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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Mestrado A Pintura Mural Religiosa, de Angelo Lazzarini, nas Igrejas da Quarta Colônia Altamir Moreira Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Artes Visuais, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Teoria, História e Crítica da Arte sob orientação do Dr. José Augusto Avancini. Porto Alegre - RS 2000

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Mestrado

A Pintura Mural Religiosa, de Angelo Lazzarini, nas Igrejas da Quarta Colônia

Altamir Moreira

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Artes Visuais, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Teoria, História e Crítica da Arte sob orientação do Dr. José Augusto Avancini.

Porto Alegre - RS

2000

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M838p Moreira, Altamir

A Pintura Mural de Angelo Lazzarini nas Igrejas da Quarta Colônia / Altamir Moreira. Porto Alegre: UFRGS, 2000.

1.Lazzarini, Angelo. 2. Pintura Mural: Rio Grande do Sul. 3. Arte Sacra: Rio Grande do Sul. 4. Iconografia. 5. História da arte: Rio Grande do Sul. I. Título

CDU 75.052 (816.5)

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Artes

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Mestrado

A Pintura Mural Religiosa de Angelo Lazzarini nas Igrejas da Quarta Colônia

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Artes Visuais, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Teoria, História e Crítica da Arte.

Orientador Dr. José Augusto Avancini - UFRGS Banca Examinadora

Dra. Ângela Âncora da Luz - UFRJ Dr. Francisco Marshall – UFRGS Dra. Mônica Zielinsky – UFRGS

Porto Alegre, novembro de 2000

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Dedicatória

Em memória de minha mãe, Leonilda,

e em homenagem a meu pai Zeferino.

Agradecimentos

A Deus, por permitir vislumbrar parte da beleza e complexidade que envolvem as criações humanas, que buscam representá-lo na matéria. A minha namorada Martinha, por me fazer acreditar e superar minhas limitações frente às dificuldades da pesquisa. A meus irmãos Pedro, Paulo, Altair e Atacílio pelo companheirismo nesta jornada. À Família Mazzaro, que me acolheu durante estes anos de estudo. Ao casal Ademar e Rosemar Piovesan, pela amizade e incentivo. A meus amigos Elenilço, Lincoln, Marcelo e Adresson. Ao meu orientador Dr. José Augusto Avancini, pelo apoio e dedicação, e ao professor, Dr. Álvaro Valls, por, também acreditar na viabilidade deste projeto. A meus colegas de curso e professores que muito acrescentaram à minha vivência pessoal. A Ricardo Grezca pelo auxílio na editoração de imagens, e a Maria Caetano Soares pela colaboração na revisão do texto. A Francisco Lazzarini e Família, pela hospitalidade e confiança em me ceder materiais do arquivo familiar, durante a realização desta pesquisa. À Amábile Echer Loro, pela inestimável colaboração na reconstrução da biografia de Lazzarini Ao Centro de Pesquisas Genealógicas de Nova Palma. A Oldair Santi e a Secretaria de Turismo Indústria e Comércio da Prefeitura Municipal de Jaguari. Ao CNPQ, que concedeu o suporte financeiro, e a todas as demais pessoas e instituições não mencionadas, que deram sua parcela de contribuição e incentivo para que este empreendimento se efetivasse.

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Sumário

Integrantes da Banca Examinadora.....................................................................................iv Ata de Defesa da Dissertação ..............................................................................................v Dedicatória..........................................................................................................................vi Sumário..............................................................................................................................vii Resumo ................................................................................................................................x Abstract ...............................................................................................................................xi Introdução ..........................................................................................................................01

Capítulo I 1 A ICONOGRAFIA DOS MURAIS DE LAZZARINI..................................................09

1.1 Antigo Testamento............................................................................................................. 11 1.1.1 A Criação do Mundo .................................................................................................................. 11 1.1.2 A Expulsão do Paraíso................................................................................................................ 16 1.1.3 A Morte de Abel ......................................................................................................................... 19 1.1.4 Moisés e o Decálogo .................................................................................................................. 21

1.2 Temas Marianos ................................................................................................................ 23 1.2.1 A Virgem da Tradição Apócrifa e dos Livros Canônicos........................................................... 23

A) Apresentação da Virgem no Templo ....................................................................................................... 23 B) A Anunciação........................................................................................................................................... 26 C) A Visitação .............................................................................................................................................. 32

1.2.2 Invocações de Nossa Senhora ...................................................................................... 34 A) Nossa Senhora da Imaculada Conceição.................................................................................................. 34 B) Nossa Senhora Três Vezes Admirável ..................................................................................................... 36

1.3 Sagrada Família................................................................................................................ 39 1.3.1 Natividade ................................................................................................................... 40 1.3.2 A Sagrada Família Terrena.......................................................................................... 53 1.3.3 Jesus no Templo .......................................................................................................... 58 1.3.4 Santíssima Trindade .................................................................................................... 59

1.4 A Vida Pública de Cristo................................................................................................. 54 1.4.1 O Batismo de Cristo ................................................................................................... 54 1.4.2 Agonia no Horto......................................................................................................... 57 1.4.3 Crucifixão................................................................................................................... 60 1.4.4 Ressurreição ............................................................................................................... 67

1.5. Devoções Populares .......................................................................................................... 69 1.5.1 Santo Antônio............................................................................................................. 69 1.5.2 Santo Isidoro ............................................................................................................... 71 1.5.3 São José ....................................................................................................................... 75 1.5.4 São Roque ................................................................................................................... 79 1.5.5 São Vicente Pallotti ..................................................................................................... 81

1 . 6 Os Apóstolos.................................................................................................................... 84 1.6.1 São Marcos.................................................................................................................. 85 1.6.2 São Mateus .................................................................................................................. 86 1.6.3 São Lucas .................................................................................................................... 88 1.6.4 São João....................................................................................................................... 89 1.6.5 São Pedro..................................................................................................................... 90

1.7 Anjos e Demônios.............................................................................................................. 93 1.7.1 - São Rafael ................................................................................................................... 93 1.7.2 - São Miguel .................................................................................................................. 95 1.7.3 - O Destino do Justo e do Pecador ................................................................................ 98

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Capítulo II

2 A PINTURA MURAL E O ESPAÇO ARQUITETÔNICO ......................................103 2.1 Relações entre Temática e Ambiente ............................................................................ 103

2.1.1 O Espaço de Entrada ................................................................................................. 105 2.1.2 O coro........................................................................................................................ 106 2.1.3 O Arco Triunfal ......................................................................................................... 109 2.1.4 Presbitério.................................................................................................................. 114 2.1.5 Nave .......................................................................................................................... 115

2.2 Orientação dos temas no espaço do teto ....................................................................... 117 2.3 Condições iniciais e registros posteriores; contribuições ao processo construtivo ..130

2.3.1 Os suportes ................................................................................................................ 130 2.3.2 Construções auxiliares............................................................................................... 132 2.3.3 Arquivos de Lazzarini ............................................................................................... 133

A) Coletânea de publicações........................................................................................................................ 133 B) Registros fotográficos ............................................................................................................................. 134 C) Referenciais gráficos............................................................................................................................... 137

2.4 Perspectiva e Composição............................................................................................. 140 2.4.1 Perspectiva não-unificada.......................................................................................... 140 2.4.2 Absides; o problema do espaço curvo....................................................................... 142

2.5 Técnicas Construtivas .................................................................................................... 146 2.5.1 Métodos de transposição de imagens ........................................................................ 146

A) Quadrícula .............................................................................................................................................. 146 B) Moldes perfurados e projeto decorativo .................................................................................................. 152

2.5 Pintura ............................................................................................................................. 153 2.5.1 O Falso Afresco......................................................................................................... 153 2.5.2 O método de Lazzarini .............................................................................................. 155 2.5.3 Outras técnicas .......................................................................................................... 156

2.5 Anatomia e proporções................................................................................................... 156 2.6 Considerações sobre o método de análise utilizado ..................................................... 157

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Capítulo III

3. 0 A ÉPOCA DOS MURAIS......................................................................................158

3.1 Arte Moderna e Renovação da Arte Religiosa.............................................................. 158 3.2 As Diretivas sobre Arte Sacra (1947 –1952)................................................................. 164 3.3 Tradição e Renovação no Muralismo Religioso de Portinari ..................................... 166 3.4 Paralelos com os murais religiosos de Aldo Locatelli .................................................. 169 3.5 Uma Arte Deslocada no Tempo?................................................................................... 175

3.5.1 Registros de época: A Pintura Mural na avaliação dos contratantes......................... 175 3.6 Visualidade Regional e Expectativas ............................................................................ 186 3.7 Questões de estilo ............................................................................................................ 192

3.7.1 Tema.......................................................................................................................... 193 A) Temas da tradição familiar ....................................................................................................................... 193 B) Devoções recentes ................................................................................................................................... 195

3.7.2 Forma ........................................................................................................................ 196 A) Fusão ....................................................................................................................................................... 196 B) Simplificação............................................................................................................................................ 197 C) Fragmentação de conjuntos ..................................................................................................................... 197

3.7.1 Expressão .................................................................................................................. 199 A) Cor........................................................................................................................................................... 199 B) Páthos ...................................................................................................................................................... 199

3.8 O Kitsch e a Beleza Religiosa......................................................................................... 200 3.8.1 Definições do termo ................................................................................................... 200 3.8.2 Cópia e recriação........................................................................................................ 202

Conclusão.........................................................................................................................205 Referências Bibliográficas...............................................................................................208 Créditos das Ilustrações ...................................................................................................208

Anexos

Anexos .............................................................................................................................219 Anexo A - Dados Biográficos ................................................................................................. 220 Anexo B - Cronologia ............................................................................................................. 226 Anexo C - Localização............................................................................................................ 227 Anexo D - Documentos ........................................................................................................... 228 Anexo E - Histórico das Igrejas............................................................................................. 232 Anexo F - Entrevistas ............................................................................................................. 245 Anexo G - Formulário ............................................................................................................ 246 Anexo H - Quadro de freqüência temático -Iconográfica ................................................... 247

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Resumo

Analisa a pintura mural de Angelo Lazzarini, nas igrejas da Quarta Colônia, região

localizada no centro geográfico do Rio Grande do Sul, no período, compreendido entre 1955 e

1963, que corresponde à época em que esse pintor realizou a maioria de seus murais na

região. A partir de dados, fornecidos por documentos paroquiais, entrevistas, observações

locais e levantamento fotográfico das obras, desenvolve um estudo iconológico, no decorrer

do qual se busca relacionar características iconográficas, resgatar a cronologia histórica da

execução desses murais, bem como identificar as técnicas utilizadas. As principais questões

que orientam este estudo são: Com que intensidade esta produção foi influenciada por padrões

da iconografia histórica européia? Quais os processos técnicos que nela intervieram? E por

que suas formas parecem preservar padrões estilísticos distantes da época histórica de maior

expressão? A partir dos indícios, levantados pela pesquisa que aponta alguns posicionamentos

críticos dos contratantes destas obras, busca compreender as características e a inserção social

deste tipo de atividade artística na região, diante das influências estilísticas divulgadas a partir

dos grandes centros irradiadores de cultura, e da dinâmica de absorção desses padrões nessa

região periférica.

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Abstract

This dissertation intends to analyse the mural paintings of Angelo Lazzarini in the

churches of Quarta Colônia, a region found in the geographical centre of Rio Grande do Sul.

In this approach we mainly analyse the period between 1955 and 1963 which corresponds to

the period when the painter carried out the majority of his murals in the region. The analysis

makes use of data supplied by parish documents, interviews, local observation and

photographic survey of the works, seeking to salvage the historical chronology of the

execution of these murals as well as the techniques employed. The principal questions that

directed these activities were: To what extent was this output influenced by the historical

patterns of European iconography? What are the technical processes that affected it? And,

why do its forms seem to retain stylistic patterns that could be considered to be removed from

the historical period of their major manifestation? We try to answer these questions through

identification of iconography, technique, and historical documents. The indications arising

from the research point to the critical positioning of the commissioners of these works, in

which we seek to examine the characteristics and position of this type of regional artistic

activity. We take into consideration the stylistic influences disseminated from the major

radiating centres of culture, and how these patterns came to be absorbed into a peripheral

region.

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A Pintura Mural Religios, de Angelo Lazzarini nas Igrejas da Quarta Colônia

Introdução

A descrição da origem das questões que resultaram neste projeto poderá dar ao leitor a

impressão de este texto se qualifica mais como uma autobiografia. Mas, espero que esta

digressão gradualmente se torne justificável ao se considerar que as pinturas murais de

Lazzarini fizeram parte do ambiente e, enfim, da sociedade na qual tenho convivido. Isto,

porque numa pesquisa histórica assim como numa experiência de vida, os fatos adquirem

sentido na medida em que vamos adquirindo gradual consciência dos fenômenos que nos

cercam. E na medida em que começamos a questionar os aspectos que nos intrigam.

Tendo nascido em um município da região da Quarta Colônia, mais precisamente, em

Faxinal do Soturno (RS), morei, por breve período em Sítio dos Mellos (pequeno distrito

desse município). E vim, depois, a crescer em uma região interiorana limítrofe entre Faxinal

do Soturno e Nova Palma. Sendo que foi neste último o município que desenvolvi a maior

parte dos estudos básicos. Pertencendo a uma família de poucos recursos econômicos, de

credo católico, por longo tempo observei a importância que a igreja desempenhava nessas

comunidades, como um fator de coesão social, e de alento diante das dificuldades impostas

pelo ambiente e diante das questões existenciais.

Na época, as missas dominicais, faziam parte das atividades do fim de semana, de

toda a família considerada de bons costumes, que para estes encontros, se deslocavam

praticamente em todas as oportunidades. Esse comportamento era um traço marcante

principalmente para os descendentes de imigrantes italianos que compõe a maior parte da

população daquela região. Devido às grandes distâncias e dificuldades de transporte, no meu

caso, minha família se deslocava mais esporadicamente. Dando prioridade às celebrações

especiais e festas religiosas populares. Mas, em minha infância, essas eram as oportunidades

em que eu aproveitava para ficar olhando para o teto das igrejas e para admirar a beleza do

colorido das imagens de santos e outros personagens bíblicos, em muitas cenas, cujo

significado eu desconhecia. Mas, que aos poucos pareciam a fazer algum sentido com relação

às tentativas de explicação iniciadas meu pai e ao conteúdo das homilias.

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Algumas dessas imagens impressionavam também pela violência das cenas (A morte

de Abel e A luta de Davi e Golias). Outras marcavam pelo medo, tais como as que evocavam

os horrores do inferno, através de chamas colossais, serpentes, e demônios que puxavam as

pessoas em seus leitos. Às vezes tais referências eram utilizadas por minha mãe, quando em

virtude de alguma malcriação ou recusa em rezar o terço, lembrava-me então da sorte

reservada aos maus explícita nessas imagens. Apesar disso, eu sempre gostei dessas pinturas,

especialmente, a terna representação de Nossa Senhora da Conceição e o fascinante ambiente

da Criação do Mundo e da Natividade com os curiosos animais que compartilhavam a cena.

Apesar de não ter aguçado ainda qualquer preocupação a respeito do fato histórico, através

desta observação lúdica, eu passava, então, a perceber que essas pinturas presentes em

diversas igrejas da região, mesmo quando diferiam de temática, ainda apresentavam muitas

semelhanças marcantes na forma com que eram representadas.

Mais tarde, na fase de início dos estudos do segundo grau, passei a morar em Santa

Maria (RS), como seminarista interno do Instituto São José. Em uma das ocasiões, quando

nos deslocávamos para missas no centro, notei que também nesta cidade havia uma igreja

(Nossa Senhora das Dores) com pinturas semelhantes àquelas de meu local de origem. Mas,

também, haviam representações com formas diferenciadas, como as do Santuário-Basílica de

Nossa Senhora Medianeira, com seus murais que uniam a técnica do vitral com linhas

geométricas do concreto, em estilo mais moderno e, a rigor muito diferente dos que faziam

parte de minha experiência. Já na Catedral Diocesana eu parecia reencontrar murais que

restabeleciam um sentimento de familiaridade, porém através de uma impressão de

naturalismo maior e de um colorido mais elaborado (obras que, como mais tarde eu fiquei

sabendo, foram executadas por Aldo Locatelli).

Um ano e meio mais tarde, tendo retornado a Nova Palma, cursei o colégio noturno e

durante o dia passei a trabalhar como desenhista e auxiliar do Departamento de Engenharia da

prefeitura municipal. Nesta época, fui convidado a participar de uma equipe encarregada de

efetuar um levantamento do patrimônio histórico-arquitetônico daquela região, conforme um

acordo de cooperação técnica estabelecido entre município e a Secretaria de Cultura do

Estado. Sendo encarregado de executar esboços e plantas-baixas de antigos prédios coloniais

italianos, para efeitos de catalogação, tive a oportunidade de participar, pela primeira vez, de

um processo de resgate cultural, estudando construções cujos muitos aspectos, apesar da

convivência próxima eu, ainda, desconhecia a importância. Eu, enquanto não-italiano, ou seja:

de origem negra, branca (hispano/portuguesa) e indígena, sentia-me provisoriamente como

que na posição de um observador até certo ponto deslocado em relação a aqueles aspectos.

Isso, no entanto, passava a despertar minha consciência em relação à importância que o estudo

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histórico e a preservação de aspectos físicos, desempenham em relação à memória de um

povo.

Mais tarde, de volta a Santa Maria, já como aluno do curso de Desenho e Plástica da

Universidade Federal daquela cidade, tive uma conversa com meu professor de pintura,

Alfonso Benetti, que era de uma cidade próxima a minha. Nessa ocasião solicitei informações

quanto à viabilidade de se desenvolver um projeto de pesquisa histórico-artística sobre estas

pinturas murais, uma vez que em comparação aos padrões “acadêmicos modernos” de minha

formação, eu permanecia em dúvida quanto à possibilidade dessas pinturas serem abordadas

como arte, uma vez que, a despeito da época aparentemente recente, em que foram executadas

(início da segunda metade de nosso século) o autor não parecia conhecer ou se preocupar,

com a busca de originalidade ou com prezada estilização dos modernistas. Mas pelo

contrário, parecia permanecer dentro de padrões de inspiração acadêmica, mesclando

influências do barroco e do kitsch popular. O professor, entretanto, incentivou-me, dizendo

que este não seria um caso para se questionar se era ou não arte para nossos padrões, mas sim

que enquanto pintura, apresentava, sem dúvida, motivo de interesse para uma pesquisa,

revelando-me que de fato que ele já estivera pessoalmente interessado pelo tema deste pintor,

conhecido como Lazzarini, mas que até então não tivera tempo para se dedicar à essa tarefa.

Eu, contudo, também não daria continuidade ao projeto naquela época, por falta de recursos e

de conhecimentos metodológicos.

Durante este período de graduação, no qual optei pela ênfase em Desenho, comecei a

interessar-me pelas técnicas da pintura mural, campo em que meu professor-orientador da

época, Juan Amoretti, executava experiências extracurriculares. Com a convivência e

amizade, desenvolvida durante o curso, com esse artista de origem peruana que tivera

formação dentro de uma linha acadêmica tradicional, e junto com alguns poucos colegas

passei a auxiliá-lo na execução de pinturas murais, em atividades extra-classe. Nestas

oportunidades ele aproveitava para nos ensinar técnicas do muralismo, que só não eram

ensinadas em aula, devido à rígida orientação modernista do curso que defendia a ideologia de

que: "técnica não se ensina num curso superior, quem quiser aprendê-las que compre estes

livros vulgares", "técnicas limitam a criatividade do aluno, que acabam presos a elas", ou

ainda que, "técnicas devem ser desenvolvidas pessoalmente e de maneira original". Uma

espécie de desprezo por conhecimentos arduamente desenvolvidos através dos séculos em

favor da novidade a qualquer custo. A esta altura, por inclinações pessoais, que me levavam a

acreditar que nem toda herança tradicional, principalmente a técnica, deveria ser desprezada,

mas conhecida em seus princípios, para que fosse possível uma recriação consistente, passava

a considerar mais estimulante o trabalho externo que as próprias aulas, optei por executar meu

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trabalho de graduação dentro da linguagem da arte mural, através de um projeto realizado

junto à capela de uma comunidade de meu município (Caemborá, Nova Palma).

Durante meus trabalhos na Capela de Cristo Redentor, algumas pessoas vinham

observar. Entre estas, um senhor mais idoso, fez uma observação quanto a diferença existentes

entre minha técnica de execução e àquela que ele presenciara em sua adolescência, quando o

pintor Angelo Lazzarini executava os murais da capela de Novo Treviso (Faxinal do Soturno,

RS). Apesar de minha insistência para que ele lembrasse de detalhes, comentou-me que,

apenas lembrava que Lazzarini não pintava olhando diretamente para a parede (teto no caso),

mas sim olhando a imagem refletida em um espelho enquanto se mantinha em posição vertical

nos andaimes. Achei esse detalhe técnico muito curioso na época, mas ele foi confirmado

como um recurso autêntico utilizado por Lazzarini, conforme uma entrevista realizada com

outra pessoa.

Mais tarde, fiquei sabendo que em uma igreja de um município da região (Paróquia de

São José, Pinhal Grande, RS), também havia murais até data recente. Mas devido ao mau

estado de conservação destas pinturas, o padre ao constatar a inexistência de mão de obra

especializada na região e a falta de recursos econômicos para uma restauração, optou por uma

solução drástica: uma repintura completa em cor branca que por sua vez destruiu os antigos

murais. Isso me convenceu da necessidade urgente de estudos que contribuam para a

divulgação da existência dessas obras, no meio acadêmico. Pois, acredito que isso, de alguma

forma, as valorizaria enquanto objeto de pesquisa, contribuindo para seu reconhecimento,

enquanto valor cultural e, quem sabe indiretamente para despertar a consciência da própria

comunidade para a preservação do patrimônio. Portanto, toda essa situação corroborou para

que finalmente eu tomasse coragem em desenvolver um projeto, mesmo que modesto em seu

conteúdo, mas que, de alguma forma, contribuísse para a realização de um registro inicial que

proporcionasse o resgate dessa produção histórica para o campo dos estudos artísticos, de

modo a tornar visível este caso à pessoas interessadas nesta área, para que dessa forma fosse

possível viabilizar a realização de futuras pesquisas.

O tema abordado nesta pesquisa é a pintura mural religiosa de Angelo Lazzarini,

executada em igrejas da região da Quarta Colônia de Imigração Italiana do Rio Grande do

Sul, e o período básico em que se concentra esta análise, corresponde ao intervalo de oito

anos, situado entre 1955 e 1963. Limite escolhido, com base em uma pesquisa de caráter

exploratório realizada em 13 das principais igrejas (que possuem pinturas murais), localizadas

dentro da região em estudo. Região cuja extensão geográfica abrange, convencionalmente,

nove municípios: Faxinal do Soturno, Nova Palma, Dona Francisca, Ivorá, São João do

Polêsine, Pinhal Grande, Restinga Seca, Silveira Martins e Santa Maria, integrantes da Quarta

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Região de Imigração Italiana, localizada na Região Central do estado do Rio Grande do Sul

(ver anexo C). Esses municípios possuem muitas características culturais em comum, devido

à formação histórica da qual compartilham. Surgidos a partir de loteamentos planejados e

colonizados por imigrantes italianos, ou ainda pela migração interna destes grupos que

contribuíram para a formação de municípios próximos, hoje também considerados como

integrantes da Quarta Colônia.

A escolha deste limite espacial foi influenciada pelos valores religiosos e culturais

comuns partilhados entre esses municípios. Tais como a forte influência histórica da igreja

católica na organização social que, no passado e mesmo no presente, ainda se reflete na

valorização da igreja como principal centralizadora de eventos comemorativos, festivos ou

rituais religiosos importantes na coesão social desses grupos. Valorização que se manifestou

historicamente no empenho e esforço comunitário despendido nas realizações arquitetônicas

religiosas, e no patrocínio de trabalhos ornamentais para esses locais, incluindo-se, aí, as

pinturas murais. Portanto, estas semelhanças histórico-culturais foram condicionantes da

escolha da região como limite geográfico desta pesquisa.

Considerando a inexistência de estudos sistemáticos anteriores, sobre a produção

artístico-religiosa da região em estudo, serão utilizadas como principais referenciais teóricos

algumas estrtégias derivados das obras de: Panofsky, Arnheim e Wölfflin. De Erwin Panofsky

serão utilizados como referências, postulados teóricos da Iconologia, estabelecidos nas obras

Significado nas Artes Visuais (1979) e Estudos de Iconologia (1986). Instrumento teórico que

nos pareceu bastante adequado para esse trabalho de análise de formas figurativas

antropomórficas que, como sabemos, constituem a quase totalidade das pinturas a serem

analisadas neste trabalho. Para esta fase, serviram ainda, como principais referências

auxiliares, textos de Louis Réau, André Grabar, Émile Mâle e Carlo Ginzburg. Como

complemento ao estudo de base iconográfica, onde o ponto de vista de Panofsky é mais

conteudístico que formal, foram utilizadas referências a Rudolf Arnheim, no intento de

aprofundar o estudo de elementos compositivos sempre que estes se mostraram essenciais

para a posterior compreensão de elementos importantes na construção do espaço e das formas

dessas pinturas.

Quanto à sistematização dos temas mais freqüentes, personagens recorrentes ou

características estilísticas, o procedimento utilizado é decorrente das constantes que os

próprios murais forneceram, tomando como exemplo o clássico estudo de Wölfflin, Conceitos

Fundamentais da História da Arte. Nesse caso, porém, não tentamos simplesmente aplicar

categorias forçosamente adaptadas a partir da obra deste autor, mas sim utilizar sua

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metodologia como exemplo, a partir do qual procedemos à identificação de situações próprias

que visam facilitar a compreensão da produção analisada.

A análise formal e iconográfica foi realizada, basicamente, a partir de documentação

fotográfica realizada sobre as pinturas murais da região. Como fonte de estudos comparativos

foram utilizadas reproduções gráficas, oriundas de livros sobre a pintura brasileira e européia

ocidental. É necessário justificar que, mesmo reconhecendo não ser a forma mais adequada,

devido às circunstâncias econômicas e geográficas, esse método tornou-se, nesse caso, a única

forma viável de acesso às obras da tradição.

Devido a limitações como: a falta de recursos econômicos suficientes para custear a

contratação de um fotógrafo profissional, a burocracia que impede o afastamento de

equipamento digital da universidade pelo período necessário para a pesquisa de campo, e a

falta de equipamento adequado, tivemos como resultado algumas situações onde as imagens

obtidas não correspondiam totalmente ao nosso propósito. Mesmo assim, procuramos superar

nossas dificuldades e dentro do que as circunstâncias permitiram, efetuamos um arquivo

visual da obra de Lazzarini utilizando equipamento fotográfico comum com foco fixo de

35mm e filmes ISO 400. Mais tarde essas imagens foram digitalizadas e arquivadas em

formato TIFF, para posterior inserção no texto. Devido a baixa qualidade dos originais, o

resultado impresso em alguns casos deixa a desejar, devido ao fato de que essas imagens

necessitaram ser ampliadas para um tamanho que julgávamos, razoavelmente adequado à

tarefa de visualização analítica, o que acasiona, por vezes, numa perda de definição. Uma vez

que nossa ênfase de estudo, não recai especialmente sobre característiscas cromáticas, item

em que nossas figuras poderiam ser questionáveis, em relação à fidelidade ou capacidade de

fornecerem uma idéia suficientemente aproximada dos originais de Lazzarini, decidimos,

portanto, conservar mesmo assim algumas destas imagens neste trabalho, devido,

principalmente à importância elucidativa, em termos formais, como base para identificação

dos referenciais iconográficos, para fins de fundamentação e como base de comparação em

relação aos posicionamentos críticos assumidos pelo texto, em relação a estes aspectos.

Devido à necessidade de complementar as poucas informações documentais

existentes, com dados fornecidos por pessoas que presenciaram a realização das pinturas,

algumas dessas, já muito idosas, optamos pela utilização do formulário; técnica que consiste

numa lista informal destinada à coleta de dados, a partir de observações e interrogações, cujo

preenchimento é feito pelo próprio investigador (ver modelo em Anexo G). Entre as

vantagens que consideramos na escolha desse método destacam-se: a possibilidade de

perguntas mais complexas, a razoável garantia de uniformidade na interpretação de dados e

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dos critérios pelos quais são fornecidos e a possibilidade de ser aplicada a analfabetos,

vantagem que não ocorre, por exemplo, com a técnica do questionário.

As fontes documentais foram utilizadas, como recurso auxiliar na análise das imagens,

visando suprir as deficiências de informações históricas, uma vez que inexiste uma biografia

sobre este pintor. Entre as fontes escritas remanescentes constam, principalmente:

documentos relativos a contratos de trabalhos e comentários oriundos de atas e livros do

tombo, existentes em casas paroquiais, além de dados complementares fornecidos pelo Centro

de Pesquisas Genealógicas de Nova Palma, instituição que reúne rara documentação relativa à

formação histórica dessa região central do estado.

A sistematização desses dados seguiu procedimentos derivados da análise qualitativa

conhecida como estudo de caso. Partindo das questões de pesquisa anteriormente formuladas,

procurando agrupar as imagens segundo padrões tais como: elementos de iconografia comum,

similaridade temática, casos atípicos para função de contraste e outras constantes que se

evidenciaram no decorrer da pesquisa.

Na análise da pintura mural religiosa de Lazzarini, destacamos como objeto de

pesquisa a pintura mural figurativa, da qual analisamos, com ênfase especial, alguns aspectos

do que chamaremos processo de construção e o resultado plástico.

O processo de construção é visto dentro de uma cronologia histórica, determinada a

partir de uma ordenação, baseada na identificação do período de execução dessas obras e

procura enfatizar os detalhes técnicos, os processos específicos utilizados, bem como os

demais conhecimentos envolvidos, tanto na conceitualização, quanto na manufatura das obras.

Tendo como propósito a compreensão de aspectos do desenvolvimento artístico, ou evolução,

aqui entendida no sentido de mudanças ou adaptações de técnicas, perceptíveis na obra

finalizada quando comparada a outras que a antecederam.

O resultado plástico foi estudado a partir de seus aspectos formais, de suas relações

com a iconografia histórica e de seus aspectos conceituais construídos na relação com o

público, reconsiderados a partir de documentos da época de realização dos murais. Além

disso, buscamos, dentro de nossas possibilidades, situar esta produção em relação às

condições do ambiente de origem e a história da arte mural religiosa, na tentativa de constituir

e expressar nosso ponto de vista crítico atual, em relação a estes murais no que se refere a

questões de estilo e influências da cultura de massa.

Como questões principais que orientam esta pesquisa, procuramos considerar: Em que

medida as pinturas murais de Lazzarini se aproximam ou se inspiram nos padrões

tradicionais, ou quanto os ignora ou os inova, no que se refere a elementos formais e

Page 19: 1-dissertação

18

iconográficos. A partir do que buscamos determinar, aproximadamente, os limites desta

provável influência de padrões europeus na construção desta produção mural localizada numa

região interiorana do Rio Grande do Sul. A segunda questão procura identificar: Quais os

principais processos técnicos envolvidos nesta atividade. Informações que visam facilitar a

compreensão sobre em que medida, estas condições materiais, contribuíram para o resultado

específico desta produção muralista. E, por último este estudo busca identificar: Quais foram

as principais condições determinantes, para a execução das pinturas murais nas igrejas

da Quarta Colônia, principalmente, no período que vai do início dos anos 50 até metade da

década de 60, procurando esclarecer os motivos de uma produção artística aparentemente

"deslocada no tempo", quando comparada a inovações estilísticas que ocorriam na arte

religiosa moderna.

Este ensaio observa a seguinte organização e desenvolvimento: no primeiro capítulo,

após a sistematização dos murais por grupos de semelhança temática, analisamos o resultado

plástico sob o aspecto formal, destacando características compositivas espaciais e, também,

sob o aspecto do conteúdo, no qual procuramos destacar características iconográficas que

remetem a longínquas conexões intermediadas pela história da arte.

No segundo capítulo, buscamos, por meio de uma via indireta, recuperar informações

sobre alguns aspectos técnicos, do processo de construção destas obras, através do recurso

de uma reconstrução histórica aproximada. Para tal propósito, nos baseamos em dados

fornecidos por uma pesquisa bibliográfica básica na área técnica, em informações obtidas

pelas entrevistas, na análise de alguns parâmetros de obras observadas in loco e nos resultados

de sua sistematização posterior.

No terceiro capítulo, buscamos analisar o processo de construção dos murais de

Lazzarini, em meio ao ambiente histórico artístico e cultural, procurando destacar as

influências, e mesmo as resistências que caracterizaram esta produção. Neste ponto, todas as

etapas anteriores, servirão, então como base para a análise do resultado plástico, já

considerado por intermédio da ótica de sua recepção crítica. Isto se dá através de uma

discussão de ênfase histórico-social, sobre a forma como a produção imagética de Lazzarini

foi recebida por seus contratantes, de acordo com documentos históricos, e, por último por

meio do ponto de nosso vista atual. A partir do que tentamos expor nosso posicionamento

sobre a obra de Lazzarini, a partir de uma análise estilística, em que é destacada, também, a

discussão sobre as influências da cultura de massa na referida produção.

Page 20: 1-dissertação

19

Capítulo I

1. A Iconografia dos Murais de Angelo Lazzarini

As análises iconográficas que constituem a primeira parte deste trabalho foram

elaboradas a partir da identificação dos temas mais recorrentes nas igrejas pintadas por

Angelo Lazzarini entre os anos de 1955 e 1963 na região da Quarta Colônia. Na seleção

destes temas foram observados os seguintes critérios: em primeiro lugar a freqüência

iconográfica; e em segundo os murais que apresentassem importância auxiliar na

compreensão dos grandes temas, ou que devido à unicidade de composição se destacassem

pelo contraste em relação às representações convencionais, ainda que não estivessem

incluídos entre as temáticas mais freqüentes.

Este texto desenvolve-se através de analogias, formais e temáticas, entre as obras de

Lazzarini e outras imagens já pertencentes ao campo de estudo da história da arte. Procura,

com isso, caracterizar a produção visual deste artista, por comparações que ressaltam

semelhanças e dissonâncias entre as diversas obras. No primeiro capítulo, foram utilizados

conceitos derivados da análise iconográfica. Instrumento teórico que não enfatiza os juízos de

valor hierarquizantes estruturados sobre as pretensas qualidades artísticas valorizadas pelo

mercado de arte, e que possibilita reunir, em análise interpretativa, obras de artistas pouco

conhecidos, junto às de mestres consagrados pela crítica e pela história, porque: “do ponto de

vista iconográfico a obra de um artista medíocre tem tanto ou mais valor que a criação de um

artista de gênio.” (RÉAU, 1956, p. 03).

Page 21: 1-dissertação

20

A análise formal, inspirada nos trabalhos de Rudolf Arnheim, também foi utilizada,

mas como um complemento à abordagem de conteúdos derivada da iconologia de Erwin

panofsky. Apesar da teoria da arte ter, historicamente, exacerbado as diferenças existentes

entre os dois métodos, que divergem quanto ao objetivo de suas respectivas abordagens,

buscamos desenvolver nesse trabalho uma abordagem conciliatória. E, por se acreditar na que

pontos de vista diferenciados, por vezes, também podem ser complementares, todos os

esforços foram aqui direcionados no sentido de aproximar elementos de afinidade, como por

exemplo, o caráter descritivo de configurações do formalismo que encontra correspondência

no Tema Primário da análise iconográfica de Panofsky. Considerando que, de acordo com

este autor, também é função da iconografia “a identificação de formas puras; ou seja,

configurações de linha e cor” (PANOFSKY, 1991, p. 50). Apesar dessa atividade ser

considerada um estágio primário da análise iconográfica e não um objeto principal de estudo,

como no caso de uma abordagem essencialmente formalista.

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21

Figura 01 Lazzarini: A Criação do Mundo, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

1.1 Antigo Testamento

1.1.1 A Criação do Mundo

Os murais derivados de narrativas

do Antigo Testamento são pouco freqüentes

no conjunto da obra de Angelo Lazzarini. A

Criação do Mundo foi um destes temas.

Abordada em duas ocasiões: a primeira

versão foi escolhida para dar início a um

ciclo de pinturas, no teto da nave central da

Igreja Santíssima Trindade (Figura 01), em

Nova Palma (1955), e a segunda foi

executada na parede direita do presbitério da

Igreja de São Roque, em Faxinal do Soturno

(1956). Neste caso, como uma imagem

isolada de seqüência que encontra o único

contraponto de semelhante gênero na cena

de Moisés e o Decálogo, pintada na parede

oposta. Apesar disso, a Criação da Igreja

Matriz de Faxinal do Soturno situa-se em

local de destaque no espaço arquitetônico

circundante ao altar. Posição que parece

indicar a existência de certa simpatia pelo tema do Criador, como algo especial cuja

justificação simbólica da proximidade com o altar, provavelmente, ia além da simples atitude

pragmática decorrente da necessidade de se marcar o início de um ciclo cronológico, a partir

de temas do Antigo Testamento.

Em ambas as cenas da Criação do Mundo, Deus Pai é representado sob a forma de um

ancião de barbas brancas. Iconografia que, mais tarde, se consolidou como o padrão constante

ao qual Lazzarini recorre em todos os demais temas que exigem a presença do Padre Eterno.

As formas iconográficas históricas, precursoras desse modelo em que o pintor baseou as suas

representações, derivam da interpretação literal de uma das visões místicas registradas no

Livro de Daniel (7,9): “E eu continuei a olhar e eis que de um ímpeto o ancião dos dias se

colocou sobre o trono. Suas vestes são brancas como a neve, e sua cabeça tem a aparência da

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22

pura lã”39 (Livro de Daniel apud RÉAU, 1956 b, p. 08. Destaque nosso). Os primeiros

exemplos de interpretação plástica dessa passagem, conhecida como o Ancião dos Dias,

aparecem na arte bizantina do século XI, em imagens que apresentam um venerável ancião,

com longos cabelos e barbas brancas pairando sobre nuvens, entronado em glória num espaço

em forma de mandorla40. Esta representação antropomórfica de Deus foi, aos poucos,

conquistando maior aceitação, de tal forma que, mais tarde, veio a substituir o antigo

simbolismo da Mão Divina41 (GRABAR, 1991, p. 110). Formas alternativas também foram

experimentadas na busca de um modelo aceitável de representação do Criador. Em algumas

iluminuras medievais utilizou-se o recurso da substituição da figura de Deus Pai pela do

Cristo (identificada pelo nimbo cruciforme) nas cenas da Criação do Mundo. Alteração

iconográfica que era autorizada pelas interpretações correntes na época. Baseados no Gênesis,

justificavam que em conformidade com o texto bíblico, Deus Pai, ao dizer: - “Faça-se a luz, e

a luz foi feita”, havia criado pelo Verbo, mas, sendo o Verbo considerado sinônimo do Filho

de Deus, deduziam não haver erro teológico em tal substituição de imagens42.

