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1 - INTRODUÇÃO
A segunda metade do século XVII registra um aumento significativo da ocupação
populacional no interior da província da Bahia. Após a expulsão dos holandeses do atual
território nordestino, agentes da colonização começam a povoar mais fortemente os chamados
sertões.i Soma-se ao interesse político de ocupar o território como medida essencial para
garantir a posse da Coroa sobre a conquista americana, o dinamismo das atividades
econômicas, como a criação de gado, a exploração do salitre, a procura dos metais preciosos,
e a captura dos negros da terra, que era o termo utilizado pelos conquistadores para denominar
os índios.ii O território que até então era quase que apenas habitado por índios dessas regiões
ou grupos indígenas fugitivos da escravidão, da doença e dos assassinatos, passou a receber
levas de colonos, ansiosos por explorar riquezas.
Essa é a conjuntura em que o catolicismo foi se interiorizado nas terras da Bahia.
Primeiro com a finalidade de doutrinar a religião aos índios, aculturando-os e assim
permitindo sua inserção na empresa mercantil, a religião cumpriu dessa forma a sua função de
mediadora entre as diferentes culturas. Em segundo lugar, foi se ampliando um pouco mais as
paróquias com padres seculares para oferecer o pasto espiritual aos colonos de origem
europeia ou mestiça e aos seus respectivos escravizados, mas essas até o século XIX ainda
não eram suficientes. As longas distâncias entre os moradores, os parcos recursos e a
submissão da Mitra à Coroa foram importantes obstáculos à expansão do clero secular para o
interior. Os colonos dos sertões tiveram, em muitas ocasiões, nas ordens regulares a
assistência religiosa que a igreja secular não conseguiu proporcionar.
Os trabalhos de História podem focar no geral para observar o particular ou partir do
particular para entender o geral. Este trabalho constituir-se-á seguido o segundo caminho que
será a análise de um caso considerado exemplar para compreender um contexto mais amplo.
A proposta feita pelo colono Diogo da Conceição através da representação ao rei de Portugal
D. João V (1706-1750) no ano de 1738 ajudará a perceber o quanto os jesuítas foram
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importantes na ação doutrinária de matiz católica aos colonos desbravadores dos sertões no
século XVIII. O rigor da pesquisa histórica exige, quase sempre, definições de balizas
temporais e espaciais bem definidas. A importância do recorte de espaço e tempo está
vinculada a necessidade de verificação do resultado de uma análise. Evita, por exemplo, que o
leitor de um trabalho que apresentou uma determinada conclusão generalize-a quando estiver
pensando sobre outros espaços e tempos históricos. Neste artigo cuja investigação será de um
caso, haverá a apresentação de uma data, o ano de 1738, e esta marca o início e o fim.
Entretanto, esse fato não comprometerá a análise quanto a sua função de fornecer conclusões
que devem ser tomadas para tempos e espaços específicos.
Uma vez feito esses esclarecimentos, apresenta-se uma breve explanação sobre o
processo de ocupação do espaço sertanejo colonial. Primeiro, destacar-se-á o fato de que
desde o início da conquista aquele já era um espaço ocupado por diversos grupos indígenas, a
novidade é a presença do elemento exógeno, o colono. E nesse sentido, a atividade econômica
teve grande importância, representada por setores, como: a pecuária, tanto, para
abastecimento de carne e couro quanto para o fornecimento de animais para exercerem força
motriz nos engenhos e nos arados de terra; a extração das minas de salitre, nitrato de potássio,
produto fundamental na produção de pólvora; a exploração das jazidas de ouro e diamantes
que ocorreram concomitantes as da região de Minas Gerais e Mato Grosso.iii Depois serão
apresentados elementos que corroboram para afirmar que a presença do clero secular era
modesta nos novos territórios que estavam sendo ocupados, para em seguida mostrar a
atuação das missões do interior.
