1. Introdução; 1. INTRODUÇAO 2. Textos teóricos ensaios; · tes tipos de narradores - os...

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1. Introdução; 2. Textos teóricos e ensaios; 3. Como suporte de pesquisas; 4. Repercussões no ensino; 5. Influências indiretas; 6. Conclusão - marco histórico e marca registrada; 7. Nota sobre textos de Max Weber em português. Fernando Correia Dias * * Professor do Departamento de Ciêp.ciasSociais, Fundação Universidade de Brasília. R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, 1. INTRODUÇAO Max Weber (1864-1920), universalmente reco- nhecido como um dos grandes clássicos da sociologia, tem exercido poderosa influência, nos últimos 25 anos, nos estudos sociológicos que se realizam no Brasil. Tal presença não se encon- tra, pelo menos com a mesma intensidade e fre- qüência, no pensamento das anteriores gerações brasileiras de cientistas sociais. 1 Pode-se perguntar, desde logo, que motivos teriam acarretado o forte impacto, aparente- mente um pouco tardio, do pensamento webe- riano no Brasil. Há algumas respostas possíveis, ainda que em forma conjecturaI. Antes de tudo, a influência de Max Weber não se processa, a esse tempo, apenas no Brasil, mas também em outros países, como Estados Unidos c México, por exemplo. Em segundo lugar, assinale-se que toda uma geração de jovens sociólogos, recém-formados, toma conhecimento, no fim da .dêcada de 40 e começo da década de 50, das teorias e pesquisas do sociólogo alemão por intermédio de tradu- ções espanholas e inglesas. Lembramos, a esse respeito, a edição mexicana de Economia e so- ciedade, lançada em 1944, e a compilação feita por Hans Gerth ·e C. Wright Mills dos escritos sociológicos de Weber (From Max Weber), edi- tada na Inglaterra em 1947. Essas edições, es- pecialmente a primeira, são citadíssimas na moderna literatura sociológica brasileira. Ante- cipando o desdobramento deste ensaio, posso dizer que essa obra constitui um dos livros-cha- ve da gênese do pensamento sociológicocontem- porâneo neste país. Parece evidente que os idiomas inglês -e espa- nhol são mais acessíveis, atualmente, aos seno- lars brasileiros do que o alemão. Este só muito restritamente e por períodos breves, constou, nas últimas décadas, dos currículos dos cursos médios. Tal situação, diga-se de passagem, não é a mesma que vigorou entre os fundadores da sociologia brasileira. A geração de Sílvio Romero e Tobias Barreto transitava tranqüilamente pe- los textos alemães, tanto filosóficos como socio- lógicos. 2 Fina1mente, outra razão - e a mais relevante - para a voga de Max Weber entre nós: é que 47 suas formulações se prestaram, adequadamente, segundo pretendo demonstrar, como ferramen- tas de trabalho intelectual para reflexão dos especialistas, em torno da realidade brasileira em mudança. Não estamos, assim, diante de. um fenômeno casual: não é simples moda ou capricho o apelo a Max Weber. É, antes, o reconhecimento do vigor de sua análise. E~e empenho, a que aludo, de tomar a socio- logia como instrumento para compreender o Brasil, não é algo que tenha surgido agora. Po- de-se mesmo afirmar que tal intento constituiu a motivação básica para que surgisse a própria sociologia em nosso meio. Talvez o que tenha 14(4) : 47-62, Jul./ago. 1974 Presença de max weber na sociologia brasileira contemporânea

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1. Introdução;2. Textos teóricos e ensaios;

3. Como suporte de pesquisas;4. Repercussõesno ensino;

5. Influências indiretas;6. Conclusão - marco histórico

e marca registrada;7. Nota sobre textos de

Max Weber em português.

Fernando Correia Dias *

* Professor do Departamento deCiêp.ciasSociais, Fundação

Universidade de Brasília.

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

1. INTRODUÇAO

Max Weber (1864-1920), universalmente reco-nhecido como um dos grandes clássicos dasociologia, tem exercido poderosa influência, nosúltimos 25 anos, nos estudos sociológicos que serealizam no Brasil. Tal presença não se encon-tra, pelo menos com a mesma intensidade e fre-qüência, no pensamento das anteriores geraçõesbrasileiras de cientistas sociais. 1

Pode-se perguntar, desde logo, que motivosteriam acarretado o forte impacto, aparente-mente um pouco tardio, do pensamento webe-riano no Brasil. Há algumas respostas possíveis,ainda que em forma conjecturaI.

Antes de tudo, a influência de Max Weber nãose processa, a esse tempo, apenas no Brasil, mastambém em outros países, como Estados Unidosc México, por exemplo.

Em segundo lugar, assinale-se que toda umageração de jovens sociólogos, recém-formados,toma conhecimento, no fim da .dêcada de 40 ecomeço da década de 50, das teorias e pesquisasdo sociólogo alemão por intermédio de tradu-ções espanholas e inglesas. Lembramos, a esserespeito, a edição mexicana de Economia e so-ciedade, lançada em 1944, e a compilação feitapor Hans Gerth ·e C. Wright Mills dos escritossociológicos de Weber (From Max Weber), edi-tada na Inglaterra em 1947. Essas edições, es-pecialmente a primeira, são citadíssimas namoderna literatura sociológica brasileira. Ante-cipando o desdobramento deste ensaio, possodizer que essa obra constitui um dos livros-cha-ve da gênese do pensamento sociológicocontem-porâneo neste país.

Parece evidente que os idiomas inglês -e espa-nhol são mais acessíveis, atualmente, aos seno-lars brasileiros do que o alemão. Este só muitorestritamente e por períodos breves, constou,nas últimas décadas, dos currículos dos cursosmédios. Tal situação, diga-se de passagem, não éa mesma que vigorou entre os fundadores dasociologia brasileira. A geração de Sílvio Romeroe Tobias Barreto transitava tranqüilamente pe-los textos alemães, tanto filosóficos como socio-lógicos. 2

Fina1mente, outra razão - e a mais relevante- para a voga de Max Weber entre nós: é que 47suas formulações se prestaram, adequadamente,segundo pretendo demonstrar, como ferramen-tas de trabalho intelectual para reflexão dosespecialistas, em torno da realidade brasileiraem mudança.

Não estamos, assim, diante de. um fenômenocasual: não é simples moda ou capricho o apeloa Max Weber. É, antes, o reconhecimento dovigor de sua análise.

E~e empenho, a que aludo, de tomar a socio-logia como instrumento para compreender oBrasil, não é algo que tenha surgido agora. Po-de-se mesmo afirmar que tal intento constituiua motivação básica para que surgisse a própriasociologia em nosso meio. Talvez o que tenha

14(4) : 47-62, Jul./ago. 1974

Presença de max weber na sociologia brasileira contemporânea

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acontecido, nos últimos vinte e poucos anos, .se-ja um aprimoramento nesse caminho. Aguçou-se o espírito crítico; delimitaram-se nitidamen-te os temas de fato relevantes (a urbanizaçãocomo tendência básica da mudança social ou ascondições sociais da industrialização, por exem-pio), como focos de análise da estrutura da so-ciedade brasileira; aperfeiçoaram-se, enfim, astécnicas de pesquisa e análise. 3

Para se chegar a esse estágio, houve umlongo percurso, por vezes sinuoso, que começano fim do século XIX. Ao nascer a sociologia,a esse tempo, beneficiava-se ela, no Brasil, daacumulação de materiais empíricos, que se vi-nha processando desde o inicio da colonização,pelo relato e pela descrição a cargo de diferen-tes tipos de narradores - os cronistas do go-verno português, os viajantes, os naturalistas,os missionários. Havia também interpretaçõespré-socíolôgtcas. 4

Uma viva influência européia, aceita às vezesde forma acritica e dogmática, marca o iníciodo pensamento sociológico brasileiro. Mas étambém um tempo de exasperado esforço deautonomia de pensamento, esforço tumultuadoe comovente, de que é paradigma Sílvio Romero.E por que não Euclid·esda Cunha? Surgem am-biciosas e, por vezes, bem sucedidas tentativasde interpretar sinteticamente a múltipla reali-dade social brasileira.

Depois, os primeiros estudantes nossos emcontato com a moderna ciência social em uni-versidades estrangeiras (leia-se: norte-america-nas e européias). E ainda a consciência da im-portância do conhecimento cientifico da vidasocial para compreender os momento de crise(1930, dentre outros) . Temos, então, a introdu-ção da sociologia como disciplina acadêmicanos currículos escolares, primeiro no ensinonormal, depois no secundário (1931-1942), a se-guir, enfim, a criação dos cursos superiores desociologia e política (1933) e ciências sociais,estes no âmbito das faculdades de filosofia,ciências e letras, especialmente a partir de1934-35 (inicialmente Recife, Rio e São Paulo).

A figura exponencial desse período, se quiser-mos apenas um nome, é Gilberto Freyre, que sehavia formado em universidades estrangeiras ese lança à construção de uma obra sociológicade cunho histórico-cultural à luz de uma novae original metodologia.

