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PRÊMIO CATARATAS DE CONTOS E POESIAS 2018 - 1 - JOAQUIM RODRIGUES DA COSTA (ORGANIZADOR) 1ª Edição ISBN: 978-65-80009-00-8 Foz do Iguaçu, PR. FUNDAÇÃO CULTURAL DE FOZ DO IGUAÇU 2018

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PRÊMIO CATARATAS DE CONTOS E POESIAS 2018

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JOAQUIM RODRIGUES DA COSTA (ORGANIZADOR)

1ª Edição ISBN: 978-65-80009-00-8

Foz do Iguaçu, PR. FUNDAÇÃO CULTURAL DE FOZ DO IGUAÇU

2018

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POESIAS

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FICHA TÉCNICA

Prefeito Municipal Francisco Lacerda Brasileiro

FUNDAÇÃO CULTURAL

Diretor Presidente Joaquim Rodrigues da Costa

Diretor Administrativo/ Financeiro

Helena Máris Lavratti Eckert

Departamento Administrativo/Financeiro Délia Gonçalves

Marilda Custódio Nelson Pereira Lima Glademir Fioravante

Diretora de Cultura

Vera Aparecida Vieira

Assistente Cultural Kelly Simone Almeida Viana de Albuquerque

Biblioteca Pública Municipal

Maria Helena da Silva Maria José Aguiar da Silva

Grupo Operacional

Arlindo Rospisrki

Coordenação de Arte Mac Fernandes

Coordenadora de Ação Cultural

Dayana Madeira

Assessora de Formação Artística Juliana Magalhães

Diagramação

Co.Mind Assessoria e Consultoria de Marketing Digital

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PRÊMIO CATARATAS DE CONTOS E POESIAS 2018

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SUMÁRIO

POESIA

Poêmica .......................................................................... 12

O expediente da década se debruça sobre o poema .......... 16

Como reconhecer um poeta ........................................... 20

Móveis e utensílios ......................................................... 22

Hecatombe ..................................................................... 24

Filha ................................................................................ 27

Rotina ............................................................................. 30

Bola de Cristal ................................................................. 32

Minhocas ........................................................................ 34

Dezenas de Menino ........................................................ 36

A Chuva É Uma Arte ........................................................ 38

CONTO A viagem de Zumbi ......................................................... 42

El amigo invisible ............................................................ 50

A Ponte ........................................................................... 61

Bolo na Chuva ................................................................. 68

Os ratos roeram o rei de Roma ....................................... 74

Café com bolachas .......................................................... 81

O Grito ............................................................................ 89

Lupércia e sua caixa de guardados ................................. 96

O silêncio das margaridas ............................................... 103

Árvore ideológica ............................................................ 110

El amigo invisible ............................................................ 118

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APRESENTAÇÃO

Organizada pela Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, por meio da Fundação Cultural, esta antologia reúne as vinte e uma obras selecionadas pelo Prêmio Cataratas de Contos e Poesias 2018. A coletânea está dividida em dois capítulos, sendo um dedicado aos contos, e, outro, às poesias.

Os autores, leitores, os realizadores e a literatura que os une têm muito a comemorar. Esta antologia reflete o crescimento de um projeto fincado em fortes raízes e que a cada ano produz mais frutos. Ela integra a edição que superou o recorde de inscrições no concurso. Completando 28 anos de vida, o Prêmio Cataratas de Contos e Poesias recebeu mais de 1500 obras de autores de vários locais do país e do mundo, a exemplo da Itália, França, Estados Unidos, Angola, Portugal e Moçambique.

A coletânea também é símbolo de uma nova relação do concurso, em compromisso com a imortalidade da literatura. É o segundo ano consecutivo que o concurso premia os autores com a publicação da antologia. Do cachê para o papel, a premiação se transmutou para o livro, esse abrigo que confere imortalidade às palavras. Ela é a materialização deste projeto e da diversidade de olhares dos seus autores, uma memória que garante a permanência da literatura através dos tempos.

Esta obra transpõe as fronteiras e representa o ponto de encontro, tal qual uma foz, entre a palavra, o escritor e o leitor. Se o destino da escrita é o livro e a busca do autor é pela difusão de seu pensamento no mundo, a missão do Poder Público é criar os caminhos para que a literatura se encontre com o homem e promova as conexões, reconhecimentos e experiências intrinsecamente humanas e universais.

Bom encontro com a leitura!

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POESIAS

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POESIAS

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1º LUGAR

PoêmicaPoêmicaPoêmicaPoêmica Zé Peri

(Tiago Iraton da Silva) São Bento do Sul - SC

Breve Biografia

32 anos, casado, nascido em Florianópolis. Assistente social no Poder Judiciário de Santa Catarina, Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. Poeta, coautor dos livros de poesia Estilho e Poema de Gota Só, publicada pela Lei de Incentivo à Cultura de São Bento do Sul, cidade onde mora. Colaborador da Fazia Poesia no segundo semestre de 2017, maior publicação de poesia da plataforma Medium em língua portuguesa; e, da Revista Inutensílio, publicação eletrônica de poesia, desde o mesmo período. Também autor independente de poesias e artigos na Medium.

[email protected]

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POESIAS

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PoêmicaPoêmicaPoêmicaPoêmica

desejo as palavras soltas bichos livres se amando no mato

espaço caótico descurso

o instante da revolução após a vitória a apoteose do carnaval na praça

a radiação vital das crianças no parque

escrevo inexistências encantamentos

cupidias picardias

sobressaltos alquímicos

insignificâncias desacontecimentos

bateres de asas girabílias

florescências memoriais

enamorávias pistaínos

microafetos selvagerágios infantilúrios desperdícios suspensões

invisíveis veleidades nadismos

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ignorãças amizátrias

vontadeiras encardumes prematérias

películas encravadas na tessitura intersticial dos dias

peneirar com delírio para garimpar desfins

calamares policrômicos varrer os beiços no leito mundo

e sorver poetamento poemácias poesíamos

rascunhações pa-lá-vra

pra lavrar as superfícies lavar os cornos das almas

larvar o azul bemol vandalizar nossas vidraças

labutar na preguiça brasileira deitar à rede com o sol e a luz sem pressa de entardecer

fazer amor com o remanso da praia cantar o doce da chuva no asfalto

piscar de batuque o peito em brasa cirandar a gramática das pedras

soletrar o desejo desenhar a vida em si

a poesia é vivância que não se cabe

outramento que excede restúvio do que desborda

o poeta mora onde vaza a represa poema-invasão

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POESIAS

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da beleza que enraivece a alegria da carícia que acalanta a tristeza

a poesia vive!

viva a distração! vinde poetizar!

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2º LUGAR

O expediente da década se O expediente da década se O expediente da década se O expediente da década se debruça sobre o poemadebruça sobre o poemadebruça sobre o poemadebruça sobre o poema

Bilú (Felipe dos Santos Pagliari)

Marília - SP

Breve Biografia

‘’Eu que sou o filho de um pai teimoso’’ neto de avós nordestinos, nascido no interior de São Paulo, Nova-Europa, crescendo em Tabatinga. Meu pai colhendo laranjas púrpuras no poema surrural e minha mãe que repousa na minha memória clandestina.

Escrevendo à margem, bebendo estupidamente em botecos, ficando de mal com deus por ter levado minha mãe. Entoando o sax dos anjos tortos em meio ao destino de escritor, saindo cedo da casa da família pescadora, rumo à universidade, graduado em Filosofia, residindo na cidade de Marília, com 24 anos, onde pardais encharcados de conhaque recitam Baudelaire em meio às multidões etílicas, neuroses e desemprego, versos do subterrâneo maldito do meu coração, transando com a escrita sob o apodrecer do sol ocidental.

[email protected]

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POESIAS

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O expediente da década se O expediente da década se O expediente da década se O expediente da década se debruça sobre o poemadebruça sobre o poemadebruça sobre o poemadebruça sobre o poema

Os urubus engravatados querem nossa carne proletária Minha carniça no caos- a escrita marginal

e o podre na minha arcada dentária. Minha mãe repousa nas fotografias

do meu coração clandestino e apartidário. As metamorfoses de um sol tão pobre- de um sol tão amargo-

de um sol debruçado no subsolo das tristezas crônicas/ antagônicas classes/ eu aqui dando milho aos pombos/ eu aqui dando cotoveladas em ratos/ eu aqui escrevendo no

vômito da terra entre caranguejos atômicos & onças surrealistas sem terra- enxadas e peixeiras revolucionárias.

Sou o olhar que peregrina nos vestígios do mundo

sou a loucura do verso livre/ atrasado para o trabalho de escritor do fim dos fins.

Sou o niilismo que tudo produz/ conto/ zine/ haikais bêbados de saque vagabundo

no epicentro do meu crânio costurado- trêmula a criação soprada por saxofones dos anjos negros

John Coltrane quer o amor supremo

Ontológico- os desânimos de uma geração anti milico- a transcendência do poema explosivo e

subalterno. O percurso perturbado e nada retumbante- garrafadas no

hino do século. sem teto-trabalhadora braçal-tão visceral

reforma trabalhista- acorrentados & a casa grande nos adoece.

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Cocaína- as tempestades colombianas tomam conta da narina das cidades em esteira & baque deprimido.

sintetizadores moendo meu cérebro Automóveis buzinando para nuvens privatizadas

Bancos a toda estação dando descarga no planeta Os jovens estendem os dedos e pegam carona com a agonia

da geração Manifestando o terrorismo niilista nas esquinas com cometas

A potência da natureza anêmica- a cidade esquizofrênica Dualismos e pílulas anunciadas pelo governo que controla

nossa loucura Inafiançável.

Os robocops dizem serem os heróis- opinião pública volátil O atômico poder da poesia- rebeldes estacionando delitos

O racionalismo racista que fabrica ração humana - quero o irracional Zaratrusta

Periódico epidêmico andrógeno com itinerário na existência Das estéticas periféricas-

A piedade artificial As militâncias irreversíveis

As ressacas sensíveis As fábricas tóxicas paralisando potencialidades-o relógio

violento O existencialismo- XXI- doenças psicológicas

Sem tetos Sem terras

Sem conhecimento Estatísticas irrelevantes

Eleições com matadouros prontos O centro da terra- coronelismo

Partidos arrumando os dentes do povo em passagem de som Para o espetáculo da história dos horrores

Sucuris de concreto atravessam a cidade intolerante

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POESIAS

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Pássaros gigantes espancam o céu Com estrelas elétricas bêbadas de conhaque

A natureza em vertigem com meu corpo ocidental doente e poluente.

Heráclito morrendo afogado no esgoto corporativista A tv domesticando familiares católicos

Docentes pálidos- prateleiras de livros impotentes no espelho vejo a hemorróida- a face da autodestruição.

o

expediente desta

década não cessou.

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3º LUGAR

Como reconhecer um poetaComo reconhecer um poetaComo reconhecer um poetaComo reconhecer um poeta Rhuan Sales

(Rhuan Felipe Sales) Ourinhos - SP

Breve Biografia

Sou um pouco dos lugares que passei e passo, dos olhares que marquei e que me marcaram, moro em mim mesmo como faz o mar e sempre me esqueço do nome que a vida quis me dar.

[email protected]

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POESIAS

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Como reconhecer um poetaComo reconhecer um poetaComo reconhecer um poetaComo reconhecer um poeta

apesar da meia idade estará sempre que puder

jogando bola com as crianças na rua com o cabelo despenteado e uma roupa não muito

diferente das crianças conversas sobre negócios e dinheiro não são do seu cardápio

ele tem um paladar normalmente mais agridoce/ amargo quer reconhecer um poeta preste atenção

em quem para de te ouvir quando se toca uma bela canção

são do tipo que ouve o silencio que transpira dor amor eles tem uma briga constante com a razão

nas suas palavras sempre um pouco de humor que é pra dar graça até nas nossas grandes desgraças

a elegância caminha em seus olhos é só la que ela existe uma cerveja barata sempre o acompanha

são do tipo que são bagunça que nunca arrumam a cama

e eu estou falando isso por que descobri que o meu vizinho Manoel era poeta

um senhor de 70 anos que fala toda manha com os passarinhos

quando sai tomar seu café no quintal somente de cueca um dia lhe perguntei o que o passarinho tinha lhe falado em uma dessas manhas que o céu faz greve de nuvens

ele me disse que o passarinho disse a ele que descobrira o que é a perfeição e então eu falei e o que diabo

é a perfeição? ele falou que A perfeição são todos os defeitos que te fazem

sorrir e completou passarinho filho da puta.

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4º LUGAR

Móveis e utensíliosMóveis e utensíliosMóveis e utensíliosMóveis e utensílios Lady Yang

(Nédia Sales de Jesus) Conceição do Almeida - BA

Breve Biografia

Nédia Sales é baiana e reside na cidade de Conceição do Almeida. Sempre que possível, participa de alguns concursos literários e, quase sempre, tem os seus textos divulgados através de publicações decorrentes de premiações nestes certames.

[email protected]

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POESIAS

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Móveis e UtensíliosMóveis e UtensíliosMóveis e UtensíliosMóveis e Utensílios

No ambiente aconchegante, Narizes empinados devoram

O aroma e o frescor do verniz.

Aqui se respira o novo: Madeira de lei trabalhada

Em acessórios de primeira linha.

Em cada peça disposta No cobiçado portfólio,

Uma história se encerra.

É o show room da natureza: Do assoalho ao teto

Geme uma floresta inteira.

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5º LUGAR

HecatombeHecatombeHecatombeHecatombe Sasaki Kojiro

(André Felipe Soares Foltran) São José do Rio Preto - SP

Breve Biografia

André Foltran nasceu em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, em 1996. É tradutor-freelancer, formado em Tradução pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Quando jovem, participou de vários concursos literários, obtendo colocações, naturalmente, em alguns deles. Dessa época ficaram umas tantas medalhas enferrujadas, dois troféus empoeirados e uma caixa repleta de coletâneas — das quais metade se envergonha, metade está vendendo. Já foi colunista da revista Samizdat e do blog Bar do escritor. Atualmente só publica (com uma falta de fé assustadora) em seu blog pessoal Caderno: http://andrefoltran.blogspot.com.

[email protected]

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POESIAS

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HecatombeHecatombeHecatombeHecatombe É quase noite na Rua Pau Brasil.

É quase hora de descer a musa

— a grande musa atômica.

Tiro as roupas, tranco as porta: ela não tarda a descer, e se me pega

ainda vestido: — Darling, darling,

ainda escondido nesta fantasia estúpida?!

Toda noite jogamos

intermináveis partidas de xadrez, e enquanto fujo de seu cavalo ou bispo, ela sussurra: — Darling, darling, você me pertence,

per omnia saecula...

Se abro os olhos (depois da eucaristia)

enquanto ela me beija, e busco, nos olhos dela,

alguma nesga de piedade, só encontro sombras (e aumento um grau

minha miopia)...

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— Quando é que acaba esta guerra? pergunto, em lágrimas, enquanto ela me chupa. A musa

atômica sorri (o sorriso que há de matar-me antes dos vinte)...

— Ora, darling, quantas revoluções

cabem num poema? depois me toma à força... e como zomba, a malvada,

de minha resistência inútil...

Pela manhã mamãe arromba as portas do meu quarto devastado, desvira a cama e a escrivaninha, recoloca os livros na estante e as

minhas partes espalhadas no tapete,

e me costura, pedaço a pedaço,

fígado aqui, sexo ali, coração lá... e resmunga:

— É sempre, sempre assim: toda noite esta hecatombe!

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POESIAS

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6º LUGAR

FilhaFilhaFilhaFilha Greta

(Andressa Barichello) Curitiba - PR

Breve Biografia

Andressa Barichello nasceu em São Paulo. É mestre em Direito e Literatura pela Universidade de Lisboa e cofundadora do projeto Fotoverbe-se.com, no qual realiza vivências com artistas. É autora do livro “Crônicas do Cotidiano e outras mais”, vencedor do prêmio Alejandro Cabassa pela União Brasileira dos Escritores do Rio de Janeiro e publicado em 2014 pela Scortecci Editora. Colabora com jornais e revistas de literatura.

[email protected]

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FilhaFilhaFilhaFilha

Vejo a menina ao redor de sua mãe

Se a mãe usasse saias, talvez tentasse segurar nas sobras do pano

As pernas dentro da calça justa

O convite à amiga para vir quando anoitece O chinelo tirado do próprio pé para calçar a outra que chega

Chove

a mulher na mãe Torna tudo mais escorregadio

Há que se derrubar as pipocas

Confundir as meias Baralhar os potes

Sentir sede Fazer funcionar o intestino

Acusar as formigas Reclamar o desenho

Apelar, talvez, à metafísica: mãe, a cadeira balançou sozinha, eu vi

Por acaso a cadeira onde a amiga da mãe estava há pouco

sentada, elogiosa do conforto Essa intrusa a roubar o tempo em que poderiam estar à sós

E se gostasse e resolvesse ficar para sempre? Não tarda chegar o pai

Não tarda passar o tempo

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POESIAS

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Em cada mulher adulta a sensação de que houve uma intrusa que ficou para sempre

Um pai que chegou cedo demais Um tempo curto para entender o ser da mãe, a sua beleza

Em cada mulher adulta a paixão recolhida, a sensação de que

não pudemos ser as melhores amigas delas Não ter a mãe inteira foi a falta a mover uma vida

Útero

Essa casa de mãe na floresta

Os nossos punhos cerrados de bebê às vezes batem à porta Elas escutam, não podem fazer nada

Por amor é que não se deixa ninguém entrar

Na roda das mulheres há sempre portas fechadas e a presença de uma intrusa convidada

Na roda das mulheres corpos escorregam de corpos Enquanto se transmite de boca em boca a palavra mãe.

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PRÊMIO CATARATAS DE CONTOS E POESIAS 2018

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7º LUGAR

RotinaRotinaRotinaRotina Zé Backer

(Cesar Wolf Oly) Campo Largo - PR

Breve Biografia

Nasceu em Campo Largo, Paraná, onde reside atualmente. É estudante de Letras Português/Inglês, na UTFPR e professor de música. Foi vencedor do primeiro lugar do Prêmio Cataratas, em 2017, na modalidade poesia.

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POESIAS

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RotinaRotinaRotinaRotina

O galo canta, orgânico despertador, Anunciando a morna manhã solar

Que explode azul, entre nuvens no céu. O corpo, cansado do descanso,

Desperta em trancos de lentidão E imprecisos espasmos de ímpeto,

Entre lamentos maldições e semi-choro.

A cidade canta em coro A percussiva civilização De motores, máquinas,

Pressa, preço e precisão.

O corpo se levanta por precisão. É preciso construir o amanhã Como um pedreiro constrói

A casa nova em que não mora.

É necessário crer no copo quente de café E no pão seco que o devora.

De manhã, ninguém salta da cama Se não for por um ato de fé.

