaçadas ou perdidas, elevação das chances dos candidatos em eleições

proporcionais, aproximações pessoais, conflitos, busca de recursos para projetos locais e

regionais (movimento que justifica a elevação das bancadas governistas, principalmente logo

depois das eleições) e até ideológicas diferenças, de acordo como que Jairo Nicolau registra,

no artigo publicado no “Jornal do Brasil”46.

As mudanças de partido ocorrem também em outras democracias, como na Itália e

nos Estados Unidos, mas não com a igual intensidade que se verifica no Brasil, o campeão da

troca de partidos, até mesmo países da América do Sul, de acordo com estudos recentes47.

Os dados variam de acordo com a ótica da qual se observe o fenômeno, porém

revelam, com diferenças pequenas, a intensidade com que acontecem as trocas de partidos no

País. Segundo Carlos Ranulfo Félix de Melo, no período entre 1985 a 1998, 686 deputados,

entre suplentes e titulares, mudaram de partido no Congresso, e que a movimentação

encontra-se igualmente distribuída nas quatro legislaturas observadas48.

No seu artigo, Jairo Nicolau diz que, nas legislaturas de 1987-1991, 1991-1995 e

1995-1998, que totalizaram 467 parlamentares, um total de 1503 Deputados Federais, isto é,

31% deixaram o partido através do qual se elegeram, no meio da legislatura. Aconteceram

trocas em todos os partidos, com intensidades diferentes entre eles. O PT perdeu menor

número de eleitos, isto é, três Deputados em 100. O PSDB, 16%; PTB perdeu 41%; o PPB,

26%; o PFL, 24%; o PDT, 37% e o PMDB, 34%.

No período de 99 a 2003, que inclui a 52a legislatura e o começo da 52a,

aconteceram 290 mudanças de partido dentro da Câmara dos Deputados. Dos partidos

políticos que tinham representação na Câmara dos Deputados (19 na 52a e 18 na 52a.

legislatura), quase todos tiveram perdas de parlamentares. Saíram do PMDB 38 Deputados,

47 do PFL, 7 do PDT, 44 do PSDB, 10 do PTB, 19 do PL, 1 do PV, 2 do PMN, 2 do PMN, 20

46 Apud MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/ pdf_161/R161-08.pdf>. Acesso: 16 jun 2008.47 MELO, Carlos Ranulfo Felix. Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária na Câmara dos Deputados: 1985-1998 (Dissertação de Mestrado). Belo Horizonte, 1999, p. 42 apud MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Op. cit. 48 MELO, Carlos Ranulfo Felix. Op. cit, p.48.

34

do PST, 2 do PT, 2 do PSD, 3 do PRONA, 2 do PSC, 1 do PSL, 3 do PPS, 30 do PPB, 7 do

PSB , 2 do PRTB.

Em 10/2003, Roberto Pompeu de Toledo registrou, no artigo na revista Veja49,

como era rápido as mudanças de partido, relacionando-as com o ato de buscar vantagens junto

ao governo. Partidos de apoio governista, como PL e PTB, tiveram elevação considerável de

seus quadros, no período inferior a um ano. De uma bancada de 26 deputados eleitos, o PTB

passou para 55. O PL aumentou também, de 26 para 42, já os partidos da oposição, PSDB e

PFL, passaram de 84 para 52, o primeiro, e de 84 para 65, o segundo.

No final do ano de 2003, até mesmo o coeso PT perdeu, por excesso de ideológica

cobrança, 5 de seus quadros, 4 deputados (Babá, Gabeira, Luciana Genro e João Fontes), e

também a senadora Heloísa Helena.

Como logo se discute, as mudanças de partido realizam-se, em primeiro lugar, pois

a legislação assim permite. Não há rígidas normas para garantir a permanência dos

parlamentares em partidos pelos quais se elegeram desde que a partidária fidelidade deixou de

ser razão para a perda de mandato, desde 1985.

