1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL...

54
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________ 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE MARECHAL CÃNDIDO RONDON – ESTADO DO PARANÁ AUTOS N. 0004620-38.2013.8.16.0112 APELANTE: ESTADO DO PARANÁ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO O Ministério Público do Estado do Paraná, no uso de suas atribuições legais e constitucionais junto a esta Comarca de Marechal Cândido Rondon/PR, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, nos Autos do Processo em epígrafe, oferecer as presentes CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO, pelo que requer sejam elas encaminhadas, juntamente com as razões recursais, ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Ademais, tendo em vista o teor da decisão que recebeu o recurso de apelação apenas no efeito devolutivo (evento 119.1) e considerando a sentença prolatada (evento 102.1), a qual julgou parcialmente procedente a presente ação civil pública, apresenta-se, em seguida, requerimento para execução provisória da sentença.

Transcript of 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL...

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    1

    EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA

    DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE MARECHAL CÃNDIDO

    RONDON – ESTADO DO PARANÁ

    AUTOS N. 0004620-38.2013.8.16.0112

    APELANTE: ESTADO DO PARANÁ

    APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

    CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO

    O Ministério Público do Estado do Paraná, no uso de suas

    atribuições legais e constitucionais junto a esta Comarca de Marechal Cândido

    Rondon/PR, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, nos Autos do

    Processo em epígrafe, oferecer as presentes CONTRARRAZÕES AO

    RECURSO DE APELAÇÃO, pelo que requer sejam elas encaminhadas,

    juntamente com as razões recursais, ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do

    Paraná.

    Ademais, tendo em vista o teor da decisão que recebeu o

    recurso de apelação apenas no efeito devolutivo (evento 119.1) e considerando a

    sentença prolatada (evento 102.1), a qual julgou parcialmente procedente a presente

    ação civil pública, apresenta-se, em seguida, requerimento para execução provisória

    da sentença.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    2

    DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA SENTENÇA

    Diante da sentença proferida junto ao evento 102.1, tem-se

    que o Estado do Paraná foi condenado, em síntese, na obrigação de fazer de

    transferir os presos da Cadeia Pública de Marechal Cândido Rondon, na obrigação

    de não fazer de não alocar novos presos nas vagas disponíveis, bem como, na

    obrigação de fazer secundária de criar 150 (cento e cinquenta) vagas para abarcar os

    presos de Marechal Cândido Rondon.

    Salienta-se que o recurso de apelação do Estado do Paraná foi

    recebido apenas no efeito devolutivo (evento 119.1), sendo que na oportunidade,

    também se determinou a imediata intimação para cumprimento das determinações

    contidas na sentença presente no evento 102.1.

    Neste particular, convém mencionar que embora a sentença

    proferida contra Estado devesse estar sujeita ao duplo grau de jurisdição, reexame

    necessário, não produzindo efeitos senão depois de transitar em julgado, conforme

    disposição do art. 475, inciso I, do Código de Processo Civil, tal situação não

    possui o condão de ser aplicada para o presente caso, porquanto a sentença tratou

    estritamente de obrigações de fazer e não fazer.

    Pontua-se que em diversos julgados oriundos de Tribunais de

    Justiça, reconheceu-se a possibilidade de execução provisória de sentença contra a

    Fazenda Pública, nas hipóteses de obrigações de fazer, não fazer e dar coisa certa,

    conforme segue:

    O recurso extraordinário e o recurso especial não tem efeito

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    3

    suspensivo. A parte que pretende obter a suspensão da

    execução provisória deve-se valer de medida cautelar

    inominada. Pretensão de emprestar ao recurso extraordinário

    o efeito suspensivo, que já foi indeferido em sede de medida

    cautelar inominada, por vias obliquas, para desse modo

    suspender a execução provisória. - Seja quem for o devedor,

    Fazenda Pública ou não, tratando-se de obrigação de

    fazer, não fazer ou dar coisa certa, o cumprimento da

    sentença será efetivado nos termos do art. 461 e 461-A do

    CPC- A sentença que condena a Fazenda Pública a uma

    obrigação de fazer, não-fazer ou dar coisa cumulada com

    uma obrigação de pagar quantia, será efetivada em

    momentos e procedimentos distintos. Assim, a mesma

    sentença poderá ser efetivada em uma fase do mesmo

    processo, em relação àquele capítulo que reconheceu

    uma obrigação de fazer, não-fazer ou dar coisa, e

    também será objeto de execução em processo autônomo,

    em relação ao capítulo que reconhece a obrigação de

    pagar quantia certa. (TJMG. Agravo de Instrumento Cv

    1.0106.06.022272-1/010. Rel.: Des. Edivaldo George dos

    Santos. 7ª C. Cível. j. em 16/03/2010. Publicação da súmula

    em 06/04/2010).

    APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. EMBARGOS À

    EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CARÊNCIA DE AÇÃO

    POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR.

    DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA

    CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. FORNECIMENTO

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    4

    DE MEDICAMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER.

    HIPÓTESE EM QUE NÃO INCIDE A VEDAÇÃO DA

    LEI 9.494/97 (ART. 2º-B) E DA CONSTITUIÇÃO

    FEDERAL (ART. 100 E PARÁGRAFOS). BLOQUEIO

    DE VALORES NA CONTA CORRENTE DO ENTE

    PÚBLICO. POSSIBILIDADE. Apelo desprovido. Sentença

    confirmada em reexame necessário, de ofício. Unânime.

    (TJRS. Apelação Cível n. 70047762075. 21ª C. Cível. Rel.:

    Genaro José Baroni Borges. j. em 28/03/2012).

    Assim sendo, em cotejo à sentença presente no evento 102.1,

    conforme seus itens III.1, III.2 e III.3, e decisão constante no evento 119.1, o

    Ministério Público requer seja intimado o Estado do Paraná, bem como o

    Governador e Secretário de Segurança Pública do Estado, para cumprimento

    imediato e integral da sentença, nos seguintes termos:

    a) na obrigação de fazer, consistente em extirpar, no prazo

    máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, a situação de superlotação verificada na

    Cadeia Pública de Marechal Cândido Rondon, por meio da transferência dos presos

    registrados no local, sobretudo os condenados definitivamente, adequando o

    número de presos ao número de vagas disponíveis, que consiste em 18 (dezoito);

    b) na obrigação de não fazer, consistente em não alocar

    novos presos acima das vagas disponíveis;

    c) para que o oficial de justiça, no prazo de 55 (cinquenta e

    cinco) dias, realize vistoria no estabelecimento prisional com a finalidade de aferir

    se os detentos foram devidamente transferidos e a superlotação solucionada,

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    5

    conforme consignado no evento 102.1, item III.1;

    d) na hipótese de descumprimento da medida no prazo

    estipulado no evento 102.1, item III.1, pela incidência da multa, nos termos da

    sentença, conforme evento 102.1, item III.1, letra “a”;

    e) na hipótese de descumprimento da medida prevista no

    evento 102.1, item III.2, pela incidência da multa, nos termos da sentença,

    conforme evento 102.1, item III.2, letra “a”;

    f) na obrigação de fazer secundária, sendo que em não

    sendo adimplida no prazo estipulado a situação mencionada no evento 102.1, item

    III.1 (fim da superlotação), e sem prejuízo das penalidades dispostas (evento 102.1,

    itens III.1, letra “a” e item III.2, letra “a”), que o Estado do Paraná promova a

    criação de 150 (cento e cinquenta) vagas – inclusive em outra localidade desta

    unidade federativa – para abarcar os presos (presentes e futuros) de Marechal

    Cândido Rondon, ao que deverão ser verificados parâmetros mínimos, conforme

    segue:

    f.1) a Administração Pública deverá, no prazo de 30 (trinta) a

    90 (noventa) dias – a contar da intimação referente a certificação de que o prazo do

    item III.1 foi descumprido – apresentar projeto básico referente a criação das novas

    vagas condizente com as diretrizes estabelecidas nos artigos 7º, §2º, incisos I, II, e

    III; 11 e 12, todos da Lei n. 8.666/93, bem como na Resolução n. 03/2005, do

    Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária;

    f.2) após a apresentação do projeto básico em Juízo, deverá

    continuar tomando as medidas administrativas de praxe para início e execução da

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    6

    obra, que deverá ser concluída no prazo de 18 (dezoito) meses a 36 (trinta e seis)

    meses a contar da apresentação judicial do projeto básico;

    f.3) descumprida a determinação exarada no evento 102.1,

    item III.3, ou não respeitados quaisquer dos prazos estipulados na sentença, pelo

    cumprimento do disposto no evento 102.1, item III.3, letra “c”;

    g) não respeitados os prazos, para satisfação dos

    requerimentos apresentados nos itens “d” e “e”, realize-se, imediatamente, o

    bloqueio judicial de todas as contas e/ou aplicações financeiras do Estado do

    Paraná, Governador e Secretário de Segurança Pública do Estado, com a finalidade

    de compelir o ente federativo e seus representantes a realizarem as obrigações

    dispostas na sentença, diante do nítido desrespeito à sentença.