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8º LUGAR

Bola de CristalBola de CristalBola de CristalBola de Cristal Sally

(Alana Regina Sousa de Menezes) Três Lagoas - MS

Breve Biografia

Alana Regina é autora de “Maria Rejeitadinha e Outros Poemas” (2011) e de “Sob Encomenda: Contos” (2015). Em 2012, lançou Maria Rejeitadinha e Outros Poemas no tradicional Encontro Cultural de Laranjeiras (Se). Finalista no XIII FestCampos de Poesia Falada (Campos dos Goytacazes/RJ). Vencedora do concurso de poesias do site do poeta Ulisses Tavares (setembro de 2011). Destaque especial no Concurso Metacantos (2015), da editora Literacidade. Uma das vencedoras do Concurso Pão e Poesia (2017, Blumenau/SC), 2º lugar no Concurso Literário da XIX Semana de Letras da UFPR (2017). É mestra em Estudos Literários pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2016).

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POESIAS

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Bola de CristalBola de CristalBola de CristalBola de Cristal Você

tem que denunciar foi o que eles

disseram então ela

foi lá e disse eu

quero denunciar tá denunciado tá apreendido

tá liberado agora já pode ir matar

aquela que agora

já não pode mais denunciar e ainda

nós temos que ouvir que o juiz não tem bolas

de cristal pra adivinhar

e como

ela foi denunciar

sem levar o João Bidu

e a mãe Dináh ela

está morta porque não basta denunciar

tem que ver ainda se o juiz tem bolas

de cristal pra adivinhar

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9º LUGAR

MinhocasMinhocasMinhocasMinhocas Léo Cruz

(Leonardo de Oliveira Cruz) Porto Alegre - RS

Breve Biografia

Nascido em 1995, Léo Cruz é natural de Porto Alegre e escreve poemas desde sua adolescência, é graduado em Publicidade e Propaganda e trabalha com redação publicitária e marketing. Escreve sobre amor, dor e coisa nenhuma. Em 2015 foi vencedor do “Prêmio Cidadão de Poesia” de Limeira/SP. Depois, continuou participando de publicações nacionais e regionais. Publica seus poemas no Facebook e Instagram sob o nome Poemas do Léo e também publica zines independentes.

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POESIAS

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MinhocasMinhocasMinhocasMinhocas

As minhocas da cabeça espantam

as borboletas do estômago.

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10º LUGAR

Dezenas de MeninoDezenas de MeninoDezenas de MeninoDezenas de Menino Arso Cantão

(Gladstone Américo de Souza) Itacurussá - RJ

Breve Biografia

Escrevo desde sempre, na maioria das vezes para terceiros, sem identificação de autoria. Morador da Costa Verde, divorciado, feliz.

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POESIAS

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Dezenas de MeninoDezenas de MeninoDezenas de MeninoDezenas de Menino

Eu lembro direitinho

O modo que minha mãe mexia o refogado O modo que pedalava a máquina de costura O modo que estendia a roupa no quarador

O modo que ia gente, ela, levando

Impassível

Lembro o modo dela, diversas as estações Lembro os marços com chuvaradas sem fim

E minha mãe detestando as águas Dos marços, e desde os janeiros, e desde os dezembros

Minha mãe não levava aos olhos

Água gota nenhuma, nem de chuva Nem da estipulação dos sofreres — lágrima — havia-se seca, intrêmula, dura feito pedra

Lembro o modo como se trajava

Lembro do casaco dela nas manhãs e noitinhas E de todos os vestidos

De ocasiões

E lembro Das nunca-vezes que sorriu

Lembro a vida dela, ponto a ponto, os tempos

Naquele tempo Enquanto me ignorava

Dia a dia.

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1º LUGAR (Local)

A A A A Chuva É Uma ArteChuva É Uma ArteChuva É Uma ArteChuva É Uma Arte Flávia Melo

(Flávia de Melo) Foz do Iguaçu - PR

Breve Biografia

Flavia de Melo. 21. Jornalista. Feminista. Capricorniana sem ser tão dinheirista. Cantora por hobby e pseudo-escritora nas horas vagas. Viciada em café e chocolate. Amante do frio, apesar de friorenta. Comunicativa e amigável. Tranquila mas há controvérsias. Amante de desenhos da Pixar.

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POESIAS

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A A A A Chuva É Uma ArteChuva É Uma ArteChuva É Uma ArteChuva É Uma Arte

E ela vem. Majestosa. Silenciosa. De mansinho. Chega de carona com as nuvens cinzentas que pintam o céu. Há quem reclame deste, de sua aparência triste, fria e sem sal. Pobres coitados! Acabam esquecendo de ressaltar o aconchego que esse tempo traz. Ela começa a tamborilar no telhado de amianto e se espreguiça na transparência do vidro da sala de estar. O cheiro de café passado cria uma harmonia deliciosa com a música que as gotas de chuva fazem lá fora. Através da janela, pessoas encasacadas andam cuidadosamente desviando de poças d’água e entre giros e pulos, guarda-chuvas brincam entre si como se dançassem ballet na calçada. Alto aqui do décimo terceiro andar, longe na praça se vê crianças com largos sorrisos que não se importam com as roupas encharcadas coladas em seus corpos, e a luz dos faróis se esparramando nos reflexos que a água causa no asfalto. Pessoas com cabelos desgrenhados correm devagarinho para alcançar a marquise e logo se ajeitam em frente a uma vitrine qualquer. As cores do semáforo dão uma sonolência agradável, de se debruçar no parapeito da janela e fechar os olhos por alguns minutos. Aconchego.

Através da janela, uma pintura de situações cotidianas que a chuva proporciona. Um quadro vivo que se vê singularidades num plural. Uma imagem sensitiva que traz sons e cheiros. A chuva é uma arte. E enxerga quem que quer.

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1º LUGAR

A viagem de ZumbiA viagem de ZumbiA viagem de ZumbiA viagem de Zumbi Drica

(Laura de Oliveira Camilo) Itabirito MG

Breve Biografia

Nascida em Itabirito/MG, 25 anos, é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Viçosa. Já morou na Austrália e no México, o que lhe proporcionou conhecer diferentes culturas que a enriqueceram muito pessoalmente. Possui 4 contos publicados em coletâneas. Ama escrever e suas inspirações derivam do seu cotidiano, das suas viagens e dos livros que lê. Define escrita como um presente de energia espiritual para quem a produz e para quem a recebe.

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A viagem de ZumbiA viagem de ZumbiA viagem de ZumbiA viagem de Zumbi

No imaginário dos mais criativos, morrer significa estar defronte a um cais onde, depois de apresentar seus argumentos (muitos absurdamente infundados), cada ex-morador da terra ganharia sua passagem para a altura das nuvens ou para o calor infernal do centro da Terra. Existiam pois, para transporte, duas barcas intituladas: a Barca do Inferno e a da Salvação.

Talvez esse fosse mesmo o cenário que se instaurou durante a época das Cruzadas; mas em pleno século XXI, a realidade se apresentava um tanto adversa. A verdade era que Lúcifer só se interessava em colecionar seguidores no "Istagram". Além disso, o programa de milhas facilitou sua viagem para Paris e Milão. A criatura, que tinha o nome Lúcifer Temor dos Santos registrado em seu passaporte, agora passava horas por entre o luxo da moda e das passarelas. Estava certo, afinal, quem um dia disse que o diabo veste Prada. Como consequência, era no céu que todos os ex-moradores da Terra passaram a habitar "post mortem". Desde beatas que sempre tinham suas vozes destacadas no coro da missa; até os ateus que ficavam desnorteados com o antagonismo entre o que estavam vivenciando e as ideias que sempre defenderam, não lhes restando senão encontrar criativas explicações para aquele cenário sobrenatural. Foi então que o Poderoso Chefão (se assim preferirem os amantes do cinema) se viu diante de um grande desafio: governar todas aquelas antagônicas criaturas. Nostalgicamente, relembrou da criação do mundo... No princípio criou a terra para todos. No “Aurélio do Céu”: To-dos: pron. indef. Boias-frias, índios, mini fundiários, colonos, posseiros, grileiros, grandes proprietários,

CONTOS

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garimpeiros, etc. E a terra era sem forma e sem dinheiro; até que surgiram as trevas da ganância. E foi assim que instaurou-se o dicionário do planeta Terra: To-dos: pron. def. Tataravô, bisavô, avô, filho e neto de fazendeiro.

E disse o Todo Poderoso: “Haja luz!”: o dia primeiro. E posteriormente houve a energia elétrica sendo utilizada indiscriminadamente. E foi a tarde que virou manhã com o Horário de Verão.

E disse o Todo Poderoso: “Haja uma expansão das águas”: o dia segundo. Mal sabia que não aprenderiam a diferença entre necessidade e desperdício.

E disse o Todo Poderoso: “Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca”. E chamou o Todo Poderoso à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Praias. E viu posteriormente que só era bom quando se utilizava protetor solar.

E disse o Todo Poderoso: “Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera”. E viu o Todo Poderoso que era bom, esqueceu-se porém que erva também alucina. E foi a tarde e a manhã: o dia terceiro.

E disse o Todo Poderoso: “Haja relógios na expansão dos céus, sejam eles para sinais, para tempos determinados e para horas e dias”. Mas as horas viraram "horas do rush". E foi a tarde e a manhã: o dia quarto.

E disse o Todo Poderoso: “Produzam as águas abundantemente répteis de alma vivente e embarcações; e voem as aves sobre a face da expansão dos céus e sobre os aviões”. E o Todo Poderoso os abençoou, dizendo: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei as águas nos mares e as aves se multipliquem na terra”. Não esperava que os meios de transporte também se multiplicassem caoticamente. E foi a tarde e a manhã: o dia quinto.

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E disse o Todo Poderoso: “Que o homem domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra.” Não imaginava que essa dominância seria mal interpretada, culminando nos animais como vítimas de maus tratos, tráfico ou até extinção.

E disse o Todo Poderoso: “Eis que vos tenho dado toda erva que dá semente e que está sobre a face de toda a terra e toda árvore em que há fruto de árvore que dá semente; ser-vos-ão para mantimento”. E foi a tarde e a manhã: o dia sexto. E foi assim, que Eva e Adão resolveram comer o fruto proibido. E viu o Todo Poderoso tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom. Seria, porém, ainda melhor, se o homem não tivesse se moldado à imagem do espelho e a semelhança do pecado. Sabia o Todo Poderoso que gastaria maiores esforços para manter aquele novo céu. E no sétimo dia, descansou... Voltou à realidade. Sabia que naquele momento não gozaria de descanso. As estatísticas a respeito do crescimento populacional (e animal) no céu cresciam assustadoramente; em razão, sobretudo, da forma errônea como os moradores da Terra estavam administrando a vida no planeta. Necessitavam pois de uma reunião.

No dia e hora marcados, o Todo Poderoso informou que regressaria algum brasileiro para seu país, afim de que fizesse um relatório da real situação dos terráqueos. “Uai, porque não manda um gringo? Ele só pode estar louco sô”, bradaram os mineiros. “Oxê, meu rei, o relógio do equilíbrio que move o mundo está com os ponteiros quebrados!”, afirmavam os baianos. “Só comprar uma imitação de "Rolex" na 25 de Março!”, responderam outros com tom de vexa. Só se calaram para olharem assustados na direção de um homem negro, que bradou que ele aceitaria a missão...

CONTOS

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...Bastou pisar outra vez em solo verde amarelo – que na verdade, poderia ser colorido, dada a diversidade de raças e credos – para voltar a sentir aquela dor nas costas que cheirava a couro dos chicotes e expressava-se, seja fisicamente com o escorrer do sangue por entre o mosaico de cicatrizes de um passado, seja psicologicamente com o cair das lágrimas em rostos da cor do petróleo, tão explorados como o recurso mineral, mas tão menos valorizados. Era um homem com um potencial físico invejável. Sua pele, exposta ao sol escaldante do Nordeste, brilhava; assim como seus olhos, ao verem a placa que intitulava aquele lugar de antigas recordações como simplesmente “Alagoas”! Quando criança, fora batizado com o nome de Francisco, mas era tão mais conhecido com o nome que posteriormente veio a incorporar.

Andou por entre as ruas, estava tudo bem diferente das suas recordações! Na verdade, poderia ter “imaginações mais recentes” de seu estado natal, se tivesse com as palavras, a mesma ginga que tinha com a capoeira; então poderia se dirigir àquela parte do céu onde se reuniam os escritores que marcaram história e procurar pela ilustre figura alagoana de Graciliano Ramos. Esse sim teria alguns séculos a mais de informações. Mas o escritor era intenso por demais, uma vez até o vira, ele andava de um lado para o outro pronunciando: “Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício. Acho medonho alguém viver sem paixões!”. Mas o negro achava medonho mesmo era alguém viver sem lutas e sem revoluções, por isso resolveu não se dirigir ao escritor. Resolveu esperar que outro alagoano, Djavan, chegasse ao céu com sua bela voz.

Sentou-se em uma praça que ficava de frente para uma escola. Até que um fato curioso lhe prendeu a atenção, um garotinho - de pele morena, cabelos encaracolados e lábios

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carnudos - sofria deboches vindos de outros garotos por causa do seu tom de pele e pelo fato de ter pais adotivos tão brancos como a neve. Ficou no mínimo vexado e reflexivo, até que ao seu lado sentou-se uma bela menininha. A figurinha aparentava ter uns dez anos, pele clara, olhos grandes e brilhantes; características que se harmonizavam de modo a resultar em um rosto angelical. A garota nem um pouco tímida, logo foi se apresentar: “Prazer, meu nome é Pedra. E o seu, senhor?”. O homem exaltou no primeiro instante, mas em seguida balbuciou: “ Meu nome é Antônio, mas pode me chamar de Zumbi”.

“ Zumbi?! Sabe que acabei de estudar na escola a história de um tal de Zumbi dos Palmares? Sabe que ele foi um herói? Sabe que Zumbi foi capturado ainda quando criança e entregue a um missionário português? Sabe que ele foi líder do Quilombo dos Palmares que recebia negros fugitivos? Sabe que o Quilombo era enorme, reunia vários povoados, tinham suas leis e viviam da agricultura? Sabe que os negros liderados por Zumbi resistiram a quinze expedições oficiais da coroa, durante quatorze anos? Sabe que Zumbi foi morto depois de ter sido traído por companheiros? Sabe que ele teve sua cabeça exposta em praça pública?, Pedra começou a falar, falar e falar...

O homem achou graça, estava ouvindo sua história ser contada por uma locutora que não tinha nem mesmo tamanho, mas não lhe faltava empolgação. Orgulhou-se, mas tinha para si que estava longe de ser um herói isolado. Resolveu contar uma “aventura” e a menina prontamente se dispôs a escutá-lo: “Os negros foram trazidos da África, como mercadorias, pelos portugueses e chegaram no Brasil colonial através de navios. Alagoas tem hoje sua economia baseada na agropecuária e é um dos maiores produtores de cana-de-açúcar do país. Mas toda a tecnologia que você vê hoje deve

CONTOS

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se curvar ao trabalho escravo que sustentou a sociedade alagoana por séculos. Apesar de querer ser como a Europa, o Brasil já nessa época não conseguia esconder sua miscigenação e a luta contra o preconceito não deve estar vinculada a um único herói, mas a vários homens, sobretudo negros e índios, que “gritaram para serem ouvidos”.

“Até que uma bela princesa aparece na história, desobedece às ordens de Dom Pedro II e assina uma lei que resolve os problemas dos escravos no Brasil. E viveram felizes para sempre!”, disse a menina, que naquele instante rodopiava, segurando seu vestido, imitando uma princesa.

Zumbi respeitou a inocência da garota, mas lembrou-se dos dias, lá no céu, em que via os nobres passeando com inegável elegância. Viviam a reclamar do movimento republicano e da falta de súditos fiéis. E por mais que tentassem despistar, era nítido que se amedrontavam quando avistavam Napoleão Bonaparte.

Certa vez, Zumbi chegou a conversar com o Todo Poderoso, acreditava que os nobres desobedeciam a um dos principais mandamentos: “amar ao próximo como a si mesmo”. O Todo Poderoso, no alto da santa benevolência, respondeu a Zumbi que todos necessitavam de uma segunda chance e que, de certa forma, aquelas pessoas estavam no imaginário brasileiro como heróis, de modo a amenizar as injustiças cometidas ao longo da história brasileira. Ele tinha toda razão, era empolgante para os brasileiros verem nos livros de história o ato heroico do Grito do Ipiranga.

Já para “negros e índios póstumos” eram cômicas as conversas, no céu, com “O Chalaça”, que como ex confidente do primeiro imperador, desmistificava a coroa e revelava as aventuras amorosas de D. Pedro I. A Princesa Isabel também era alvo de comentários que diziam que a Lei Áurea não passou de uma jogada política. Zumbi não podia deixar de lembrar e se divertir

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com as loucuras de D. Maria e com as coxinhas de frango que D. João VI sempre carregava em seus bolsos.

Zumbi despertou de suas recordações com os chamados da menina que ainda estava ao seu lado. Foi então que retomou a conversa: “Pedra, a Princesa Isabel tem sim sua importância na história, mas a abolição da escravatura foi um processo gradual. A pressão dos grupos abolicionistas estava sufocando a coroa. O estado brasileiro não se preocupou em oferecer condições para que os ex escravos pudessem ser integrados no mercado de trabalho formal e assalariado".

Nesse instante, Zumbi olhou para o lado e viu a imagem de Pedra desfigurada. Apertou os olhos com as mãos e tentou olhar outra vez... Nada! Só via um vulto. Desesperou-se, viu um jornal no chão, a frente do seu banco. Pegou-o. Leu uma reportagem que falava sobre aquele dia, 20 de Novembro:

Dia da Consciência Negra. Alegrou-se. Tombou novamente a cabeça para o seu lado direito e... UFA! Pedra voltava a se apresentar como figura nítida diante de seus olhos. Zumbi pegou o jornal, fez algumas dobraduras e pronto, tinha improvisado uma coroa. Colocou-a em Pedra. A menina alegremente aproximou-se de um canteiro, passou terra em seus braços e rosto e pronunciou como uma verdadeira princesa: “Em meu reino, todos serão julgados pelo seu caráter e não pela sua cor de pele!”.

Zumbi se emocionou. Era necessário confiar na educação. Ainda que fosse construída muitas vezes de erros e acertos do passado, a educação é a responsável por conferir forma a Pedra, que naturalmente é imperfeita. E a partir da lapidação, diamante ou brita são responsáveis pelo brilho e cor do futuro.

Zumbi estava pronto para voltar ao céu e discursar que a sociedade é como uma Pedra e estava aos poucos sendo lapidada com bastante samba, capoeira e feijoada.