No final da Idade Média, sob a influência de uma arte mais realista, a figura de Deus

Pai passa a ser representada com os atributos do papa e do imperador. E, em imagens do

século XIV e XV, aparece, por vezes, portando uma coroa imperial, ou ainda, com maior

freqüência, uma tiara com cinco coroas (para distinguir-se da tiara de três coroas, a insígnia

que identificava o papa).

39 A tradução portuguesa publicada na Biblia Sagrada. Versão da CNBB, 2002, apresenta esse texto nos seguinte termos: “Eu continuava olhando: tronos foram instalados e um ancião se assentou, vestido de branco igual a neve, cabelos claros como a lã”. (Dn: 7, 9-10). Nota-se que, apesar de concordar quanto à descrição do personagem, esta versão já não utiliza a expressão: “Ancião dos Dias”.

40 Cf. Grabar (1991, p. 110). Mandorla: detalhe que corresponde a uma espécie de halo luminoso que envolve a persona divina. Sabe-se que servia como convenção para expressar que as imagens inseridas em seu campo eram alheias ao mundo visível. Uma precaução importante para uma época onde havia o constante temor de se entrar em conflito com a idéia de que Deus não poderia ser representado por imagens.

41 Cf. Grabar (1991, p. 110). A mão que sai em meio às nuvens, teria sido a primeira forma de representação iconográfica de Deus utilizada pelos cristãos. No entanto, o protótipo mais antigo desta iconografia é encontrado na arte judaica, conforme atesta um afresco em uma sinagoga de Doura-Europos na Síria, que data do início século III d.C.

42 Interpretação teológica, provavelmente decorrente de estudos fundamentados em João (1,1-3), que inicia seu Evangelho afirmando: “No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e o verbo era Deus”.

Page 24: 1-dissertação

23

Figura 03 Tintoretto: A Criação dos Animais. Galeria da Academia de Veneza.

Na Renascença, dentro do

espírito de retorno à Arte Antiga,

a Tiara foi suprimida, e a figura

do Ancião dos Dias ou Imperador

Celeste passou a se assemelhar

ao Zeus olímpico da mitologia

grega (RÉAU, 1956a, p. 09). A

antiga iconografia medieval que

apresentava Deus Pai em pé ou

sentado em posições estáticas,

inserido em um espaço

metafísico, é substituída a partir

do século XIV pelo modelo no

qual o Criador se eleva planando

nos céus de um mundo

fenomênico. Fórmula que passa a

delinear os parâmetros de uma

renovação iconográfica, logo

consagrada pelas cenas da

Criação de Michelangelo (Capela

Sistina, 1508 -1512) e de Rafael

(Figura 02). Inicia-se, então, um

processo de ampla divulgação, através de Guido Reni na Itália e, mais tarde, por Vouet e

Poussin na França, o que vêm a alicerçar esta longa tradição, cujos reflexos tardios ainda se

fazem presentes na obra de Lazzarini.

Entre as prováveis influências iconográficas que permeiam a Criação do Mundo da

igreja matriz de Nova Palma, é possível perceber que há referências a um padrão de

inspiração clássico renascentista que transparece: na forma helenizada do rosto do Criador, na

posição com que o corpo se projeta no espaço, e mesmo através do detalhe da orla do manto

esvoaçante. O mesmo vale para os gestos e formas compositivas que parecem remeter à

Criação do Homem de Michelangelo e, principalmente, à Criação dos Animais, de Tintoretto

Figura 02 Rafael: A Criação do Mundo, 1516 – 1518. Loggia do Vaticano.

Page 25: 1-dissertação

24

(Figura 03). Neste ponto se torna oportuno questionarmos os meios pelos quais Lazzarini teve

acesso a tais modelos. Apesar de não se dispor de uma resposta amparada por suficiente

documentação, os indícios existentes apontam a possibilidade de que os modelos tenham sido

transmitidos por meio das reproduções em cromos coloridos que este pintor geralmente

utilizava para compor suas obras. No entanto, não é de se desconsiderar a suposição de que

ele tenha conhecido algumas das obras originais destes mestres, com maior probabilidade as

de Tintoretto, ou mesmo que tenha executado estudos a partir de alguma obra desse artista

veneziano. Pois, de acordo com o depoimento de Francisco, filho de Angelo Lazzarini, seu

pai vivera por 17 anos na Itália, período em que alternou residência entre Veneza e Bolonha.

Sendo que na última cidade teria aprendido o ofício de pintor43.

Na cena representada em 1956, na Igreja de São Roque de Faxinal do Soturno,

percebe-se a ocorrência da justaposição dos detalhes referentes aos vários dias da Criação44,

em uma síntese que reduz os seis dias da gênese à apenas uma cena (Figura 04). Além da

imagem do primeiro casal humano, essa composição apresenta vários animais terrestres e

marinhos, sob um firmamento repleto de formas. Nota-se que no caso da primeira

representação da Criação do Mundo, localizada em Nova Palma, não houve a mesma profusão

na representação de corpos celestes ou de criaturas animadas. Isso decorre, em parte, do

exíguo espaço existente entre as cornijas do teto, perante o qual se pode inferir que

dificilmente um pintor poderia acrescentar tal número de detalhes sem saturar a composição.

Essa possibilidade pode ser considerada tendo em vista que a pintura de murais em tetos

apresenta problemas para a composição proporcional. Com freqüência, são necessários alguns

ajustes na dimensão das imagens para que se torne possível à perfeita visualização das formas

representadas. Pois, na pintura de tetos, detalhes importantes que poderiam parecer

43 Cf., Amábile Echer Loro, (em entrevista realizada no dia 16 de outubro de 1999, em Santa Maria), a informação que ela dispunha era de que Lazzarini teria estudado Belas Artes na Universidade de Bolonha. Durante o desenvolvimento desta pesquisa, através da análise do nível técnico empregado em suas obras passamos a levantar a hipótese de que ele tivesse estudado em alguma escola técnica. O que talvez esteja mais de acordo com o cartão de visitas utilizado pelo pintor, pelo qual ele apresentava-se como “Angelo Lazzarini da Academia de Bolonha [Itália], especialista em pinturas e decorações de Igrejas, obras de arte, renovação de imagens e altares”. (Ver anexo D).

44 Cf., Réau (1956, p. 66), a obra dos seis dias, raramente foi representada integralmente na arte medieval, provavelmente devido a dificuldades de concordâncias tipológicas, entre os atos da criação, e eventos correspondentes no Novo Testamento. Por isso geralmente os ciclos eram condensados em uma só cena. “Entretanto os mosaicos bizantinos e baixos relevos dos portais das catedrais góticas oferecem muitas vezes os ciclos completos”.

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25

Figura 04 Lazzarini: A Criação do Mundo, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS. Foto: Roque Della Méa.

perfeitamente visíveis no caso de

um quadro de cavalete do qual o

espectador têm a possibilidade de

se aproximar, podem se tornar

imperceptíveis nesse caso, devido

ao limite para variações de

distância que espaço arquitetônico

impõe à visualização de um mural.

Diante deste problema que pode

ser acentuado no caso de haver

limites conflitantes na área

disponível para a representação de

uma cena com vários personagens.

A alternativa mais viável consiste na redução do número de figurantes, ao essencial, sem que

para tanto seja necessário modificar consideravelmente as proporções ou causar qualquer

inadequação para a visualização das formas. Esta, portanto, parece ser uma das razões da

sobriedade do conjunto relativo à Criação do Mundo de Nova Palma, quando comparada à

Criação do Mundo de Faxinal do Soturno localizada numa parede lateral, em plano mais

baixo e, portanto, mais próximo do olhar dos espectadores.

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26

1.1.2 A Expulsão do Paraíso

Na Igreja da Santíssima

Trindade, a cena da Expulsão (Figura 05)

destaca a figura do querubim com a espada

flamejante, situado na parte central da

composição. Localização que o destaca em

relação às figuras de Adão e Eva,

representados logo abaixo. Pois, apesar

destes terem sido colocados em primeiro

plano, eles não dispõem de uma importância

visual relevante, pela posição deslocada que

ocupam em relação ao conjunto, e pelo

pequeno espaço compositivo que lhes foi

dedicado, uma vez que são apresentados,

apenas em meio corpo, afastados do centro

visual da imagem.

Ao se avaliar as qualidades emotivas

destes personagens, ou seja, aquilo que

Panofsky enquadra no significado

expressivo45, nota-se que no rosto do casal

a exteriorização das condições psicológicas

é muito sutil. E, que até mesmo na face do

anjo parece ocorrer esta contenção emotiva,

pois apesar da autoridade dos gestos, uma serenidade clássica persiste em seu rosto. Percebe-

se, ainda, que a expressão tristeza do rosto de Adão é apenas sugerida de forma indireta, pois

ele esconde a face entre as mãos à maneira grega, sob o olhar de uma Eva cabisbaixa. O

padrão utilizado na configuração deste casal, representado por Lazzarini, torna possível que se

estabeleçam comparações de semelhança com a configuração utilizada por Masaccio na cena

45 Cf. Panofsky (1991, p. 50) O significado expressivo abrange aquelas características psicológicas que podemos identificar, tanto no "[...] caráter pesaroso de uma pose ou gesto, ou na atmosfera caseira e pacífica de um interior", e constitui junto com o significado fatual; relativo às configurações de linha e cor ou objetos facilmente identificáveis pela nossa experiência, aquilo que este teórico denomina Significado Primário ou Natural que freqüentemente constitui o primeiro passo para um estudo iconográfico, por isso, também chamado de estudo pré-iconográfico.

Figura 05 Lazzarini: A Expulsão do Paraíso, 1955. Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS.

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27

da Expulsão do Paraíso da Capela Brancacci. Mesmo, ao se considerar que os traços faciais da

Eva de Lazzarini, não apresentam aquele tipo de expressão, característica de desespero,

alcançada na obra do mestre italiano do Quatroccento.

Na cena da Expulsão

encontrada na Igreja de São Roque

(1956), Adão e Eva são

representados de costas (Figura 06),

já com maior teatralidade nos gestos.

Ambos, vestidos com túnicas,

contrastam com a pureza da nuditas

virtualis46, que dispunham antes da

queda. Desse modo, se diferenciam

da primeva condição natural com

que foram representados em uma

cena complementar sob a legenda de

Paraíso Terrestre (Figura 07). Um

símile da gravura que inspirou o trabalho de Lazzarini foi reproduzido, em 1993, numa

publicação religiosa de Paulo Bazaglia (1993, p. 179), sob a denominação de: A Criação e

Benção do Primeiro Casal. Apesar de se desconhecer a legenda original da antiga imagem, é

possível afirmar pela análise da iconografia que se trata de um episódio sacro

cronologicamente precedente à Expulsão, e que corresponde ao período em que o primeiro

casal ainda se encontrava no Paraíso. Essa obra exemplifica um dos poucos casos em que

Lazzarini teve que lidar com o tema da nudez. Situação na qual se percebe que ele buscou dar

continuidade ao uso de recursos visuais tradicionais, para enfrentar uma questão,

possivelmente, problemática em relação ao senso moral e religioso da época.

46 Cf. Panofsky (1991, p. 133) a Nuditas virtualis, de acordo com teologia moral da Idade Média, era uma forma de nudez associada à inocência. Outras classes eram assim discriminadas: Nuditas naturalis – estado natural humano, humildade. nuditas temporalis decorrente da pobreza voluntária ou imposta. nuditas criminalis: associada à falta de virtudes e vaidade.

Figura 06 Lazzarini: Expulsão de Adão e Eva, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

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28

O problema da nudez, desde as primeiras representações históricas do tema,

confrontou a moral dos pintores cristãos, sendo solucionado de diferentes maneiras. Conforme

Schapiro (1987, p. 231), os bizantinos teriam utilizado o nu em cenas da Expulsão do Paraíso,

mas os ocidentais teriam optado pelas túnicas. Nas catacumbas romanas do Cemitério Maior,

Adão e Eva ao serem representados na cena em que provam o fruto da árvore da ciência do

bem e do mal47, já apresentam o corpo semi-encoberto por pequenas folhagens ou tecidos.

Em outro mural, numa cena de temática semelhante, na Via Latina, ambos estão vestidos com

peles de animais, pois, somente mais tarde, sob a influência pagã e classicisante do

Renascimento é que ocorre a mudança onde, conforme Berguer (1971, p. 27), "cenas da

tentação, queda e expulsão do paraíso tornam-se uma mera desculpa para retratar corpos nus

em toda sua beleza”.

Ao lidar com o dilema da

exposição do nu ao olhar dos fiéis,

Lazzarini permanece fiel à tradição

de ocultar partes do corpo do casal,

pelo recurso das folhagens

providenciais e pela forma dos

longos cabelos da mulher. Decisão

possivelmente motivada tanto pelos

modelos em que se inspirava, quanto

pelo seu temperamento, que parece

coincidir com o de um homem

religioso, que não buscava polemizar

pelo caráter inovador de seu ofício.

Mas sim, antes de tudo, realizar

dentro dos seus limites um trabalho que se enquadrasse nos padrões do belo piedoso e que,

portanto, concordasse com as exigências morais das cidades e pequenos núcleos interioranos,

nos quais desenvolve a maior parte de sua obra.

47 Nota-se que esta árvore do relato bíblico encontra afinidades em narrativas mítico-religiosas de vários povos da Antigüidade. Cf., Mircea Eliade (1995, p. 124), a mitologia nórdica cita a existência de uma árvore da vida chamada Yggdrasil, na Epopéia suméria de Gilgamesh, existe uma árvore da juventude, assim como em outros mitos encontrados no Irã e na Índia.

Figura 07 Lazzarini: Paraíso terrestre, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

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29

1.1.3 A Morte de Abel

A sublimação de expressões emotivas,

que por vezes ocorre nas cenas da Expulsão do

Paraíso, parece não se aplicar em relação ao

movimento dos corpos, principalmente, em

passagens do Antigo Testamento que descrevem

de atos violentos. Esse é o caso de uma cena

subseqüente à Expulsão: A Morte de Abel

(Figura 08), em que a tensão do tema deixa

transparecer uma expressividade barroca. Nesse

mural, o irmão fratricida assume uma dimensão

esmagadora, seu rosto permanece semi-oculto

pelos músculos retesados do ombro, no gesto de

subjugar o irmão que, ajoelhado, estende a mão

nua num gesto de clemência. Enquanto o corpo

de Caim se inclina, um joelho é semiflexionado

e o outro perfaz uma linha diagonal em

continuidade ao corpo. Gesto, muito comum aos

frisos e estátuas gregas de guerreiros, cujo

detalhe de composição é, convencionalmente,

chamado de diagonal heróica48. Embora o

termo possa parecer irônico quando aplicado a

esta cena. Sabe-se que historicamente este recurso visual também foi utilizado para

representar malfeitores, pois na Grécia Antiga, “[...] a diagonal heróica foi utilizada por

Crítias e Mesiontes na representação dos tiranos assassinos Harmódio e Aristogíton, que

constituem o primeiro exemplo de esculturas independentes, na posição vertical” (BERGER,

1956, p. 162). Na iconografia do assassínio de Abel, esta posição do agressor, possivelmente,

resulta de alguma influência clássica tardia, presente na gravura que Lazzarini utilizou.

Outra forma que contribui para o impacto de violência causado pela cena é o detalhe

da arma utilizada por Caim, descrita no momento em que antecede o golpe mortal. Conforme

48 Cf. Clark, foi uma convenção muito aceita em épocas remotas, que “[…] a figura que avançava com uma perna curvada e com a outra formava uma linha reta prolongando a linha das costas seria um símbolo de energia e resolução” (1956, p. 162).

Figura 08 Lazzarini: A Morte de Abel, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

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30

Schapiro, esse detalhe iconográfico já foi descrito em diferentes versões, na arte bizantina o

instrumento utilizado era uma pedra, no norte da Europa devido a uma provável contaminação

com a iconografia de Sansão, a arma era uma queixada (Figura 09), ou uma clava. Por vezes,

esses atributos eram substituídos por outros instrumentos tais como o gadanho ou a enxada,

por serem, naturalmente associados à atividade de Caim, que era agricultor. Porém, para o

historiador inglês, isto é incoerente com o próprio texto bíblico que atribui a invenção da

metalurgia a Tubalcaín, personagem de uma geração bíblica posterior (SCHAPIRO, 1987, p.

231).

Na antiga gravura em que, Lazzarini baseia sua pintura (Figura 10), Caim é

representado segundo esta antiga tradição norte européia, com uma arma cuja forma, se

assemelha a uma enxada. Ao adaptar o tema ao mural, Lazzarini, no entanto, toma a liberdade

de substituir esse modelo, optando por representar uma clava de madeira como a arma do

crime. Apesar do texto bíblico não definir o instrumento utilizado, esse pintor assim como os

antecessores europeus, por alguma influência não identificada ou mesmo por confluência do

acaso, apresentam concordâncias com os textos apócrifos do Primeiro Livro de Adão e Eva49

(Cap. LXXIX). Relato que narra, o desentendimento dos irmãos, com uma profusão de

detalhes não relatados no texto bíblico, entre os quais a descrição do ataque de Caim, que

utilizando um bastão de madeira, teria ferido gravemente a Abel. Este, então, teria suplicado

ao irmão agressor que não prolongasse seu sofrimento e num ato de compaixão concluísse o

cruel intento “com uma pedra”, descrição que, de certa forma, dá razão tanto à iconografia

bizantina, quanto à européia, pelo fato de descrever duas diferentes armas como meios

utilizados no fratricídio (TRICCA, 1992, 1929).

49 Cf. Tricca (1992), este antigo texto que apresenta detalhes semelhantes ao Corão e ao Talmude, passou a ser conhecido no Ocidente a partir de uma versão em egípcio.

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31

Figura 13 Gustave Doré: Moisés e a Lei, 1866. Gravura.

1.1.4 Moisés e o Decálogo

Em Nova Palma (Figura 11), ao tratar da

cena descrita pelo Livro do Êxodo, Lazzarini,

provavelmente, utiliza como modelo uma

reprodução popular feita a partir da cena de Moisés

descendo o Monte Sinai. Composição originalmente

executada sobre metal pelo gravurista francês

Gustave Doré (1832-1883), que em anexo a outras

imagens, utilizou esse tema para ilustrar uma edição

francesa da Bíblia Sagrada publicada em 1866. No

mural a cena é praticamente preenchida apenas pela

figura de Moisés e os Mandamentos, mantendo,

através do limitado número de formas, o caráter

sintético presente em cada cena do ciclo quando

analisada individualmente. Moisés é representado

com a cabeça desnuda ornada pelo estranho detalhe

das duas projeções radiantes que teriam surgido em

seu rosto, após o encontro com Deus.

Conforme Réau (1956a, p. 118), a

iconografia de Moisés já existia, desde a

cristandade primitiva, como atestam os afrescos do

século III, encontrados em Dura-Europos, mas a

forma de representação mais comum até a época

Carolíngia foi a de um jovem imberbe portando um

bastão mágico. O tipo iconográfico de um ancião

com longas barbas, só apareceu mais tarde, assim

como o detalhe dos “chifres” que seriam resultantes

de uma tradução problemática de um versículo da

Vulgata que ao registrar: videbant faciem Moysi

esse cornatum, buscava simplesmente comparar os

raios luminosos com cornos de ouro, mas deu

origem à interpretação: Moysi cornu, ou seja,

Moisés cornudo. São Tomás de Aquino foi um dos

Figura 11 Lazzarini: Moisés e o Decálogo, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

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32

que procuraram recuperar o sentido original ao criticar a interpretação demasiado literal da

versão de São Jerônimo, e propor que se interpretasse cornatum por radiante. Mas ele não teve

êxito, e a iconografia de Moisés com cornos continuou sendo o modelo predominante entre os

séculos XII e XVI. Utilizada, inclusive, por Michelangelo na famosa escultura para o túmulo

do papa Julio II. Réau acredita que a recuperação do verdadeiro sentido e a substituição por

raios luminosos só ocorre a partir de Rafael, através da cena de Moisés e o retorno do Monte

Sinai, com as novas tábuas da lei, modelo logo divulgado também por Fra. Angélico. Na

gravura de Doré, esses detalhes tradicionais herdados do modelo de Rafael ainda se

conservam e são a partir daí, popularizados através de reproduções tardias (Figura 13). E, em

tempos mais recentes, através do modelo utilizado por Lazzarini ao realizar a imagem de

Moisés na Igreja da Santíssima Trindade de Nova Palma.

Na Igreja de São Roque

(Faxinal do Soturno), a cena

correspondente, é mais complexa. Na

base do Monte Sinai, são representados

os hebreus desertores que se prostram

diante de um ídolo personificado como

um bezerro de ouro (Figura 12).

Enquanto que sobre a elevação rochosa

Moisés recebe as primeiras Tábuas da

Lei que lhe são entregues por dois anjos

de Deus. Momento em que permanece

com a cabeça coberta por um manto.

Insígnia que pode traduzir uma

expressão do seu respeito pelo local

santo, ou, talvez, uma referência ao véu

utilizado para cobrir o rosto do líder

religioso que se tornava radiante toda a

vez que ele se comunicava com Deus50.

50 Detalhe lembrado pela historiadora Dra. Ângela Âncora da Luz (UFRJ) durante a avaliação desta dissertação, tendo como base uma passagem do próprio texto do Êxodo (34, 35): “Os israelitas viam o rosto radiante de Moisés, e Moisés tornava depois a cobrir o rosto com o véu, até o momento que entrava de novo para falar com o Senhor”.

Figura 12 Lazzarini: Moisés e as primeiras Tábuas da Lei , 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS. Foto: Roque Della Mea.

Page 34: 1-dissertação

33

Figura 14 Lazzarini:Apresentação da Virgem no Templo, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

1.2 Temas Marianos:

1.2.1 tradição apócrifa e iconografia canônica. A) Apresentação da Virgem no Templo

Este não é um tema freqüente, mas

constitui um importante exemplo da

influência de temáticas originárias de

textos apócrifos na pintura religiosa de

Lazzarini. A Apresentação de Maria no

Templo, justamente por pertencer a uma

tradição pouco conhecida, geralmente

causa estranhamento. De modo que a única

representação dessa cena, no início do ciclo

de murais marianos na Igreja Matriz de

Nova Palma, (Figura 14) é por vezes

confundida com a Apresentação de Jesus

no Templo. Apesar deste último tema já ter

sido representado, por sua vez, na nave

lateral oposta, dentro do ciclo de murais

sobre a vida de Cristo.

Não há qualquer legenda identificando o mural, mas a lógica de seqüência temática, e

o conhecimento de algumas características iconográficas permitem a identificação do tema

que caso fosse considerado isolado do conjunto, tendo como parâmetro, unicamente, a

caracterização dos personagens, poderia realmente impor dificuldades ao olhar incauto. Uma

das principais características que diferenciam o personagem principal da Apresentação de

Maria em relação à Apresentação de Cristo no Templo; é que ela é apresentada,

relativamente, com mais idade, caminhando sozinha e, afastada de seus progenitores,

enquanto que Cristo é apresentado, ainda pequeno, no colo de seus pais.

Esta iconografia originou-se dos textos apócrifos; Proto-Evangelho de Jacó,

Evangelho de Pseudo Mateus e Evangelho da Natividade da Virgem, popularizados no final

da Idade Média pela Legenda Aurea de Jacopo da Varazze. De acordo com essa tradição, o

casal Joaquim e Ana era estéril, condição mal vista pela sociedade da época. Humilhado,

Joaquim então se retirou para o deserto. Neste local, um anjo veio até ele e recomendou-lhe

que voltasse para casa, pois Deus ouvira as suas preces. Joaquim, surpreendido pela dádiva, e

Page 35: 1-dissertação

34

em sinal de seu agradecimento,

decidiu consagrar o futuro filho a

Deus, prometendo entregá-lo ao

templo, para que lá servisse, pelo

resto da vida. Consumada a espera,

Ana concebeu Maria que cresceu

junto a aos pais, até completar dois

anos. Nessa época, Joaquim estava

decidido a levá-la ao templo, mas

Ana aconselhou: “Esperemos,

todavia, até que complete três anos,

para que não tenha saudade de nós”

(TRICCA, 1992, p. 105 - 123).

Cumprido o prazo, ainda receosos de

que Maria chorasse ao ser abandonada pelos pais, aos cuidados dos sacerdotes, levaram-na ao

local sagrado onde, para a surpresa deles, ela subiu sozinha os degraus que davam acesso ao

altar sem que, em nenhum momento, detivesse o olhar em direção aos pais.

Os degraus, que aparecem neste tipo de representação, correspondem a uma escadaria

com quinze degraus que dava acesso ao altar dos holocaustos, no exterior do santuário,

simbolizando os quinze Salmos Graduais, ou Cântico dos Degraus, (cantica graduum)

cantados pelo povo de Israel que subia em peregrinação a Jerusalém (RÉAU, 1957, p. 164).

Mas, desde o fim da Idade Média, essa tradição dos quinze degraus rituais já era raramente

observada pela iconografia do tema. No Renascimento, a Apresentação de Maria no Templo

de Tintoretto (Figura 15), segue, rigorosamente, a tradição, mas o mesmo já não ocorre na

Apresentação da Virgem (1534-1538) de Ticiano (Figura 16). Após a Contra-Reforma, a

escada passa a ter sua extensão reduzida, arbitrariamente, e esta é a forma utilizada por

Lazzarini, (Figura 14) seja por influência da tradição pós Contra-Reforma ou pela simples

comodidade de adequação ao espaço disponível. Semelhante senso de adequação foi

exercitado por Ticiano na Apresentação da Virgem. Necessitando dissimular a interferência

do marco de uma porta, na parte inferior do mural, ele decidiu integrá-la naturalmente à

construção pictórica das pedras da escada do templo. Efeito reforçado pela estranha figura do

vendedor de ovos que, na base da elevação, concentra a atenção do espectador de forma a

conduzir o olhar na direção oposta.

Figura 15 Tintoretto: Apresentação de Maria no Templo. Veneza, Santa Maria dell`Orto.

Page 36: 1-dissertação

35

O tema da Apresentação da Virgem, juntamente com a veneração Santa Ana e São

Joaquim, foi banido do repertório artístico católico pelo papa Pio V, por divulgar crenças não

endossadas pelos evangelhos canônicos. Mais tarde, porém, esta iconografia foi reabilitada

pelo papa Sixto V, de modo que no século XVII esta imagem da consagração da Virgem,

passa a ser um símbolo da vocação sacerdotal (RÉAU, 1957, p. 165).

Com relação a crenças não-bíblicas relacionadas à infância de Maria, também

encontramos, na região da Quarta Colônia, uma antiga imagem em gesso que materializa,

visualmente, a estranha devoção à Virgem Maria Menina, na Igreja de Nossa Senhora de

Pompéia de linha Quarta Sul. Conforme registros encontrados na Paróquia de Santo Antônio

em Silveira Martins, essa devoção era celebrada através de uma festa religiosa popular

tradicional: “[...] festa que é também muito concorrida, em especial, pelas mães que tem

filhinhos de peito, que vêm todas, até de muito longe, para pedir a benção à Mãe do Céu para

sua prole” (Livro de Atas, 1944-1956, folha 2). Descrição de manifestação cultural histórica

que nos fornece indícios de que no passado desta região sobreviviam, também, outras

devoções derivadas da tradição, caracterizando um contexto, no qual, algumas temáticas

apócrifas, dos novos murais, viriam a se integrar como uma espécie de continuidade.

Na obra de Lazzarini, os temas da Apresentação de Maria no Templo, e da Morte de

São José, constituem dois dos principais exemplos desta tradição visual, derivada de textos

cuja inspiração sagrada não é reconhecida pela igreja. Temas que, graças à popularidade que

gozavam junto aos fiéis, sobreviveram à moralização iconográfica pretendida pela Contra-

Reforma, pois, apesar de divulgarem crenças não endossadas pela teologia oficial, em

contraparte não pareciam ferir, moralmente, nenhuma regra essencial. Além do que, ao

Figura 16 Ticiano: Apresentação da Virgem, 1534 - 1538. Academia de Veneza.

Page 37: 1-dissertação

36

encontrarem boa receptividade da piedade popular, esses temas, também, atendiam aos

interesses de uma igreja preocupada com a evasão de fiéis frente às novas dissidências cristãs

que surgiam na Europa após Reforma. Como resultados disso, alguns exemplos iconográficos

de temas apócrifos chegaram até nossos dias. Através de imagens infiltradas na decoração das

novas igrejas, em composições que, muitas vezes, passam despercebidas à nossa atenção,

porque aparentemente não divergem em expressão quando comparadas ao restante da

iconografia pautada na doutrina oficial da Igreja Católica.

B) A Anunciação

O tema da Anunciação foi desenvolvido

por Lazzarini, em três ocasiões: em Nova Palma,

dentro de um ciclo de temas marianos, no teto da

nave lateral direita da Igreja Santíssima Trindade

(1955), e, mais tarde, nas naves centrais das

igrejas de São Roque, em Faxinal do Soturno

(1956), e de Nossa Senhora das Dores, em Santa

Maria (1959).

Na Anunciação de Nova Palma (Figura

17), a jovem Maria se encontra ajoelhada,

portando um livro em sua mão direita. Detalhe

que, de acordo com Réau51, teria surgido em

afrescos do Monte Athos52. E daí logo assimilado

e difundido no Ocidente, a partir do século XVI,

quando então a presença do livro se torna uma

marca tão característica, que permite distinguir a

Virgem ocidental, das representações de mesmo

gênero executadas por bizantinos, onde, geralmente, a Virgem se ocupa em trabalhos

manuais. O Anjo Gabriel, por sua vez, é representado com um ramo de lírio. Flor que no final

da Idade Média, devido a sua morfologia assexuada (sem estames) e coloração branca, era,

51 Cf., RÉAU, Louis. Iconographie de L`Art Chrétien; Iconographie de la Bible II. Nouveau Testament. 1957, p.180. Muitas vezes a Virgem medita sobre uma Bíblia que permanece aberta justamente na passagem de Isaías que profetiza a vinda do Messias.

52 Monastério formado a partir de monges iconófilos da igreja ortodoxa que fugiram do Oriente durante as perseguições iconoclastas do século VIII, desencadeadas pelo imperador Leão III; o Isáurico, a partir de 724 d.C.

Figura 17 Lazzarini: A Anunciação, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

Page 38: 1-dissertação

37

normalmente, associada à simbologia da virgindade (inviolabile castitatis lilium), atributo

que, nesse período, veio a substituir a iconografia do bastão da ordem imperial ou o cetro na

mão do anjo53. Nessa Anunciação de Lazzarini, são representadas três dessas flores, o que

reforça ainda mais as reminiscências desse caráter simbólico, pois as três flores eram

consideradas símbolos da tripla virgindade de Maria (virgo ante partum, in partu et post

partum). Funcionam, de tal forma, como um reforço visual à tradição, na busca de legitimar a

condição afirmada na instituição do dogma de 1854.

O Anjo da Anunciação de Nova Palma revela, através de sua posição, influências da

Anunciação Reformada, pós-Concílio de Trento, quando então o Mensageiro Celeste passa a

ser representado preferivelmente no ar, em pleno vôo ou pairando sobre uma nuvem. Nota-se

que na Idade Média o Anjo, na maioria das vezes, era representado com os pés apoiados no

solo. E que, mesmo, no Alto Renascimento, como na célebre Anunciação (1472 - 1475) de

Leonardo da Vinci, foi representado ajoelhado ao chão, numa tardia influência do costume

feudal, exposto no gesto utilizado por rapsodos e cavaleiros na expressão de respeito perante a

uma dama. A representação do Anjo sobre nuvens, conforme Réau:

“[...] foi uma forma de reagir à familiaridade excessiva da arte do século XV, colocando mais majestosidade, este tipo surge em 1525 com um afresco de Corregio na pinacoteca de Parma e é adotado no século XVII na França por Jouvenet e na Espanha por Zurbarán”. (1956, p. 182. Tradução nossa)

Nesta composição de Nova Palma, nota-se que um raio de luz se projeta do Espírito

Santo em direção à Virgem Maria. Esse era o meio utilizado para expressar, visualmente,

através de uma forma simbólica e atenuada, o momento da concepção. Mistério que, na

iconografia medieval, era representado pela emissão de um corpúsculo que se projetava do

Espírito Santo em direção ao ouvido da Virgem Maria. Simbolizando que tal concepção que

se dava pelo Verbo de Deus. Mais tarde, a luz projetada passou a ser um substituto adequado

e menos chocante ao olhar dos fiéis, por apresentar melhor concordância com a nova

orientação do Concílio de Trento que aconselhava: “[...] dar à Anunciação o caráter nobre e

majestoso que convém a um dos mistérios essenciais da religião, evitando o plano real

cotidiano e a degeneração das cenas de gênero” (MÂLE apud Réau, 1957, p. 192).

Sob o ponto de vista formal, nota-se que a figura do Espírito Santo, na Anunciação de

Nova Palma, foi deslocada para uma posição superior, em relação ao lugar que ocupava no

modelo original (Figura 18), quando era representado junto à base do arco da construção

53 Cf., Daniel &, Berger (1971, p. 27), em pinturas sienenses, por vezes, Gabriel é representado com um galho de oliveira, porque o lírio era a flor símbolo de Florença, cidade rival de Siena.

Page 39: 1-dissertação

38

arquitetônica de fundo. Desse modo, a

pequena figura passa a funcionar como

um elemento de ligação entre a grande

área cinza do teto e a configuração

diagonal, formada pelos corpos, do

Anjo e de Maria, na parte inferior. Ao

elevar este terceiro ponto de interesse

visual, o pintor concede certa

estabilidade à dessimetria inerente ao

tema, estabelecendo uma composição

em forma de um triângulo irregular

que assegura a estabilidade do

conjunto sem, no entanto, neutralizar

totalmente o caráter dinâmico da

diagonal, formada pelo Anjo Gabriel,

e Maria.

Nessa Anunciação, Lazzarini elimina o cenário urbano de fundo, substituindo-o pela

forma de uma paisagem natural simplificada. Mantendo, porém, na composição do ambiente,

alguns dos elementos arquitetônicos tradicionais como, por exemplo, a coluna que aparece em

segundo plano, no meio da cena. A forte sugestão de divisão, que essa forma longilínea impõe

ao conjunto da obra por sua posição centralizada, foi enfrentada no passado, em uma

Anunciação de Fra. Angélico, na qual Arnheim constata que a composição “[...] parece

subdividida por uma proeminente coluna frontal que separa o reino celestial do anjo, do reino

terreno da Virgem” (1988, p. 162). Naquele caso, porém, a força perceptiva54 desagregadora

foi contrabalançada pela continuidade do espaço arquitetônico atrás da coluna, sem uma

desconsideração acentuada pela forma da coluna que tradicionalmente exerce a função de

elemento de transição entre o plano físico e o metafísico.

54 Cf. Arnheim (1998, p. 08): pressuposto teórico utilizado para conceituar estas forças psicológicas se manifestam através de induções, atrações e repulsões que ocorrem no campo da experiência visual, e que variam conforme a proximidade ou afastamento, existente entre as várias formas sujeitas a este campo.

Figura 18 F. Rensch: Anunciação de Nossa Senhora. Origem provável: Escola Alemã (1794 – 1872).

Page 40: 1-dissertação

39

Lazzarini, também, parece ter considerado os problemas compositivos gerados pela

introdução desta forma vertical centralizada. E dentro de seus limites técnicos procurou

atenuar o excedente dessa força divisora, através de um reestudo da sobreposição causada

pelo facho luminoso que se direciona à Virgem, apesar de conservar a solução tradicional da

sobreposição da forma dos lírios e da mão do anjo em relação à coluna. Porém, o detalhe que

parece mais interessante, se encontra próximo aos pés dos personagens, onde se dá, talvez, a

última tentativa de minimizar a separação de cenas. Nota-se que, Lazzarini, ao representar

Maria em posição mais afastada do que o modelo da gravura, corria o risco de acentuar ainda

mais essa divisão do espaço. Isso só não ocorre com maior intensidade, porque o pintor acaba

criando um ponto de tensão visual entre os personagens, através de uma peculiar forma de

justaposição de contornos que fez com que o limite da nuvem, forçosamente, coincidisse com

a extremidade inferior do manto de Maria.

Na Anunciação (Figura 19), da Igreja de São Roque de Faxinal do Soturno (1956),

Lazzarini utiliza um modelo derivado da Anunciação, executada por Guido Reni, para a

Capela do Quirinal em Roma (Figura 20), caso em que o pintor seiscentista, utiliza padrões

iconográficos mistos, na representação do Anjo. Nota-se que, esse personagem celeste se

Figura 20 Reni: A Anunciação, 1609 - 1611. Igreja da Anunciação. Palácio Quirinal, Roma.

Figura 19 Lazzarini: A Anunciação, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

Page 41: 1-dissertação

40

conserva ajoelhado, de acordo com a antiga tradição medieval, ao mesmo tempo em que,

através do recente recurso das nuvens colocadas sobre os pés, se mantém isolado de um

contato pouco digno ou excessivamente naturalista em relação ao solo.

Nota-se, que no caso de Lazzarini, a obediência ao modelo é conservada em grande

parte pelas figuras principais, mas na cena de entorno, o ambiente é sensivelmente

modificado. As figuras de pequenos anjos são eliminadas, assim como o aspecto numinoso

criado pela formas de cúmulus vaporosos que se abrem no céu. Na Anunciação de Faxinal do

Soturno (Figura 19), Lazzarini parece salientar a materialidade do ambiente, através do

destaque dado às formas da arquitetura e da paisagem, abandonando o aspecto difuso do

cenário utilizado por Reni. Ao efetuar essa alteração Lazzarini parece considerar alguns

aspectos de sua experiência anterior na Anunciação de Nova Palma. Apesar de lidar com uma

composição diferenciada, novamente ele encontra uma maneira de inserir o detalhe da

paisagem de fundo. No tratamento da arquitetura, as diferenças seriam mais acentuadas.