Há uma fase de ascensão do prestígio dasciências sociais, seguida de uma etapa de declí-nio. Despertaram elas problemas sérios e foca-lizaram aspectos conflitivos da sociedade: daí otemor que suscitaram e a reação que provoca-ram entre os detentores do poder. Mas é nesseperíodo - décadas de 30 e 40 - que se ínstítu-cionaliza a pesquisa sociológica no âmbito dasuniversidades brasileiras. 5

Na década de 1950, fenômenos muito próxi-mos de nossos observadores e estudiosos (a ar-rancada do desenvolvimento, com a respectiva

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ideologia. desenvolvimentista, e o debate sobrea representatividade da elite política do país) efenômenos mais remotos, mas não menos rele-vantes (como o processo de descolonização, quemuda a fisionomia econômica e política domundo) condicionam um novo surto de interes-se intelectual pela sociologia no Brasil. Essaetapa é marcada por acesa polêmica em tornode temas candentes como os que menciono aseguirem forma de interrogação. Qual o papeldo cientista social na sociedade brasileira emmudança? São contraditórios os valores da par-ticipação concreta do cientista social na soluçãodos problemas coletivos e os do rigor científico?Que caminho é mais válido do ponto de vistada eficácia e da pureza das normas científicas:o caminho do levantamento sistemático e rigo-rosamente empírico das realidades parciais re-presentativas, a fim de compor um vasto mo-saico sociocultural do Brasil, ou o caminho dasconstruções panorâmicas e globalístas da reali-dade brasileira? Que grau de refinamento em-pregar: o exigido pela ciência ou o condicionadopela estrutura socioeconômica do país? 6

Esse período marca o aparecimento da so-ciologia contemporânea no Brasil; de uma novasociologia. Ela vem, a meu ver, de 1950,que nãoé uma data arbitrariamente escolhida. Exata-mente nesse período - do confronto das aná-lises criticas da sociologia brasileira e da supe-ração prátíca' dessa polêmica - que se observaa marcante influência de Max Weber no Brasil.Os protagonistas do reexame crítico da socio-logia brasileira são vários, mas destaquemostrês, pelo vigor polêmico e pela contribuiçãoque então ofereceram: Alberto Guerreiro Ra-mos, que agita os problemas, Florestan Fernan-des e L. A. Costa Pinto."

Ao final dessa quadra de debates de ídêías,encontraram a prática e o pensamento socio-lógicos o seu melhor destino, quanto à rele-vância dos temas e setores de estudo prioritá-rios, quanto à escala ótima do objeto das pes-quisas, quanto à eficácia metodológica. E foidessa forma que alguns dos melhores sociólo-gos brasileiros se capacitaram para o entendi-mento correto da estrutura e da dinâmica dasociedade brasileira atual.

As contribuições mais destacáveis situam-seno campo da sociologia do desenvolvimento, emque no Brasil e em outros países da AméricaLatina se trabalha' hoje fecundamente. Esse en-tendimento do real a partir de dentro - aí in-cluída a particular situação existencial do so-ciólogo - tem-se feito de forma a se criar umpensamento relativamente autônomo. Tal afir-mação não significa que exista desprezo ouabandono das contribuições teóricas nascidasem outros contextos: por exemplo, nos paísesdesenvolvidos. Tem havido, antes, um confron-to de todos os modelos de análise propostos (pa-ra explicar o subdesenvolvimento). Dissecam-seos modelos consagrados, com a rejeição de as-

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pectos menos aceitáveis e com a preocupação deencontrar alternativas válidas.

Na construção teórica dos esquemas de análi-se dos fenômenos de mudança social no Brasil,tem-se apelado amiúde para os clássicos. Dentreeles, Durkheim, Marx e Weber. Assim como aobra de Max Weber tem sido encarada pelos co-mentadores como permanente diálogo com KarlMarx, assim também grande parte d • produçãosociológica brasileira, no campo da discussão dosubdesenvolvimento, é um diálogo com MaxWeber. Um diálogo sobre a aplicabilidade ou nãode suas categorias analíticas, de seus tipos-ideais, de suas teorias, à realidade do capita-lismo periférico atual. Curiosamente, ao mesmotempo que se apela para um clássico como We-ber, criticam-se, no meio universitário brasilei-ro, os sucedâneos de Weber; por exemplo, os de-fensores das teorias da "modernização" muitosdeles marcados, de forma consciente ou não,pelo etnocentrismo e pelo estreito evolucionismolinear que postula sempre a mesma forma depassar do "tradicional para o moderno".

É um balanço não-exaustivo da presença deMax Weber na sociologia brasileira contempo-rânea que pretendo apresentar agora. Nem todosos nomes que citarei têm as preocupações ino-vadoras mencionadas. Mas alguns deles as têmem alto grau. O ponto de referência cronológicoserá 1950.Límítar-me-eí, com duas ou três ex-ceções inevitáveis, ao exame apenas de livros,excluindo outros gêneros de publicação.

Um último registro, antes de efetuar o promo-tido balanço. A influência de Max Weber, evi-dentemente, não é a única, de sociólogoalemão,sobre o pensamento sociológico brasileiro emnossos dias. A corrente marxista é ponderável.E, em certas matérias, como na teoria da estra-tificação social, essas duas orientações se de-frontam e, em alguns autores brasileiros, inter-penetram-se. Outro clássico, como Simmel, é co-nhecido e citado com certa freqüência. Algunsdos sociólogos brasileiros que se fundamentamem Max Weber (Florestan Fernandes, dentreoutros) foram também marcados por Karl Ma-nheim, o da sociologia do conhecimento, masprincipalmente o da teoria da "reconstruçãosocial". Dos mais recentes autores, assinale-seuma crescente presença, entre alunos e profes-sores das ciências sociais, da obra de Darhen-dorf, já traduzido para o espanhol e um poucopara o português; os textos preferidos são os desuas contribuições à teoria do conflito e os decrítica ao funcionalismo parsoniano. Há tam-bém a presença dos autores da escola de socio-logia crítica, especialmente Adorno. Esta últi-ma influência vem-se limitando, até agora, apessoas interessadas em sociologia da arte e emteoria da informação, embora a conhecida pes-quisa que Adorno dirigiu sobre o tema da per-sonalidade autoritária seja igualmente citadaem outros textos brasileiros.

2. TEXTOS TEóRICOS E ENSAIOS

Tentarei arrolar as repercussões do pensamen-to weberiano em obras brasileiras de teoria so-cial e ensaio. Os temas são variados, mas háalguns mais assíduos, o da burocracia como ti-po-ideal, o das modalidades de poder, o das di-mensões e tipos de estratificação social. E tam-bém o pressuposto teórico da racionalidade co-mo traço da evolução do capitalismo ocidental.Darei especial relevo às repercussões que meparecem mais fortes, as que incidem na análisedo sistema administrativo e da estratificaçãosocial. Não se pode esquecer, entretanto, a ques-tão metodológica. Em geral, autores brasileirosapegam-se a um aspecto do esquema metológí-<::0 de Weber: o da construção de tipos-ideais.Raramente alguma referência a outros ângulos.

Talvez a mais antiga interpretação sistemá-tica (.enão simples citação casual ou de circuns-tância) de um tema weberiano seja um traba-lho de .Emílio Willems, aparecido em 1945 narevista Administração Pública; 9 de .São Paulo,e que trata de patrimonialismo e administração,assunto que se toma freqüente em ensaios so-ciológicosbrasíleíros mais recentes. Willems, deorigem alemã, assume posição pioneira na pes-quisa sociológica, no Brasil, nas décadas de 30e 40. Seu Dicionário de sociologia, publicado em1950,constitui pequena summa do conhecimen-to socíológíco de até então, incluindo assuntos,então em voga, com definições muito criteriosas.Dentre tais assuntos, citem-se os temas ecoló-gicos. Mas também os temas derivados da socio-logia de Weber estão presentes. Ainda hoje écomum que especialistas de alta competência,em trabalhos bem estruturados, recorram aosverbetes redigidos por Emílio Willems.

Estou convencido, por indícios que exporeiadiante, de que a primeira edição completa não-alemã da obra de Max Weber, Economia e so-ciedade, representou, no Brasil, um marco his-tórico na evolução do pensamento sociológico.O panorama das idéias, nesse campo, na décadade 40, poderia ser descrito como de mistura detendências, das quais se destacariam as novasinfluências americanas ( via professores da Es-cola de Sociologia e Política de São Paulo), apersistência dos padrões e estilos de trabalhoensaístícos do começo do século, com forte in-fluência européia, os desdobramentos da escolafrancesa durkheimeana, as inovações da antro-pologia cultural. Nesse momento, ocorre o forteimpacto do pensamento weberiano.. Recebidocom certa perplexidade, pela compacta erudi-ção, pelo intrincado da análise, o livro Econo-mia e sociedade,na edição mexicana de 44, pas-sa depois a ser uma das bíblias do moderno so-ciólogobrasileiro.

Antes de comentar alguns ensaios em queessa presença é visível e nítida, vejamos os tra-balhos de avaliação da obra weberiana que seproduziram no Brasil.

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Max Weber na sociologia brasileira

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Em 1946, Alberto Guerreiro Ramos, entãocom cerca de 30 anos de idade, tendo interrom-pido a carreira de professor de sociologia naBahia, para iniciar, no DASP, a de técnico emadministração, foi encarregado de- uma seçãobibliográfica na Revista do Serviço Público. Umade suas resenhas, publicada nesse ano, destina-se a registrar o aparecimento da edíçãr, mexica-na de Economia e sociedade. O artigo contémvisão panorâmica do pensamento weberiano,com base no livro analisado e outros textos dosociólogo alemão ou de alguns de seus comen-tadores.v

O objetivo da resenha de Guerreiro Ramos échamar a atenção dos estudiosos brasileiros

. de administração para a relevância das catego-rias analíticas propostas no livro como instru-mentos para exame dos problemas administra-tivos. Cita, a esse respeito, os trabalhos até en-tão produzidos nessa linha, neles incluídos o deEmílio Willems e os de vários autores norte-americanos.

Vai muito além, entretanto, a resenha. Emoutras palavras, para se tornar convincente,junto a seus colegas, estudiosos da administra-ção, Guerreiro Ramos procede a extensa expo-sição da teoria weberiana, dedicando maior es-paço à questão dos tipos-ideais de dominação.A exposição não possui mero caráter descritivoou de resumo. Em várias passagens, como nada interpretação do tipo-ideal ("ficção heurís-tica com a qual o cientista ordena uma sériede aspectos recorrentes da realidade"), alcançaalto grau de lúcida compreensão.