CONTOS

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2º LUGAR

El amigo invisibleEl amigo invisibleEl amigo invisibleEl amigo invisible Lucho Meon

(Luciano Cantero dos Santos) Foz do Iguaçu - PR

Breve Biografia

Luciano cantero dos Santos. Estudante de Letras português-espanhol no oitavo período, na universidade da integração latino-americana. Integrante do coletivo underground de foz do Iguaçu, fundador juntamente com Nilson Brecher no início dos anos noventa do grupo ACAC, associação cultural ação coletiva, grupo anarco comunitarista, que lançou dois livros e uma revista comunitária, organizou shows, encenações e aulas de esperanto em Foz do Iguaçu. Integrante da academia de letras de foz do Iguaçu(ALEFI). Um livro lançado de forma independente em parceria com o Poeta Genir Terra, que chama-se “Luz e sombra”.

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El amigo invisibleEl amigo invisibleEl amigo invisibleEl amigo invisible Crecimos inseparables desde niños, siempre estábamos juntos; en la escuela, en el parque, en la calle, todos los momentos. Juntos, siempre juntos yo y mi amigo.

Cuando aún niños todavía, yo acepté su dominio, si él quería jugar, jugábamos, si quería comer, comíamos, o si quería estudiar, estudiábamos. Yo era tan tímido, dependiente de mi amigo, nada que él me proponía, yo lo recusaba, me acostumbré así.

Él me decía − ¡Daniel, vamos a jugar en el parque!

Si yo alguna vez no lo quería, él enseguida me decía − ¡Sí, vamos jugar en el parque!

Y yo no lograba decir que no.

Ese dominio fue poco a poco arrastrándome por un laberinto oscuro y sin salida que era su mundo. Fue a los once años cuando la pesadilla comenzó. La caída sin fin de mi vida, por un abismo terrible.

Un día él me llamó −Vamos al bosque a jugar y a coger naranjas.

Llevamos el perrito carnissa para que nos hiciese compañía. Estábamos tranquilos en el bosque, jugando, cuando mi amigo abruptamente me dijo − ¡Vamos a matar a carnissa!

Me quedé desesperado, sin saber lo que hacer, quería huir, jamás pensé en hacer mal a ningún animalito, pero mi amigo tenía sobre mí un control irresistible, yo lo amaba, sentía su fuerza, su virilidad, su capacidad de decisión. Entonces obedecí y lo hicimos. Con el cuchillo matamos, cortamos en pedazos menores y lo sepultamos.

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“Animales”

Después de eso ya no paramos de matar animales, por toda nuestra infancia y adolescencia matábamos y destripábamos animalitos. Al principio yo no quería, pero mi amigo me hizo entender su necesidad por eso, después me acostumbré. Planeábamos meticulosamente cada vez que íbamos a matar, nunca fuimos agarrados.

Como teníamos miedo de que nos descubriesen decidimos a adoptar una actitud de buenos niños, siendo siempre buenísimos, ejemplares en todo. Íbamos a la iglesia todos los domingos, eramos alumnos aplicados y amigos de todos. Durante nuestra adolescencia matamos decenas de animales sin que nadie desconfiase de nosotros.

“Apolo”

Teníamos dieciséis años cuando conocimos a Apolo. Era un chico grande, fuerte, hermoso, con ojos azules, piel blanca, parecía un ángel. El luego se hizo muy amigo nuestro, especialmente mío, y comenzó a andar junto a nosotros todo el tiempo, pero ni sospechaba nuestra actividad secreta. Lo que nos atrapó, porque se quedó más difícil practicar nuestra diversión particular.

A mí me lo gustaba mucho. Pero sentí que mi amigo comenzó a quedarse celoso con Apolo, noté que secretamente no le quería bien, pienso que se dio cuenta de mi afecto por él, yo me sentía bien cerca de aquel muchacho y eso hacía a mi amigo infeliz, no le gustaba nada que yo tuviese admiración por otro amigo.

Un día mi amigo me dijo − ¡Vamos a matar a Apolo!

− ¡Dios mío! Me desesperé, me gustaba mucho aquel chico, no le podría matar, pues él estaba conmigo todo el tiempo, cuando no físicamente, estaba en pensamiento, le dije que no

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le íbamos a matar. Pero mi amigo era más fuerte que yo psicológicamente, y me lo ordenó, entonces al final yo acepté.

Pero matarlo no sería tarea fácil, era muy fuerte y Además siempre estaba con nosotros, enseguida seríamos cuestionados, entonces planeamos una trampa para que no quedásemos como sospechosos.

Yo convencí a Apolo a huir de casa con nosotros, le dije que escribiera un mensaje a sus padres diciendo que iba a marcharse de casa, pero no debía decir que huiríamos juntos, diría apenas que estaba marchando para nunca más volver y nosotros también haríamos lo mismo. Nos encontraríamos después de la media noche en el bosque.

Lo hicimos, él dejó una carta a sus padres diciendo que nunca más volvería, y nosotros le dijimos que también lo habíamos hecho. Lo encontramos en el bosque y fuimos caminando, a cierta altura yo le dije −Tenemos una sorpresa, −cierra los ojos.

El inocentemente los cerró, entonces con un bastón previamente escondido le golpeamos en la cabeza, él cayó y lo matamos con golpes de bastón y un cuchillo. Lo enterramos en un pozo hondo que habíamos hecho en el bosque y pusimos hojas secas por encima, ni se notaba que la tierra había sido retirada. Nadie nunca lo descubrió.

Los padres de Apolo pasaron muchos años buscando desesperados, pero nunca imaginaron que nosotros estuviésemos involucrados.

“Seriales”

Aquella aventura fue mucho más emocionante que matar a perros y gatos. No nos satisfacía más ejecutar animales, ahora solo íbamos asesinar personas. Pero teníamos miedo,

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entonces planeamos meticulosamente y algunos meses después encontramos la próxima víctima.

Era un viejito que vivía solo en su cabaña en el bosque, hicimos amistad, lo visitábamos en horarios cuando no había personas por los alrededores.

Una noche llamamos a su puerta, el anciano nos atendió y fue a hacer un té, pero cuando él se quedó de espaldas, lo golpeamos hasta que se cayó y lo matamos con un cuchillo, esparciendo mucha sangre.

Aquello fue muy placentero, nosotros nos bañamos en la sangre, qué chorreaba por todo el cuerpo del viejo, bañando las paredes, los muebles, en fin toda la habitación, nos quedamos extasiados. Después pusimos fuego en la casa y huimos, a los habitantes de la ciudad, les pareció que el anciano por accidente incendió la cabaña.

Después de eso no más paramos de matar personas, en siete años hicimos doce víctimas, no más porque éramos metódicos, todos los crímenes eran planeados meticulosamente y solo ejecutados cuando todo estaba perfecto.

Nos quedamos muy buenos en nuestro juego de asesinatos, pero no sabíamos que la próxima víctima cambiaría todo, que alteraría todo en nuestras vidas.

“Patricia”

En la escuela mi amigo tuvo un período en que sus notas bajaron mucho, estaban muy malas, y la coordinación resolvió indicarle una terapeuta. Ella se llamaba Patricia, era una muchacha muy hermosa. Negra, con cabellos rizados, rostro pequeño y delicado, además de usar un perfume maravilloso. Paty tenía 22 años, formada hacía poco, aquel era el primer hogar en que ella trabajaba. Vivía sola, su

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familia vivía en otra localidad cerca unas cinco horas de nuestra ciudad.

A las sesiones en el principio, íbamos yo y mi amigo, a mí no me gustó mucho, pero a mi amigo sí. Conversaban muy animadamente, parecían muy felices hablando. Yo odiaba eso, me sentía infeliz y solo.

Nos hicimos amigos, pero a mí no le gustaba mucho. Percibía que ella sentía atracción por mi amigo, sus ojos brillaban cuando lo miraba. Nunca antes lo había visto tan feliz, mi presencia ni era más sentida, era como si yo no existiese, sentí a mi amigo lejos de mí, muy lejos.

El tratamiento que ella recetó, no sé qué drogas eran, pero a mí me perjudicó, a veces yo no podía encontrar a mi amigo, a veces él desaparecía por mucho tiempo. No me estaba gustando nada de eso, me estaba haciendo mal. Tenía pesadillas, comencé a soñar, a ver fantasmas. En una pesadilla ella me hablaba mal de mi amigo, me decía que no estuviera más con él, que él no me hacía bien.En otra pesadilla, ella estaba con un cuchillo en la mano, se veía mucha sangre, y sonreía, una sonrisa bestial.

Me gritaba− ¡Voy matar a tu amigo! − ¡voy a matar tu amigo!

Y lo apuñalaba mientras él la besaba y sonreía, el suelo y las paredes cubiertas de sangre.

¡Ella quería matar a mi amigo!− ella quería robar a mi amigo.

Ella era un demonio que estaba en nuestras vidas.

Ella era un demonio. Sí, ella era un demonio.

Ella quería matarme, ella quería a mi amigo.

Desperté aterrado. − ¡teníamos que matarla!

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Llamé a mi amigo para hablar y le dije − ¡Tenemos que matarla!

Él se negó, peleamos mucho y mucho. Él no quería, pero al final yo conseguí convencerlo. Entonces hicimos un plan:

Él se acercaría aún más a ella durante lo que faltaba del año lectivo y la mataríamos en las vacaciones cuando ella visitaba a su familia, volviendo hacia el comienzo de las clases. Nosotros la agarraríamos en su vuelta a la casa de sus padres, así no despertaríamos sospechas.

Comenzamos con el plan, mi amigo continuó con las sesiones, pienso que aun tomaba aquellas drogas horribles, que en la verdad le hacían tanto mal. Nos hicimos muy amigos de ella, mas aquellas drogas lo desnortaban, pasábamos mucho tiempo sin vernos, estaba muy difícil aquella situación, pero nosotros nos complacíamos cuando revisábamos el plan.

La esperaríamos en el bosque, la golpearíamos y la derribaríamos, en seguida con un cuchillo la despedazaríamos bien lentamente, sin prisa, con mucha sangre, la cortaríamos en pedacitos, y el gran premio sería su corazón, que comeríamos, bien despacio.

Yo le iba a mutilar aquel hermoso rostro, deformándolo, haciendo que quedara monstruoso, feo como si fuese un retazo de carne apenas. Esa expectativa nos daba mucho placer, y eso nos hacía aguantar y esperar el momento de matarla.

Pero para mí el tiempo parecía no pasar, el reloj trabajaba despacio. Los días se arrastraban morosamente, una verdadera tortura. Poco ahora veía a mi amigo, él ya no vivía más para mí como antes.

Un día mientras nosotros estábamos en el cuarto estudiando, él salió un momento y yo fue a pillar un bolígrafo en su

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mochila. Ocasión en que encontré esa hoja de cuaderno que me sorprendió y entristeció mucho:

Yo la quería matar

Pero con besos

En su dulce boca.

Yo la quería cautiva

En la curva de mis brazos

Con amor, cariño y ternura.

Yo la quería…

Yo la quería atrapada a mí.

Quería oír sus gritos

En la arena de la playa

Llamándome − venga mi amor.

Yo la quería por siempre en mi vida, casi

perdida, ahogada en sangre y dolor.

Yo la quería…

Yo la quiero mi amor.

Si mi vivir es un engaño,

La verdad que quiero…

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Son sus labios susurrantes en mis oídos.

Si la vida puede ser buena

Quiero disfrutarla con vos

Hasta el fin de mis días.

Contigo quiero despertar en las mañanas.

Mirar tu hermoso cuerpo a mi lado.

Por todo el siempre, por todo el siempre...

Mi gran amor…mi gran amor.

Patricia.

Eso fue un duro golpe para mí, pienso que fueron los remedios que ella le daba, que estaban enloqueciendo a mi amigo.

“El gran día”

El gran día llegó, nos despedimos de Paty en su casa, juntos estaban otros amigos de escuela, eso sería una coartada perfecta, todos nos vieron despedirnos de ella. Después la esperaríamos en el camino en medio del bosque, mi amigo llevando un ramo de flores. Cuando ella parase su moto la íbamos golpear, matar y enterrar. Su vehículo tiraríamos al pantano.

La esperamos en el bosque, estaba todo perfecto, el hogar aislado, vacío. Nadie a kilómetros, los árboles oscurecían El camino, dejamos un hoyo abierto cerca en el interior del bosque, un cuchillo y hasta un hacha para divertirnos, yo estaba muy feliz. Mi amigo estaba algo extraño, pero decía estar bien.

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De repente, a lo lejos en la ruta venia Patricia, acercándose lentamente con su moto, mi amigo parado en el camino con las flores y yo a su lado.

Ella paró…Y sonreía, sonreía mucho.

Para mí era como la sonrisa del demonio, pero mi amigo estaba en éxtasis, sonreía y lloraba al mismo tiempo, emocionado, ella se apeó y lo besó en la boca, llorando también y diciendo:

− ¡Te amo! − ¡Te amo! − ¡Te amo!

Yo grité − ¡Ahora! vamos a matarla.

Pero él se quedó parado, sin ninguna reacción.

Yo grité de nuevo − ¡Ahora, Mátala!

Pero él no se movía. Yo comencé a gritarle, pero él no me oía.

Estaba inmóvil, fascinado, solo la miraba a ella, sonriendo.

Yo comencé a golpearlo con puñetazos, pero él parecía estar hechizado (encantado).Yo y él empezamos a pelear. Intentaba traerlo a la razón pero no lograba. Girábamos en el suelo peleando.

Pero mientras nosotros estábamos luchando encarnizadamente en el suelo, extrañamente yo también veía otro de él allá al lado de Patricia (Como si fueran dos), yo no entendía muy bien lo que pasaba.

Pero él me dijo −No te quiero más, en mi vida. − ¡No quiero! − ¡No quiero!

Yo le dije: −Somos amigos.

Pero él gritó − ¡Tú no existes! − Solo existes en mi cabeza.

Y ahora te voy a matar para siempre, y me voy a vivir ese amor.

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Mi gran amor, el gran amor de mi vida.

Entonces él comenzó a golpearme con el cuchillo, muchas y muchas veces.Comencé a sentir que estaba muriendo. Vi mi cuerpo desvaneciéndose poco a poco. Desapareciendo, desapareciendo, hasta que todo oscureció. Pero antes de desaparecer completamente, aún vi a mi amigo sonriendo feliz y besándola.

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3º LUGAR

A PonteA PonteA PonteA Ponte Amábile

(Maristela Provedel de Carvalho) Rio de Janeiro RJ

Breve Biografia

Formada em Artes Cênicas, atriz durante 10 anos, formada em Psicologia Clínica e Psicanálise, terapeuta por 20 anos e desde 2015 dedica-se à escrita.

[email protected]

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A ponteA ponteA ponteA ponte

Se olharmos bem, enxergaremos a pessoa em questão de perfil, a fechar uma pasta sobre a mesa. Se aplainarmos nossa respiração, ouviremos o estalar de elásticos seguido de um suspiro-gemido. Inaudível? Então voltemos 6 segundos no tempo. Agora sim. Escutamos um murmurinho se distanciando, deixando a sala vazia. O professor-doutor-Darcy está a sós com sua sombra.

Perspectiva plongeé e contre-plongeé. Foi este o tema da sua aula de hoje. Ele abraça a pasta de plástico recheada de papéis, desenhos e promessas. Portador de 59 anos, poucos e despenteados fios de cabelo, belo rosto, bela barriga, olhos doces, mãos firmes. Fumante sorridente e impaciente. É dessas pessoas que apresentam uma breve falta de ar entre a articulação de uma palavra e outra. Costuma entrecortar as frases com pigarros, o que nos deixa em estado de aflição por osmose. Darcy utiliza os suspiros como recurso acomodativo para quando escuta opiniões óbvias ou equivocadas demais. Ele sofre verdadeiramente diante de cada diálogo nos quais está envolvido.

Para Darcy frases são sentenças. Chega a sentir tremores nas costas e nas mãos por medo de alguém decidir ficar falando com ele i.n.i.n.t.e.r.r.u.p.t.a.m.e.n.t.e. Sua falta de ar atende pelo nome científico de dispneia. Por conta deste sofrimento desenvolveu um tique: ao notar a possibilidade de uma aproximação humana indevida, ele põe-se a cantar em alto volume o trecho de uma música qualquer. A primeira que sua memória randomicamente lhe trouxer. Em geral vem Frank Sinatra. Outras vezes Jorge Drexler. Aparece também com frequência Jorge Mautner entoando “o homem bomba”. O

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artifício de cantar alto é bem eficaz e quem vinha em sua direção, constrangido fica e termina por abortar a missão de fazer contato com o incontestável professor.

Pois estava ele ali, no campus universitário, a cantar “Under my skin” quando Miranda veio vindo. A moça, ao contrário do esperado, não se intimidou diante da cantoria. E mais ainda, para desespero do professor, ela entoou a segunda voz:

- “Don't you know you fool, you never can win. Use your mentality, wake up to reality”.

Diante do inevitável, ele olhou para o relógio e disse para si:

- Insinua-se venturosa a tarde.

Darcy é brilhante engenheiro especialista em cálculos. Tem fascínio por ver, desenhar e construir pontes. Suas preferidas?

(Darcy) - A Queensboro em Nova York e a Ponte de Alamillo em Sevilha. A Fourth Rail Bridge é outra que aprecio, sem falar da Sydney Harbour Bridge, na Austrália. Mas guardo carinho por uma ponte esquecida, lá no estado do Espírito Santo, de nome “Cinco pontes” ou Ponte Florentino Avidos. Toda em ferro. E tímida.

Darcy gosta de projetar as imagens destas pontes para escutar o que os alunos têm a dizer sobre elas. Isso rende muitas aulas. Após os debates ele é capaz de discorrer por horas acerca da história da construção de cada uma delas.

Sempre que termina as aulas do dia, ele caminha até a lanchonete, sorve um cappuccino e segue para o seu escritório. De lá, parte para a aventura que mais o entretém: subir nas construções para olhá-las bem de cima.

Neste momento Darcy está com os pés sobre o esqueleto da ponte em arco que ligará o Corte do Cantagalo ao Jardim

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Botânico, na cidade do Rio de Janeiro. Debaixo, ver-se-á a lagoa Rodrigo de Freitas. Segundo o seu projeto, será uma ponte-esteira onde as pessoas embarcadas irão apreciar a paisagem à medida em que forem conduzidas. Trata-se de uma ponte exclusiva para pedestres. E toda em material da mais alta tecnologia, vidros transparentes, de forma que a mesma ficará invisível.

(Darcy) - Ver-se-ão, acomodadas no ar, somente pessoas, como se elas estivessem nas nuvens. Um deslumbre!

Darcy tem vivido dias felizes, acompanhado deste projeto. Hoje, domingo, 25 de outubro, ele precisa ir a um coquetel para arrecadar fundos e parcerias. Será ao ar livre, no Parque da Catacumba. O prefeito, o governador e seus acompanhantes lá estarão. Alunos e estagiários também. Os filhos... se os tivesse, pensa que iriam sim. O assessor de imprensa ensaia com ele o que merece ser dito nas entrevistas. E Darcy assovia “Maricotinha”, de Dorival Caymmi.