Segundo Melo50:

O contexto em que se desenvolveu o recente sistema partidário brasileiro se mostrou (...) desfavorável à manutenção de um deputado em seu partido de origem. A partir de 1985, os deputados brasileiros passaram a ter, e estavam plenamente informados disso, um enorme leque de opções no caso de se sentirem, fosse porque fosse, insatisfeitos em seu partido. Realizar a mudança, por sua vez, não era nenhum problema. De um lado porque a legislação, além de permiti-lo, facilitava sobremaneira as coisas ao tornar viável a sobrevivência de qualquer agremiação no cenário político. De outro, porque o próprio eleitorado, que durante o regime militar chegara a apresentar índices de identificação partidária razoáveis, logo se mostraria desatento quanto aos partidos e à trajetória partidária de seus representantes. Finalmente, os vínculos entre os deputados e os partidos revelavam-se frágeis. Uma fragilidade que seria o resultado combinado de uma série de fatores: o pouco tempo de vida dos partidos; a sua origem, com exceções, vinculada a movimentos de reacomodação parlamentar das elites políticas; uma forte dinâmica política regional e local inibindo a afirmação de um perfil nacional; a inexistência de critérios de recrutamento para candidatos nos partidos e a realização de campanhas político-eleitorais fortemente individualizadas.

Mesmo aqueles compromissos de campanha com partido (como o pagamento do

financiamento de candidatura) não são desconsiderados quando se opta por uma legenda que

pode apresentar maiores possibilidades de ganhos imediatos, como aprovação dos recursos

49 Apud MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/ pdf_161/R161-08.pdf>. Acesso: 16 jun 2008.50 Apud MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/ pdf_161/R161-08.pdf>. Acesso: 16 jun 2008.

35

para seu reduto eleitoral, através das emendas ao orçamento. Outra razão importante para a

mudança de partido é a obtenção de funções de cargos e de liderança nas permanentes

comissões parlamentares, o que, em última observação, também garante mais recursos e

possibilita a continuação da carreira política, apoiando para novas eleições.

Apesar do cidadão apenas poder postular sua candidatura quando estiver filiado a

um partido político, as normas eleitorais permitem que a candidatura apareça, ao candidato,

como do eleitor, não do partido. A individualização de candidaturas e também sua não-

identificação com o partido iniciam no interior das partidárias agremiações, em que a maior

disputa é por uma indicação ao partido e não entre candidatos de diferentes partidos, por

causa do sistema de listas abertas, onde os votos são distribuídos em primeiro lugar aos

partidos, conforme o número de votos que foram obtidos e, em cada partido, conforme o

número de votos que cada candidato ganhou. A eleição é estabelecida, primeiro, pelo número

de votos que foram recebidos pelo partido, porém depende, para o candidato, da sua

capacidade de conseguir votos para si, de modo individual. Este sistema acaba por estimular o

individualismo nas campanhas, em razão do partido.

Este sistema, combinado com a falta de regras que estimulem a fusão interna nos

partidos e a permanência de parlamentares nos mesmos, finda por estimular a autonomia dos

representantes que foram eleitos, que consideram seus mandatos decorrentes de seu esforço

pessoal, mais do que de uma campanha boa do partido.

Se os fatores anteriormente apontados (origem dos partidos ligada geralmente a

acomodações das elites políticas; pouco tempo de existência dos mesmos; forte dinâmica

política local regional, que não deixa a formação de partidos de caráter nacional; campanhas

eleitorais individualizadas e não existência de critérios de recrutamento para candidatos nos

partidos) ajudam a entender a alta ocorrência das trocas de partido no interior do legislativo

do Brasil, pouca explicação acrescentam a respeito da origem do movimento e as causas de

seu crescimento e de sua permanência. Os parlamentares poderiam continuar nas legendas

pelas quais tinham conquistado o mandato, ignorando a existência de um número grande de

alternativas partidárias e de uma legislação permissiva altamente.

Porém há motivos muito fortes para que não se mantenham no partido, de acordo

com o que Ranulfo assinala, que prioriza dois: a) o processo de desestabilização que alcançou

o sistema partidário brasileiro recente logo nos seus primeiros anos de existência e, b) a

percepção pelo deputado de que a troca de partido seria uma chance de maximizar suas

36

oportunidades de sucesso na carreira51. Depois de estudar as mudanças de partidos no período

1985 a 98, Ranulfo conclui que os deputados mudam buscando melhores alternativas para

aumentar as chances de sucesso em uma carreira política. Ao escolher entre permanecer no

mesmo partido e afastar-se dele, o deputado é inicialmente movido pela necessidade de

sobreviver de uma carreira política em que o futuro lhe parece incerto, assim como é fato que

a troca de partido não lhe trará custos grandes.