    Quanto à possibilidade do bloqueio supra requerido, convém

    fazer menção aos seguintes julgados:

    AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL –

    FAZENDA PÚBLICA – FORNECIMENTO DE

    MEDICAMENTOS – BLOQUEIO DE VERBAS

    PÚBLICAS – CABIMENTO – ART. 461, § 5º, E ART.

    461-A DO CPC – DECISÃO MANTIDA POR SEUS

    PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A negativa de

    fornecimento de um medicamento de uso imprescindível,

    cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é

    ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e

    saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados

    em primeiro plano. 2. O bloqueio da conta bancária da

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    7

    Fazenda Pública possui características semelhantes ao

    seqüestro e encontra respaldo no art. 461, § 5º, do CPC,

    uma vez tratar-se não de norma taxativa, mas

    exemplificativa, autorizando o juiz, de ofício ou a

    requerimento da parte, a determinar as medidas

    assecuratórias para o cumprimento da tutela específica. 3. O

    direito à saúde deve prevalecer sobre o princípio da

    impenhorabilidade dos recursos públicos. Nas bem

    lançadas palavras do Ministro Teori Albino Zavascki, pode-se

    ter por legítima, ante a omissão do agente estatal responsável

    pelo fornecimento do medicamento, a determinação judicial

    do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do

    direito prevalente. (REsp 840.912/RS, Primeira Turma,

    julgado em 15.2.2007, DJ 23.4.2007) Agravo regimental

    improvido. (In STJ - REsp 851797 / RS – 2ª TURMA –

    RELATOR: HUMBERTO MARTINS –JULGADO EM

    22.05.2007 – DJU 04.06.2007, P. 330).

    EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO.

    AGENDAMENTO DE PAGAMENTO DAS CUSTAS

    RECURSAIS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 511, CPC.

    DESERÇÃO. - Não há como se ter por atendido o comando

    previsto no artigo 511, CPC, tão somente com a juntada aos

    autos do comprovante de agendamento de pagamento das

    custas recursais, sobretudo quando consta do mesmo a

    ressalva de que não traduz ele a efetiva quitação do débito, a

    qual depende de evento futuro e incerto, qual seja, a existência

    de saldo em conta corrente na data agendada. VV.: AGRAVO

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    8

    DE INSTRUMENTO - NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA -

    OBRA EMBARGADA - DESCUMPRIMENTO DA

    DETERMINAÇÃO JUDICIAL - "ASTREINT" -

    EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA MULTA, VIA PENHORA

    ELETRÔNICA - BACENJUD - POSSIBILIDADE -

    PRIORIDADE À PENHORA DE DINHEIRO - ARTIGO

    655-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL -

    DEFERIMENTO PELO JUÍZO "A QUO" - DECISÃO

    MANTIDA - PROVIMENTO NEGADO. A multa diária

    fixada para o caso de descumprimento da obrigação de fazer

    pode ser executada provisoriamente, a partir do momento em

    que reconhecido o desrespeito à decisão judicial. "É lícita a

    penhora sobre dinheiro, mormente quando o executado é

    instituição financeira. Precedentes do STJ. (...) III. Recurso

    especial não conhecido. (REsp 798.764/MA, Rel. Ministro

    ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA,

    julgado em 06/04/2010, DJe 26/04/2010)". O bloqueio de

    valores "on line", regulamentado pelo dispositivo

    processual, contido no dispositivo do artigo 655-A,

    representa valioso mecanismo colocado à disposição do

    magistrado, a fim de possibilitar maior efetividade das

    ações executivas. O propósito da fixação da multa é

    compelir a parte a cumprir a decisão agravada,

    ressaltando-se que o bloqueio dos valores permanecerão

    indisponíveis ao exeqüente, até a execução definitiva do

    decisum. (TJMG. Agravo de Instrumento

    Cv 1.0024.13.052128-9/001. Rel.: Des. Newton Teixeira

    Carvalho. 13ª C. Cível. j. em 30/01/2014. Publicação da

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    9

    súmula em 07/02/2014).

    Ante o exposto, o Ministério Público se manifesta pela

    aplicação integral da sentença supramencionada, assim como pelo bloqueio judicial

    na hipótese de descumprimento das obrigações impostas, dentro dos prazos

    estabelecidos.

    Marechal Cândido Rondon/PR, 25 de junho de 2014.

    Caio Bergamo A. Marques

    Promotor de Justiça

    EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    10

    EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.

    AUTOS N. 0004620-38.2013.8.16.0112

    APELANTE: ESTADO DO PARANÁ

    APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

    Contrarrazões de Apelação pelo Ministério Público

    Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça,

    Colenda Câmara,

    Ilustre Desembargador Relator,

    Eméritos Julgadores,

    I – Do relatório:

    O requerido Estado do Paraná, inconformado com a sentença

    constante no evento 102.1, prolatada pelo Juízo a quo, a qual julgou parcialmente

    procedente a presente Ação Civil Pública, condenando-o, em síntese, na

    obrigação de fazer de transferir os presos da Cadeia Pública de Marechal Cândido

    Rondon, na obrigação de não fazer de não alocar novos presos nas vagas

    disponíveis, bem como, na obrigação de fazer secundária de criar 150 (cento e

    cinquenta) vagas para abarcar os presos de Marechal Cândido Rondon, interpôs

    RECURSO DE APELAÇÃO.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    11

    O apelante, Estado do Paraná, pugna pela improcedência da

    ação e reforma da decisão atacada (evento 102.1), sustentando, preliminarmente,

    pela impossibilidade jurídica do pedido, ao que também aduz considerações sobre o

    mérito da demanda, alegando, em síntese, ofensa ao princípio da separação dos

    poderes, com violação do Estado Democrático de Direito, da lesão à ordem

    pública e econômica, de ofensa ao princípio da reserva do possível, da ausência de

    omissão estatal, quanto à remoção de presos por ausência de vagas e

    impossibilidade fática de remanejamento, bem como de impossibilidade das

    astreintes cominadas ao Estado do Paraná e da multa diária dirigida às pessoas do

    Governador e Secretário de Segurança Pública de Estado.

    Todavia, conforme se verá ao longo destas contrarrazões, o

    disposto nas razões do recurso interposto pelo requerido não possui fundamento

    legal capaz de reformar a decisão atacada. Senão vejamos.

    II – Do juízo de admissibilidade:

    Para insurgimento em sede recursal é imprescindível o

    preenchimento de certos requisitos de admissibilidade, de ordem subjetiva e

    objetiva.

    Neste diapasão, analisar-se-ão os requisitos de admissibilidade

    recursal, classificando-os em duas ordens, conforme se relacionem à própria

    existência do poder de recorrer ou ao seu exercício.

    II. 1 – Dos requisitos intrínsecos:

    Cabimento: a apelação é o instrumento previsto e adequado

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    12

    para a impugnação de sentenças, sejam elas definitivas ou meramente terminativas,

    conforme a norma expressa do artigo 513 do Código de Processo Civil.

    Legitimidade para recorrer: tendo o apelante sido parte no

    processo, é inequívoca a pertinência subjetiva do recurso, ex vi do artigo 499 do

    Estatuto Instrumental.

    Interesse recursal: o recurso é necessário para a reforma do

    conteúdo da decisão judicial, bem como útil para a obtenção de resultado prático

    mais favorável ao insurgente.

    Inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do poder de

    recorrer: não há no feito manifestação de renúncia ou desistência das irresignações,

    bem como aquiescência ao decisum.

    II. 2 – Dos requisitos extrínsecos:

    Tempestividade: a apelação foi interposta dentro do prazo

    legal, conforme se vislumbra junto à certidão constante no evento 117.1.

    Regularidade formal da interposição: a impugnação foi

    apresentada por meio de petição com a identificação da parte apelante e

    acompanhada das respectivas razões, nos moldes do artigo 514 do Código de

    Processo Civil.

    Preparo: o apelante não efetuou o preparo das custas, tendo

    em vista que ele não antecipa custas, conforme certidão presente no evento 117.1.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    13

    Destarte, positivo o juízo de admissibilidade, deve o

    recurso ser conhecido, sendo que, desde já, passa-se ao exame do mérito.

    III – Da fundamentação.

    No mérito, as insurgências não merecem provimento,

    porquanto despidos de fundamento os argumentos invocados pelo apelante.

    A sentença de primeira instância foi objetiva ao condenar o

    apelante na obrigação de fazer consistente em transferir os presos da Cadeia

    Pública de Marechal Cândido Rondon, na obrigação de não fazer consistente em

    não alocar novos presos nas vagas disponíveis, bem como na obrigação de fazer

    secundária de criar 150 (cento e cinquenta) vagas para abarcar os presos de

    Marechal Cândido Rondon, não havendo elementos capazes de modificar a decisão

    de mérito.