- Professor Darcy, não esperávamos a sua ilustre presença. Que alegria!

- Muito obrigada pelo apoio, dr. Darcy! Que surpresa! (Darcy) - Eu reluto, mas de vez em quando apareço.

Feitas as congratulações, entabuladas as conversas formais e terminado o coquetel, Darcy retira-se para o estacionamento. Seu carro não está ali. Tampouco as chaves, que deveriam estar em seu bolso. Intrigado fica. Chove fina chuva. O engenheiro vai seguindo a pé e pensa em sua mulher Iná, onde será que está. Curioso ela não ter vindo. Recorda-se de alguma coisa que ela lhe havia dito.

- Coisa será? E aquelas outras mulheres que lá estavam? Nunca as tinha visto. Mas Rita e Sérgio compareceram. O

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prefeito, neca, o governador, idem. Era aquele o parque da Catacumba?

Ele bate as duas palmas das mãos na testa e assim permanece. Petrificado.

(Darcy) - NÃO era o parque da Catacumba.

Dá-se conta de que estivera no Arpoador em alguma outra cerimônia, mas não aquela que estava agendada. Apalpa o bolso do colete e abre o celular. 37 chamadas perdidas. Darcy segue caminhando com o pensamento vagante e itinerário também. Anda por um longo tempo até que avista a praia de Botafogo.

(Darcy) - Faz tempo que não piso aqui. Enseada de botafogo... flamengo, catete, glória, laranjeiras, “Estranho é gostar tanto do seu All Star azul, estranho é pensar que o bairro das Laranjeiras, satisfeito sorri, quando chego ali...”. Harry Dean Stanton, meu querido. Foste embora para outra galáxia. Tu e Cássia. Tu que andaste seguindo fios e trilhos, postes e trens. Tu, Paris-Texas, Eu, Botafogo-Niterói. Sou fã do vão central da ponte Rio-Niterói. Essa é a minha realidade, você com a sua, eu com a minha. Distâncias são cálculos, meu camarada, cálculos matemáticos, cálculos renais, cálculos de rotas. Percorrer a estrada Paris-Texas é como ir de Porto Alegre a Bogotá. O Brasil não quis ter trens, percebes esta falta de noção? Falta de noção é ainda pior do que falta de amor. Não há ferrovias para nós, fato definitivamente lastimável! Não há trens neste país imenso!!! Seria muito mais possível viver aqui se tivéssemos investido em ferrovias. Vacilo terrível.

Duas horas depois, debaixo de finas chuvas, mais 43 chamadas não atendidas e Darcy é visto no alto do vão central da ponte Rio-Niterói. A 72 metros acima da água. Uma vista tão estonteante que seus olhos não conseguem parar de

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admirar. Faróis indo e vindo fazem um belo trabalho cenográfico. No outdoor próximo a ele, uma frase se acende:

- Dê passagem.

Estaríamos enganados se pensássemos que ele imagina deixar o seu corpo cair da ponte. Não se trata disso. É mais a fascinação pela ideia de estar suspenso no ar, sustentado só por um rabisco traçado no espaço. Pois justo ali, sentado a balançar os pés ao vento, Darcy está. Exausto. Andou quilômetros e agora recosta-se na mureta de amparo da ponte. Em meio às luzes dos faróis, cenas de sua história particular se apresentam. Ele criança, ele adulto, ele andando pelas cidades praticando parkour.

(Darcy) - Seria ridículo assoviar “Somewhere over the rainbow”, mesmo porque blue birds don’t fly por aqui. Inááá!

De relance, aparece o rosto de Iná estampado no outdoor. Iná olha para ele agoniada, aguardando uma atitude. A atitude não vem. Darcy chora. Um choro desmanchante. No luminoso da ponte, pisca a frase:

- Zero ressentimentos*, zero glútens*, zero alegrias*.

Uma equipe de resgate chega trazendo junto de si o plantão televisivo das notícias de última hora. A repórter empenhada pede ao câmera para mostrar o Dr. Darcy sendo levado em uma maca até a ambulância. Sua família abismada acompanha tudo em casa pela tela de plasma. De dentro da suíte ambulatorial, ao som da sirene, este engenheiro está a imaginar a mais incrível forma para sua próxima ponte. Os olhos se acendem.

(Darcy) - Será toda pontilhada. Pont-ilha-da. Uma ponte descontínua formada por vãos i.n.t.e.r.m.i.t.e.n.t.e.s. Vão sim, vão não, vão sim, vão não.

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Rostos familiares vão chegando ao hospital e ao redor da cama aonde Darcy está sedado. E ele gostaria de dizer a todas aquelas pessoas o quanto lhes ama. E ele gostaria de dizer que intermitência é A equação que explica e soluciona o enigma da sustentação do viver. Mas não diz. Ele agora está “de altos”, fora de alcance, entre um vão e outro da ponte que liga o imponderável ao absurdo. Darcy rabisca alguns traços num papel imaginário. Traços simples, elegantes e determinantes. Traços, riscos, sombras e rabiscos. Qual é, pensa ele, a diferença entre o que está vazio e o que está disponível?

O engenheiro levanta-se da cama, cumprimenta a todos com olhar especialmente amável. E nunca mais será aquele de sempre.

(passante) - O ser humano é capaz de desperdiçar toda uma vida só para afrontar o tempo e dizer a ele: Não me submeto a você.

Também somos capazes de construir máquinas, drones, prédios e pontes. Engenharias, meus caros. Engenharias. Meras engenharias, nada demais.

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4º LUGAR

Bolo na ChuvaBolo na ChuvaBolo na ChuvaBolo na Chuva Jamile Lafaiete

(Tarsila de Carvalho Fonseca) Rio de Janeiro - RJ

Breve Biografia

Tarsila de Carvalho Fonseca nasceu na Baixada Fluminense em 1981. Graduada em Radialismo pela UFRJ, trabalha como assistente de produção audiovisual na cidade do Rio de Janeiro. Nas horas vagas gosta de escrever contos e poesias.

[email protected]

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Bolo na ChuvaBolo na ChuvaBolo na ChuvaBolo na Chuva O céu ficou carregado de cinza de uma hora para outra. Um ar abafado de janeiro. Lembrei de tia Eunice. Ela não gostava de tempestades. Dizia que uma trovoada mais alta poderia acordar os mortos. Eu achava graça disso. Nunca tive medo de fantasmas. Deve ter sido por isso que comprei a padaria decadente da rua do cemitério.

Minha família foi contra o negócio. Lugar feio, deserto, fúnebre, entre os outros adjetivos, foi o que eu escutei durante a noite de Natal. Ninguém entendia. Oportunidade única. Preço bom.

Não era mesmo um local atraente. Ficávamos entre uma borracharia e uma floricultura suja. No início era estranho ter tantos clientes chorando o dia inteiro. Bolo, cachaça, cigarro e muito café. Depois acabei me acostumando.

Lembrei de tia Eunice no momento de finalizar a torta com as raspas de limão. Ela dizia que eu era confeiteira preferida dela. O som da batedeira velha de minha infância acabou se misturando com o barulho vindo de raios e trovões sobre a “padaria do cemitério”. Eu não gostava desse nome, mas era assim que todos conheciam a loja.

Os funcionários estavam apreensivos. Temiam uma enchente como a do verão passado. Pediram para sair mais cedo. Tudo bem. Não éramos muito mesmo. Eu só iria esperar uma fornada de suspiros. No cemitério o dia estava parado. Albertinho do caixa foi o último a sair. Assim que ele desceu a porta, pois eu não queria ficar com a loja aberta sozinha, ouvi uma batida. Depois um trovão tão alto que parecia uma colisão de carros. Mais uma batida. Quando eu abri a porta, ele entrou apressado.

CONTOS

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PRÊMIO CATARATAS DE CONTOS E POESIAS 2018

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- Desculpa, mas eu preciso de um bolo de chocolate. Se tiver com morango melhor ainda.

- Nós estamos fechados.

- É aniversário de quatro anos de minha filha. Se eu não levar um bolo, ficarei numa situação difícil.

Ele era bonito. Não tinha como não reparar. Na verdade, eu notei a ausência da aliança. Além da trovoada, tia Eunice pedia para eu evitar homens com anéis de compromisso.

- Sua esposa deixou a missão do bolo com o senhor?

- Ex-esposa. Ela deixou todas as missões difíceis comigo.

- Eu não tenho bolo de chocolate e peço desculpas, mas não tenho como fazer agora... Serve de limão?

- Será que faria sucesso numa festa infantil? Eu não me lembro se a Carina gosta de limão...

- Sua ex-esposa?

- Não. Essa já é o próprio limão. Carina é minha filha.

A chuva caiu. Uma pancada. A luz ameaçou acabar. Três piscadas. A fornada de suspiros ficou pronta.

- Há quanto tempo não como suspiros...

- Quer provar?

- Melhor não... Estou atrasado. A senhora tem mesmo apenas bolo de limão?

O telefonou tocou. Era a cliente da torta alemã. Queria cancelar o pedido, pois a cidade estava inundada. Eu tinha até esquecido a encomenda na geladeira.

- Serve torta alemã? A cliente não vem mais...

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POESIAS

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- Serve.

- Vou só anotar a saída. Um instante.

- Tenho medo da chuva.

- Sério?

- Fico ainda mais sozinho em dias assim... Você se incomodaria de entregar a torta? Eu tenho que resolver um problema, assim que a chuva passar...

Peguei o pedaço de papel. Quando ele esbarrou em minha mão antes de anotar o endereço, senti seus dedos... Estavam tão frios que eu tomei um susto. A luz acabou de vez. Eu deveria ficar com medo, mas gostei da escuridão. Parecia que eu conseguia enxergar melhor os olhos dele, os detalhes da roupa.

- Vou só procurar uma vela para fechar tudo direitinho.

- Eu te vejo sempre.

- O senhor trabalha perto daqui?

- Eu sempre quis entrar aqui... Mas é difícil pra mim... Hoje com a chuva deu certo.

- Achei a vela... Com a chuva? A chuva atrapalha tudo...

- Pra mim a chuva é perfeita. Tão linda quanto os seus doces.

Acendi a vela. Por um instante eu não pensei em nada. O beijo foi demorado. Tinha gosto de suspiro. O barulho da chuva foi diminuindo, diminuindo...

- Desculpa eu não devia... Vou terminar de embrulhar a torta.

Ele segurou a minha mão. Suas unhas estavam quentes.

- Consigo sentir calor novamente...

- A chuva está parando...

CONTOS

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PRÊMIO CATARATAS DE CONTOS E POESIAS 2018

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A luz voltou. Sabe-se lá como a batedeira ligou sozinha. Fui até a pia desligar. Quando virei para o balcão ele não estava mais lá. Deixou o papel e o embrulho da torta. Fiquei desconcertada. Li, reli o endereço. Não sabia nem o nome do cliente.

Decidi levar a torta. O prédio era pequeno. Ficava no centro da cidade. Na portaria eu disse que era uma encomenda para o aniversário da Carina. Quando eu subi, uma moça de pouco mais de vinte anos abriu a porta.

- Oi, eu sou a Carina.

- Não pode ser. Seu pai disse que você estava fazendo quatro anos...

Ao escutar isso, uma senhora desmaiou. A mãe de Carina, que realmente tinha cara de limão, começou a chorar. Fiquei sabendo que há dezoito anos atrás, Miguel tinha morrido em um acidente de carro. A senhora que desmaiou era a mãe dele. No dia do desastre chovia muito e ele tinha saído para comprar um bolo de aniversário para a filha.

Um dos convidados apostou que tínhamos sido vítimas de alguma brincadeira de péssimo gosto. Ele pegou uma fotografia de Miguel tirada em uma obra. O defunto trabalhava com engenharia. Era ele.

- O senhor tem razão. O homem que apareceu na padaria não tem nada a ver com esse moço.

Todos ficaram um pouco mais aliviados com a minha mentira.

Carina me acompanhou até a portaria.

- Obrigado pela torta. Qual o preço?

- Que isso... Não foi nada...

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POESIAS

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- Sonhei com meu pai ontem. Ele disse que eu deveria pagar uma encomenda, assim que ela chegasse.

- Como assim? Não era o seu pai.

- Eu sei, mas eu quero fazer o que ele me pediu no sonho.

Ela me pagou e eu fui embora com a noite de céu sem nuvens. No dia seguinte passei no cemitério e achei a sepultura. Tinha uma foto amarelada na lápide. Ele estava de cabelos molhados na pequena moldura. Deixei dois suspiros em cima do túmulo e um desejo pela trovoada mais alta do mundo tomou conta de mim.

Tia Eunice ficaria orgulhosa: eu fabricava os melhores doces, evitava homens de aliança e sabia o que significava estar numa chuva. Já que era pra se molhar, que fosse abraçada. No mundo dos vivos ou dos mortos o sabor de um beijo será sempre o mesmo.

CONTOS

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5º LUGAR

Os ratos roeram o rei de RomaOs ratos roeram o rei de RomaOs ratos roeram o rei de RomaOs ratos roeram o rei de Roma Helder D'Araújo

(Antônio Helder do R. Araújo) Gama Oeste - DF

Breve Biografia

Escritor, ensaísta, blogueiro e poeta.

[email protected]

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POESIAS

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Os ratos roeram o rei de RomaOs ratos roeram o rei de RomaOs ratos roeram o rei de RomaOs ratos roeram o rei de Roma O rei Augusto havia enlouquecido de vez. Após atos que colocaram em xeque a sanidade de sua gestão diante do maior reino do mundo daqueles dias, inventou uma história segundo a qual um alfaiate lhe havia feito umas vestes dignas de um rei divino. A questão era que ninguém viu o dia em que esse hábil alfaiate visitou o rei. Tampouco seus mais chegados viram tão maravilhosa peça.

Um dia o rei estava em seus aposentos, quando o ratinho Noah o viu nu diante do espelho. Cantarolava o rei e virava-se de um lado para o outro. O ratinho, atônito, ficou admirado do delírio do Tirano, que alguns dias atrás havia nomeado um de seus cavalos a conselheiro do Rei com direito a festa e cerimônia aos deuses.

– Que maravilha esta roupa com a qual o grande mestre alfaiate me presenciou!

Dizia o rei olhando-se diante no espelho.

Movia-se cuidadosamente com gestos como se estivesse retirando uma roupa de verdade e colocou a peça invisível em cima do leito. O ratinho maravilhado com tamanho disparate aproveitou a saída do rei que havia se retirado para uma parte do aposento do quarto a fim de “trocar-se”.

Enquanto o rei se vestia, o ratinho estava em cima da cama procurando a suntuosa peça. No entanto, nada havia ali, a não ser as cobertas da cama.

De repente o rei retomou e viu o ratinho em cima de suas “vestes suntuosas”. Gritou:

– Mas o que é isso? Saia de cima de minha roupa, seu bicho asqueroso!

CONTOS

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O ratinho correu para uma bifurcaçãozinha na qual era de costume o trânsito dos ratos do palácio.

O rei, desesperado, pegou o ar como se estivesse com uma roupa nos braços e disse:

– Maldição! O rato miserável roeu minhas vestes!

Num delírio de ódio, acionou todos os soldados. O ratinho se prestou a contar aos demais de sua espécie sua “façanha”.

A ninhada estava à polvorosa naquela noite fria. Soube-se por todo o reinado que o rato que havia roído a roupa do Rei de Roma deveria ser encontrado. Cabeças iriam rolar! O Rei estava exasperado.

– Como pode? – bufava o Augusto.

– Esta roupa fora confeccionada pelo maior artesão do reino.

Está morto! Não há ninguém com a habilidade de Aracne como o velho tecelão. Decreto em todo o reino que me achem esse verme infeliz que conspurcou as vestes augustas do rei de Roma, senhor de cidadãos, escravos e bárbaros e filho dos deuses! – decretou.

Começou uma busca detalhada em cada antro do palácio real. No esconderijo bem guardado dos roedores, havia uma reunião de miríades de ratos, pois iriam festejar o feito de seu herói. O ratinho Noah era o assunto da festa.

– Noah! Noah! – gritavam outros de sua idade.

– Venha Noah! Trouxemos uns pedaços de porco assado da festa das bacantes. Você, a partir de hoje, tornar-se-á imortal! Viva o Noah! – disse um ratão fortão.

– Bravo! Bravo! Bravo! – todos gritavam.

Chegou um ratinho velho com suas filhas, nove ao total, todas cheirando ao mais saboroso queijo de toda Roma.

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POESIAS

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– Noah, pelo teu feito entrego-te minhas nove ratinhas como esposas – disse o ratinho malacabado.

Elas sorriam desavergonhadamente, pois cada uma queria um filhote com a “coragem” do rato herói.

O rei Augusto vociferava como o Cérbero do Tártaro. Queria que encontrassem os ratos daquele palácio. para dar-lhe a devida recompensa.

– Meu Senhor! Não encontramos ratos na casa de vossa majestade – disse um soldado.

– Como não? Quero todos os parasitas deste palácio ainda hoje torrados. Mostrarei a toda Roma e ao mundo que eu, Divino, não tenho pedido nenhum que me seja vetado – brandia o punho para o ar e olhava fixamente o teto do palácio.

– Meu Senhor, – disse outro súdito – Existe um encantador de animais que com sua flauta consegue retirá-los do lugar mais bem escondido.

– Chama-me, portanto. Vão! Vão, seus imprestáveis! – ordenou.

Após horas chegou-lhe a desconsolada notícia.

– Meu Senhor, o flautista de nossa cidade fora salvar uma aldeia do outro lado do mar de uma infestação de ratos – informou o súdito.

– Maldição! – esbravejou o rei.

Pediu para todos que se retirassem do palácio. Após retirarem os pertences, todos saíram. Mandou encher de palhas todo o palácio e ateou fogo. Mas, em vão, porque o lugar onde se reunira os ratos era no porão de uma casa de festas da cidade. Os súditos e o rei viram o palácio arder.

CONTOS

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Nada de ratos.

– Senhor, não há ratos! – exclamou um dos súditos.

– Queimem a cidade! Queimem tudo! – ordenava o rei fora de si.

– Mas, meu senhor, dirão que o Senhor perdeu o juízo – respondeu o comandante.

– Não importa! Quero todos os ratos da cidade torrados – vociferava o rei.

A festa dos ratinhos estava a mil. Um balde cheio de vinho servia de piscina. Todos gritavam:

– Noah! Noah! Noah!

Logo, sentiram o cheiro de fumaça. Um rato sentinela deu a notícia. A casa do rei está em chamas. Todos saíram do porão para olhar o espetáculo. Ouviram o que se berrava.

– Saiam de suas casas! O palácio está em chamas!