A atual realidade, de migrações intensas no sentido governista, comprova a

hipótese de que, em última observação, o deputado troca de partido buscando melhor

alternativa partidária, isto é, da que lhe permita acesso maior aos recursos disponibilizados

pelo Poder Executivo, para colocação junto às suas bases eleitorais e para assegurar a

continuidade da sua carreira.

Conforme entendimento de Melo52:

O controle sobre recursos de ordem política por parte dos partidos, ou de cada deputado, possibilita grande vantagem competitiva no contexto eleitoral brasileiro. Aos partidos, através de seus líderes, interessa o acesso às arenas decisórias e o controle de ‘territórios’, no interior do governo, capazes de funcionar como fonte de recursos utilizáveis na intermediação das relações com seus pares e com a sociedade. Ao deputado individualmente interessa situar-se em posição que possibilite um bom desempenho na execução de uma estratégia voltada para a transferência de recursos públicos para o benefício exclusivo de sua base eleitoral.

Outro importante dado no estudo do fenômeno é a relação entre a troca de partido

e a ideologia partidária. As trocas têm acontecido, em geral, dentro da mesma aparência

ideológica, e verificam-se mais nos partidos com menos coesão, mais novos, com tradição

menor na política.

Na década de 90, 48,3% dos deputados eleitos pelo conjunto dos partidos de direita menos o PFL mudaram de partido, optando, a esmagadora maioria, por migrar para uma legenda situada dentro do mesmo campo ideológico. Isto significa que, no que se refere à direita, as fronteiras entre os partidos possuem muito pouco significado. Estar no PTB, no PPB ou numa sigla de menor expressão é algo que, para boa parte dos congressistas, explica-se pela combinação um tanto fortuita de fatores vinculados á sua viabilidade eleitoral. Sua opção partidária pode mudar a qualquer hora. Em menor grau isto vale para o centro: basta ver a intensidade das trocas entre PMDB e PSDB53.

As trocas de partido, por promoverem um afastamento entre o sistema partidário

parlamentar e o sistema partidário eleitoral, comprometem a representatividade do sistema

51 Apud MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/ pdf_161/R161-08.pdf>. Acesso: 16 jun 2008.52 Ibid.53 Apud MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/ pdf_161/R161-08.pdf>. Acesso: 16 jun 2008

37

político do Brasil. Diante um sistema político bem pouco inteligível para o comum eleitor, a

troca de partido contribui para o agravamento do quadro, pois distancia as bancadas do

começo e do final das legislaturas, dificultando assim o acompanhamento, por parte do

eleitor, do representante que ajudou eleger. Assim, se, em democracias com menor

peculiaridade do que a nossa, ao cidadão atento é possível julgar o desempenho de um

deputado analisando a postura de seu partido, no país esta possibilidade é dificultada pelas

trocas freqüentes de legenda54.

Outro aspecto de fidelidade partidária, a interna coesão dos partidos, não oferece

indicações a respeito dos motivos das evasões. Pelo contrário, aponta um paradoxo: partidos

que possuem uma disciplina parecida em suas votações se distanciam quando analisados pela

ótica da saída dos seus membros, seja por causa do poder de persuasão de líderes, seja por

causa de imediatas vantagens que se oferecem aos parlamentares que seguirem as orientações

da bancada. É fato que os partidos mais coesos são os que apresentam índices de perdas

menores, como o PC do B e o PT, porém esta coesão não é garantia de permanência no

partido, pois as razões de saída do mesmo são, além de tudo, de imediata sobrevivência.

Em que pese não interferir de modo direto nas chances ou não de se reeleger, a

mudança de partido é um relevante fenômeno para estudo pois, além de influir na partidária

composição do Congresso, na representatividade do sistema partidário, no desempenho

eleitoral também é vista de modo negativo pela imprensa, pelos próprios parlamentares, pela

população que incluem-na nas propostas de reforma do sistema político do Brasil.

3.4 Conseqüências das trocas de partido para os eleitores e para os partidos

Pesquisa realizada pelo IUPERJ na cidade do Rio de Janeiro, em 1994, apresentou

que 74% dos eleitores escolhem os Deputados Federais independentemente do seu partido.

