1. INTRODUÇÃO - assis.unesp.br · ... contribuir para a conservação do ... deve-se recorrer às...
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1. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................22. PROBLEMAS GENÉTICOS EM PROJETOS DE REPOVOAMENTO.......................................2
2.1 Problemas Genéticos com o Estoque DOADOR........................................................................32.2 Problemas Genéticos com o Estoque FUNDADOR ..................................................................52.3 Problemas Genéticos com Estoque REPRODUTOR.................................................................92.4 Problemas Genéticos com o Estoque REPOVOADOR ...........................................................112.5 Problemas Genéticos com o Estoque RECEPTOR ..................................................................13
3. MANEJO GENÉTICO: RECOMENDAÇÕES PRÁTICAS.........................................................134. MONITORAMENTO GENÉTICO...............................................................................................16
4.1 Marcadores Genético-Bioquímicos ..........................................................................................174.2 Marcadores Citogenéticos e Genético-Moleculares .................................................................184.3 Marcadores Morfogenéticos .....................................................................................................19
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................................19
1. INTRODUÇÃO
Programas de manejo e monitoramento genético de peixes usados no repovoamento de
reservatórios de hidrelétricas vêm, desde 1987, sendo desenvolvidos em conjunto pelo Laboratório
de Genética de Peixes do IB/USP (São Paulo) e pela Companhia Energética de São Paulo, CESP.
Os principais resultados obtidos até o momento já constam de várias publicações 2, 3, 5 e foram
recentemente resenhados 1,9
0 principal objetivo genético desses programas de manejo e monitoramento tem sido,
em última análise, contribuir para a conservação do potencial biológico de populações selvagens de
peixes, cujo hábitat tenha sido alterado, e que corram, portanto, risco de redução ou até mesmo de
extinção.
No presente trabalho, são apresentados e discutidos os problemas genéticos a que estão
sujeitos os estoques de peixes envolvidos nos projetos de repovoamento de reservatórios e
sugeridas medidas de manejo e monitoramento destinadas a minimizar os riscos a que estão sujeitos
esses estoques.
Embora a presente discussão seja baseada em grande parte na experiência adquirida
com o curimbatá, Prochilodus lineatus (Valenciennes, 1836) (= P. scrofa, Steindachner,1881) e a
pirapitinga do sul, Brycon cf reínhardtí do reservatório da hidrelétrica de Paraibuna, SP,
acreditamos ser válida para a grande maioria das espécies de peixes atualmente usadas em projetos
de repovoamento em nosso país.
2. PROBLEMAS GENÉTICOS EM PROJETOS DE REPOVOAMENTO
Nos projetos de repovoamento de reservatórios, lida-se basicamente com cinco tipos de
estoques de peixes (Tabela 1), a saber: DOADOR, formado por populações selvagens ou cultivadas,
ou ainda por misturas de selvagens ou cultivadas, a partir das quais são escolhidos os fundadores;
FUNDADOR, procedente de amostras extraídas do doador, que constituirão o chamado "plantel de
reprodutores" da estação de aqüicultura; REPRODUTOR, amostra do estoque fundador
efetivamente usada como parental (geração P1); REPOVOADOR, constituído por amostras da
progênie (geração F1) do estoque reprodutor, que serão introduzidas nos reservatórios;
RECEPTOR, formado pela população de peixes já existente no reservatório a ser repovoado. Há
certos projetos de repovoamento, que envolvem a transferência direta de estoques de uma para
outra bacia hidrográfica, dentro da área de distribuição ocupada pela espécie; nestes casos, lida-se
somente com os estoques DOADOR não-nativo e RECEPTOR nativo.
TABELA 1. Problemas genéticos potenciais nos estoques de peixes envolvidos em projetos derepovoamento de reservatórios.
Tipos de Estoques Características Populacionais
Problemas Genéticos Potenciais
- DOADOR - Populações selvagens nativas ounão-nativas
- Populações cultivadas- Populações híbridas (selvagem x
cultivada)
- Ausência de informações sobreBiologia e Genética Populacionais dasespécies.
- FUNDADOR - Amostra do estoque doadorconhecida como plantel dereprodutores
- Perda da heterozigose e da diversidadealélica.- Seleção para as condições de cultivo.
- REPRODUTOR - Amostra do estoque fundadorefetivamente utilizada comoparental (Geração P)
- Baixos valores de Ne (número efetivode reprodutores).
- REPOVOADOR - Geração F1 do estoquereprodutor usada para solturanos reservatórios
- Efeitos da consangüinidade e da derivagenética.
- RECEPTOR - Populações já existentes noreservatório
- Competição, predação e introdução deparasitos.- Hibridação.- Falta de adaptação às condições doreservatório.
0 manejo inadequado dos estoques usados nos projetos de repovoamento pode causar
uma série de problemas genéticos que, em maior ou menor grau, apresentam riscos que podem
comprometer o bom desempenho desses projetos.
2.1 Problemas Genéticos com o Estoque DOADOR
Ao se iniciar a execução de um projeto de repovoamento, a primeira decisão a ser
tomada é a escolha de um estoque doador. 0 procedimento mais comumente usado é escolher o
doador entre os estoques mais prontamente disponíveis e os de mais fácil obtenção, quer a partir de
populações selvagens quer a partir de cultivadas. Esse tipo de procedimento tem levado a inúmeras
transferências de estoques não-nativos, dentro e fora da região geográfica naturalmente ocupada
pela espécie. A fundamentação teórica usada para justificar essas transferências tem sido baseada,
em grande parte, no conceito tipológico de que "um peixe é um peixe", ou seja, de que, dentro de
uma dada espécie, um indivíduo apresenta o mesmo potencial genético que qualquer outro
indivíduo.
Essa abordagem é biologicamente equivocada, porque não considera o conceito
populacional, já bastante firmado na literatura atual, de que as espécies de peixes na natureza são
subdivididas em unidades reprodutivas menores, designadas como populações locais,
subpopulações, estoques, demes ou bancos 1,6 . As características mais importantes dessas
unidades biológicas são: área e tempo comuns de desova, integridades genética, morfológica e
etológica, alto grau de isolamento das demais populações locais, especialização ecológica e
adaptação local. 0 conceito tipológico é também equivocado quando aplicado às populações
cultivadas há muito tempo e que foram selecionadas para a domesticação; essas populações já estão
adaptadas às condições artificiais das estações de aqüicultura e, quando introduzidas nos
reservatórios, irão apresentar menores chances de sobrevivência e crescimento do que as selvagens
nativas. Portanto, a transferência de populações de peixes de seu ambiente histórico, para o qual
foram selecionadas por inúmeras gerações, para um outro novo faz com que o equilíbrio
genético-adaptativo, já estabelecido no primeiro, se torne ineficiente no segundo. De fato, dados
recentes da literatura têm mostrado que peixes pertencentes a uma determinada população local
apresentam melhor desempenho quando reintroduzidos em seu ambiente nativo do que em
não-nativo 6 . Assim, sempre que se tiver que escolher entre estoques doadores selvagens e
cultivados, é mais aconselhável optar pelos selvagens, porque estes geralmente superam os
cultivados em projetos de repovoamento. Do mesmo modo, quando se dispuser de doadores
selvagens nativos e não-nativos, é recomendável escolher os nativos.