Apesar do pintor conservar o detalhe do arco sobre uma das portas da construção de fundo, já

não há qualquer referência à tradicional forma da coluna. Ausência que contribui para uma

sensação de descontextualização, pois o evento tende a parecer como que provisoriamente

transposto para um ambiente cotidiano.

A ênfase naturalista demonstrada na Anunciação de Faxinal do Soturno, de certa

forma, dá continuidade ao tipo de tratamento do cenário de fundo, encontrado na Anunciação

de Nova Palma (Figura 17). No caso da Igreja da Santíssima Trindade, o cenário funciona

como um detalhe secundário, quando ainda não parece haver, por parte do pintor, qualquer

interesse maior pelo detalhamento da paisagem, opção que se evidencia através dos motivos

vegetais, ali representados por formas de execução rápida, preenchidas com cores chapadas.

Com relação à paisagem, a cena de Faxinal do Soturno (executada em um período

intermediário), aparentemente não inova nesse aspecto. Porém, a diferença em relação à fase

inicial, se acentua quatro anos mais tarde, em Santa Maria, ao representar esse tema no teto da

nave central, da Igreja de Nossa Senhora das Dores (Figura 21). Neste caso, Lazzarini parece

dedicar maior atenção aos detalhes do fundo, reservando um espaço bem mais significativo,

para a paisagem que passa a ocupar quase todo o cenário no qual o Anjo se insere.

Page 42: 1-dissertação

41

No mural de Santa Maria, nota-se que, Lazzarini retoma alguns dos detalhes

tradicionais utilizados, na cena da Anunciação da igreja de Nova Palma. Entre esses, a forma

da cortina, localizada ao fundo, no espaço próximo à figura de Maria. Detalhe, bastante

freqüente nas representações tradicionais do tema, que pode ser interpretado dentro da

tradição iconográfica, como um possível vestígio de uma alusão simbólica ao Véu do Templo.

O acessório litúrgico que vedava o acesso ao Santo dos Santos. Espaço sagrado, circundado

por cortinas, localizado no interior do antigo templo judaico. Além da descrição fornecida

pelos livros canônicos, também as passagens do Proto-Evangelho de Tiago podem ser

tomadas como possíveis fontes dessa iconografia.. De acordo com o texto apócrifo, São

Joaquim e Santa Ana, entregaram Maria aos cuidados dos sacerdotes do Templo quando essa

completou três anos, conforme promessa que haviam feito. E, naquele lugar, ela teria

permanecido em vida religiosa, auxiliando em funções ligadas ao local sagrado, até completar

doze anos, uma das tarefas que couberam à Maria, foi, justamente, a de bordar, em púrpura,

um novo véu para o Templo do Senhor. Em uma Anunciação (1492) de Giovanni Cima da

Conegliano, (Figura 22), nota-se que a cortina reveste uma espécie de tabernáculo com

inscrições em hebraico. Essa pode ter sido, a função original da cortina que, com o tempo,

tornou-se um simples acessório cênico, como nas anunciações da tradição em que Lazzarini

se inspira.

Figura 22 Giovanni Cima da Conegliano. Anunciação, 1492.Têmpera e óleo sobre tela. Museu Hermitage.São Petersburgo, Rússia.

Figura 21 Lazzarini: A Anunciação, 1959. Igreja Nossa Senhora das Dores.Santa Maria, RS.

Page 43: 1-dissertação

42

C) A Visitação

Em Nova Palma, na Igreja da

Santíssima Trindade, a pintura que

descreve a visita de Maria a Santa Isabel,

que se encontrava grávida de João Batista

(Figura 23), é representada dentro do ciclo

de cenas marianas, em posição

subseqüente à cena da Anunciação. Isso

parece justificado, tanto pela necessidade

de seqüência cronológica, quanto pelo

caráter de complemento visual e

metafórico da imagem, na qual ocorre a

segunda saudação a Virgem. Saudação

que unida à primeira, proferida pelo Anjo

na cena anterior, representa a origem

literária da célebre oração da Ave Maria.

Apesar da temática, em suas

diferentes configurações, fazer parte do

antigo repertório da arte cristã, como

atesta o baixo-relevo de um sarcófago do

século V em Ravena, a posição de Isabel ajoelhada diante de Maria já pertence a um padrão

iconográfico recente. Neste reverbera a influência da época na qual o culto mariano exigia que

as duas mulheres já não fossem representadas em pé de igualdade. As Imagens precursoras

desse modelo podem ser encontradas no século XV, em iluminuras do Livro das Ricas Horas

do Duque de Berry. Entre as antigas configurações desse tema, destaca-se o modelo em que

Maria e Isabel encontram-se em pé. E, à distância, saúdam-se ao se inclinarem

cerimoniosamente. Configuram um gesto pleno de dignidade, mas de uma expressividade, um

tanto quanto fria e reservada. Saudação que G. Milliet identifica como sendo derivada de uma

fórmula helênica que exerceu grande influência em relevos e vitrais franceses dos séculos XII

e XIII. A escultura francesa do século XII também foi influenciada por outra configuração

tradicional, de origem Síria, que apresenta as duas mulheres em pé no ato de se abraçarem.

Forma que, mais tarde, marcaria presença na arte italiana do século XIV, através dos murais

de Giotto (RÉAU, 1957, p. 202).

Figura 23 Lazzarini: A Visitação, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

Page 44: 1-dissertação

43

A Visitação de Faxinal do

Soturno se diferencia da cena

representada em Nova Palma, tanto pela

posição quanto pelo número dos

personagens. Enquanto que em Nova

Palma a cena é composta, apenas, pelas

duas mulheres, em Faxinal do Soturno

nota-se que ocorre o acréscimo da figura

de São José junto à cena (Figura 24).

Esse simples detalhe, analisado em seus

antecedentes históricos, pode nos ilustrar

duas tendências iconográficas históricas

concorrentes. Conforme Réau (RÉAU,

1957, p. 202), nas pinturas do primeiro padrão, mais comum à arte ocidental, a ausência de

José é, presumível, devido ao caráter de surpresa da visita. Essa ausência, por vezes, era

compensada pelo acréscimo da figura de Zacarias. Já, nas pinturas do segundo gênero,

comum à arte bizantina, uma eventual ausência de José seria inaceitável, pois de acordo com

os costumes do Oriente, uma mulher jamais deve viajar sozinha.

Em Faxinal do Soturno, apesar de Lazzarini ter preservado a seqüência

tradicional de outros temas que envolvem a presença de Maria, tais como: a Anunciação,

Natividade e Assunção, o tema da Visitação aparece isolado, em um espaço bastante afastado

do tema da Anunciação demonstrando que, aparentemente, a organização em seqüência

cronológica, como no caso de Nova Palma, não constituía uma regra essencial ou inviolável

para o pintor.

Figura 24 Lazzarini: Maria visita Isabel, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS. Foto: Roque Della Méa.

Page 45: 1-dissertação

44

Figura 26 Imaculada Conceição.Têmpera sobre papel. (autoria provável: Lazzarini, c. 1955) Hospital Nossa Senhora da Piedade. Nova Palma, RS

1.2.2 Invocações de Nossa Senhora A) Nossa Senhora da Conceição

Este tema foi representado em duas ocasiões,

em Nova Palma na Igreja da Santíssima Trindade

(1955), e em Santa Maria na Igreja de Nossa

Senhora das Dores (1959).

Em Nova Palma (Figura 25), Lazzarini

reproduz uma imagem, provavelmente, derivada de

uma reprodução gráfica da Imaculada Conceição de

Aranjuez (Museu do Prado), cujo original foi

executado por Murillo entre 1655 e 1665. Nota-se

que, para efetuar tal transposição da figura central, o

pintor elimina grande parte das formas secundárias,

entre elas, a presença dos anjinhos que se

encontravam junto à base da nuvem, aos pés de

Maria. Essa modificação pode ter sido decorrente de

uma característica própria da interpretação plástica

de Lazzarini, na qual, freqüentemente, verifica-se

uma tendência à simplificação dos detalhes

acessórios que, originalmente, eram apresentados

nas formas iconográficas em que ele se baseava.

Mas, também, não podemos desprezar a possível

influência do pudor piedoso, seja por parte do artista

ou de seu público. Pois caso o pintor optasse por

permanecer no nível da cópia, teria que reproduzir os

pequenos anjos nus presentes na imagem original. E

isso, certamente, seria profundamente perturbador

para o olhar de alguns fiéis, como podemos deduzir

através de outra imagem reproduzida nesta época: A

Figura 25 Lazzarini: Imaculada Conceição, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

Page 46: 1-dissertação

45

Figura 27 Lazzarini: Nossa Senhora das Dores (?), 1959. Igreja de Nossa Senhora das Dores. Santa Maria, RS.

Imaculada Conceição do Hospital de Nossa Senhora da Piedade de Nova Palma55, na qual,

algumas religiosas, escandalizadas com o naturalismo da cena, pintaram um artístico

perizonium sobre os corpos dessas figuras. Além desse detalhe, podemos constatar neste

quadro (Figura 26), um exemplo, do gosto acentuado pela saturação de formas e cores que,

tradicionalmente caracterizam as expressões denominadas Kitsch, diante do qual, o mural de

Lazzarini na Igreja da Santíssima Trindade, apesar de marcado pela cópia, parece uma

realização de exemplar discrição.

Em Santa Maria (Figura 27),

apesar de se tratar de um mural

considerado como a representação de

Nossa Senhora das Dores, nota-se que é

muito provável que Lazzarini tenha

utilizado como modelo uma pequena

reprodução colorida56 da Imaculada

Conceição de Santo Ildefonso (Museu do

Prado). Obra cujo original Murillo teria

realizado entre os anos de 1665 e 1670.

Mas, nesta representação Lazzarini não

reproduz os anjinhos do modelo, optando

por acrescentar as formas de dois anjos

jovens junto à base desta imagem. Quanto

à forma o mural de Santa Maria, apresenta uma composição semelhante àquela que o pintor já

havia utilizado na Igreja de São Roque (1956), ao trabalhar o tema da Assunção. Mural cuja

iconografia afasta-se do mural da Igreja de Nossa Senhora das Dores pelo atributo de um véu,

pelo uso de um colorismo mais generoso na descrição das vestes. Além disso, na Anunciação

de Faxinal do Soturno, Maria é representada com as mãos elevadas para o céu, numa posição

que a assemelha às antigas Orantes das catacumbas paleocristãs.

55 Este Quadro era utilizado, tradicionalmente, durante as festas da Imaculada Conceição, ocasião em que permanecia por algum tempo exposto na Igreja da Santíssima Trindade.

56 Para uma observação mais detalhada das relações entre a Imaculada Conceição de Santa Maria e o modelo quadriculado utilizado por Lazzarini, conferir figura 125, no Capítulo II.

Page 47: 1-dissertação

46

Os temas, anteriormente analisados, podem ser enquadrados como expressões típicas

de uma tendência das artes religiosas. Que se difunde, principalmente, a partir da época da

Contra-Reforma, e que acentua-se no século XIX com a instituição do dogma da Imaculada

Conceição pelo papa Pio IX. Tendência que, nesse caso, parece revigorada a partir da

definição do dogma da Assunção corporal de Maria aos céus, efetivada por Pio XII, no

primeiro dia de novembro de 1950. Esse último evento, ainda recente na época em que

Lazzarini efetuava suas pinturas na região da Quarta Colônia, determinou influências que,

certamente, ainda se faziam sentir, com grande intensidade, no reforço ao culto mariano.

B) Nossa Senhora Três Vezes Admirável

As representações de Nossa Senhora Mãe Rainha Três Vezes Admirável coincidem,

geograficamente, com os locais em que também ocorrem as representações de São Vicente

Pallotti, ou seja, as Igrejas de: São José em Dona Francisca e de Nossa Senhora das Dores em

Santa Maria. Isso pode ser explicado pelo fato que ambas as devoções eram típicas dos

Missionários Palotinos. Ordem religiosa fortemente atuante nas igrejas desta região,

especialmente, nesta época que antecede à autonomia dos religiosos devotos à Nossa Senhora

Três Vezes Admirável em relação à congregação religiosa anterior. Conforme o Pe. Clésio

Facco (1999, Informação oral)57, a separação dos integrantes do Movimento de Schoenstatt

em relação aos palotinos, somente viria a ocorrer entre 1967 e 1968, ou seja, em data posterior

ao ciclo das pinturas de Lazzarini.

A pintura executada em Dona Francisca (1956), revela certa inadequação em relação

ao espaço quando comparada com as composições apresentadas nos medalhões seguintes.

Como se para esse trabalho, o pintor tivesse utilizado um modelo de tamanho diferenciado

dos anteriores, e que em função disso, não tivesse utilizado uma escala adequada para a

ampliação, resultando em amplos espaços vazios (Figura 28). Problema que ele tenta

solucionar através do recurso de preenchimento executado com formas de nuvens azuladas. Já

no espaço sobre a cabeça de Nossa Senhora, ele desloca a coroa para uma posição

intermediária entre a imagem e a frase latina Servus Mariae Nunquam Peribit58,

tradicionalmente, presente nas representações dessa imagem devocional, logrando conseguir

apenas um resultado compositivo mediano. Na composição da Igreja de Nossa Senhora das

Dores (1959), apesar de utilizar uma escala semelhante à representação anterior, o pintor

57 Cf., informações fornecidas pelo Pe. Clésio Facco, em 22 de novembro de 1999, no Seminário Rainha dos Apóstolos em Vale Vêneto, Município de São João do Polêsine.

58 Tradução: “O servo de Maria nunca Perece”.

Page 48: 1-dissertação

47

Figura 28 Lazzarini: Nossa Senhora Mãe Rainha. Três Vezes Admirável, 1956. Igreja de São José. Dona Francisca, RS.

Figura 29 Lazzarini: Nossa Senhora Mãe Rainha. Três Vezes Admirável, 1959. Igreja de Nossa Senhora das Dores. Santa Maria, RS.

parece conseguir melhor êxito (Figura 29),

uma vez que trabalha em um espaço menor

localizado, em uma absidíola lateral do

transepto. Neste caso, ele abandona as

inscrições superiores e evita um afastamento

mais pronunciado da forma da coroa, em

relação à imagem de Nossa Senhora Três

Vezes Admirável.

A devoção a esta invocação de Nossa

Senhora teve origem na cidade de

Schoenstatt, Alemanha, em meio às

dificuldades geradas pela Primeira Guerra

Mundial. Em 1914, o Pe. José Kentenich

(1885 -1965), não encontrando lugar para

reunir-se com o grupo de seminaristas que se

encontravam sob sua orientação, decide

formar reuniões em uma pequena capela

abandonada, nas proximidades do seminário.

Nesse local, teriam solicitado que Nossa

Senhora se estabelecesse junto a eles, e,

segundo a crença, teriam logo testemunhado

três aparições, sinais que confirmariam que

Maria teria aceitado o convite do grupo. Em

1941, este padre foi preso pela Gestapo e

enviado ao Campo de Concentração de

Dachau, onde permaneceu até 1945.

Naquele ano, por solicitação dos padres

palotinos que atendiam a Igreja de Nossa

Senhora das Dores, foram enviadas algumas

religiosas do Movimento Apostólico de

Schoenstatt. Estas logo seriam responsáveis

pela fundação do Santuário da Mãe Três

Vezes Admirável em 1947, junto à Casa de

Page 49: 1-dissertação

48

Retiros da cidade de Santa Maria, local que seria visitado pelo próprio Pe. Kentenich em

várias oportunidades.

Em 1950, durante um retiro espiritual dirigido pelo Padre Celestino Trevisan, foi

iniciada uma “cruzada pelo terço”, ocasião para a qual foram feitas três cópias da imagem

dessa Nossa Senhora. Uma delas ficou sob responsabilidade do Diácono Luiz Pozzobon, um

dos encarregados de conduzir o novo ícone de casa em casa. O religioso levaria essa

incumbência à razão de um objetivo de vida passando, mais tarde, a dedicar-se integralmente

à divulgação do terço e dessa devoção59.

No final do ano de 1950, ainda na época em que tem início, em Santa Maria, a

corrente de divulgação da devoção a Nossa Senhora de Schoenstatt, os reflexos já se faziam

sentir em outros municípios da Quarta Colônia, conforme podemos observar através de um

registro encontrado, na paróquia de Nova Palma: “Ontem depois de pronta a Capelinha da

Mãe três Vezes Admirável em Nova Palma, veio a Nª Sra tomar lugar em seu recinto desde

Santa Maria por 50 moças que concluiram seu retiro” (Livro do Tombo II, 1950, folha 02).

Descrição que parece demonstrar o alto grau de influência popular, logo alcançado por essa

nova devoção. Esse tipo de manifestação cultural que se desenvolvia em função de uma

imagem religiosa, certamente, era ainda muito intenso durante os anos em que Lazzarini atuou

nestes municípios, de forma que estes murais, apesar de serem simples em ambição e

realização artística, não deixam de ser reflexos históricos do período de vigorosa atividade

religiosa que ocorria nessa região.

59 Cf., Trevisan, (1992), João Luiz Pozzobon: um “Santo” com têmpera de missionário leigo. Santa Maria: Pallotti,1992. O Diácono João Luiz Pozzobon, empreendeu uma longa atividade devocional, carregando uma imagem de aproximadamente 11 quilos, ao final de vinte e um anos, contabilizava uma de jornada de 140.000 Km em sua obra missionária. Após a morte Pozzobon, ocorrida em 1985, sua casa tornou-se local de peregrinação, para os fiéis que veneram a Nossa Senhora Três Vezes Admirável, e que ao mesmo tempo admiram a vida exemplar e o esforço missionário desse diácono que em sua jornada conservou constante humildade e dedicação para os pobres. Essas virtudes levaram o bispo diocesano de Santa Maria a encaminhar ao Vaticano um pedido de abertura de processo de canonização que, atualmente, se encontra em andamento.}

Page 50: 1-dissertação

49

1.3 Sagrada Família

Várias são as cenas em que Lazzarini descreve situações da infância de Jesus junto a

Maria e José. A primeira, naturalmente, é a Natividade, seguem-se: a Apresentação de Jesus

no Templo e, cenas de gênero, onde a família de Cristo é apresentada em situações cotidianas,

ou, simplesmente, junta como que em pose, na tradicional representação da Sagrada Família.

Apesar do tema da Sagrada Família ter sido estranho à arte e à devoção da Idade

Média, é nas antigas Natividades daquele período que se pode encontrar a forma precursora

dessa iconografia. Em imagens onde, por vezes, São José era representado afastado de Maria

e do menino, o que para Grabar se deve ao fato que a “[...] iconografia não encontrava outro

meio de dizer que ele não era o pai da criança que acabara de nascer” (1991, p. 23).

Nos séculos, XV e XVI se tornam populares as representações de Maria e do menino

Jesus (Madonnas) e as cenas familiares em que figuravam também Santa Isabel e o pequeno

João Batista. Para Mâle, essas pinturas “[...] que se assemelham à imagem do paraíso sob um

céu azul, não nasceram dos Evangelhos, mas das piedosas meditações franciscanas” (RÉAU,

1957, p. 309). O tema dessas primeiras cenas familiares era, provavelmente, inspirado nas

Meditações de Pseudo-Boaventura (Cap. X), texto que narra o episódio da visita de Maria à

Isabel, no retorno a Belém após o período de refúgio no Egito. Ocasião em que as mães teriam

percebido que enquanto os pequenos meninos se alegram e brincam juntos, João, em suas

atitudes, já se demonstra respeitoso para com Jesus. Porém, a presença de São José continuava

a ser rara em pinturas inspiradas neste tipo de reunião familiar.

A partir do século XVII, houve um crescimento no interesse pela vida oculta de Jesus,

em intensidade semelhante ao que, em séculos anteriores, fora motivo à vida pública e à

paixão de Cristo. Este interesse coincide com um período de crescente veneração pela figura

de São José, que criava um clima propício para que as imagens da Sagrada Família

encontrassem grande aceitação entre os fiéis católicos. São Francisco de Sales, em suas

Conversações Espirituais, destaca que Maria, Jesus e José representam na terra, em todas as

feições a Santíssima Trindade, de maneira que São José é a imagem de Deus Pai e a Virgem

substitui o Espírito Santo, do qual ela é o templo vivo. O trigrama J.M.J. (Jesus, Maria, José)

passa a ser adotado pelo brasão dos Jesuítas que são encarregados de expandir o espírito da

Contra-Reforma, o que também contribui para a popularização da Sagrada Família. Tema que

em decorrência disso é, por vezes, chamado Trindade Jesuítica (RÉAU, 1957, 148).

Page 51: 1-dissertação

50

Nessa época, surgem representações da Santíssima Trindade, junto à Sagrada Família;

também conhecidas como Duas Trindades, tema que se torna popular, principalmente, através

de Murillo e da Escola Espanhola. Doravante, as representações trinitárias de Deus, na qual

Cristo integra em sua forma divina, passaram a constituir uma Sagrada Família Divina, em

oposição à Sagrada Família Terrena, na qual o Cristo histórico participa.

Por se considerar a existência desse motivo analógico, o tema da Santíssima Trindade

será abordado como um item anexo ao estudo de outras diferentes situações familiares da vida

humana de Cristo, na obra de Lazzarini, aqui reunidas sob o título genérico de Sagradas

Famílias.

1.3.1 Natividade

O Nascimento de Cristo

é um tema em que Lazzarini demonstra

certa versatilidade compositiva. Nas

quatro vezes, em que descreve

pictoricamente essa passagem, ele não

repete fórmulas anteriores,

apresentando a cada trabalho uma nova

configuração espacial para os

personagens. Em Nova Palma (Figura

30), ele apresenta uma cena simétrica,

simplificada, com Maria e José

ajoelhados em posições opostas, tendo

ao centro o pequeno Cristo sobre um

leito de palhas colocado ao solo. Não há

qualquer cenário arquitetônico de

entorno, mas apenas um fundo infinito,

onde, cores, céu e terra, se fundem

numa totalidade monocromática. Essa

cor, também, absorve o anjo que aparece na parte superior portando um tituli com inscrições

latinas de louvor a Deus. Apesar do Mensageiro celeste ocupar uma área relativamente grande

quando comparada ao restante da pintura, ele não concorre para que a atenção seja desviada

Figura 30 Lazzarini: Natividade, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

Page 52: 1-dissertação

51

do motivo principal, porque a cor

sóbria de sua imagem se integra ao

espaço de fundo da composição.

Em Faxinal do Soturno (Figura

31), Lazzarini acrescenta um fundo

arquitetônico à composição que ganha

em complexidade e naturalismo, ao

mesmo tempo em que a cena perde

parte de seu caráter metafísico pela

ausência de personagens celestes.

Como compensação, nesse mural

ocorre o acréscimo da figura de um

pastor em adoração, forma que

encontra concordância no Evangelho

de Lucas, o único evangelho canônico

a relatar a presença destes

camponeses.

Na Natividade de Dona

Francisca (1956), o naturalismo volta

a ceder lugar a expressões de

transcendência. Desta vez, dois anjos

presidem a cena (Figura 32). Estes,

porém, apresentam uma caracterização

um tanto ou quanto ambígua, pois,

desconsiderando a tradicional posição

elevada em que se encontram, poucos

atributos os diferenciam dos humanos

logo abaixo, uma vez que,

aparentemente, não apresentam asas,

pois essas são apenas sugeridas, sutilmente, por leves traços brancos que se fundem às

nuvens. Isto evidencia que houve certa humanização na forma desses personagens, através de

expressões, que, em certo nível, os assemelham em caráter ao anjo da Anunciação (1850) de

Dante Gabriel Rosseti, do Movimento Pré-Rafaelita.

Figura 31 Lazzarini: O Nascimento de Cristo, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

Figura 32 Lazzarini: O Nascimento de Cristo, 1956. Igreja de São José. Dona Francisca, RS.

Page 53: 1-dissertação

52

O dualismo da expressão que

se alterna entre o material e o

espiritual nem sempre é bem

resolvido. Isto é o que parece ocorrer

no cenário de fundo, onde a

arquitetura naturalista compete com

um espaço infinito que une a terra,

parte do cenário e o céu, numa

seqüência de manchas indefinidas.

Ambigüidade que pode revelar um

certo momento de dúvida, no qual

Lazzarini tendo que optar entre um

fundo abstrato como o que havia

utilizado em Nova Palma ou a cena

familiar ambientada no interior de um espaço cenográfico naturalista, como fizera em Faxinal

do Soturno, procurou, então, fundir os dois meios expressivos. Dessa forma, ele obtém uma

cena com um espaço ambivalente. Aonde já não é possível assegurar se o Nascimento de

Cristo é representado no interior de uma habitação, em cujo teto se revela uma visão mística

dos céus ou, se ocorre, apenas, a descrição de um ambiente natural semi-aberto, que propicia a

visualização de um céu noturno real.

Ao se considerar que a ambigüidade é um elemento constante na arte, é preciso

explicitar que a constatação, anteriormente exposta, se refere a uma situação em que,

aparentemente, o pintor encontrou dificuldades em relação aos aspectos técnicos de

representação. De maneira que a situação transparece no resultado plástico da Natividade de

Dona Francisca, quando comparada a outras obras, de mesmo gênero, da produção geral do

artista. Entretanto, é difícil desmerecer estes momentos em que à custa de êxitos parciais, o

pintor procura inovar através da fusão de duas formas técnicas expressivas, pertencentes ao

seu repertório anterior. Pois, como mais tarde se pode perceber, os eventuais êxitos destas

experimentações parecem contribuir na evolução do estilo pessoal do artista, diante do que os

insucessos, em princípio, tendem a parecer mais como etapas, inevitáveis, no processo de

elaboração de soluções plásticas mais criativas.

A última representação da Natividade, na região, foi executada em Santa Maria

(Figura 33). É necessário destacar que esta cidade, na época, já conhecia a arte de Aldo

Locatelli, através dos murais realizados na Catedral Metropolitana da Imaculada Conceição,

Figura 33 Lazzarini: O Nascimento de Cristo, 1959. Igreja Nossa Senhora das Dores. Santa Maria, RS.

Page 54: 1-dissertação

53

em 1954. Lazzarini realiza seus primeiros murais nesta cidade, a partir do final do ano de

1958, quando é contratado para executar a pintura da Igreja de Nossa Senhora das Dores; um

imponente edifício religioso com influências arquitetônicas românicas e barrocas, localizado

em um dos bairros mais próximos à região central daquela cidade. Essa, era uma situação na

qual o pintor, certamente, defrontava-se com uma grande responsabilidade, pois teria de

realizar pinturas em um ambiente, provavelmente, mais exigente e que poderia julgar sua

obra, utilizando como parâmetro a obra do outro pintor que o precedera. Além disso, se

encontrava em uma cidade, que exerce o papel de um centro regional do estado e,

principalmente, da região da Quarta Colônia. Toda essa situação se configurava, num

momento em que, para Lazzarini, era decisivo realizar um trabalho que colocasse em

evidência sua capacidade, para, quem sabe, alcançar o almejado reconhecimento regional.

Talvez por isso, o pintor tenha percebido que não era um momento adequado para ousadias ou

improvisações. De modo que ele já não dá continuidade à experiência de “fusão e dissolução

do espaço”, como fizera na Natividade de Dona Francisca em 1956, optando, nesta cena da

Natividade (Figura 33), por permanecer na segurança de um traço mais acadêmico.

Na Natividade de Santa Maria, Lazzarini descreve um cenário com elementos

arquitetônicos mais definidos. Apesar da característica simplificação das paisagens, ele já não

utiliza faixas de cores ambíguas, no limite entre o céu e a terra, mas, ao contrário, procura

definir com clareza a linha do horizonte que os separa. O único elemento que distingue o

caráter religioso da cena é o halo luminoso que envolve o menino, considerando que, dessa

vez, a presença dos anjos é suprimida da composição. Entre os elementos que diferenciam

esta obra em relação às representações anteriores destaca-se o acréscimo de três personagens.

Cujos atributos parecem caracterizar a atividade de pastores do que a dos tradicionais magos,

apesar da coincidência numérica existente entre os camponeses, ali representados e o número

de sábios vindos do Oriente contabilizado pela tradição60.

60 Na verdade o Novo Testamento não menciona o número de sábios que teriam vindo do Oriente, mas a tradição normalmente os representa como sendo três. Cf., Réau, (1957, p. 238), o teórico medieval; Pseudo Beda afirmava a correspondência entre os magos representados e as três raças do mundo conhecido na época, que de acordo com a história de fundamentação religiosa, seriam originadas a partir dos descendentes de Noé: Sem, Cam e Jafé. No século IX, o verso 845 do Liber Pontificialis de Ravena, já identificava os pretensos nomes dos três magos como: Gaspar, Melchior e Balthazar.

Page 55: 1-dissertação

53

Nessa Natividade de Santa Maria, Lazzarini também volta a representar a figura do

pequeno cordeiro, próximo à manjedoura em que Jesus se encontra. Em princípio, a presença

deste animal poderia ser explicada como um simples adereço que caracteriza a atividade

pastoril dos personagens que se aproximam. Mas, ao se considerar que essa forma é

recorrente, e pode ser notada também na cena de Dona Francisca na qual não figuram os

pastores, reforça-se a hipótese de que este animal seja ali representado mais pelo seu caráter

simbólico sacrificial. Diretamente relacionado com a iconografia do Cordeiro Místico61,

presente, em pequenas pinturas simbólicas nas paredes das igrejas de Faxinal do Soturno e de

Dona Francisca. Neste caso a figura, desse pequeno animal, também, teria a função de

introduzir na cena da Natividade uma alusão simbólica à missão sagrada que é atribuída a

Cristo: a sua disposição de vir ao mundo, oferecendo-se em sacrifício pela redenção da

humanidade, como o cordeiro dos antigos sacrifícios rituais hebraicos.

1.3.2 A Sagrada Família Terrena

Além das cenas da Natividade, a infância de Cristo, é representada em outros

momentos que nos aproximam do seu cotidiano junto à família. Em Nova Palma (Figura 34),

Lazzarini apresenta o pequeno Jesus como centro das atenções de Maria e José. Em uma cena

que evoca uma espécie de morbidez barroca que lembra, em alguns momentos, o tema de

enquadre62 das Vanitas, ou o conteúdo expressivo de algumas pinturas de Valdéz Leal. Pois

existe um inquietante contraste na associação da imagem de uma inocente criança que brinca

com a cruz que simboliza seu futuro martírio. Essa imagem, organizada na forma de

composição diagonal, procura enfatizar mais o aspecto simbólico do que o narrativo, tratando

de uma cena que não corresponde a nenhum evento especial cuja correspondência seja

atestada pelos evangelhos canônicos.

61 Cf Réau, (1957, p. 30) O Cordeiro Místico é um símbolo freqüente na arte cristã primitiva. Normalmente, composto pela figura de um cordeiro, portando uma cruz ou estandarte da vitória, tendo a cabeça envolta por um nimbo cruciforme e um cálice logo abaixo, que recolhe o sangue que escorre de seu peito .

62 Tema de enquadre é um termo utilizado por Jan Bialostocki em Estilo e Iconografia (1972, p.158-159) para indicar uma certa configuração simbólica universal (semelhante ao conceito de arquétipo em Jung), assumida por diferentes culturas na representação iconográfica alegórica de personagens e temas. Ex: a figura de uma mulher pisando e subjugando um outro personagem, simbolizando a vitória do bem sobre o mal, pode ser o tema de enquadre, tanto de Maria ao pisar a serpente, quanto o da Judite de Giorgione, quando pisa a cabeça de Holofernes.

Page 56: 1-dissertação

54

Em Faxinal do Soturno, assim como na obra anterior, o evento ocorre na oficina de

São José (Figura 35), nesse caso, o pintor acrescenta maior quantidade de elementos

descritivos, relacionados à profissão de carpinteiro. São José é representado, no momento em

que se detém em sua tarefa, para observar o menino que em um gesto de oratória dirige-se à

Maria. Momento em que são enfatizadas a sabedoria e a dimensão divina da criança. São José

desempenha um papel secundário nesta cena da Sagrada Família. No entanto, sabe-se que foi

justamente pela caracterização de grandeza histórica imprimida aos temas familiares que a

exaltação desse santo passou a ganhar expressão considerável, em contraste com o lugar

modesto que, individualmente, ocupava dentro da arte e da liturgia da Idade Média (MÂLE,

1951, 313).

Mais tarde, ao trabalhar na pequena Igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico

(c.1960) de Vale Veronês, ao representar a Sagrada Família (Figura 36) numa espécie de

medalhão centralizado no teto da nave, Lazzarini abandona, momentaneamente, a composição

assimétrica das cenas do cotidiano. Momento em que opta por pintar uma composição em que

os personagens posam, ordenadamente, para uma cena familiar.

Esse mural foi executado a partir da ampliação de uma reprodução litográfica colorida

vinda dos Estados Unidos63, cuja composição é claramente inspirada nas sagradas famílias de

63 Para melhor avaliação das correspondências entre a pintura de Lazzarini e o modelo utilizado ver cópia anexa ao capítulo II. Figura 128.

Figura 34 Lazzarini: A Sagrada Família, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

Figura 34 Lazzarini: A Sagrada Família, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

Page 57: 1-dissertação

55

Murillo, assemelhando-se, em maior grau, à obra que se encontra na Galeria Heinemann

(Figura 37). Lazzarini realiza uma simplificação de detalhes da paisagem, eliminando,

também, as hostes de anjos próximas à imagem de Deus Pai que, por sua vez, parece ter sido

o único personagem ampliado sem o recurso à quadrícula. Um detalhe construtivo que parece

explicitar a aparente dificuldade técnica que transparece na tentativa, não muito exitosa de

encontrar uma relação proporcional adequada, entre a cabeça e os membros da personificação

divina.

Em Novo Treviso (1961), Jesus é representado não mais no espaço do medalhão

principal, mas em uma cena auxiliar no espaço restrito de um pequeno medalhão. Ocasião em

que Lazzarini resgata outro legado de Murillo, a introdução de um pilar central para diminuir

Figura 36 Lazzarini: A Sagrada Família, c.1960. Capela de Nossa Senhora do Monte Bérico. Vale Veronês, Silveira Martins, RS

Figura 37 Murillo: A Sagrada Família. Galeria Heinemann, Munique.

Page 58: 1-dissertação

56

a diferença proporcional do pequeno Jesus em relação à

Sagrada Família. Recurso já fora utilizado pelo pintor

espanhol em As Duas Trindades (National Gallery de

Londres), e que no caso de Lazzarini, possibilitou

aumentar a importância visual de Jesus dentro do

conjunto, além de otimizar o preenchimento do espaço

disponível.

As feições de Cristo em Novo Treviso (Figura 38)

são mais infantis do que as da versão de Vale Veronês.

Em oposição, São José é representado com idade mais

avançada, o que fica caracterizado pelos cabelos e barbas

grisalhos. Detalhe largamente utilizado na Idade Média,

como um reforço visual à defesa que os teólogos faziam,

a respeito da virgindade de Maria, pois ao apresentarem o santo na forma senil, conseguiam

evitar os comentários maldosos dos povos bárbaros que estavam sendo iniciados na nova fé.

Conforme Schapiro:

“[...] nos primeiros tempos a doutrina da virgindade perpétua de Maria não havia arraigado com firmeza nos fiéis, era preciso combater os hereges e as passagens evangélicas que falam em irmãos e irmãs de Jesus. Por isso os artistas apresentam José ancião no momento do nascimento de Cristo dando a entender que ele não estava em condições de engendrar um filho” (1979, p. 17).

Em Ivorá, na Igreja de São

José, Lazzarini volta a representar

cenas narrativas, envolvendo a

Sagrada Família. Em uma delas, Jesus

aparece auxiliando José na

carpintaria64, alcançando um

esquadro de madeira (Figura 39),

enquanto que Maria executa um

serviço de costura. O ar

transcendente, nessa cena de trabalho

familiar, é dado pelo nimbo

cruciforme que contorna a cabeça de

64 Cf., MÂLE, Émile. Op. cit. “Aníbal Carracci foi um dos primeiros a representar o Menino Jesus trabalhando, dentro da Oficina de São José”, p. 311.

Figura 38 Lazzarini: A Sagrada Família, 1961 Igreja de São Marcos. Novo Treviso, Faxinal do Soturno, RS.

Figura 39 Lazzarini: A Sagrada Família, 1963. Igreja de São José. Ivorá, RS.

Page 59: 1-dissertação

57

Jesus. Maria, também, apresenta uma sutil auréola, levemente diferenciada da cor de fundo,

resultante da intervenção de uma área de retoque de tonalidade. Que, neste caso, se estende

até as proximidades da cabeça de Cristo, acentuando o contraste estabelecido em relação à

figura de São José, que não recebe qualquer traço distintivo do gênero.

Este tema, no qual Jesus aparece trabalhando junto a sua família, parece encontrar

ressonâncias nos valores culturais dos imigrantes italianos desta região. O trabalho em família

era um aspecto muito valorizado, tanto que, para a mentalidade desta época, uma família

numerosa significava, de certa forma, uma benção divina, ou o primeiro passo para

prosperidade, pois uma família italiana que dispusesse da força de trabalho de vários filhos,

era vista com distinção pela comunidade. Conforme Santin, “[...] a família numerosa

constitui-se como uma pequena sociedade”, e a situação contrária podia ser problemática, pois

numa sociedade onde “[...] a família numerosa é vista como dádiva divina, não casar e não ter

filhos representava, no mínimo um certo constrangimento” (1990, p. 17).

O tema relacionado ao trabalho de Jesus também pode ser encontrado, em um

catecismo utilizado nesta época, no qual se destaca uma passagem inspirada na tradição,

segundo a qual após a morte de São José, Jesus o teria substituído nos trabalhos da oficina de

carpintaria.

“Jesus fazia mesas, portas e janelas para as casas. Fabricava também arados, carroças e muitos outros instrumentos para os agricultores. Jesus era Deus, e, entretanto trabalhava como um bom operário. Ele trabalhava para obedecer a seu Eterno pai e para sustentar sua mãe, Maria santíssima.” (Teu Catecismo. Primeiro Ano. 5 ed. São Paulo: LDC, [1959], p. 64.)

Neste texto, podemos perceber, através da detalhada descrição dos trabalhos que

pretensamente teriam sido executados por Jesus, uma mensagem moral no sentido de destacar

a dignidade do trabalho. Enquanto que no esforço do Filho de Deus, em prover subsistência

de Maria (que também é representada trabalhando), encontramos uma ênfase moral no sentido

da valorização dos laços familiares. Tudo isto leva a crer que mesmo as crianças desta época

tinham condições de reconhecer em pinturas como a da Sagrada Família de Lazzarini a ênfase

moral. Uma Mensagem que, até certo ponto, refletia o ensinamento religioso de sua igreja e,

também alguns dos valores culturais prezados por sua sociedade e talvez vivenciados no

cotidiano de suas famílias.