Pesquisados pelo IBGE em 96, 68% dos entrevistados consideram mais importante o

candidato do que o partido, na escolha de quem votar55.

Outra pesquisa, feita pelo Instituto Brasmarket (Análise e Investigação de

Mercado) nas principais capitais do País em janeiro de 2003 demonstrou que o brasileiro não

concorda com a fidelidade partidária. Dos 2.637 eleitores que foram consultados, 49,5%

manifestaram-se contra o básico conceito da fidelidade partidária. Segundo eles, o mandato é 54 Ibid.55 Apud MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade partidária: um panorama institucional. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/ pdf_161/R161-08.pdf>. Acesso: 16 jun 2008.

38

dos eleitos e dos eleitores, e, por esta razão, os políticos com mandato apenas devem acatar as

orientações partidárias caso concordem com elas, o que lhes proporciona o direito de trocarem

de partido sem perder os cargos eletivos. Um expressivo número de eleitores (36,9%)

manifestou-se favorável às atuais regras de fidelidade partidária, até mesmo quanto à expulsão

do partido e quanto à alteração nas atuais regras, para cassação do mandato, vedada hoje pela

Constituição56.

Ronald Kunz57, diretor do instituto, relata que pesquisa a respeito do tema, feita

entre 2001 e 2002, mostrou que 65,7% dos entrevistados davam apoio às mudanças nas

regras, através da cassação dos mandatos dos políticos que não acompanhassem a orientação

de seu partido nas votações ou que trocassem de legenda depois de eleitos.

Para os eleitores, a mudança de partido reforça uma situação de carência de

identidade partidária, percebida especialmente nas eleições, já que não existe identificação do

candidato com programas e partidos e o eleitor acaba votando no candidato da sua

preferência. Com exceção dos partidos da esquerda, o que verifica-se entre os eleitores é uma

identificação baixa com uma agremiação partidária e com filiação partidária de um candidato,

no momento da votação.

Outra importante conseqüência é o reforço à carência de participação política,

justificada pelo eleitor pela falta de responsabilidade do representante diante o voto que o

elegeu e responsável pelos índices baixos de confiança da população quanto ao desempenho

de parlamentares.

Há praticamente dez anos discute-se a reforma política em especiais comissões do

Senado Federal e da Câmara dos Deputados, visando apresentar propostas que ofereçam

maior representatividade e maior governabilidade ao sistema político. A comissão da Câmara

dos Deputados finalizou a legislatura 1995-1999 sem a conclusão de seus trabalhos. No

Senado, a Comissão Temporária Interna que trabalhou no período de 1995 a 98 discutiu, além

das regras de fidelidade partidária, limitações à divulgação de pesquisas eleitorais através da

imprensa, manutenção de segundo turno somente para Presidente da República,

financiamento público das campanhas eleitorais, instituição do voto facultativo e do sistema

eleitoral misto para Câmara dos Deputados.

Extrema penalidade para a infidelidade partidária, a cassação do mandato chegou a

ser apresentada como uma proposta de emenda à Constituição, através da comissão que

analisou o assunto no Senado Federal, entre 1995 a 1998. Trata-se da PEC de n° 44/98, que

56 Ibid.57 Ibid.

39

oferece redação nova aos artigos. 17 e 55 da Constituição Federal, que tratam a respeito da

fidelidade partidária, prevendo a cassação do cargo eletivo nas hipóteses do ocupante

abandonar o partido pelo qual foi eleito e de violação grave da disciplina partidária.

Arquivada no final da legislatura, não representou, pois as lideranças partidárias, na seguinte

legislatura, concordaram em reapresentar, sobre à reforma política, somente os projetos de lei,

entendidos como os de chances maiores de aprovação.

Dos projetos que foram apresentados no Senado, ressaltam-se dois, um que eleva o

prazo de filiação partidária, outro que cria o sistema de lista fechada nas eleições. O PLS de nº

187, de 99, do Senador Jorge Bornhausen, altera a Lei de nº 9.096, de 95, visando aumentar o

prazo de filiação partidária, fixando o prazo de quatro anos de filiação partidária para quem

trocar de partido para concorrerem a qualquer tipo de cargo eletivo. Aprovada no Senado, esta

proposição encontra-se na Câmara dos Deputados, aonde recebeu o n. 4.592/01 e foi apensada

ao PL 5.654/90, que se encontra na Comissão de cidadania e de Constituição.