Dado que as espécies de peixes são, de um modo geral, subdivididas em populações
locais cuja integridade genética deseja-se preservar através do repovoamento, o grande desafio que
se coloca é tentar delimitar as áreas geográficas ocupadas pelas populações locais. A caracterização
das subpopulações é um dos problemas mais freqüentemente enfrentados pela área de genética de
peixes. É um tipo de investigação bastante trabalhosa e por vezes demorada: por exemplo, a já
clássica delimitação das populações locais do bacalhau no Atlântico Norte vem sendo realizada há
cerca de 30 anos 6.
Dentre a variada metodologia disponível atualmente na literatura, os métodos
genético-bioquímicos (eletroforese de proteínas) e os genético-moleculares (padrões de DNA
genômico e mitocondrial submetidos a enzimas de restrição) são, no momento, os mais apropriados
para a análise da estrutura populacional de peixes, porque proporcionam informações bastante
seguras sobre os níveis de variabilidade e similaridade genética entre diferentes subpopulações6. Os
princípios acima referidos têm sido aplicados nos projetos de repovoamento do reservatório de
Paraibuna, SP, envolvendo o curimbatá. Por exemplo, verificou-se que o grau de similaridade
genética entre populações selvagens de curimbatá dos rios Mogi-Guaçu e Paraíba do Sul se mostrou
de tal ordem (=99%), que se justifica, em grande parte, o uso de estoques derivados do primeiro
local como doadores, em projetos de repovoamento realizados no segundo local 2,4.
Os projetos destinados à conservação de recursos genéticos de uma espécie de peixe
através do repovoamento devem considerar mais um aspecto. A variabilidade genética de uma
espécie compreende não só a variação existente dentro de uma população local, mas também as
divergências genéticas entre populações locais de uma ou várias bacias hidrográficas. Por exemplo,
admitamos que uma espécie de peixe em perigo de extinção apresente os seguintes níveis de
variabilidade genética: 20% dentro de cada subpopulação de uma bacia; 25% entre as várias
subpopulações de uma bacia e 55% no conjunto das subpopulações de três bacias diferentes. Neste
caso, é mais importante, para finalidades de conservação genética, manter subpopulações das três
bacias, do que manter subpopulações múltiplas de uma própria bacia. Sabe-se, também, que peixes
com baixa taxa de migração apresentam maiores diferenças genéticas entre subpopulações de uma
só bacia 6 ; por outro lado, as espécies com elevada taxa de migração (por exemplo, os peixes
brasileiros de piracema) apresentam geralmente maiores divergências entre subpopulações de
diferentes bacias. 0 caso dos curimbatás dos rios Mogi-Guaçu e Paraíba do Sul aparentemente
constitui uma exceção; sabe-se, porém, que o curimbatá utilizado no repovoamento do rio Paraíba
do Sul é proveniente de estoques que teriam sido coletados anteriormente no rio Mogi-Guaçu, o
que, em parte, explicaria o alto grau de semelhança genética entre ambos 4.
Logo, é importante conhecer a quantidade e a distribuição dos tipos de variações e
divergências genéticas existentes nas populações de peixes a fim de melhor assegurar a preservação
dos recursos genéticos.
Em conclusão, para a escolha adequada de um estoque doador, deve-se considerar a
importância biológica das adaptações locais e da estrutura genético-populacional. Na ausência
destas informações, não se tem idéia sobre os recursos genéticos disponíveis, tornando-se muito
difícil o planejamento de um esquema racional visando ao repovoamento. No entanto, não existe
uma estratégia única aplicável a todas as situações. Caso não se disponha de dados genéticos,
deve-se recorrer às informações sobre a biologia populacional da espécie (por exemplo, local de
desova, área e distância de migração, barreiras geográficas, etc), que proporcionarão subsídios para
a caracterização de possíveis populações locais. 0 exemplo brasileiro mais conhecido é o da
delimitação da população do curimbatá no rio Mogi-Guaçu
2.2 Problemas Genéticos com o Estoque FUNDADOR
Para dar continuidade a um projeto de repovoamento, após a escolha do estoque doador,
deve-se tomar outras decisões de ordem genética com relação ao estoque fundador, a saber: 1)
Quantos bancos genéticos devem ser mantidos? 2) Qual o número de fundadores que deve ser
coletado? 3) Como selecionar os futuros reprodutores?
1) Número de bancos genéticos- Em muitos casos, é importante manter em separado
dois ou mais bancos genéticos; isto é aconselhável, em especial, no caso das espécies de piracema,
nas quais a maior parte da diversidade genética ocorre entre populações locais de diferentes bacias
hidrográficas e é contraproducente misturar estoques de rios diferentes para evitar a diluição da
diversidade genética das subpopulações de cada lugar. Em outros casos, quando a maior parte da
diversidade genética ocorre entre as subpopulações de uma mesma bacia, é até conveniente juntar
várias populações locais. Em certas situações, por falta de disponibilidade de tanques, só e possível
manter um único banco genético na estação de aqüicultura. Nesse caso, deve-se decidir entre
manter somente um estoque de uma dada população local ou misturar várias populações locais.
Deve ser lembrado, no entanto, que as adaptações e estabilidades genéticas locais serão perdidas
quando estoques de duas ou mais bacias diferentes forem juntados num único. Este é o tributo a ser
pago quando se tem por objetivo manter a maior parte da variabilidade genética de uma espécie em
um único banco genético.
2) Número de fundadores - A formação do estoque fundador é uma das etapas mais
importantes em um projeto de repovoamento, pois é nesse estoque que está contida toda a
variabilidade genética representativa do potencial biológico dos futuros reprodutores. Idealmente, o
estoque fundador deve ser formado por um número suficiente de exemplares que reflitam o mais
açodadamente possível a composição genética do estoque doador. Sob o aspecto genético, o
estoque ideal deve ser infinitamente grande. Um estoque próximo ao ideal só é encontrado na
natureza e, mesmo assim, quando não-sujeito a intervenções significativas por atividades humanas.