2 - O CLERO DIOCESANO NO INTERIOR DA PROVÍNCIA
O historiador Cândido da Costa e Silva chama a atenção para que não se dissocie a
Igreja da população que a constitui. A expansão acompanhou os caminhos abertos pela
exploração econômica e obedeceu ao controle político administrativo. “Dos dias fundadores
ao ano de 1676, quando elevada a igreja Metropolitana, a Arquidiocese de São Salvador da
Bahia dilatara em muito o seu espaço e a grande linha fronteiriça recortando-a para o
interior, era agora o Rio São Francisco.”iv Silva afirma que a imensidão da Diocese da
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Bahia, um mar de terras e um deserto humano, interferiu no modo de ser cristão, no
desempenho do clero diocesano, na formação das paróquias.
Foi no início do século XVIII, principalmente, devido ao trabalho do arcebispo D.
Sebastião Monteiro da Vide (1702-1722) que ouve a tentativa de melhorar a presença da
Igreja nos sertões. Em 1712, o arcebispo expõe ao rei alguns aspectos da província, o grande
tamanho, as dificuldades de acesso, situações que dificultavam o trabalho dos religiosos,
diante dessa situação, solicitou ao rei a criação de novas paróquias. Assim, em 11 de abril de
1718, D. João V autorizou a criação de vinte novas paróquias.v Muitas vezes a dificuldade
para a criação de novas paróquias estava ligada ao custo de sua manutenção, pois erário régio
teria que pagar as côngruas. Assim, quase sempre recaia sobre a população parte das despesas
do pároco.
Mas, gradualmente, o clero secular foi se organizando. O número crescente de
freguesias, ainda que as distâncias fossem grandes facilitavam o serviço religioso. Além disso,
destaca Silva, “missionários ambulantes ia suprindo, em parte, as omissões”. O fato é que
durante o período colonial, pelo menos quando se refere à assistência no sertão, o missionário
foi a presença mais constante.vi Talvez, devido à grande presença das aldeias. Santos afirma
que o sertão tornou-se o espaço por definição da atuação missionária. Dessa forma, aparece
um possível motivo que justifique o fato dos jesuítas terem assumido a doutrina dos colonos
que lá chegaram motivados pela economia nascente naquelas paragens.
3 - A AÇÃO JESUÍTICA JUNTO AOS COLONOS DOS SERTÕES
O português Diogo da Conceição fez uma representação ao rei D. João V no ano de
1738 que ajuda a perceber a questão da assistência católica aos colonos dos sertões. Naquela
havia uma proposta que consistia em transformar as aldeias sobre o comando dos regulares
em paróquias administradas por padres seculares. Conceição chegou a Pernambuco por volta
de 1710, após enviuvar, mudou-se para a cidade da Bahia, onde foi terciário do convento de
São Francisco e de lá passou para o hospício dos barbadinhos de Nossa Senhora da Piedade.
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Após ser expulso do hospício dos barbadinhos foi para a região das minas e de lá veio
passando por todos os sertões da Bahia, considerando-se especialista nessa região.
Ainda, segundo o governador do Brasil, André de Melo de Castro, nessas duas
instituições religiosas, o donato não teria exercido a função a contento e lá foi suspeito de
improbidade em relação às esmolas recebidas. Deve-se lembrar de que o vice-rei tirou suas
conclusões a partir das respostas à consulta que ele fez aos prelados das missões a respeito da
proposta de Conceição. De fato, estes não estavam muito suscetíveis a dar boas informações
sobre o reformador. Entretanto, verificar a idoneidade ou não do donato,vii não é tão relevante
para essa pesquisa, o mais interessante é analisar as informações presentes na sua
representação e atentar para as disputas de poderes e os interesses concorrentes.
Dentre os motivos para tal proposta, que em sua maioria estavam relacionados aos
índios, Conceição observa que deve ser acrescido,
outros defeitos que estão pedindo remédio, os quaes são de que depois de se
aumentar o número da gente branca pelo certão, se achão distancias de cento,
duzentas, e mais legoas, em que não há ministro eclesiástico que administre os
sacramentos aquella gente.viii
O trecho da representação evidencia o aumento dos colonos no espaço sertanejo e
dificuldade da Igreja no âmbito da assistência religiosa católica que era a falta de ministros
eclesiásticos para doutrinar os preceitos da religião aos brancos. O autor da representação
segue afirmando que os brancos passavam anos inteiros sem ouvirem missa, nem se
confessarem, morrendo sem viático, enterrando-se pelos campos e currais de gado e as novas
proles morrendo sem batismo. É por ter visto esse cenário e considera-lo desolador que foi
feita a tal proposta.