Page 60: 1-dissertação

58

1.3.3 Jesus no Templo

Esta obra apresenta um dos

raros episódios da adolescência de

Jesus narrada pelos Evangelhos

canônicos, na ocasião em que, após

uma festa religiosa, Maria e José

voltam para casa em grupos distintos,

ambos pensando que Jesus se

encontrava em companhia do outro.

Mas, ao perceberem que o jovem

Jesus não havia retornado, logo

retornam ao templo. Local, onde eles

vêm a encontrar Jesus debatendo com

os doutores da lei (Figura 40). O

momento representado, é aquele em que Maria repreende seu filho, por tê-los deixado

preocupados, e esse se defende dizendo que precisa se ocupar das atividades relacionadas a

seu Pai Celeste. Enquanto Jesus se detém no clássico gesto de oratória65, Maria parece conter

o ímpeto da repreensão. Na Sagrada Família de Ivorá, nenhum dos personagens é

representado com auréolas luminosas, assim como já havia ocorrido numa das primeiras

representações do tema, em Nova Palma. Nesta pintura São José parece observar à distância,

portando em sua mão um bastão transformado em lírios, que conforme a tradição simboliza as

virtudes deste santo, e o sinal pelo qual Deus o designou, perante o povo, para proteger Maria.

Ao fundo da composição, pequenas figuras representam os doutores do templo,

iluminados por uma luz lateral direcionada, que se projeta sobre um menorá. Uma leitura

possível para estes elementos, poderia ser feita, a partir da interpretação dessa iluminação

como uma metáfora de sentido espiritual. O que evoca o princípio da revelação que se dá, no

momento em que os anciões comparam o conhecimento da antiga lei do povo hebreu,

simbolizada pelo menorá iluminado, com o surpreendente conhecimento de Jesus. É

necessário reconhecer, entretanto, que esta é apenas uma das possibilidades de interpretação,

que talvez não estivesse presente enquanto intenção do pintor, mas que surge, enquanto uma

alternativa de leitura iconológica, construída durante a análise dessa obra.

65 Cf., Réau, (1957, p. 182) o braço estendido tendo um dedo projetado para o alto era um “gesto oratório” característica das estátuas de filósofos da Antigüidade.

Figura 40 Lazzarini: Reencontro no Templo, 1963. Igreja de São José. Ivorá, RS.

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59

1.3.4 Santíssima Trindade

A pintura da Santíssima Trindade de Nova Palma é, certamente, a maior pintura mural

em superfície plana, de toda a obra de Lazzarini na região (Figura 41). A obra ocupa,

praticamente, todo o teto do presbitério, e mede um pouco menos que o espaço arquitetônico,

que é de 7,00 m x 10,00 m (Figura 36). Conforme documentos paroquiais, esta pintura já

impressionava, na época em que foi realizada. No Livro do Tombo, de 1955, o Pe. Alfredo

Pozzer (Livro do Tombo II, 1955, folha 02) registra que entre todo o conjunto de pinturas,

destacava-se o teto do presbitério, no qual havia sido reproduzido um célebre quadro da

Santíssima Trindade, baseado em uma pintura cujo original se encontrava em uma famosa

pinacoteca de Roma66 .

No decorrer desta pesquisa não foi possível identificar o nome desta pinacoteca, nem

os meios pelos quais Lazzarini teve acesso a esta fonte iconográfica. Pode parecer remota, em

princípio, a possibilidade de que ele tenha se baseado em alguma das reproduções de temática

religiosa, impressas na Itália67 e normalmente distribuídas pela igreja nos países católicos,

devido à inclusão de um personagem mitológico de origem pagã nesta composição. No

entanto, é preciso considerar que muitos desses personagens da Antiguidade foram

recuperados pelo humanismo católico do Renascimento que os interpretava como formas

metafóricas, auxiliares na apologia de virtudes cristãs68. O que torna provável que esta

alegoria fosse empregada e mais tarde divulgada sem que houvesse preocupação ou intenção

de divulgar símbolos da antiga religião. Outra possibilidade é que Lazzarini pode ter se

baseado em alguma reprodução, semelhante àquelas distribuídas por associações religiosas, só

que destinadas ao público leigo. Uma vez que um exemplar desse tipo de reprodução,

versando sobre o tema laico da Alegoria da Virtude, Fortaleza, Justiça e Verdade69, de

Giambattista Tiepolo (1696-1770) foi encontrado entre no arquivo do pintor.

66 Este documento é reproduzido, e analisado com maiores detalhes, no capítulo III.

67 Estas reproduções não datadas, geralmente, apresentam imagens dos santos de devoções populares. Nas margens trazem o título, vertido nos seguintes idiomas: italiano, francês alemão e espanhol. Eram, geralmente, emolduradas e apresentadas como quadros nas antigas famílias da região da Quarta Colônia.

68 Cf., Seznec apud BESANÇON (1997, p. 275) muitos dos antigos deuses outrora combatidos pelos apologistas cristãos foram mais tarde recuperados e venerados sem idolatria, porque alguns destes personagens, como as sibilas, ou como Virgílio, representavam a intuição pagã sobre a vinda de Cristo. Dessa forma muitos símbolos da religião grega, e da religião astral persa, latentes na Idade Média se proliferaram no Renascimento. No Vaticano, por exemplo, na sala dos Pontífices decorada por Leão X, os nomes dos sucessores de Pedro, são cercados por símbolos do zodíaco, e pelas figuras de Marte e Júpiter passeando em seus carros celestes.

69 Para maiores detalhes conferir Figura 121, no Capítulo II.

Page 62: 1-dissertação

60

Figura 41 Lazzarini: A Glória da Santíssima Trindade, 1955 Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS.

O diferencial desta Trindade,

em relação aos demais murais de

Lazzarini, é o modo de representação

das formas que passam a constituir

uma espécie de visão de céus que se

abre sobre o teto, onde a maioria dos

personagens é apresentada em forte

escorço. A cena utiliza alguns dos

princípios básicos da perspectiva

ilusionista, técnica aperfeiçoada pelo

Padre Andrea Pozzo de Trento (1682-

1784), e mais tarde desenvolvida na

obra de Tiepolo (1696-1770), de

Veneza. Conforme Bazin (1993, p.

259) este método seria o resultado de

um lento esforço que, a partir do

século XV na Itália, procura libertar a

pintura da superfície e projetá-la no

espaço. Em princípio, as formas eram

desenvolvidas horizontalmente nas

paredes, por perspectiva linear, mas

no final do Quatroccento, alguns

artistas descobrem que os tetos eram

mais propícios a seus objetivos. Para

essa evolução, foram inestimáveis os estudos de perspectiva convergente, do Padre Pozzo,

cujos procedimentos, mais tarde, são retomados e desenvolvidos pelos lombardos, através de

pintores que se encarregaram de dar mais mobilidade ao espaço, rejeitando as cenografias

arquitetônicas e colocando corpos em livre movimento no céu. Provavelmente, é em uma

derivação desta última técnica, que Lazzarini se utiliza ao realizar o mural da Santíssima

Trindade de Nova Palma, pois, não há qualquer prolongamento ilusionístico dos volumes

arquitetônicos da igreja. Uma característica peculiar dessa perspectiva, é que ela não é

centrada sobre um único ponto de fuga, conforme a técnica preconizada por Pozzo, mas

utiliza vários pontos. O que causa um efeito semelhante àquele que Bazin denomina

Page 63: 1-dissertação

61

turbilhonamento, cuja técnica foi desenvolvida por artistas alemães que partindo da

perspectiva italiana: “[...] a levaram mais adiante distorcendo o espaço em efeitos

turbilhonantes, aumentando o número de ponto de fuga para aumentar o efeito a olhos

situados em diferentes partes da Igreja” (1993, p. 259). Apesar dessa possível contribuição

germânica, a influência da Escola de Veneza é marcante, e se faz sentir, principalmente, na

forma de representação dos escorços e de amplas áreas do céu, cujo paralelo pode ser

encontrado nas obras de Tiepolo e Piazzeta.

Entre os vários elementos formais que a Trindade de Nova Palma parece assimilar do

estilo barroco, transparece a característica composição, organizada a partir de um movimento

sinuoso ascendente. Movimento que inicia na figura do anjo localizado na parte inferior

(relativa à orientação vertical dos personagens) e segue em evoluções que culminam na figura

do Espírito Santo. Na parte inferior deste mural, percebemos uma figura com asas negras que

parece ocultar o rosto à presença de Deus (Figura 41). À primeira impressão, poderíamos

associá-lo a Lúcifer ou algum dos anjos rebeldes, condenados após a queda narrada pelo

Gênesis. Mas, outros detalhes se tornam presentes quando aguçamos o olhar, e percebemos

que sua face sombria é ornada por barbas brancas, e que suas mãos portam um instrumento

em forma de gadanho, atributos que nos permitem identificá-lo como sendo uma derivação

tardia da iconografia de Cronos. Diretamente relacionado ao personagem estudado por

Panofsky, no ensaio dedicado à iconografia renascentista do Pai Tempo (PANOFSKY, 1991,

p. 69-89). Sabe-se que desde a Antigüidade a iconografia precursora desse modelo, referente

ao antigo deus da mitologia grega, também foi, por vezes, interpretada como uma

personificação do tempo70.

70 Cronos era uma divindade venerada na Grécia antiga, principalmente nas cidades de Atenas, Rhodes e Tebas. Seu culto, porém, já era difundido entre os assírios e caldeus, e sua origem parece guardar reflexos da mitologia hindu, pois sua legendária batalha contra Urano encontra muitas estruturas semelhantes aos combates de Indra e Asura descritos pelos Vedas. Cronos era identificado como o titã que auxiliado pela mãe Gaia (a Terra) vinga-se do próprio pai, Urano (o Céu) castrando-o. Mais tarde, tendo desposado Réia, (sua irmã) Cronos passa a devorar os próprios filhos. Um destes filhos, chamado Zeus, graças a um artifício de Réia, foi salvo da voracidade paterna, vindo a crescer escondido. Chegado o tempo, Zeus destrona Cronos, obrigando-o a vomitar os irmãos que outrora foram engolidos. Devido à uma semelhança fonética da língua grega entre o nome de Cronos (Krónos) e a palavra tempo (Khrónos), este deus passou a ser identificado desde a antiguidade como uma personificação do tempo, gerando muitas controvérsias, mas conforme BRANDÃO: “[...] se na realidade Krónos, Cronos nada tem a ver, etimologicamente, com Khrónos, o tempo, semanticamente a identificação de certa forma é válida: Cronos devora, ao mesmo tempo gera, estanca as fontes da vida, mas torna-se ele mesmo uma fonte de vida fecundando Réia” (Mitologia Grega, 1991, p.198). Essa confusão etimológica se estendeu também à iconografia deste deus, como podemos notar a respeito de uma descrição onde GENEST observa que: “Os artistas dão-lhe a aparência de um vigoroso velho de longa barba branca, crânio despovoado de cabelos, ombros munidos de amplas asas que descem até o chão e de envergadura imponente, armado de uma gadanha ou grande foice na mão direita, sustenta na esquerda uma ampulheta”. (Contos e Lendas Mitológicas, 1934, p. 23) esta última, um atributo explícito de sua condição simbólica ligada ao conceito de tempo.

Page 64: 1-dissertação

62

Figura 42 Pietro de Cortona: A Glorificação do papado de Urbano VIII. 1633 - 1639. (Detalhe). Palácio Barberini.

Uma figuração semelhante a este

personagem, também pode ser encontrada em um

afresco de Pietro de Cortona: A Glorificação do

papado de Urbano VIII (Figura 42), Uma obra

alegórica realizada por um religioso de formação

humanista. Ao se considerar o caso da imagem

utilizada por Lazzarini, somos levados a crer que

se trata de um empréstimo da mitologia pagã, com

a função de tornar visível uma alegoria do final

dos tempos. Pois se nota que a enigmática figura

parece agonizar ao mesmo tempo em que um anjo

abre um pesado livro sobre sua cabeça. Forma,

talvez alusiva ao livro dos selos descritos pelo

Apocalipse. Se esta hipótese estiver correta, esta

representação da Santíssima Trindade seria

decorrente da interpretação figurativa, na qual se

fundem alguns dos vários elementos simbólicos

derivados das visões de São João, na ilha de

Patmos, conforme o que o apóstolo descreve em

suas Revelações.

Entre as tradicionais representações da Santíssima Trindade, a mais utilizada por

Lazzarini, foi aquela que, convencionalmente, é Chamada de Trindade Horizontal. Padrão

que teve origem na arte imperial romana e bizantina e que, freqüentemente apresentava dois

ou três imperadores romanos, sentados em um trono e coroados pela vitória. Réau (1957, p.

22) classifica as Trindades Horizontais, em três grupos principais de iconografia mais

freqüente: o primeiro, apresenta as três pessoas divinas com feições semelhantes. O segundo

apresenta, também, duas figuras iguais em idade e atributos, mas, com o Espírito Santo em

forma de pomba, e a terceira forma, que surge a partir do século XVI, apresenta as três

pessoas de forma diferenciada, como demonstra um Tríptico de Nicolas d`Itoe (1592) em

Vitteau (Côte d`Or), onde o Pai é representado, vestido normalmente, enquanto que o Filho,

traz um lado do corpo descoberto, “[...] essas inovações são reencontradas na Trindade de

Rubens na Pinacoteca de Munique (Figura 43), assim como no breviário de Grimani, no qual

o Pai tem um cetro e o filho porta sua cruz, posando, os pés sobre o globo do mundo”(RÉAU,

1957, p. 24). Essa iconografia utilizada por Rubens, como poderemos perceber, é uma forma

antecessora do modelo de Trindade Horizontal utilizado por Lazzarini.

Page 65: 1-dissertação

63

Em 1954, quando Lazzarini é contratado

para realizar a obra atual, a Igreja Matriz de Nova

Palma já possuía uma pintura anterior, conforme o

registro fotográfico do arquivo deste pintor. O teto

do presbitério, por exemplo, apresentava uma

Trindade Horizontal. cuja iconografia, também,

revela semelhanças quando comparada ao padrão

que Eduardo Etzel (1938, p. 32) analisa na obra

realizada pelo pintor popular José Benedito da Cruz

(Figura 44), a partir de um retábulo da segunda

metade da década de 20. Obra que se encontra na

igreja matriz de Guararema, no interior do estado de

São Paulo. Embora ainda existam dúvidas quanto à

atribuição da antiga Trindade de Nova Palma, a

hipótese que nos pareceu mais viável no decorrer

desta pesquisa, é a que tende atribuir tal pintura ao

próprio Lazzarini, em uma de suas primeiras

incursões na região, no intervalo aproximado de

1936 a 194071. O fato de encontrarmos formas

iconográficas semelhantes em regiões afastadas,

como o interior do Rio Grande do Sul, e o de São

Paulo, pode ser um indício de que as fontes

(reproduções gráficas) deste modelo foram bastante

disseminadas ou populares, entre a década de 20 e a

década de 40. Período no qual se situam estas

obras. Fontes, que assim como no período do

barroco histórico brasileiro, continuavam a servir

como meio de acesso e de difusão dos modelos

europeus. Como neste caso específico do modelo

compartilhado tanto por José Benedito da Cruz

quanto por esse pintor, que tendemos a identificar

como Lazzarini. Modelo, que no caso da 71 Hipótese desenvolvida a partir do depoimento de Juventino Barbieri (ex-auxiliar de Lazzarini no Período de 1962 a 1964) em entrevista realizada em Dona Francisca em 27 de novembro de 1999).

Figura 43 Rubens: A Santíssima Trindade, 1616. Antiga Pinacoteca de Munique. Foto: Franz Hanfstaengl.

Figura 44 - José Benedito da Cruz (J. B. C.): A Santíssima Trindade, 1926. Óleo sobre cartão. Guararema, SP.

Page 66: 1-dissertação

64

iconografia utilizada em Nova Palma, parece derivar, em última instância, da Santíssima

Trindade de Rubens (Figura 43). Durante a realização desta primeira pintura da Santíssima

Trindade (década de 30), é possível, que o pintor tenha se inspirado numa antiga reprodução

gráfica alemã da obra de Rubens. Imagem que, em sua forma emoldurada, teria sido a

primeira Trindade venerada nesse local, no altar da primitiva capela de madeira (construída

em 1888), onde teria permanecido exposta até 1904, época em que foi substituída, por um

novo quadro executado na técnica de óleo sobre metal, também proveniente da Alemanha.

A primitiva versão da Trindade de Nova Palma (década de 30), assim como a

iconografia da obra original de Rubens, apresenta Deus Pai e Cristo, sentados lado a lado,

tendo o globo terrestre aos pés (Figura 45 e Figura 46). Na obra de 1955, Lazzarini não repete

este modelo de composição, optando por uma Trindade mais dinâmica, na qual as três pessoas

se encontram separadas, perfazendo um movimento em espiral ascendente. Isso, no entanto,

não chega a significar o abandono do antigo modelo72, tanto que, nas composições da

Santíssima Trindade posteriores, ele retoma definitivamente, a composição horizontal, dessa

vez através de uma variante, na qual é suprimida a representação do globo localizado aos pés

dos personagens, que foi utilizado na extinta pintura da Matriz de Nova Palma, conservando

apenas a pequena esfera terrestre sustentada pelas mãos de ambas figuras divinas. Esse padrão

é retomado a partir da Igreja de São João Batista, de São João do Polêsine (1957). Ocasião em

que Lazzarini parece demonstrar um bom senso de adequação espacial, distribuindo a

composição, de modo que ela não tivesse suas figuras cortadas, em nenhuma área essencial,

pelas linhas quadrangulares do forro de madeira (Figura 47). Semelhante padrão formal,

também veio a ser utilizado, na Trindade de Vale Veronês (Figura 48). Apesar da pintura se

encontrar bastante danificada, pelas infiltrações e tentativas de conserto do forro, ali se nota: o

acréscimo de auréolas como o principal elemento diferencial deste mural, e o detalhe da

mudança de cores nas vestes de Cristo que passam a serem brancas nesta representação. Em

Novo Treviso, as mudanças, já introduzidas na Capela de Nossa Senhora do Monte Bérico,

são mantidas. A base do trono passa a ser encoberta por nuvens, a cor se torna mais

esmaecida, e ocorre o acréscimo de pequenos anjinhos (putti) na parte superior da pintura

(Figura 49).

72 É possível que a iconografia da Trindade Horizontal já fosse conhecida e utilizada por Lazzarini em obras anteriores, pois em uma foto de seu arquivo encontramos uma pintura neste padrão, em uma igreja sem datação ou identificação, mas que cujo estilo de traços contidos e inseguros, possivelmente remontam aos primeiros trabalhos do pintor no Brasil.

Page 67: 1-dissertação

53

Figura 45 Interior da Igreja da Santíssima Trindade de Nova Palma, ainda com o antigo mural da Trindade que em 1955 foi substituído pela nova pintura de Lazzarini. Foto: Arquivo da Família Lazzarini

Figura 46 Desenho nosso: Reconstituição aproximada da antiga composição da Trindade outrora existente no Presbitério da Igreja da Santíssima Trindade de Nova Palma.

Page 68: 1-dissertação

53

Na Trindade Horizontal de Ivorá (Figura 50), o manto de Cristo, que até então, nas

últimas trindades era representado em azul, muda para o vermelho. As cores atingem uma

expressividade maior, provavelmente, em decorrência do domínio técnico alcançado através

da familiaridade com o tema, proporcionada pelas várias experiências anteriores nesse tipo de

representação. Deus Pai e Cristo aparecem sem auréolas, em compensação, o Espírito Santo

tem sua diminuta proporção natural compensada pelo fulgor dos raios luminosos que dele se

projetam, a ponto de igualá-lo em importância visual às outras duas pessoas da Santíssima

Trindade. O globo, sob os pés da alegoria, passa a ser apresentado em verde, encontrando

ressonâncias cromáticas nas vestes de Deus Pai, e em um dos pequenos anjos sob as nuvens

do trono celeste. Formalmente, a estrutura básica não parece receber mudanças significativas,

de tal forma que essa constância nos padrões de espaços internos e proporções, poderia levar-

nos a supor que Lazzarini tivesse utilizado um sistema de cartões73, para reproduzir esta

composição nas várias igrejas em que pintou. No entanto, Fiorello Orlandi, um de seus

auxiliares no período de 1958 a 1959, não confirma o uso deste recurso nas pinturas murais,

afirmando que na época em que trabalhou para Lazzarini, as grandes pinturas eram esboçadas,

a lápis, diretamente na parede, a partir de uma pequena figura impressa que servia de modelo.

A técnica de cartões perfurados era utilizada, mas se restringia à reprodução de frisos e

motivos decorativos.

73 Técnica, utilizada a partir do Renascimento, que consiste numa espécie de molde em papel rústico no qual o artista executa o desenho em seu tamanho definitivo, perfurando logo após, em espaços regulares e de grande proximidade todo o contorno da figura. Mais tarde, no local de execução da pintura, é pressionado um pequeno invólucro de pano, contendo carvão em pó, o qual transpassa os orifícios do desenho, reproduzindo na parede os contornos básicos, com a vantagem de que esses cartões podiam ser utilizados várias vezes.

Page 69: 1-dissertação

53

Figura 50 - Lazzarini: A Santíssima Trindade,1963. Igreja de São José. Ivorá, RS.

Figura 49 Lazzarini: A Santíssima Trindade, 1961. Igreja de São Marcos. Novo Treviso. Faxinal do Soturno, RS

Figura 47 Lazzarini: Santíssima Trindade , 1957 São João do Polêsine, RS

Figura 48 – Lazzarini: Santíssima Trindade, 1960. (detalhe restante do mural danificado) Igreja N.S. do Monte Bérico.Vale Veronês, Silveira Martins, RS.

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54

Figura 51 O Batismo de Cristo, Impressão gráfica Capela de São José, Santuário da Sagrada Família Linha Cinco, Nova Palma, RS.

1.4. A Vida Pública de Cristo

1.4.1 O Batismo

Este é um tema que aparece indissociavelmente, ligado ao espaço arquitetônico,

próximo à entrada das igrejas, lugar normalmente destinado a pia batismal. Em Nova Palma,

encontra-se aquela que é, provavelmente, a única pintura de Lazzarini, realizada sobre suporte

móvel, remanescente nesta região. Consiste num quadro de madeira, no qual ele usa a mesma

técnica a secco que utilizava nos murais. Nessa obra toda a atenção é concentrada nos

personagens de Jesus e de João Batista, o fundo não apresenta uma paisagem definida, mas

apenas indicações de cor difusa. Atualmente essa obra se encontra danificada em decorrência

de uma tentativa mal sucedida de limpeza.

O tema do Batismo seria retomado por

Lazzarini, seis anos mais tarde, na Igreja de São Marcos

de Novo Treviso (1961), ocasião em que utiliza uma

nova composição, provavelmente já influenciada por

alguma gravura popular do Batismo de Cristo. Uma

destas reproduções gráficas correntes na época encontra-

se, atualmente, na entrada da Igreja de São José de Dona

Francisca, em um local que Lazzarini, provavelmente,

deve ter visto durante seus trabalhos em 1956. No

decorrer da pesquisa, encontramos uma segunda cópia,

na pequena Capela de São José, em Linha Cinco, Nova

Palma (Figura 51). Além dessas, é preciso considerar que

na própria Igreja de Novo Treviso, existe uma antiga

cópia artesanal deste modelo, obra que de acordo com

informações locais74, seria a única restante de uma série

de quadros religiosos que eram expostos na antiga capela desse povoado, obra cujo conjunto,

hoje disperso, teria sido executado por Amadeu Kuliska (Figura 52). É interessante notar que

uma pintura baseada no mesmo padrão foi encontrada e analisada por Eduardo Etzel em

Taiaçupeba, interior de São Paulo (Figura 53), na Igreja de São Sebastião. O Batismo, naquele

caso, foi representado como uma cena complementar, no lado direito de um retábulo

executado em 1919, pelo pintor popular José Benedito da Cruz (1887- 1934), obra na qual se

74 Cf., informações fornecidas pelo Sr. Albino Sari, domiciliado em Novo Treviso, RS. Entrevista realizada em Junho de 1998.

Page 71: 1-dissertação

55

encontra uma “[...] cena muito bem reproduzida. Encimando a mão de São João, um divino de

asas abertas com raios resplandecentes” (ETZEL, 1978, p. 48). Ocasião em que Etzel já

constatava que “[...] este painel é uma cópia dos cromos comuns no começo do século, que se

encontram a cada passo até hoje no Comércio, J.B.C. copiou-o com rara fidelidade, mas

enriqueceu-o com sua fértil imaginação” (ETZEL, 1978, p. 47).

Em Novo Treviso, existe a probabilidade de Lazzarini ter baseado a parte principal de

sua representação, em alguma segunda fonte não localizada. As semelhanças entre as antigas

representações do Batismo encontrada nos quadros populares, e as novas pinturas de

Lazzarini, parecem restritas e insuficientes para que se evidencie tal influência (Figura 54).

Mas, a partir do segundo mural, executado alguns anos mais tarde, em Ivorá (Figura 55),

apesar de Lazzarini manter o mesmo tipo de disposição dos personagens, as correspondências

seriam um pouco mais acentuadas, pois a paisagem ganha mais elementos que se assemelham

à este antigo referencial gráfico, o que se torna visível, principalmente, na definição da

paisagem, do horizonte, e no acréscimo de coqueiros em substituição aos rochedos que,

originalmente apareciam na cena batismal por ele executada, na Igreja de São Marcos em

Novo Treviso.

Em todas as cenas batismais, Lazzarini se mantém dentro do padrão ocidental,

denominado batismo por aspersão, ou infusão75. Conforme Réau, o rito do batismo da igreja

primitiva era administrado de duas formas: por imersão dentro de uma piscina do batistério,

ou pela infusão, num ritual realizado dentro da capela das fontes batismais, onde em algum

momento, por razões de comodidade, a água corrente foi substituída pela água de um vaso.

Mais tarde a prática do batismo por infusão ou aspersão, foi aplicada também a menores, por

causa das doenças infantis. É interessante notar que na arte primitiva, Cristo era, por vezes,

representado do tamanho de uma criança, no momento do batismo, como por exemplo, nos

murais da Catacumba Calixto em Roma, e nos relevos do sarcófago de Santa Quitéria. Uma

provável explicação para esta anomalia, é que dentro da liturgia, os catecúmenos eram

chamados de pueri, (crianças). Na arte ocidental, a imagem de um Cristo adulto e barbado, na

forma que conhecemos, surge no fim do século VII no Evangelho Siríaco de Rabula. A

fórmula do batismo por imersão, no entanto, continuaria a influenciar a arte bizantina do

século VI ao século X, através de mosaicos, nos quais cristo é representado, completamente

nu, imerso nas águas do Jordão, até a altura da cintura (RÉAU, 1957, p. 297).

75 Infusão: termo aqui utilizado no sentido da expressão latina infusu: infundido, derramado, vertido.

Page 72: 1-dissertação

56

Figura 52 Óleo sobre madeira. Igreja de São Marcos, Novo Treviso. Faxinal do Soturno, RS.

Figura 54 Lazzarini: O Batismo de Cristo, 1961 Igreja de São Marcos, Novo Treviso. Faxinal do Soturno, RS

Figura 53 J. B. C.: O Batismo de Cristo,1919. Igreja de São Sebastião. Taiaçupeba, SP

Figura 55 Lazzarini: O Batismo de Cristo, 1963 Igreja de São José. Ivorá, RS.

Page 73: 1-dissertação

57

Figura 56 Lazzarini: Agonia no Horto, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

Um antigo retábulo de Nicolas Verdun (1181) representa o batismo por infusão ainda

combinado com a imersão, pois somente no século XIV com Taddeo Gaddi e Andrea Pisano é

que a nova fórmula passou a ser dominante. De modo que, mais tarde, veio a ser incentivada

após o Concílio de Trento, principalmente, porque a fórmula medieval do batismo por

imersão havia se transformado, nas mãos dos artistas renascentistas, em um motivo pagão,

freqüentemente reduzido à representação de “[...] um banho de belos corpos efebos nus ao ar

livre”(RÉAU, 1957, p. 300). No Batismo, de Novo Treviso e Ivorá, Lazzarini segue a fórmula

da iconografia reformada, na qual o Batista se inclina com humildade diante do Cristo, e este

demonstra respeito recíproco. Um gesto que guarda em sua origem, a provável influência de

textos piedosos do século XVII, nos quais os artistas do passado se inspiraram, entre esses, os

escritos da santa florentina, Maria Madalena de Pazzi, que exalta o gesto de Jesus quando

exclama: “[...] tu viestes a inclinar-te e humilhar-te diante de São João como se Tu

necessitasses ser purificado”(Male apud RÉAU, 1957, p. 300).

1.4.2 Agonia no Horto

Na Igreja da Santíssima Trindade, os

momentos de conflito e angústia que antecedem

o momento da morte de Cristo são descritos,

com simplicidade e despojamento, num

ambiente impregnado com os sentimentos de

dor e desolação. Atitude que transparece tanto

nos gestos expressivos de cristo quanto no

cenário (Figura 56). O Getsêmani não apresenta

a exuberância verde esperada para um local

chamado Jardim das Oliveiras, antes disso, o

primeiro plano assemelha-se mais a um local

deserto que contribui para acentuar a solidão do

personagem. O simbolismo da dor está presente,

através dos ramos espinhosos e das tonalidades

gélidas que dominam a paisagem.

Sobre o rosto de Cristo incide um feixe

luminoso que traduz a presença reconfortante de

Deus Pai durante o sofrimento do filho. A

Page 74: 1-dissertação

58

Figura 57 Lazzarini: Agonia no Horto, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

introdução da luz direcionada, como forma simbólica na agonia do horto, é atribuída a

Rembrandt, que teria utilizado esse recurso em um desenho a bico de pena de maneira à

substituir a tradicional presença do anjo. Conforme Bialostocki: “Rembrandt raramente

elimina ou muda elementos iconográficos firmemente estabelecidos pela tradição, mas

algumas raras exceções ocorrem, uma delas é a supressão do cálice, na gravura do

Getsêmani.”(1972, p. 133). O costume de Rembrandt, de substituir o anjo e Deus Pai por um

raio de luz, também é encontrado na obra Hagar no Deserto, e foi motivo de estudos por parte

de Van der Waal, Rotermund e de Saxl. Bialostocki ainda salienta que: “Em certas épocas

Rembrandt se resiste em representar o milagre em sua forma tradicional. Sua fé no milagre

como tal não vacila, porém a luz é uma expressão mais indeterminada e, em conseqüência,

mais adequada à seus sentimentos religiosos.” (Saxl apud BIALOSTOCKI, 1972, p. 132).

Em Faxinal do

Soturno (Figura 57), Lazzarini

prefere permanecer fiel à tradição

anterior ao pintor flamengo,

optando por padrões mais próximos

aos modelos utilizados por Ticiano,

onde o cálice e o anjo estão

presentes, numa composição em

que a necessidade de simplificação

e a disponibilidade de espaço o

conduzem a limitar o número de

personagens, de modo que, em

nenhuma das representações da

Agonia, Lazzarini insinua a

proximidade dos apóstolos que à

distancia, teriam observado seu mestre, conforme descrevem os evangelhos e a antiga tradição

das representações desse tema. De acordo com Réau (RÉAU, 1957, p. 430), no século XIV,

os baixos relevos, por vezes, descreviam inclusive a presença dos apóstolos mais afastados,

perfazendo a totalidade dos doze, apesar da flagrante contrariedade ao texto bíblico, e mesmo

no Renascimento eram tolerados certos acréscimos, como por exemplo, nos afrescos de Fra

Angélico no convento florentino de São Marcos, no qual o pintor teria tomado a liberdade

poética de introduzir a presença de Maria que assiste a agonia de seu filho.

Page 75: 1-dissertação

59

Figura 58 Ticiano: Cristo no Monte das Oliveiras, c.1565.

A obra de Ticiano (Figura 58) é um

exemplo da antiga iconografia da Agonia

no Horto. Nela se pode notar, que Cristo

era representado ajoelhado, porém ainda

sem qualquer apoio secundário. De acordo

com Réau a introdução da rocha, na qual

Cristo se ampara, seria um acréscimo

iconográfico realizado por Falconet,

influenciado pelas representações de Santa

Teresa em Transverberação, de Bernini.

Em Lazzarini, como se pode observar, o

detalhe da rocha, resultante desta nova

tradição é conservado nas duas

representações do tema. Outro detalhe

tradicional, presente apenas na cena da

Agonia no Horto de Faxinal do Soturno, é

o cálice: que de acordo com a narração

bíblica tinha apenas um sentido metafórico,

mas desde que os artistas do século XIV

começaram a representá-lo, tem se mantido

de como um atributo à temática de modo

que hoje nos é impossível dissociá-lo,

nessas pinturas, da materialidade do objeto

correspondente.

Page 76: 1-dissertação

60

Figura 60 Lazzarini: Crucifixão, 1956 Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

4.3 Crucifixão

Em Nova Palma, a cena da

Crucifixão38 segue a simplicidade

compositiva que caracteriza todo o ciclo da

nave lateral esquerda, na qual são

desenvolvidos os temas relativos à vida de

Cristo (Figura 59). A iconografia deste

mural baseia-se na Crucifixão com três

personagens, na qual Maria é,

tradicionalmente, representada à direita da

cruz, enquanto que o lado esquerdo é

reservado a João, discípulo a quem Jesus

antes de morrer, teria confiado a missão de

zelar por sua mãe. Este era o padrão

observado por todas as crucifixões anteriores

ao fim do século XIII. A variante na qual

Maria e João são representados juntos,

ocupando apenas um dos lados da

composição, surge apenas a partir do século

XIV, época em que o tema passa a incluir

um número crescente de personagens, vindo a constituir as cenas de crucifixão que Réau

(1957, p. 498) denomina: Grande Espetáculo. Modelo que, como veremos, Lazzarini viria a

utilizar em alguns de seus murais.

Em Faxinal do Soturno, na Igreja de São Roque (1956), o pintor se depara com o teto

curvo da abside localizada sobre o presbitério, onde o amplo espaço permite uma composição

mais complexa. Isso parece contribuir para que ele abandone a antiga composição

simplificada em favor do modelo renascentista, no qual vários personagens compartilham a

cena, dessa vez estruturada em volta de um eixo vertical imaginário. Os pontos de maior

luminosidade de toda a composição se concentram logo acima da cruz, na auréola que

38 Cf., DANIEL; BERGER,(1971, p. 66), a técnica de execução por crucifixão não era originalmente utilizada pelos romanos, mas eles mais tarde a assimilam a partir da cultura dos Cartaginenses que por sua vez, haviam herdado de seus antecessores, fenícios.

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61

Figura 60 Lazzarini: Morte de Jesus, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

envolve o Espírito Santo e Deus Pai. Acima destas figuras, em uma tonalidade mais baixa,

dois anjos completam uma grande vertical cujo vetor é orientado em direção à cruz. Toda a

ação se concentra nesta linha central, de modo que os espaços laterais superiores, reservados à

área de céu, já não parecem apresentar qualquer outro ponto de interesse (Figura 60).

Na parte terrestre da pintura, o primeiro plano destaca, com proximidade, as figuras de

Maria e João; discípulo que, tradicionalmente, representa sozinho os apóstolos que foram

dispersos após trair, negar ou abandonar seu mestre. Mas, ainda resta um terceiro personagem

neste agrupamento à direita da pintura, sobre o qual se pode apenas evocar possibilidades que

vão desde a presença de um simples figurante do povo até a remota participação de um

segundo apóstolo. Pois, é preciso considerar que, excepcionalmente, a figura de São Pedro aos

pés da cruz foi incluída na pintura bizantina, por influência do teatro religioso que encenava a

lenda segundo a qual o Primeiro Apóstolo arrependido de ter negado Cristo obteve seu perdão

no calvário, por intercessão da Virgem (RÉAU, 1957, p. 492). Próxima à base da cruz, já em

direção ao lado esquerdo da pintura, encontra-se Maria Madalena, personagem cujo

significado expressivo de profunda tristeza, é exposto por exacerbados gestos teatrais que

contrastam com o comportamento contido e estóico da Virgem Maria. Integrando este

Page 78: 1-dissertação

62

segundo agrupamento, encontra-se outra mulher que pode ser identificada como Maria de

Cleófas. Nas proximidades é representado um homem portando lençóis brancos, atributo que

contribui para identificá-lo como José da Arimatéia (Marcos 16, 43-46), o senador que teria

solicitado a Pilatos o corpo de Cristo para que fosse sepultado dignamente.

A diminuição proporcional causada pelo afastamento natural dos personagens do

segundo grupo e o vazio criado pela posição mais baixa, ocupada por Madalena, introduzem

uma assimetria, logo compensada, numericamente, pela introdução da figura do soldado

romano que agrega o valor de uma quarta forma ao agrupamento esquerdo. Esse personagem,

provavelmente, representa o soldado que, encarregado de apressar a morte dos crucificados,

transpassou o lado de Cristo com uma lança para assegurar-se de que Este já estivesse morto

(João 20, 33-34). A tradição, também, o identifica como o centurião que, presenciando os

fenômenos atmosféricos que tomam lugar no momento da morte de Cristo, teria dito

“Verdadeiramente este homem era o filho de Deus” (Marcos 16, 39). O texto apócrifo Atos de

Pilatos (Acta Pilati) designa esse personagem como Longuinos39, então considerado o

primeiro soldado convertido após a morte de Cristo a professar a divindade do mestre

nazareno. Nas cenas da crucifixão esse centurião é, tradicionalmente, representado à direita de

Cristo, mas algumas exceções já ocorriam no passado, como por exemplo num Evangeliário

Irlandês do século VIII (Biblioteca de Saint Gall) onde ele é representado à esquerda, e se a

identificação do personagem estiver correta, é o que também ocorre, nesta pintura de

Lazzarini em Faxinal do Soturno.