Aquilo que ele esperava, nessa primeira re-censão brasileira de Economia e sociedade, decerta forma S2 cumpriu. O fenômeno das dife-renças, interpenetrações e eventual transiçãodo modelo patrimonialista para o racional-bu-rocrático, na sociedade brasileira, foi analisadopor autores como Mário Wagner Vieira daCunha, Juarez Rubens Brandão Lopes, 11 OctavioIanni. Por sua vez, L. A. Costa Pinto, em suaanálise das classes sociais no Brasil, utiliza-sedo conceito de burocratização como um subpro-cesso, decorrente da secularização e ligado aofenônemo urbano, que constitui fator ,de passa-gem do antigo padrão de estratificação (bípola-rizado no Brasil tradicional) para o padrãoatual caracterizado pela diversificação. Atémesmo um antropólogo social, Roberto Cardosode Oliveira, preocupou-se com um problemacorrelato, o da estrutura do poder em grupostribais brasileiros, sob o ângulo dos tipos webe-rianos. 1~ Paradoxalmente, registra-se que asaplicações dessas idéias, feitas entre nós por ci-entistas políticos, têm sido mais convencionais emenos dinâmicas do que as realizadas pelos so-ciólogos.

Voltando aos estudos críticos da obra webe-riana, efetuados por brasileiros, lembremos o deJuarez Brandão Lopes, intitulado "O processohistórico e Max Weber". Trata-se de conferênciapronunciada a convite do lnstituto de Sociolo-

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gia e Política da Federação do Comércio do Es-tado de São Paulo, que organizou, em 1955,umciclode palestras sobre "quatro precursores bra-sileiros" das ciências sociais (Euclides daCunha, Paulo Prado, Oliveira Vianna e AlbertoTorres) e "três filósofos da História" (KarlMarx, Max Weber e Arnold Toynbee). É sobesse ângulo, da filosofia da história, que o con-ferencista procura estudar a obra weberiana. Otexto contém informações biográficas, 'Situa osociólogo em seu tempo e resume depois o seupensamento histórico e sociológico:

"Conscientes do risco, lançamo-nos à tare-fa tratando: da concepção de Weber sobrea natureza das ciências sociais e dos méto-dos que lhes são apropriados; da visão we-beriana da história pelos seus três tipos dedominação legítima; da tendência para aracionalização da estrutura social (em quecabe lugar destacado ao processo de buro-cratização); e, finalmente, da visão que nosdá da ordem capitalista do mundo moder-no, à luz desses processos.""Duas correntes de pensamento são espe-cialmente importantes para a compreensãode Weber - a interpretação marxista dosfenômenos sociais e a tendência idealistado pensamento alemão, com a distinçãoentre as ciências físicas e as ciências so-ciais e culturais". 13

A conferência de Juarez Brandão Lopes re-presenta um dos poucos textos em que, ao setratar de Weber, não se menciona a edição me-xicana de Economia e sociedade. Citam-se es-pecialmente From Max Weber, A ética protes-tante e The religion ot India. Recorre também.o autor às informações biográficas e críticas deGerth e Mills (na introdução da compilaçãoque fizeram) e a Parsons, na introdução de Thetheory ot social and economic organization.(Pergunto-me se seria esse livro de Parsonsaquele cuja edição Guerreiro Ramos aguarda-va em 1946.Ver nota 10.)

Juarez Rubens Brandão Lopes, como logo severificará, serviu-se amplamente de sua fami-liaridade com a obra de Max Weber para pro-duzir ensaios e pesquisas sociológicas.É dos au-tores de maior influência weberiana no Brasil.

Sob o aspecto metodológico, a posição do au-tor de Economia e sociedade é exposta de formaacentuadamente superficial na maioria dosmanuais brasileiros - trata-se de resumos rá-pidos e simplificados da proposta de tipos-ideais.Esse tema assume outra profundidade na obrade Florestan Fernandes. Em Fundamentos em-píricos da explicação sociológica, expõe e com-para as abordagens metodológicas de ÉmileDurkheim, Max Weber (a quem dedica um ca-pítulo de 12 páginas) e Karl Marx, como "solu-ções fundamentais dos problemas da induçãona Sociologia". 14

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Quanto a Weber, estudam-se, de início as raí-zes epistemológicas do pensamento alemão e sefazem referências a tentativas de caracterizaçãodo enfoque sociológico (notadamente as de F.Tõnníes e Simmel). O restante do capítulo édedicado ao exame do método weberiano, res-tringindo-se a análise, entretanto, ao aspectoda construção dos tipos-ideais. Baseia-se Flores-tan Fernandes no texto contido em Economiae sociedade (ainda uma vez a edição mexicanade 1944). Empreende-se aí a análise critica dessetexto, análise que se completa mais adiante nacomparação com a abordagem marxista.

Referindo-se, já no fim do capítulo, aos estu-dos de Weber sobre a ética calvinista e a religiãoda China, afirma Florestan Fernandes:

"Os estudos empíricos de Weber exemplifi-cam o seu estilo de procedimento empíricona análise sociológica de fenômenos con-cretos, demonstrando, cabalmente, a coe-rência que nele havia entre o teórico e opesquisador .. Sua técnica consistia, comovimos, em abstrair o essencial com base nasuposição lógica de que os caracteres essen-ciais tendem. a repetir-se nos casos ou ins-tâncias similares, e em admitir que a expe-riência permitiria comprovar qualquerconclusão a respeito. Essa técnica foi es-tritamente aplicada em suas investiga-ções mencionadas e o' rigor de procedi-mente muito contribuiu para disfarçaros pontos realmente fracos de sua teoria deinvestigação sociológica. Restaria, ainda,mencionar um aspecto de sua técnica indu-tiva: graças à solução que deu o problemada generalização, possui escasso interesselógico, em seu esquema metodológico, o sa-ber metodológico, o saber se a repetição deum fenômeno em várias sociedades podiaser ligada a uma fórmula explanatóriacomum ( ... )" 15

Talvez se possa afirmar que Florestan Fer-nandes é o sociólogo brasileiro mais próximo doparadigma de Weber como realização pessoal epolítica, naturalmente guardadas as profundasdiferenças de época e contexto sociopolítico.Notável erudição histórica - vívida e nãofria erudição, príncípalmente sobre o Brasil -e também vepístemoíôgtca, ao lado de umapreocupação pessoal com a responsabilidadedo sociólogo como cientista e cidadão, em faceda vida pública, eis dois nítidos pontos. emcomum. O que a Max Weber não foi dado, pelaépoca em que viveu, e que o sociólogo brasi-leiro ostenta, é um vasto conhecimento críticoda sociologia empírica moderna.

Mas FlQrestan Fernandes tem plena cons-ciência. da diferença de perspectivas dos soció-logo atuais em relação ao clássico alemão:

"Weber demonstrou muito bem que a obje-tividade científica não impunha, necessa-

riamente, nenhuma limitação ética ao ci-entista. Contudo, como sucedeu com outroscientistas sociais eminentes da época,ocupou-se com um modelo de explicaçãosociológica que não permite representar osfenômenos sociais em termos de relações deseqüência vistas no plano histórico, larga-mente irrelevante para discussão de ques-tões práticas concernentes a processos ma-crossociais. Seria absurdo manter aquelaatitude em nossos dias. De um lado porquesabemos que ela nada tem a ver com o es-pírito científico propriamente dito. Ela re-presenta um dos efeitos intelectuais da aco-modação do cientista à concepção liberal domundo. De outro, porque os cientista so-ciais podem lidar com as 'questões práticas'de forma objetiva, desligando-se do subs-trato ideológico imanente à eclosão delasnas correntes e· movimentos sociais. Emoutras palavras, as tendências de desenvol-vimento social constituem dados de fato.Acontece que esses dados de fato se im-põem à análise como algo de interesse prá-tico fundamental, seja para o conhecimen-to das exigências da situação, seja para acriação e a utilização de técnicas sociaisapropriadas". 16

O acréscimo de uma dimensão histórica dinâ-mica à tipologia ·e ao quadro de referência teó-rico de Max Weber é que tem revestido de sig-nificação particularmente fecunda a sua utili-zação entre nós, como nos casos, dentre outros,dos trabalhos de Juarez Brandão Lopes e MárioWagner Vieira da Cunha.

No estudo da transformação industrial doBrasil, especialmente tal como o tem feito ogrupo de discípulos paulistas de Florestan Fer-nandes, foge-se do esquema convencional prati-cado em outros centros intelectuais (norte-americanos e europeus), que dá especial ênfaseàs relações humanas na indústria. No Brasil, aocontrário, todo o empenho orientou-se para acompreensão profunda das condições sociais daindustrialização, dos fatores exógenos e endó-genos (à sociedade brasileira) que a determina-ram e da dinâmica de classes que ela evidencia.

A raiz dessa compreensão está na atitude dosociólogo brasileiro. A visão de Guerreiro Ramos,a seguir transcrita, não eorresponde à situaçãoatual da sociologia no Brasil.

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"Na prática, é raro o sociólogo brasileiroque não negue a essência mesma da visãosociológica - que é ser um saber integrati-vo da vida comunitária efetiva. Toda ge-nuína sociologia emerge de suportes exis-tenciais comunitários e, assim, contribuipara aprofundar a inserção do homem noseu contexto nacional ou regional".

"Medite-se sobre o que fizeram os grandessociólogos como Comte, Marx, Spencer,

Ma:z: Weber na SOciologia brasileira

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Durkheim, Max Weber, Small, Lester Warde outros. Apesar de suas diferenças, c8;daum deles elaborou um saber compreensivodo presente e da circunstância que viveu"."

O mesmo Guerreiro Ramos, propondo a in-dustrialização como categoria fundamentalpara os sociólogos brasileiros, afirma:

"Na estilização científica da industrializa-ção, ter-se-á de proceder como Max Weber,ao cunhar as noções de dominação tradi-cional, carismâtica e racional - legal ouburocrâtica - ou como Fernando Tõnniesao elaborar os conceitos de 'comunidade esociedade'. Tais termos exprimem tendên-cias efetivas da história alemã e européiae, com eles e outros análogos, a sociologiaequipava o espírito dos estudiosos para acompreensão e o tratamento de situaçõesconcretas". "A industrialização constituicategoria cardinal da Sociologia, especial-mente da latino-americana. ( ... ) ".18

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O conteúdo dessas afirmações, que assumemo caráter programático ou normativo para o so-ciólogo brasileiro ou latino-americano, realizou-se, insistamos nesta idéia, no Brasil, pela par-ticipante inserção dos estudiosos nos problemasconcretos.