Infelizmente, as estações de aqüicultura não podem abrigar estoques infinitamente grandes, mas só
finitamente pequenos. Quando se forma- um estoque fundador, reduz-se bruscamente o número de
peixes (afunilamento ou gargalo genético); desse modo, cria-se o chamado efeito ou princípio do
fundador, que é a perda da variabilidade genética ocorrida quando o estoque fundador é iniciado
com pequeno número de indivíduos. A curto prazo, ou seja, antes de se produzir a geração F1,
podem ocorrer problemas genéticos quantitativos (perda da variabilidade genética) e qualitativos
(redução da diversidade alélica). De um modo geral, o afunilamento apresenta maiores efeitos
qualitativos do que quantitativos.
Examinemos em primeiro lugar a perda da variabilidade genética. Após a redução de
uma população natural (estoque doador) para uma menor (estoque fundador) contendo N
indivíduos, a quantidade de variabilidade genética (heterozigose) que permanece pode ser expressa'
pela fórmula 1 - 1/2N . Por exemplo, um estoque fundador com cinco casais de exemplares (N=10)
contém 95% da variabilidade genética total existente no estoque doador do qual se originou, ou
seja, houve uma perda de 5%. Como mostrado na Tabela 2, a maior parte da variabilidade é
conservada, a menos que o afunilamento tenha sido muito severo.
TABELA 2. Porcentagem de variabilidade genética retida e perdida no estoque fundador.
Número de exemplares Porcentagem de variabilidade genéticano estoque fundador Retida perdida
1 50,0 50,02 75,0 25,05 90,0 10,010 95,0 5,020 97,5 2,550 99,0 1,0100 99,5 0,5
Outro modo de se considerar as conseqüências da coleta de um pequeno número de
fundadores é em termos da perda de alelos, em especial dos que são raros no estoque doador. Após
um evento de afunilamento, o número de alelos (n) que permanece no estoque fundador é dado pela
expressão ( )∑ −−=i
NiPmn 21 onde: m é o número de alelos no estoque doador antes do
afunilamento, P, representa as freqüências alélicas no estoque doador e N é o número de exemplares
fundadores. Por exemplo, o número de alelos retidos por cinco casais de fundadores (N =10)
quando se tem quatro alelos no estoque doador (m=4), cujas freqüências são P1 = 0,70 e P2 = P3 =
P4 = 0,10 é 3,63: ( )20202020 9,09,09,03,04 +++−=n = 4 - 0,3647 = 3,63. Em contraste com os
efeitos relativamente pequenos do afunilamento sobre a diminuição da variabilidade genética (ver
Tabela 2), os resultados da Tabela 3 mostram que o número médio de alelos pode ser afetado
seriamente pelo efeito do fundador.
Portanto, a formação do estoque fundador - evento durante o qual um estoque doador
sofre uma redução numérica drástica - apresenta as seguintes conseqüências: a) perda da
variabilidade genética, efeito não muito grave, pois com apenas dez fundadores 95% da
variabilidade são retidos; b) perda de alelos, importante especialmente para aqueles com baixa
freqüência; pelo menos trinta fundadores devem ser usados, para que se tenha 95% de
probabilidade de que um alelo com a freqüência de 5% ainda esteja presente. A curto prazo, a perda
de alelos ma is raros não parece ser tão importante; porém, a longo prazo a falta desses alelos pode
ser crucial, como no Caso do gene para as transferrinas de peixes, no qual vários alelos estão
envolvidos, os quais estão possivelmente também relacionados com a resistência a doençaS4; sua
perda pode aumentar a mortalidade durante períodos de epidemia. É prudente, portanto, sempre que
possível, maximizar o número de fundadores. 0 número mínimo absoluto de fundadores,
recomendado na literatura para projetos de re povoamento, é de 25 machos e 25 fêmeas 6.
TABELA 3.Número de alelos retidos no estoque fundador, após eventos de afunilamento, onde mé igual a 4 e as freqüências alélicas são indicadas.
Número de exemplares Número de alelos retidosno estoque fundador P1 = 0,70
P2=P3=P4=0,10P1 = 0,94
P2=P3=P4=0,021 1,48 1,122 2,02 1,235 2,95 1,5510 3,63 2,0020 3,96 2,6650 3,99 3,60100 -4,00 3,95
É necessário, no entanto, coletar amostra maior que o mínimo recomendado de
fundadores, porque muitos animais não irão se reproduzir e outros irão morrer. Por exemplo, se
tivermos uma taxa de mortalidade de 50% antes da maturação sexual e uma taxa de reprodução de
60% e se for necessário um número final de cinqüenta exemplares fundadores, será preciso coletar
167 peixes no estoque doador, ou seja, 50 / (1/2 - 3/5) = 500 / 3 = 167.
3) Seleção do plantel de fundadores - 0 estoque fundador recém-formado contém o
plantei inicial de futuros reprodutores, que será mantido de 2 a 3 anos nas condições da estação de
aqüicultura 4. Ocorre que, em condições de cultivo, esse estoque será submetido a uma série de
pressões seletivas. Por exemplo, os animais com maior capacidade de sobrevivência nas condições
de cultivo serão selecionados favoravelmente e os de menor capacidade, desfavoravelmente. Um
dos aspectos mais importantes nos projetos de repovoamento é o referente aos casos de futura
mortalidade, que poderão vir a ocorrer nas condições dos reservatórios e que não se verificam nas
estações de cultivo. Ou seja, animais pouco adaptados às condições dos reservatórios são
selecionados favoravelmente nas aqüiculturas, onde acabam por se tornar, após certo tempo os mais
freqüentes. 0 reverso também ocorre: os pouco adaptados às condições de cultivo podem ser os
melhores nos reservatórios. 0 ponto central da questão é que os produtos resultantes da seleção
artificial (nas estações de aqüicultura) geralmente não são os mesmos que os resultantes do
processo de seleção natural (nos reservatórios). A única saída para se tentar contornar essa situação
é a manutenção dos fundadores no próprio reservatório, o que operacional mente é muito
trabalhoso.
Nas estações de aqüicultura, o estoque fundador está ainda sujeito a outro tipo de
seleção, que ocorre sempre que esse estoque é manejado. Muitas vezes, de maneira não deliberada,
os técnicos selecionam apenas os exemplares maiores ou os que apresentam melhor conformação,
ou ainda os que mostram maturação mais precoce. Esses procedimentos alteram a composição
genética do estoque fundador, eliminando.alelos potencialmente úteis quando os peixes forem
submetidos às condições dos reservatórios.
Portanto, em projetos de repovoamento, deve-se evitar ao máximo Selecionar o estoque
fundador. Além dos aspectos supracitados, deve-se evitar manter somente exemplares com tamanho
uniforme ou somente os maiores. É aconselhável manter, para futuros reprodutores, não apenas
animais maiores, mas também os médios e pequenos. 0 mesmo é válido quanto à conformação.
Somente devem ser descartados os exemplares que apresentem deformidades morfológicas óbvias,
tais como a ausência de nadadeiras ou de opérculos.