O eixo central do projeto seria “extinguir os aldeamentos, e ordenar que de vinte, em
vinte legoas de distancia, ou na qual V. Mage., for servido pelas partes onde houver curraes,
roças e fazendas de brancos”.ix As novas igrejas, portanto, atenderiam tanto aos índios quanto
aos brancos. Note que o objetivo desejado era o provimento do pasto espiritual aos brancos.
Foi sugerido ainda que fossem aproveitadas as igrejas dos regulares e onde não existissem
deveriam ser construídas, sendo que essas fossem assistidas por curas, vigários ou coadjutores
que ofereceriam todos os sacramentos aos povos; onde fosse inconivente a presença de uma
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igreja deveriam ocorrer missões volantes; os custos ficariam por conta das despesas que já
eram feita com os missionários e por fim que os aldeados deveriam ir viver entre os brancos.
Todos os prelados das religiões se posicionaram contrários ao projeto e apresentaram
vários motivos para a decisão. O responsável pelo Colégio Jesuíta da Bahia, Frei Plácido
Nunes, em seus argumentos deixou transparecer a sua maior preocupação que era a ideia de
fazer os índios viverem juntos com os colonos. Lembrou que “sendo diversos os tempos e as
circunstancias, que davão motivo aquellas consultas” o grande provincial Antonio Vieira
dava sempre a mesma resolução, esta que era contrária às propostas por entender que se
levada á frente significaria a destruição dos índios de grande prejuízo à República. Nunes
destaca que a experiência demonstrou ser um erro tirar o domínio temporal e espiritual dos
jesuítas e que em situações anteriores os reis Dom João IV e Dom Pedro II tinham se
conscientizado disso. Perceba que o religioso demonstrou estar preocupado com a República,
mas ele cobra também uma espécie de direito adquirido ao longo do tempo.
Alegou ainda que poucos padres falavam a língua geral, que parte dos indígenas
voltariam a viver a vida de corso o que impossibilitava o remédio recomendado. Mesmo que a
argumentação do frei estivesse focada na defesa da manutenção do controle dos nativos é
possível verificar outros interesses. Uma vez retirados das aldeias, com quem ficariam as
propriedades dos inacianos nos sertões? Caso não continuasse sobre seu domínio, ainda
poderiam contar com o trabalho dos índios? Os produtos das fazendas permaneceriam isentos
dos tributos? Além disso, tratava-se de um projeto que atacava de maneira agressiva os
poderes dos regulares em favor dos religiosos seculares. Se no Concílio de Trento o bispado
foi confirmado como centro organizador da vida católica, na colonial, as ordens religiosas
representavam uma força concorrente aos poderes do bispo.
Outra questão que pode ser suscitada é em relação às motivações do reformador.
Principalmente quando se lembra de que este chegou à colônia, juntamente com a sua esposa,
para atuar nos negócios temporais e que após seu ingresso no estatuto franciscano, foi para a
região das minas. O zelo religioso pode ter sido um dos motivos do donato, mas sua trajetória
em terras brasílicas indicam que o enriquecimento sempre esteve em seu horizonte. A
representação parece ter sido materialização das vozes de muitos colonos que entendiam que
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os regulares e suas missões eram um obstáculo à utilização do trabalho indígena. Foi,
também, por isso que o jesuíta frei Plácido Nunes foi buscar na experiência histórica a sua
argumentação, pois sabia que lá encontraria “outros donatos”. Há outras questões que
poderiam ser feitas, mas isso afastaria esse trabalho de sua proposta central.