O povo a polvorosa em gritos e desespero perguntava:

– Qual a causa do fogo? Devemos apagá-lo!

Respondeu a infantaria:

– Não! É ordem do rei que se queimem todos os ratos.

Como não tinha nenhum ratinho sequer no palácio foi ordenado que se queimasse também a cidade.

– Loucura! berrava os anciões.

– Calem a boca, velhos! Senão, vocês queimarão juntamente com os ratos! – disse a guarnição.

– O rei enlouqueceu! – gritavam todos.

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POESIAS

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O pandemônio estava armado. Os ratos começaram a sair de tudo que era viela e beco, e os soldados começaram a atacar com paus, pedras e lanças.

– Matem o rato que roeu a roupa do Rei de Roma! – berrou um soldado.

– Impossível! Como saber? São inúmeros! – responderam perdidos no rio de ratinhos.

– Matem todos! Todos! Não escape nenhum! – ordenou o comandante.

Noah, o ratinho herói e mais um sem número de ratinhos puseram-se a fugir da cólera do rei. Todos fugiam na direção do portão da cidadela. A ninhada sendo pisoteada, apedrejada morria aos borbotões. O rei assentado em seu trono retirado do palácio esperava seu rato. O barulho era indiscernível. Gritos, choros, estalos de madeira pegando fogo e muita fumaça. O Rei sorria alucinadamente.

– O rato roeu minhas preciosas roupas invisíveis – confessou o Rei em lágrimas de riso.

– Como?! – disse o comandante.

– Sim, o velho tecelão fizera-me roupas dignas dos deuses. Ela era tão especial que o traje era invisível – respondeu o rei lunático. O capitão, sem mais, fingiu pegar algo no chão e disse ao rei: – Meu senhor, enquanto removia as cinzas do palácio achei esse ratinho morto.

– Como, homem?! Deixa-me ver – respondeu.

Quando o rei se aproximou o comandante golpeou sua cabeça. Este caiu desacordado. Correu imediatamente para avisar a todos que o rei havia desmaiado de tanto sorrir.

CONTOS

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Pediu que salvassem a cidade do incêndio. O povo começou a pegar água dos poços para apagar o fogo. Os ratinhos também voltaram e encontraram o rei no chão.

– Que faremos? – disse um rato ancião.

Noah começou a roer, agora, o rei. Fez-se em um momento uma montanha de ratos famintos devorando-o. Enquanto isso o povo tentava salvar a cidadela.

Quando voltaram ao trono do rei encontraram sua coroa, anéis, vestes e sandálias. Os ratinhos o devoraram em questão de minutos.

Disse o comandante que o havia atingido:

– Nada mais justo! Um rei invisível para vestes invisíveis!

Fim.

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POESIAS

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6º LUGAR

Café com bolachasCafé com bolachasCafé com bolachasCafé com bolachas Emma Cat

(Isabel Tereza de Araújo Galvão) São Gonçalo do Amarante - RN

Breve Biografia

Nascida em Acari/RN, interiorana, de onde guardou a linguagem, as memórias, fragmentos de vida, de situações, de pessoas que utiliza nas suas escrituras. Formada em Letras pela UFRN, mestra, doutoranda em Literatura, apaixonada pelo fazer literário. Professora durante muitos anos, hoje integra a rede federal no cargo de Secretária Executiva no IFRN. Mãe de dois filhos, Luíza e Gabriel e apaixonada por gatos, possuindo três: Billie, Sunny e Emma, esta última seu xodozinho, sempre por perto. Gosta de escrever, de traduzir em ficção as ideias que nascem dentro de si, frutos de observações, vivências e experiências processadas por uma mente criativa sempre em ebulição.

[email protected]

CONTOS

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Café com bolachasCafé com bolachasCafé com bolachasCafé com bolachas

Sentada na cadeira branca de plástico, uma caneca de café fumegante nas mãos, Luzia olha pela minúscula janelinha do apartamento, tão minúsculo quanto a janela, tanto quanto ela se sentia. Passou a vista pelo cômodo, um sala-cozinha que acomodava seus poucos e parcos bens de velha: um sofazinho, uma televisão pequena sobre um baú, uns poucos livros numa estante, duas almofadas, uma mesa, um fogão e uma geladeira. Além desse cômodo, um pequeno quarto com uma cama e uma cômoda e um banheiro que mal cabia uma pessoa. Mas era grata a Deus. Depois de morar no quartinho de aluguel por muitos anos e juntando dinheiro a duras penas, conseguira comprar este apartamento. Financiado, mas terminara de pagar. Era seu. Um lugar onde descansava seus velhos ossos. Tinha a janelinha da sala-cozinha de consolo, onde avistava fiapos de nuvens e nesgas de vida, a do quarto dava para uma parede de tijolos enegrecidos pelo tempo, onde nem as moscas pousavam.

Tomava o café em goles pequenos. Olhou para o pacote de bolachas sobre a mesa, desviou o olhar. Avistou o trem pela janela que àquela hora levava as operárias para a fábrica, no pouco que a vista oferecia, cortada pelos fios de eletricidade.

Ouviu seu apito, o ranger das rodas nos trilhos. Por que a pressa? Para bater o cartão pontualmente, para receber o salário no fim do mês, pagar umas contas e fazer tudo de novo. O patrão exigente, não se parava a máquina por nada, os poucos minutos que tinha direito a ir ao banheiro, o fazia rapidamente. A máquina voraz, faminta, engolindo fios e cuspindo peças de tecidos finos, lindas sedas que envolveriam corpos de mulheres ricas. Madames que nunca saberiam,

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POESIAS

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nem imaginariam as mulheres por trás das máquinas que as produziam.

Mulheres cinza, apáticas, escondidas por trás de um uniforme cinza como elas, sugadas pelo barulho ensurdecedor, pelo ar irrespirável cheio de minúsculos fios, com problemas respiratórios, olhares vazios, contando as horas para saírem dali e pegarem novamente o trem lotado e chegarem em casa onde as esperam marido e filhos famintos. É um trabalho sem fim, sem começo. Uma roda. Os pensamentos vagueiam, enquanto toma o café aos goles, lentamente.

Também já fez parte da roda, era uma minúscula engrenagem que a mantinha funcionando. Moça muito pobre, saíra da fome e do cabo da enxada da casa dos pais no sítio e caíra dentro da roda ainda muito jovem. Tinha dezoito anos.

Planejara fugir, as mãos calejadas da lida na roça, de unhas escuras e feias foram o incentivo para ir embora.

Pegou carona na carroceria de um caminhão até a cidade grande. Lembrava como se fosse hoje: acordou às 3 da madrugada, juntou uns molambos num saco, um pacote de bolachas secas e fechou a porta atrás de si sem nem um olhar para trás. Nunca soube da ira do pai ou do sorrisinho guardado a sete chaves da mãe, a filha se libertara da opressão da enxada, do aperreio da seca, da precisão dos buchos secos.

O destino fez com que a sua carona terminasse na fábrica. O caminhão levava umas peças de metal para lá. Depois de seis horas de viagem aninhada como podia, com a trouxa de roupas servindo-lhe de travesseiro, os solavancos da estrada a moer-lhe as costelas, olhando para o céu que ia clareando aos poucos, nuns tons róseos até abrir-se num clarão de azul sem nuvens, chegara.

CONTOS

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Já ficara trabalhando. Conseguira um quarto barato para morar, onde de vez em quando recebia a visita noturna de ratos e se encolhia toda embaixo do lençol, olhos espremidos, rezando a Deus para que fossem embora. Por esse motivo, arrumou um gato. Um dia, vindo da fábrica, avistara o animal encolhido perto de uma lixeira, era novinho ainda, achou a pelagem feia, um tom impreciso, um cinza claro com nuances amarelas claras. Ela precisava de um gato, o gato precisava de um lar, não tinha tempo para procurar um mais bonito, este servia. Levou-o para casa.

Luzia afeiçoou-se ao bichano, muito dócil e inteligente. Afugentara os ratos e fazia companhia a ela, passava o dia deitado na cama esperando a dona voltar da fábrica. O trabalho que dava era limpar a caixinha de areia e botar-lhe comida, mais nada. Luzia deu-lhe o nome de Nino.

Foi então que fizera amizade com uma moça que morava no quarto ao lado do seu e coincidentemente trabalhava na fábrica também. Chamava-se Rosa. Rosa era bonita, andava cheirosa, os cachos vermelhos lustrosos, mais bem vestida que as colegas. Luzia percebeu que havia nela algo de diferente, o que veio a descobrir pouco tempo depois: Rosa se prostituía. Todas as noites recebia homens no seu quarto, muitas vezes mais de um por noite.

Rosa, quase sempre, à noitinha, antes da freguesia chegar, ia ao quarto de Luzia para conversarem. Luzia tinha sempre um bule de café quentinho, um pacote de bolachas. Esse povo do interior é papa-bolacha! Rosa ria com seus dentes alvos, enquanto jogava a cabeleira avermelhada para trás, a ruma de cachinhos dançando na luz amarelenta do quartinho.

Agarrava Nino no colo, dava-lhe beijinhos no focinho. É muito lindo, Jesus. Luzia, me dê essa coisa linda pra mim?

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POESIAS

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Rosa deitava os olhos na amiga, de pé no meio do quarto, a caneca de café numa mão, a outra em concha cheia de bolachas que levava à boca em gestos ritmados, duas de cada vez, eram pequenininhas. Luzia, tu num é feia, mulher, tem uns peitos bons, a cara mais ou menos, com esses zoião longe, boca desenhadinha, posso arrumar uns fregueses pra ti! Menina, comprei um vestido tão lindo, depois te mostro! Meio carinho, mas eu tava de olho faz tempo! Ali, mulher, na rua do Passeio, uma boutique rosa, tu já viu, tenho certeza! Passamos na frente todo dia no trem! Eita, bolachinha boa, também com esse nome: Tentação!

E gargalhava novamente!

Rosa era assim! Conversava dez assuntos ao mesmo tempo, não percebia a pobreza em que viviam, o trabalho insalubre, também não parecia se incomodar com o trabalho extra que fazia, Luzia achava até que ela gostava! Enrubescia com esse pensamento, virgem, nunca sequer namorara, Deus do céu, como deve ser se entregar a vários homens? O padre falava em muitas ocasiões nas missas que frequentava quando meninota que a mulher deve ser só do marido. Ah, pois, deve ser mesmo. Rosa não era certa! Aquilo era pecado aos olhos de Deus, tinha certeza.

Mas gostava da danada. Esperava a visita dela à noitinha com o café coado e o pacote de bolachas. Necessitava da vida que emanava de Rosa, dos seus cachos vermelhos dançando, crescendo na sombra da parede.

Rosa era órfã desde menina, crescera num orfanato e com dezoito anos teve que sair. Foi aí que se empregou na fábrica. Não tinha parentes, ouvira falar de uma tia lá pras bandas do Belém, mas nunca fora atrás. O trabalho tomava-lhe o tempo todo. Foi aí que conheceu o encarregado do seu setor, o Jonas.

CONTOS

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Jonas era casado, mas imbuído da sua superioridade sobre as operárias, tinha a que quisesse, era bater o olho, gostar e se chegar. Aquela que o repelisse era prontamente demitida, e trabalho tava difícil! Por esse motivo, pelo aperreio, pela precisão, cediam. Ele era exigente, só pegava as bonitas, as novinhas, as que lhe apeteciam. E assim que Rosa chegara à fábrica, ele a desejara.

Ficara com ela o tempo que quisera e então a descartara. Chegara outra moça mais jovem e mais bonita. Além do mais, a novidade é o motor do mundo, Rosinha, dizia. Rosa sentira a falta dos presentes, dos agrados, do dinheiro que Jonas lhe dava, então começara a se prostituir. Não saberia mais viver só com o soldo da fábrica, era pouco demais. Dá pra quê, mulher? Pra não morrer de fome? Não, gosto de vestidos bonitos, sapatos da moda, perfume bom! Tu não, Luzia? Vixi, vive com esse vestido cinza, mulher, assim ninguém olha pra ti!

Com o passar dos anos, Rosa adoecera. Começou a ficar muito magra, fraca, faltava ao emprego. Foi demitida. Luzia, juntamente com ela, tentou ir atrás dos seus direitos, mas muito pouco conseguiram. Os donos da fábrica eram poderosos. Rosa recebeu algum dinheiro, muito aquém do que teria direito, e a coisa ficou por isso mesmo.

Com o pouco dinheiro que lhe restou, não pôde mais pagar o quartinho. Luzia a trouxe para morar consigo. Cedeu-lhe a sua cama, pôs armadores e passou a dormir numa rede sobre ela. Cuidou dela como a uma filha, uma irmã, não deixando faltar comida, remédio, tudo na hora certinha. Nino velava-lhe, não saía da cama, sempre junto dela. À tardinha, quando chegava da fábrica, antes do jantar, coava um café quentinho, pegava um punhado de bolachas e comiam juntas, sentadas na cama.

Mas Rosa definhava. Era doença ruim, vinda da vida que levava. Os cachos vermelhos perderam o brilho, as

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gargalhadas cessaram, o brilho fagueiro dos olhos daquela que tanta vida tinha, apagava-se. A rosa que vibrara presa ao galho da roseira definhava no copo d’água, encurvava-se, perdia pétalas, cor e brilho. A água escurecia.

Rosa se foi numa manhã azul, num dia tão bonito, tão vibrante, que certamente era uma homenagem ao que ela fora. Luzia conseguiu com as colegas de fábrica juntar o dinheiro suficiente para enterrá-la dignamente. Mandou fazer uma cruzinha de madeira com o nome dela. Rosa, só Rosa, não importava o sobrenome, ela nunca precisou disso.

Todos os domingos, Luzia ia ao cemitério levar rosas para a sua cova. Tratava, arrancava os matinhos, plantou uma roseira que rapidamente floresceu. Era o seu programa domingueiro e o fazia com prazer. Vestia o seu único vestido florido, uma das poucas peças que ficara de Rosa, as outras distribuíra com as colegas da fábrica. Tomava o trem, descia, andava mais um bom pedaço numa estradinha de barro e chegava ao cemitério suburbano, pobre, mas bem cuidadinho pelos moradores do lugar.

Ali passava a tarde, conversava com a amiga, falava da vida na fábrica, sempre a mesma, do cinza dos dias, da engrenagem oleosa que a esmagava, dia após dia, dentro do uniforme cinza. Sentia saudades da vida que emanava de Rosa, era fato. Das bolachas com café, das conversas misturadas, das gargalhadas da amiga, jogando os cachos vermelhos para trás.

E a vida passou muito rápido presa na roda. Não namorara, não casara, não tivera filhos. Não deu sorte. Era um eterno acordar e ir dormir com o som do apito da fábrica e das máquinas mastigadeiras de fios. Um dia, com quinze anos de idade, Nino também se foi. Encarou a solidão como algo natural, desde que chegara ali fora só, apenas Rosa trouxe-lhe

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um pouco de companhia nos poucos anos em que conviveram. Rosa e Nino, é certo.

Terminou o café, calçou os sapatos, pegou a sombrinha e o ramalhete de rosas vermelhas. Fechou a porta atrás de si.

Dirigiu-se à estação do trem. Era domingo.

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7º LUGAR

O GritoO GritoO GritoO Grito Maia Piva

(Sumara Gomes) Cascavel - PR

Breve Biografia

Maia Piva é atriz, com 28 anos de experiência, formada pela FAP, diretora, dramaturga, escritora, cantora, contadora de histórias, mediadora de leitura, professora de teatro.

[email protected]

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O GritoO GritoO GritoO Grito A cidade está em polvorosa. Televisões, rádios, jornais, blogs, canais de entrevista, todos se acotovelam procurando uma resposta. Desde a manhãzinha procura-se a origem daquele som e ninguém sabe de onde está vindo. Algumas pessoas dizem que ele vem da orla, outras juram que estão ouvindo do morro, outras ainda dizem que o som estranho está vindo do céu, que provavelmente é o fim do mundo, que é barulho de disco voador. Surgem, a cada segundo, novas versões. A internet está fervilhando de vídeos, cada um contando uma história. Pessoas se acotovelam em frente à televisão onde, a cada pouco, os telejornais dão plantão, tentando trazer novas notícias sobre o ocorrido. Mas ninguém sabe, de fato, o que está acontecendo.

Tudo começou durante a madrugada. Um mendigo que dormia embaixo de uma marquise na São João disse que ouviu um barulho agudo que foi crescendo devagar, ininterrupto, enquanto o dia clareava. Depois foi uma dona de casa, do outro lado da cidade que disse ao “seu” repórter que - “valha-me Deus” -, acordou com aquele barulhinho fino, que até parecia assombração. Em seguida o dono de uma fábrica de sapatos, indo para o trabalho de janela aberta, afirma categoricamente que ouviu o som nítido, vindo das bandas do mar.

Aos poucos, outros relatos surgiram, e a coisa foi num crescendo assustador, muito além de notícia falsa em site sensacionalista. Quando as autoridades deram por si, o pânico havia tomado a cidade. Tinha gente juntando nas praças, descendo do lotação, enchendo as ruas, saindo dos apartamentos. Todos juram que ouviram o mesmo som, meio agudinho, meio desesperado, vindo de não sei onde. Teve até

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um beato que afirmou um milagre. A mãe-de-santo do terreiro de São Jorge afirma que teve um transe em que viu um menino Jesus pretinho, pretinho, dizendo que o barulho era a voz dos anjos chamando as almas.

Mercearia não abriu, farmácia fechou as portas, doméstica não apareceu para trabalhar, empresário dispensou funcionários e a costureira disse que não arreda pé de casa hoje. Todo mundo apavorado com o som que ninguém sabe de onde vem. Um som fininho, baixinho, como que de miado fraco, mas contínuo, sem parada, sem intervalo, como que de um fole só.

Novo plantão da televisão avisa que Seu Mané viu um bicho esquisito rondando a favela, fazendo um barulho igualzinho.

O repórter conversa com ele, que faz até o sinal da cruz, que o bicho parecia lobisomem. Tremendo todo, Seu Mané diz que só a cantoria do bicho que era diferente, parecendo mais para assovio. No meio da reportagem, alguém avisa que ouviram o som vindo de uma gruta e toda a imprensa corre para lá. Mas era alarme falso, que nem gruta tinha no lugar.

E enquanto todo mundo acompanhava pela televisão a busca da tal gruta, eis que o barulho foi ouvido no centro da cidade, no meio do povaréu, crescendo em volume. Os cidadãos apavorados, agora abarrotam a delegacia e pedem “pela Virgem”, que seu delegado dê um jeito na situação, que os meninos estão todos chorando em casa, e não se sabe mais o que fazer. O câmera consegue um áudio do tal barulho e logo todos os canais de comunicação estão divulgando o tal. A cidade para em frente da televisão e da internet para ouvir.