Em muitas dessas pesquisas, de que se falarâadiante mais detidamente, aliou-se a competên-cia metodológica na investigação empírica àsamplas perspectivas abertas pelos sociólogosclássicos, dentre os quais Max Weber.

Pretendo agora mostrar de que modo a teoriada estratificação social formulada por MaxWeber encontrou favorável repercussão no meioacadêmico brasileiro. Em duas passagens de suaobra, Florestan Fernandes trata mais explicita-mente dessa concepção no capítulos "Anâlisesociológica das classes sociais" e "Sociedade declasses e subdesenvolvimento" do livro Ensaiosde sociologia geral e aplicada.

No primeiro ensaio, oferece um balanço dascontribuições sociológicas ao entendimento dofenômeno das classes, valendo-se, quanto aoconceito dessa coletividade, das abordagens deMax Weber. Deste último, toma sobretudo aidéia de situação de classe, tal como está defi-nida em Economia e sociedade ("entendemospor 'situação de classe' o conjunto de probabi-lidades típicas: 1) de provisão de bens, 2) deposição externa, de destino pessoal que derivam,dentro de uma determinada ordem econômica,da magnitude e natureza do poder de disposição(ou ausência dele) sobre bens e serviços, paraobtenção de rendas ou receitas": "entendemospor 'classe' todo grupo humano que se encontreem igual situação de classe". Por fim, dá umbalanço (otimista) da contribuição sociológica,no sentido de que asociologia tem acumuladoconhecimentos muito úteis sobre as sociedadesocidentais modernas e, portanto, sobre o regime

Revista de Administração de Empres41

de classes, e que esse ramo do conhecimentodispõe de um equipamento conceitual adequa-do "para fornecer os instrumentos de trabalhoe a necessáría fundamentação científica paraas investigações empírico-dedutivas e apriorís-ticas das classes sociais" .19

No outro texto, Florestan Fernandes tratade buscar explicaçõespara o subdesenvolvimen-to e a estrutura de classes em sociedades repre-sentativas do capitalismo dependente. Volta aencontrá-las em Karl Marx e Max Weber. So-bre este último, afirma:

"A definição de classe, adotada por Weber,é demasiado ampla. No entanto, sua carac-terização formal da 'situação de classe' re-presenta ~ ver~adeiro marco na .his:?riada Sociologia. A enfase posta na sígnífíca-ção da existência do mercado e da posiçãoocupada no mercado, em termos de valori-zação socioeconômica de bens e trabalho,para a definição da situação de classe, con-fere a seu modelo de análíse e de explicaçãouma utilidade ímpar no estudo sociológicodas sociedades de classes subdes-envolvidas.Além disso, entre todos os sociólogos clássí-cos, Weber é o que oferece a explicação maislímpida e simples da ordem social inerenteao capitalismo e à estratificação em classes,como uma ordem de 'possuidores e nãopossuidores', fundada em interesse inequi-vocamente econômicos. Promovendo-se oque ele próprio 'pretendia como dupla ~de-quação (de sentido e causal), seus conceitose teorias podem lançar enorme luz sobrealguns aspectos centrais da orga~iza,~ãoda sociedade de classes subdesenvolvída". 20

A partir dessa verificação, o sociólogo paulis-ta propõe o uso das categorias de Weber (pos-suidores e não-possuidores, formas de domina-cão etc.), para o entendimento das relaçõesfnt~rnas e externas de que participam as socie-dades definidas como de capitalismo dependen-te. De modo geral, o pensamento de FlorestanFernandes orienta-se para a caracterização doBrasil moderno como sociedade competitiva ede classes. Sua abordagem, por exemplo, do fe-nômeno das relações raciais nas áreas urbanasdo Brasil parte desse ângulo de análise, e porisso mesmo difere tão profundamente dos es-tudos que insistem em focalizar o assunto sobo ângulo da sociedade tradicional, em que eraoutro o padrão de estratificação.

Outros destacados sociólogos - dentre osquais Juarez Rubens Brandão Lopes e MariaIsaura Pereira de Queiroz - 21 trataram, igual-mente, .da questão das classes no Brasil combase no enfoque weberiano.

Em trabalho sobre planejamento, Luiz Perei-ra cita largamente idéias de Max Weber sobrepolítica e ciência, contrapondo-as às concepçõesde Durkheim sobre o mesmo assunto. 22

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Outro brilhante ensaio em que Weber - Aética protestante - encontra-se muito presenteé o de Viana Moog, Bandeirantes e pioneiros,confronto do desenvolvimento brasileiro e donorte-americano. 23

3. COMO SUPORTE DE PESQUISAS

Vários sociólogosbrasileiros valeram-se de cate-gorias analíticas ou quadros de referência teóri-ca propostos por Weber como suporte de pes-quisas sobre a realidade brasileira.

Creio que o exemplo mais característico desseprocedimento venha sendo o de Juarez BrandãoLopes. Seu interesse intelectual, como pesquisa-dor, volta-se para os problemas da transforma-ção da sociedade brasileira sob o impacto doprocesso de industrialização. Nesse sentido, temexaminado, à luz de dados agregados ou levan-tados em pesquisas de campo que dirigiu, as-pectos muito relevantes como o da adaptaçãodo mígrante rural ao meio urbano, das relaçõessociais no âmbito das-empresas (mais ou menostradicionais), da burocratização e seus efeitos.No .prtmeíro caso, da utilização de dados pre-existentes, especialmente censitários, encon-tram-se os trabalhos de Desenvolvimento e mu-danças sociais, livro fundamental para a com-prensão do Brasil em transição nos dias de hoje.No segundo, de pesquisas diretas, encontram-se o livro A crise do Brasil arcaico, tese acadê-mica apresentada à Universidade de São Paulo,e alguns dos estudos de Sociedade industrial noBrasil. Ambos os livros expõem resultados depesquisa feita sobre relações de trabalho emduas comunidades da Zona da Mata mineira.Tratava-se de parte de plano de pesquisa maisamplo, o Programa de Pesquisas em Cidades-Laboratórios, sob os auspícios do Centro Brasi-leiro de Pesquisas Educacionais e da CampanhaNacional de Erradicação do Analfabetismo doMEC.Apartir do subtítulo inicialmente adotadona tese, verifica-se a presença do pensamentoweberiano: "Estudo da mudança das relaçõesde trabalho na Sociedade Patrimonialista". EmSociedade industrial no Brasil são expostos tam-bém os resultados de pesquisa em uma fábricada cidade de São Paulo, da qual estuda algunsaspectos da organização e da administração.

O tipo-ideal da burocracia, tal como expostopor Weber, constitui a categoria básica de aná-lise nesse último caso. O resumo que o autorfaz da proposta do sociólogo alemão me pareceexemplar do ponto de vista da clareza:

"Nessa caracterização (da fábrica paulis-tana), a forma e os efeitos da administra-ção industrial são vistos como decorrentes,em boa medida, da natureza da estruturada autoridade. Comparou-se, assim, a fimde obter-se uma compreensão sociológicadaempresa como estrutura social, a sua orga-nização e administração com o modeloweberiano de burocracia. Nesta, para Max

Weber, as tarefas a serem executadas di-videm-se pelos 'cargos', cada qual com asua 'esfera de competência' claramentedelimitada. Os cargos acham-se dispostosnuma estrutura hierárquica. Fundamentalna burocracia, nesta concepção, é a organi-zação característica da autoridade, com acorrespondente distinção entre cargo e pes-soa. A autoridade é do cargo, não da pessoade seu ocupante, e é sempre uma autorida-.de circunscrita às atribuições desse cargo.Tudo é regido em tal organização por umsistema, deliberadamente estabelecido, denormas abstratas, gerais e impessoais,donde o caráter impessoal ~ a previsibilida-de dos seus processos de administração.Este tipo-ideal de burocracia serviu-nos deinstrumento de estudo. Foi pela compara-ção com o mesmo, comparação que ficaapenas implícita, que nos guiamos na aná-lise, adiante exposta, da organização eadministração de uma empresa indus-trial". ~.

No estudo das duas comunidades mineiras,sedes de indústrias têxteis, Juarez RubensBrandão Lopes valeu-se, principalmente, dostipos-ideais de dominação patrimonialista eburocracia para caracterizar as relações de tra-balho prevalecentes nas empresas; e, simulta-neamente, as próprias relações sociais nessaslocalidades. Uma das originalidades da pesqui-sa reside neste último aspecto: depois de citarinvestigações que empregam o esquema webe-riano de burocracia para exame de situaçõesconcretas no serviço público e em empresas,afirma:

"Nessas pesquisas entretanto a análise selimita à estrutura interna da organização,não se relacionando a sua hierarquia deautoridade com as relações de dominaçãono nível da comunidade, como é feito nestetrabalho". ~"

O papel do sindicato operário, como media-dor de relações impessoais o campo de trabalho,de forma a ser instrumento de implantação domodelo burocrático, é também analisado commuita propriedade pelo autor.

Utiliza-se ele ainda do esquema de Weber deestratificação, especialmente quanto às dimen-sões social, econômica e política de que se reves-te (excelente resumo dessa perspectiva teóricaé apresentado no capítulo 4 de Sociedade indus-trial no Brasil).