Em Dona Francisca (Figura 61), no espaço quadrangular estreito e longo do

presbitério, a cena representada é mais simples do que àquela utilizada em Faxinal do

Soturno, cuja iconografia foi baseada na Crucifixão com quatro personagens. A ampla área

sobre a cruz é preenchida apenas com nuvens. Já não há lugar para nenhuma figura celeste,

mas somente para um índice de transcendência mais discreto: a faixa de luz direcionada. A

cor recebe um tratamento conflitante, devido à alta intensidade cromática do azul utilizado

para preencher as áreas de nuvens. O que leva a supor a possibilidade de uma intervenção

corretiva posterior do próprio artista, ou uma tentativa de restauração tardia, apesar de não ter

sido localizado nenhum registro paroquial que confirme essa última suspeita.

39 Cf., Réau, (1957, p. 496) Longuinos é, provavelmente, uma derivação da palavra grega Longkê que significa lança.

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63

Figura 61 Lazzarini: Crucifixão, 1956. Igreja de São José. Dona Francisca, RS.

Figura 62 Lazzarini: Crucifixão, 1958. Igreja de Santo Antônio. Silveira Martins, RS.

Em Silveira Martins, ocorre aquela que talvez seja a mais bem sucedida representação

da Crucifixão, numa composição onde Lazzarini consegue exitosas harmonias cromáticas e

sutileza de detalhes (Figura 62). A representação dos céus não segue a fórmula clássica

utilizada por Rubens (Figura 63), mas cria um espaço luminoso que envolve a cruz em sua

linha dinâmica em forma de espiral. O rosto de Cristo, e dos santos são envoltos por auréolas

luminosas; detalhe que ele não voltará a repetir em nenhuma das outras vezes em que volta a

se dedicar ao tema. A paisagem, normalmente sintética e modesta em detalhes, recebe nesta

imagem uma descrição mais profícua. Na base da cruz, Lazzarini representa um crânio,

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64

Figura 64 Lazzarini: Crucifixão, 1959. Igreja N. S. das Dores. Santa Maria, RS.

permanecendo fiel a esta longa tradição iconográfica. Trata-se de um atributo, muito

freqüente em iluminuras medievais, que foi, por vezes, interpretado como um signo da

palavra Gólgota que na língua aramaica era sinônimo de caveira. Mas, para além dessa

interpretação, existe outro caráter simbólico derivado de uma tradição que identifica o

Gólgota como o local do túmulo de Adão. Mateus (27, 52) ao expressar a tristeza da morte de

Cristo personifica a natureza, em seu brado de revolta, manifestando a fúria dos elementos

num ambiente onde “[...] a terra treme, as rochas se fendem, e os sepulcros se abrem”

(Destaque nosso). Esta passagem pitoresca reforçou uma lenda medieval que associa o local

da morte de Cristo com o túmulo de Adão que, neste momento, teria sido resgatado do Xeol40

por Jesus. Um destes textos pode ser encontrado no apócrifo, Segundo Livro de Adão e Eva, o

qual narra as profecias de Adão, sobre o dilúvio vindouro, e, como mais tarde, Lamec

recomenda a Noé dizendo que: “[...] ao partir dessa terra deverá levar convosco o corpo de

nosso pai Adão e deverá depositá-lo no centro da terra, lugar no qual será engendrada a

salvação”. (TRICCA, 1992, p. 170).

Em Santa Maria, Lazzarini retorna a

este tema (Figura 64), observando poucas

modificações na composição. Maria

Madalena é representada em uma posição

mais inclinada, de maneira semelhante à

Crucifixão de Dona Francisca. A pintura dos

personagens, apesar de preservar muitas das

relações cromáticas utilizadas em Silveira

Martins, apresenta contrastes mais intensos,

salientando-se o detalhe do verde presente

nas vestes de Madalena, que passa a ser

aplicado em áreas difusas também no espaço

destinado à paisagem. Ambientação que

nesse caso não é representada em detalhes,

mas apenas sugerida por faixas de cor e a

tradicional presença do crânio de Adão é, finalmente, suprimida. A expressividade deste tema

que contrapõem a presença da Mãe, Maria, junto ao filho que sofre, é reforçada neste caso

40 Cf., Minois (1994, p. 28-31) Xeol, era para os antigos Hebreus um lugar subterrâneo, a morada dos mortos, local para onde iam as almas dos bons e dos maus, que esperavam pelo juízo divino. Não era um local de punições, mas essa idéia surge mais tarde na época helenística, provavelmente por influência persa.

Page 81: 1-dissertação

65

Figura 65 Lazzarini: Crucifixão, 1962. Igreja de Nossa Senhora do Caravaggio. Ivorá, RS.

pela proximidade deste mural em relação à cena do Descenso da Cruz, também representada

na abside deste presbitério.

Na Capela de Nossa Senhora do

Caravaggio, o contraste com as pinturas

anteriores da Crucifixão é mais evidente,

Lazzarini retoma o modelo da Crucifixão com

três personagens, o céu já não é trabalhado em

turbilhões circulares, mas em um degradê de

faixas horizontais (Figura 65). As vestes, antes

descritas com relativa riqueza de detalhes,

dobras e pontos de tensão, passam a ser

pintadas num padrão que se assemelha aos

panejamentos de imagens medievais, em que as

dobras descem em linhas verticais, de forma

simplificada. Certamente, é difícil descobrir o

verdadeiro motivo que levaria o pintor a tal

modificação no estilo. No entanto, levantamos

algumas suposições, uma delas decorre do que

normalmente chamamos estilo da maturidade, o que parece razoável, ao se considerar que na

época Lazzarini tinha a idade de sessenta e três anos. Apesar do fato de que na executada em

Ivorá, ele volta a exibir o mesmo vigor presente em antigos trabalhos. Também existe a

possibilidade de que nestas pequenas capelas do interior, o pintor fosse menos exigido em

termos de qualidade, do que nas igrejas das cidades como Nova Palma, Faxinal do Soturno e

Santa Maria, ou, ainda, que a remuneração não comportasse, ou compensasse o esforço de

obras, formalmente, mais complexas. Mas a razão, mais provável, talvez seja decorrente das

condições de saúde do pintor pois, conforme o depoimento de Juventino Barbieri, justamente

nessa época, Lazzarini passou por uma enfermidade que lhe tolheu parcialmente a visão . Em

1962, Lazzarini realiza na região a última pintura de uma longa série de cenas da Crucifixão,

no teto do presbitério da Capela de Nossa Senhora do Caravaggio, em Sitio Alto (Ivorá). Obra

em cuja composição ele retoma a iconografia da Crucifixão com três personagens (Figura 65).

Este tipo de composição que foi, de certa forma, incentivada, após a Contra-Reforma, numa

reação contra a multiplicação excessiva de figurantes, introduzida pela Renascença. Idéia que

veio encontrar algum apoio nas posições mais conservadoras da Academia Francesa. quando

Charles Lebrun, o pintor oficial da corte de Luís XIV, passa a aconselhar que para manter o

caráter comovente: “[...] a crucifixão não deve comportar mais que um pequeno número de

personagens, três, portanto, seria o mais perfeito” (Lebrun apud RÉAU, 1957, p. 501).

Page 82: 1-dissertação

66

O Cristo crucificado de Sítio Alto, assim como nas representações anteriores, é

representado com os olhos fechados conforme a tendência iconográfica que se tornou

dominante no Ocidente, a partir do século XI. Que substituiu o padrão oriental, no qual desde

o século VI Cristo era representado com os olhos abertos, triunfante sobre a cruz.

Transformação, possivelmente, relacionada à uma mudança de mentalidade daquela época,

influenciada por sermões que passavam a destacar o sofrimento de Cristo, como por exemplo

as Meditações de Pseudo Boaventura, e as Meditações de Santa Brigite, que enfatizavam uma

espiritualidade diferente da teologia bizantina. Pois, nesses textos o interesse principal já não

consiste em glorificar o Cristo vivo, mas, em passar aos fiéis o espetáculo de seu sofrimento,

retratando com detalhes a imagem de sua morte na cruz, numa visão onde: “[...] ele está

coroado de espinhos, seus olhos, suas orelhas e sua barba, vermelhas de sangue, sua

mandíbula distendida, sua boca aberta, sua língua sangra, o ventre se volta para dentro como

se não houvesse intestinos” (Meditações de Santa Brigite apud RÉAU, 1957, p. 479). O que

corresponde a uma imagem textual de dor tão contundente quanto àquela que encontramos

mais tarde, visualmente, expressa no Retábulo de Issehein, através da cena da Crucifixão

pintada por Grünewald (1465 - 1528).

As primeiras representações de Cristo crucificado surgem somente a partir do século

V, quando “[...] o suplício da cruz perde seu caráter infamante, e se arriscam representações

de Cristo pregado sobre o patíbulo, entre dois ladrões”(RÉAU, 1957, p. 586) como demonstra

uma iluminura do Evangelho Siríaco de Rabula (586 d.C.). Nessas representações, Cristo

aparece vestido com uma longa túnica sem mangas cingida na altura da cintura, vestimenta

que passou a ser denominada de Colobium Sírio. Escritos místicos e apócrifos, também,

inspiraram uma iconografia peculiar na qual Maria, ao ver seu filho desnudo sobre a cruz,

teria se desfeito do próprio véu e o cingido à cintura de Cristo. Passagem que é descrita em

uma obra de Holbein; o Antigo (RÈAU, 1957, p. 472) que atualmente se encontra no Museu

de Berlim. Embora Lazzarini tenha apresentado na Crucifixão da Igreja Matriz de Nova

Palma uma veste mais alongada cuja dobras caem verticalmente este modelo não chega a

alcançar as dimensões do Colobium Sírio. Trata-se apenas de uma variante da mesma

vestimenta que no restante das cenas de crucifixão e descrita com uma forma mais curta,

composta pelo cruzamento do tecido em faixas diagonais. Detalhe que é muito freqüente na

arte ocidental, e que surgiu, provavelmente, no início do Renascimento, a partir da obra de

Roger Van der Weyden (aproximadamente em 1450), e que, mais tarde, foi denominado de

Perizoma ou Perizonium Helenístico (TREVISAN, 1990, p.182).

Page 83: 1-dissertação

67

Figura 66 Lazzarini: Ressurreição de Cristo, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

1.4.4 Ressurreição

Nas duas ocasiões em que Lazzarini

se dedicou ao tema da Ressurreição, ele

manteve a caracterização básica da figura

de Cristo, presente nos modelos em que se

inspirava, mas não deixou de incluir

pequenas modificações na forma de

representação dos detalhes; em Nova Palma

(Figura 66) o lençol branco que envolve o

corpo de Cristo, deixa transparecer a marca

de uma chaga no tórax, já em Faxinal do

Soturno (Igreja de São Roque), esse pano

cai sobre o braço direito, encobrindo esta

parte do corpo (Figura 67). A representação

dos soldados, também, difere de uma cena

para outra. Em Nova Palma tendo à

disposição uma área menor, apenas uma

testemunha é incluída ao evento. Estranhamente, as vestes deste personagem não são aquelas

consideradas típicas da guarda romana, e sua forma é representada apenas em meio corpo,

como que em um corte, resultante de um fechamento de campo, cinematográfico, sobre a

figura de Cristo.

Quanto à forma compositiva da Ressurreição de Faxinal do Soturno, Lazzarini

parece basear-se em uma antiga gravura em preto e branco, onde os guardas romanos estão

caracterizados de maneira tradicional. Seus rostos evitam a figura cintilante do Cristo

ressuscitado, ao contrário do personagem da igreja de Nova Palma que a contempla.

Entretanto, como característica comum, pode-se destacar o fato de que por diferentes

artifícios os rostos dos soldados permanecem ocultos ao espectador em ambas representações.

Ainda, com relação à Ressurreição da Igreja de São Roque, nota-se, que apesar de Lazzarini

ter copiado a forma dos soldados, ao tratar da figura de Cristo, ele se afasta do arcaico modelo

do redivivo que caminha, fornecido pela gravura (Figura 68), optando por utilizar a

iconografia do Cristo Planante.

Page 84: 1-dissertação

68

Figura 68 Iungtow: Ressurreição de Jesus. Origem provável: Escola Alemã (1794 -1872).

Figura 67 Lazzarini: Ressurreição de Cristo, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

Esse tipo de iconografia, na

qual Cristo é representado afastado

do solo, surge na arte italiana, a

partir do século XIV, e é

considerada como uma das

inovações de Giotto e sua escola

(RÈAU, 1957, p. 544). Permaneceu,

a princípio, como um tema exclusivo

da arte italiana, pelo menos até o fim

do século XIV, de modo que,

somente no final do século XVI,

veio a ser adotado pelas escolas

germânicas. Porém, sem grande

acolhida, por ser considerado

contrário ao espírito reformador da

época, que defendia que a imagem

freqüentemente utilizada pelos

artistas, na qual um Cristo sai da

tumba “[...] como um corpo livre da

gravidade não está no texto bíblico”

(DANIEL; BERGER, 1971, p. 198).

A forma iconográfica

fornecida pelo modelo e rejeitada

por Lazzarini, também tem uma longa tradição histórica: na Itália, um dos mais conhecidos

exemplos desta antiga iconografia, é encontrado na Ressurreição de Piero della Francesca

(1410/20 – 1492), na qual é desenvolvida uma composição, ainda mais naturalista, que

descreve Cristo, saindo do sepulcro, caminhando como um homem normal.

Page 85: 1-dissertação

69

Figura 69 Lazzarini: Santo Antônio, 1958, Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, RS.

1.5 Devoções Populares

1.5.1 Santo Antônio

A veneração deste popular santo

português, também estabeleceu fortes bases

nesta região de colonização italiana. Em

Nova Palma, ele é representado em um

pequeno medalhão no teto da Igreja da

Santíssima Trindade e, em Silveira Martins

(Figura 69), sua imagem é destacada na

igreja matriz que o tem por padroeiro. Neste

caso, sobre a elipse ornamental localizada

no teto da nave, Lazzarini representa Santo

Antônio e a visão do Menino Jesus,

seguindo uma composição semelhante à que

Murillo utilizou na Catedral de Sevilha

(Figura 70), apesar de bastante simplificada.

Enquanto o pintor espanhol se compraz em

reforçar a transcendência do momento,

descrevendo uma legião de pequenos anjos,

envoltos no halo de luz que circunda o

menino, Lazzarini se expressa pela

simplicidade de uma composição contida.

Na qual o caráter místico do evento é

percebido pelo recurso de “fusão” de céu e

terra, em um ambiente ilimitado. No qual a

luz do menino se refrata e preenche todo o

espaço, dando, com isso, uma inesperada

continuidade às experiências de “dissolução

do cenário” iniciadas com o tema da

Natividade de Cristo e, mais tarde,

temporariamente suspensas durante a

pintura da Igreja de Nossa Senhora das

Dores em Santa Maria.

Page 86: 1-dissertação

70

Conforme depoimento de Severino

Bellinaso (1998. Informação oral)41, a igreja de

Silveira Martins possuía uma antiga pintura,

realizada entre 1929 e 1930, por dois pintores

italianos (cuja identidade não soube precisar).

Esta obra foi, mais tarde, danificada devido à

exudação das paredes. Nos arquivos de

Lazzarini, localizamos a foto de uma pintura

anterior, pela qual constatamos que um dos

murais apresentava uma imagem de Santo

Antônio com o pequeno Menino Jesus no colo.

Na pintura de 1958, Lazzarini já não segue esta

antiga iconografia, e quanto a esse detalhe o

novo modelo tende a se aproximar mais da

forma divulgada por Murillo, em que o menino

é representado como que em uma visão nos

céus (Figura 70). Apesar disso, não podemos

precisar, com certeza, se a iconografia de Santo

Antônio, utilizada por Lazzarini, realmente

deriva de modelos inspirados em Murillo ou de

reproduções italianas ainda mais antigas. Pois,

conforme Mâle (MÂLE, 1951, p. 179), uma

gravura italiana de 1640 já apresentava uma composição, em que se destacava Santo Antônio

diante da figura do menino envolto em um halo de luz, ainda sem o acompanhamento de

anjos, numa forma iconográfica precursora daquela que seria desenvolvida pelo pintor

espanhol. Nota-se que a obra de Lazzarini, apesar de apresentar semelhanças de configuração

em relação à obra da Catedral de Sevilha, também se diferencia dela em alguns aspectos,

como por exemplo; pela inversão do sentido diagonal em que a composição é estruturada,

pelo posicionamento mais frontal do santo e, ainda, pelo detalhe da presença das vestes no

menino Jesus, o que pode indicar a utilização de uma variante iconográfica moralizada. Ou

mesmo, caracterizar um acréscimo pessoal, resultante do pudor piedoso, ou do respeito pelos

padrões da visualidade local. Por parte de um artista cuja atividade, apesar de ser

desenvolvida na segunda metade do século XX, não era encarada apenas como mais um meio

de suscitar polêmicas, ou de sobressair sua individualidade através de cenas que pudessem

constranger os fiéis.

41 Severino Bellinaso, diácono de Ivorá e historiador regional forneceu estas informações em resposta à perguntas de um formulário, em 08 de agosto de 1998.

Figura 70 Murillo: Santo Antônio de Pádua contemplando a Aparição do Menino Jesus, 1656. Catedral de Sevilha.

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71

Figura 71 Santo Isidoro. Autoria provável: Lazzarini (c. 1938). Igreja de Santo Isidoro. Sitio dos Mellos. Faxinal do Soturno, RS.

1.5.2 Santo Isidoro

Na região da Quarta Colônia, a

representação mais antiga deste Santo é

encontrada na Capela de Santo Isidoro de

Sítio dos Mellos (Figura 71), em obra cuja

datação e autoria ainda apresentam dúvidas.

Nélio Pedro Meneghetti42, antigo

morador desta localidade, afirma, utilizando

como base de comparação à própria idade e a

memória de eventos relacionados à sua

história pessoal que as pinturas teriam sido

realizadas há aproximadamente 60 anos. Por

um pintor, cujo nome já não sabe precisar,

que as concluiu no mês de maio às vésperas

da festa de Santo Isidoro. Ao se considerar

que a informação foi fornecida em 1998 pode-

se deduzir que a data aproximada de

conclusão da pintura é maio de 1938. Sendo,

no entanto, requerida certa cautela no que se

refere à exatidão, prudência, sempre necessária, nos casos em que a única informação de uma

data histórica provém de uma fonte de tradição oral.

De acordo com um artigo de Marzari “[...] a pintura interna foi realizada pelo Sr.

Lorenzini” (MARZARI, 1995, p. 17). Apesar da obra não apresentar qualquer indicação de

data ou assinatura, ao compararmos características estilísticas, tendemos a acreditar que estas

pinturas tenham sido realizadas, na verdade, por Lazzarini. Essa impressão se torna reforçada,

quando tomamos, como referência, o depoimento de Orlandi, um ex-auxiliar do pintor, que

confirma o fato de Lazzarini ter mencionado a realização de uma pintura na Capela de Sítio

dos Mellos. Informação que não parece ser negada pela análise das obras. Apesar das cores

mais esmaecidas contrastarem com o aspecto de suas obras de data mais recente na região,

42 Cf., informações fornecidas por Nélio Pedro Meneghetti, em entrevista realizada na localidade de Sítio dos Mellos (Faxinal do Soturno - RS) em 25 de Junho de 1998.

Page 88: 1-dissertação

72

também, podemos perceber muitas

semelhanças estilísticas nos padrões

decorativos e no detalhamento dos contornos

externos dos murais. Além de concordâncias

de iconografia, que remetem aos registros

fotográficos das antigas obras realizadas por

Lazzarini na Matriz de Nossa Senhora

Imaculada Conceição (1933), de Jaguari,

assim como aos murais ainda existentes na

capela abandonada de Nossa Senhora do

Monte Bérico (1933), localizada na

comunidade de Chapadão, interior daquele

mesmo município. A comparação com

pinturas mais recentes, também, revela alguns

traços de continuidade possíveis de serem

estabelecidos com a pintura de Santo Isidoro

da Igreja de Santo Antônio (1958), de Silveira

Martins e, mesmo em relação aos murais da

Capela de Nossa Senhora do Caravaggio

(1962). Isto se, para tanto, nos limitarmos apenas aos murais localizados em comunidades

próximas.

Nesse caso, é possível, portanto, que o nome “Lorenzini” seja resultante de uma grafia

incorreta ou mesmo da corruptela do nome Lazzarini, em decorrência da transmissão pela

tradição oral. É provável que essa denominação fosse registrada pela primeira vez, em 1991,

por Severino Bellinaso em: Ivorá 100 anos de História 1883- 1982. Obra que trata da história

de antigas igrejas da paróquia de Ivorá, e que com certa probabilidade, Marzari utilizou como

fonte de consulta.

Existem em contrapartida, alguns detalhes que diferenciam a pintura de Santo Isidoro

de Sítio dos Mellos, e que, portanto parecem justificar certa precaução. Ao compararmos esta

imagem em relação a uma segunda pintura deste mesmo santo, (datada e assinada por

Lazzarini em 1958), encontrada na Igreja de Santo Antônio de Silveira Martins (Figura 72),

percebe-se que a pintura de Sítio dos Mellos parece um pouco mais simplificada.

Característica que é evidenciada, principalmente, na supressão de detalhes e dobras dos

Figura 72 Lazzarini: Santo Isidoro, 1958. Igreja de Santo Antônio. Silveira Martins, RS.

Page 89: 1-dissertação

73

panejamentos. Diferenças que, como é preciso ressaltar, também são encontradas no

tratamento de obras mais antigas de Lazzarini, quando comparadas a obras da segunda fase,

correspondente aos anos 50 e início da década de 60.

Outros pontos, passíveis de suscitarem dúvida, referem-se a detalhes de composição e

cor. Pois, apesar do posicionamento dos personagens, da cena de Santo Isidoro de Sitio dos

Mellos, ser semelhante ao do mural localizado em Silveira Martins, a figura do anjo arando a

terra, é colocada em posição mais baixa, em um deslocamento acompanhado pela linha do

horizonte. Se compararmos essa harmonia cromática, tomando como parâmetro a pintura mais

recente, perceberemos que aparentemente a antiga pintura tende a uma monocromia, na qual

os tons ocres predominam. Uma característica de coloração que abrange todas as demais

figuras da Igreja de Santo Isidoro onde, principalmente, as tonalidades verdes e vermelhas são

esmaecidas. Resultado pictórico, para o qual podem ter colaborado várias condições, tais

como: características do suporte, disponibilidade de pigmentos na época, à qualidade dos

materiais empregados, ou envelhecimento natural correspondente à técnica utilizada. Enfim

condições que, devidamente analisadas, poderiam auxiliar na compreensão dessas diferenças,

mas não sem antes fugir, ao campo teórico e aos limites técnicos que condicionam a presente

pesquisa.

Embora cientes de que nem todas as diferenças existentes, pareçam justificadas, ou

mesmo suficientemente embasadas pelos dados disponíveis até agora frente a estes casos de

dificuldade de atribuição, fazemos questão de salientar nosso juízo parcial, favorável a

Lazzarini, enquanto autor considerado mais provável. Ressalvando, no entanto, o caráter

circunstancial de tal designação, surgida frente à situação empírica deste primeiro contato

com a obra. E, também, o fato de que este posicionamento pessoal arriscado, só foi por ora

exposto porque acreditamos que o ato de evidenciar juízos, mesmo que com tais contradições,

pode servir como estímulo a futuras pesquisas, mais frutíferas e, talvez, mais esclarecedoras

para o caso.

Em relação à história deste santo, registra-se que Isidoro nasceu em Madri, Espanha

em 1070, e que devido à pobreza da família, necessitou procurar trabalho braçal no campo,

onde passou a exercer a atividade de lavrador. Apesar de ser trabalhador esforçado, sempre

reservava no trabalho, parte de seu tempo para dedicar-se à oração. Um dia, porém, alguém o

acusou, diante de seu patrão João Vargas, dizendo que Isidoro, em vez de trabalhar ficava, por

horas, ajoelhado rezando. O patrão querendo ver se a acusação tinha fundamento, foi observar

pessoalmente, e para sua surpresa, percebeu que enquanto Isidoro se encontrava em oração,

Page 90: 1-dissertação

74

era substituído em seu ofício por arados puxados por parelhas de bois brancos conduzidas por

anjos. Isidoro casou-se com Maria Turíbia que também era uma mulher religiosa, e após a

morte do único filho dessa união, o casal decidiu viver em castidade. Maria morreu em 1175,

e é venerada como santa na Espanha; Isidoro morreu em 1130 e foi canonizado em 1622.

Antes desta pintura, já existia na localidade, uma imagem em gesso que apresentava

Santo Isidoro em pé, portando uma pá como atributo. Provavelmente, a escolha deste santo

como padroeiro, repousa numa intenção de preservar a memória cultural considerando que,

“[...] na Itália, país de onde vieram, o referido, era o santo protetor dos agricultores e,

também, como forma de perpetuar a tradição de seus antepassados agricultores” (BARATTO,

1995, p. 20). Tradicionalmente, esse santo é representado vestido como camponês, por vezes,

portando instrumentos agrícolas, outras vezes, conduzindo um arado puxado por bois brancos,

ou então ajoelhado em oração como na versão utilizada por Lazzarini. No entanto, a pintura

de Santo Isidoro de Sítio dos Mellos quando observada sob ângulo e luminosidade propícios,

deixa antever outras características de cenário: marcas que se assemelham à forma do desenho

de uma porta com forma semicircular, em um espaço agora reservado ao céu, o que pode ser

um indício de uma correção do pintor, ou da existência de uma pintura anterior.

Mas, como percebemos através do mural de Silveira Martins, não foi apenas na

condição de padroeiro que este santo foi representado, o que indica a existência de certa

simpatia ou grau de identificação mais amplo na devoção à este santo agricultor,

principalmente, porque esta região, naquela época como ainda hoje, é dependente de uma

base econômica assentada, principalmente, na produção agrícola, atividade profundamente

dependente das imprevisíveis mudanças climáticas. A religião, nesse caso, exerce também um

papel de refúgio para a qual acorrem os trabalhadores rurais, principalmente, em períodos de

adversidades impostas pelas grandes secas ou pelas enchentes. De maneira que os santos se

tornam objeto constante das novenas e promessas de um povo esperançoso, em busca da

benesse de melhores dias, ou graças sinônimas de boas colheitas.

Page 91: 1-dissertação

75

1.5.3 São José

Além das imagens da Sagrada Família, nas quais São José aparece junto a Maria e o

Menino Jesus, esse santo também é destacado em dois murais que tratam do tema da Morte de

São José. Ambos localizados em medalhões centrais de igrejas que o têm por padroeiro.

Conforme Mâle, “[...] a caracterização grandiosa que se imprimiu à Sagrada Família,

contribuiu para a exaltação de São José. Ele tivera pouco lugar dentro da liturgia, assim como

da arte da Idade Média” (MÂLE , 1951, p. 313). No final do período medieval, Gerson

escreve um poema sobre São José, que prefigura o caminho de crescente interesse em torno

da vida do santo. Interesse que tomaria ímpeto a partir de 1522 quando um dominicano

chamado Isolanus, publica a Summa dos Dons de São José, livro que logo conquistou o gosto

das ordens monásticas principalmente pelas virtudes de pobreza, castidade e obediência

destacadas nesse santo. Sobre a morte de São José, o dominicano teria enfatizado que ela “[...]

foi tão bela quanto sua vida, pois ele expira nos braços do filho de Deus” (Isolanus apud

MÂLE, 1951, p. 314). Destacando dessa forma passagens de um antigo texto difundido pelos

cristãos do Oriente, que fora ignorado pela Idade Média Ocidental. Isolanus declara ter

tomado conhecimento desse texto a partir de uma versão latina traduzida do hebraico, em

1340. Na verdade trata-se de um fragmento do Evangelho Apócrifo; História de José o

Carpinteiro, conservado a partir de uma versão copta e uma versão árabe, cujo original,

provavelmente grego, remonta ao século IV ou V, texto no qual Jesus narra na primeira

pessoa, os últimos momentos de seu pai adotivo43:

“Eu me encontrava à sua cabeça e minha mãe à seus pés, eu mantive suas mão entre as

minhas por longo tempo. Os arcanjos Miguel e Gabriel se aproximaram dele, e ele rendeu o

último suspiro em paz, eu lhe fechei os olhos com meus dedos e os anjos vieram e o

envolveram em tecido branco” (Isolanus apud MÂLE,. 1951, p. 322-323). De acordo com

Mâle essa passagem é importante para os historiadores da arte, por ter inspirado várias obras

que dão interpretação plástica a este tema.

A época, em que surge a iconografia da Morte de São José, é difícil de precisar. No

entanto, Mâle acredita que o tema foi desenvolvido por bolonheses nos primeiros anos do

século XVII44, aventando como prova um quadro pintado por Bartolomeu Cessi para Imola

43 Uma versão deste relato encontra-se disponível em português na compilação de M. H. O. TRICCA. Apócrifos: os proscritos da Bíblia. 1992.

44 Detalhe que pode indicar a influência desta temática na obra de Lazzarini, o qual entre 1912 e 1926 residiu, por algum tempo, na cidade de Bolonha.

Page 92: 1-dissertação

76

em 1625, e um quadro ainda mais antigo de

Julio Cesar Procaccini, que se encontra na

Igreja de São José de Milão. Este tema se

torna freqüente nas igrejas de Roma, e se

desenvolve com pequenas variantes nas

igrejas de: São Pantaleão, Santo Inácio

(Figura 73), Santo Nome de Maria, São

José de Falegnami, São Giovanni, São

Petrônio, Santa Maria della Luce e Santo

Isidoro. Além de ser repetido, não com

menor freqüência, também em Nápoles,

com destaque em Bolonha na Igreja de

Corpus Domini45. Enfim, um detalhe que

pode nos indicar que possibilidade de

Lazzarini possuir certa familiaridade pelo

tema. Uma vez que, esta igreja, se localiza

na mesma cidade em que ele desenvolveu

os seus estudos de pintura.

Ainda, conforme Mâle, a

iconografia da Morte de São José também

teve grande expansão na França. Na

Espanha, Goya pinta em 1787 uma Morte

de São José para as religiosas do convento

de Santa Ana, de Valladolid. Mas, a crescente popularidade desse tipo de representação deve-

se em parte ao fato de São José passou a ser considerado o patrono da boa morte, e o

intercessor da maior parte das confrarias formada sobre esse vocábulo. No século XVII e

mesmo no século XVIII, a vida monástica se desenvolve no mesmo espírito da Idade Média, e

muitos desses grupos que tinham títulos austeros como “confraria dos agonizantes”

costumavam se reunir em momentos de luto e rezar a São José pela alma que havia deixado

este mundo. Em uma gravura italiana deste período, a morte de São José é apresentada com a

legenda Refugium agonizantium (MÂLE,1951, p. 313).

45 Cf., Mâle, (1951, p. 325). Existe um quadro no Museu d`Aix em Provença, atribuído a Anibal Carracci, que devido ao estilo de sombras parece, antes ter sido executado por Caravaggio, que por qualquer outro mestre de Bolonha. O que leva a suspeitar, que o tema já era conhecido no final do século XVI.

Figura 73 Trevisani: A Morte de São José, 1625. Igreja de Santo Inácio, Roma.

Page 93: 1-dissertação

77

Figura 74 Lazzarini: A Morte de São José, 1956. Igreja de São José. Dona Francisca, RS.

A primeira pintura deste tema se

encontra, em Dona Francisca (1956). Nela

São José é representado em seu leito, tendo

nas proximidades a companhia de Jesus e

Maria que o assistem (Figura 74). O espaço

de entorno é preenchido com vários anjos,

um deles porta um ramo de lírio, símbolo

da castidade, enquanto o outro segura um

violino no aparente gesto de execução de

uma melodia elegíaca. Na parte superior,

Deus Pai preside, pessoalmente, o

momento.

No lado direito da pintura, semi-

oculto pelos limites do mural, surge a

figura de um pequeno anjo, possível

acréscimo do pintor à cena, na busca de

compensar este espaço lateral vazio e, esta

leve assimetria que é inerente à grande

parte das composições barrocas. A

integração deste anjo ao conjunto, embora prejudicada por sua excessiva proximidade da

margem é compensada em parte pela cor, de maneira que o vermelho de suas vestes constitui

um dos três contrapontos em que essa cor foi utilizada. Os outros locais foram: o manto de

Deus Pai e as vestes de Maria.

Este tipo de assimetria, também é encontrado no espaço intermediário superior da

cena. Enquanto que apenas dois anjos ocupam o lado direito da pintura, na posição oposta, o

espaço correspondente é preenchido por três anjos que possuem sua importância visual ainda

mais destacada, pelos atributos do instrumento musical e do lírio que, respectivamente,

portam. Neste caso, a solução experimentada, não veio na forma do acréscimo de mais um

anjo à cena, mas, pelo recurso de modificação do ângulo de abertura das asas do anjo à direita

da pintura. De maneira que, mesmo permanecendo assimétrico quanto à disposição do

número de formas completas, o espaço é preenchido aproximadamente na mesma proporção.

A solução utilizada, também contribui para criar um ritmo formal por repetição de formas, já

Page 94: 1-dissertação

78

Figura 75 Lazzarini: A Morte de São José, 1963. Igreja de São José. Ivorá, RS.

que as asas deste anjo possuem contorno e

posicionamento semelhante à forma da asa do

anjo que se encontra logo abaixo, junto às

costas do leito de São José.

Mais tarde, Em Ivorá (1963),

Lazzarini não voltaria a representar o pequeno

anjo ajoelhado à direita da pintura, em um

mural com a mesma temática. Tendo à

disposição um espaço relativamente mais

alongado, ele desloca os anjos, localizados na

parte superior, para uma posição mais

afastada da figura de Cristo. De maneira que

já não há necessidade de modificar o padrão

ou movimento das asas do anjo localizado à

direita da pintura para que ocorra um

equilibrado preenchimento desta área. Na

parte inferior direita, desta vez Lazzarini opta

por manter vazio o espaço (Figura 75), em tal

conformação que mesmo os degraus,

anteriormente representados, passam a ser

substituídos pela técnica de fusão dos limites

terrenos e celestes. Sendo que, nesta última

representação, tanto a cama de São José

quanto os três anjos ajoelhados a seus pés, já

não dão a impressão de estarem assentados

sobre o solo, mas de alguma forma afastados

deste, parecendo flutuar.

Page 95: 1-dissertação

79

Figura 76 Lazzarini: São Roque Penitente, 1955. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

1.5.4 São Roque

Em Faxinal do

Soturno, na igreja da qual é

padroeiro, São Roque é

representado num ciclo de três

murais, localizados sobre a

abóbada do presbitério. Estas

pinturas que fornecem, em um

breve ciclo, o resumo dos

principais momentos da vida do

santo, não apresentam uma

linearidade, como a que seria

esperada para uma narrativa

seqüencial. A primeira pintura,

localizada na parte direita do teto, é identificada com a legenda São Roque Penitente (Figura

76), a segunda obra, na seqüência, trata da Glória de São Roque, um evento que, considerado

cronologicamente, situa-se após a terceira imagem, na qual é representada A Morte de São

Roque.

A história desse santo se passa no início do século XIV. Roque nasceu em

Montpellier, na França. Aos vinte anos, motivado pela vocação religiosa, distribuiu metade de

sua herança aos pobres e o restante ao seu tio, seguindo então para Roma. Numa época

assolada pela peste bubônica, ele passou a ajudar os doentes que encontrava em seu caminho.

Ao retornar à França, contrai a doença e, com receio de contaminar outras pessoas, decide

isolar-se numa floresta, onde, segundo a lenda, o cachorro de uma nobre família, levava-lhe

comida. Mais tarde, ao ser descoberto pelo dono do animal, foi conduzido à sua cidade natal,

onde a seguir foi preso. Sem ser reconhecido por seu tio que neste tempo havia se tornado

governador, manteve segredo sobre sua identidade, vindo a falecer abandonado na prisão. (A

VIDA..., 1998).

No mural que trata da fase de refúgio do santo em meio à floresta, Lazzarini

representa detalhes de uma tradição piedosa, segundo a qual um anjo vinha cuidar das feridas

de Roque, mantendo com isso um padrão que já era utilizado, no século XVII, por Carlos

Sarraceni (1585 – 1625?), como podemos perceber em São Roque cuidado por um anjo

(Figura 77). Lazzarini, ao contrário do pintor seiscentista, não parece influenciado pelo padrão

Page 96: 1-dissertação

80

Figura 78 São Roque. Gravura. Origem provável: Escola Alemã. (1794 - 1872).

Figura 77 Sarraceni: São Roque cuidado por um anjo. Primeira metade do século XVII. Galeria Dora Pamphili, Roma.

de composição diagonal, nem pela luminosidade caravaggiesca, uma vez que este se serve de

um modelo provavelmente similar àquele encontrado em um livro de legendas de santos,

editado em 1935 (Figura 78), cuja gravura reproduzida, provavelmente é derivada da Escola

Alemã do século XIX. De maneira que, o resultado, procura reproduzir a estabilidade de uma

composição triangular, na qual a forma do pequeno cão corresponde ao terceiro elemento de

equilíbrio de uma composição piramidal.

Em outro mural, complementar à cena aqui analisada, no qual é representada A Glória

de São Roque, Lazzarini utiliza uma composição que se assemelha muito à Assunção de

Maria aos Céus, tema, também, representado nesta mesma igreja. Enfim, uma disposição na

qual o personagem central é colocado sobre nuvens rodeadas de anjos, mantendo, porém,

estas formas em projeções planas, sem recorrer ao escorço, numa configuração que se

assemelha àquela que ele utilizou nas figuras sobre nuvens que compõem A Glória da

Santíssima Trindade de Nova Palma.

Page 97: 1-dissertação

81

Figura 79 Lazzarini: São Vicente Pallotti, 1956. Igreja de São José. Dona Francisca, RS.

1.5.5 São Vicente Pallotti

A imagem de Vicente Pallotti foi

reproduzida por Lazzarini em duas ocasiões:

na Igreja de São José em Dona Francisca

(1956) e, mais tarde, na Igreja de Nossa

Senhora das Dores, em Santa Maria (1959).

Trata-se de uma cena ambientada no cenário

da Praça de São Pedro em Roma, na qual

aparece com destaque a figura do fundador

da Sociedade Missionária Palotina, em

posição de oratória, tendo no espaço celeste

logo acima, uma imagem de Nossa Senhora

junto aos apóstolos.

Vicente Pallotti, filho de camponeses

italianos, da região da Úmbria, nasceu em 21

de abril de 1795. Mais tarde, mudou-se com

seus pais para Roma, onde ingressou no

clero secular, vindo a tornar-se presbítero,

além de doutourar-se em filosofia e teologia.