Portanto, a seleção não-intencional do aqüicultor e a seleção inevitável decorrente das
condições de cultivo existentes nas estações alteram a composição genética do estoque fundador e
diminuem em muito a chance de seus futuros descendentes (estoque repovoador) sobreviverem,
crescerem e mesmo até virem a se reproduzir, quando introduzidos nos reservatórios. Essas
condições, dentro do possível, devem ser atenuadas.
2.3 Problemas Genéticos com Estoque REPRODUTOR
A decisão principal nesta etapa é a escolha do número de reprodutores a serem
'efetivamente usados para a obtenção do estoque repovoador. Os principais problemas genéticos
decorrentes do uso de poucos casais parentais são o aumento do nível de consangüinidade e a deriva
genética no estoque a ser introduzido nos reservatórios 7.
1) Número de reprodutores - A maneira mais adequada de expressar-se geneticamente o
número de reprodutores usados é através do conceito de número efetivo de reprodutores, designado
por Ne. 0 Ne depende não só do número de reprodutores efetivamente usados mas também da
proporção sexual deles. Os valores de Ne podem ser estimados através da expressão
( )NmNfNmNfNe
+××
=4 , onde Nf e Nm representam, respectivamente, o número de fêmeas e machos
reprodutores efetivamente usados para a produção do estoque repovoador. Examinando-se a
expressão acima, verifica-se que o valor de Ne pode ser aumentado, quer ampliando-se Nf e Nm
quer ajustando-se as proporções sexuais dos reprodutores para próximo de 50% de fêmeas para
50% de machos. A primeira opção esbarra muitas vezes em limitações físicas (de espaço) ou
limitações econômicas das estações de aqüicultura; além disso, em algumas estações já se usa o
número máximo praticável de reprodutores. Quanto à segunda opção, pode-se verificar, por
exemplo, que se forem usados dez reprodutores na proporção de nove fêmeas: um macho, o valor
de Ne será igual a 3,6; porém, se for usada a proporção de cinco fêmeas: cinco machos, o valor de
Ne será igual a 10. No entanto, em muitas aqüiculturas, particularmente naquelas voltadas para
produção e fomento, usam-se números desiguais de fêmeas e machos (por exemplo, duas fêmeas:
um macho ou três fêmeas: um macho), o que, na prática, otimiza economicamente a produção de
alevinos. Sob o ponto de vista genético, entretanto, este procedimento tende a aumentar os
problemas eventualmente já acumulados nos estoques.
A melhor maneira de se manter um Ne elevado é utilizar-se, para qualquer quota de
alevinos estipulada para o repovoamento, o maior número possível de reprodutores. Por exemplo,
caso a quota seja de 500 mil alevinos, sob o aspecto genético é melhor usar cinqüenta casais de
reprodutores e tomar 10 mil alevinos de cada um do que usar cinco casais e tomar de cada um deles
100 mil alevinos.
0 valor de Ne é, sem dúvida, o conceito genético mais importante a ser considerado
quando se trata de escolher o número de reprodutores, pois pequenos valores de Ne podem vir a
ocasionar danos irreversíveis na estabilidade genética do estoque repovoador que será introduzido
nos reservatórios, devido ao aumento da homozigose produzida pelo endocruzamento
(consangüinidade) e alteração ou mesmo eliminação de alelos produzidas pela deriva genética
(mudanças genéticas ao acaso devidas a flutuações de amostragem). Para atenuar esses efeitos, é
recomendado o uso de valores de Ne iguais a cinqüenta por geração, como o mínimo aceitáve16.
2) Manejo da reprodução induzida - É possível elevar os valores de Ne do estoque
reprodutor adotando-se alguns procedimentos de manejo genético na reprodução induzida. Por
exemplo, não é aconselhável despejar seqüencialmente o esperma de vários machos sobre a desova
de uma única fêmea, nem misturar previamente o esperma procedente de vários machos e, a seguir,
fertilizar uma única desova. Tem sido mostrado na literatura que ambas as técnicas produzem
valores de Ne menores do que os esperados, em virtude das diferentes capacidades de fertilização
que existem entre diferentes machos 7. Para se tentar maximizar os valores de Ne, é mais
aconselhável subdividir a desova de uma mesma fêmea e fertilizar cada subamostra com o esperma
de um macho diferente.
Outro procedimento, que pode ser adotado para aumentar o Ne do estoque reprodutor, é
realizar reproduções induzidas, não somente em uma ocasião, porém várias vezes, ao longo do
período reprodutivo da espécie. Caso contrário, haverá seleção para uma dada época de desova e
redução da variabilidade dessa característica nos estoques reprodutores; isso pode contribuir para o
insucesso reprodutivo do estoque repovoador no reservatório.
A criopreservação do sêmen de peixes é uma técnica que, se adequadamente dominada
e usada de rotina, possibilitará a produção de elevados valores de Ne a baixos custos.
3) Sistemas de cruzamentos - Aconselha-se, também, para maximizar o Ne, trocar o
sistema de cruzamentos de casual para cruzamentos com base na genealogia (pedigree). É condição
básica, para a realização de cruzamentos fundamentados em genealogias, a identificação de todos os
exemplares do estoque reprodutor, através de marcação individual. A grande vantagem dos
cruzamentos baseados em genealogias é a de se poder duplicar os valores de Ne sem que haja
necessidade de se aumentar numericamente o plantel de reprodutores. Por exemplo, quando se
utilizam como reprodutores três fêmeas: um macho, obtém-se, por cruzamentos ao acaso, o valor de
Ne igual a 3,0; quando, com o mesmo número e proporção sexual de reprodutores, se usa o tipo de
cruzamento baseado na genealogia, eleva-se o valor de Ne para 6,0.
Portanto, quando o estoque reprodutor não pode ser aumentado numericamente ou
quando há necessidade de se manter números baixos de reprodutores na estação de aqüicultura, ou
ainda quando se trabalha com populações de peixes em risco de extinção, as melhores maneiras
para se tentar aumentar os valores de Ne são basicamente de dois tipos: ajustar a proporção sexual
para próximo de 50% de fêmeas: 50% de machos, ou mudar o sistema de cruzamentos, passando do
tipo ao acaso para os cruzamentos baseados em genealogia.
2.4 Problemas Genéticos com o Estoque REPOVOADOR
0 estoque repovoador está sujeito aos efeitos da consangüinidade e da deriva genética.
Esses problemas são decorrentes dos pequenos valores de Ne usados no estoque reprodutor.