Na correspondência enviada em 1698, D. Pedro II demonstra sua preocupação com a
assistência religiosa à população da Bahia. Na colônia uma das suas responsabilidades era
zelar para o bem das almas dos cristãos. Nesse sentido, o rei afirma
ser conveniente que se observe a provisão que mandei passar em tempo do marque
das minas de salitre para que os prelados dos conventos de todo esse estado em que
residirem doze sacerdote tenhhão a obrigação de mandar dous todos os anos a
doutrinar os christãos que vivem no recôncavo e certões.
A doutrina religiosa da população era compreendida como essencial ao bem da
república, através da fé o súdito interiorizava valores culturais que ajudavam a formar sua
visão, esta em que o rei era necessário à ordem do mundo. A legitimidade do rei provém da
submissão do povo. Mas se parte dessa sujeição é garantida pela força, outra parte é o cidadão
que assegura através de sua escolha independente. Essa é uma das bases da formação do
estado do tipo moderno.
Todavia, se a submissão era algo que devia ocorrer de maneira autônoma, no contexto
aqui analisado esse processo era comprometido pelo projeto confessional da monarquia
portuguesa. No período colonial, a Igreja ajudou a construir uma cosmovisão em que o estado
absolutista corporificava o interesse de todos. A consciência do homem colonial foi um
campo privilegiado pelo rei para garantir seu poder. Sendo a Igreja Católica a instituição
mais importante a atuar nessa área, a sua vinculação ao Estado garantida pelo padroado
comprometeu o princípio da liberdade de consciência.x Portanto, um dos interesses de El Rey
na doutrina da população residiu no interesse de controlá-la como um elemento fundamental
para a manutenção e o aumento de seu poder. Daí que à medida que os colonos iam
adentrando os sertões motivados por atividades como a exploração de salitre, o governo não
se descuidava da tarefa de doutrina-los. Ainda que não se possa negligenciar o compromisso
religioso de um monarca católico.
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Nesse sentido, pensar o catolicismo como a religião do estado português a partir da
lógica da confessionalização é procurar identificar as estratégias de implementação e
manutenção da fé. Era preciso ser católico e viver como católico, e nesse sentido os colonos
que foram ocupando as regiões centrais da Bahia eram e viveram como católicos. Pois, ainda
que tenham ocorrido contratempos para que o pasto espiritual católico chegasse àquelas
paragens, este chegou e no modelo tridentino no qual os sacramentos e a pregação eram a
base. Convergiram para esse fim os religiosos das missões do interior. A primazia, naquele
território, no trato com os indígenas assegurou uma estrutura religiosa para os colonos que
passaram a ocupar os sertões da Bahia.
O jesuíta citado anteriormente, frei Plácido Nunes, informando ao vice-rei a respeito
da presença naquela província, cientificou que a Companhia possuía doze aldeias de índios na
Bahia, para as quais recebia da Coroa 120 mil réis anuais, valor tido como insuficiente. Além
disso, relatou o perfil dos demais moradores “que vivem dispersos pelos certões nas fazendas
de gado, ou são escravos dos senhorios das mesmas fazendas, os quaes vivem nos povoados e
cidades marítimas, ou são brancos, que vivem do seu estipendio, isto é do quarto do mesmo
gado como he costume” e chamou a atenção para o processo de mestiçagem, pois havia,
também, mulatos, caribocas e mestiços descendentes daqueles não aldeados. Segundo o
religioso estes viviam “como disse platão, sine juste, sine tribu, sine domo, sem caza, sem ley
e sem medo a justiça, porque no certão não há”. Adverte-se de maneira contundente ao
governador a situação em que vivia a população. A preocupação dos inacianos, descrita
acima, chama a atenção para uma das suas funções naquela sociedade que era a manutenção
da ordem.
O frei deixou claro que intervenção era necessária diante desse cenário tido como
comprometedor e que os jesuítas não se descuidavam do seu papel. Afirmou que os ecos dos
insultos praticados a cada passo pelos mulatos, caribocas e os mestiços descendentes dos
índios não aldeados chegavam à beira-mar e que tal situação estava sem remédio. Mas que em
relação àqueles que assistiam próximos as suas aldeias a condição era bem diferente. Pois,
“alguns brancos que são os mesmos que vivem com suas famílias, estão situados juntos as
missoens, ou igrejas estabelecidas, onde recebem comodamente todo pasto espiritual. Isto é
evidente a todo, o que tem notícia no certão da Bahya, e de todo Brazil”.xi O discurso
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evidencia o quanto os jesuítas foram importantes para assegurar a doutrina católica a aquela
fração da sociedade. Por outro lado aquele expressou a defesa de Nunes à posição da
Companhia na colônia, pois segundo ele onde havia missão, tanto os índios quanto os demais
moradores tinham plena assistência.