    III. 1 – Da Preliminar de impossibilidade jurídica do

    pedido:

    Pugna o apelante, Estado do Paraná, que seja reconhecida a

    impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento, em síntese, de que não se encontram entre as atribuições do Ministério Público e do Poder Judiciário a

    instrumentalização de políticas públicas, pois elas competiriam unicamente aos

    Poderes Legislativo e Executivo.

    Contudo, em que pesem tais argumentos, à luz da Carta

    Magna, a preliminar não merece acolhimento.

    Tem-se que, em síntese, os presos na Cadeia Pública local

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    14

    foram privados de suas liberdades e, ao mesmo tempo também, da dignidade, da

    saúde, do respeito às suas integridades física e mental, de qualquer forma de

    assistência, dentre outros. Essa privação afronta o princípio da dignidade da pessoa

    humana, estampado na Constituição da República Federativa do Brasil como um

    imperativo de justiça social.

    Assevera-se que a submissão dos presos a essa constante

    degradação humana é inadmissível, exigindo a pronta intervenção do Ministério

    Público, por ser a Instituição responsável pela fiscalização da execução da pena e da

    medida de segurança.

    Ainda, tem-se que a Cadeia Pública local está infectada por

    tuberculose, sendo doença incurável e capaz de causar epidemia em toda a cidade

    de Marechal Cândido Rondon, já que os presos não ficam apenas em sua cela

    (utilizou-se o singular porque são tão poucas celas – quatro no total para 140

    pessoas – que sequer vale a pena gastar o “s”), mas também saem para ir às

    audiências nos fóruns, têm contato com seus familiares, policiais civis e policiais

    militares.

    Ademais, a enorme população carcerária indica rebelião ou

    fuga próxima, sendo inclusive já afirmado por um dos detentos aos Promotores de

    Justiça Marcelo Augusto Ribeiro e Tiago Trevizoli Justo, quando de uma das visitas

    mensais à Delegacia de Polícia, que os presos estavam pensando em se rebelar, o

    que levou os membros do Parquet a tentar dissuadi-lo de tal ideia.

    Portanto, o Estado brasileiro, atuando de forma irresponsável

    em relação àqueles que estão à margem da sociedade, afastados de seu meio social,

    expõe a risco esta própria sociedade, por tornarem os presos cada vez mais

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    15

    perigosos, já que em regra a ressocialização do preso não é alcançada. Por seu

    turno, as autoridades públicas encarregadas da execução penal não podem, sob

    pena de crime de responsabilidade, deixar de agir contra a administração pública

    omissa no cumprimento de seus deveres para com a pessoa privada de liberdade.

    Desta feita, quando a escassez de vontade política estatal leva

    à ausência de recursos humanos, à deterioração do estabelecimento prisional, ao

    aviltamento da condição humana do encarcerado, em suma, ao completo

    desrespeito às normas de execução penal – a ponto de tornar insuportável o

    cumprimento das penas e expor a risco toda a sociedade – outro remédio não resta

    senão a inadiável interdição da carceragem e o fechamento das celas.

    Convém consignar que o Superior Tribunal de Justiça já

    firmou entendimento no sentido de que se a Administração deixar de promover as

    políticas públicas essenciais, o Ministério Público possuiria legitimidade para discutir

    tais demandas através da ação civil pública, ao que o Poder Judiciário poderia

    discutir o próprio mérito administrativo, conforme segue:

    ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO

    REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SANEAMENTO SANITÁRIO.

    LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

    PRECEDENTES DO STJ. PRETENSÃO RECURSAL

    QUE ENCONTRA ÓBICE NA SÚMULA N. 7 DO STJ.

    ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535

    DO CPC. SÚMULA N. 284 DO STF. 1. O Ministério

    Público detém legitimidade ativa para o ajuizamento de

    ação civil pública que objetiva a implementação de

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    16

    políticas públicas ou de repercussão social, como o

    saneamento básico ou a prestação de serviços públicos.

    Nesse sentido: REsp 743.678/SP, Rel. Ministro Mauro

    Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/09/2009;

    REsp 855.181/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda

    Turma, DJe 18/09/2009; REsp 137.889/SP, Rel. Ministro

    Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, DJ

    29/05/2000. (...) 3. A verificação da presença dos requisitos

    que autorizam o deferimento da liminar, no caso, depende do

    exame fático-probatório do que consta dos autos, o que, em

    sede de recurso especial, encontra óbice no entendimento

    contido na Súmula n. 7 do STJ. 4. Agravo regimental não

    provido. (STJ. AgRg no AREsp 50.151/RJ. Rel.: Ministro

    Benedito Gonçalves. 1ª Turma. j. em 03/10/2013. DJe

    16/10/2013).

    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO

    CIVIL PÚBLICA. TARIFA DE LIGAÇÃO

    INTERURBANA. REGIÃO METROPOLITANA. ÁREAS

    CONURBADAS. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO

    ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.

    LEGITIMIDADE PASSIVA DA ANATEL. MÉRITO

    ADMINISTRATIVO. ACÓRDÃO QUE RECONHECE A

    CONURBANIDADE, AMPARANDO-SE NA PROVA

    DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÕES DE

    CERCEAMENTO DE DEFESA, DE DESEQUILÍBRIO

    ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO E

    DEVER DE INDENIZAR NÃO CONHECIDAS POR

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    17

    ÓBICES SUMULARES. (...) 3. Ao Poder Judiciário não é

    vedado debater o mérito administrativo. Se a

    Administração deixar de se valer da regulação para

    promover políticas públicas, proteger hipossuficientes,

    garantir a otimização do funcionamento do serviço

    concedido ou mesmo assegurar o "funcionamento em

    condições de excelência tanto para o

    fornecedor/produtor como principalmente para o

    consumidor/usuário", haverá vício ou flagrante

    ilegalidade a justificar a intervenção judicial. 4. Hipótese

    em que o Tribunal de origem reconheceu, com base na prova

    dos autos, que o Município da Lapa pertence à Região

    Metropolitana de Curitiba em virtude de conurbanidade, "não

    apenas em termos urbanísticos mas também administrativos e

    sobretudo econômicos, comungando da movimentação

    regional". A revisão desse entendimento implica reexame de

    fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ. 5. A

    mesma orientação deve ser aplicada em relação à análise do

    cerceamento de defesa. 6. Veda-se a apuração de eventual

    desequilíbrio econômico-financeiro, em razão da Súmula

    5/STJ. 7. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão

    inapreciada pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de

    Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula 211/STJ. 8.

    Recursos Especiais não conhecidos. (STJ. REsp 1176552/PR.

    Rel. Ministro Herman Benjamin. 2ª Turma. j. em 22/02/2011,

    DJe 14/09/2011).

    No mesmo sentido é o posicionamento exarado pelo próprio

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    18

    Supremo Tribunal Federal:

    EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

    EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

    SEGURANÇA PÚBLICA. LEGITIMIDADE.

    INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.

    IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.

    OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério Público

    detém capacidade postulatória não só para a abertura do

    inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública

    para a proteção do patrimônio público e social do meio

    ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos

    [artigo 129, I e III, da CB/88]. Precedentes. 2. O Supremo

    fixou entendimento no sentido de que é função

    institucional do Poder Judiciário determinar a

    implantação de políticas públicas quando os órgãos

    estatais competentes, por descumprirem os encargos

    político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a

    comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a

    integridade de direitos individuais e/ou coletivos

    impregnados de estatura constitucional, ainda que

    derivados de cláusulas revestidas de conteúdo

    programático. Precedentes. Agravo regimental a que se

    nega provimento. (STF. RE 367432 AgR. Relator(a): Min.

    Eros Grau. 2ª Turma. j. em 20/04/2010. DJe-086 DIVULG

    13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-04 PP-

    00750).

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    19

    Assim sendo, vislumbra-se que é pacífico o entendimento de

    que o Ministério Público pode intervir quando o Estado se omite na implantação

    de políticas públicas, as quais envolvem a transgressão de direitos basilares.

    Por tais considerações e pelos motivos já expostos na inicial, o

    Ministério Público pugna pelo afastamento da preliminar alegada, no sentido do

    reconhecimento da ausência de condição da ação, por impossibilidade jurídica do

    pedido, devendo a sentença ser mantida.

    III. 2 – Da ofensa ao princípio da separação dos poderes.

    Da violação do Estado Democrático de Direito. Da lesão à ordem pública e à

    ordem econômica. Da ofensa ao princípio da reserva do possível:

    De outra senda, pugna o apelante pela reforma do decisum,

    aduzindo, em síntese, que é necessário observar o princípio da separação dos

    poderes, segundo o qual se delimita a atuação de cada Poder a fim de se evitar

    conflito de competência entre eles e a prevenção a sérios riscos à ordem pública e à

    segurança jurídica, o que também se confunde com eventual ofensa ao princípio da

    reserva do possível.