1) Nível de consangüinidade - A consangüinidade, geralmente estimada através de um
valor designado por F (coeficiente de endocruzamento ou consangüinidade), pode ser
interpretada de duas maneiras. No sentido mais comum, o endocruzamento é o cruzamento entre
indivíduos aparentados biologicamente. Desse modo, a progênie de aparentados será, em média,
mais homozigota que aquela de não-aparentados, porque os genitores consangüíneos possuem
maior número de genes em comum; neste sentido, F estima a taxa de homozigose resultante da
consangüinidade (autozigose). Por exemplo, um peixe descendente de um casal aparentado,
apresenta F = 25%; isto significa que ele é homozigoto por origem comum em relação a 25% de
seus locos, sendo, portanto aproximadamente 25% mais homozigoto que outro peixe com F = 0,
descendente de indivíduos não-aparentados. Ocorre que, para se estimarem os valores individuais
de F para cada peixe, é necessário conhecer o pedigree, de cada um. De um modo geral não se
dispõe desta informação, porque a maioria das estações de aqüicultura não está equipada ou não é
capaz de fornecer informações individualizadas sobre cada peixe. Assim, na grande maioria das
vezes, é impossível calcular o valor de F de cada animal.
Outro modo de se interpretar F é em termos de quantidade relativa de homozigose
existente em uma dada população, seja esta formada ou não por indivíduos aparentados. Em outras
palavras, F é proporcional à taxa de ganho de homozigose, ou alternativamente, à taxa de perda de
heterozigose. Deste modo, pode-se estimar não o valor individual, mas o valor médio relativo de F
para cada peixe. A taxa de perda de heterozigose por geração é dada pela expressão seguinte:
( ) NmNfNmNf
NmNfNe
F81
81
821
+=××
+==∆ , onde ∆F é o incremento dos valores de F por geração.
Esta equação estima o aumento proporcional de consangüinidade por geração, e não o
aumento absoluto. Pode-se verificar que, quando Ne é igual a 2, a perda de heterozigose (ou
aumento de homozigose) é, em média, igual a 25%. Pode-se verificar, também, pela expressão
acima, que Ne está inversamente relacionado com a consangüinidade: quando Ne decresce o F
aumenta, e viceversa.
Existem relativamente poucos trabalhos na literatura sobre' o efeito da consangüinidade
em peixes. Com raras exceções, os vários estudos têm mostrado que a consangüinidade afeta o
crescimento e a sobrevivência e aumenta o número de anormalidades. Por exemplo, em relação à
truta arco-íris, foi mostrado que valores de F iguais a 25% estão associados com aumento de
deformidades (da ordem de 38?/6), decréscimo de sobrevivência dos alevinos (da ordem de 19%) e
decréscimo de peso com 1 ano de idade (da ordem do 23%)6. A experiência adquirida com várias
espécies de animais indica que a taxa máxima tolerável de consangüinidade é de 1%; além disso,
níveis de F ao redor de 10% ocasionam declínio das características reprodutivas (depressão por
endocruzamento)', usualmente da ordem de 5 a 10%.
2) Deriva genética - Existe sempre a possibilidade de que os indivíduos escolhidos para
reprodutores não constituam amostra geneticamente representativa dos estoques doador e fundador:
quanto menor for a amostra de reprodutores, maior será a possibilidade de que ocorram flutuações
amostrais, que se estendem a todas as características do estoque reprodutor, incluindo os alelos. As
mudanças nas freqüências alélicas, em virtude das flutuações de amostragem, recebem o nome de
deriva genética. Como as mudanças são aleatórias, sua direção não é previsível; no entanto, a
magnitude da mudança esperada pode ser estimada estatisticamente com precisão.
A importância da deriva pode ser ilustrada tomando-se como exemplos dois estoques
reprodutores, um com Ne = 10 e outro com Ne = 100. Suponha-se que, em ambos,dois alelos de um
loco estejam presentes, e que as freqüências de ambos (p e q) sejam iguais: p = q = 0,5. As
freqüências esperadas destes alelos na próxima geração, ou seja, no estoque repovoador (p' e q'),
estarão compreendidas em aproximadamente 95% dos casos entre os intervalos dados pela seguinte
expressão: 21
´
22
××±=
Nepqpp ou seja,
21
´
1025,05,02
××
×±= pp = 0,50 ± 0,22, para o caso do
primeiro estoque reprodutor, e, 21
´
10025,05,02
××
×±= pp = 0,50 ± 0,07, para o caso do segundo
estoque reprodutor.
Espera-se, portanto, que a freqüência alélica, no caso da progênie do primeiro estoque
reprodutor, possa aumentar até 0,72 ou diminuir até 0,28 com probabilidade de 95%; na progênie
do segundo estoque reprodutor esperam-se oscilações entre 0,43 e 0,57. Verifica-se, portanto, que
as freqüências alélicas permanecem praticamente constantes quando o Ne do estoque reprodutor é
grande, ocorrendo considerável oscilação no caso contrário, ou seja, quando o valor de Ne é
pequeno.
Tanto o endocruzamento quanto a deriva genética, determinados pela ocorrência de
pequenos valores de Ne no estoque reprodutor, podem afetar em maior ou. menor grau os
repovoadores que serão futuramente introduzidos nos reservatórios.
2.5 Problemas Genéticos com o Estoque RECEPTOR
A introdução do estoque repovoador nos reservatórios pode ocasionar, em diferentes
graus, um impacto genético sobre o estoque receptor já existente no local. A curto prazo, existem os
riscos de competição e predação, assim como da introdução de novos tipos de parasitismos. A
médio e longo prazo, os problemas potenciais (caso os estoques repovoador e receptor estejam se
reproduzindo), são a hibridação, a quebra dos sistemas já preestabelecidos de populações locais e
mesmo os efeitos da erosão genética já acumulada via consangüinidade e deriva genética.
A avaliação adequada dos efeitos genéticos dos repovoadores sobre a integridade
biológica e o'desempenho do estoque receptor constitui um grande desafio, pois envolve uma soma
de informações nem sempre facilmente obtidas. Esse levantamento vem sendo realizado nas últimas
décadas através dos marcadores genético-bioquímicos e,mais recentemente, através de marcadores
moleculares, em especial o mtDNA. Um dos maiores problemas que surgem nesse tipo de análise é
o de se conseguir identificar e caracterizar as contribuições genéticas individualizadas dos 6
estoques repovoador e receptor separadamente .
Até o momento, a maioria das informações existentes provém de projetos de
repovoamento que envolvem o transplante direto de um estoque doador não-nativo para um
receptor nativo. Nesses casos, tem-se corroborado, de um modo geral, que o sucesso do
repovoamento é tanto maior quanto mais elevado for o grau de similaridade genética entre os
estoques doador e receptor.