A atuação mais constante da Igreja na vida dos indivíduos fez parte das inovações do
catolicismo no Período Moderno. Neste, diferente do modelo que prevaleceu no período
medieval, ocorreu uma maior preocupação com a interiorização da doutrina. Contribuiu para
isso métodos que passaram a interferir no psicológico dos indivíduos, e assim, o sentimento
religioso tornou-se cada vez mais individual. Nesse sentido, a administração de sacramentos,
como: batismo, eucaristia, casamento, confissão e a extrema – unção passou a ser essencial a
vida do cristão, uma vez que, marca as principais fases de sua vida. A missa e a pregação
foram, também, fundamentais a este processo. Não negligenciando a importância de todos os
sacramentos, os historiadores da História da religião tem dado destaque ao papel da confissão.
Certamente, a confissão conferia um enorme poder ao confessor, pois dele dependia a
remissão dos pecados do confessante. Pensar em um caso hipotético de um indivíduo que foi
até o confessor e este não o perdoou ajuda a compreender a fonte desse poder. Primeiro, não
ser perdoado implicaria em uma repulsa da comunidade; a segunda punição seria de aspecto
individual, uma alto punição motivada pela consciência. Esse sacramento tornou-se assim de
grande importância no processo de disciplinamento social.xii Desta forma, o pregador foi tão
ou mais eficaz que um funcionário da Inquisição. A ação do Tribunal do Santo Ofício era
mais agressiva e teve êxito no combate às práticas classificadas como contrárias a fé, mas
talvez, o terror diante de uma visitação poderia ser afastado por uma dissimulação no
comportamento pelo indivíduo. Ao contrário o pregador com seu aspecto frágil poderia
alcançar com suas palavras uma mudança mais profunda. Incutir valores morais nas
consciências significava a possibilidade do indivíduo fiscalizar a si próprio.
As missões do interior foram oportunidades para que os jesuítas conquistassem os
colonos para o grêmio da Igreja católica. O relato do religioso José Pereira de Matos ajuda a
constatar como o pregador de perfil dócil e compreensivo transitou pelo espaço sertanejo. Em
1738, ele afirmou em sua carta ao vice-rei que “recebem os moradores do certão,
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circunvizinhos das aldeas, he o bem que gozão suas almas dos missionários, que nellas
assistem a que recorrem nas suas afliçoens, e necessidades espirituais, e de que são
socorridos com muita caridade e amor”.xiii Atuar com metodologias que aproximavam o
pregador do seu ouvinte, certamente, ajudou a disciplinar o homem sertanejo. Contudo, é
preciso, mais uma vez, atentar para o discurso do jesuíta, pois nele há uma propaganda
destinada a defender a importância da ordem.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O primeiro foi mostrar que os inacianos, devido as suas ações nas aldeias indígenas,
antecedem a presença naquelas regiões; o segundo consistiu em destacar que o clero secular
teve uma presença insuficiente no século XVIII, fato que persistiu até o XIX; e a terceira
questão incidiu na tarefa de demonstrar a importância do desenvolvimento de alguns setores
da economia, como: a pecuária, e a exploração de minérios para a ocupação do espaço
sertanejo, embora não se tenha negligenciado a contribuição da ação política; e por fim, uma
vez que o cenário tinha sido exposto, chamou a atenção para o quanto as missões interior
foram indispensáveis a assistência doutrinária católica para os colonos.