    Todavia, apesar dos argumentos sustentados pelo apelante,

    tem-se que os eles não comportam acolhimento.

    Conforme ensina Luiz Roberto Barroso1:

    O conteúdo nuclear e histórico do princípio da separação de Poderes pode

    ser descrito nos seguintes termos: as funções estatais devem ser divididas e atribuídas a órgãos 1 BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Costitucional Contemporâneo – Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    20

    diversos e devem existir mecanismos de controle recíproco entre eles, de modo a proteger os

    indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto. A separação de Poderes é um dos

    conceitos seminais do constitucionalismo moderno, estando na origem da liberdade individual e dos

    demais direitos fundamentais. Em interessante decisão, na qual examinava a possibilidade de

    controle judicial dos atos das Comissões Parlamentares de Inquérito, o Supremo Tribunal Federal

    identificou esse sentido básico da separação de Poderes com a vedação da existência, no âmbito do

    Estado, de instâncias hegemônicas, que não estejam sujeitas a controle.

    Nesse mesmo sentido expôs o Desembargador Relator Sidney

    Romano dos Reis em seu voto proferido na Apelação Cível nº 994.06.096464-8, TJ-

    SP, senão vejamos:

    A separação dos poderes é justamente a técnica pela qual o Poder é

    contido pelo próprio poder. Ê o sistema de freios e contrapesos (checks and balances, ou método

    das compensações), uma garantia de que os dogmas inseridos na Constituição Federal e que

    representam a vontade da maioria do povo serão cumpridos inclusive pelo Poder Público.

    Superada a fase do absolutismo, época marcada pela célebre frase de Luís XIV V etat c' est

    rríoi (o Estado sou eu), a administração do Estado passou a ser tripartida.

    Em que pese a conceituação ser clara sobre a independência

    dos poderes, no mesmo voto, o Desembargador Sidney Romano dos Reis expõe

    sobre sua relativização:

    De outro lado, o apelo da Fazenda do Estado, como de hábito, se

    sustenta na pretensa invasão da seara administrativa pelo, Judiciário, olvidando, todavia, e

    também como sempre, que não se pode deixar de garantir direitos que a Constituição afirme como

    inalienáveis, mormente quando o Poder Público não cumpra com sua obrigação legal, de sorte que,

    em havendo violação a direitos individuais ou coletivos, pode e deve o Judiciário compelir a

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    21

    Administração à observância do texto legal, nada havendo nisso de ativismo judicial, senão de

    cumprimento irrestrito da missão de entregar a tutela jurisdicional, até porque respeitado o devido

    processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

    Neste mesmo sentido é a jurisprudência pátria, senão

    vejamos:

    MANDADO DE SEGURANÇA - INTERDIÇÃO DA

    CADEIA PÚBLICA PELO JUIZ DA EXECUÇÃO -

    DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS

    PODERES - INOCORRÊNCIA - ESTABELECIMENTO

    QUE NÃO GARANTE OS DIREITOS À SAÚDE E

    SEGURANÇA DOS DETENTOS - OFENSA AO

    PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA -

    ART. 66, VIII, DA LEI Nº. 7.210/1984 -

    APLICABILIDADE. - A Administração não atua de forma

    isolada e totalmente independente na execução penal,

    sendo certo que o Poder Judiciário tem participação

    importante em tal atividade. - A Constituição da

    República impõe, em seu art. 5º, XLIX, o respeito à

    integridade física e moral dos presos, competindo, ao juiz

    da execução, interditar estabelecimento penal que estiver

    funcionando em condições inadequadas. (TJMG.

    Mandado de Segurança - Cr 1.0000.13.059355-1/000.

    Relator(a): Des.(a) Cássio Salomé. 7ª C. Criminal. j. em

    19/09/2013. Publicação da súmula em 26/09/2013).

    Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    22

    PÚBLICA. LIMINAR. REFORMA E CONSTRUÇÃO DE

    PRESÍDIO ESTADUAL. MUNICÍPIO DE ITAQUI.

    DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIGNIDADE DA

    PESSOA HUMANA. FUNDAMENTO DE UM ESTADO

    DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO.

    INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO PENAL.

    INCOMPETENCIA DO JUÍZO CÍVEL. LIMINAR

    CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1.

    Liminar contra a Fazenda Pública. A Constituição Federal de

    1988 estabelece e atenta para o postulado de que o cidadão

    tem direito à adequada tutela jurisdicional - aí incluídas as

    liminares - como decorrência do princípio da inafastabilidade

    do controle jurisdicional, estabelecendo em seu art. 5º, inc.

    XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder

    Judiciário lesão ou ameaça a direito". Isso quer dizer que

    nenhuma lesão ou mera ameaça de lesão de direito individual

    ou não, pode ser por lei infraconstitucional subtraída do

    conhecimento do Poder Judiciário, pena de

    inconstitucionalidade. 2. Incompetência do juízo cível. A

    competência para a interdição de presídios é do juiz da

    execução penal (art. 66, inciso VIII, da Lei de Execuções

    Penais). Tem legitimidade o órgão do Ministério Público para,

    nos autos da Ação Civil Pública, buscar a condenação do ente

    público a solucionar os problemas encontrados na instituição

    penal, inclusive a realizar obras para melhoramento das

    instalações, mas não o tem para pedir ao juízo cível,

    competente para a análise e julgamento da Ação Civil Pública,

    a interdição do estabelecimento penal, haja vista que a

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    23

    competência para interditar presídios, nos termos do que

    disciplina o art. 66, VIII, da LEP, é do juízo da execução

    penal. Competência absoluta e, portanto, improrrogável. 3.

    Mérito. Evidenciados os requisitos para o deferimento parcial

    da liminar que vem expressamente autorizada na Lei da Ação

    Civil Pública (art. 12 da Lei nº 7.347/85). 3.1 Direitos

    fundamentais e Dignidade da Pessoa Humana.

    Fundamento de um Estado que se diz Democrático e

    Social de Direito. Sem prejuízo dos princípios da

    Tripartição do Poderes e da Reserva do Possível, o

    enfoque a ser dado nestes autos deve ser outro, no plano

    dos Direitos Fundamentais, que jamais podem ser

    desvinculados do conceito de Estado Democrático e

    Social de Direito. Viola substancialmente o postulado

    constitucional da dignidade da pessoa humana a

    aglomeração sub-humana de presos na Penitenciária

    Estadual de Itaqui, em número muito superior às vagas

    existentes, e a precariedade das instalações. Localização

    do Presídio - no centro da cidade - que agrava ainda mais

    a situação caso levada a efeito uma rebelião, cuja

    possibilidade, haja vistas as insustentáveis e indignas

    instalações, sem quaisquer condições de higiene e

    segurança, inclusive com um numero menor de camas do

    que de presos, é cada vez mais iminente. Trata-se, ainda,

    de uma questão de segurança pública; logo, de proteção

    não apenas à dignidade dos encarcerados, mas da

    segurança de toda a coletividade. 3.2 Tutela de Direitos

    Fundamentais por meio de Ação Civil Pública. Em nome da

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    24

    garantia do acesso à justiça, todos os meios previstos na

    Constituição para a tutela dos direitos fundamentais devem ser

    permitidos, enquadrando-se, nestes, portanto, a Ação Civil

    Pública, observadas, por evidente, as disposições da Lei nº

    7.347/85 e da própria CF (art. 129, III). 3.3 Tripartição dos

    Poderes. Poder Discricionário. Limites. Proibição de

    Retrocesso. A despeito da alegação do Estado de que há

    violação ao poder discricionário da Administração

    Pública, em que pese não se possa desconsiderar a

    conveniência e oportunidade, de forma a relegar qualquer

    interferência judicial, pena de afronta ao princípio da

    separação dos poderes, a violação de direitos

    fundamentais, sobretudo a uma existência digna, haja

    vista a inércia do Poder Executivo, legitima o controle

    judicial. 3.4 Da Reserva do Possível. O princípio da

    reserva do possível não se aplica quando se está diante de

    direitos fundamentais, em que se busca preservar a

    dignidade da vida humana, consagrado na Constituição

    Federal de 1988 como um dos fundamentos do nosso

    Estado Democrático e Social de Direito (art. 1º, inciso III,

    da Constituição Federal). 3.5 Da astreinte. Natureza

    coercitiva, e não punitiva. Visa um fazer por parte do

    Poder Público. Incidente, portanto, a regra do art. 461,

    §4º, do Código de Processo Civil. Valor adequado, haja

    vista a natureza do direito em discussão. REJEIÇÃO DE

    UMA PRELIMINAR E ACOLHIMENTO PARCIAL DA

    OUTRA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJRS.