3. MANEJO GENÉTICO: RECOMENDAÇÕES PRÁTICAS
Os objetivos genéticos do manejo de estoques de peixes destinados ao repovoamento
são peculiares, diferindo bastante dos que visam somente à aqüicultura. Isto porque, em aqüicultura,
tem-se como meta principal o aumento da produtividade e, em repovoamento, a minimização das
mudanças causadas pela deriva genética e pela consangüinidade, assim como ' a minimização da
adaptação às condições de cultivo, de modo a que se maximize o desempenho dos estoques
introduzidos nos reservatórios. Na maioria das vezes, os objetivos dos dois tipos de projetos
(repovoamento e produtividade) são geneticamente incompatíveis e não podem ser executados
simultaneamente. Ocorre que a ausência de objetivos bastante claros e definidos nesse processo
pode, com freqüência, levar a uma aplicação inadequada dos princípios genéticos ao manejo
destinado ao repovoamento.
Em face do já apresentado e discutido anteriormente, recomenda-se que sejam adotados,
de preferência, os seguintes procedimentos práticos de manejo genético:
1. 0 estoque fundador deve ser formado a partir de estoque doador selvagem e não a
partir de estoque nãonativo ou cultivado. Justificativa: as populações selvagens nativas_ e seus
descendentes diretos apresentam maior potencial biológico para se adaptarem às condições dos
reservatórios do que as populações não-nativas ou cultivadas. Além disso, as populações cultivadas
durante várias gerações geralmente acumulam níveis razoáveis de consangüinidade, o mesmo não
ocorrendo com as selvagens.
2. 0 estoque fundador deve ser coletado no mesmo rio onde se encontra o reservatório a
ser repovoado e não em rios de outras bacias hidrográficas. Justificativa: geralmente, os peixes
brasileiros de piracema existentes num determinado rio são geneticamente mais semelhantes entre
si do que peixes da mesma espécie existentes em rios diferentes. Para finalidades de repovoamento,
é contraproducente misturar populações de rios diferentes, porque isso leva à diluição da
variabilidade genética da população nativa local. Sabe-se, também, que uma população local
apresenta melhor desempenho em seu ambiente nativo do que populações não-nativas transferidas.
3. 0 estoque fundador, tratando-se de espécie de piracema, deve ser coletado em vários
pontos geográficos do -rio e não somente em um determinado local. Justificativa: peixes capturados
juntos apresentam maiores chances de serem aparentados do que os coletados em diferentes pontos.
4. 0 estoque fundador deve ser constituído por um número mínimo absoluto de
cinqüenta peixes, com proporção sexual de 50% de fêmeas para 50% de machos. Justificativa: um
plantel fundador com 25 casais contém cerca de 99% da variabilidade genética existente na
população selvagem doadora.
5. Não misturar num único tanque da estação de aqüicultura os estoques fundadores
provenientes dos vários pontos de coleta num determinado rio. Por exemplo, as. coletas nos pontos
1, 2 e 3 devem ser mantidas em três tanques separados. 0 ideal seria marcar individualmente cada
peixe. Justificativa: a separação em diferentes tanques e a marcação individual facilitam o
planejamento de futuros cruzamentos pelo método do pedigree e o controle da consangüinidade do
estoque repovoador.
6. Não escolher para formar o estoque repovoador somente os maiores exemplares, mas
também os médios e os pequenos. A mesma recomendação é válida quanto à conformação.
Somente devem ser descartados os peixes que apresentarem deformidades mais graves, tais como
ausência de nadadeiras e opérculos. Justificativa: melhor crescimento em condições de cultivo não
equivale,, também, a melhor desempenho no reservatório. Os produtos resultantes da seleção
artificial geralmente não são os mesmos que os da seleção natural.
7. Maximizar os valores de Ne do estoque reprodutor, realizando o maior número de
cruzamentos operacionalmente possíveis, independente da quota de alevinos programada e
ajustando a proporção sexual dos reprodutores para cerca de 50% de fêmeas para 50% de machos.
Justificativa: o uso de baixos valores de Ne leva a um aumento da taxa de consangüinidade e do
fenômeno da deriva genética no estoque repovoador.
8. Aumentar os valores de Ne do estoque reprodutor, evitando os seguintes tipos de
procedimento por ocasião das reproduções induzidas: a) despejar o esperma de vários machos, de
maneira seqüencial, na desova de uma única fêmea; b) misturar o esperma de vários machos para
fertilizar a desova de uma única fêmea. Aconselha-se: c) usar o esperma de um único macho para
fertilizar a desova de cada fêmea, ou d) subdividir a desova de cada fêmea em partes iguais e, a
seguir, fertilizar cada uma dessas amostras em separado, com o esperma de um macho diferente.
Justificativa: são desaconselhados os procedimentos (a) e (b), porque ambos levam a valores de Ne
menores do que o esperado, em decorrência das diferentes capacidades de fertilização (potência do
esperma) de cada macho.
9. Evitar a seleção do estoque reprodutor para somente uma determinada época de
desova e espermiação, executando procedimentos de reprodução induzida em várias ocasiões no
decorrer do período de reprodução da espécie, e não apenas em um determinado dia. Justificativa:
procedimentos de reprodução induzida restritos apenas a um certo dia durante o período de
reprodução da espécie reduzem a variabilidade genética do estoque reprodutor em relação ao
período de reprodução.
- 10. Realizar cruzamentos rotativos entre os peixes coletados em diferentes pontos
geográficos do rio (por exemplo, pontos 1, 2 e 3), tomando como base o pedigree do estoque
reprodutor. Por exemplo, cruzar fêmeas do local 1 com machos do local 2, fêmeas 2 com machos 3
e fêmeas 3 com machos 1. Justificativa: o estoque repovoador resultante de reprodutores
procedentes de diferentes localidades de um mesmo rio geralmente apresenta maior potencial
genético do que o proveniente de parentais coletados em um único local.
11. Não utilizar para estoque repovoador nem para futuros "plantéis de reprodutores" da
estação somente uma única família de alevinos derivada de um casal único. Devem ser usadas
várias famílias, derivadas do maior número de casais que, na prática, for possível reproduzir. Por
exemplo, é mais aconselhável usar dez casais e separar 10 mil descendentes de cada um, do que
somente um casal e aproveitar sua progênie de 100 mil exemplares. Justificativa: pensando-se
somente em termos de maximizar a produção, é uma boa idéia utilizar o menor número de casais de
reprodutores para atingir uma determinada quota de alevinos; sob o aspecto de conservação
genética de populações nativas, porém, essa prática não é aconselhável, porque reduz sensivelmente
o potencial biológico do estoque repovoador e restringe as suas chances de sobrevivência e
crescimento nos reservatórios.