A distinção clássica entre grupo de status(derivado do grau de prestígio) e classe (cominiludível conotação econômica) é usada, porexemplo, neste trecho de A crise do Brasil ar-caico:

"A solidariedade existente é comunal e nãode classe. Decorre de um estilo de vida co-mum a toda a gente pobre da comunidade

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e não apenas ao operariado. Fortalecendoa constituição do sindicato e sua atuação,porém, tal solidariedade pode dar margemà sua transformação em algo diverso, como despertar da consciência de interessescomUns, específicos dos assalariados indus-triais e opostos aos dos empregadores. Aque-le estílo de vida inclui o respeito e a subor-dinação às pessoas da classe dominante, en-.tre os quais os donos das indústrias ( ... ) .26

O caso de Juarez Rubens Brandão Lopes nãoconstitui, por certo, o único, mas o mais típicoexemplo de utilização de conceitos weberianosem pesquisas sociológicas, no Brasil. Sua obrarepresenta notável esforço para penetrar o sig-nificado mais profundo das transformações re-centes do país, pela emergência de uma socie-dade urbano-industrial. Vai do nível microsso-ciológico do exame da adaptação do migranteà vida fabril ao nível macrossociológico das re-lações de produção. É evidente que foge consci-entemente da pura transposição de esquemasde "relações humanas" nas empresas, vigentesentre sociólogos de outros países. Coloca, sobre-tudo, essas relações no quadro mais amplo daestrutura da sociedade global brasileira e desuas transformações"."

Max Weber, é claro, não constitui sua únicabase de análise. É inegável, porém, que umaaplicação a um tempo segura, flexível e autô-noma das categorías analíticas do sociólogoalemão possibilitou a Juarez Brandão Lopes achave para compreender muitos problemas doBrasil atual.

Na mesma linha de preocupação e de inde-pendência de análise, e com apelo a fontes teó-ricas semelhantes, encontram-se os trabalhosde Mário Wagner Vieira da Cunha, de quemconhecemos o utilíssimo O .sistema administra-tivo brasileiro, ampla visão das mudanças naestrutura governamental e nos grupos burocrá-ticos brasileiros, notadamente no período entre1930 e 1950.28

Não como suporte, mas como uma das inspi-rações de uma pesquisa, encontramos a idéiaweberiana de racionalidade citada no pórtico dotrabalho de Cândido Procópio Ferreira de Ca-margo sobre Kardecismo e umbanda:

"Por paradoxal que possa parecer à primei-ra vista, as r-eligiões mediúnicas (especial-mente o setor mais próximo do Kardecis-mo) constituem uma das expressões denosso relativo processo de racionalização esecularização. A pesquisa levou-nos real-mente a entender o florescimento das reli-giões mediúnicas como um dos meios alter-nativos que facilitam a adaptação dohomem brasileiro à vida urbana. Certostraços característicos favorecem esse papel:capacidade de ser fonte de orientação paraos indivíduos (substituindo a t!,adição esua autoridade), aceitação de valores ur-

Revista de Administração de Empresas

banos e profanos, busca de coerência explí-cita com a 'ciência' e atitude 'científica',etc. Estes e outros aspectos, posteriormenteanalisados com minúcias no capítulo refe-rente às funções do 'continuum', empres-tam-lhe atributos de racionalização ~ nosentido weberiano de orientação da vidapor valores éticos explícitos e coerentes -em contraposição à orientação pela tradi-ção, fundada na permanência das formashabituais de agir e sancionadas pela auto-rídade".»

O fundamento dessa aproximação entre ofenômeno espírita e racionalidade no sentidoweberiano encontra-se em A ética protestante,que volta a ser citado no curso da pesquisa,neste trecho:

"A tradição cultural brasileira - comosugerido no capitulo referente à funçãoterapêutica [dessas práticas religiosas] -é impregnada de um estilo sacral de com-preender a realidade.O fato de se interiorizar a orientação davida e se procurar valores, de modo siste-mático e organizado (neste sentido 'racio-nais', cfr. Max Weber), não impede que asexpectativas de solução ,e os próprios valo-res almejados sejam de natureza sacral.Pelo contrário, muitas vezes a solução sa-cral é a única que parece compreensível esignificativa, . a única bastante radical eprofunda para ser capaz de organizar a vi-da íntima e atribuir valor e sentido àsações e experiências.Embora a cultura brasileira seja natural-mente complexa, orientando-se também porvalores estritamente racionais e profanos,cremos não ser exagerado afirmar que asolução geral para a orientação da vidaassume, entre nós, importância eonsíderá-vel. A capacidade de poder combinar valo-rés éticos internos, organizados de modoracional, com o estilo sacral de interpreta-ção da vida, é uma das principais razões dosucesso das religiões medíúnícas"."

Esse trecho de relatório de pesquisa no campoda sociologia da religião ilustra a afirmação quesustento de que a aplicação por sociólogos bra-sileiros de certos conceito weberianos obedece auma postura metodolôgíca flexível, capaz deperceber certas nuances muito peculiares daestrutura histórico-cultural do Brasil.

Não me parece que esse mesmo resultadopossa ser alcançado quando se utilizam certosesquemas atuais do tipo "transição tradicional-moderno": é que estes se prendem a um rígidoevolucionismo cujo ponto de referência (e dechegada) são as características "racionais" dasSOCiedadescapitalistas do Ocidente. Nesse pontoo aparente historicismo de Weber constitui di-retriz muito mais fecunda em mãos hábeis de

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cientistas SOCIaIScapazes de perceber as suti-lezas de certos traços de cada sociedade.

4. REPERCUSSÕESNO ENSINO

Quando lemos os programas dos cursos de so-ciologia, quer os introdutórios, quer os especia-lizados, encontramos, amiúde, conceitos tipica-mente weberianos ou a indicação bibliográficade suas obras para uso dos alunos dessas maté-rias. Nos cursos de introdução, por exemplo, écomum a referência a Max Weber como um dosclássicos ou a alusão à sua metodologia. Aindanesses programas, sempre que se fala em "tiposde estratificação", o que está implícito é a dis-tinção entre casta, estamento e classe, na ter-minologia que Weber difundiu.

Na disciplina teoria sociológica, quando mi-nistrada a nível de graduação, se encarada comoexposição das diferentes abordagens ou corren-tes do pensamento sociológico, é indispensávelum tópico sobre Max Weber (no programa, porexemplo, da Universidade de Brasília, para 1971,encontramos o tópico, "A sociologia 'compreen-siva' de Max Webe·r" indicando-se como fontede consulta os Ensaios de sociologia e "Os con-ceitos sociológicos fundamentais" contidos emEconomia e sociedade. Por outro lado, se se en-cara teoria sociológica em outro sentido, comosociologia sistemática, ainda aqui deverão serincluídos alguns temas básicos de origem webe-riana, como organizações formais, tipos de do-minação, racionalidade, etc.

Nas chamadas sociologias especiais, a abor-dagem de Max Weber aparece com grande fre-qüência. Nos programas, por exemplo, de estra-tificação social, é imprescindível a exposição doponto de vista desse autor, especialmente emconfronto com a posição marxista; em sociolo-gia da administração é também impossívelignorar a análise da burocracia como tipo-idealconstruído por ele; em sociologia urbana torna-se também indispensável mencionar a contri-buição historiográfica desse autor, no exame dosurgimento e das funções da cidade européiado início do capitalismo.

Se considerarmos, por sua vez, os· cursos depós-graduação, especialmente os de mestradoem sociologia, recentemente implantados noBrasil, verificaremos que os estudos de teoriasociológica, com caráter monográfico ou não,incluem sempre o estudo da obra de Weber.

Tais considerações, longe de ter o sentido nor-mativo ("impõe-se a presença de Weber nosprogramas"), são formuladas com o intuito in-formativo, da parte de quem se encontra emcontato direto com o ensino de sociologia, em-bora não disponha de informação completa•.mente documentada sobre esse aspecto do pro-blema.

Nos manuais e textos didáticos brasileiros, amenção do nome de Weber e o resumo sobre al-guns dos conceitos que cunhou é relativamentefreqüente. Dentre esses manuais, citemos dois,

geralmente usados na preparação para ingressona universidade ou nos cursos introdutórios desociologia: Trata-se dos livros do Pe. Fer-nando Bastos de Ávila, em que discorre acercade alguns temas weberianos, notadamente o datipologia; e o do Prof. Paulo Dourado Gusmão,que versa também sobre esses assuntos e inclui,num glossário, definições weberianas. Deste úl-timo autor, em seu livro Teorias sociológicas,há um capítulo sobre Weber.

É curioso verificar a omissão do nome e daobra de Weber em manuais mais antigos. Tra-ta-se do caso do compêndio de Amaral Fontoura,destinado ao curso secundário, de acordo como programa da reforma de ensino de 1931 (asociologia foi retirada dos currículos desse ní-vel de ensino pela reforma de 1942). Mesmo naobra de Fernando de Azevedo,Principios de so-ciologia, que se diz, no subtítulo, "pequena in-trodução ao estudo da 'Sociologia geral", nãoconsta, da bibliografia, qualquer obra de Weber.Esse trabalho do veterano sociólogo brasileiroconstitui, no entanto, excelente obra introdu-tória, marcadamente durkheimeana. 31

Tem-se a impressão de que o uso da obra deMax Weber, para fins didáticos, nos cursos desociologia, economia e' ciência política firma-sedepois da descoberta, por sociólogos jovens, nasdécadas de 40 e 50, da importância e do vigorda análise weberíana de alguns temas funda-mentais da vida social no mundo moderno.

O Dicionário de sociologia, organizado porEmílio Willems, cuja primeira edição data de1950,contém muitos verbetes expondo conceitosinequivocamente weberíanos (ou engendradospor ele ou assimilados a seu quadro de referên-cia teórica básico). Alémde breve biografia dele,contém o dicionário boas definições, por exem-plo, de patrimonialismo, tipo-ideal, reciproci-dade, burocracia, dominação, carisma.

Agora, uma referência a coletâneas de textorecentemente organizadas no Brasil para finsdidáticos e em que foram incorporados capítu-los de Max Weber. E também registro de tradu-ções recentes de obras inteiras do autor, parauso nos cursos de ciências sociais.

No primeiro caso, mencionaríamos: "Os fun-damentos da organização burocrática: umaconstrução do tipo ideal", numa coletânea sobresociologia da burocracia; "Conceitos e catego-rias de cidade", numa coletânea de textos desociologia urbana; "Classe, status, partido",numa coletânea sobre estratificação social. Umtexto sobre castas e outro sobre feudalismo eEstado estamental aparecem também em cole-tânea sobre as teorias de estratificação, orga-nizada por Octavio Ianni.