    Agravo de Instrumento nº 70034484964. 1ª C. Cível. Relator:

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    25

    Carlos Roberto Lofego Canibal. j. em 26/05/2010).

    E M E N T A – APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –

    MELHORIA DA SEGURANÇA PÚBLICA –

    PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE AFASTADA –

    ALEGAÇÕES DE NULIDADE DA SENTENÇA –

    INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, IMPOSSIBILIDADE

    JURÍDICA DO PEDIDO, FALTA DE INTERESSE DE

    AGIR – AFASTADAS – POSSIBILIDADE DO

    JUDICIÁRIO ADENTRAR NO ÂMBITO DA

    DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO –

    DEVER DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS

    NORTEADORES – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO

    DE MULTA – VALOR REDUZIDO – RECURSO

    PARCIALMENTE PROVIDO. A alegação de incompetência

    do juízo falece de fundamento, pois a competência do juízo a

    quo possui respaldo expresso na Lei que disciplina a Ação Civil

    Pública - art. 2º da Lei 7.347/85. Evidente o interesse do

    Ministério Público resguardar que a segurança pública seja

    promovida com eficiência e, de outro lado, a Ação Civil

    Pública se mostra instrumento adequado para tanto, nos

    termos da respectiva legislação, o que reflete, inclusive, na

    possibilidade jurídica do pedido, que encontra respaldo na

    LACP. Diante do conjunto fático apresentado nos autos,

    mormente em relação às condições precárias da

    segurança pública de Camapuã/MS, mostra-se correta a

    sentença de primeiro grau em acolher o pedido inicial e

    determinar as melhorias necessárias à sua efetivação. O

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    26

    STJ já assentou entendimento no sentido de ser possível

    ao Judiciário adentrar ao âmbito discricionário da

    Administração quando seus atos se afastarem de seus

    princípios basilares, como moralidade, razoabilidade,

    eficiência, etc. A mera alegação de falta de recursos não pode

    ser utilizada para, por si só, afastar o dever estatal previsto

    constitucionalmente. É possível a aplicação de multa

    cominatória m face do Estado, que, no presente caso, mostra-

    se excessiva, impondo-se sua redução. Recurso parcialmente

    provido. (TJMS. Apelação n. 0500622-87.2006.8.12.0006.

    Camapuã. 2ª C. Cível. Relatora: Des. Tânia Garcia de Freitas

    Borges. j. em 29/01/2013).

    EMENTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBRIGAÇÃO DE

    FAZER E NÃO FAZER POLÍTICA PÚBLICA -

    Superlotação de cadeias públicas da comarca de Cerqueira

    César - Pretensão de obrigar o Estado à remoção e à limitação

    de presos de estabelecimento prisional Sentença que julgou o

    pedido prejudicado com relação a uma das cadeias, por

    carência superveniente, e procedente o pedido com relação à

    outra Reexame necessário e apelação do réu. CONTROLE

    JURISDICIONAL DA POLÍTICA PÚBLICA.

    Possibilidade. Conceitos e limites. Hipótese em que a

    omissão estatal é persistente e duradoura. A crise de

    superpopulação carcerária não pode significar a falta de

    solução do problema. Deficiência da política pública que

    deve ser corrigida perante o Judiciário. SENTENÇA

    MANTIDA. Reexame necessário e recurso desprovido. (TJSP.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    27

    Apelação nº 0003828-77.2006.8.26.0136. Cerqueira César. 8ª C.

    de Direito Público. Relator: João Carlos Garcia. j. em

    14/11/2012).

    Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da

    ADPF 45, atribuiu a seguinte interpretação ao Princípio da Separação dos Poderes:

    É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções

    institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de

    formular e de implementar políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente,

    nos Poderes Legislativo e Executivo.

    Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá

    atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os

    encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a

    eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura

    constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

    Segundo o Ministro Relator Celso de Mello, [...] se tais Poderes

    do Estado (referindo-se ao Executivo e Legislativo) agirem de modo irrazoável ou

    procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais,

    econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou

    de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um

    conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria

    sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até

    mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do

    Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido

    injustamente recusada pelo Estado.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    28

    Nesta mesma linha de raciocínio, o Ministro Humberto

    Martins, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental no

    Recurso Especial (AgRg no REsp nº 1136549 RS 2009/0076691-2)2, assim proferiu:

    [...] se prevalecesse o entendimento de que, em face do princípio da

    separação dos poderes, estaria o Judiciário impedido de corrigir distorções em matéria de políticas

    públicas, a efetivação de outros princípios igualmente constitucionais ficaria comprometida, o que

    contraria a hermenêutica atual que privilegia a harmonização das normas e princípios

    constitucionais conflitantes, de modo a buscar a máxima eficácia possível de ambos, e assim evitar

    que a aplicação de um implique na exclusão total de outro.

    Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da

    Constituição, em relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico da máxima

    efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem suas normas em ordem a

    otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o conteúdo.

    Nesse sentido, a correta interpretação do princípio da separação dos

    Poderes, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação

    do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei.

    Fora daí, quando a Administração extrapola os limites da competência

    que lhe fora atribuída e age sem sentido, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada,

    descabe a aplicação do referido princípio, e autorizado se encontra o Poder Judiciário a reconhecer

    que o Executivo não cumpriu com sua obrigação legal, agredindo com isso, direitos difusos e

    coletivos, e a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.

    2 Disponível em

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    29

    O sistema jurídico deve ser analisado sob a premissa de que todos os seus

    postulados estão em harmonia, sob pena de se quebrar a lógica intrínseca do próprio sistema.

    Ora, diante de um ordenamento jurídico que consagra o princípio da separação dos Poderes, e que

    também impõe ao Poder Público a prática de atividades positivas destinadas a efetivar os direitos

    sociais, a melhor interpretação é aquela que se coaduna com os dois postulados.

    Em suma, a atuação do Poder Judiciário no controle das políticas

    públicas não se pode dar de forma indiscriminada, pois isso violaria o princípio da separação dos

    Poderes. No entanto, quando a Administração Pública, de maneira clara e indubitável, viola

    direitos fundamentais por meio da execução ou falta injustificada de programas de governo, a

    interferência do Poder Judiciário é perfeitamente legítima e serve como instrumento para

    restabelecer a integridade da ordem jurídica violada.

    Firmando o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

    “ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE

    POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS

    EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE –

    FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS –

    MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO

    PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO

    PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO

    OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO

    MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos

    sociais ficar condicionados à boa vontade do

    Administrador, sendo de fundamental importância que o

    Judiciário atue como órgão controlador da atividade

    agrg-no-resp-1136549-rs-2009-0076691-2/inteiro-teor-14602764>. Acesso em 05/09/2013.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    30

    administrativa. Seria uma distorção pensar que o

    princípio da separação dos poderes, originalmente

    concebido com o escopo de garantia dos direitos

    fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como

    óbice à realização dos direitos sociais, igualmente

    fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso

    no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho

    jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de

    determinada política pública nos planos orçamentários do ente

    político, mormente quando não houver comprovação objetiva

    da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal [...]”.

    (STJ - AgRg no REsp: 1136549 RS 2009/0076691-2, Relator:

    Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento:

    08/06/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação:

    DJe 21/06/2010).

    Assevera-se, por tal, que se está diante de Direitos

    Fundamentais, ao que deve se sobressair a Dignidade da Pessoa Humana, e

    sem prejuízo das argumentações levantadas pelo apelante, o enfoque a ser

    dado nestes autos deve ser outro, no plano dos Direitos Fundamentais, que

    jamais podem ser desvinculados do conceito de Estado Democrático e Social

    de Direito.

    Portanto, evidencia-se que viola substancialmente o postulado

    constitucional da dignidade da pessoa humana a aglomeração sub-humana de

    presos na Cadeia Pública local Cândido Rondon, o que também gera sérios riscos

    de saúde para os presos e a sociedade local, repercutindo até mesmo na segurança

    pública, ante a eminência de rebeliões e fuga de presos, ameaçando sobremaneira a

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    31

    tranquilidade e segurança da pacata população rondonense.

    Desta forma, a alegação do apelante de que a remoção dos

    presos e construção de nova unidade prisional local, implicariam consequente

    ofensa a tripartição dos poderes e geraria grave lesão à ordem administrativa,

    ofendendo também o princípio da reserva do possível, ante os fundamentos

    lançados, tem-se que a argumentação é descabida de qualquer razão, ao que se

    pugna pela manutenção da sentença prolatada pelo Juízo a quo.

    III. 3 – Da ausência de omissão estatal. Das condições

    verificadas na Cadeia Pública de Marechal Cândido Rondon:

    Ainda, sustenta o apelante de que não se verifica omissão

    estatal para a resolução do problema relacionado à superlotação da Cadeia Pública

    de Marechal Cândido Rondon, todavia, em que pesem tais argumentos, tem-se que

    tais alegações não merecem prosperar, na medida em que as atuais condições

    verificadas no ergástulo público já ocorrem por várias décadas, sem a ocorrência de

    qualquer atuação estatal com vistas a modificar a decadente situação do local.