O PLS de nº 300, do ano de 1999, do Senador Roberto Requião, modifica a Lei de

nº 4.737, de 15/06/1965 (Código Eleitoral), para instituir o sistema de fechada lista na eleição

proporcional, estabelecendo que o sistema de lista fechada se aplicará a metade das vagas que

se encontra em disputa no Distrito Federal e em cada Estado. Aprovado no Senado Federal, o

projeto tramitará na Câmara dos Deputados através do nº 3.428, de 2000. Na Comissão de

Redação e de Constituição e Justiça, em que se encontra, distribuiu-se ao Deputado Osmar

Serraglio. A última ação, de 01 de julho de2003, registra o apensamento a tal projeto do PL

922/03.

Na legislatura presente, a Câmara dos Deputados instituiu comissão nova para

discutir as reformas políticas. Relatada pelo Deputado Ronaldo Caiado e presidida pelo

Deputado Alexandre Cardoso, a comissão promoveu audiências e debates públicos e

apresentou, no fim de 2003, o PL 2.679/03, que:

[...] dispõe sobre as pesquisas eleitorais, o voto de legenda em listas partidárias preordenadas, a instituição de federações partidárias, o funcionamento parlamentar, a propaganda eleitoral, o financiamento de campanha e as coligações partidárias, alterando a Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos) e a Lei n° 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).

Dentre os problemas que precisam de soluções mais urgentes, a comissão ressalta

as intensas trocas entre as legendas, cujas bancadas substancialmente oscilam ao longo das

legislaturas.

40

O plenário aprovou em 17/10/2007 a proposta de emenda constitucional que impôs

a fidelidade partidária. A EC afirma que o mandato é de propriedade do partido e não ao

candidato. Esta emenda já possui validade nas eleições de 2008 (que escolherá prefeito e

vereadores) e nas eleições de 2010 (que escolherá o presidente, governadores, senadores e

deputados).

3.5 A Consulta (CTA) 1398 e a Resolução Nº 22.610/07 do TSE

Em 29 de março de 2007, o TSE, respondendo à Consulta (CTA) de nº 1398,

formulada pelo Partido da Frente Liberal (PFL), hoje DEM (Democratas), por maioria de seus

membros (6X1), entendeu que “os mandatos obtidos nas eleições, pelo sistema proporcional

(deputados estaduais, distritais, federais e vereadores), pertencem aos partidos políticos ou às

coligações e não aos candidatos eleitos58”.

Sustentou o TSE que o parlamentar que deixa o partido sem justo motivo renuncia

implicitamente ao mandato, uma vez que a eleição daquele fora viabilizada pela agremiação

que reuniu esforços neste intento. Por conseguinte, caracterizando o abandono de sigla uma

espécie de traição, na concepção do TSE, os partidos políticos ou coligações devem conservar

o direito ao mandato obtido, acaso o candidato eleito se desvincule da agremiação, passando a

integrar legenda diversa. Em outras palavras, pertencendo o mandato ao partido, a troca de

sigla configura ato de infidelidade partidária, sujeitando o infrator à perda do cargo eletivo. A

decisão que respondeu à referida consulta deu origem à Resolução nº 22.526/07, cuja ementa

é a seguinte: “CONSULTA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATO ELEITO. CANCELAMENTO

DE FILIAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE PARTIDO. VAGA. AGREMIAÇÃO. RESPOSTA AFIRMATIVA”.

Nota-se, todavia, que a resposta à Consulta em análise (CTA 1398) abrangeu

unicamente as cadeiras referentes ao sistema proporcional, remanescendo uma lacuna no que

toca aos mandatos obtidos no sistema majoritário. Quer isso dizer que a CTA 1398 não

consagrou as situações de abandono de sigla operadas por prefeitos, governadores, senadores

e presidente da República. Assim é que, em 16 de outubro de 2007, o TSE ampliou o objeto

da CTA 1398, respondendo afirmativamente à CTA 1407 formulada pelo deputado Nilson

Mourão (PT-AC). Nesta oportunidade, decidiu o TSE que a perda de mandato por

infidelidade partidária se aplicará também aos cargos majoritários.

58 CERQUEIRA, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Fidelidade partidária & perda de mandato no Brasil: temas complexos. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p.68.