Dentre as traduções recentes, encontra-se ade From Max Weber, cujo texto em portuguêsrecebeu a revisão técnica de Fernando Henri-que Cardoso.

Como curiosidade, assinale-se o aparecimen-to, quase simultâneo, em língua portuguesa, dequarto versões diferentes dos famosos textos de

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Weber sobre ciência e política: na tradução dolivro From'Max Weber; numa edição brasileirade 1970,formando um livro separado, com pre-fácio de Manoel T. Berlinck; numa edição por-tuguesa, com longa introdução de Hebert Mar-cuse e, como fragmento numa coletânea, intro-duzida, sobre o humanismo alemão.

Finalmente, neste item, caberia registrarcertos manuais e livros didáticos destinados aocurso superior, produzidos na América do Nor-te ou na Europa e traduzidos para o português,contendo informações e comentários sobre oa.utor que analisamos. Desses livros, apenas umé totalmente dedicado ao assunto: o do soció-logo francês Julien Freund, Sociologia de MaxWeber, editado no Brasil em 1970. Capítulossobre ele, em livros de teoria sociológica, há al-guns no de Nicholas S. Timascheff (p. 212-33),Teoria sociológica; o capítulo de John Rex emPrecursores das ciências sociais, coletânea edi-tada pelo inglês Timothy Raison; no manualde Bogardus, segundo volume. (As referênciascompletas dos trabalhos citados neste capítulopodem ser consultadas na bibliografia geral ouna nota sobre as edições em português.)

5. INFLU1!:NCIASINDffiETAS

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Assinalemos algumas influências indiretas deMax Weber na sociologia brasileira. Há algunslivros de autores americanos, bastante difundi-dos através de suas edições em espanhol e emportuguês, que se utilizam largamente dos con-ceitos weberianos, e que são adotados em cursosuniversitários. Mencionemos o de Peter Blau so-bre a burocracia nas sociedades modernas. To-do o esquema analítico é desenvolvido a partir.do tipo-ideal de burocracia. Da mesma forma, olivro de Kurt B. Mayer, Classe e sociedade é for-temente influenciado pelo nosso autor, espe-cialmente no capítulo terceiro, que trata do te-ma weberiano das dimensões da estratificaçãosocial.

C. Wright Mills talvez constitua o exemplomais brilhante de aceitação crítica do pensa-mento weberiano. Em Poder e política, porexemplo, desenvolve toda uma teoria da estra-tificação a partir das dimensões propostas porWeber. E no livro (recentemente traduzidopara o português) Caráter e estrutura social,de Gerth e Mills há uma notável presença doclássico alemão: por exemplo, todo o capítulosobre tipos de controle social constitui uma ex-plicitação de conceitos weberianos.

Da mesma forma, o pensamento de Parsons,notadamente quanto à idéia de ação social, re-presenta. no Brasil, urna influência indiretadas formuI ações weberianas.

Na sociologiada modernização, que chega aténós principalmente através de autores norte-americanos, pode-se verificar a presença deWeber. David Mac Clelland, por exemplo, aodesenvolver sua tese da "necessidade de êxito".

Revista de Administração de Empresas

"tenta psicologizar a tese clássica de Max We-ber" (da ética protestante) .32

6. CONCLUSAO- MARCOHISTóRICOE MARCAREGISTRADA

Este ensaio tem duplo caráter: informativo einterpretativo. Em nenhum dos dois sentidospretende ter esgotado o assunto. Pelo contrárioé apenas uma primeira abordagem sistemática'no campo da sociologia comparada, das reper:cussões desse clássico europeu no Brasil. Abriessa vereda, por vezes de forma hesitante, mascerto de ter tomado a meu cargo um tema alta-mente sugestivo e relevante. Cabe-me agora,com ajuda de outros interessados, aprofundar,retificar se for o caso, e ampliar a análise aquiexposta,

Um clássico: em qualquer sentido que se to-me esta palavra, será inevitável o rótulo parao caso de Max Weber. Ele o é, sem dúvida, comoautor que se usa obrigatoriamente nas aulasde sociologia, como autor definitivamente con-sagrado e como autor que contribuiu de mododecisivopara dar fundamento ao conhecimentosociológico cientifico.

Depois da exposição feita, dos vários ângulospelos quais vejo a presença de Max Weber noBrasil, a primeira verificação é de estarmosdiante de autor com larga e variada audiênciano Brasil. Sua obra repercutiu entre cientistassociais de mais de uma geração, entre cientis-tas sociais das ma1s variadas tendências. Desdeos sociólogos que praticam um conhecimentode cunho antropológico, até os interessados noconhecimento sociológicoda política ou do pró-prio conhecimento, passando pelos interessadosna transformação industrial 33 - FlorestanFernandes, Gilberto Freyre, Octavio Ianni,Guerreiro Ramos, Juarez Brandão Lopes, Cân-dido Procópio Camargo, Viana Moog, MárioWagner Vieira da Cunha, Emílio Willems, den-tre muitos outros - debruçaram-se sobre aobra de Max Weber e dela retiram ensinamen-tos para discutir problemas teóricos ou funda-mentar pesquisas. E isso em vários campos: so-ciologia do conhecimento, teoria sociológica,sociologia da administração, sociologia da -::s-tratificação, sociologia industrial, das religiões.

Na apreciação das contribuições weberianas,nosso sociólogoscontemporâneos demonstraramnotável autonomia de pensamento, quer nos-entido de prescindir dos comentadores maisconhecidos, quer no espírito crítico, de modo arejeitar como errôneas certas interpretações.

Mas desejo - já que os comentários foramfeitos no decorrer da exposição - insistir ape-nas na importância de Weber sob dois aspectos.O primeiro é como marco histórico, que, de cer-ta forma, muda o rumo do pensamento socio-lógico no Brasil. A temática e a forma de abor-dagem dos problemas foram inegav-elmente al-teradas depois da divulgação, em idiomas maisacessíveis, das obras capitais desse clássico. In-

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sisto em que a edição de Economia e sociedade,em 44, na língua espanhola, representa marcoindelével.

O segundo aspecto é que os termos weberia-nos - carisma, 34 líder carismático, patrimo-nialismo, organização burocrática - passa-ram ao domínio comum, são propriedade de to-dos. Advérbios como "patrimonialisticamente"(extenso como uma palavra alemã) aparecemcom. freqüência em textos brasileiros de socio-logia, sem que ocorra a necessidade de explicaro seusentído e a sua fonte.3B

O grau de adesão ao pensamento de Weber,entre nossos autores, é bastante variável, indodesde as simples citações de apoio ou o apelo aoargumento de autoridade até as confissões deafiliação.

Pressinto que as novas gerações sempre des-cobrirão clássicos da força de um Weber. Como início dos cursos de pós-graduação, principal-mente os mestrados em sociologia, os jovenscientistas. sociais brasileiros estão tendo opor-tunidade de reavaliar, nos cursos de teoriaso-cíológíca, o pensamento weberiano. E é possí-vel que a reavaliação critica se faça cada vezmenos com interferência de "intermediários",isto é, comentadores consagrados, brasileiros ounão. Os jovens sociólogos dirão em breve o quepensam de Weber e, se através dele, se lhesabre alguma fresta para compreender melhor oBrasil."

7. NOTA SOBRE TEXTOS DE MAX WEBEREM PORTUGU~

R=lacionamos a seguir, com algumas anotaçõesdirigidas aos interessados, os textos em portu-guês de que temos conhecimento, restringindo-nos apenas aos aparecidos em livro:- Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, ZaharEditores, s/data. Edição brasileira de FromMax Weber, compilada por Hans Oerth e C.Wright Mills. Trad. de Waltensir Dutra, re-visão técnica do Prof. Fernando Henrique Car-doso. 530p. A edição brasileira foi traduzida dasexta impressão (1963) da versão publicada em1946 pela Oxford Universlty Press.- Ciência e política, duas vocações.São Paulo,Cultrix, 1970. Trad. de Leonidas Hegenberg eOctany Silveira da Mota, Prefácio de ManoelT. Berlinck, professor-adjunto de sociologia daEscola de Administração de Empresas de SãoPaulo, da Fundação Getulio Vargas, 124 p. Osdois textos incluídos no volume intitulam-se,no original alemão, wissensctuitt Als Beru! ePolitik Als Beruj, editados, em 1967e 1968,porDunker & Hunblot, Berlim.

Da "Notícia sobre Max Weber", de ManoelBerlinck: "Ainda, entretanto, que se des-cubram as causas estruturais do pensa-mento weberiano e suas limitações episte-mológicas, sua contribuição à Sociologiapermanece central não só por suas análi-

ses comparativas, por seu método de com-preensão (verstehen), ou pela descobertadas conexões entre orientações valorativase comportamentos estruturais. O pensa-mento de Weber persiste também porquemuitas das caracteristicasda estruturasocial da República de WeiIri'arbasicamen-te se repetem em outras sociedades, emoutro tempos".