Desde o princípio, procurou combater o

Jansenismo46, heresia que acentuava o

caráter da predestinação na questão da

salvação das almas. Talvez, como reação

sintomática, Pallotti dedica-se a destacar o

papel da mediação de Maria, escrevendo um

tratado sobre Nossa Senhora Rainha dos

Santos. Logo depois, fundou a Pia União do

Apostolado Católico; instituição dedicada a

46 Cf., WOLLPERT, (1999, p. 294): o Jansenismo é uma doutrina rigorista fundada por um bispo de Ypres, chamado Jansênio, este deixou um livro que foi publicado após sua morte em 1638, no qual retoma e desenvolve concepções tardias de Agostinho de Hipona, a respeito da morte e da predestinação, levando estas a um extremismo onde conclui que: “Deus determina o futuro do homem com perfeita liberdade e confere gratuitamente a apenas um número pequeno de pessoas, a eleição por obra da graça irresistível”.

Page 98: 1-dissertação

82

Figura 80 Lazzarini: São Vicente Pallotti , 1959. Igreja de Nossa senhora das Dores. Santa Maria, RS.

Nossa Senhora Rainha dos

Apóstolos, a principio destinada a

auxiliar missionários, através do

envio de objetos de piedade como

quadros, medalhas e escapulários.

Mais tarde, em 1835 essa

iniciativa viria a ser aprovada, e

colocada sobre dependência

direta da autoridade papal, já com

o nome de Sociedade do

Apostolado Católico. A qual

passa, então, a encarregar-se

também da função missionária, formando e enviando religiosos para diversas regiões do

mundo (GAYNOR, 1981, p. 49-59).

Um desses locais, em que a missão veio a atuar, foi Santa Maria (RS), onde se

estabeleceu a Província do Sul, tendo como padroeira a Nossa Senhora Conquistadora. Essa

congregação religiosa passou a ser muito atuante nas igrejas da região da Quarta Colônia,

sobretudo a partir de um seminário fundado em Vale Vêneto, local próximo às cidades de São

João do Polêsine e Silveira Martins.

Na época em que Lazzarini executou suas pinturas, era muito comum encontrar

exposta, nas casas de famílias da região, uma figura emoldurada de Vicente Pallotti, contendo

a inscrição Diploma de Cooperador Pallotino, que normalmente servia para demonstrar que

aquela família contribuía para a causa missionária daquela congregação. A disposição de

imagens, presente nestes quadros, é a mesma que, mais tarde, Lazzarini utiliza como tema de

seus murais.

Em Dona Francisca (Figura 79), Lazzarini realiza um medalhão, no qual mantém

grande fidelidade ao modelo original. Nesse caso, apenas alguns detalhes, tais como as

flâmulas, presentes na parte superior, e as formas de dois hemisférios terrestres, presentes na

base do antigo quadro, seriam suprimidos no mural. Evitando, com isto, o acúmulo de

estruturas e as possíveis tensões geradas pelas formas que ficariam incompletas, caso fossem

simplesmente copiadas, para os limites circulares do medalhão.

Em Santa Maria, apesar de Lazzarini lidar com um espaço mais amplo, localizado em

uma absidíola, ele evita as estruturas do modelo original, optando desta vez pelo acréscimo de

Page 99: 1-dissertação

83

dois anjos. Solução que serviu para preencher os espaços vazios e, contrabalançar esta obra

quando comparada em relação à composição da Morte de São José, pintada na absidíola

oposta, na qual são representados vários anjos, em uma composição bem mais dinâmica

(Figura 80).

Durante a cerimônia de beatificação, ocorrida em 20 de janeiro de 1950 em Roma, foi

exposto um quadro contendo uma imagem de Vicente Pallotti, pintada pelo artista

identificado como Missori. Obra, que também seria reproduzida em um painel de tecido, com

aproximadamente 50 metros que foi provisoriamente colocado sobre A Glória de Bernini.

Nesta primeira representação, o novo beato era apresentado sobre nuvens, acompanhado de

dois anjos, numa forma de composição muito utilizada nas glórias de santos, durante o

período Barroco. Apesar de ser uma composição diferente daquela em que Lazzarini basearia

suas representações, a descrição desta antiga imagem pode nos dar uma noção dos padrões

iconográficos, ainda valorizados pela pintura religiosa institucional na época.

Analisando o período de 1956 a 1959, no qual Lazzarini produziu as pinturas de Dona

Francisca e de Santa Maria, é possível considerá-las como registros de uma época, em que se

processava a campanha pela canonização de Vicente Pallotti. Considerando a data da

beatificação, ocorrida em 1950, podemos notar que este era, ainda, um acontecimento recente

que antecede em apenas seis anos, a primeira pintura do tema, realizada por Lazzarini na

Igreja de São José, em Dona Francisca. É provável que estas pinturas, além de expressarem a

intenção de divulgar a memória do fundador da ordem religiosa, também viessem apelar ao

povo para que a devoção se acentuasse. Desse modo a criar um clima propício para a

canonização de Vicente Pallotti que logo veio a ocorrer, durante o Concílio Vaticano II, em

20 de janeiro de 1963.

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84

Fig. 81 Lazzarini: A Vinda do Espírito Santo, 1957 Igreja de São João Batista, São João do Polêsine - RS

1.6 Os Apóstolos

As representações individuais dos quatro

evangelistas são, relativamente, mais freqüentes

do que as imagens dos demais apóstolos. Mas,

mesmo assim, são geralmente relevadas a um

papel secundário. Inseridas em pequenos

medalhões anexos, semelhantes à retratos de meio

corpo localizados próximas aos quatro cantos de

grandes medalhões centrais, geralmente,

reservados aos santos padroeiros. O destaque

individual de um apóstolo, através de um grande

mural, só ocorreu na igreja de Novo Treviso, com

São Marcos, evidentemente na condição de

padroeiro.

Em Polêsine, a igreja dedicada à São João

Batista não destaca nenhuma imagem do

padroeiro. A única relação possível entre o Santo

profeta e esta cena que reúne os apóstolos, diz

respeito à tipologia neo-testamentária do batismo,

que considera a declaração de Jesus, de que

enquanto João batizou pela água, ele, no entanto

batizaria pelo fogo, no dia em que enviasse o

Espírito Santo. Abstração que faz algum sentido,

ao se considerar que a cena do medalhão central,

trata da devoção palotina de Nossa Senhora

Rainha dos Apóstolos, assemelha-se muito à iconografia do Pentecostes.

Nesta cena coletiva, em que são representados treze personagens (Fig. 81), o destaque

principal é dado para a figura central de Maria, em torno da qual se distribuem todos os

apóstolos. Os quais, dificilmente, poderiam ser aqui identificados, visualmente, com exceção

de Pedro que porta o indefectível atributo da chave.

Esta composição, de acordo com informações transmitidas pelo Pe. Dorvalino

Rubin47, teria sido realizada, a partir de uma reprodução gráfica, da obra de um artista

polonês, publicada na revista Rainha dos Apóstolos. Antiga publicação da editora da Ordem

Palotina de Santa Maria.

47 Dorvalino Rubin, Padre auxiliar da paróquia de São João do Polêsine, retransmitiu essa informação de conhecimento popular. Cf., formulário realizado em 25 de Junho de 1998.

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85

Figura 83 São Marcos, Evangelista. Gravura Origem provável: Escola Alemã

Fig. 82 Lazzarini: São Marcos, Igreja de São Marcos. Novo Treviso, Faxinal do Soturno - RS

1.6.1 São Marcos

Em Novo Treviso, povoado do interior do município de Faxinal do Soturno, o

padroeiro São Marcos ocupa o medalhão central sobre o teto da nave (Fig. 82). Devoção

que nesta comunidade, formada a partir de imigrantes do norte da Itália, talvez guarde em

sua origem um fator cultural histórico remanescente de seu país de origem, pois segundo a

tradição, foram dois mercadores venezianos do século IX que transladaram em 829 d.C.,

os restos mortais desse santo, que até então se encontravam em Alexandria. Fazendo com

que, desde esta época, Veneza se configurasse em um dos focos do culto a esse santo.

São Marcos, considerado o autor do segundo evangelho, não foi um dos doze

apóstolos diretos de Cristo. Conforme a tradição ele era judeu de origem, convertido logo

após à ascensão, quando assume o nome romano de Marcus, sendo por vezes em alguns

textos, também chamado de João Marcos ou João chamado Marcos. Foi o discípulo

preferido de São Pedro, o qual mais tarde o enviou à Alexandria, cidade na qual veio a ser

preso e martirizado. Conforme a tradição, seu cadáver foi colocado sobre uma fogueira,

mas o fogo foi extinto por uma torrencial enchente que assolou todo o país. Depois disso,

Page 102: 1-dissertação

86

seu corpo teria sido sepultado, em uma caverna escavada na rocha, local que séculos mais

tarde, seria revelado aos venezianos por um sinal luminoso.

Em Novo Treviso, São Marcos é representado ao lado de seu animal simbólico, o leão.

A origem deste atributo é relacionada, por vezes, a uma das primeiras frases de seu evangelho

onde ele menciona; “A voz que clama no deserto” ao se referir a João Batista (Marcos 1, 3),

voz que passou a ser, simbolicamente, associada ao rugir de um leão. Uma antiga gravura em

preto e branco, apresentando a mesma composição (Fig. 83), foi localizada no Centro de

Pesquisas Genealógicas de Nova Palma, pode ser um indício da variedade de fontes gráficas

que Lazzarini dispunha, para a elaboração de seus murais.

1.6.2 São Mateus

Este apóstolo é representado em

três igrejas sob três diferentes grafias de

legenda; S. Mateo (Vale Veronês), S.

Mateus (Sitio Alto) e Mathaeus (Ivorá).

Nas igrejas de Nossa senhora do Monte

Bérico e na de Nossa Senhora do

Caravaggio, apesar destas pequenas

variantes fonéticas, o padrão iconográfico

em que Lazzarini basieia suas

representações é, provavelmente, o

mesmo. Pois não existem diferenças

substanciais, na forma de representação

pictórica da imagem.

Em Ivorá, ele acrescenta o anjo

símbolo do apóstolo à cena do medalhão

(Fig. 84), detalhe que se estende aos demais apóstolos, ali também representados, juntos a

seus respectivos símbolos. Estes acréscimos em relação à iconografia utilizada em igrejas

anteriores, podem levantar suposições, como a possibilidade de que a partir deste momento,

Lazzarini tenha passado a utilizar novas fontes iconográficas, ou ainda sobre a possibilidade

desses atributos simbólicos, constarem na gravura original, e que por necessidade de

simplificação, o artista tenha optado por suprimi-los nas representações anteriores. O caso do

uso de diferentes legendas, não ajuda à solucionar este problema, por ser um dado insuficiente

Fig. 84 – Lazzarini: São Mateus – 1963 Igreja de São José Ivorá - RS

Page 103: 1-dissertação

87

Figura 85 Lazzarini: [Profeta Isaías?], 1959. (Identificação iconográfica duvidosa). Igreja de Nossa Senhora das Dores. Santa Maria, RS.

Figura 86 Miguel Ângelo: Profeta Isaías, 1511, Capela Sistina

para comprovar o uso de diferentes fontes, se consideramos que era comum nas gravuras de

santos dessa época, a presença de legendas vertidas para vários idiomas.

Mateus, que é considerado o autor do primeiro Evangelho, era um cobrador de

impostos, de origem hebraica chamado Levi. Após sua vocação por Jesus, pregou na região da

Etiópia. Várias e contraditórias versões de sua morte são apresentadas pela tradição: para

alguns, foi decapitado, para outros lapidado ou mesmo condenado ao óleo fervente. Suas

relíquias teriam sido transferidas, mais tarde, da Etiópia para a Inglaterra. Uma das mais

antigas representações deste Santo encontra-se em medalhões executados em mosaico, em

São Vital e São Apolinário in Classe (Ravena) séc. VI.

Em Santa Maria, sobre a área triangular, entre os arcos do cruzeiro central, Lazzarini

distribui quatro personagens, que pela posição que ocupam e a ausência de legendas, podem

induzir confusão, com os quatro evangelistas. No entanto, a identificação mais provável, é de

que se tratam dos quatro principais profetas do Antigo Testamento (Isaías, Jeremias, Ezequiel

e Daniel). Um deles, cujas vestes se assemelham às de Mateus (Fig. 85), tem a sua

composição, evidentemente baseada, na iconografia do profeta Isaías de Miguel Ângelo

(Fig. 86).

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88

Figura 87 Lazzarini: São Lucas, 1963. Igreja de São José. Ivorá, RS.

1.6.3 São Lucas

Lazzarini representa este apóstolo,

como um personagem de meia idade, com

barbas que o caracterizam por não serem tão

compridas ou grisalhas, quanto às de São

Marcos ou às de São Mateus.

Todas as representações figurativas

deste santo na região resumem-se aos

medalhões de pequenas dimensões que

compõem conjunto com as figuras dos outros

três evangelistas. Em Nova Palma, na pintura do

friso localizado na parede do batistério, em que

constam os quatro animais símbolos dos

evangelistas, São Lucas é reduzido ao

tradicional signo do boi com asas.

A representação deste animal associada ou em substituição à imagem de São Lucas é,

por vezes, explicada pela insistência desse apóstolo, no caráter redentor da missão de Cristo,

analogia que se compreende pelo caráter simbólico do boi, considerado um animal sacrificial

para os antigos. Outra inferência liga o fato deste ser o primeiro evangelho, com a primeira

letra do alfabeto hebraico simbolizada pelo boi. Luther Link48 acrescenta a possibilidade de

influências zoomorfas persas e egípcias, criticando uma teoria supostamente apresentada por

Réau. Para esse, a simbologia deriva:

“[...] ao menos em parte do Egito. Hórus tornou-se a águia de João, Sekmet, o leão de Marcos, Ka (alma) tornou-se o leão de Mateus; o especialista de iconografia cristã Louis Réau supôs que Anubis tenha de tornado o touro de Lucas (embora não esclareça muito bem como um chacal se transforma em touro)”. (LINK, Luther. 1998, p. 153).

Lucas foi um judeu helenizado, nascido em Antioquia na Síria, convertido por Paulo.

São Jerônimo o descreve como um praticante da medicina (ars medicus), junto ao ex-soldado

romano. Empreendeu viagens à Grécia e a Itália. Após um naufrágio na costa da Ilha de

Malta, vai para Roma onde é confrontado com a crucifixão de São Pedro e a decapitação de

seu mestre: Paulo. A Lucas é atribuída a autoria do terceiro Evangelho, sendo considerado por

outros, também como o autor do Atos dos Apóstolos. Uma tradição que não remonta além do

48 Luther Link, professor do departamento de Literatura da Universidade Ayoyama Gakuin - Japão, autor de um ensaio de ênfase iconológica sobre as representações do Diabo no Ocidente: O Diabo: máscara sem rosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

Page 105: 1-dissertação

89

século VI, atribui habilidades artísticas a São Lucas, o qual segundo a lenda, teria pintado o

primeiro ícone da Virgem Maria.

Em Ivorá, este evangelista aparece portando um pergaminho. Detalhe diferenciado,

considerando que Marcos e Mateus apresentam placas com inscrições enquanto São João

porta um livro. Neste mural localizado no teto da nave (Figura 87), na Igreja de São José, São

Lucas é representado ao lado do boi, o seu animal simbólico, mantendo a coerência do

conjunto, onde também os outros apóstolos são representados, juntos de seus respectivos

símbolos.

1.6.4 São João

Na representação de São João, da Matriz de

Ivorá (Figura 88), Lazzarini segue a tradição ocidental

que descreve este santo como um jovem imberbe, ou o

mais moço dos apóstolos diretos de Cristo.

Iconografia contrastante com tradição bizantina que

apresenta São João como um velho de barbas brancas,

motivada pela provável influência da passagem

bíblica, na qual Jesus fala a Pedro a respeito de João;

“[...] se eu quero que ele fique até que eu venha, que te

importa a ti”, o que teria originado comentários de que

aquele discípulo não viria a morrer (João 21,21-22).

João é o filho de Zebedeu, irmão de Jacó Maior, foi

discípulo direto de Jesus, pregou na Judéia e na Ásia

Menor. Em Roma, sob perseguição de Domiciano foi condenado ao caldeirão fervente, ao

qual teria sobrevivido milagrosamente. Acusado de magia, é exilado na ilha de Patmos, local

em que viria a escrever o Apocalipse49. Após a morte do imperador, é permitida a sua volta a

Éfeso, onde, aos 80 anos teria escrito o quarto evangelho. Uma lenda popularizada pela

Legenda Dourada50, conta que seu corpo não foi encontrado na tumba, e que teria sido levado

para o céu.

49 Cf., Réau, (1957, p. 712): alguns exegetas e críticos modernos consideram que o autor do Apocalipse e o do quarto evangelho não seriam a mesma pessoa. Alguns atribuem o Apocalipse, ao presbítero João que o teria redigido entre 90 e 125 d.C.

50 Legenda Dourada: compilada em 1280 pelo monge dominicano Jacopo de Varazze.

Figura 88 Lazzarini: São João, 1963. Igreja de São José. Ivorá, RS.

Page 106: 1-dissertação

90

Figura 89 Lazzarini: Entrega das Chaves a São Pedro, 1955. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

1.6.5 São Pedro

Sobre Pedro, sabe-se que,

antes de sua vocação, era um

pescador chamado Simão, que

trabalhava na região do Lago

Genezaré na Galiléia. Após a

Ascensão de Cristo, residiu em

Jerusalém, onde foi aprisionado

por Herodes Agripa, e conduzido

a Roma, aonde viria a se tornar o

primeiro bispo. Ainda nesta

cidade, mais tarde, sob o reinado

de Nero, seria novamente preso,

e então condenado à crucifixão.

Em São João do Polêsine (1957), São Pedro aparece como personagem secundário,

junto aos outros apóstolos, no momento da vinda do Espírito Santo. Já em Faxinal do Soturno

(1956), ele contracena com seu mestre numa cena alegórica na qual, Jesus simbolicamente

entrega as chaves do céu e da terra, àquele que viria a ser considerado o primeiro papa (Figura

89).

Uma das mais antigas representações do tema da Entrega das Chaves encontra-se no

baixo relevo do século VI, em um sarcófago da Cripta de São Maximino. Conforme Réau,

nestas primeiras representações “Pedro recebe as chaves de mãos vazias em sinal de respeito,

mas permanece em pé. É, somente a partir do século XVI, que lhe mostram ajoelhado. No

século XVII, Rubens representa o apóstolo beijando a mão de Cristo que lhe entrega as

chaves” (RÉAU, 1957, p. 314).

No mural de Lazzarini identificam-se influências iconográficas do século XVI. A

composição é semelhante à de Perugino (Figura 90), porém, ao contrário do pintor

renascentista, ele não enfatiza a arquitetura nem os prodígios ilusionistas da arquitetura em

perspectiva. Mas, utiliza como cenário uma representação simplificada da Praça de São Pedro.

Como se fosse um complemento alegórico à futura sede romana da igreja de Cristo,

instituição cuja tese de defesa da legitimidade e hegemonia sobre os cristãos, baseia-se

Page 107: 1-dissertação

91

Figura 90 Perugino: Jesus entregando as chaves a São Pedro (detalhe). Capela Sistina. Foto: Alinari.

justamente, em uma frase do evangelho de Mateus que inspirou a iconografia da entrega das

chaves51.

Lazzarini representa o exato momento em que Pedro toca as chaves que lhe são

passadas pelas mãos de seu mestre localizado à direita da pintura. Esta composição contrasta

com uma representação de seu antecessor, Kuliska52. Que em uma obra do mesmo tema,

realizada na Capela de São Pedro, no interior do município de Nova Palma, apresenta indícios

de influências oriundas da antiga iconografia da Entrega das Chaves, na qual Pedro aguarda o

atributo com as mãos vazias. Apesar deste pintor também fazer algumas concessões à

influência moderna, como por exemplo, ao manter o detalhe da genuflexão de Pedro.

51 Cf. Réau, (1957, p. 314): parte da crítica moderna protestante (Harnack, Grill) e mesmo católica (Schnitzer) contesta a autenticidade desta interpretação da frase: - tu és Pedro, e mesmo do texto que para alguns seria um acréscimo do século II.

52Gottlieb Kuliscka, conhecido pelo homônimo aportuguesado Amadeu Kuliska, nasceu no território correspondente ao antigo Império Autro-Húngaro em 1877, e veio a falecer em Arroio do Tigre (RS) em 25/11/1939. Cf., Registro Livro 10, folha 1. Documento localizado no Centro de Pesquisas Genealógicas em Nova Palma (RS).

Page 108: 1-dissertação

92

Figura 91 Kuliska: São Pedro recebendo as chaves de Cristo, 1928. Capela de São Pedro, Linha Onze, Nova Palma, RS.

Na obra deste pintor austro-polonês53,

percebe-se uma construção mais rudimentar nos

detalhes anatômicos, além de uma predominância

do linear sobre a cor (Figura 91). A determinação

dos volumes é mais sutil, dentro de maneira que

guardam uma possível influência de ícones

bizantinos. O ajuste visual entre a dimensão da

paisagem e a dos personagens situados em

primeiro plano, não é tão eficiente quanto na obra

de Lazzarini. No entanto, Kuliska tem o mérito de

parecer um pouco mais sensível aos aspectos

regionais. De modo que para a cena da entrega

das chaves, ao invés de utilizar cenários

arquitetônicos do velho mundo, opta por utilizar a

da igreja local. Elemento que se torna o único

símbolo visível da herança de São Pedro, presente

nesta comunidade. Desse modo Kuliska deixaou

um inestimável registro histórico regional, da

arquitetura e da paisagem local na época de

execução de pintura, datada em números

romanos, MCMXXVIII (1928)

53 Notar no detalhe da orla deste medalhão a figura do pequeno anjinho cuja forma original é aparece na Madonna Sistina (1513), de Rafael, obra que se encontra no Museu de Dresden, na Alemanha.

Page 109: 1-dissertação

93

Figura 92 Lazzarini: O Anjo da Guarda. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

1.7 Anjos e Demônios

1.7.1 São Rafael

Nos murais de Lazzarini, o Arcanjo

São Rafael está presente através do tema do

Anjo da Guarda, em representações com

composição diferenciadas, executadas em três

igrejas da Quarta Colônia. Iconografia que,

historicamente, teria evoluído a partir do tema

de Rafael e Tobias, que por sua vez é

inspirado, em uma passagem do Antigo

Testamento (Tobias: 1-14). De acordo com a

história sacra, houve um período em que o pai

de Tobias se encontrava enfermo, ao tempo

em que necessitava receber o pagamento de

uma antiga dívida. Nesta época, passou por

sua casa um estrangeiro que se ofereceu para

guiar o jovem Tobias, numa jornada até uma aldeia distante em busca do pagamento. Durante

a viagem este estranho protege o jovem de diversos perigos e, ao retornar fornece óleo

milagroso que cura o velho enfermo, momento em que o estranho revela ser, na verdade

Rafael, um dos arcanjos de Deus.

Este anjo, tradicionalmente, era considerado o patrono dos boticários, sendo também

invocado pelos dos viajantes, marinheiros e, principalmente, como protetor dos adolescentes

que se encontram distantes da casa dos pais. A popularidade do culto ao anjo guardião cresce,

principalmente, a partir do século XVI54. Sendo logo favorecida principalmente pelos jesuítas

que atuando como educadores de jovens difundiram a devoção com a criação das Confrarias

do Anjo da Guarda. Em antigas pinturas este anjo é representado com vestes de peregrino,

portando um cajado, acompanhando Tobias em sua jornada. Em desenvolvimentos posteriores

desta iconografia, o jovem Tobias passaria a ser substituído por uma criança qualquer,

enquanto Rafael passa a ser representado como o anjo guardião que a protege contra as

tentações do demônio (RÉAU, 1957, p. 54). Em 1956, Lazzarini adaptou este tema popular,

para um mural da Igreja de São Roque, em Faxinal do Soturno (Figura 92). Nesta obra, a

54 Cf., Réau, (1956, p. 53): A primeira missa em honra ao Anjo da Guarda é registrada em 03 de junho de 1526 na cidade de Rodes.

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94

Figura 93 Lazzarini: O Anjo da Guarda, 1961. Igreja de São Marcos. Novo Treviso. Faxinal do Soturno, RS.

presença deste anjo é sugerida, como algo metafísico, que não parece despertar a atenção das

crianças que se encontram sob sua proteção. Com relação à inserção dos personagens na

paisagem, é possível perceber certa ambigüidade visual, causada por um aparente conflito na

relação entre afastamento de figuras em profundidade e a correspondente redução de

proporções. Isso se dá, principalmente, porque o limite, no qual ocorre o encontro do solo e

das formas semi-etéreas das vestes do anjo, apresenta uma linha curva que se projeta para

frente. O que fornece uma relação confusa para o espectador que pode sentir-se,

provisoriamente, sem parâmetros para avaliar a dimensão que o corpo deste anjo ocupa em

relação às outras formas. Ou mesmo em relação àquela que seria a distância provável do

afastamento dele em relação às crianças. Tal fato, no entanto não chega a prejudicar

irreparavelmente a composição. Apesar deste tema ameno, ambientado em uma paisagem

pacífica, ser tradicionalmente criticado: como um exemplo típico do Kitsch, popularizado por

grandes tiragens de cópias absorvidas pela cultura de massa. Neste caso, ele parece fornecer

uma espécie de contraponto interessante em relação a uma cena representada ao lado, cujo

tema do Destino do Mau Pecador55, representa em contraste, um ambiente dominado por

figuras demoníacas.

Em Silveira Martins, na Igreja de

Santo Antônio, Lazzarini representa este tema

em um medalhão do teto, numa composição

simples, cujo principal diferencial em relação

à representação anterior é a substituição das

figuras de crianças no campo, pela forma de

um pequeno bebê dormindo em um berço.

Mais tarde, em Novo Treviso, trabalhando na

Igreja de São Marcos, o pintor retomaria este

tema em uma nova composição (Figura 93),

onde o anjo é representado junto a uma

criança que brinca junto às margens de um

riacho. A presença da água é um detalhe

remanescente da antiga iconografia, que é

encontrado, também, em um baixo relevo do

55 As duas imagens correspondentes ao tema Destino do Justo e do Pecador, que na Igreja de São Roque de Faxinal do Soturno foram pintadas em ambos lados da imagem do Anjo da Guarda, são reproduzidas nas Figuras 101 e 102 deste estudo.

Page 111: 1-dissertação

95

Figura 94 Lazzarini: São Miguel vencendo o Demônio, 1956. Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS.

século XVI, do Palácio de Doges em Veneza, no qual o anjo que protege Tobias traz em sua

mão um rolo com a inscrição: “Acalma as águas do lago” (effice fretum quietum). Isto, porque

Rafael era venerado como o anjo que triunfa sobre o demônio Asmodeu, razão pela qual o

invocavam, diante das tempestades, as quais acreditavam serem causadas pelos demônios

(RÉAU, 1956, p. 54). A obra da Igreja de Novo Treviso, tomada em comparação às pinturas

anteriores deste tema, destaca-se por uma execução técnica bem mais naturalista na

representação dos personagens, cuidado que se reflete, também, no detalhamento da

paisagem.

Este tema trabalhado por Lazzarini, provavelmente encontrava boa acolhida entre

fiéis, pois as representações do Anjo da Guarda, também eram muito comuns nos antigos

lares católicos desta região que, seguindo um procedimento tradicional, utilizavam imagens

desse anjo em quadros colocados nos dormitórios, principalmente junto à cabeceira das camas

de crianças.

São Miguel

O tema de São Miguel

vencendo o Demônio, apesar de receber

sua única representação na Igreja de

São Roque, em Faxinal do Soturno

(Figura 94), é importante por

exemplificar o nível interpretativo de

Lazzarini que parece salientar-se,

sobretudo, em figuras secundárias desta

imagem.

A iconografia de São Miguel

subjugando o Demônio é resultante da

interpretação plástica de uma passagem

do Apocalipse que faz alusão a uma

guerra nos céus. Combate no qual São

Miguel e sua legião combatem o grande

dragão chamado Satã, até precipitá-lo sobre a terra junto com os anjos rebeldes (Apocalipse

12, 7) Esta iconografia surge a partir do século VII, através de uma representação em uma

caverna do Monte Gargano. Nesse local no ano de 390, segundo a lenda, um touro havia se

Page 112: 1-dissertação

96

Figura 95 Guido Reni: São Miguel Arcanjo, 1635 Igreja de Santa Maria da Conceição. Roma. Foto: Anderson.

refugiado recusando-se a voltar para o rebanho de

seu dono. O camponês irritado com a atitude do

animal decide matá-lo lançando uma flecha

envenenada, porém, um misterioso prodígio fez

com que esta desviasse seu curso e viesse a

atingir o agressor. Os serviçais preocupados com

o fenômeno foram consultar o Bispo da cidade de

Siponte, este após observar um período jejum e

oração obteve em visão a seguinte resposta:

“Saiba que aquele homem foi atingido por seu

dardo por minha vontade. Eu sou o arcanjo

Miguel, e quis mostrar que na Terra habito este

lugar e sou inspetor e guardião dele”

(VARAZZE, 2003, p. 814). A imagem oriunda da

luta celeste, oriunda do afresco do Monte

Gargano, logo foi imitada na Cripta de São

Miguel, e daí propagada através dos

miniaturistas, tornando-se um tema muito

freqüente, principalmente na arte espanhola do fim da Idade Média. Conforme a tese de

alguns arqueólogos alemães algumas semelhanças existentes entre iconografia deste anjo e o

deus germânico Wotan, fizeram com que durante a Idade Média, São Miguel fosse

considerado o santo nacional dos lombardos (RÉAU, 1956, p. 45). Nesse período o anjo

também seria identificado como aquele que pesa a alma dos mortos e, como tal, considerado

patrono das Corporações encarregadas dos serviços de pesagem. Ironicamente, mais tarde,

sob o clima de propaganda da Contra Reforma, São Miguel, o chefe da milícia que triunfa

sobre o demônio, seria identificado aos olhos dos jesuítas, como o símbolo do triunfo da

igreja católica contra o dragão da heresia protestante. Razão pela qual foram consagradas a

esta devoção grandes igrejas em Munique e Viena (RÉAU, 1956, p. 47).

O modelo representado por Lazzarini, na Igreja de São Roque (1956), é derivado de

uma pintura de São Miguel Arcanjo (Figura 95), que se encontra na Igreja de Santa Maria da

Conceição em Roma, e que foi pintada por Guido Reni em 1635. No entanto, a forma semi-

humana com pequenas asas, utilizada por Reni ao caracterizar o demônio subjugado sob os

pés do anjo, é substituída, Lazzarini que, ao invés de um, representa três demônios, dessa vez,

caracterizados com pele escura e portando grandes asas semelhantes às de um morcego.

Page 113: 1-dissertação

97

Figura 96 O Inferno: ilustração de um livro de Catequese utilizado em 1958 no interior do Município de Nova Palma.

Iconografia cujas formas precursoras são encontradas na magistral obra mural de Signorelli,

na Catedral de Orvietto. Apesar desses seres terem sido representados como personagens

secundários, destinados a evidenciar pelo seu contraste, a beleza e as virtudes do Santo, nota-

se que, mesmo assim, Lazzarini parece dedicar especial atenção a estas figuras, como que se

comprazesse em conseguir descrever o horror e o realismo fantástico desse ambiente infernal,

repleto de chamas e serpentes.

O principal adversário de São Miguel,

apesar da forma horripilante, ainda conserva a

auréola, símbolo de sua antiga condição ocupada

entre os anjos do céu. No lado esquerdo, temos

uma interpretação, aparentemente ingênua no

qual um dos demônios parece acenar em direção

ao espectador, enquanto conserva um enigmático

sorriso nos lábios. Este personagem que parece

resultante de uma intervenção bem humorada do

pintor encontra um paralelo na iconografia

divulgada pelos catecismos da época (Figura 96).

Nos quais o demônio ao ser representado em sua função de tentador, é quase sempre o único

ser que sorri, em contraste com as figuras piedosas, às quais freqüentemente são atribuídos

traços que mais se assemelham às expressões de sofrimento. O conjunto da visão infernal

descrito por Lazzarini, também reflete parte do ensinamento cristão desta época, anterior ao

Concílio Vaticano II, presente no catecismo dos jovens e crianças que eram então

amedrontados, pela assustadora descrição das terríveis das penas a que estavam sujeitos,

conforme podemos perceber através do seguinte excerto:

“No inferno os condenados sofrem todas as espécies de dores. Os dois maiores sofrimentos são: 1) Nunca ver a Deus; 2) ser queimado vivo, sem nunca morrer. Além disso, os condenados padecem fome e sede. Gritam, choram, blasfemam, soltam uivos de desespêro, enquanto os demônios se riem deles (sem grifo no original) e continuam a atormentá-los. Os condenados do inferno não poderão nunca mais ver o papai, a mamãe, nem Nossa Senhora, nem os Santos nem os Anjos , que são tão lindos!”. (O Teu Catecismo, Terceiro Ano Ginasial. São Paulo: Edições catequéticas LDC. Livro utilizado para catequese no interior do Município de Nova Palma em 1959)

Neste caso podemos perceber, entre outros detalhes, que o objetivo de conquistar a fé

pelo medo, tinha requintes psicológicos que levavam a extremos de ameaçar algo realmente

precioso para uma criança: a presença junto aos pais. Isto nos leva a acreditar que, estas

representações de demônios, apesar de parecerem pouco sofisticadas ou mesmo risíveis para o

espírito de nosso tempo, tinham a força de acentuar um medo real nos fiéis que cresciam sob

Page 114: 1-dissertação

98

tal disciplina. Daí, ser possível acreditar que essas imagens, independentemente do mérito

moral que possamos atribuir, desempenharam um papel importante no desenvolvimento do

imaginário regional, e colaboraram perfeitamente com as pretensões da igreja nessa época.

1.7.3 O Destino do Justo e do Pecador

Este era um tema composto, normalmente desenvolvido, numa estrutura bipolar

através de dois quadros separados, onde uma imagem representava o Destino do Justo e a

outra a sua antítese; O Destino do Pecador. Tinham, evidentemente, uma função pedagógica

declarada; enquanto o primeiro tentava convencer o fiel a seguir o exemplo de virtude, o

segundo quadro complementava a mensagem com um recurso visual oposto, no qual eram

enfatizados os horrores que esperavam os pecadores, no objetivo de levar o fiel a identificar-

se com a primeira situação. Lazzarini representou este tema, em três igrejas: na Igreja de São

Roque em Faxinal do Soturno, na Igreja de Nossa Senhora das Dores em Santa Maria e na

Igreja de São José de Ivorá.

Quanto à origem desta iconografia, não foram localizados muitos dados, mas se sabe

que nesta região, este tema era muito popular entre as famílias italianas. Com o tempo e com

as novas gerações, estes quadros foram sendo retirados das paredes das casas e relegados a

lugares mais recônditos como galpões ou depósitos, ou mesmo, em grande parte, destruídos.

Em Nova Palma, foram localizadas representações gráficas deste tema, em duas residências

do interior do município (Figura 97 e Figura 98), mas é provável, que ainda existam outras

cópias, em outros municípios e mesmo em outras regiões. A mais antiga representação deste

tema, trabalhado por de Lazzarini, não foi realizada na região da Quarta colônia, mas sim, em

Bento Gonçalves, cidade que pertenceu a uma das três primeiras Colônias Imperiais de

imigração. Desta obra realizada em 1944 no Santuário de Santo Antônio, foram conservadas

algumas fotos no arquivo da casa paroquial que registram os traços originais de Lazzarini,

antes da intervenção realizada recentemente. Através desse registro, percebemos que nesta

primeira obra, ao tratar do tema do Destino do Mau Pecador (Figura 99), Lazzarini se

manteve no nível da cópia, procurando conservar, inclusive, as cores originais de seu modelo.

Já ao tratar do Destino do Justo (Figura 100), ele suprime alguns móveis que compõe o

cenário, numa atitude que exemplifica aquela tendência à simplificação e enxugamento de

formas, que ele, posteriormente, daria prosseguimento ao tratar com outros temas.

Page 115: 1-dissertação

99

Em 1956, ao retornar a este motivo na Igreja de São Roque, Lazzarini realiza uma

obra em que os empréstimos formais ao modelo são bem mais restritos. Na cena do Destino

do Justo (Figura 101), é suprimida a presença da Santíssima Trindade. O mesmo ocorre com a

presença do figurante que se encontrava próximo à cabeceira do leito, e com a cena do anjo

que expulsa o demônio, cujo local na cena passa a ser preenchido por um móvel e um castiçal.

Os personagens restantes tiveram suas posições reestudadas; o anjo que se encontra próximo

ao leito passa a ser representado em uma posição superior e com as asas abertas. A mulher e

as crianças que se encontravam em pé, junto ao leito na figura original, são substituídas por

duas figuras adultas que se reclinam sobre a base do leito. A figura do padre ganha

importância e é deslocada para uma posição mais próxima ao espectador, sendo representado

em frente ao leito, não mais portando um livro sacro, mas sim o crucifixo que na obra original

era atributo do enfermo.

Na cena do Destino do Mau Pecador (Figura 102), a intervenção do pintor parece

ocorrer com maior intensidade, pois apesar da semelhança estrutural, à nenhuma forma pode

ser atribuída o adjetivo de cópia. O nível de intervenção do pintor é perceptível,

principalmente, na ênfase pessoal dada às formas do pecador e dos demônios. É verdade que,

podemos perceber uma execução técnica sofrível, na caracterização das formas de

panejamento dos lençóis, assim como grandes problemas anatômicos, na construção da figura

do enfermo, mas esses são os detalhes que contribuem para nossa crença de que neste caso

Lazzarini não recorreu à cópia direta de modelos. Nota-se que o pintor, procura intensificar o

gesto do demônio, em seu ato de puxar as cobertas. O corpo do doente não se encontra

perfeitamente assentado sobre a cama, como na gravura de origem, mas agora, os gestos e a

dinâmica das linhas de seu corpo informe parecem realmente acentuar o movimento da queda

do personagem. Com relação à morfologia dos demônios, nota-se que no modelo

correspondente a esse tema, eles não apresentavam formas aladas, mas na obra de Lazzarini,

eles assumem grandes asas de morcego em semelhança aos demais seres encontrados na obra

de São Miguel vencendo o Demônio, representada nesta mesma igreja.