41

Posteriormente, após o julgamento pelo STF dos mandados de segurança nº

26.602, 26.603 e 26.604, entenderam o TSE por editar a Resolução nº 22.610/07, no afã de

disciplinar o processo de perda de cargo eletivo e de justificação de desfiliação partidária.

Destarte, a partir de então, com base na resolução acima apontada, o parlamentar que, sem

justa causa, desvincular-se do partido sob cuja legenda fora eleito, estará suscetível à perda do

respectivo mandato eletivo. Frise-se que a resolução não fez qualquer distinção entre o

sistema proporcional e o majoritário, vale dizer, a vaga obtida por este sistema ou por aquele

há que ser preservada pelo partido político em caso de pedido de cancelamento de filiação ou

de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda.

Considera-se “justa causa” as seguintes situações: incorporação ou fusão do

partido, criação de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa

partidário e grave discriminação pessoal (art. 1º, § 1º, incisos I, II, III e IV, da Resolução nº

22.610/07).

Inocorrendo quaisquer das aludidas hipóteses, poderá o partido, num prazo de 30

dias contados da desfiliação, formular pedido de perda do cargo eletivo perante a Justiça

Eleitoral. Nos 30 dias subseqüentes, se, porventura, o partido político não efetivar tal

postulação, aquele que tiver interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral poderá pugnar

a perda do mandato (art. 1º, § 2º, da Resolução nº 22.610/07).

Segundo a resolução ora em apreço, o TSE é competente para processar e julgar

pedido relativo a mandato federal e, nos demais casos, caberá ao tribunal eleitoral do

respectivo Estado apreciar o pleito (art. 2º da Resolução nº 22.610/07).

Após regularmente processado o feito, julgada procedente a postulação, será

decretada pelo tribunal a perda do cargo, devendo a decisão ser comunicada ao presidente do

órgão legislativo competente, a fim de que emposse o suplente ou o vice num prazo de 10 dias

(art. 10 da Resolução nº 22.610/07). Por fim, dispõe o art. 13 que será a resolução aplicável

tão-somente às desfiliações consumadas após 27 de março de 2007, no que toca ao sistema

proporcional e, após 16 de outubro de 2007, quanto a eleitos pelo sistema majoritário.

O cerne da questão da fidelidade partidária gira em torno da constitucionalidade da

resolução apontada. Isto porque, conforme mencionado alhures, o art. 55 da CF não previu a

perda de mandato por infidelidade, do que decorre o embate doutrinário e jurisprudencial

acerca da aplicabilidade ou não do diploma promulgado pelo TSE. Há quem defenda,

inclusive, sequer tratar-se de hipótese de perda de mandato, não se enquadrando, portanto, no

rol do citado dispositivo. Parte esta corrente da premissa de que pertencendo o mandato ao

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partido político, não o perderá o parlamentar, porquanto é impossível que este perca aquilo

que não possui.

Há que se atentar, ainda, para as repercussões que advirão da nova resolução,

tendo em vista que a mesma não previu diversas situações que podem emanar da perda do

cargo por abandono de sigla. Exemplificando: como se procederá à ocupação do cargo

declarado vago nas hipóteses em que o parlamentar infiel não possui suplente de sua própria

legenda ou quando todos os suplentes tenham migrado de partido? Com efeito, a Justiça

Eleitoral não anteviu soluções para os diversos contextos que poderão originar-se da

decretação de perda do cargo eletivo por mudança de legenda.

Ressalte-se que tramitam no Congresso Nacional Propostas de Emenda à

Constituição envolvendo o temário fidelidade partidária, v.g., a PEC nº 4/2007 e a nº 23/2007.

A primeira acrescenta ao art. 55 da CF inciso relativo à perda de mandato por infidelidade

partidária, pretendendo, portanto, veicular adequadamente (em sede constitucional) a matéria.

Por ora, enquanto não aprovada alguma destas propostas, permanecerá a polêmica

quanto à hipótese de perda de mandato criada pelo TSE, ou seja, quanto à aplicabilidade ou

não da novel resolução elaborada por esta Corte.