4. MONITORAMENTO GENÉTICO
0 monitoramento genético dos estoques envolvidos em projetos de repovoamento de
reservatórios é necessário porque, mesmo que sejam seguidos à risca os procedimentos de manejo
anteriormente recomendados, somente se consegue minimizar as mudanças genéticas mais
substanciais em conseqüência da consangüinidade, deriva genética e adaptação às condições de
cultivo. Além disso, não se consegue evitar que ocorram modificações genéticas menos
importantes, porém potencialmente nocivas, nem se tem garantias de que essas alterações se
mantenham em níveis relativamente baixos nos estoques. 0 monitoramento genético permite
detectar a ocorrência dessas alterações genéticas não-desejáveis e fornece subsídios para o controle
das próprias, através de medidas de recuperação genética 5 -
Um programa de monitoramento genético envolve a análise de características que,
direta ou indiretamente, reflitam a composição genética dos estoques usados nos projetos de
repovoamento. As abordagens mais utilizadas atualmente para se obter este tipo de informações são
a análise de marcadores genético-bioquímicos (fenótipos eletroforéticos de proteínas) e de
marcadores morfogenéticos (níveis de assimetria flutuante) (Tabela 4).
TABELA 4. Métodos usados para o monitoramento genético de estoques de peixes envolvidos em
projetos de repovoamento de reservatórios.
- MÉTODOS INFORMAÇÕES OBJETIVOS- Marcadoresgenético-bioquímicos.
- Níveis genéticos devariabilidade,similaridade eendocruzamento.
- Quantificação da heterozigose,diversidade alélica, derivagenética, consangüinidade eidentidade genética
- Marcadoresgenético-moleculares
- Níveis de diversidade dosnúcleons
- Detecção de linhagens maternase mistura de estoques
- Marcadorescitogenéticos
- Cariótipo e padrões debandeamento cromossômico
- Caracterização de diferentesestoques
- Marcadoresmorfogenéticos
- Níveis de assimetria flutuante - Detecção de estresse genético eambiental
4.1 Marcadores Genético-Bioquímicos
Os marcadores genético-bioquímicos são padrões de fenótipo protéico detectados pela
técnica de eletroforese. A partir dos eletroferogramas, pode-se inferir sobre a composição genética
dos estoques de peixes. Na grande maioria dos projetos de repovoamento, o monitoramento via
marcadores genético-bioquímicos tem se concentrado nas comparações entre os estoques fundador
e repovoador, visando à detecção dos níveis de consangüinidade e de deriva genética. Em um
menor número de projetos envolvendo a transferência direta de estoques doadores de outras
localidades geográficas, os marcadores genéticos-bioquímicos têm sido utilizados para monitorar o
grau de similaridade genética entre estoques doadores nativos ou não-nativos e receptores nativos.
No entanto, para se analisar qualquer um desses aspectos, é fundamental dispor de informações
prévias sobre a variabilidade genética existente nos diferentes estoques de peixes.
1) Detecção e quantificação da variabilidade genética dos estoques - A detecção da
variabilidade é feita através da análise dos padrões eletroforéticos polimórficos (eletroferogramas
variáveis)e monomórficos (eletroferogramas fixos) de proteínas. Como os padrões eletroforéticos
protéicos seguem de um modo geral as leis clássicas da genética mendeliana, pode-se diagnosticar
com relativa facilidade não somente o número de alelos que controla um dado marcador
genético-bioquímico, mas também os animais que são homo e heterozigotos quanto a esses alelos.
Por exemplo, no caso da transferrina (proteína sérica transportadora de ferro) do curimbatá
selvagem do rio Mogi-Guaçu, detectou-se, após eletroforese em gel de poliacrilamida, a existência
de cinco alelos, presentes nos animais em todas as combinações possíveis, ou seja, originando cinco
tipos de peixes homozigotos e dez tipos de heterozigotos 4.
A quantificação da variabilidade genética é geralmente feita através de duas estimativas,
designadas como polimorfismo (P) e heterozigose (H). 0 polimorfismo expressa a freqüência de
locos polimórficos e a heterozigose, a freqüência de peixes heterozigotos. Por exemplo, se forem
analisados marcadores genético-bioquímicos controlados por trinta locos e forem encontrados nove
locos polimórficos e 21 monomórficos, diz-se que P é igual a 9/30 ou 0,30. Se, em relação a um
determinado marcador, forem encontrados 66 peixes heterozigotos e 39 homozigotos, diz-se que H
é igual a 66/105 ou 0,63. Ocorre que esse valor de heterozigose detectado nas amostras é chamado
de heterozigose observada (Ho). Um outro tipo é a heterozigose esperada (He), segundo a hipótese
genética de equilíbrio de Hardy-Weinberg e que é estimada como ∑−=ipiHe 21 , onde pi é a
freqüência do i-ésimo alelo de um loco. Um loco que no estoque fundador seja monomórfico e que
no repovoador se mostre polimórfico constitui indicação de mistura entre estoques.
2) Monitoramento da consangüinidade - Quando se deseja monitorar os níveis de
consangüinidade, por exemplo, dos estoques fundador e repovoador, usa-se a expressão F = 1 -
(Ho/He). Se ambos os estoques apresentarem valores de Ho = 0,63 e de He = 0,65, obtémse para
cada um deles um valor de F igual a 0,03, valor de endocruzamento considerado ainda,
geneticamente, próximo ao tolerável. Um déficit significativo de heterozigotos e indicativo da
ocorrência de consangüinidade. Por outro lado, um excesso de heterozigotos no estoque repovoador
pode sugerir mistura entre estoques reprodutores ou baixos valores de Ne.
A grande vantagem proporcionada pelo uso de marcadores genético-bioquímicos nas
estimativas de consangüinidade é a de possibilitar cálculos dos valores relativos de F acumulados
no estoque repovoador, sem a necessidade de prévio conhecimento da genealogia ou dos valores de
Ne do estoque reprodutor.
3) Monitoramento da deriva genética - 0 monitoramento da deriva genética, por
exemplo, no estoque repovoador, exige informações prévias sobre o Ne e as freqüências alélicas do
estoque reprodutor, assim como a respeito das freqüências alélicas no estoque repovoador. Quando
o projeto está sendo executado satisfatoriamente, espera-se que as diferenças entre as freqüências
alélicas dos estoques reprodutor e repovoador não excedam os intervalos indicados nas expressões
mencionadas no item 2.4. A ocorrência de diferenças que excedam os limites esperados é indicativa
de manejo não-adequado dos estoques fundador e repovoador.
4) Monitoramento da similaridade genética - Quando se pretende usar estoques
doadores selvagens não-nativos ou cultivados, ou ainda mistura de ambos, é aconselhável, sob o
ponto de vista genético, monitorar o nível de similaridade entre esses estoques e os receptores
nativos. Para essa finalidade é necessário conhecer-se as freqüências alélicas dos estoques a serem
comparados. Admitamos, por exemplo , que as freqüências dos alelos A e 13 sejam respectivamente
0,46 e 0,54 num estoque doador não-nativo e de 0,88 e 0,12 num estoque receptor nativo. Nesse
caso, a similaridade ou identidade genética (1) entre ambos os estoques é dada pela expressão
I = (0,46 x 0,88 + 0,54 x 0,12) / ((0,46 + 0,54) x (0,88 + 0,12)) 1/2 = 0,745.