Uns caem de joelhos, afirmando que é o juízo final, outros aproveitam que, já que é o fim do mundo, vão fazer o que lhes der na telha.

CONTOS

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Enquanto isso, o som agora vem num crescendo gradativo e está até parecendo voz humana! Alguns procuram apurar o ouvido, outros usam vareta de encontrar água para localizar o som, outros um diapasão. Todos estão com olhos e ouvidos atentos mas ninguém ainda conseguiu determinar nem o quê nem de onde. Os meninos do bairro correm alegres e despreocupados que o ocorrido serviu para fechar as portas da escola e hoje tem brincadeira até não poder mais. Algumas freirinhas juntaram as mãos e dobraram os joelhos na igrejinha do Largo para pedir clemência ao bom Deus. E até uma procissão para arrenegar o cão foi arranjada no vilarejo.

Mas nada do que se faça consegue aplacar o que alguns cientistas agora estão chamando de Voz da Terra. Que, segundo eles, são as mudanças climáticas, o vento dobrando a esquina ou os animais do oceano em revolta contra o homem. Enquanto a televisão fala com um especialista, que afirma que o som é voz de vulcão, ouve-se claramente o volume aumentar. E o cientista entrevistado lasca na hora um “ah, isso é voz de menino!” Todos que assistiam e todos que estavam em volta fazem cara de assombração, meio que acreditando, meio que duvidando. Por um segundo apenas, tudo para, avaliando a fala do homem. E logo a cidade começa a falar da “voz de menino”, que ninguém sabe de onde vem, que ninguém sabe se é verdade, que ninguém viu, mas que todo mundo ouve desde a madrugadinha.

O prefeito foi à mídia pedir, encarecidamente, que todos deixem seus trabalhos, que se fechem dentro de casa e que façam silêncio para que os especialistas possam ouvir melhor a tal voz. Uns relutando, outros resmungando, uns com medo, outros debochando, devagarzinho e apreensivos, todos tomaram seu rumo. Em poucas horas a cidade estava quieta como um remanso. Poderia-se ouvir o som das folhas, não fosse a tal voz preenchendo os espaços. E eis que, feito o

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silêncio, a voz cresceu e agora parece entrar pelas narinas, de tão intensa.

Logo outro plantão anuncia que um dos cientistas parece ter identificado de onde vem a voz. A imprensa corre ao local, chegando no sol do meio-dia, encontrando uma variedade de estudiosos, os da ciência e os do esoterismo, os religiosos e os incrédulos, os que pensam em paz e os que querem a guerra.

Todos esbaforidos, todos esfalfados, todos suados no verão escaldante. Uma multidão de curiosos também se apinha, contidos pela força policial. Logo o tal cientista diz em alto brado que aquilo “é um grito”. A multidão se manifesta, uns jogando as mãos para o céu, no alívio da descoberta salvadora, que agora enfim tudo será resolvido, outros duvidam que seja, que um grito não pode ser, que quem grita tem que ter fôlego, que fôlego tem parada para retomar o ar, que esse “grito” vem contínuo desde a madrugadinha.

Mas o cientista afirma com todas as letras que é sim um grito e que, como havia dito o nobre colega, era grito de menino.

Pronto! A multidão agora se estapeia de desespero, que como pode isso, um menino gritando deve estar em apuros.

Que é tudo culpa do governo que não olha para a população mais carente, que isso deve ser coisa do djanho que só quer o nosso mal, e etcétera e tal. A junta de cientistas pede silêncio à massa para determinar com precisão de onde está vindo o som e com um microfone, os técnicos chamados às pressas, começam a gravar o que se espera seja uma descoberta científica sem parâmetros.

Devagar e com o mínimo barulho, a junta se movimenta em direção ao tal grito. Passo por passo, vão seguindo os decibéis que só aumentam. A imprensa vai logo atrás e o povaréu logo em seguida, todos pisando em ovos. A junta se embrenha pelas casas da comunidade, anda por vielas, entra em

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quintais minúsculos e logo sai do outro lado. Continua a caminhada, sempre consultando os aparelhos que vão dando a direção. De repente um dos cientistas não contém a ansiedade e solta um “Jesus, Maria, José!”, vendo a aproximação do grito misterioso.

É quando o comandante da missão estaca de repente. A essa altura, o grito está bem alto e, segundo ele, bem perto. Estão todos em frente a um cordame de varais, onde há muitos lençóis pendurados. E o som é tão forte ali que parece que estão todos em frente ao dito cujo. O cientista-chefe pede silêncio a todos com um gesto e uma expectativa é gerada. As televisões apontam suas câmeras, os fotógrafos repicam os closes, os locutores suspendem a respiração e o cientista chefe, finalmente, levanta a fileira de lençóis como se levantasse uma folha de ouro.

O que houve depois é o seguinte: atrás da fileira de lençóis, no meio da comunidade, sentado no chão de terra batida, com a boca escancarada para o céu, numa pose de desespero, estava um menino. Pele escura, cambitos despontando da roupa velha, olhos cheios de lágrimas, cabelo sujo, o menino segurava um prato nas mãos. Quando viu o lençol mexer e atrás dele surgirem todas aquelas caras assustadas, o menino, enfim, parou de gritar. E, com os braços finos, estendeu o prato para as câmeras. Sem dizer uma palavra. Os olhos pretos marejados, as lágrimas escorrendo pelas faces, o prato vazio diante de todas as câmeras e rostos. Por um momento, todos os rostos empalideceram, todas as bocas emudeceram e todas as respirações foram suspensas.

Depois, aos poucos, recuperando-se do impacto, o primeiro a se mexer foi o cientista chefe, ciente da sua responsabilidade diante do fato. Ainda sem saber o que dizer, deu uma

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olhadela para as câmeras, outra para o povo e disse, solenemente:

Mas é mesmo um menino, ora vejam!

A multidão imediatamente descongelou, os fotógrafos desataram a tirar fotos, os transeuntes se aglomeraram ainda mais para ver o tal, os cientistas formaram uma roda em volta e o cientista chefe abraçou o pobre para uma foto, que este ainda segurava o prato vazio diante de todos, com os olhos esbugalhados.

Aos poucos a multidão tomou seu rumo, os repórteres deram as últimas informações, guardaram os equipamentos e foram embora. Os cientistas registraram e documentaram tudo, apertaram a mão do prefeito e também se foram. As freirinhas fizeram uma reza, as mães-de-santo uma benzedura, os beatos rogaram uma praga e, devagar, todos deixaram o local.

E o menino? Morreu poucas horas depois. De inanição.

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8º LUGAR

Lupércia e sua caixa de guardadosLupércia e sua caixa de guardadosLupércia e sua caixa de guardadosLupércia e sua caixa de guardados Iandara

(Flávio de Araújo Albino) Paraty - RJ

Breve Biografia

Flávio de Araújo nasceu em 1975 e é filho de uma família de pescadores da Praia do Sono, comunidade caiçara situada em Paraty. Publicou crônicas e poemas no Jornal de Paraty durante dez anos e esteve entre os vencedores do Prêmio Off Flip de Literatura na categoria local (conto e poesia). Em 2008 publicou pelo Selo Off Flip seu livro de estreia (Zangareio) e com esse livro participou como autor convidado da FLIPORTO – Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas, do Festival Internacional de Poesia de Havana e do festival mexicano de Las Choapas. Participou também da FLAP – Feira do Livro do Amapá, da FLIMAR – Festa Literária de Marechal Deodoro, da Campanha Paixão de Ler, da Flipinha, da FlipZona e da programação da FLIP na Casa da Cultura de Paraty. Publicou o volume Poesias em edição especial da Oficina Paratiense de Gravura e tem no prelo Vermelho guelra (poesia) e O insustentável equilíbrio das perdas (romance). É um dos curadores da Off Flip das Letras e tem poemas publicados em coletâneas, sites e revistas literárias no Brasil e no exterior. Zangareio está sendo vertido para o inglês nos Estados Unidos e teve poemas inseridos na revista Washington Square Review.

[email protected]

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Lupércia e sua caixa de guardadosLupércia e sua caixa de guardadosLupércia e sua caixa de guardadosLupércia e sua caixa de guardados

O céu era tenso e os anos de chumbo, e todos à volta tinham potencial para sufrágios, mas era a mordaça um chio convincente. Pessoas sumiam. Às vezes famílias inteiras.

Nítido era o protesto nos olhos de cada um, porém, só depois é que foram para as ruas. Falava-se sobre uma suposta invasão do Kremlin, e todo estrangeiro tornou-se uma desconfiada ofensa à pátria. Os Lazarescu inclusive e principalmente.

Moravam numa casa feita de uma antiga comoção provinciana, mas que não figurava como pobre diante do passar do tempo. Ali moravam o romeno Emilian Lazarescu e sua filha, Lupércia. Havia ao redor da casa restos de um jardim com algumas flores nobres, e de restante cardos regados com a imaginação frutífera da vizinhança.

Lupércia era de grandes olhos claros, neles banhava toda tristeza do mundo. Raro vê-la nas ruas, pois o velho pai impingira nela os temores da ditadura de Ceaucesko.

Nunca souberam de uma senhora Lazarescu, e por isso Lupércia trazia em si o peso da casa nos ombrinhos ossudos, nas mãos grandes e despeladas e principalmente no corpo magenta, enleado no mesmo vestido de lese de sempre. Do que gostava de fazer poucos sabiam, mas sempre balbuciava o hino romeno:

Olhai, vultos grandiosos, Mihai, Estefânio, Corvino, a romena nação dos vossos descendentes, Com o braço armado, com o fogo dos vossos paladinos, "Liberdade ou morte!" bradamos todos.

CONTOS

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A menina Lupércia era uma figura por detrás da vidraça a mirar um horizonte inexistente no bairro e sua história era só.

Lupércia não se criançava como as outras, se distraía apenas com um lenço bordado com o nome da mãe. Assim bandeirolava as insígnias da única pátria que conhecia desde o ventre. A mãe escrita num pano, feito o próprio Sudário.

Depois de penteá-lo com seus dedinhos, guardava-o numa caixa de madeira junto com uma caixa de fósforos e uma vela de orações, pois quisesse a mãe um tanto de luz achá-la-ia com o fogo e a escuridão. Lupércia dava-se por satisfeita e dormia assim.

Certa feita o velho disse que acordou com um barulho na porta, ao abrir deparou-se com um porco enforcado em sua pequena varanda. O animal estava pintado de vermelho. Mas contrariando a reação natural dos velhos, Lazarescu não retirou, por espanto, aquele pêndulo cadáver, cabendo aos bichos maturarem sua carcaça por quase uma semana inteira, até que os vizinhos mais próximos o recolheram, pois ninguém mais era capaz de não amaldiçoar aquele que fizera tamanha sandice com o bairro.

Com destemores, Lupércia começava a impor seus trejeitos para pequenas compras a pedido de seu pai (ingredientes para o preparo da sarmale e mamaliga), mas era somente então padaria/casa, casa/mercado e casa/casa. Foi numa dessas raras vezes que um pequeno grupo de crianças da rua de cima a cercou e lhe indagaram sobre a Rússia.

- Eu não conhecer Rússia - Lupércia respondeu com uma língua pesada, entretanto, posicionando-se amiga por detrás dos dentes semicertos.

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- Mentirosa! Todo mundo da cidade sabe muito bem que você é comunista! - retalhou uma menina beirando a idade de Lupércia com o consenso do restante do bando.

Mas antes da ofendida desdizer a sentença, eles a derrubaram e esfregaram seu rosto no chão batido.

Xingaram-na diversas vezes de comunista como se o diabo fosse o próprio orador da dialética. Num demorado instante, Edméa, a vendedora de hortaliças do bairro, enxotou aquelas crianças (que possuíam procuração das vespas) de sobre a pobre menina romena. A senhora Edméa limpou os cabelos de Lupércia e, olhando firmemente nos olhos daquela criança sumida em seu próprio corpo, pediu para que o pai Lazarescu voltasse para a Rússia, pois assim a paz tomaria a todos. Paz para o bem e também para o mal.

Lupércia chegou a sua casa e resguardou o pai do que lhe acontecera. Procurou seus modos de invisibilidade, o que a casa predispunha em mil sombras. Subiu ao quarto com um engasgo no peito, pois queria entender o mundo e a complexidade das pessoas. Desejava saber da mãe, de quem o pai falava tão pouco, tipo o comprimento dos cabelos, que brincos, a comida que mais gostava de fazer. Imaginou diminuir-se na medida de poder morar em sua caixa de guardados. Da caixinha de fósforos faria seu travesseirinho; e da vela de orações, um abajur. Depois se cobriria com o lenço no mais engenhoso abraço de mãe. E ficaria assim, mas não tão para sempre, pois queria também o pai velho, que tinha uma pústula no rosto feito uma flor entregue aos espinhos.

Ferida aberta em vincos de tristezas, mas que sua pequena Lupércia cumpria a tarefa diária de tresmalhar com pétalas de afagos. Desejava assim cuidar dele, abraçá-lo feito um lenço confeccionado com a eterna fibra familiar.

CONTOS

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Naquela tarde de uma quarta-feira morna de maio, Lazarescu fez entrar à casa um homem de terno rente, as medidas esquadrinhadas por exatidão de alfaiate. O fez sentar-se, o que por sinal era a concordata de seu ofício: apertar mãos e posicionar-se comodamente para explicações ao abrir a valise de couro de texugo. Lupércia a mando de Lazarescu trouxe um bule de café fresco. Serviu primeiro o pai, e aos olhos da estranha visita fez o mesmo. Lupércia por não saber o português não fez questão de se embaraçar com os documentos da apólice de seguro da casa sobre a mesa. Por fim, o pai ofertou sua mão a ser apertada novamente, o que o ser alinhado teve muito gosto de compartilhar, mas não antes de perguntar ao senhor Lazarescu o nome da filha.

- Lupércia - a própria respondeu tomando as rédeas de seu nome, para surpresa do pai.

Dias após a estranha aparição daquele homem, a menina começou a notar, por incômodo, no velho pai a mania de arrumar as malas para ir a lugar algum. Disse à filha que a vida de uma pessoa deve estar dentro de uma mala de partir.

Mas para onde partir? A menina indagava, pois somente a casa era o destino de ambos. De todo modo Lupércia deixava pronta ao canto do quarto sua mala de ficar, modo de subserviência à esquisitice do pai. Certo que levaria a mãe que nunca vira. A madre que em carne de tecido dormitava junto a uma caixa de fósforos e o restolho de uma vela de orações, pois quisesse a mãe um tanto de luz, teria os apetrechos de fogo e a escuridão necessária quando Lupércia fechasse a pequena caixa.

Sentindo fome, Lupércia procurava um pouco de pão no armário, ao que o pai logo em seguida respondeu que não havia. Por isso a fez atentar-se à explicação de que o governo tinha bloqueado sua mísera aposentadoria. Por essa questão Lazarescu começou a vender as coisas da casa por quase valor

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nenhum: cadeiras, cômodas, tudo para trazer pão e carne à sua menina. O velho perambulava pela casa em busca do que vender. Subiu ao quarto da filha e viu a cama, o guarda-roupas e também a pequena caixa dos guardados da menina.

Abriu-a sem sentimento de culpa. Encontrou o lenço que lhe golpeou de saudades da esposa. Dera o lenço à filha em espécie de herança; também havia dentro um toco de uma vela de orações, e uma útil caixa de fósforos.

Um dia a menina romena enrodilhava a mãe em forma de lenço, quando sentiu um forte cheiro de queimado, vindo detrás da porta dos fundos da casa. Ao abrir deparou-se com fortes chamas que entapetavam o assoalho empedernido.

Uma flama lambericou uma de suas mãozinhas, mas, por susto, nem gritou. O pai de pronto a agarrou pelos braços, e a levou para fora da casa, já tomando as formas de incêndio.

- Que pelo menos salvasse a mãe! - Lupércia gritava em sua língua, e, num rompante, Lupércia se desprendeu em desatino das distraídas tenazes paternas que a mantinham segura da brasacasa. O velho, na suprema investida de tentar agarrá-la novamente, foi persuadido a se conter por umas gentes com força e desânimo.

A senhora Edméa, em pavor, ribombava aos berros que o fogo poderia espalhar-se por todo quarteirão, e se fazia prestimosa ao ceder alguns baldes para conter as chamas sedentas. Os bombeiros não tinham perícia para aplacar a danação da temperatura elevada, e a polícia colhia informações contraditórias.

E o velho ali, Lazarescu, amarfanhado por cem mãos, tentando por grito e descabelo repatriar-se em viva esperança pelo arquétipo da tricotomia romena que a menina Lupércia simbolizava. Lamuriava-se em guturais da influência eslava, mas que por fim era essa universal compreensão dos que se

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desesperam, ao ver o fumeiro espesso maniatar a imagem do próprio lar, e se transformar, já nuvem, em mau agouro, dilapidando aquele tão azul do céu das estrelas, dos pássaros. Do azul-azul dos olhos de céu da menina Lupércia. A menina que fora buscar-se nas tenras lembranças. No seu punhado de história que a fez lançar-se às labaredas. Que fogo nenhum, malevolente que fosse, fagulharia sequer um único fiapo daquele desígnio vestido de Lupércia. Fato que aquela gente pouco abismada nunca saberia, pois aos berros por água/água!! se aguava em derrubar as flamas que alçavam suas queimações pelas vigas e taramelas.

Se esgueirando entre cirros negros e luzernas, a menina subiu ao quarto, onde, por pouco, as flamas não tinham se enfezado a crepitar os poucos móveis de linhagem de cerne azul; como também a caixa onde sua mãe em forma de lenço dormia na placidez dos tecidos de mãe. Lupércia sentou-se e pôs a caixa com amabilidade sobre o ventre. A embalava entre estalos diversos cantarolando versos de seu hino preferido:

com o fogo dos vossos paladinos, “Liberdade ou morte!” bradamos todos.

Abrindo sua caixa de guardados viu que algo faltava. Mas pouco importava agora se soubesse que a caixa de fósforos que protegia com tanto desvelo estava no bolso do pai Lazarescu, pois somente lhe bastava o lenço em forma de mãe, a vela de orações e a escuridão que, outrora necessária, se esvaía com tanta luz, com tanta luz, com tanta luz.

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9º LUGAR

O silêncio das margaridasO silêncio das margaridasO silêncio das margaridasO silêncio das margaridas Super Anelo

(Tiago Oliveira Dumard) Teresópolis - RJ

Breve Biografia

Tiago Dumard é o idealizador do PROCAT - Projeto Cultural Atitude. Em 2017, o PROCAT ultrapassou a marca de quarenta e cinco mil espectadores passando por mais de 50 cidades do país. Com dezenas de espetáculos teatrais autorais premiados e produzidos com o intuito de educar divertindo o projeto continua encantando espectadores de todas as idades há quase duas décadas.