Este nível de interpretação não voltaria a se repetir, na Igreja de Nossa Senhora das

Dores, em 1959, onde notamos um evidente retorno às formas fornecidas pelo modelo,

mesmo assim, na cena do Destino do Justo (Figura 103) ainda ocorre o característico

rebaixamento do número de detalhes. Novamente, a Santíssima Trindade e alguns elementos

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100

do cenário são suprimidos. Apesar da semelhança compositiva, pela comparação dos espaços

entre as formas, é possível notar estas cenas não se tratam de simples ampliações diretas, mas

de cópias realizadas a mão livre e com certa liberdade, o que confere à cena um caráter

popular que Armindo Trevisan (1998. Informação oral) considera: “Semelhante à iconografia

de xilogravuras da literatura de cordel nordestina”56. Na cena do Destino do Mau Pecador

(Figura 104), Lazzarini elimina a figura do demônio que se encontrava próximo ao leito,

conservando naqueles restantes as mesmas formas de asas, utilizadas no mural da igreja de

Faxinal do Soturno. Com relação ao modelo, ele também elimina a forma da serpente e do

demônio, entronizado em meio às chamas. Esse último personagem, provavelmente devido a

esse caráter de nobreza do destaque a ele concedido, parece que não teve boa receptividade

em sua primeira representação em Bento Gonçalves, obra na qual, nota-se a presença de uma

provável intervenção posterior, que teria eliminado o perturbador rosto da majestosa figura.

Em Ivorá, na última representação deste tema encontramos uma variante, na qual o

Destino do Justo e o do Pecador (Figura 105) são unidos na mesma composição. Dessa vez,

os personagens centrais não são representados como pessoas enfermas reclusas ao leito, mas

sim como cidadãos comuns, vestidos com costumes daquela época. Enquanto um anjo conduz

o Justo ao altar, um demônio na cena oposta se encarrega de envolver o Pecador, por meio de

correntes. Os panejamentos e as formas dos personagens já não apresentam o mesmo grau de

detalhamento que se encontra na cena da Santíssima Trindade, desta mesma igreja. Mesmo na

representação do detalhe das chamas, já não encontramos a vivacidade cromática, outrora

presente no mural de São Miguel vencendo o Demônio, da Igreja de São Roque (1956).

Apesar das características desse quadro não serem representativas de todo o restante das

pinturas da Igreja de São José, elas demonstram uma tendência de simplificação cromática,

que seria especialmente acentuada, nos últimos trabalhos deste pintor.

56 Paráfrase de uma caracterização originalmente atribuída por Armindo Trevisan a estas obras de Lazzarini, durante uma conversação informal após uma aula de Iconografia e Iconologia, do curso de Mestrado em Artes Visuais da UFRGS, no primeiro semestre de 1998.

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101

Figura 97 O Destino do Justo. Impressão gráfica sem datação.

Figura 99 Lazzarini: O Destino do Mau Pecador, 1944. (antes da repintura) Santuário de Santo Antônio, Bento Gonçalves, RS. Foto: Arquivo Paroquial.

Figura 98 O Destino do Mau Pecador. Impressão gráfica sem datação.

Figura 100 Lazzarini: O Destino do Justo, 1944, (antes da repintura). Santuário de Santo Antônio, Bento Gonçalves, RS. Foto: Arquivo Paroquial.

Figura 101 Lazzarini: O Destino do Justo, 1956. Igreja de São Roque.Faxinal do Soturno, RS.

Figura 102 Lazzarini: O Destino do Mau Pecador, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

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102

Figura 104 Lazzarini: O Destino do Mau Pecador, 1959. Igreja de Nossa Senhora das Dores. Santa Maria, RS.

Figura 105 Lazzarini: O Destino do Bom e do Mau, 1963. Igreja de São José. Ivorá, RS.

Figura 103 Lazzarini: O Destino do Justo, 1959. Igreja de Nossa Senhora das Dores. Santa Maria, RS.

Ao se comparar as representações do

tema do Destino do Justo e do Pecador,

percebe-se que alguns desses trabalhos se

incluem entre as obras nas quais Lazzarini

parece ter demonstrado maiores dificuldades e

limites técnicos. Ao mesmo tempo em que,

progressivamente, se afastou dos modelos

fornecidos pelas figuras que normalmente

ampliava. Mas, também é o tema em que ele se

permitiu um grau de maior liberdade de

improvisação, ao abandonar as técnicas de

ampliação direta e ao manipular com maior

espontaneidade o número e a forma dos

personagens. Talvez, isto tivesse alguma

relação com o tipo de temática. Pois, parece ser

normal que os critérios do público quanto à

exigência de beleza, sejam aplicados,

principalmente, em relação aos santos. Já nos

temas que envolvem a presença de demônios, a

fealdade resultante de uma técnica menos

apurada, certamente, podia até contribuir para o

caráter de horror que se pretendia imprimir, na

representação dos seres maléficos.

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103

Capítulo II

2 A Pintura Mural e o Espaço Arquitetônico

2.1 Relações entre Temática e Ambiente

O conceito de pintura mural pode ser concebido a partir de algumas das relações

específicas, estabelecidas entre a camada pictórica e o ambiente de suporte. Essas relações

não se limitam apenas à série de adaptações efetuadas na superfície da parede em que a obra é

realizada, mas implicam em um conjunto de fatores mais amplo, no qual intervêm as demais

superfícies próximas com suas variedades de orientação espacial e organização.

Pode-se dizer que a pintura mural, ao mesmo tempo, em que determina o seu espaço

de existência, interferindo na visualidade e no conceito que temos de um determinado

ambiente, é também em grande parte, determinada por influências desse ambiente. Enfim,

pela complexidade própria da arquitetura, na qual esse tipo de pintura se insere. Dessa

peculiar relação existente entre pintura mural e arquitetura, configura-se uma caracterização

que a diferencia, em grande parte, da tradicional pintura de cavalete. Apesar de, por vezes,

recorrer a técnicas comuns a esta última, a pintura mural quando considerada em suas relações

com o ambiente de entorno, se afasta daquelas obras realizadas sobre pequenos suportes

móveis. Principalmente, por ser concebida enquanto parte integrante de um espaço

arquitetônico determinado e, portanto, planejada em função deste, de modo a adaptar-se às

condições de um ambiente mais amplo. Quanto a esse aspecto, pode-se dizer que o mural está

sujeito às exigências externas do espaço em que se instaura, condição que pode ser

evidenciada, seja pelas alterações de cor requeridas pela luminosidade do ambiente em que é

realizado; pela adequação das dimensões em função da distância e espaço disponível ou,

ainda, pela adequação ao estilo e linhas dominantes da construção em que a obra se insere.

Através destas relações estabelecidas com a arquitetura se percebe que as diferenças entre a

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104

pintura mural e a tradicional pintura de cavalete vão além da uma simples escolha de um

suporte diferenciado, pois a pintura mural constitui, com seu espaço de ambientação, um tipo

de relação simbiótica. O que é bem exemplificado por Parramón:

“[...] a pintura mural es algo que está em función de, es decir, no constituye – como um dibujo o um quadro – uma obra de arte em si misma, aislada e independiente de otras obras, sino uma obra aplicada a outra: a um muro que forma parte de uma habitación que por sua vez forma parte de uma edificación.” (1981, p. 23).

Estas adaptações, de ordem material, também refletem aspectos de ordem simbólica,

decorrentes da necessária adaptação temática do mural à ideologia da instituição a que este se

destina. Longe, porém, de ser simplesmente subordinada à função do espaço em que se insere,

o mural pode servir como elemento que o caracteriza e o emancipa, enquanto ambiente

distinto dos demais quando outras estruturas tectônicas não o fazem, como por exemplo: os

murais do Batismo de Cristo, presentes próximos às portas de algumas igrejas, ainda

possibilitam identificar o antigo espaço destinado a este rito inicial dos catecúmenos, mesmo

quando devido a alterações litúrgicas, a pia batismal já foi, há muito tempo, retirada deste

local.

Algumas destas relações, entre o espaço arquitetônico pré-existente e a pintura mural,

serão destacadas a seguir através da análise de partes ou ambientes, específicos da arquitetura

religiosa, confrontando-os com as possíveis conseqüências no planejamento e distribuição de

temáticas, sistematizadas a partir da freqüência com que algumas situações se repetem. No

caso da obra de Lazzarini, esta análise, não pretende justificar a localização dos temas, como

simples decorrência de necessidades da arquitetura ou, muito menos, fornecer uma explicação

definitiva para a os motivos que levaram à escolha e à adaptação que ocorre entre

determinados ambientes e as temáticas correspondentes. Mas, fornecer um dos meios de

acesso a estas obras, entre o conjunto das várias abordagens viáveis. Um meio que, apesar de

limitado, procura encontrar, dentro das suas possibilidades, modelos e relações possíveis de

serem tomados em um sentido teleológico, de modo a serem úteis ao menos enquanto

hipóteses, a serem verificadas no conjunto de obras de outros pintores muralistas. Pois, a

partir de tais desenvolvimentos, teríamos então, condições de proceder a uma avaliação mais

exata quanto a freqüência com que ocorrem estas relações, entre a temática e a funcionalidade

de determinados ambientes. E, só a partir disso, talvez, tivéssemos condições de julgar melhor

a importância desse tipo de análise experimental, como método auxiliar no intento de

aumentar nossa compreensão e, quem sabe, facilitar a avaliação de outras potencialidades de

conhecimento, proporcionados pelo campo da arte mural.

Page 121: 1-dissertação

105

2.1.1 O Espaço de Entrada

O Batistério era tradicionalmente considerado um espaço arquitetônico independente.

Entre os séculos IV e XV era, normalmente, construído a oeste das igrejas, apresentando

geralmente uma configuração octogonal (KOCH, 1998, p. 113). Nesse local dedicado a João

Batista, os catecúmenos eram imersos na pia batismal, no ritual que marcava o início da vida

Cristã, momento a partir do qual o fiel entrava literalmente na igreja. Somente a partir do

século XII é que a pia batismal, em tamanho reduzido, passaria a substituir o batistério

paleocristão.

As igrejas da Quarta Colônia, na época das pinturas, ainda mantinham viva a tradição

anterior ao Concílio Vaticano II que refletia a seguinte mentalidade; “[...] já que a pessoa a ser

batizada não pertence à igreja, deve ser o batismo, pelo qual ela entra na igreja, realizado

totalmente ou em sua maior parte fora da igreja, na qual ela entra após o batismo”

(SCHUBERT, 1997, p. 68). Nessas igrejas, a pia batismal era, geralmente, localizada no

espaço interno logo ao lado da porta principal.

Pinturas murais do Batismo de Cristo, conjugadas a este espaço de entrada, são

encontradas nas igrejas de Novo Treviso e de Ivorá. Em Nova Palma, excepcionalmente, esta

cena é representada em um quadro de madeira compensada que, assim como os murais, está

localizado em uma altura baixa quando comparado à localização geral dos demais murais.

Esse posicionamento, talvez buscasse facilitar a visualização dos fiéis que participavam da

administração deste sacramento, lembrando-os que estavam participando da dignidade de um

gesto ritual, que o próprio Cristo aceitou para si.

Outro tema constantemente associado a este espaço, é o do Destino do Justo e do

Pecador. Em Ivorá (1963), esta cena é representada em um só quadro, realizado na mesma

parede em que se encontra o Batismo, em uma posição correspondente, mas, lateralmente

oposta a este último tema quando considerada em relação à porta central. Ambos, no entanto,

ocupam posições semelhantes, por serem realizados em uma posição relativamente baixa, no

espaço das paredes laterais próximas à porta. Em locais onde não ocorrem representações do

Batismo, como na Igreja de São Roque de Faxinal do Soturno e, mais tarde, na Igreja de

Nossa Senhora das Dores em Santa Maria, o tema seria fracionado em quadros distintos; um

representando o Destino do Justo, e outro o Destino Mau Pecador. Nesses casos os quadros

foram dispostos simetricamente, no espaço existente logo acima das duas portas menores que

flanqueiam a grande porta central. É possível que esses temas explorem, em conseqüência de

sua localização, uma segunda significação, ligada à simbologia da porta. Enquanto o tema do

Page 122: 1-dissertação

106

Batismo extraía sua ênfase do aspecto relacionado à ação de entrada, por associação ao ritual

de ingresso na vida cristã, é provável que esta segunda temática, geralmente localizada no

espaço logo acima da porta, explore a ação contrária, ou seja, a ação de saída. Pois, devido a

essa localização, os fiéis certamente seriam confrontados com esse tema escatológico ao fim

da celebração, de maneira que o potencial pedagógico moral reforçado pela ameaça objetiva

poderia, então, funcionar como o último apelo que tenderia a se manter vivo no imaginário,

quando estes fiéis retornassem para suas casas.

2.1.2 O coro

O Coro ou a Cantoria como preferem chamar na região, é um espaço situado em um

piso intermediário elevado, próximo à entrada do templo, encontrado praticamente em todas

as igrejas da Quarta Colônia, mesmo nas mais modestas. Os murais pictóricos escolhidos para

as paredes do Coro guardam estrita relação com a finalidade desse espaço, seja através da

decoração executada, por vezes, com formas de instrumentos musicais, ou pelos murais com a

temática de Santa Cecília e a Música Divina. Esta relação, entretanto, não é válida no caso de

algumas das construções que apresentam vitrais neste espaço, como, por exemplo, nas paredes

do coro da Igreja de São José de Dona Francisca, e de Nossa Senhora das Dores em Santa

Maria. Diferença que se deve em parte ao fato de que os vitrais eram executados à distância,

conforme medidas fornecidas, para mais tarde, então, serem finalmente montados no espaço

destinado, ao passo que os murais pictóricos eram executados no local, em melhores

condições para o planejamento e adequação à potencialidade desses espaços.

A presença da imagem de Santa Cecília tocando instrumentos musicais junto ao coro,

atualmente nos parece natural e facilmente explicada, pelo fato dela ser considerada a

padroeira dos músicos. Esta patronagem, no entanto, conforme Réau (1958, p. 279), é

resultante de uma tradição tardia que aparece somente ao fim do século XV. Nos antigos

murais da catacumba de São Calixto, em Roma, essa Santa é representada na posição de uma

orante e, mesmo mais tarde, nos mosaicos de Ravena ela ainda não se distingue em atributos,

dos demais santos que avançam em procissão portando uma coroa.

A maior parte da história de Santa Cecília é baseada na obra de Bernardo de Vite:

História da Perseguição Vândala, datada de 486 d.C. Conforme o relato, ela era filha de

nobres romanos convertidos ao cristianismo. Obrigada pela família a se casar com Valério, ela

consegue convertê-lo à castidade cristã, ideal logo seguido também pelo irmão do noivo;

chamado Tiburcio. Todos foram batizados pelo papa São Urbano (222-230 d.C.), e em

Page 123: 1-dissertação

107

decorrência disto, mais tarde condenados à morte por seguirem a nova fé. Cecília tendo

recusado oferecer sacrifícios aos deuses romanos, foi condenada a morrer pelo vapor de uma

caldeira sufocante, punição da qual ela se salva miraculosamente. Então, é condenada à

decapitação, mas, por três vezes, a lâmina do carrasco não teria conseguido separar a cabeça

em relação ao tronco da jovem. Como ocorria, que após três tentativas de execução, a lei

romana intervinha em favor do condenado, ela foi, então, deixada durante três dias estendida

na sala de termas, local em que veio a morrer em presença do papa Urbano. Mais tarde, seu

corpo foi sepultado no cemitério Calixto.

Em 821, o papa Pascal I transfere as relíquias da Santa, para uma basílica do

Transteverre, elevada sobre o antigo palácio em que ela habitava. E o seu culto se dissemina,

principalmente, no norte da Itália. No século XV, Santa Cecília passa a ser considerada

patrona dos músicos, cantores, luthiers e, principalmente, da música sacra, tradição, que

conforme Réau (1958, p. 279), deriva, provavelmente, de uma interpretação errônea do texto

legendário de Santa Cecília, no qual aparece a seguinte frase; “Cantatibus organis, Cæcilia, in

corde suo soli Domino decantatabat, dicens; Fiat cor et corpus meum imaculatum” cujo

significado aproximado no contexto é “Ainda que conduzissem Cecília no dia de suas

núpcias, dentro da casa de seu noivo, ao som de instrumentos musicais, seria somente Deus

que ela invocaria dentro de seu coração, para lhe pedir a graça de conservar seu coração e seu

corpo sem mácula”180. A sentença cantatibus organis, ao ser isolada de in corde suo,

desnaturou o sentido da frase que passou a ser entendida, como uma prova de que a própria

Cecília cantava ao som dos instrumentos, ou mesmo que ela executava músicas ao órgão, o

que é um segundo contra-senso, já que a palavra organa em latim é genérica, e usada para

vários tipos de instrumentos musicais. Nessa passagem, porém, ela seria utilizada apenas

como figura de retórica.

No século XV, Santa Cecília passa a ser representada, com o atributo de

instrumentos musicais, geralmente um handorgel (órgão portátil). Rafael em seu quadro de

1516, apesar de manter o referencial a este atributo, ainda consegue retomar em parte o

sentido antigo, ao representar uma Santa Cecília que abandona os instrumentos terrestres para

elevar seus olhos e se concentrar na música celeste, restituindo o antigo significado da lenda.

Mas, apesar da influência exercida pelo conjunto da obra de Rafael, nos estudos de desenho

180 Cf. Réau (1958, p. 280) : “Pendant qu`on conduisait Cécile, le jour de ses noces, dans la maison de son fiancé au son des instruments de musique, C`est Dieu seul qu elle invoquait dans son coeur por lui demander la grâce de conserver son coeur et son corps sans tache”.

Page 124: 1-dissertação

108

Figura 106 Santa Cecília (época provável 1930 - 1940). Igreja de Nossa Senhora de Pompéia. Silveira Martins, RS.

efetuados pelos novos artistas de diversas academias, isso não impede que a versão do século

XV que considera Santa Cecília como amiga da música, viesse a se proliferar e se tornar

hegemônica nos séculos seguintes.

Fiel à tradição, em Nova Palma Lazzarini representa uma imagem de Santa Cecília

sentada, junto a uma espécie de piano, substituindo uma antiga pintura, na qual a mesma

santa, era representada em pé, portando um handorgel. Na parede do coro, em Faxinal do

soturno, Santa Cecília seria representada em pé, porém, diferentemente da versão anterior

representada em Nova Palma, ela aparece tocando uma espécie de harpa (mural que,

atualmente, se encontra quase totalmente destruído).

Nesta região, a única

exceção, na qual a imagem de Santa

Cecília aparece desvinculada do

espaço do Coro, encontra-se na Igreja

de Nossa Senhora de Pompéia, em

Silveira Martins (Figura 106). Nesse

lugar, encontramos uma obra de difícil

atribuição, pois não apresenta

qualquer indicação de data ou

autoria181. Nessa pintura, a Santa é

representada ao lado de uma grande

harpa que apesar de apresentar uma

forma diferente do instrumento

representado por Lazzarini em Faxinal

do Soturno, é, por outro lado, muito semelhante às formas encontradas na antiga pintura de

Santa Cecília realizada pelo pintor na Igreja Matriz de Jaguari (c. 1933). Caracterização que é

possível através da comparação desta obra de Silveira Martins em relação ao registro

fotográfico remanescente, de um mural executado por Lazzarini, na Igreja da Imaculada

Conceição, durante a primeira fase de murais, deste pintor. A obra que, atualmente, se

encontra afixada na lateral esquerda do presbitério da Igreja de Nossa Senhora de Pompéia,

apesar de apresentar contornos externos pintados diretamente na parede, foi executada

totalmente sobre tela. Caracteriza-se por uma execução simples, onde, aparentemente, não

181 {Durante esta pesquisa não foi possível localizarmos documentos ou pessoas que pudessem informar algo a respeito dessa obra.}

Page 125: 1-dissertação

109

houve maiores preocupações em relação ao acabamento. A pouca definição de detalhes é

evidenciada, principalmente pela quase total ausência de linhas de tensão nos panejamentos.

O mural que viesse a ocupar a parede do coro, em decorrência de sua presença

constante junto aos fiéis, certamente tinha um destaque maior, do que aquele que hoje lhe

atribuímos. Pois este local significava mais do que o simples anexo arquitetônico que hoje nos

parece desprovido de utilidade. Era um espaço de intensa ocupação, construído para atender

às exigências legítimas das celebrações anteriores às renovações conciliares de 1965 e,

também, de grande importância para a comunidade da época, pois permitia que pelo menos

uma parte dos fiéis, participasse efetivamente da liturgia através da schola cantorum. O

idioma básico das missas, assim como o dos cantos, era o latim, com raras intervenções no

decorrer da liturgia pronunciadas em italiano ou alemão, dependendo do dialeto dominante

em cada comunidade desta região. O povo, portanto, não entendia a maior parte do que os

padres falavam e, por isso, muitos “[...] levavam livrinhos de orações e o terço para as

missas”182 realizando orações paralelas à liturgia principal. Neste ambiente cultural, a

participação no coral era uma tarefa reconhecida com certa distinção pela comunidade, e

encontrava afinidade com a cultura italiana, que preservava em suas manifestações populares

laicas o gosto pelo canto, desde muito cultivado através das canções folclóricas executadas

em grupo.

2.1.3 O Arco Triunfal

Este espaço, localizado sobre o arco que geralmente separa o presbitério em relação

ao corpo da nave, é freqüentemente preenchido com a temática dos anjos que se prostram

diante de Deus, geralmente, associada com monogramas ou algum outro símbolo sacro

posicionado na parte central. O surgimento de representações do tema dos Anjos em

Adoração parece ser anterior ao cristianismo, ou, pelo menos, é o que podemos aceitar como

provável se tomarmos como base algumas passagens do Antigo Testamento, que descrevem

uma alegoria que poderíamos considerar como precursora desta iconografia. Embora possa

parecer paradoxal, face ao senso comum que tende, geralmente, a associar a cultura judaica

com a atitude de rejeição às imagens figurativas. O surgimento deste tema através de

esculturas realizadas por artesãos hebreus, pode ser deduzido se tomarmos por base o Livro

do Êxodo, o qual descreve as instruções divinas, que teriam sido recebidas por Moisés, para a

182 Cf., depoimento da senhora Hildegard Krause (*1917). Entrevista realizada na cidade de Faxinal do Soturno, RS, em 17 de abril de 1999.

Page 126: 1-dissertação

110

construção da Arca da Aliança183. Conforme o texto, devia-se representar dois anjos alados,

em reverência, na tampa deste objeto sacro, por se tratar do local em que Deus se

manifestaria. Isso é enfatizado, através das palavras atribuídas a Deus pelo texto sagrado: -

“Ali me encontrarei contigo, e de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins

colocados sobre a arca da aliança, eu te comunicarei tudo o que deves ordenar aos israelitas”

(Êxodo - 25, 22). Também o Livro dos Reis184 apresenta a descrição de escultura de anjos

em adoração que ornavam o local destinado à Arca. É possível que estas imagens, desde esta

época, se tornassem uma espécie de marco visual, diretamente associado ao local da teofania.

Já nas primeiras representações de figuras de anjos realizadas pela arte cristã,

conforme Réau, parece ter surgido certa assimilação iconográfica com o tema das vitorias

pagãs, porém esta influência não parece ter alcançado o nível de cópia, pois a Niké da

mitologia grega é uma figura feminina, ao passo que, até o final da idade Média, todas as

representações de anjos cristãos seriam do gênero masculino (RÉAU, 1956, p. 34). Mais

tarde, surge o tema dos sete arcanjos, assim como o tema da hierarquia dos coros angélicos. A

veneração dos arcanjos se desenvolve, em princípio, apenas nas igrejas orientais, já que o

Livro de Enoc, em que se baseia esta tradição, era considerado apócrifo pela igreja romana. O

potencial de influência desta iconografia tornou-se ainda mais limitado a partir de 746 d.C.,

quando Concílio de Latrão restringe a crença aos arcanjos, oficializando apenas os três

primeiros: Miguel, Gabriel e Rafael.

Os anjos também tiveram um lugar destacado na escultura inglesa medieval, pois a

arquitetura de suas igrejas proporcionava entre os vértices de dois arcos, vários espaços

triangulares que se adaptavam perfeitamente, às formas tradicionais das asas angelicais. Réau,

também destaca ressonâncias culturais, entre a arquitetura e um jogo popular de palavras,

derivado da associação metafórica, entre ângulo (angle) e anjos (angel), explicável pela

183 Cf., A Bíblia Sagrada. 2 ed. Versão da CNBB, 2002, Êxodo 25, 18 – 20: “Farás dois querubins de ouro polido nas duas extremidades do propiciatório: um de cada lado, de modo que os dois querubins estejam nos dois extremos do propiciatório. Os querubins, com as asas estendidas por cima, estarão encobrindo o propiciatório, um em frente do outro, voltados para o propiciatório”.

184 Cf., A Bíblia Sagrada. Op. cit.,(Reis 6, 23- 28): “No Santíssimo, Salomão mandou instalar dois querubins de madeira de oliveira de dez côvados de altura. Uma asa de um querubim media dois metros e meio, e a outra asa também, de modo que eram cinco da ponta de uma asa à ponta da outra. […] colocou os querubins no meio da parte interior do templo, com as asas estendidas, de modo que a asa exterior de um querubim tocava uma parede, e a do segundo, a outra parede. As asas interiores tocavam-se no centro”.

Page 127: 1-dissertação

111

interpretação da semelhança fonética do nome do país England, com a palavra terra dos anjos:

Angeland185.

A iconografia dos Coros Angélicos bizantinos foi influenciada pela obra Da

Hierarquia Celeste de Pseudo Dionísio, o Aeropagita (traduzido para o Ocidente em 870

d.C.), texto que fixa o coro de anjos celestes em nove classes, diferenciando-se da versão

apresentada por São Paulo, que não menciona mais do que cinco ordens angélicas. Algumas

representações deste tema eram por vezes associadas a influências astrológicas dos nove

planetas. De qualquer forma, todas essas derivações simbólicas associadas a números

especiais, se tornariam um tanto raras após a Contra-Reforma.

Na obra de Lazzarini, já não é possível identificarmos vestígios desta tradição,

apesar dos murais também permitirem, em princípio, uma classificação visual do coro de

anjos, através da diferenciação dos atributos, tais como: flores instrumentos musicais, ou

turíbulos. Mesmo assim, não parece haver uma preocupação consciente com hierarquias, ou

determinados números fixos, pois esta diferenciação não se repete em quantidade, nem na

mesma ordem, nas demais representações de grande porte.

Em Nova Palma, o espaço sobre o arco já era ocupado por um alto relevo que

apresenta dois anjos, em torno de um símbolo de Deus que apresenta a forma de um triângulo

com um olho interno. Mesmo assim, Lazzarini decide representar dois anjos simétricos na

parede posterior do presbitério, complementando na parte superior, com dois anjos menores

que se inclinam em direção a um Ostensório. Em Faxinal do Soturno, como o espaço entre os

arcos era muito estreito para comportar qualquer composição com figuras antropomorfas, o

tema dos anjos foi representado na parede posterior ao altar. A associação entre o tema dos

anjos e o espaço vertical do arco triunfal é utilizada, ainda que timidamente, na Igreja Matriz

de Dona Francisca (1956). Nessa igreja, em que a divisão dos espaços não é realizada

propriamente por um arco, mas por uma arquitrave com cantos arredondados, não há espaço

para um motivo central. O tema é, então, restringido apenas às formas de dois pequenos anjos,

reproduzidos simetricamente, nos espaços próximos aos cantos curvos.

185

Cf., RÉAU, Louis. Iconographie de L`Art Chrétien. Ancien Testament,, p. 37. “[...] les anges tiennent une grande place dans la sculpture anglaise du Moyen – âge qui a eu pour eux une véritable passion, non seulement parce que leurs ailes éployees meublement à marveille les écoiçons triangulaires des arcades, mais parce que, suivant un jeu de mots trés populaire, l`Angleteterre se flattait d`être le pays des angles (Engel-land), c`est-à-dire des anges”.

Page 128: 1-dissertação

112

Figura 107 Lazzarini: Arco Triunfal da Igreja de Santo Antônio. Silveira Martins, RS. Foto: Arquivo de Angelo Lazzarini.

Figura 108 Lazzarini: Arco Triunfal da Igreja de Nossa Senhora das Dores, 1959. Santa Maria, RS.

Em Silveira Martins

(1958), em uma igreja cuja

arquitetura proporcionava um

espaço bem mais generoso,

Lazzarini ocupará sua composição,

com dez personagens angelicais

que se projetam em direção ao

centro, no qual se destaca a pomba

simbólica do Espírito Santo

(Figura 107). Apesar da

composição seguir uma

distribuição simétrica de formas,

ela apresenta uma intensa

dinâmica, decorrente da variedade

de posições assumidas pelos

corpos dos anjos representados

neste local, qualidade que é

salientada quando comparamos os

personagens representados em um

lado, com os que se encontram na

posição oposta.

Em Santa Maria, na

Igreja de Nossa Senhora das Dores

(1959), sobre o grande arco que se

eleva acima do altar, Lazzarini

representa a maior composição,

em espaço e complexidade, correspondente a este tema (Figura 108). Nas extremidades mais

afastadas, ele coloca anjos portando instrumentos de corda. Logo acima, em ambos os lados,

são representados alguns anjos que carregam oferendas de flores, e na seqüência anjos que

portam trombetas. A parte central é ocupada por dois anjos que incensam um altar, sobre o

qual se situa, o Santíssimo (Ostensório) e o Cordeiro Divino com o estandarte da vitória. No

entorno deste altar, em uma posição deslocada que enfatiza a profundidade de campo, é

acrescentada, ainda, uma legião de anjos em adoração. Essa composição, apesar de ser mais

complexa e de superar em número de personagens a obra anterior de Silveira Martins,

Page 129: 1-dissertação

113

Figura 109 Lazzarini: Arco Triunfal da Igreja de São Marcos,1961. Novo Treviso. Faxinal do Soturno, RS.

consegue manter uma composição harmônica. Mesmo considerando que ela se diferencia da

obra anterior por uma aparente retomada das posições mais hieráticas. Que se repetem, com

maior freqüência, em alguns de seus personagens resultando, no conjunto, em uma cena

menos movimentada que a obra que a antecede.

Em Vale Veronês (c.1960),

Lazzarini repete o visual despojado,

que seria adotado, principalmente,

nestas pequenas capelas do interior.

Os Anjos em Adoração são

representados com simplicidade,

colocados sobre pequenas nuvens,

restando grandes espaços de fundo

neutro. Já em Novo Treviso (1961),

ele retoma uma composição mais

elaborada, cuja dinâmica se

assemelha àquela utilizada na representação dos anjos da Matriz de Silveira Martins. O centro

é dominado por um grande Ostensório envolto em um halo de luz. E o fundo preenchido com

formas de nuvens azuladas (Figura 109), que possuem um tratamento muito semelhante

àquele que foi adotado para o espaço de entorno da imagem da Santíssima Trindade,

localizada no teto do presbitério, desta mesma igreja.

Na Igreja de Santo Isidoro, no Sítio dos Mellos, em uma obra que tendemos creditar a

Lazzarini, ao ocupar o espaço do arco triunfal, o pintor também repete a composição sobre

fundo neutro, utilizando figuras de anjos com turíbulos, retratados em tons rebaixados com

aparente economia no número de cores. Em Ivorá, apesar de Lazzarini manter a simplicidade

de composição, ele evita a aparência de rebatimento de formas, usando posicionamento

corporal diferenciados para os dois anjos que portam instrumentos de corda e preenchem os

espaços laterais do arco. Esta é a última obra do tema, executada com relativa adequação ao

espaço, pois na Igreja de Santa Catarina, em Santa Maria, encontramos uma obra com figuras

em proporções desajustadas, em cujo espaço central destaca-se o monograma de cristo,

praticamente comprimido pelo exíguo espaço disponível entre o arco e o teto. Já os pequenos

anjos laterais, apresentam tantas repinturas que, dificilmente, poderíamos, ainda ali, encontrar

algum traço de Lazzarini.

A presença deste tema próximo ao presbitério e, principalmente, sobre o arco triunfal,

Page 130: 1-dissertação

114

com sua composição orientada geralmente em torno de um centro ocupado pela forma de um

Ostensório, guarda estreita relação com o altar logo abaixo. Poderíamos dizer que, entre as

funções litúrgicas deste tipo de representação, está o objetivo de destacar o altar que é

considerado centro de toda celebração cristã. O Ostensório, que guarda evidente relação com

o ritual eucarístico que se realiza no plano inferior, e a figuração de uma corte celeste no

espaço envolvente ao altar, serviriam para conferir dignidade ao local em que conforme a fé

cristã, Deus se tornaria presente. Relação entre imagem e espaço que parece guardar uma

possível reminiscência do espírito das antigas figurações sacras judaicas.

2.1.4 Presbitério

Enquanto o espaço do arco triunfal é o lugar onde a corte de anjos, anuncia a presença

de Deus, que se manifesta através de signos sem figuração antropomorfa, o Presbitério passa a

ser o lugar, onde a arte pretende tornar visível, a presença de Deus, na forma humana. Dois

temas concorrem para este propósito, o primeiro é o tema da Santíssima Trindade que é

encontrado no teto do presbitério de cinco igrejas. O segundo é o tema da Crucifixão de

Cristo, presente no teto do presbitério de quatro igrejas, ao qual soma-se mais uma variante

executada sobre a abside da Matriz de Faxinal do Soturno, de modo que podemos dizer que

estes temas, foram quase equivalentes em importância, na hora da escolha da representação a

ser efetuada nos presbitérios das igrejas analisadas.

É possível que esse espaço fosse considerado mais digno para as representações da

Santíssima Trindade, pois em nenhum caso este tema parece associado a outros locais da

arquitetura religiosa na região. Já o tema da Crucifixão, no entanto, aparece, em uma ocasião,

inserido dentro de um ciclo da vida de cristo, no espaço do teto de uma nave lateral em Nova

Palma. Ao tempo em que o presbitério estava ocupado justamente, com a representação da

Santíssima Trindade. Mas, esta é uma exceção, quando comparada às demais representações

seguintes da Crucifixão, todas normalmente executadas nos tetos dos presbitérios. A relação

entre o tema da Crucifixão e este espaço pode ser em parte explicada, pela função histórica

dos altares, normalmente associados aos sacrifícios rituais e holocaustos religiosos em várias

religiões primitivas. No templo católico, este espaço passa a ser o local em que se celebra um

banquete ritual em memória de Cristo e a sua necessária morte, interpretada como um

sacrifício ao qual ele teria se sujeitado por uma necessidade sobrenatural e por vontade

Page 131: 1-dissertação

115

própria em favor da salvação dos homens. O propósito da imagem de Cristo crucificado,

talvez pretenda evidenciar o sentido da celebração executada neste espaço, estando de acordo

com o espírito religioso da época anterior ao Concílio Vaticano II, quando o destaque dado às

figurações da morte de Cristo, era ainda superior à importância dada às figurações da

Ressurreição.

2.1.5 Nave

O preenchimento do espaço das naves das igrejas pintadas por Lazzarini nesta região,

parece seguir, basicamente, dois procedimentos diferentes, em decorrência das dimensões do

espaço disponível. Nas igrejas maiores, o padrão normalmente seguido, é o de preencher todo

o espaço com vários “quadros”, sejam eles estruturados em seqüências cronológicas, ou

seguindo distribuição de temáticas independentes entre si. Em Nova Palma, parte da

distribuição temática segue ciclos organizados. Isso ocorre na nave lateral esquerda, com o

desenvolvimento do ciclo da vida de Cristo, que neste caso inicia com o mural da Natividade

e culmina com A Ressurreição, e se repete na nave lateral direita com o ciclo mariano, que

inicia com A Apresentação da Virgem no Templo e conclui com A Coroação de Maria no

Céu. Na nave central, a distribuição é mais irregular, embora o início do ciclo próximo ao

altar, pareça indicar uma seqüência cronológica que inicia com a Criação do Mundo, seguida

pela Expulsão do Paraíso e A Morte de Abel. Nota-se que o desenvolvimento é interrompido,

pela inserção de um quadro de Moisés e a Lei em posição anterior ao de Abraão e o Sacrifício

de Isaac, o que seria uma inversão temporal, se a cronologia bíblica pudesse ser usada como

parâmetro (Figura 110). Apesar de quase todas as imagens deste conjunto terem sido

inspiradas em episódios bíblicos do Antigo Testamento, esta característica também não pode

ser utilizada para identificar um padrão de regularidade, pois entre estes episódios, foi inserida

uma representação da Parábola do Filho Pródigo, oriunda de uma parábola neotestamentária.

Em Faxinal do Soturno, sobre a grande abóbada que recobre a nave central, a

distribuição temática é ainda mais aleatória. No espaço próximo ao coro, encontramos duas

cenas do Antigo testamento: A Benção do Primeiro Casal e A Expulsão do Paraíso, dispostas

lado a lado, tendo a seguir uma representação de São Miguel Vencendo o Demônio. A

maioria dos murais deste espaço apresenta temas do Novo Testamento, como: a Parábola do

Bom Pastor, e vários episódios da vida de Cristo. Além disso, neste espaço, também ocorre a

Page 132: 1-dissertação

116

inserção do tema mariano da Assunção de Nossa Senhora, e de um tema moral versando sobre

O Sacramento do Matrimônio (Figura 111). Nota-se que na nave destas igrejas maiores,

apesar da variedade de temas, não parece haver tendência a destacar um determinado assunto

em relação aos demais, pois a proporção da área ocupada em cada um destes quadros

permanece, em grande parte, constante.

Em Dona Francisca, ele inicia um processo diferenciado, de abordagem do espaço

arquitetônico destacando uma cena em relação ao conjunto. Isso ocorre, através da adoção de

um medalhão alongado, disposto no espaço central da nave, no qual é representado o

padroeiro São José, em seu leito de morte. Próximo a essa cena, foram utilizados dois outros

medalhões circulares, de menor tamanho e sem relação temática com o mural principal, para

preencher os espaços restantes próximos ao altar e ao coro (Figura 112). Semelhante

tratamento do espaço é retomado, mais tarde, na Nave da Igreja de Santo Antônio, em Silveira

Martins, oportunidade em que o pintor utiliza medalhões octogonais de tamanho médio para

preencher regiões próximas às extremidades do grande medalhão central (Figura 114). Em

Novo Treviso, ele volta a utilizar dois medalhões, desta vez com contornos circulares, para

preencher os espaços restantes em posição longitudinal ao medalhão do padroeiro São Marcos

(Figura 117).