Como os índices de similaridade genética entre populações selvagens de peixes,
indicados na literatura 6 , são bastante elevados (entre 0,97 e 0,99), no exemplo mostrado acima não
seria aconselhável, sob o ponto de vista genético, o uso do estoque doador não-nativo.
4.2 Marcadores Citogenéticos e Genético-Moleculares
A eletroforese de proteínas ainda constitui uma das técnicas mais eficientes para a
análise genética de populações de peixes e, por isso, é a mais aconselhada para o monitoramento de
estoques em, projetos de repovoamento. Em alguns casos particulares, quando os marcadores
genético-bioquímicos não proporcionam uma boa distinção entre alguns grupos de peixes, o
monitoramento via marcadores citogenéticos , tem se mostrado de grande valia 6. Até recentemente,
os estudos citogenéticos de peixes eram considerados de grande interesse básico, mas de pouca
utilidade no manejo e monitoramento de estoques. No entanto, avanços na área indicam que a
citogenética de peixes poderá vir a desempenhar um papel aplicado cada vez maior8.
Os marcadores moleculares, em especial os que dão informações A respeito do genoma
mitocondrial (mtDNA), têm se mostrado bastante úteis na detecção de hibridações e na
caracterização das linhagens maternas formadoras dos estoques. 0s padrões do mtDNA, juntamente
com os marcadores moleculares do genoma nuclear (nDNA), são potencialmente importantes no
"patenteamento" genético de linhagens comerciais.
4.3 Marcadores Morfogenéticos
Havendo impossibilidade de realizar o monitoramento via marcadores
genético-bioquímicos, sugere-se testar o emprego do marcador morfogenético, conhecido como
assimetria flutuante, que em vários grupos de peixes tem se mostrado um indicador potencial da
perda da heterozigose 6. A assimetria flutuante ocorre quando as diferenças entre as características
merísticas bilaterais (por exemplo, número de raios nas nadadeiras pares, número de rastros
branquiais, etc.) apresentam uma distribuição simétrica em torno da média zero. Os dados da
literatura, em especial os obtidos com salmonídeos, indicam que a assimetria bilateral é
suficientemente sensível para refletir alterações na homeostase do desenvolvimento entre peixes
com diferentes níveis de heterozigose, avaliados através de marcadores genético-bioquímicos 6
0 monitoramento de estoques via assimetria flutuante compreende basicamente três
etapas, a saber: a) inicialmente, a análise de várias características merísticas bilaterais de 25 a cem
animais, e a escolha daquelas em que as diferenças entre os dois lados do peixe possam ser
acuradamente detectadas; b) a seguir, a verificação, quanto a cada característica escolhida, da
ocorrência de assimetria flutuante, distinguindo-a dos casos de assimetria direcional e anti-simetria;
c) finalmente, a estimativa do nível total de assimetria flutuante para cada exemplar, e de um nível
médio para cada estoque.
0 monitoramento da assimetria flutuante é especialmente aconselhado em programas
que visem primariamente à detecção da perda de variabilidade genética nos estoques envolvidos em
projetos de repovoamento.
Um programa ideal de monitoramento genético deve incluir o uso simultâneo de
marcadores genéticobioquímicos e morfogenéticos. Um programa desse tipo possibilitaria avaliar
tanto a perda de variabilidade genética ocorrida no nível molecular como os seus efeitos
morfológicos nos estoques envolvidos nos projetos de repovoamento de reservatórios.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Foresti, F.; Toledo-Filho, S. A. & Almeida-Toledo, L. F. - Manejo de Recursos Genéticos em
Populações de Peixes. Trabalho apresentado na Mesa-Redonda sobre "Genética como
Instrumento de Conservação e Manejo de Recursos Naturais", durante o IX Encontro
Brasileiro de Ictiologia, realizado na Universidade Estadual de Maringá,PR, 4-8/2/91 (no
prelo).
2. Galhardo, E. & Toledo-Filho, S.A. - Caracterização Genética do Estoque de Prochilodus scrofa
da Estação de Piscicultura de Paraibuna, CESP. Resumos do XIV Congresso Brasileiro de
Zoologia: 113, 1987a.
3. Galhardo, E. & Toledo-Filho, S.A. - Estudo Genéticobioquímico de Pirapitinga do Sul, Brycon
sp, da Estação de Piscicultura de Paraibuna, CESP. Ciência e Cultura, São Paulo, 39:
722,1987b. .
4. Galhardo, E. - Estudo Genético do Polimorfismo de Transferrinas em Populações Selvagem e
Cultivada de Curimbatá, Prochilodus scrofa (Pisces, Prochilodontidae). Dissertação de
Mestrado. Instituto de Biociências/USP, 136 pp., 1989.
5. Galhardo, E.; Otto, P.A.; Donola, E. & Toledo-Filho, S.A. - Recuperação Genética do Estoque de
Carpa Comum (Cyprinus carpio) da Estação de Aqüicultura de Paraibuna, CESP: um
exemplo de monitoramento genético em piscicultura. Resumos do IX Encontro Brasileiro
de lctiologla: 187,1991.
6. Ryman, N. & Utter, F.( ed.) - Population Genetics & Fishery Management. University of
Washington Press, Seattle, 1987.
7. Tave, D.- Genetic for Fish Hatchery Managers. AVI Publishing Co., Inc., Westport, 1986.
8. Toledo-Filho, S.A. - Hibridação e Conservação Genética de Peixes. Revista Brasileira de
Genética, 15 (l) supl.l: 222 - 226,1992.
9. Toledo-Filho, S.A.; Almeida-Toledo, L.F.; Galhardo, E. & Foresti, F. - Monitoramento,
Manipulação e Conservação Genética de Peixes. Trabalho apresentado na Mesa-Redonda
sobre "Genética como Instrumento de Conservação e Manejo de Recursos Naturais”
durante o IX Encontro Brasileiro de lctiologla, realizado na Universidade Estadual de
Maringá,PR, 4-8/2/91 (no prelo).
10.Toledo-Filho, S.A.; Godoy, M.P. & Santos, E.P. -Curva de Migração do Curimbatá, Prochilodus
scrofa (Pisces, Prochilodontidae) na Bacia Superior do Rio Paraná, Brasil. Revista
Brasileira de Biologia, 46: 447 - 452,1986.
11. Toledo-Filho, S.A.; Godoy, M.P. & Santos, E.P. -Delimitação Populacional do Curimbatá,
Prochilodus scrofa (Pisces, Prochilodontidade) do Rio Mogi-Guaçu, Brasil.Revista
Brasileira de Biologia, 47: 501 - 506,1987.
Agradecimentos ao Prof Dr. Paulo A. Otto, do Departamento de Biologia do IB/USP,pelas valiosas sugestões na área de Genética de Populações.