3.6 Competência para processar e julgar ações de perda de cargo eletivo

Conforme elucidado alhures, de acordo com a Resolução nº 22.610/07, é o TSE

competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal (deputados federais,

senadores e presidente da República), cabendo ao respectivo TRE apreciar o pleito nos casos

de governadores, prefeitos, deputados estaduais, distritais e vereadores (art. 2º da Resolução

nº 22.610/07). Não obstante, quanto a este aspecto, o TRE-BA questionou a

constitucionalidade daquele diploma, argüindo, para tanto, o art. 121 da Carta Magna, o qual

menciona que as normas referentes à competência devem ser estabelecidas por lei

complementar. Confira-se adiante trecho da notícia publicada no site do TSE, a respeito do

posicionamento adotado pelo TRE-BA:

O TRE da Bahia não foi contra o TSE. Apenas argüimos com base no artigo 121 da Constituição Federal a competência das Cortes - superior e regionais - no que se refere ao julgamento dos processos de infidelidade partidária”, esclarece o desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra, vice-presidente do TRE-BA. O TRE-BA entende que as normas que dispõem sobre competência são estabelecidas por Lei Complementar. O problema está exatamente no artigo 2º da Resolução que

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disciplina que o Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal eleitoral do respectivo estado. O vice-presidente do TRE-BA lembra ainda que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) do PSDB contra a Resolução. “A última palavra será dada pelo Supremo. Mas, por enquanto, aqui na Bahia os processos deverão ser julgados assim”, afirma o desembargador. A decisão do TRE da Bahia foi tomada ontem durante o julgamento de duas ações de decretação da perda de cargo eletivo - uma no município de Taperoá e outra na cidade de Iaçu -, e uma ação declaratória da existência de justa causa em Salvador.

Frise-se, de outra banda, que, em regra, a competência para apreciar ações de

perda de mandato é da Justiça Comum. Quer isso significar que a Resolução nº 22.610/07 do

TSE inovou, prevendo uma competência inédita e excepcional da Justiça Eleitoral para

solucionar os conflitos envolvendo perda de mandato por infidelidade partidária. Era este,

inclusive, o entendimento anteriormente sustentado pelo TSE. A celeuma foi aparentemente

resolvida pelo STF no julgamento do mandado de segurança 26.603, no qual o Pretório

Excelso afirmou competir à Justiça Eleitoral julgar a perda de mandato por infidelidade

partidária, ao passo em que deverá a Justiça Comum julgar os demais casos de perda de

mandato após a diplomação59.

CONCLUSÃO

Nos últimos tempos tem-se debatido sobre uma possível solução para tais tipos de

distorções através da adoção de novos critérios para o preenchimento das vagas dos

representantes do povo, tanto em nível federal como estadual, materializados pela adoção de

um sistema distrital misto.

Na adoção do sistema distrital há uma infinidade de variedades, ditadas por

questões locais e históricas não sendo viável a pura e simples transposição de um modelo

concebido e desenvolvido tendo por base uma sociedade com características econômicas,

sociais, políticas, jurídicas e culturais diversas da brasileira.

Em síntese, o que se busca antes de tudo é uma representação autêntica e

verdadeiramente democrática, sendo então importante admitir e levar em consideração as

características do sistema eleitoral que se pretende reformar, para que então se possa construir

59 CERQUEIRA, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Op. cit, p.114-115.

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e aplicar um sistema adequado. Só assim, chegar-se-á a uma representação autêntica e

plenamente responsável, que é uma das exigências básicas da democracia representativa.

No que tange à fidelidade partidária entendo que quando um partido político

convida um político para as suas fileiras, não se preocupa com seu perfil político, mas sim

com a quantidade de votos com a qual ele pode contribuir. É por isso que o eleitor fica

confuso, vota em um candidato da esquerda e este candidato acaba assumindo o mandato em

um partido da direita.

Assim, concluiu-se pela necessidade da fidelidade partidária, haja vista que a

fidelidade partidária dará início a uma mudança significativa das normas eleitorais, com

conseqüências importantes para os eleitores e para os partidos. Para os partidos, melhores

condições de impor programas e idéias, de cobrar a sua obediência pelos eleitos e maior

coesão interna. Para os eleitores, uma participação maior na vida política, por causa do

reconhecimento da idoneidade de eleitos e de partidos, identificados por uma comum causa,

por um programa ao qual o representante vincular-se-á durante o mandato, sem injustificadas

trocas de legenda, que acabam por enfraquecer a representação dado pelo eleitor atualmente.

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