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CONTOS

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PRÊMIO CATARATAS DE CONTOS E POESIAS 2018

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O silêncio das margaridasO silêncio das margaridasO silêncio das margaridasO silêncio das margaridas

Era uma vez uma muda. Uma muda que muda, mas não era muda. Falando desse jeito, parece até uma história sem pé e nem cabeça. De qualquer forma, é bem mais simples do que parece. No começo, a muda não era muda. Era sementa ainda. Pra ser muda precisou mudar bastante. Só que antes de criar os galhos, folhas e raízes que toda muda tem, sofreu muito com vontade de falar. Sim! Naquele tempo, não falava uma palavrinha que fosse. Era uma semente muda. Seu maior sonho era mudar e virar uma muda falante, pois tinha tanta coisa pra dizer. Queria contar pra todo mundo como era difícil ser uma semente, como era doído crescer e criar raízes. Doía mesmo! É que pra raiz brotar tinha que arrebentar a casca. Às vezes, a vontade de gritar de dor era mais insuportável que a própria dor. E foi num dia sofrido desses que conheceu sua melhor amiga.

A primeira vez que a sementinha viu aquela menina, não pode deixar de perceber o quanto ela era linda: olhos negros e brilhantes feito duas jabuticabas maduras. A pele morena e uma cabeleira crespa e cheirosa que parecia uma nuvem de algodão doce. Todos os dias, a garotinha chegava com um regador amarelo nas mãos. Não dizia nada. Ficava vários minutos olhando pra sementinha como se dissesse: eu sei que dói, mas cresce, viu? Porque crescer é bom! Depois regava o vasinho e partia. Desde aquele primeiro dia, surgiu uma grande (e silenciosa) amizade e foi assim que a semente conseguiu criar coragem pra mudar. Mudou tanto que, em algumas semanas, se tornou uma mudinha cheia de vida. Só tinha uma coisa que não mudava nunca: a vontade de tagarelar! Quando a amiga do regador amarelo aparecia, era ainda pior. Tinha tanta coisa pra dizer! Queria saber o nome

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daquela menina, conversar sobre como era o mundo fora das paredes daquele apartamento apertado, pedir conselhos, reclamar da vida, contar piadas e jogar conversa fora! Mas de tudo o que poderia ser dito, obrigado era o desejo mais forte. Sua maior tristeza era não poder agradecer aquela doce menina por todo carinho! Se ela pudesse saber o quanto era importante... se houvesse uma forma de explicar o tamanho da sua gratidão... e um dia simplesmente aconteceu. A mudinha remexeu suas pequenas raízes e a palavrinha tão desejada escapuliu com vontade:

- Obrigada!

A menina arregalou os dois olhos, assustadíssima, e deixou o regador amarelo espatifar no chão da sala. Quase fez xixi na calça de tanto medo. Uma muda falante? Cruz credo!? Pensou ela. Será que era algum tipo de assombração? Ou será que ela estava ficando lelé da cuca? Ficou lá, paralisada de tanto pavor. E depois de uns dez minutos, resolveu pegar um pano na cozinha pra limpar aquela bagunça toda. Enquanto secava o chão da sala, a mudinha tentou novamente:

- Obrigada! Muito obrigada!

Silêncio total. Por que a menina não dizia “de nada”? Era isso que todo mundo fazia, não? Será que era tão assustador assim ouvir uma palavrinha de agradecimento nesse mundo cruel e ingrato? Depois de alguns minutos, a menina esfregou as duas mãos em movimentos circulares. A mudinha pensou que a menina estivesse com frio. E até achou estranho, porque o sol estava brilhando lá fora. Depois, decidiu continuar a conversa:

- Qual o seu nome? E quem sou eu? Você sabe o que vou me tornar quando crescer?

A menina sacudiu as duas mãos abertas pra frente e pra trás. E a mudinha entendeu aquele gesto: calma! Talvez estivesse

CONTOS

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fazendo perguntas demais. Ou talvez a amiga gostasse de brincar. Mas... brincar de mímica com tanta conversa pra botar em dia? Era, no mínimo, estranho! Depois de alguns segundos, a menina saiu correndo e voltou com a pintura de um vaso de flores na mão.

- Um vaso de margaridas? Eu sou uma flor! - Exclamou a mudinha.

A menina sacudiu a cabeça positivamente. Durante muito tempo a mudinha pensara sobre isso: o que vou ser quando crescer? Um pé de fruta? Um arbusto? Uma planta medicinal? Uma margarida?! Quem diria! Ficou radiante com a notícia de que, no futuro, se tornaria uma flor. De todas as coisas do universo inteiro que poderia se tornar, essa era uma das mais inesperadas. Inesperadas e belas. Foi então que percebeu que uma das suas perguntas não havia sido respondida, e repetiu:

- E você? Qual o seu nome? Não me contou, ainda.

A menina abriu um sorriso branco feito uma pétala de margarida! E ficou sorrindo daquele jeito lindo por uns 30 segundos, como se estivesse achando uma graça danada daquela conversa toda. A mudinha tentou entender o que havia dito de tão engraçado. Foi quando a menina apontou o dedo indicador para o vaso da mudinha, depois para a pintura e, finalmente, para ela própria. E completou fazendo o número dois com as mãos. A mudinha não precisou fazer muita força pra entender aquela bonita coincidência:

- Duas! Somos duas margaridas!

A menina fez que sim, alegremente, com as mãos. Era um sim tão contente que a plantinha pensou em como era bonito o jeito da garota se movimentar. Dizia que sim e, ao mesmo tempo, sorria com as mãos. Era uma coisa linda. A menina, pegou a mudinha e colocou em cima da barriga. A mudinha

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descobriu-se margarida. E encontrou na amizade da menina Margarida, uma beleza de flor também. A felicidade era tanta, mas tanta, que não existia nenhuma palavra no mundo que pudesse explicar a alegria daquele momento. E as duas margaridas ficaram ali, quietinhas e felizes por horas. Porque tem momentos na vida, que a felicidade diz tudo.

Um dia, a menina Margarida fez um silêncio diferente. Era um silêncio dolorido. Ficou olhando pro pezinho de margarida por vários minutos sem dizer coisa alguma e, mesmo sem falar nada, dava pra ver naqueles olhos de jabuticaba o tamanho da tristeza da pobre Margaridinha. Até que uma lágrima escorreu sem pedir licença. A mudinha ficou tão triste, mas tão triste, que desejou ter olhos pra chorar também. E como não tinha olhos pra explicar o tamanho daquela dor, chorou por dentro. Até pensou em perguntar o que tinha acontecido, mas quando viu a menina segurando a foto da vovó nas mãos entendeu que o nome daquilo era saudade. Daquelas saudades que não tem jeito de resolver, sabe? Talvez a vovó estivesse em um lugar muito, muito longe, que não tinha jeito de visitar. E saudade era um jeito de visitar a vovó com o coração, relembrando o quanto era bom quando ela fazia trancinhas no seu cabelo, cantava cantigas de roda no quintal ou trazia pipoca quentinha pra comer vendo desenho animado. A mudinha, queria dizer alguma coisa pra confortar a amiga, mas não sabia o que dizer. Naquele momento, sentiu que chorar era bom. E as duas margaridas ficaram ali, quietinhas e chorosas por várias horas. Porque tem momentos na vida, que a lágrima diz tudo.

Uma noite acabou a luz. Até a lua parecia estar desligada naquele céu chuvoso e cheio de nuvens. De vez em quando aparecia uma luz bem forte. Era um raio. E junto, fazia um barulhão terrível: o trovão! Era um clarão tão forte e barulhento que só servia pra botar mais medo ainda. E

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quando a mudinha achou que iria morrer de tanto medo, apareceu a Margarida. Pegou a mudinha e, sem falar nada, levou pro quarto. E as duas ficaram lá, tremendo de medo a cada nova trovoada. A mudinha até pensou em dar algum conselho, mas ela estava com mais medo do que a própria amiga. O que poderia dizer numa hora dessas? E toda vez que o trovão trovoava bem forte a menina respirava fundo, como se dissesse: tudo vai dar certo, pode confiar. Naquele dia a mudinha teve vontade de ter uma nariz também. Pra poder respirar bem fundo e confiar que os medos passam. Mesmo sem ter nariz, o medo passou só de sentir a confiança da companheira. E as duas margaridas ficaram ali, respirando fundo por várias horas. Porque tem momentos na vida, que a confiança diz tudo.

O pai contando piada – rir – boca pra gargalhar

Uma vez, a mudinha estava na sala quando a mamãe começou a contar uma história. A mamãe era tão legal! Ela trabalhava muito, mesmo assim sempre tinha tempo pra brincar, contar histórias ou fazer cafuné. Conversa vai, conversa vem, e de repente a história ficou muito engraçada, mas muito, muito engraçada mesmo! E a menina Margarida riu de se acabar. Não era um riso barulhento não, mas era um riso tão feliz que dava vontade de rir junto também. Naquele dia a mudinha morreu de vontade de ter uma boca também, pra poder rir tão gostoso assim. O jeito foi rir sem boca mesmo. E foi um dos dias mais engraçados e felizes do mundo inteiro. Tanto que, mesmo depois que a mamãe foi dormir, elas continuaram risonhas. E as duas margaridas ficaram ali, sorrindo por várias horas. Porque tem momentos na vida, que o sorriso diz tudo.

Chegou o aniversário de Margarida e a festa foi no apartamento mesmo. A sala estava enfeitada com balões amarelos e tinha bolo de chocolate. As duas coisas que a

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Margarida mais amava no planeta: amarelo e chocolate! Na hora de cantar parabéns algo estranho aconteceu. Enquanto todos cantavam, Margarida apenas mexia os lábios e fazia gestos. Era tão lindo o jeito da menina cantar com as mãos. Lindo e diferente. Até que um menino começou a rir dela. Mas não era uma risada divertida. Era uma risada malvada e no final da canção, apontou o dedo e zombou:

- A menina muda nem consegue cantar parabéns!

Que coisa feia zombar de um jeito tão lindo de cantar! Margarida cantava com as mãos. E mesmo sem fazer nenhum som, era uma música linda de se ouvir! Mas só dava pra ouvir com o coração. Talvez aquele menino não tivesse coração pra ouvir. Menina muda? E quando todos foram embora, a muda de margarida resolveu perguntar:

- Você é muda também? Como é que pode alguém ser gente e muda ao mesmo tempo?

De repente a menina foi ao quarto e voltou com um livro nas mãos e na capa estava escrito com uma letra dourada: LIBRAS – LINGUAGEM BRASILEIRA DE SINAIS. No livro, a mudinha de margarida entendeu tudo. E no silêncio das Margaridas, as coisas mais importantes foram ditas numa lágrima rolando, num sorriso abrindo, na incerteza de um medo, na dor de uma saudade, na simplicidade de um gesto...

- Somos duas mudas! Duas margaridas! Eu sou muda de flor. Você é muda de gente. Eu acho que o seu coração é de flor. Por isso que você é muda! – Disse a mudinha tagarela.

A menina acariciou o vasinho, como se dissesse: você é minha melhor amiga. Foi gostoso. Carinho! Outra maneira de dizer uma verdade tão bonita com as mãos. Naquele dia, a mudinha desejou ter mãos, pra dizer eu te amo. E as duas margaridas ficaram ali, quietinhas e felizes por horas. Porque tem momentos na vida, que o silêncio diz tudo.

CONTOS

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10º LUGAR

Árvore Árvore Árvore Árvore ideológicaideológicaideológicaideológica Guarani

(Darlan Rodrigo Veit) Novo Hamburgo - RS

Breve Biografia

Darlan Rodrigo Veit nasceu em Novo Hamburgo, RS, em 1977. Depois de ser dentista e professor, estreou como escritor na Antologia Vivendo na Terra do Nunca. O conto "O Nunca é para Sempre?" compõe a obra da Rico Editora lançada na Bienal de São Paulo em agosto de 2018. O escritor também foi selecionado no 8º Concurso Microcontos de Humor de Piracicaba 2018.

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Árvore ideológicaÁrvore ideológicaÁrvore ideológicaÁrvore ideológica

Era uma vez um jovem chamado Capitalismo. Capitalismo odiava apelidos e amava mulheres. Apesar de seu apetite feminino plural, a Democracia o fisgou em especial. Como ele, ela repelia apelidos. Chamá-la de Demos era de um populismo brega capaz de afastá-la de qualquer conversa.

Democracia era uma dama que, em tese, não se seduzia facilmente com presentes e promessas frívolas. Por isso, o amante pretendente a amado, mestre nas artes da conquista, preferiu deixar de lado as flores e os cartões apaixonados. O romance começou em uma festa eleitoral. Ele a abordou e, depois de uma rápida conversa, decidiram fazer algo juntos pela primeira vez. Assim, mesmo não sendo fumantes, ambos saíram para fumar um cigarro. De longe, muitos eleitores disseram que ela ansiava por dinheiro e ele precisava da diversidade bem-humorada dela. Afinal, o haviam chamado de Karlpital. E já sabemos o que ele pensava sobre apelidos.

Como falar das próprias amarguras não iria seduzir ninguém.

A conversa descambou para as desventuras de outro casal. O Socialismo e a Tirania. Na verdade, eles nem tinham certeza que os dois estavam casados, mas quem disse que uma fofoquinha entre cantadas precisa ser 100% verdadeira? A Democracia afirmou conhecer o Socialismo e foi além. Ele já tentara pegá-la para amante na promessa de deixar a esposa em breve. Capitalismo não ouviu o resto da verdade. Ela se deixara levar e achara a visão de mundo socialista superencantadora. E o pior, a Democracia experimentara idílicos orgasmos múltiplos. Obviamente, isso não era coisa de se falar para o novo pretendente de carteira cheia.

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Capitalismo, por sua vez, afirmou conhecer Tirania somente de vista e a achava arrogante demais. Ele a descreveu tão bem e por tanto tempo que a Democracia achou que eles tinham ou tiveram algo mais. Mas quem é que iria sentir ciúmes antes do primeiro beijo? O sedutor endinheirado falou muito, mas não contou tudo. Seria muito inconveniente informar do sexo selvagem com a tirana. Mencionar os sonhos ninfomaníacos e sadomasoquistas? Nem pensar.

Jamais ele admitiria ter saudade daquela deliciosa dominação, ou a ressaca moral nos dias, meses e até anos seguintes.

O que era para ser o tempo de um cigarro, virou dois. Então, Capitalismo ofereceu uns drinks para a Democracia que só bebia socialmente. Foi paixão à primeira vista! Brindaram a isso sem o pudor de admitir a visão dupla devido ao excesso de álcool. Já despudorado, Capitalismo pediu o telefone da Democracia e ela, também embriagada, aceitou ir para a casa dele. O mal-entendido fez o macho lidar com a conta imediatamente. Se ele pagou, pendurou, ou escambou, nenhum eleitor sabe. Ela enrolara a língua e agora era tarde demais para voltar atrás. As pessoas adoravam falar dela mesmo. Democraticamente, ela deu luz verde e foi além.

Foi o engano mais delicioso da história. Ao menos foi o que eles acharam naquele dia seguinte de carícias infinitas. Os dois, mesmo livres da visão dupla, sentiam-se como um grupo perfeito. Queriam casar, ter filhos para conquistar mais terras. Quantos frutos benditos se multiplicariam fazendo este mundo um lugar melhor para se viver?

Como se consideravam pessoas de ação - e não sonhadores como o Socialismo e a Tirania - fizeram acontecer. Aquela coisa de uma noite virou paixão, namoro, noivado e casamento. Logo veio a primeira filha, Liberdade. Agora, Capitalismo tinha o desafio de educar. Que responsabilidade!

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Infelizmente, Liberdade não dava lucro. Então, Capitalismo precisou criar a maior lei de mercado: primeiro eu, depois minha família, daí os meus amigos até o mais distante dos povos. Ele não publicou a regra egoísta. O pai aplicou a norma de forma silenciosa na tentativa de sustentar a filha adolescente. Ele não era louco de criar a Liberdade livre, leve e solta naquele mundo cheio de gente brigando por dinheiro.

No meio disso tudo, a protegida fazia coisas igualmente impublicáveis.

A Democracia gostava das regras desde que pudesse se esquivar de praticá-las. Sem querer, a mãe passou o costume para a Liberdade. A filha protegida pelo individualismo paterno e pela hipocrisia materna virou uma mulher mimada e cara. O pai culpou a moleza da mãe e a mãe culpou a ausência do pai que só queria saber de fazer riqueza. Quanta instabilidade doméstica! De casal perfeito, Capitalismo e Democracia passaram a ser a mais surpreendente incompatibilidade do século XXI. O que esperar de um romance de dois não fumantes que flertam saindo juntos para fumar? Muita presunção e exagero do politicamente correto. Nas brigas do casal, as ofensas tornaram-se recorrentes. Tanto que os xingamentos favoritos caíram nos ouvidos de toda a vizinhança, ele egocêntrico e ela muito cara.

Já com um corpão de mulherão, Liberdade foi para a Universidade. Que surpresa! Ela sentou logo ao lado do Utópico. Quanta ironia do destino! Utópico era filho do Socialismo e da Tirania. Sim, eles também se casaram e tiveram um filho. Utópico deixou todos com lágrimas nos olhos com suas estórias familiares. Mais difícil do que lidar com o peso do próprio nome - que, de fato, significa coisa alguma – era lidar com a sombra do pai. Um mito. Bem diferente do homem chefe do lar presenciado por ele. Já quanto à fama da mãe de ninfomaníaca sadomasoquista, ele

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apenas garantiu que o pai gritava mais, muito mais. As lágrimas deixaram a Liberdade molhadinha. Utópico, ao contrário do que muitos diziam, não era ingênuo. Ele aproveitou a oportunidade.

Aquela sim foi uma transa épica! Liberdade e Utópico gozaram os limites idílicos do lugar nenhum. Apaixonados, queriam saber as auguras da relação. Sem perder tempo, eles consultaram a sabedoria da vidente Monarquia. Apesar de velha e com fama de ultrapassada, ela continuava produzindo frutos bem mais lúcidos do que a Democracia, a Tirania, o Capitalismo e o Socialismo juntos. Curiosos quanto ao futuro da relação, os universitários descobriram que eram primos.

Sim, a vidente era simplesmente a avó de ambos. Que surpresa! A velha dava gargalhadas ao ver a cara embasbacada dos dois. Na tentativa de entender a surpreendente árvore genealógica deles, os jovens apenas escutaram o nome do avô, Absoluto.

Liberdade e Utópico teimaram. Eles insistiram porque saber do avô não esclarecia nada. Monarquia sorria enquanto os apaixonados apontavam os múltiplos traços da avó nos pais.