Percebe-se assim que a ação dos jesuítas decorreu da dinâmica socioeconômica e
politica da colônia. Se o seu objetivo inicial era doutrinar aos índios, a precariedade da
assistência aos colonos exigiu mudanças. Esse fato por outro lado, não correspondeu a
nenhum rompimento com a essência da Companhia, pois este era levar a fé católica a todos e
em todos os lugares; era o projeto de uma Igreja universal. Luis Felipe Baêta Neves afirma
que a história da Companhia no Brasil é a história de uma missão. Ele chama a atenção
também, para o fato de que os monges se fecham nas suas celas e conventos e procuram a
salvação do mundo sem fazer a inserção nesse mundo; os jesuítas diferentemente dos
contemplativos se lançaram ao mundo, pois perceberam que, “o pressuposto básico da missão
é o de que a cristandade tem uma dimensão social que deve ser cumprida. A missão é um tipo
de abertura significativa que representa a reafirmação de uma vontade de inserção da Igreja
em laços diferentes, maiores, profanos, sociais.”xiv
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Assim, assistir uma aldeia indígena formada por causa da exploração de salitre, ou
organizada pela própria ordem, e levar a doutrina aos colonos e aos seus escravos de origem
africana era algo tolerado pelos missionários. Os jesuítas tiveram uma capacidade inigualável
de acomodação à realidade social. No caso do estado português, se houve por um lado o
processo de adaptação à exploração, efetivada, principalmente, através da escravidão, houve
também a junção de forças para levar a fé católica a toda à humanidade. Para Schwartz, os
contatos entre o catolicismo tardo-medieval e as crenças totalmente diferentes dos povos que
Portugal passou a manter contato durante o período de expansão ultramarina, “geraram um
senso de missão em Portugal que levou a uma visão providencialista do papel do País dentro
da história da ordem divina”.xv Portugal seria a nação que levaria a cruz a novas terras e
gentes.
Desta forma, as missões do interior que ocorreram nos sertões da Bahia configuram-
se enquanto uma das expressões do processo de confessionalização pelo qual passou o estado
português. Enquanto os jesuítas “salvavam as almas dos colonos” eles ajudavam, também, a
afastar a possibilidade do surgimento de crença diversa do catolicismo ou a apostasia dos
colonos, uma vez que “através da missão, toda uma série de mensagens de carácter político,
moral e religioso (obediência, a frequência dos sacramentos, a censura dos ódios e dos
juramentos, etc.)” xvi eram interiorizados pelos indivíduos. A perspectiva de uma nação com
uma única religião, situação que a colônia desconheceu, parece ter sido atraente para o
Absolutismo português.
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i A definição do termo sertão no período colonial difere substancialmente da acepção dos períodos posteriores.
Naquele período, significava os espaços mais afastados do litoral, habitados por índios bravos, os ditos tapuias.
Para ter uma definição mais ampla do termo, ver: POMPA, Cristina. 2001.
ii SANTOS, Salon Natalício Araújo dos. 1998. iii HOLANDA, Sergio Buarque de. 1985. iv SILVA, Cândido da Costa e. 2000, p.49. v SILVA, Cândido da Costa e. 2000, p.57. vi SILVA, Cândido da Costa e. 1982. vii O termo donato significa irmão leigo. viii Representação feita pelo irmão Donato Diogo da Conceição ao rei de Portugal. Arquivo Público do Estado da
Bahia; Seção colonial – Ordens Régias. Livro volume 34; documento 108, f.1. ix Representação feita pelo irmão Donato Diogo da Conceição ao rei de Portugal. Arquivo Público do Estado da
Bahia; Seção colonial – Ordens Régias. Livro volume 34; documento 108, f.1v. x HOORNAERT, Eduardo. 1977, p.163. xi Carta do frei Plácido Nunes ao vice-rei e governador geral do estado do Brasil. Volume 34 Documento 104,
F.3 v. xii PROSPERI, Adriano. 2013, p.599. xiii Carta do presidente do cabido Sé vacante. Arquivo Público do Estado da Bahia. Ordens régias; livro 44.
Volume 34, Doc. 107. F. 4. xiv NEVES, Luiz Felipe Baêta, 1978, p.27. xv SCHWARTZ, Stuart B. 2009, pp148-149. xvi PALOMO, Federico. 2003, p.434.