- O potitico e o cientista. Lisboa, Editorial Pre-sença Ltda., s/data. Tradução de Carlos Grifo.(Outra tradução dos mesmos textos citadosanteriormente.) 188 p. Prefácio de Herbert Mar-cuse (p. 9-44), contendo os seguintes subtítulos:Industrialização e capitalismo, O racíonalísmoformal, Capitalismo e domínio, A burocracia, Ocarisma, Tecnologia e libertação.- A vocação política. In.: Bucher, WolfrangLempe. ed. Antropologia humanística alemã.Porto Alegre, Editora Globo, 1972. Trata-se deum fragmento do ensaio (p. 264-70), acompa-nhado de nota introdutória.- "Os fundamentos da organização: umaconstrução do tipo-ideal". In. Campos, Edmun-do. (Organização, introdução e tradução) So-ciologia da burocracia. 1. ed. Rio de JaneiroZahar Editores, 1966.O texto (p, 16-27) é trans ...crito de The essenciaIs of bureaucratic organi-zation: an ideal-type construction, In. Merton,Robert K. et alli. ed. Reader in bureaucracy.Glencoe, ·Illinois, Free Press, 1963. }>. 18-27.- Classe, status, partido. tradução de OtavioGuilherme C. A. Velho. In: Bertelli, ÂntônioRoberto. et alii (organizadores). Estrutura declasses e estratificação social. 2 ed. Rio de Ja-neiro, Zahar Editores, Textos básicos de ciênciassociais, .1969. O texto de Weber (p, 57-75) foiextraído de From Max Weber: essaysin socio-logy (tradução para o inglês, edição e intro-dução de H. H. Gerth e C. Wright MUls), Ox-ford University Press, 1946.- Conceito e categorias da cidade. Trad. deAntônio Carlos Pinto Peixoto. In: Velho, OtávioGuilherme (organizador). O fenômeno urbano.1. ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, Textosbásicos de ciências sociais, 1967. O texto deWeber (p. 73-96) foi publicado pela primeiravez no Archiv !ür Sozialwissen8cha!t unâ Sozialpolitik, t. 47, 1921.p. 621 ss (Primeira parte detrabalho intitulado "Die Stadt"). Traduzido deEconomía y sociedade 11. México, 1964, trad.por José Medina Echeverría e outros, cotejadocom The city, trad. e org. por Don Martindalee Gertrud Neuwirth, Glencoe, Illinois, The FreePress, 1956.

Da introdução do organizador:"Como em tantos tópicos, também no es-tudo da cidade aparece o nome do grandecientista social alemão Max Weber. Toda-via, para Weber, o estudo da cidade insere-se num plano mais ambicioso, e que é o

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Max Weber na sociologia brasileira

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estudo da origem e desenvolvimento damoderna economia ocidental, ou seja, docapitalismo, inclusive lançando mão dedados comparativos oriundos de outrasformações históricas". p.9.

- O conceito de casta. Trad. de Oracy No-guelra. In: Ianni, Octavio. ed. Teorias de estra-tificação social. (Leituras de sociologia). SãoPaulo, Companhia Editora Nacional. Transcri-to de Max Weber, The religion ot India. Tradu-zido e editado em inglês por Hans H. Gerth eDon Martindale, p. 29-54.Notas de pé de páginade Octavio Ianni.- Feudalismo e Estado estamental. Trad. deHeloísa Helena Teixeira de Souza Martins. In:Ianni, Octavio. op. citop. 186-238.Traduzido dasegunda edição mexicana (1964) de Economiae sociedade. A tradutora acrescenta uma sériede notas informativas, em geral de caráter lin-güístico, econômico e jurídico, para cuja reda-ção se valeu da ajuda de muitos especialistasda Universidade de São Paulo.- Sobre a teoria das ciências sociais. Lisboa,Editorial Presença, 1974. Biblioteca de ciênciashumanas. Trad. de Carlos Grifo Barbo. O vo-lume engloba dois ensaios: A objetividade doconhecimento nas ciências e na política sociais(p. 7-111) e O sentido da "neutralidade axioló-gica" nas ciências sociológicas e econômicas(p. 133-92). O primeiro desses textos foi pu-blicado pela primeira vez em 1904quando We-ber passou a integrar o comitê de redação darevista Archiv für Sozialwissenschaft unâ So-zuü politik. O segundo - em 1917- constituirevisão de manuscrito destinado a ser apresen-tado, em 1913, à Associação de Politica Social.

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1 A influência de Spencer e Comte é assinalãvelentre os primeiros SOCiólogosbrasileiros. No meionão-especializado, autores importantes têm poucarepercussão no fim do século XIX e início do XX.Eis um comentário bem ilustrativo de Gilberto Frey-re sobre as leituras de obras .estrangeiras nessaépoca, no Brasil:

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"Foi essa situação de inteiro abandono de partetão considerãvel da população, que se tornoualarmante aos olhos de médicos com espíritopúblico, os quais começaram a bradar que oBrasil se estava transformando em 'vasto hos-pital'; e a despertar com esses brados antesclínicos que socíológícos, os políticos da Repú-blica de 89 e os seus clérigos: homens mais lei-tores de Anatole France do que de Georges Sorel;quase todos mais entusiastas de Le Bon do queLe Play, e de todo alheios ao que em inglês vi-nham escrevendo, naqueles dias, sociólogos ouparassociólogos como os Webbs ou como PatrickGeddes. Isso sem se fazer referência aos Wil-liam Morris, aos Max Weber, aos Georg Simmel,aos Thorstein Veblen - quase de todos ignora-dos no Brasil da época pela brasileiros maiscultos - alguns dos quais se aperceberam ape-nas, sugestionados por Joaquim Nabuco, de umtanto simplista Henry George" (Ordem e Pro-gresso, t. 2, p. 733-34).

Qyanto a Weber, nunca foi muito citado pelas gera-coes posteriores à da implantação da República, atéser descoberto, na década de 40. Um exemplo curio-so: Pontes de Miranda, que lia e lê alemão, em suaIntrodução à sociologia geral (1926) não cita umaúnica vez Max Weber (a julgar pelo índice onomás-tico) .

2 Tobias Barreto editou um jornal em alemão em~ua pequena cidade nordestina. "Na cidade sertaneja,imprime um jornal estranho, do qual era o únicoredator e talvez o único leitor: Deutscher Kampfer",Vita, Luís Washington. Panorama da filosofia noBrasil, p. 88.

3 Os exemplos mais evidentes desse progresso po-dem ser encontrados na produção sociológica de SãoPaulo na década de 60. Refiro-me particularmenteà sociologia da industrialização.

Revista de Administração de Empresas

4 Para uma periodização dos estudos sociais no Bra-sil, leia-se de Andrade, Almir de. A formação da so-ciologia brasileira, especialmente a nota introdutó-ria. Há uma curiosa crítica a esse trabalho no pe-queno livro de artigos de Buarque de Holanda,Sérgio. Cobra de vidro. Martins Editora.

S Consultar os trabalhos de Fernando Azevedo, es-pecialmente o apêndice de Princípios de sociologia.E também As ciências sociais no Brasü, de L. A. Cos-ta Pinto e Edison Carneiro.

6 Esse debate foi travado especialmente por A. Guer-reiro Ramos e Florestan Fernandes. Ver desses au-tores, respectivamente, Introdução crítica à sociolo-gia brasileira e A etnologia e a sociologia no Brasil.

1 Grande parte dessa polêmica travou-se em tornodos estudos de comunidade. Estes evoluíram de umametodologia etnográfica para a sociológica. Hoje, fa-zem-se mais como sociologia aplicada (ao desenvol-vimento comunitário, aos problemas urbanos, àsquestões de habitação, etc.>. T.ambém não: tem maissentido a crítica à fragilidade metodológica dos estu-dos globais da sociedade brasileira. Atualmente, ape-sar de se ter perdido a ambição das sínteses brilhan-tesda realidade brasileira ainda se fazem estudosg-lobais, porém com a utilização de dados agregadosmuito mais seguros, confiáveis e bem elaborados doque os utilizados (quando o eram), algumas décadasatrás, pelos ensaístas brasileiros.

8 Consultar os livros mencionados na nota 6. E mais:A redução sociológica (Guerreiro) e A sociologia nu-ma era de revolução social (Florestan).

9 Infelizmente não consegui ler esse ensaio pioneirode Emílio W11lems.

10 Guerreiro Ramos, A. A sQCiologia de Max Weber.O autor descobre a relevância do pensamento deWeber e transmite a descoberta nesse artigo. As li-nhas iniciais documentam o ponto de vista susten-tado no presente ensaio, segundo o qual a traduçãopara o espanhol de Economia e sociedade, em 1944,representa marco histórico na evolução da sociolo-gia no Brasil: "A tradução integral da obra de MaxWeber - Wirtschaft UM Gesellschaft - empreen-dida pela editora mexicana - Fundo de Cultura Eco-nômica, sob a esclarecida direção de José MedinaEcheverría, é um acontecimento a cuja magnitudeesta revista não pode permanecer indiferente. l!:: estaa primeira vez que a referida· obra aparece em .lin-gua diferente da original, pois a anunciada tradu-ção de seu primeiro volume, realizada por Parsons-Henderson, não foi editada até o presente e, ao queme consta, circula mimeografada, em restritos cen-tros de estudo dos Estados Unidos". Praticamente,em todos os outros trabalhos de Guerreiro Ramos hácitações de Weber. Em Sociologia industrial, cita oensaio weberiano sobre "a restrição voluntária daprodução pelos operários", em seu texto alemão("Zur Psychophysik der Industrielle Albeit", de1924), citado também por Juarez Brandão Lopes, queelaborou um ensaio sobre o assunto, incluído emSociedade industrial no Brasil. No número anteriorda RSP, Guerreiro Ramos publicara outro artigo,Administração e política à luz da sociologia, que men-ciona também Economia e sociedade.

1:1 Sobre burocracia e patrimonialismo ver a síntesede Lopes, Juarez Brandão. A crise do Brasil arcaico.p. 15-8.

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Como síntese, também o prefácio de Mário WagnerVieira da Cunha, ao livro Sociedade industrial noBrasil.A Mário Wagner Vieira da Cunha deve-se tambémimportante ensaio sobre Resistências da burocraciaàs mudanças sociais, no setor público e no setor pri-vado. Diz o autor:

''Necessârio se torna partirmos de uma noçãopreliminar de burocracia, como de desenvolvI-mento econômico. Nosso objetivo não será,porém, o de permanecer no plano meramenteconceitual. Tanto quanto possível, desejariamosnos reportar aos estudos brasileiros sobre a ma-téria, analisando-os e esboçando as linhas mes-tras das indagações no Brasil sobre a relaçãoentre a burocracia e o desenvolvimento econô-mico."