Entretanto, ele discordava do que ela dizia e vice-versa. A velha só parou de achar engraçado quando a neta mencionou o Mercantilismo. Utópico lembrou das aulas de história e acusou a Monarquia de ter traído o Absoluto com o amante Mercantilismo. A vidente idosa confessou seus pecados e assumiu que o Capital e a Tirania eram filhos dela com pais diferentes. Ele era fruto da Monarquia com o Mercantilismo, e ela, da Monarquia com o Absoluto. Mesmo em choque, os netos não culparam a avó. O avô reinava nas camas de outras mulheres também e tais romances ajudaram a Monarquia a esconder a barriga e entregar o bebê prematuro, Capital, para o pai, Mercantilismo, criá-lo perambulando pelo mundo.

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Na despedida, a vidente idosa demonstrou lucidez perfeita.

Afinal de contas, a curiosidade inicial era quanto ao futuro do romance e não ao passado. Ser primos não traria maus presságios. A realeza mantivera relações consanguíneas por séculos. Monarquia, inspirada pela sabedoria do tempo, profetizou que Liberdade e Utópico teriam um filho. A avó, sem se importar com o politicamente correto, encomendou ainda o nome, Futuro. Futuro seria o único nome capaz de manter o universo fluindo positivamente. Os jovens gostaram tanto da profecia que não ouviram o último aviso. A criança só deveria vir depois da formatura deles.

O tarde demais virou cedo demais. Liberdade e Utópico haviam concebido os trigêmeos antes mesmo de procurar a avó, digo, bisavó vidente. Se existe uma coisa que une uma família, é a chegada de uma nova vida. Que dirá três bebês!? Talvez por isso, os novos avós - Capital, Democracia, Socialismo e Tirania - não implicaram com a irresponsabilidade causada pelo excesso de hormônios, os erros proféticos ou os segredos do passado. Nove meses depois do encontro com a Monarquia, Liberdade deu à luz dois meninos e uma menina. O jovem casal, que reuniu os parentes políticos, fez questão de escolher sozinho os dois nomes faltantes. Em uma família complicada como aquela, chamar de Futuro um bebê instantes mais velho do que a Realidade e o Presente era completamente normal. Ninguém precisaria de adivinhos para prever um batizado histórico.

Todos estavam lá, os vivos e os mortos.

O padre, antes de batizar o Futuro, a Realidade e o Presente, se apresentou. Ele se chamava Teocracia. A família política achou que era piada e caiu na gargalhada. Até os falecidos Absoluto e Mercantilismo abraçaram-se espiritualmente entre convulsões de felicidade. O único que não riu foi o

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padre. Monarquia foi a primeira a perceber a gafe coletiva na casa do Senhor.

- Que coisa mais politicamente incorreta! Gritou a bisavó.

A turma se aquietou, menos os bebês. Esses escancaravam gengivas sem dentes a torto e a direito. Mesmo quando Teocracia usou mais água benta do que de costume para afogar aqueles sorrisos, o Futuro, a Realidade e o Presente perseveraram na alegria. Por bem ou por mal, Absoluto cochichou para o amigo de alma, Mercantilismo:

- O que é mais politicamente incorreto do que rir do nome do padre dentro da igreja?

- Dizer que ele tem nome de mulher e que a mesma palavra feminina caracteriza o regime de governo mais machista e intolerante de todos os tempos. Rebateu o pai do Capital.

Os dois compartilharam seus talentos de comediante ao longo da cerimônia. Eles imaginaram que ninguém os via, ou ouvia, pois estavam mortos. Ironicamente, Teocracia escutara tudo. Ao final, enquanto Capitalismo, Democracia, Socialismo e Tirania disputavam quem levaria os netos para a festa de batizado, o padre – que também tinha idade avançada - abraçou a Monarquia pela cintura e sussurrou algo no ouvido dela. A velha demonstrou agilidade para descartar as outras ofertas de carona e pôs sua mão na cintura do Teocracia.

O padre sentia as carnes da vidente coladas às suas quando ele se virou para o vazio material abrigando os dois falecidos. Assim, olhando para o Absoluto e o Mercantilismo, Teocracia se vingou:

- Pelo menos, eu estou vivo!

Os mortos iriam matar o sacerdote se não vissem uma mulher com longos fios de cabelo branco cobrindo parte de seu corpo escultural nu descendo dos céus. Ela ficou parada à

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frente deles até que a igreja se esvaziou e o batizado triplo virou festa dos vivos.

- Quem é você? Perguntou Mercantilismo.

- Eu sou Deus.

- Deus!? Exclamaram os dois mortos.

- Sim, Deus!

- E o quê o Senho..., quero dizer, Senhora está fazendo aqui?

- Ah! Eu sempre aguentei muitas coisas dos humanos, mas vai que alguém diz que essa maldita árvore ideológica é invenção minha!?

CONTOS

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1º LUGAR (Local)

El amigo invisibleEl amigo invisibleEl amigo invisibleEl amigo invisible Lucho Meon

(Luciano Cantero dos Santos) Foz do Iguaçu - PR

Breve Biografia

Luciano cantero dos Santos. Estudante de Letras português-espanhol no oitavo período, na universidade da integração latino-americana. Integrante do coletivo underground de foz do Iguaçu, fundador juntamente com Nilson Brecher no início dos anos noventa do grupo ACAC, associação cultural ação coletiva, grupo anarco comunitarista, que lançou dois livros e uma revista comunitária, organizou shows, encenações e aulas de esperanto em Foz do Iguaçu. Integrante da academia de letras de foz do Iguaçu(ALEFI). Um livro lançado de forma independente em parceria com o Poeta Genir Terra, que chama-se “Luz e sombra”.

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El amigo invisibleEl amigo invisibleEl amigo invisibleEl amigo invisible Crecimos inseparables desde niños, siempre estábamos juntos; en la escuela, en el parque, en la calle, todos los momentos. Juntos, siempre juntos yo y mi amigo.

Cuando aún niños todavía, yo acepté su dominio, si él quería jugar, jugábamos, si quería comer, comíamos, o si quería estudiar, estudiábamos. Yo era tan tímido, dependiente de mi amigo, nada que él me proponía, yo lo recusaba, me acostumbré así.

Él me decía − ¡Daniel, vamos a jugar en el parque!

Si yo alguna vez no lo quería, él enseguida me decía − ¡Sí, vamos jugar en el parque!

Y yo no lograba decir que no.

Ese dominio fue poco a poco arrastrándome por un laberinto oscuro y sin salida que era su mundo. Fue a los once años cuando la pesadilla comenzó. La caída sin fin de mi vida, por un abismo terrible.

Un día él me llamó −Vamos al bosque a jugar y a coger naranjas.

Llevamos el perrito carnissa para que nos hiciese compañía. Estábamos tranquilos en el bosque, jugando, cuando mi amigo abruptamente me dijo − ¡Vamos a matar a carnissa!

Me quedé desesperado, sin saber lo que hacer, quería huir, jamás pensé en hacer mal a ningún animalito, pero mi amigo tenía sobre mí un control irresistible, yo lo amaba, sentía su fuerza, su virilidad, su capacidad de decisión. Entonces obedecí y lo hicimos. Con el cuchillo matamos, cortamos en pedazos menores y lo sepultamos.

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“Animales”

Después de eso ya no paramos de matar animales, por toda nuestra infancia y adolescencia matábamos y destripábamos animalitos. Al principio yo no quería, pero mi amigo me hizo entender su necesidad por eso, después me acostumbré. Planeábamos meticulosamente cada vez que íbamos a matar, nunca fuimos agarrados.

Como teníamos miedo de que nos descubriesen decidimos a adoptar una actitud de buenos niños, siendo siempre buenísimos, ejemplares en todo. Íbamos a la iglesia todos los domingos, eramos alumnos aplicados y amigos de todos. Durante nuestra adolescencia matamos decenas de animales sin que nadie desconfiase de nosotros.

“Apolo”

Teníamos dieciséis años cuando conocimos a Apolo. Era un chico grande, fuerte, hermoso, con ojos azules, piel blanca, parecía un ángel. El luego se hizo muy amigo nuestro, especialmente mío, y comenzó a andar junto a nosotros todo el tiempo, pero ni sospechaba nuestra actividad secreta. Lo que nos atrapó, porque se quedó más difícil practicar nuestra diversión particular.

A mí me lo gustaba mucho. Pero sentí que mi amigo comenzó a quedarse celoso con Apolo, noté que secretamente no le quería bien, pienso que se dio cuenta de mi afecto por él, yo me sentía bien cerca de aquel muchacho y eso hacía a mi amigo infeliz, no le gustaba nada que yo tuviese admiración por otro amigo.

Un día mi amigo me dijo − ¡Vamos a matar a Apolo!

− ¡Dios mío! Me desesperé, me gustaba mucho aquel chico, no le podría matar, pues él estaba conmigo todo el tiempo, cuando no físicamente, estaba en pensamiento, le dije que no

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le íbamos a matar. Pero mi amigo era más fuerte que yo psicológicamente, y me lo ordenó, entonces al final yo acepté.

Pero matarlo no sería tarea fácil, era muy fuerte y Además siempre estaba con nosotros, enseguida seríamos cuestionados, entonces planeamos una trampa para que no quedásemos como sospechosos.

Yo convencí a Apolo a huir de casa con nosotros, le dije que escribiera un mensaje a sus padres diciendo que iba a marcharse de casa, pero no debía decir que huiríamos juntos, diría apenas que estaba marchando para nunca más volver y nosotros también haríamos lo mismo. Nos encontraríamos después de la media noche en el bosque.

Lo hicimos, él dejó una carta a sus padres diciendo que nunca más volvería, y nosotros le dijimos que también lo habíamos hecho. Lo encontramos en el bosque y fuimos caminando, a cierta altura yo le dije −Tenemos una sorpresa, −cierra los ojos.

El inocentemente los cerró, entonces con un bastón previamente escondido le golpeamos en la cabeza, él cayó y lo matamos con golpes de bastón y un cuchillo. Lo enterramos en un pozo hondo que habíamos hecho en el bosque y pusimos hojas secas por encima, ni se notaba que la tierra había sido retirada. Nadie nunca lo descubrió.

Los padres de Apolo pasaron muchos años buscando desesperados, pero nunca imaginaron que nosotros estuviésemos involucrados.

“Seriales”

Aquella aventura fue mucho más emocionante que matar a perros y gatos. No nos satisfacía más ejecutar animales, ahora solo íbamos asesinar personas. Pero teníamos miedo,

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entonces planeamos meticulosamente y algunos meses después encontramos la próxima víctima.

Era un viejito que vivía solo en su cabaña en el bosque, hicimos amistad, lo visitábamos en horarios cuando no había personas por los alrededores.

Una noche llamamos a su puerta, el anciano nos atendió y fue a hacer un té, pero cuando él se quedó de espaldas, lo golpeamos hasta que se cayó y lo matamos con un cuchillo, esparciendo mucha sangre.

Aquello fue muy placentero, nosotros nos bañamos en la sangre, qué chorreaba por todo el cuerpo del viejo, bañando las paredes, los muebles, en fin toda la habitación, nos quedamos extasiados. Después pusimos fuego en la casa y huimos, a los habitantes de la ciudad, les pareció que el anciano por accidente incendió la cabaña.

Después de eso no más paramos de matar personas, en siete años hicimos doce víctimas, no más porque éramos metódicos, todos los crímenes eran planeados meticulosamente y solo ejecutados cuando todo estaba perfecto.

Nos quedamos muy buenos en nuestro juego de asesinatos, pero no sabíamos que la próxima víctima cambiaría todo, que alteraría todo en nuestras vidas.

“Patricia”

En la escuela mi amigo tuvo un período en que sus notas bajaron mucho, estaban muy malas, y la coordinación resolvió indicarle una terapeuta. Ella se llamaba Patricia, era una muchacha muy hermosa. Negra, con cabellos rizados, rostro pequeño y delicado, además de usar un perfume maravilloso. Paty tenía 22 años, formada hacía poco, aquel era el primer hogar en que ella trabajaba. Vivía sola, su

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familia vivía en otra localidad cerca unas cinco horas de nuestra ciudad.

A las sesiones en el principio, íbamos yo y mi amigo, a mí no me gustó mucho, pero a mi amigo sí. Conversaban muy animadamente, parecían muy felices hablando. Yo odiaba eso, me sentía infeliz y solo.

Nos hicimos amigos, pero a mí no le gustaba mucho. Percibía que ella sentía atracción por mi amigo, sus ojos brillaban cuando lo miraba. Nunca antes lo había visto tan feliz, mi presencia ni era más sentida, era como si yo no existiese, sentí a mi amigo lejos de mí, muy lejos.

El tratamiento que ella recetó, no sé qué drogas eran, pero a mí me perjudicó, a veces yo no podía encontrar a mi amigo, a veces él desaparecía por mucho tiempo. No me estaba gustando nada de eso, me estaba haciendo mal. Tenía pesadillas, comencé a soñar, a ver fantasmas. En una pesadilla ella me hablaba mal de mi amigo, me decía que no estuviera más con él, que él no me hacía bien.En otra pesadilla, ella estaba con un cuchillo en la mano, se veía mucha sangre, y sonreía, una sonrisa bestial.

Me gritaba− ¡Voy matar a tu amigo! − ¡voy a matar tu amigo!

Y lo apuñalaba mientras él la besaba y sonreía, el suelo y las paredes cubiertas de sangre.

¡Ella quería matar a mi amigo!− ella quería robar a mi amigo.

Ella era un demonio que estaba en nuestras vidas.

Ella era un demonio. Sí, ella era un demonio.

Ella quería matarme, ella quería a mi amigo.

Desperté aterrado. − ¡teníamos que matarla!

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Llamé a mi amigo para hablar y le dije − ¡Tenemos que matarla!

Él se negó, peleamos mucho y mucho. Él no quería, pero al final yo conseguí convencerlo. Entonces hicimos un plan:

Él se acercaría aún más a ella durante lo que faltaba del año lectivo y la mataríamos en las vacaciones cuando ella visitaba a su familia, volviendo hacia el comienzo de las clases. Nosotros la agarraríamos en su vuelta a la casa de sus padres, así no despertaríamos sospechas.

Comenzamos con el plan, mi amigo continuó con las sesiones, pienso que aun tomaba aquellas drogas horribles, que en la verdad le hacían tanto mal. Nos hicimos muy amigos de ella, mas aquellas drogas lo desnortaban, pasábamos mucho tiempo sin vernos, estaba muy difícil aquella situación, pero nosotros nos complacíamos cuando revisábamos el plan.

La esperaríamos en el bosque, la golpearíamos y la derribaríamos, en seguida con un cuchillo la despedazaríamos bien lentamente, sin prisa, con mucha sangre, la cortaríamos en pedacitos, y el gran premio sería su corazón, que comeríamos, bien despacio.

Yo le iba a mutilar aquel hermoso rostro, deformándolo, haciendo que quedara monstruoso, feo como si fuese un retazo de carne apenas. Esa expectativa nos daba mucho placer, y eso nos hacía aguantar y esperar el momento de matarla.

Pero para mí el tiempo parecía no pasar, el reloj trabajaba despacio. Los días se arrastraban morosamente, una verdadera tortura. Poco ahora veía a mi amigo, él ya no vivía más para mí como antes.

Un día mientras nosotros estábamos en el cuarto estudiando, él salió un momento y yo fue a pillar un bolígrafo en su

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mochila. Ocasión en que encontré esa hoja de cuaderno que me sorprendió y entristeció mucho:

Yo la quería matar

Pero con besos

En su dulce boca.

Yo la quería cautiva

En la curva de mis brazos

Con amor, cariño y ternura.

Yo la quería…

Yo la quería atrapada a mí.

Quería oír sus gritos

En la arena de la playa

Llamándome − venga mi amor.

Yo la quería por siempre en mi vida, casi

perdida, ahogada en sangre y dolor.

Yo la quería…

Yo la quiero mi amor.

Si mi vivir es un engaño,

La verdad que quiero…

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Son sus labios susurrantes en mis oídos.

Si la vida puede ser buena

Quiero disfrutarla con vos

Hasta el fin de mis días.

Contigo quiero despertar en las mañanas.

Mirar tu hermoso cuerpo a mi lado.

Por todo el siempre, por todo el siempre...

Mi gran amor…mi gran amor.

Patricia.

Eso fue un duro golpe para mí, pienso que fueron los remedios que ella le daba, que estaban enloqueciendo a mi amigo.

“El gran día”

El gran día llegó, nos despedimos de Paty en su casa, juntos estaban otros amigos de escuela, eso sería una coartada perfecta, todos nos vieron despedirnos de ella. Después la esperaríamos en el camino en medio del bosque, mi amigo llevando un ramo de flores. Cuando ella parase su moto la íbamos golpear, matar y enterrar. Su vehículo tiraríamos al pantano.

La esperamos en el bosque, estaba todo perfecto, el hogar aislado, vacío. Nadie a kilómetros, los árboles oscurecían El camino, dejamos un hoyo abierto cerca en el interior del bosque, un cuchillo y hasta un hacha para divertirnos, yo estaba muy feliz. Mi amigo estaba algo extraño, pero decía estar bien.

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De repente, a lo lejos en la ruta venia Patricia, acercándose lentamente con su moto, mi amigo parado en el camino con las flores y yo a su lado.

Ella paró…Y sonreía, sonreía mucho.

Para mí era como la sonrisa del demonio, pero mi amigo estaba en éxtasis, sonreía y lloraba al mismo tiempo, emocionado, ella se apeó y lo besó en la boca, llorando también y diciendo:

− ¡Te amo! − ¡Te amo! − ¡Te amo!

Yo grité − ¡Ahora! vamos a matarla.

Pero él se quedó parado, sin ninguna reacción.

Yo grité de nuevo − ¡Ahora, Mátala!

Pero él no se movía. Yo comencé a gritarle, pero él no me oía.

Estaba inmóvil, fascinado, solo la miraba a ella, sonriendo.

Yo comencé a golpearlo con puñetazos, pero él parecía estar hechizado (encantado).Yo y él empezamos a pelear. Intentaba traerlo a la razón pero no lograba. Girábamos en el suelo peleando.

Pero mientras nosotros estábamos luchando encarnizadamente en el suelo, extrañamente yo también veía otro de él allá al lado de Patricia (Como si fueran dos), yo no entendía muy bien lo que pasaba.

Pero él me dijo −No te quiero más, en mi vida. − ¡No quiero! − ¡No quiero!

Yo le dije: −Somos amigos.

Pero él gritó − ¡Tú no existes! − Solo existes en mi cabeza.

Y ahora te voy a matar para siempre, y me voy a vivir ese amor.

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Mi gran amor, el gran amor de mi vida.

Entonces él comenzó a golpearme con el cuchillo, muchas y muchas veces.Comencé a sentir que estaba muriendo. Vi mi cuerpo desvaneciéndose poco a poco. Desapareciendo, desapareciendo, hasta que todo oscureció. Pero antes de desaparecer completamente, aún vi a mi amigo sonriendo feliz y besándola.