    Conforme fartamente demonstrado nos autos, é de

    conhecimento público que, há décadas, a Cadeia Pública local não comporta as

    mínimas condições legais para manter os presos provisórios e condenados.

    A lotação carcerária é um problema constante nesta Comarca,

    sendo que apesar de já terem sido solicitadas providências por diversas vezes da

    Secretaria de Segurança Pública e da Secretaria de Justiça, de forma a se solucionar

    os problemas verificados, tais órgãos têm permanecido simplesmente inertes.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    32

    No caso, o ambiente do prédio em que os presos são reclusos

    é insalubre, sem qualquer condição de conforto, higiene, iluminação e aeração, o

    que se evidencia junto aos laudos apresentados com a inicial.

    Ademais, no local praticamente não há incidência de luz solar,

    as instalações elétricas são precárias, oferecendo risco de curto-circuito, os

    banheiros são infectos, além de que existem odores e sujeiras que causam náuseas e

    incômodos aos segregados, bem como surtos de tuberculose e outras doenças.

    Não bastasse isso, a Cadeia Pública apresenta inúmeros casos

    de fugas de presos, as quais são decorrentes da própria superlotação, sendo que em

    razão desta, não são menores os temores de uma fuga em massa e rebelião, que

    oferecem sérios riscos aos funcionários e a própria sociedade.

    Junto à inicial foram acostados diversos laudos, os quais, em

    suma, não apontam para conclusões diversas das já tratadas, no sentido da

    impossibilidade de se continuar utilizando a Cadeia Pública local, porquanto esta

    não suporta o número excessivo de presos que estão alojados frente às vagas

    existentes, além da própria condição estrutural do prédio, que é caótica e precária.

    Toda a situação evidenciada nos autos configura flagrante

    afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo que a constante

    submissão dos presos a esta constante degradação humana é inadmissível,

    demandando por solução que não pode mais esperar a ação do Estado, o qual,

    embora transcorridos vários anos, ainda permanece inerte, sem realizar qualquer

    melhoria tendente a solucionar os problemas verificados de forma definitiva.

    Na época da propositura da Ação Civil Pública, conforme

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    33

    mencionado, havia 140 (cento e quarenta) detentos custodiados na Delegacia de

    Marechal Cândido Rondon, quando esta possuía capacidade apenas para 18

    (dezoito) presos.

    Outrossim, consoante se observa junto as gravações realizadas

    na Inspeção Judicial (evento 82.1), verifica-se que a situação em nada se alterou,

    porquanto a superlotação ainda é latente, na medida em que existiriam cerca de 160

    (cento e sessenta) presos ocupando as 18 (dezoito) vagas disponíveis.

    Neste caso, diante do disposto no Auto Circunstanciado que

    foi realizado da Inspeção Judicial (evento 82.1), afere-se de forma indubitável que

    em todos os pavimentos da Cadeia Pública local existem detentos em número

    excessivamente superior à capacidade das celas.

    No Auto Circunstanciado (evento 82.1), ainda se dispõe de

    que “em todos (sic) as alas não existe selas separadas, existe apenas paredes e grades entre as

    alas, sendo que as condições da cadeia pública local são precárias, celas com muita umidade,

    pouca ventilação e infiltração de luz solar”.

    Diferentemente não demonstram as fotografias realizadas das

    instalações da Cadeia Pública local (evento 82.2), as quais retratam de forma

    fidedigna a imundície a que os presos estão submetidos, violando severamente seus

    poucos direitos assegurados constitucionalmente, que ainda assim deveriam

    permanecer intactos, apesar de estarem recolhidos pela prática de crimes.

    Ainda, no que tange ao áudio da gravação realizada na data da

    Inspeção Judicial (evento 82.2), denote-se que após o douto Magistrado fazer

    alguns questionamentos a preso que falava como representante do grupo de

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    34

    detentos, este passou informações como a de que em cada colchão dormiriam 03

    (três) pessoas, além do fato de que a alimentação fornecida pelo Estado não possuir

    condições de consumo, sendo que é rotina os familiares levaram a alimentação que

    é consumida pelos presos, bem como, tal detento também relatou que sequer

    existia efetivo para levar os presos com problemas de saúde para receberem

    atendimento médico.

    O relato do preso, conforme exposto acima, é apenas um

    indicativo da lastimável situação que está instalada na Cadeia Pública local e que

    não pode continuar recebendo meros paliativos por parte do Estado, todavia,

    demanda de uma solução imediata e eficaz, que somente será alcançada com a

    transferência dos presos e construção de um novo prédio para a Cadeia Pública.

    De outra senda, a título exemplificativo, conforme conversas

    realizadas juntamente com funcionários, na data da realização da Inspeção Judicial,

    em relação aos servidores do SEJU – 47ª DRP, verifica-se que atualmente são

    disponibilizados um total de 04 (quatro) agentes masculinos e 01 (um) agente

    feminino para custódia dos presos, todavia, o recomendado seriam cerca de 12

    (doze) agentes masculinos e 03 (três) agentes femininos, o que demonstra a

    precariedade do próprio efetivo de segurança que atualmente é disponibilizado,

    propiciando sérios riscos de fugas, além de ameaçar a integridade física dos poucos

    funcionários existentes.

    Debruçando-se sobre os laudos produzidos em Juízo, tem-se

    que eles apenas vêm a confirmar o que já está fartamente demonstrado nos autos,

    quanto à impossibilidade da Cadeia Pública local continuar abrigando presos.

    Assim sendo, em relação ao Relatório de Inspeção

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    35

    apresentado pela Vigilância Sanitária (eventos 87.1), o qual também se faz assinado

    pelo médico, Dr. Ronaldo Branco, tem-se que o profissional, após fazer um relato

    das condições de toda a estrutura da Cadeia Pública, conclui de que “o local encontra-

    se em péssimas condições sanitárias, havendo necessidade urgente de interdição, pois

    está superlotado e as condições de infraestrutura, não remetem a reforma,

    havendo necessidade da construção de uma nova estrutura em local

    específico”.

    O Relatório de Inspeção da Vigilância Sanitária é esclarecedor,

    na medida em que relata que não existiria outra medida senão a urgente interdição

    da Cadeia Pública, assim como, dispõe de que a infraestrutura como um todo está

    comprometida, demandando pela imperiosa necessidade de construção de uma

    nova estrutura para abrigar os presos.

    Assevera-se que desconsiderar tal Relatório elaborado pela

    Vigilância Sanitária é como fechar os olhos para a realidade do sistema prisional

    local, o que já tem sido feito pelo Estado de forma irresponsável e desumana por

    décadas e que não pode continuar a se repetir indefinidamente.

    Também, com relação ao Relatório de Vistoria do Corpo de

    Bombeiros (evento 88.1), evidencia-se que no ofício n. 21/3ºSGB/4ºGB, o qual

    veio a encaminhar o respectivo Relatório, faz-se uma conclusão da situação

    constatada na Cadeia Pública que em nada se alterou desde a data da última vistoria

    que havia sido realizada, sendo ressaltado que “(...) referente à 47 DRP – Secretaria

    de Estado de Segurança Pública, de propriedade da Secretaria de Estado de

    Segurança Pública, com aproximadamente 650 m2, a qual se encontra ainda em desacordo

    com as normas do Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico do Corpo de

    Bombeiros do Paraná, devendo regularizar as pendências que constam no atualizado

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    36

    relatório de vistoria nº 760279/2014”. (grifo do autor).

    Evidencia-se no Relatório de Vistoria do Corpo de Bombeiros

    (evento 88.1) uma série de irregularidades, ao que a situação observada na Cadeia

    Pública está em flagrante desacordo com o Código de Segurança Contra Incêndio e

    Pânico do Corpo de Bombeiros do Paraná, sendo que o prédio sequer conta com

    Projeto de Prevenção de Incêndio, demonstrando de forma preocupante ao grave

    risco a que os presos estão submetidos, assim como os próprios funcionários.

    Por oportuno, convém fazer menção também ao Relatório de

    Vistoria elaborado pelo engenheiro civil da Prefeitura Municipal de Marechal

    Cândido Rondon, Sr. Romeu Akio Shinkawa (evento 89.1), no qual se trata, dentre

    as diversas exposições acerca da estrutura do prédio, apontando-se principalmente

    para o fato de que “dentro da cela principal, similar a uma residência com uma só porta de

    entrada, a planta apresenta excesso de repartições, formada por corredores, dormitórios e sanitário

    o que acarreta falta de segurança aos agentes penitenciários e aos próprios detentos que têm

    relativa liberdade para agressões internas e articulações diversas, principalmente de fuga.