A seguir, o autor fornece um resumo do tipo-idealde burocracia, segundo a interpretação de Peter Blau.Também a Octávio Ianni devem-se dois pequenosensaios em torno da burocracia no Brasil: Desen-volvimentos patológicos da burocracia e Burocratiza-ção e relações de classe, ambos inseridos no livroIndustrialização e desenvolvimento social no Brasil.Tratam ambos de comportamentos tradicionalistasem oposição à racionalidade burocrática. No segun-do, cita-se expressamente o texto de Weber, TheessenciaIs of bureaucratic organízatíon: an idealtype construction (da coletânea organizada porMerton). Não analiso aqui um livro muito bem re-cebido pelos especialistas, Os donos do poder, deFaoro, por se tratar de trabalho de historiografia.

12 Se fosse francês, certamente Roberto Cardoso deOliveira seria citado como um etno-sociólogo, assimcomo Balandier. Seus trabalhos oscilam entre asClassificações de antropologia social e sociologia.Faz, no capítulo denominado Problemas e hipótesesrelativos à fricção interétnica, interessantes observa-ções de ordem semântica e sociológica em torno dosconceitos de poder e autoridade, em Weber, e a for-ma como seriam aplicáveis na apreciação dos con-tatos entre sociedade nacional e grupos indígenasnela incluídos.

13 Lopes, Juarez Rubens Brandão. O processo his-tórico e Max Weber. In: Sociologia e história. p. 74.

14 Fernandes, Florestan. Fundamentos empíriCOS daexplicação sociOlógica. capo 5.

rs Id. ib. 'p. 10l.

16 Fernandes, Florestan. A sociologia numa era derevolução social.

17 Guerreiro Ramos. Introdução critica à sociologiabrasileira. p. 90.

18 Id. ib. p. 109.

19 Fernandes, Florestan. Ensaios de sociologia gerale aplicada, p. 73-4.

2(1 Fernandes, Florestan. Sociedade de classes esubdesenvolvimento. p. 40.

21 Texto sobre o assunto, de Juarez Rubens BrandãoLopes, encontra-se em Sociedadé industrial noBrasil. Veja-se especialmente o capítulo 6. O deMaria Isaura Pereira de Queiroz é o artigo publicadOnos Cahiers Internationaux de Sociologia, em umdos números dedicados, em 1965, ao problema dasclasses sociais no mundo. O conceito de classe e as'dimensões da estratificação, expostos nos parágrafosintrodutórios do artigo foram tomados de Max We-

ber, citando-se a edição de 44, mexicana, de Econo-mia e sociedade. trm dos interesses de que se revesteesse texto é o tratamento que a autora dá ao pro-blema de fundamentais diferenças entre estratifica-ção urbana e rural no' Brasil. É pena que os dadosque utiliza sejam de 1950.

22 Pereira, Luiz. Ensaios de sociologia do desenvol-vimento. p, 23. O autor utiliza, nessa análise, FromMax Weber e The methodology ot social sciences.ShUs & Finch. ed. Glencoe, Free Press, 1949.

23 Viana Moog cita e discute longamente as tesesda ~tica J1Totestante pondo-as em confronto comoutras explicações sobre a origem do capitalismo esobre as diferenças entre as posições protestantes ecatólicas diante da vida econômica. O escopo desseconhecido ensaio é o de compreender as diferençasda evolução histórica dos Estados Unidos e do Bra-sil. Deixo de citar, neste capítulo, certos tipos detrabalho aos quais é difícil o acesso, como as tesesacadêmicas. Fui rever uma tese minha conhecida, ado Prof. José de Faria Tavares, Aspectos sociológicosda 'realidade econômica, de 1952,e nela encontro mui-tas referências ao pensamento weberíano, recolhidoda edição mexicana de Economia e sociedade, deFrom Max Weber e da ~tica protestante.

2' Lopes, Juarez Rubens Brandão. A sociedade in-dustrial no Brasil. p. 100.

25 A crne do Brasil arcaico.

26 Id. ib. p. 149.

27 Juarez Rubens Brandão Lopes, em A crise doBrasil arcaico, afirma: "A ênfase deve ser na com-preensão das relações de trabalho, dentro da matrizda organização da empre~ e da estrutura social V!S-tas uma e outra como fenomenos em transformaçao.É este o modo de se colocar a problemática da so-ciologia nesse campo: com a perspectiva da socie-dade em mudança, onde a empresa, sindicato e pe-quenos agrupamentos de trabalho se inserem. Os fe-nômenos no nível da microssociologia ~do trabalho,se assim podemos nos expressar ( ... ) nao dev.:;.mserentendidos isoladamente, A natureza dos padrões deorganização da empresa precisam ser concebido~ co-mo em processo de mudança, como de fato estão. Aprópria sociedade de classes - e nessa a classe ope-rária e a dos empresários industriais - acha-se emprocesso de constituição". p. 20.

28 Vieira da Cunha, Mário Wagner. O sistema ad-ministrativo brasileiro. INEP, 1962. passim.

29 Ferreira de Camargo, Cândido Procópio. Karde-cismo e umbanda. p, 13.

30 Id. ib. p. 112. 6131 Deixo de comentar as referências do livro Socio-logia, de Gilberto Freire, onde encontro 37 alusõesa Weber. Esse livro não apenas é mais do que sim-ples manual. mas também foi escrito e editado (pelaprimeira vez) antes do período aqui tomado, isto é,a partir de 1950.

32 Ver Beltrão, Calderán. Socjologia do desenvolvi-mento. p. 157-8.

33 Adoto aqui a típología de Jean Duvignaud sobreestudos sociológicos no Brasil. Ver Le Brésil dana"sa" socjologie.

3' "Weber reproduziU este conceito de RudoU Sohn,historiador da igreja e jurista de Estrasburgo". HansGerth e C. W. MUIs no prefácio aos Ensaios socio-logia. p. 70.

Max Weber na sociologia brasileira

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35 Os dicionários comuns, entretanto, não registram,em geral, esses termos. Numa rápida pesquisa, sóencontrei no Novo Dicionário Brasileiro Melhora-mentos, 3~ edição revista, verbetes adequados dostermos engendrados ou difundidos por Max Weber.Curiosamente, no estafe desse dicionário, entre osencarregados de "leitura geral ou preparo de ter-mos especializados", encontra-se o nome do soció-logo Fernando de Azevedo.

Eis duas definições:

"Patrimoniallsmo, s.m. (1. patrimonial + ismo).Sociol. Tipo de organização politica em que asrelações subordinativas são determinadas pordependência econômica e por sentimentos tra-dicionais de lealdade e respeito dos governadospelos governantes.Carl8ma, s.m. (gr. kharisma). Teol. ( ... ) Sociol.Conjunto de qualidade excepcionais inerentes aum certo tipo de lider".

Carisma tem, assim, um sentido teológico. (graça)e um sentido sociológico, que muito deve a Weber.Na Enciclopédia Abril (fascículo 129) há um bomverbete sobre patrimonialismo. O consultor dessa pu-blicação, para os termos de sociologia, é FernandoHenrique Cardoso.

Desejo terminar estas notas com um epísõdío anedó-tico, mas muito ilustrativo de dois aspectos: a difi-culdade do idioma alemão, 'para os brasileiros, fato aque aludi na .introdução, e a presença de termos we-berianos (como um espéeíe de influência difusa) emnosso meio. O jornalista e escritor mineiro VivaldiMoreira em seu livro Milton Campos, pOlítica e letras,que é uma coletânea de artigos de jornal, escreve:

"Em certa época, nem tão distante assim, vulgari-zou-se o conceito de 'homem carismático', introdu-zido na sociologia pelo ilustre pensador alemão MaxWeber. A circunstância de ser o alemão língua depoucos entre nós, ficou o conceito de 'homem ca-rismático' pertencente a certo político brasileiro, quelê nessa língua, como criação sua... até que as tra-duções francesa e espanhola da obra Economia e

Sociedade chegasse a nós" (p. 99). Dois dias depoisde publicada essa observação em jornal de Belo Ho-rizonte, outro cronista, Gualter Gontijo Maciel, es-creveu:

"Leio sempre com prazer tudo o que escreve meuamigo Vivaldi Moreira. ( ... ) Li o que escreveudomingo sobre 'O homem carismático'. Erudi-tamente, começou por acentuar que o conceitode 'homem carismático' não é invenção de 'cer-to político brasileiro' que, familiarizado comlíngua alemã, não fez mais do que trazer parao nosso idioma o conceito de Max Weber. Essepolítico é o Sr. Francisco Campos. Por que Vi-valdi não citou o seu nome?" (p. 102).

36 Este ensaio encontrava-se já redigido quandotomei conhecimento de alguns trabalhos produzidospor jovens sociólogos, e contendo interpretações elargas citações do pensamento weberiano. Dois livrosde caráter eminentemente didático incluem-se nessalinha. O primeiro, do professor paulista Sedi Hira-no, Castas, estamentos e classes sociais, tem comosubtítulo Introdução ao pensamento de Marx e We-ber, sendo, na verdade, útil monografia sobre o pen-samento dos dois autores no tocante à estrutura declasses, estratificação e temas correlatos como di-visão do trabalho. O segundo é um livro de leituras,organizado por Anna Maria de Castro e EdmundoF. Dias, intitulado Introdução ao pensamento socio-lógico. Contém informações biobibliográficas sobreDurkheim, Weber, Marx e Parsons, além de textosselecionados desses sociólogos e comentários emtomo deles. Quanto a Weber, utilizaram a ediçãomexicana de Economia e sociedade (de 1969) e aedição francesa, Le savant et le politique. Finalmen-te, um terceiro exemplo de repercussão do pensa-mento weberiano nas novas gerações: o artigo dajovem professora goiana Maria Cristina TeixeiraMachado, Weber e a psícología social das realigões,aparecido no suplemento Caderno Especial, deO Popular, .de Goiânia, utlllzando-se de textos dosEnsaios (Flrom Max Weber) e do estudo de Bandix.

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