    Agravada pela superlotação gritante, mostra-se um perigo constante para os agentes locais que em

    caso de um eventual motim organizado, terão grande dificuldade de controlar a situação.

    Apresenta falta de ventilação e excesso de umidade e calor, ambiente propício para propagação de

    doenças. As instalação elétricas estão em situação precária, existindo várias ligações improvisadas

    que podem causar acidentes. (...). Salas de carceragem feminina e de isolamento: apresentam ser

    muito pequenas para a quantidade de detentos alojados, apresentam os mesmo (sic) problemas de

    ventilação e excesso de umidade e calor (...)”.

    O respectivo laudo do engenheiro civil (evento 89.1) então

    traz a conclusão de que “a estrutura física da Delegacia não apresenta

    condições de funcionamento com a quantidade de detentos existentes. É

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    37

    visível que o espaço físico da Delegacia fora construído e dimensionado para

    a cidade dos anos 70, com demanda, população e índices de criminalidade

    muito inferiores aos dias de hoje. A edificação aparentemente não apresenta riscos

    estruturais, mas a superlotação de detentos, somada a péssima disposição dos ambientes e a sua

    insalubridade tornam a Delegacia um perigo iminente aos agentes locais, aos detentos e a

    comunidade local”.

    Evidencia-se que o Relatório de Vistoria elaborado pelo

    engenheiro civil (evento 89.1) igualmente traz informações preocupantes acerca da

    estrutura do prédio da Cadeia Pública, ao que se ressalta que a estrutura é

    substancialmente precária, assim como é relatado que o prédio não apresenta as

    mínimas condições de comportar o número de presos atualmente recolhidos,

    oferecendo sérios riscos não somente aos presos, mas também aos funcionários e a

    comunidade local.

    Em cotejo a malha probatória colacionada aos autos, ressalta-

    se que não pairam dúvidas acerca da evidente necessidade de se realizar a interdição

    da Cadeia Pública local, bem como da extrema urgência em se edificar um prédio

    condizente com as atuais necessidades de lotação carcerária e com estrutura

    igualmente apta a comportar os presos que a ele serão destinados.

    Portanto, em razão de não restar medida diversa a ser adotada

    e porquanto verificado de forma indubitável que o Estado se mantém inerte em

    buscar solução eficaz para a atual situação observada na Cadeia Pública de Marechal

    Cândido Rondon, pugna-se pela manutenção integral da sentença prolatada pelo

    Juízo a quo.

    III. 4 – Das alegações quanto à remoção de presos e das

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    38

    providências para normalização da situação carcerária na Comarca de

    Marechal Cândido Rondon. Da ausência de vagas. Impossibilidade Fática

    de Remanejamento:

    Ainda, alega o apelante, em síntese, que existe a

    impossibilidade fática de remoção dos presos, porquanto há ausência de vagas,

    trazendo diversos argumentos que buscam unicamente legitimar a omissão estatal

    no que se refere à disponibilização das vagas, todavia, assevera-se que tais

    argumentos não merecerem prosperar, porquanto desprovidos de razoabilidade.

    Ressalta-se que embora o Estado venha a demonstrar que está

    em suposta via de efetivar melhorias em diversas Penitenciárias e Cadeias Públicas

    da região, bem como realizar novas construções, o debate em torno da péssima

    situação observada na Cadeia Pública local ficou reduzido a segundo plano, ao que

    busca até mesmo atribuir ao Município a responsabilidade pela disponibilização de

    terreno para eventual construção, contudo, não age de forma efetiva,

    demonstrando que possui realmente interesse em solucionar os graves problemas

    relatados na inicial e comprovados ao longo da instrução do processo.

    Por tal, convém reiterar integralmente os argumentos

    dispostos na inicial, porquanto os diversos problemas observados na Cadeia

    Pública local não podem simplesmente esperar por mais tempo, demandam,

    outrossim, de uma resposta imediata e efetiva por parte do Estado do Paraná, na

    medida em que a precariedade da situação prisional é latente, e clama por uma

    solução definitiva.

    A omissão estatal até então verificada quanto aos presos locais

    não pode perdurar indefinidamente, sob o argumento da falta de recursos, bem

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    39

    como de discursos genéricos de que se está trabalhando para que a situação possa

    melhorar.

    Ademais, a título de exemplificação, é sabido que vultosos são

    os gastos por parte do apelante com propaganda institucional, sendo certo que tais

    valores poderiam muito bem ser melhor empregados a exemplo da reivindicação

    objeto da presente.

    A inação estatal ofende direitos humanos fundamentais e

    inalienáveis dos presos previstos em lei; não proporciona ao encarcerado as

    condições de reinserção social; e, ao contrário, os conduzem para a reincidência

    criminosa, na medida em que lhe retira a crença na Justiça e nas autoridades

    públicas, as quais, elas próprias, não vêm cumprindo a lei. Tornam os encarcerados

    cada vez mais perigosos, pois aprendem condutas mais graves na “universidade do

    crime”, trocando “experiências” com os presos que praticam infrações de maior

    lesividade.

    Ressalta-se que através de dados obtidos do dia em que foi

    feita a vistoria pela Vigilância Sanitária, a Cadeia Pública contava com 143 (cento e

    quarenta e três) detentos em local com capacidade para 18 (dezoito). Tal situação,

    por si só, já é sub-humana, e não pode mais se prolongar.

    Outrossim, os anos têm passado e a situação só tem piorado

    constantemente, o que causa extrema indignação a estes Promotores de Justiça e a

    toda sociedade local. O ambiente dessa delegacia é insalubre e estão ausentes as

    condições básicas de conforto, higiene, iluminação e aeração, conforme se constata

    dos laudos juntados; a umidade relativa do ar é bastante elevada, pois praticamente

    não há incidência de luz solar e ventilação adequada, já sendo o clima de Marechal

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    40

    Cândido Rondon notoriamente úmido em decorrência da proximidade com o Rio

    Paraná; as instalações elétricas são precárias e existe risco de curto-circuito; os

    banheiros são infectos; há imundície de toda a espécie pelo chão e o odor causa

    náuseas e outros incômodos nos segregados. Há surtos de tuberculose e outras

    doenças. A Cadeia Pública foi reformada diversas vezes para evitar as fugas – que

    são frequentes (houve a fuga de quase duas centenas de presos desde março de

    2007) – e a superlotação gera grande risco de fugas em massa e rebelião, conforme

    relatado no Boletim de Ocorrência nº 2013/342108 (fls. 30 e 31 dos autos de

    Procedimento Preparatório nº MPPR-0085.13.000045-9) e fotografias de fls. 32/36

    dos mesmos autos já citados.

    Por tal, denota-se que a situação observada na Cadeia Pública

    local é deverás particular, que envolve não somente a ressocialização do preso, que

    é problemática em diversas unidades prisionais do Estado, mas a estrutura do local

    é propícia para a ocorrência de fugas e até mesmo de eventual rebelião,

    acarretando, ademais, o próprio agravamento da saúde dos presos, que vêm a

    incidir de forma reflexa na população local.

    Portanto, os argumentos lançados pelo Estado são vazios e

    não relevam a situação particularmente observada na Cadeia Pública local, que é

    degradante, demandado urgentemente pela efetiva implantação de uma nova

    unidade prisional local.

    No presente caso, embora relevantes os fundamentos do

    Estado, esses devem ser analisados a luz da situação observada na Cadeia Pública

    local, e por tal, não merecem ser acolhidos, posto que em nada ilidem a omissão

    estatal até então existente, de forma a melhorar a estrutura prisional local.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    41

    Pelo exposto, diante dos argumentos elencados, devidamente

    fundamentos, pugna-se pelo afastamento das teses levantadas pelo apelante, com a

    manutenção integral da sentença prolatada pelo Juízo a quo.

    III. 5 – Das astreintes cominadas ao Estado do Paraná:

    De outra senda, sustenta o apelante de que a Administração se

    sujeita a regras próprias e por conta disso a imposição de multas diárias como

    instrumento de eficácia das decisões judiciais não pode ser aplicada contra a

    Fazenda Pública.

    Todavia, tal fundamento também não merece prosperar.

    Destaca-se que inexiste qualquer impedimento quanto à

    aplicação da multa diária cominatória contra a Fazenda Pública nos feitos que

    envolvem o descumprimento de obrigação de fazer e não fazer. Muito pelo

    contrário, tal cominação se mostra como instrumento eficaz de coerção para que o

    gestor estatal cumpra com as obrigações determinadas judicialmente.

    Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

    é pacífica:

    PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA.

    VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC NÃO

    CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE

    PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. MULTA

    CONTRA A FAZENDA. POSSIBILIDADE. LEI LOCAL.

    APRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. 1. A competência para

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    42

    apreciar o recurso de Agravo é do Relator, mediante decisão

    monocrática, como se observa no RISTJ. Ademais, o art. 557

    do CPC instituiu a possibilidade de, por decisão monocrática,

    inadmitir recurso, entre outras hipóteses, quando

    manifestamente improcedente ou contrário a súmula ou

    entendimento já pacificado por jurisprudência de Tribunal ou

    de Cortes Superiores. Ademais, eventual nulidade na decisão

    monocrática do Relato fica superada com a reapreciação da

    matéria, na via do Agravo Regimental, pelo órgão colegiado.

    Precedentes do STJ. 2. Não se conhece de Recurso Especial

    quanto a questão não especificamente enfrentada pelo

    Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento.

    Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF. 3. É cabível,

    mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa

    diária (astreintes) como meio executivo para

    cumprimento de obrigação de fazer (art. 461 do CPC).

    Precedentes do STJ. 4. Ao STJ não cabe dirimir controvérsia

    com base em lei local (Lei Municipal 11.722/1995). Aplicação,

    por analogia, da Súmula 280/STF 5. Agravo Regimental não

    provido (grifo nosso).

    ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MUNICÍPIO.

    OBRAS DE AMPLIAÇÃO DE CEMITÉRIO. FIXAÇÃO

    DE MULTA DIÁRIA. EXCLUSÃO PELO TRIBUNAL DE

    ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA

    7/STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. A possibilidade

    de aplicação de astreintes à Fazenda Pública é pacifica

    na jurisprudência desta Corte; o cerne da discussão no caso

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    43

    vertente é a decisão do Tribunal de origem, que afastou a

    multa fixada em primeira instância. 2. Rever a decisão do

    acórdão recorrido importaria no revolvimento do conjunto

    fático-probatório dos autos, pois necessário seria reavaliar as

    razões que levaram o Tribunal de origem a afastar a multa

    aplicada, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.Agravo

    regimental improvido.” (AgRg no REsp 1305496/RS, Rel.

    Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,

    julgado em 15/05/2012, DJe 21/05/2012) (grifo nosso).

    PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO

    AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL

    PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA.

    MULTA DIÁRIA IMPOSTA À FAZENDA PÚBLICA POR

    DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE

    FAZER.POSSIBILIDADE. 1. Cuida-se, originariamente, de

    agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeira

    instância que estipulou multa diária no valor de R$ 2.000,00

    (dois mil reais), caso fosse descumprido o prazo de 60

    (sessenta) dias para a entrega do estudo antropológico

    respeitante à identificação e à delimitação da Terra Indígena

    Mato Preto. 2. É cabível, mesmo contra a Fazenda

    Pública, a cominação de multa diária - astreintes - como

    meio coercitivo para cumprimento de obrigação de fazer

    (fungível ou infungível) ou para entrega de coisa.

    Precedentes: AgRg no Ag 1.352.318/RJ, Relator Ministro

    Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 25/2/2011; AgRg

    no AREsp 7.869/RS, Relator Ministro Humberto Martins,

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    44

    Segunda Turma, DJe 17/8/2011; e AgRg no REsp

    993.090/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura,

    Sexta Turma, DJe 29/11/2010. 3. No caso sub examine, o

    Tribunal a quo, ao dar provimento parcial ao agravo de

    instrumento, para reduzir o valor da multa diária para R$

    1.000,00 (um mil reais), asseverou que a ação originária "[...]

    foi ajuizada em junho de 2006, sem que, até o momento,

    tenha sido concluído o Relatório Circunstanciado de

    Identificação e Delimitação da Terra Indígena Mato Preto,

    única e exclusivamente em razão da mora da FUNAI, que

    recebeu inúmeras vezes a prorrogação de prazo para a

    conclusão do seu trabalho [...] (fl. 168). 4. Agravo regimental

    não provido.”(AgRg no AREsp 23.782/RS, Rel. Ministro

    BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado

    em 20/03/2012, DJe 23/03/2012) (grifo nosso).

    Assim, assevera-se que tal alegação não merece acolhimento,

    ao que se pugna pela manutenção integral da sentença prolatada pelo Juízo a quo.

    III. 6 – Da multa diária dirigida às pessoas do

    Governador e Secretário de Segurança Pública do Estado:

    Por fim, aduz o apelante pela impossibilidade de fixação de

    multa diária ao Governador e Secretário de Segurança Pública do Estado, todavia,

    em que pesem tais argumentos, tem-se que os mesmos não merecem prosperar.

    Salienta-se que a fixação da multa diária possui previsão legal

    no art. 11, da Lei n. 7.347/85, nos seguintes termos:

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    45

    Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

    fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da

    atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução

    específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou

    compatível, independentemente de requerimento do autor.

    Na mesma esteira, convém destacar que o art. 461, do Código

    de Processo Civil, também remonta a possibilidade de o magistrado determinar

    providências para assegurar o adimplemento da obrigação, conforme segue:

    Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

    fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se

    procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado

    prático equivalente ao do adimplemento.

    Desta feita, conforme já exposto, não se olvida da

    possibilidade de fixação da multa diária para a Fazenda Pública, todavia, tem-se que

    a medida, por vezes, torna-se infrutífera, porquanto o gestor público responsável

    pelo cumprimento das obrigações de fazer e não fazer permanece inerte.

    Assim sendo, evidenciada a inércia do agente público,

    assevera-se que o comando judicial por certo não produzirá os efeitos almejados,

    apesar de já existirem astreintes cominadas à própria Fazenda Pública.

    Ademais, considerando as peculiaridades do caso concreto, de

    salutar importância se faz a cominação da astreintes direcionada as autoridades

    responsáveis pelo cumprimento da determinação judicial, porquanto se trata de

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    46

    mecanismo que imprime maior eficácia à ordem emanada do Poder Judiciário.

    Nesse sentido, consoante entendimento esposado em julgados

    oriundos de diversos Tribunais de Justiça, tem-se que a multa pode ser aplicada ao

    gestor responsável pelo cumprimento da ordem judicial, conforme segue:

    Agravo de Instrumento – Acidente do Trabalho –

    Implantação do benefício – Obrigação de fazer (art. 461 do

    CPC) – Imposição de sanção ao procurador autárquico –

    Descabimento – Cominação que deve recair na pessoa do

    agente público competente para o cumprimento da

    ordem – Agravo provido. (TJSP. Agravo de Instrumento n.

    2029044-79.2013.8.26.0000. Rel.: Nelson Biazzi. 17ª C. de

    Direito Público. j. em 25/03/2014).

    AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA

    - PEDIDO INICIAL BUSCANDO CONDENAÇÃO EM

    OBRIGAÇÃO DE FAZER - FIXAÇÃO DE ASTREINTE

    EM DESFAVOR DA PESSOA DO AGENTE PÚBLICO -

    POSSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA - RECURSO

    DESPROVIDO. "2. A cominação de astreintes prevista

    no art. 11 da Lei nº 7.347/85 pode ser direcionada não

    apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às

    autoridades ou aos agentes responsáveis pelo

    cumprimento das determinações judiciais." (REsp Nº

    1.111.562 / RN, rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j.

    25.08.2009). (TJSC. Agravo de Instrumento n. 2010.042338-8.

    Joaçaba. Rel.: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz. j. em

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    47

    01/03/2011).

    No caso, convém fazer menção a fundamentação utilizada

    pelo Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz para emitir seu voto, junto ao

    Agravo de Instrumento n. 2010.042338-8, TJSC, oportunidade em que tratou com

    propriedade acerca da possibilidade de aplicação das astreintes também para os

    agentes públicos responsáveis pelo cumprimento das decisões judiciais, conforme

    segue:

    (...)

    O artigo 11 da Lei n° 7.347/85 estabelece o seguinte:

    Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou

    não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade

    devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica,

    ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,

    independentemente de requerimento do autor (grifo nosso)

    Assim, a disputa resume-se em saber se a cominação

    de astreintes prevista nesse citado dispositivo pode ser direcionada não

    apenas ao ente estatal, mas também às autoridades ou aos agentes

    responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais.

    A fim de estabelecer os estritos limites da matéria submetida ao crivo

    deste Superior Tribunal de Justiça, saliento que não se insurge quanto ao

    procedimento observado pelo Tribunal a quo para a aplicação da multa.

    Por outro lado, a querela não pode ser analisada sob o ângulo de que os

    agentes públicos não poderiam sofrer essa sanção por serem "pessoas

    estranhas à relação jurídico-processual" (fl. 810), não integrando a lide,

    exatamente porque essa argumentação não foi discutida na instância

    ordinária, carecendo do requisito indispensável do prequestionamento.

  • 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

    48

    Feitas tais observações, prossigo.

    A exemplo do art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil - CPC -, com

    as alterações introduzidas pela Lei nº 8.952/94, o art. 11 da Lei nº

    7.347/85 autoriza o magistrado a cominar multa no intuito de

    promover o cumprimento de obrigação de fazer ou