Logo após a obra da Igreja Matriz de Dona Francisca, Lazzarini passa a trabalhar em

São João do Polêsine, na Igreja de São João Batista. Nessa construção de médio porte, apesar

da disponibilidade de espaço, nota-se que ao realizar a distribuição temática da nave central,

Lazzarini resume a ocupação do espaço, à apenas um medalhão central, sem qualquer outro

tema nas proximidades (Figura 113). Semelhante tipo de ocupação espacial simplificada, mais

tarde, passaria a ser utilizado apenas nas pequenas capelas, geralmente, encontradas em

comunidades interioranas.

Nas igrejas de pequeno porte, que geralmente não possuem uma nave central muito

alongada, a composição do conjunto de cenas, já não podia ser planejada para atender a uma

distribuição em forma de tríade longitudinal. O espaço mais curto destas naves, cujo espaço

retangular, por vezes se aproxima de um quadrado, não favorecia o acréscimo dos dois

medalhões médios que normalmente eram colocados ao longo do eixo longitudinal, em ambos

os lados do grande medalhão central. Por isso, nesses locais, Lazzarini costuma destacar o

grande medalhão, normalmente reservado à representação dos respectivos padroeiros de cada

Page 133: 1-dissertação

117

uma destas igrejas, tomando-os como o principal ponto de interesse. Esse padrão também se

aplica ao caso de Sitio dos Mellos, onde o espaço da nave apresenta apenas o medalhão de

Santo Isidoro isolado de outras cenas, lembrando pela simplicidade desta ocupação espacial, o

padrão utilizado por Lazzarini em São João do Polêsine. A maioria dos medalhões centrais

das igrejas de menor porte, no entanto, apresenta um padrão compositivo um pouco mais

elaborado. Os espaços correspondentes aos cantos dos medalhões centrais são preenchidos

por quatro pequenos medalhões circulares, invariavelmente ligados ao tema dos quatro

evangelistas que, dessa forma, estabelecem uma ligação formal, mais direta, entre espaço

arquitetônico e a temática religiosa. Sistema que pode ser reencontrado nas naves das igrejas

de Vale Veronês (Figura 116), de Sitio Alto (Figura118), e de Ivorá (Figura 119).

2.2 Orientação dos Temas no Espaço do Teto

Ao trabalhar o espaço do teto das igrejas, Lazzarini raramente utilizou escorços, ou

visões celestiais nas quais as figuras representadas no teto reforçam a posição específica e

distinta deste local: a de ser uma superfície colocada em posição superior ao ambiente em que

os espectadores se encontram. Nas composições em perspectiva ilusionística, muito utilizadas

pelos continuadores dos métodos do Padre Andrea Pozzo no período barroco, os tetos,

geralmente, assumiam esta característica arquitetônica de plano elevado. Situação que era,

então, acentuada pelo recurso ao trompe l’oeil, em pinturas que procuravam negar a

horizontalidade do plano físico do teto, criando a ilusão de uma continuidade intermitente do

espaço. Neste sistema de projeção, as figuras podiam ser representadas, aparentemente, com a

mesma orientação de verticalidade assumida pelo corpo do espectador que se encontrasse em

pé no espaço logo abaixo. Lazzarini, no entanto, na maioria de seus murais, segue um sistema

diferente que se assemelha à fórmula utilizada por Guido Reni; pintor que, ao trabalhar o

plano do teto, procurava dispor suas figuras horizontalmente, desconsiderando a orientação

espacial típica dos tetos, e aplicando os mesmos princípios de orientação utilizados no caso

dos murais dispostos verticalmente. As imagens, em visão frontal, apresentam um

inconveniente ao serem transladadas para esta nova posição. Pois, ao contrário das cenas

celestes com corpos escorçados, a disposição horizontal necessita de uma convenção que

passe a orientar qual será o lado que será considerado “em cima” ou “embaixo”; noções

importantes para a compreensão do conjunto de cenas figurativas que, distribuídas num

espaço planimétrico uniforme, pretendam reproduzir um ambiente verossímil.

Page 134: 1-dissertação

118

Na obra de Lazzarini, duas formas principais de orientação espacial parecem se

destacar e constituir sistemas básicos, aos quais é possível enquadrarmos parte substancial dos

meios utilizados na organização das cenas representadas em tetos planos. A mais freqüente, e

facilmente verificável nos tetos com grande quantidade de imagens, como por exemplo, em

Nova Palma e Faxinal do Soturno186, consiste em um sistema que distribui as cenas,

longitudinalmente ao corpo da igreja. Convencionando que parte posterior do presbitério seja

o lado para onde devem ser orientadas as bases das figuras, assim como o espaço do coro

indica a parte superior, ou seja, o local para onde a cabeça dos personagens ou a parte mais

elevada das representações passa a ser direcionada. Nota-se que esse tipo de posicionamento,

não causa problemas ao espectador, cujo corpo se encontra na posição voltada em direção ao

altar. Pois as figuras, orientadas em conjunto, dão uma impressão semelhante à de um

ambiente natural estruturado horizontalmente, ao nível dos olhos. À medida que a cabeça se

inclina para trás mudando o campo de visão, sucessivamente, em direção à parte do teto,

localizada no espaço logo acima do local, onde o observador se encontra.

A segunda forma utilizada por Lazzarini, para orientar as figuras em tetos planos,

caracteriza-se por uma espécie de inversão do sentido de orientação anterior. Tipo de

direcionamento que ocorre, apenas, com a última série de figuras, normalmente distribuídas

ao largo da ultima faixa transversal ao comprimento da nave, na região próxima ao coro.

Neste local, as figuras normalmente quebram o ritmo determinado pela orientação das dos

murais anteriores que ocupam a maior parte do espaço restante na nave e no presbitério, de

modo que a composição passa a ter sua base orientada para a face interna da parede

correspondente à fachada dessas Igrejas. Em Nova Palma, a inversão ocorre nos dois últimos

quadros da nave central, correspondentes às cenas do Dilúvio Universal e de Davi derrotando

Golias (Figura 110). Isso também é válido para as naves laterais; no lado esquerdo temos a

inversão do mural da Ressurreição que fecha o ciclo da vida de Cristo e, em posição

correspondente na nave direita, essa orientação é seguida pelo mural da Coroação de Maria no

Céu. Esse procedimento também seria utilizado, em Faxinal do Soturno no caso do mural da

Expulsão do Paraíso (Figura 111). Em Silveira Martins, os dois quadros mais próximos do

186 {Na Igreja de São Roque em Faxinal do Soturno, esta orientação é válida, para as imagens da parte central do teto do presbitério e para os murais que estão dispostos longitudinalmente na parte central da nave, pois devido à forma abobadada deste teto, as partes intermediárias inclinadas localizadas próximas às paredes laterais, seguem uma distribuição diferente, onde as cenas são posicionadas verticalmente e em posição ortogonal a esta linha central.}

Page 135: 1-dissertação

119

presbitério, seguem a orientação tradicional, mas o último medalhão próximo ao coro,

apresenta essa inversão característica (Figura 114). Na Igreja de Nossa Senhora das Dores, a

inversão ocorre no caso de um pequeno medalhão que representa um anjo músico, no teto

acima do coro. Em Novo Treviso, os três medalhões principais da nave, continuam a manter o

primeiro sistema de orientação, mas a inversão torna a ocorrer no caso de um pequeno signo

que apresenta duas lamparinas com chamas unidas, localizado no espaço acima do coro

(Figura 115). As exceções ocorrem no caso da Igreja de Dona Francisca, onde o mural mais

próximo do coro, mantém a mesma orientação do mural do presbitério e dos três medalhões

distribuídos em linha longitudinal à nave. De maneira semelhante àquela utilizada em igrejas

onde há apenas um medalhão central isolado na nave, sem que qualquer tema ocupe o espaço

do coro, como no caso das Igrejas de São João do Polêsine e Sitio dos Mellos.

As igrejas que possuem um medalhão principal, em associação a outros menores

distribuídos nos quatro cantos da nave central, também apresentam inversão, no caso das duas

imagens dos Evangelistas mais próximas do coro. Mas, nesse caso, a posição é evidentemente

resultante, da necessidade, até certo ponto natural, de se conseguir uma distribuição simétrica

em relação ao grande medalhão central. Porém nas primeiras igrejas com várias imagens

distribuídas em série ao longo da nave, é possível que a inversão fosse resultante de um

planejamento que considerasse a situação diferenciada com que estes últimos murais,

próximos ao coro, se apresentavam ao olhar dos espectadores. Nota-se que uma pessoa

posicionada frontalmente em direção ao altar, mesmo estando nas últimas fileiras de assentos,

dificilmente consegue ver estas imagens devido a posição desconfortável, decorrente do

ângulo de inclinação da cabeça, necessário para tal feito. No entanto, se for considerada a

posição normalmente assumida pelo corpo dos espectadores, ao fim das celebrações, percebe-

se que há uma perfeita adequação entre a orientação destas cenas, localizadas próximas ao

espaço de saída, e o direcionamento do olhar das pessoas em seu deslocamento para o exterior

do templo. Impressão de normalidade que é aumentada pela orientação da parte inferior das

figuras no sentido da parede próxima (superfície interna da fachada) que neste caso,

convencionalmente, assume a condição de uma base equivalente à de uma linha de solo de um

ambiente natural.

Page 136: 1-dissertação

120

Figura 110 Esquema de distribuição temática, dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS. Escala: 1: 200.

Page 137: 1-dissertação

121

Figura 111 Esquema de distribuição temática, dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS. Escala: 1: 200.

Page 138: 1-dissertação

122

Figura 112 Esquema de distribuição temática, dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de São José. Dona Francisca, RS. Escala: 1: 200.

Page 139: 1-dissertação

123

Figura 113 Esquema de distribuição temática, dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de São João Batista. S. J. do Polêsine, RS. Escala: 1: 200

Page 140: 1-dissertação

124

Figura 114 Esquema de distribuição temática, dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de Santo Antônio. Silveira Martins, RS. Escala: 1: 200.

Page 141: 1-dissertação

125

Figura 105 Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de Nossa Senhora das Dores. Santa Maria, RS. Escala: 1: 200.

Page 142: 1-dissertação

126

Figura 116 Esquema de distribuição temática, dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico, Vale Veronês, Silveira Martins, RS. Escala: 1: 200.

Page 143: 1-dissertação

127

Figura 117 Esquema de distribuição temática, dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de São Marcos, Novo Treviso, Faxinal do Soturno, RS. Escala: 1: 200.

Page 144: 1-dissertação

128

Figura 118 Esquema de distribuição temática, dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de Nossa Senhora do Caravaggio, Sítio alto, Ivorá, RS. Escala: 1: 200.

Page 145: 1-dissertação

129

Figura 119 Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini, no teto da Igreja de São José, Ivorá, RS. Escala: 1: 200.

Page 146: 1-dissertação

130

2.3 Processo Construtivo: Condições iniciais e registros posteriores

2.3.1 Os suportes

Mesmo ao se considerar que Lazzarini executou várias obras em plano vertical, sobre

o reboco de paredes comuns, pode-se dizer que o suporte por excelência, de seus murais

foram os forros de estuque232. As igrejas desta região, que em sua segunda ou terceira

geração, vieram a substituir as primitivas capelas de madeira, normalmente utilizavam esse

tipo de material para a execução dos forros. A escolha desse revestimento, em período mais

recente, não era devido somente à maior disponibilidade de recursos econômicos e materiais,

mas, também, favorecida pelo fator de durabilidade desse substrato. Pois, ao contrário do que

acontecia em antigas igrejas do nordeste brasileiro, nesse espaço geográfico sulino, onde o

clima regional conjuga períodos secos com temperaturas elevadas, alternados com outros

períodos de intenso frio e alta concentração de umidade, o estuque parecia ser um material

mais apropriado do que a madeira.

Em construções mais antigas, como no caso da Matriz de Nova Palma (1927), o forro

de estuque era assentado sobre uma camada de ripas de coqueiro233, distribuída

regularmente, sobre suportes estruturais de madeira. Conforme descreve Rubin: “Do coqueiro

se obtinham com facilidade ripas muito retas, sem necessidade de serragem. Pregadas em

paralelo, bem próximas umas às outras, serviram de suporte do estuque da nossa segunda

igreja e de muitas igrejas da época” (RUBIN, 1987, p. 33). Mais tarde, o uso de ripas de

coqueiro seria substituído por módulos quadrangulares industrializados, de uma espécie de

tela metálica com fios, de aproximadamente: ∅ 5mm (diâmetro), distribuídos em malha com

espaçamentos de 1,00 cm de intervalo. Sobre essa nova base, no entanto, continuariam a

aplicar o tradicional revestimento de estuque, como no caso da igreja de Ivorá.

Duas igrejas, porém, fugiram à regra e optaram por utilizar materiais mais modernos.

Essa situação ocorreu, na realização do teto da Igreja de São João do Polêsine (c.1950), com

forros de madeira compensada, e na Igreja de Santa Catarina do Bairro Itararé em Santa Maria

232 {Espécie de argamassa, preparada geralmente com gesso cal e areia.}

233 {Coqueiro: planta da família das palmáceas (Coccos romanzoffiana), que produz frutinhos amarelos, comestíveis, muito freqüente nas matas sul brasileiras.}

Page 147: 1-dissertação

131

(c.1955) onde optaram por um forro de cartão compactado234 material que na época da pintura

de Lazzarini (1963), já apresentava problemas devido a infiltrações de umidade. Conforme

Barbieri, nesse caso, a solução encontrada para a realização da pintura do teto, consistia em se

efetuar a colagem de folhas de papel sobre a área danificada, para que então fosse possível,

realizar a pintura dos motivos ornamentais geométricos, sobre essa nova base. Esse tipo de

improvisação, no entanto, era uma atividade que Lazzarini normalmente evitava. Conforme

Orlandi, ele só aceitava iniciar uma nova pintura, quando o teto e as paredes estivessem em

boas condições de regularidade, o que por vezes obrigava mesmo os padres relutantes a

contratarem às pressas os serviços de um pedreiro.

Na maioria dos casos, as antigas estruturas recobertas de estuque, se revelaram mais

duráveis que os módulos de compensados industriais. Uma possível exceção, no entanto, se

encontra no forro de estuque de Nova Palma, hoje bastante danificado por rachaduras. Mas

esse estado se deve menos à questão de envelhecimento do material, do que a forças

mecânicas, desagregadoras resultantes da vibração ocasionada por vários exaustores,

compostos de cilindros metálicos com partes móveis, que em período recente foram instalados

no teto com a finalidade de favorecer a circulação de ar no ambiente. No entanto, o aspecto

desses murais ainda se conserva menos alterado, do que os realizados sobre suporte de

madeira compensada, como no caso de Polêsine, onde os retângulos que constituem o teto

apresentam, por vezes, um grau de empenamento e dilatação que realmente interfere na leitura

dos murais neles realizados.

Apesar dos suportes, geralmente, terem sido construídos em épocas anteriores à

atividade de Lazzarini na região. E de que as informações relativas à técnica construtiva ou

propriedades físicas desses materiais, não parecerem ter direta relação com o trabalho

realizado por este pintor, em período posterior, a ênfase aqui exposta justifica-se por atender

um dos objetivos secundários da presente pesquisa. Que é: resgatar informações que possam

auxiliar numa futura intervenção ativa no intuito de preservação dessas obras.

234 Espécie de lâmina de papelão denso, material antecessor, de aspecto similar às lâminas atualmente comercializadas pela Eucatex. (sem demérito para esta última marca).

Page 148: 1-dissertação

132

2.3.2 Construções auxiliares

Para a execução das pinturas murais, eram utilizados andaimes de madeira. Conforme

Barbieri, costumava-se construir estruturas com altura variável, em função da distância

apresentada pelo teto da igreja, em cada caso. Na parte superior, havia uma plataforma

construída com barrotes de pinho, perfazendo aproximadamente 5,00 m2, um espaço

considerado suficiente, para acomodar as tintas e para que o pintor conseguisse realizar um

mural de tamanho médio, sem a necessidade de deslocamento de toda estrutura de apoio. Ao

contrário de algumas construções tradicionais, onde o artista era obrigado a trabalhar deitado,

neste caso havia um intervalo entre o andaime e o teto, com afastamento suficiente para

proporcionar um espaço adequado aos movimentos do pintor que preferia permanecer em pé

na plataforma. Esse modo tinha seus inconvenientes, entre estes a posição forçada do pescoço,

com a qual o artista era obrigado a trabalhar. Por vezes, ele costumava utilizar um espelho

pelo qual podia acompanhar o movimento do pincel olhando indiretamente para sua obra. Por

isso, comenta-se que Lazzarini, que era canhoto, normalmente “[...] segurava o santinho com

a mão direita, e pintava com a outra”235. Como ocorria que a proximidade com as grandes

dimensões do mural, podia perturbar a correta avaliação das proporções e harmonia

cromática, por vezes necessitava descer do andaime, e assim comparar a uma distância

adequada o seu pequeno modelo e a obra ampliada. Este afastamento proporcionava uma

situação favorável, onde os murais podiam ser vistos com uma proporção aparente, bastante

aproximada dos modelos gráficos, condição que facilitava o julgamento das correções

necessárias.

Próximo ao altar, no espaço entre a nave e o presbitério, normalmente, havia alguns

degraus que dificultavam a movimentação do andaime e, consequentemente, a pintura do teto

no espaço correspondente a esta base escalonada. Para solucionar essa dificuldade, era então

acrescida uma mão-francesa à estrutura básica do andaime, estrutura que permitia a

sustentação de um prolongamento anexo à plataforma, com área de aproximadamente 2,00

m2, que, então, facilitava a pintura dos murais e demais detalhes nesta área de difícil acesso.

235 Cf., informações fornecidas por Juventino Barbieri. Entrevista realizada em Dona Francisca em 27 de novembro de 1999.

Page 149: 1-dissertação

133

2.3.3 Arquivos de Lazzarini

Considerando a evidente dificuldade de se reconstituir, com precisão, os métodos e

técnicas utilizadas por Lazzarini, pareceu necessário juntar às informações pesquisadas,

também alguns dados secundários, sobre os assuntos de interesse do pintor. O que, apesar de

questionável em termos de a uma direta relação com as obras por ele executadas, se justifica

enquanto complemento as informações de ordem técnica. Principalmente, porque se considera

que o ato de criação em si, é precedido entre infinitas variáveis, e por um período de interação

entre o artista e o ambiente cultural de sua época. Por disso, no caso de Lazzarini, optou-se

pela apresentação de um breve sumário do tipo de leitura que ele tinha acesso durante seu

cotidiano, o que pode fornecer uma idéia aproximada das áreas de interesse do pintor ou,

talvez, permita vislumbrar algo de sua formação e desenvolvimento intelectual.

a) Coletânea de publicações

Ao se analisar os objetos remanescentes de Angelo Lazzarini, guardados pelo filho

Francisco, em Caxias do Sul, foram encontradas, acondicionadas em duas caixas de papelão,

várias revistas técnicas na área de mecânica, tais como, edições americanas da Popular

Mechanics Magazine, cujos mais antigos exemplares remontam a 1947, além de edições

vertidas para o espanhol, publicadas em Buenos Aires, sob o título de Mecânica Popular, com

exemplares colecionados a partir de 1951. Da Argentina, Lazzarini assinava também a revista

La Chacra, que versava sobre técnicas úteis a proprietários de pequenas áreas agrícolas. Na

área de cultura geral, encontram-se algumas revistas como, National Geographic, a partir de

1931, ou Popular Science, de 1956. Além disso, também foram conservados alguns livros de

informações turísticas da Itália, publicadas pelo Touring Club de Milão, e o relato de viagem:

Una Excursión por Tierra Santa.

De áreas mais diretamente ligadas às artes visuais encontramos algumas revistas de

divulgação artística, tais como: Síntese Histórica da Arte Argentina, School Arts (New York,

1958), Liturgical Arts (Chicago, 1957), L`Information Artistique (Paris, 1958) além de um

tratado de caráter mais técnico; La Compozicione delle Tinte nella Pittura a Olio e ad

acquerello, de G. Ronchetti (Milão, 1945). Além desses documentos, também resta uma

coletânea de postais com reproduções monocromáticas de obras renascentistas, maneiristas e

barrocas, reunindo imagens de obras localizadas em vários museus europeus, além de várias

reproduções fotográficas, de obras do próprio Lazzarini.

Page 150: 1-dissertação

134

b) Registros fotográficos

Dos vários registros fotográficos que Lazzarini deixou, ainda restam setenta e sete

reproduções em preto e branco, vinte das quais em grande formato (30 x 40 cm) que trazem

como principal tema, os murais de sua última fase, correspondente à região da Quarta

Colônia. Nenhuma dessas reproduções é datada e poucas trazem indicações do local em que

foram realizados. Uma dessas fotos, que traz a notação “Matriz de Jaguari”, apresenta uma

vista interna geral da obra que conforme os registros paroquiais foi executada em 1933.

Restam, porém, fotos de outras igrejas, provavelmente do mesmo período ou anteriores, entre

elas a da Igreja Matriz de Santiago (RS), e de outras duas capelas, sem qualquer informação

escrita, cuja identificação ou localização não houve possibilidade de ser efetuada no decorrer

dessa pesquisa.

O registro fotográfico, além de servir como um arquivo pessoal para Lazzarini,

possivelmente também servia para demonstração de suas habilidades artísticas, diante de

possíveis clientes que desconhecessem sua produção anterior. Entre os registros de trabalhos

recentes, também encontramos fotos de pinturas antigas, muitas das quais já foram destruídas,

como no caso de Nova Palma, Nova Údine (Ivorá), e Silveira Martins. A autoria desses

antigos murais ainda constitui uma incógnita, mesmo no caso de Nova Palma, onde

encontramos registros de que a primeira pintura foi realizada por Amadeu Kuliska, em

período pouco posterior à inauguração da nova nave que ocorreu em 1927 (SPONCHIADO,

1996, p. 100). O problema se configura mais complexo quando se considera os dados

fornecidos pelo Sr. Juventino Barbieri que trabalhou com Lazzarini, em 1963, ele relata que o

pintor costumava contar uma história pitoresca, no decorrer da qual revelava o fato de ter

pintado a igreja de Nova Palma por duas vezes. Contava que durante os trabalhos da primeira

pintura, ao executar uma pintura mural no teto da nave central, o pintor teria esquecido um

cachimbo atrás da cabeça da imagem de um santo. Nota-se que em Nova Palma sob o arco

triunfal, realmente existem duas grandes imagens de gesso, de anjos em um estilo neobarroco,

modeladas em alto relevo. Mais tarde ao retornar àquela cidade para executar nova pintura,

teria encontrado esse cachimbo no mesmo lugar.

Os documentos paroquiais mais antigos registram apenas dados relativos à primeira

pintura executada por Amadeu Kuliska, a qual foi inaugurada em 1927, sem fazer qualquer

referência a pinturas realizadas por Lazzarini em período anterior a 1954. Ao compararmos as

fotos das velhas pinturas de Nova Palma, com os murais mais recentes de Lazzarini,

percebemos que existe uma flagrante diferença, na distribuição dos personagens, detalhes

decorativos e aproveitamento do espaço plástico nas composições, mesmo assim, é possível

Page 151: 1-dissertação

135

admitir que o contraste não é tão acentuado, quando comparado em relação às fotos das

antigas pinturas executadas por Lazzarini na Igreja Matriz de Jaguari (1933). Embora exista

uma certa probabilidade dessa foto registrar a obra de outro pintor, Kuliska no caso, não

podemos descartar a possibilidade de que, esta foto possa ser o documento de uma antiga

pintura executada pelo próprio Lazzarini, durante uma fase anterior ao amadurecimento de

seu estilo, obra em cujo desenvolvimento podem ter ocorrido algumas intervenções de um

pintor auxiliar. Desse período, no entanto, parecem restar apenas os registros fotográficos,

sobre pinturas das quais não se conservou qualquer documento escrito, e apesar do relato

sobre Lazzarini parecer a princípio, apenas uma fábula divertida, um tanto fantástica para ser

verdade, ela certamente introduz uma dúvida crucial, sobre a autoria do antigo trabalho.

Sobre a foto da antiga pintura sob a legenda de Nova Údine, não encontramos

qualquer outro registro escrito, mas apenas conseguimos depoimentos que confirmam por

vaga lembrança a existência de uma pintura antiga na Igreja de São José de Ivorá (antigo

povoado de Nova Údine). Sem, no entanto, haver possibilidade de qualquer identificação de

autoria. Quanto à foto da antiga pintura mural, encontrada na Igreja de Silveira Martins, o

Diácono Severino Bellinaso (*1913) registra que dois pintores italianos teriam realizado os

primeiros murais, entre 1929 e 1930 236, mas que esses trabalhos teriam sido logo

danificados pela exudação das paredes.

Do processo de execução das pinturas, resta no arquivo de Lazzarini apenas um

registro fotográfico. Porém, não se trata do registro de uma pintura mural no sentido

tradicional do termo. Mas sim de um grande painel com superfície em tela, representando

uma Santa Ceia que, possivelmente, já se encontrava concluída no momento da foto, apesar

de Lazzarini posar como que se detivesse no ato de pintá-la (Figura 120). Francisco, afirma

ainda, ter conservado outra foto, não localizada, na qual Lazzarini era apresentado sobre os

andaimes, durante execução de uma pintura mural.

236 {Não existem evidências, pois, o mais antigo documento atualmente conhecido da atividade de Lazzarini no Brasil, corresponde a um registro do Livro do Tombo n. 1, folha 51, da Paróquia de Jaguari (RS), é datado de 1933, mas isto não invalida a hipótese de que Lazzarini já se encontrasse, havia algum tempo, em nosso país, e tivesse realizado algumas pinturas no início dos anos 30. Pois, de acordo com o depoimento dos familiares, Lazzarini retornou da Itália em companhia de outro pintor italiano, mas ambos não teriam permanecido por muito tempo na Argentina devido à falta de oportunidades para desenvolverem trabalhos em pintura mural naquele país. Considerando que eles tenham realmente retornado em 1926 para a Argentina e que logo tivessem imigrado para o Brasil, em algum momento dos primeiros anos seguintes, existe a possibilidade de que eles pudessem ter passado pela região da Quarta Colônia, ou mesmo que pudessem ter executado obras como as que foram mencionadas no caso da Igreja Matriz de Silveira Martins, em que o resultado da fusão dos dois estilos já não permite uma identificação, sem dificuldades, em relação as obras individuais, realizadas por Lazzarini em período tardio.}

Page 152: 1-dissertação

136

Figura 120 Lazzarini junto a uma tela da Santa Ceia. Sem datação. Foto: arquivo da família Lazzarini.

O registro posterior, da obra mural finalizada, ao contrário dos raros registros

anteriores, parece ter se tornado um procedimento normal, como indicam as fotos que

registram diferentes ângulos de suas pinturas murais, em uma coleção que concentra,

principalmente, os murais realizados no período correspondente aos anos 50. Esses arquivos

constituem em seu conjunto um importante referencial visual que nos dá noção do antigo

aspecto de algumas pinturas. Como por exemplo, o de Santa Cecília, em Faxinal do Soturno,

localizado na parede posterior da cantoria237 (destruído por infiltração de água na área

próxima ao óculo, devido à quebra dos vidros que protegiam esse local e restaurado em 2004

por Juan Amoretti e Kátia Kunde). As fotos também indicam, aproximadamente, a

intensidade de contraste cromático que estas pinturas apresentavam no período logo após a

execução, possibilitando em comparação ao estado atual, imaginar o quanto estes pigmentos

esmaeceram nas últimas décadas.

237 {Denominação regionalista dada ao espaço localizada na parte superior, próxima à entrada das igrejas desta época (coro), constituindo um anexo arquitetônico reservado para os cantores, conforme os ritos anteriores ao Concílio Vaticano II, quando a participação ativa dos leigos em outras partes da liturgia ainda era bastante restrita.}

Page 153: 1-dissertação

137

Figura 121 Tiepolo: Alegoria da Virtude, Fortaleza, Justiça e Verdade. Villa Loschi, Vicenza. Arquivo de Lazzarini.

c) Referenciais gráficos

Entre as reproduções gráficas encontradas, em meio aos documentos restantes de

Lazzarini, encontram-se duas cópias coloridas de imagens, baseadas nas obras de Murillo;

uma referente à Sagrada Família que serviu de modelo direto para o mural da Capela de Vale

Veronês, e outra à cópia da Imaculada Conceição que foi reproduzida, na Igreja de Nossa

Senhora das Dores, em Santa Maria. Entre as reproduções fotográficas de formato maior,

também foi encontrada uma figura em preto e branco, de um mural com corpos representados

em escorso, que alguns momentos lembram o estilo adotado por Lazzarini nos personagens da

Glória da Santíssima Trindade em Nova Palma. Essa figura conservada por Lazzarini (Figura

121), no decorrer da pesquisa, foi identificada como a Alegoria da Virtude, Fortaleza, Justiça

e Verdade, afresco executado por Tiepolo para a Villa Loschi em Vicenza238

Na coleção de postais sobre arte religiosa, encontramos obras de: Rafael (A

238 Cf., L`Opera Completa di Giambatista Tiepolo. Milano: Rizzoli, 1971. Figura 90 F.

Page 154: 1-dissertação

138

Transfiguração - Museu do Prado), Van Dyck (A traição de Judas - Museu do Prado), Guido

Reni (Ecce Hommo - Louvre), Rubens (Jesus entrando em Jerusalém - Museu de Dijon),

Poussin (Os cegos de Jericó – Museu do Louvre), Murillo (A Multiplicação dos pães – Museu

de Sevilha), Ribera (Cristo na Tumba – Museu do Louvre) entre outros. Nota-se, no entanto,

que a única pintura desse arquivo, que Lazzarini parece ter utilizado como modelo direto,

verificável, foi a Santa Ceia de Leonardo da Vinci.

As formas pelas quais Lazzarini reunia seu acervo visual eram variadas, conforme

Francisco, seu pai possuía caixas de santinhos, conservadas desde o tempo em que viera da

Itália, além de vários contatos no meio eclesiástico que se encarregavam de fornecer este tipo

de material. Um destes prováveis contatos foi o cônego Librellotto239 que se encontrava em

Santa Maria, e que enviou à Lazzarini uma foto com dedicatória e expressões de amizade, em

1941, na época em que o pintor se encontrava em Garibaldi240.

Excepcionalmente, conforme declarações do Sr. Orlindo Zamberlan, Lazzarini

também recorria a outras fontes não gráficas: “Se tinha alguma outra estátua que ele queria

fazer igual, então ele olhava e fazia”241, revelando o quanto eram variadas as fontes que

serviam aos murais de Lazzarini.

O Pe. Dorvalino Rubin, da paróquia de São João do Polêsine, comenta que na época

das pinturas de Lazzarini na região, era uma função do vigário local procurar, inclusive junto

às famílias, por determinados “santinhos” que passavam, então, a ser utilizados como modelos

para os murais da igreja. Realmente, em alguns casos, foi possível comparar as figuras

representadas nos murais com algumas reproduções gráficas emolduradas, ainda conservadas

por antigas famílias italianas, como no caso da temática do Destino do Justo e do Destino do

Mau Pecador. Cujos detalhes foram reproduzidos em Faxinal do Soturno, Ivorá e Santa

Maria, assim como o caso do quadro do Anjo da Guarda. Cujo modelo europeu precursor é o

Anjo Guardião (Catedral de Sevilha) de Guido Reni, obra realizada entre 1674 e 1676,

iconografia que, indiretamente, influenciaria os murais realizados em Faxinal do Soturno,

239 Cf., Doc Librelloto. CPG de Nova Palma: O cônego Pascoal Gomes Librelotto (*1901 + 1967), que mais tarde tornou-se Monsenhor, era Secretário Geral do Bispado de Santa Maria, cargo que assumira a partir de 1937.

240 {Nota-se que nesta época, o costume de se enviar fotos com dedicatória, era um sinal de distinção que se reservava aos amigos mais próximos ou pessoas das quais se tinha alta consideração.}

241 Cf., depoimento de Orlindo Zamberlan (*1918) gravado em Vale Veronês, em 21 de Agosto de 1999.

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139

Silveira Martins e Novo Treviso.

Quanto à origem dessas figuras religiosas encontradas nos lares italianos da região, o

Padre Luiz Sponchiado242, de Nova Palma, acredita que em grande parte, foram compradas de

antigos mascates que incursionavam na região. Esses tipos de vendedores ambulantes teriam

contribuído no processo de disseminação de várias imagens gráficas, vindas, principalmente,

de Pádua, região italiana de onde também provinham algumas das cópias que eram enviadas e

distribuídas aos colaboradores da Associação Antoniana. Armindo Trevisan acrescenta que,

entre os anos 30 e 50, também era comum que os padres distribuíssem, entre as crianças, os

populares “santinhos”, cujas cópias impressas provinham, principalmente, da gráfica

Mosquermanos de Montevidéo243.

Todas essas reproduções gráficas mantinham ainda o estilo tradicional daquelas

antigas imagens trazidas pelos primeiros imigrantes, nas últimas décadas do século passado.

Toda esta difusão visual encontrava, portanto, boa acolhida entre estas famílias desta região,

sendo preservadas nestes lares, de maneira que, mais tarde, veio a ser repassada através dos

modelos fornecidos para a execução dos murais em suas igrejas. Dessa forma, as imagens

gráficas tradicionais vieram a influir intensamente nos padrões de visualidade da obra de

Lazzarini, contribuindo, assim, para que ocorresse a preservação desses antigos padrões

iconográficos, derivados, principalmente, de uma fusão degradada de elementos estilísticos

clássicos e barrocos.

242 Cf., Pe. Luiz Sponchiado (pesquisador do processo de imigração e formação histórica da região da Quarta Colônia), em resposta à entrevista não estruturada, realizada em Nova Palma em 21 de outubro de 1999.

243 Cf., anotações realizadas pelo autor a partir do comentário de avaliação realizado por Armindo Trevisan, durante o processo da banca de qualificação de projeto em 28 de setembro de 1999.

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140

Figura 122 Ilustração do esquema de direcionamento das linhas de fuga sobre foto monocromática da obra de Lazzarini: Apresentação de Cristo no Templo, 1955. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

2.4 Perspectiva e Composição

2.4.1 Perspectiva não-unificada

As construções arquitetônicas que

aparecem em alguns murais de Lazzarini,

geralmente assumem uma importância

secundária, apesar de funcionais, enquanto

caracterizantes do ambiente dos

personagens. Estas estruturas, normalmente,

têm suas formas dissimuladas por cores

neutras, como por exemplo, na ambientação

monocromática cinza que preenche as

paredes e colunas, no caso da Apresentação

de Cristo no Templo. Essa importância

reduzida, assumida pela figuração da

arquitetura, em contraposição ao destaque,

dado à representação dos personagens

sacros, transparece nestas construções, pela

adoção de uma projeção em perspectiva

livre. As linhas são normalmente

distribuídas em inclinações sugestivas de

profundidade, porém, sem a observância do

tradicional sistema construtivo, baseado num ponto de fuga central. Nota-se, no caso da

Apresentação de Cristo no Templo (Figura 122), que a linha do horizonte, caso fosse

realmente adotada nessa construção, provavelmente se encontraria próxima aos pés dos

personagens, uma vez que mesmo próximo ao piso, as linhas da parede ainda tendem a se

inclinarem em direção a algum ponto comum situado num nível mais baixo, o que no caso de

um hipotético ajuste ao sistema projetivo tradicional, resultaria em figuras com ombros

inclinados, vistas de baixo em escorço. Mesmo quando algumas linhas coincidem em um

ponto, outras tendem a seguir uma inclinação cuja projeção não se junta às linhas anteriores. É

o que ocorre, também, na cena da Visitação em Nova Palma.

Page 157: 1-dissertação

141

A negligência dos padrões tradicionais de perspectiva se torna ainda mais evidente no

mural do Destino do justo e do Pecador de Ivorá (Figura 98). Apesar da cena ser estruturada

em profundidade e de ter as linhas das formas correspondentes aos confessionários, inclinadas

em direção ao centro, assemelhando-se a uma perspectiva de um ponto, mesmo assim, não

apresenta coerência com as linhas do solo que por sua vez não apresentam qualquer indício da

esperada construção em tábua de xadrez inclinada. Técnica, historicamente utilizada por

alguns ateliês, desde o Treccento italiano, e que mais tarde foi aperfeiçoada e prescrita por

Alberti, em seu célebre tratado Da Pittura. Nesta obra de Lazzarini, as linhas quadriculadas

do piso parecem receber uma construção bidimensional que, em certo ponto, entra em conflito

com os objetos estruturados em relevo.

Lazzarini, no entanto, parecia conhecer, pelo menos parcialmente, o sistema estrutural

utilizado para definir planos espaciais a partir de linhas projetadas em direção a um ponto

comum. Pois, percebe-se, na cena da Anunciação de Nova Palma (Figura 17), que apesar do

modelo exposto pela gravura não detalhar as linhas do piso, Lazzarini, mesmo assim, utiliza

uma estrutura composta de múltiplas linhas inclinadas, que aparentemente se dirigem a um

ponto central. Essas linhas, no entanto, não são cortadas por ortogonais, e não determinam o

tradicional aspecto quadriculado (carrelage), como as que normalmente encontramos, em

Anunciações italianas, executadas pelos irmãos Lorenzetti. Esse mesmo sistema de linhas

simplificadas é repetido por Lazzarini, no solo do cenário da Anunciação de Faxinal do

Soturno244, desta vez com o acréscimo de linhas ortogonais alternadas, resultando numa trama

de linhas semelhante a que observarmos no sistema de entrelaçamento comum de uma parede

de tijolos. Experiência que resulta em uma composição de aspecto razoável, e que logra um

bom efeito em termos de ilusão de profundidade. Mesmo se considerarmos que, para isto, o

pintor lança mão de um sistema, do qual não sabemos até que ponto tinha aptidão para

explorar as possibilidades mais complexas.

Ao final deste estudo sobre alguns casos que exemplificam o repertório técnico de

Lazzarini, no que se refere aos sistemas de perspectiva utilizados, pode-se concluir que ele se

limitou à utilização de uma técnica pessoal. Em que ele fez uso, principalmente, de uma

perspectiva não estruturada. Técnica que, em muitos aspectos, se assemelha aos sistemas de

perspectiva utilizados por pintores italianos do século XIV, e das duas primeiras décadas do

século XV, em obras anteriores ao advento das experiências visuais de Brunelleschi, ou dos

244 Cf., Fig. 19 do primeiro capítulo.

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142

Figura 123 Lazzarini: Santa Margarida e a visão do Sagrado Coração de Jesus, 1956. Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno, RS.

murais de Masaccio. A partir de quando, gradualmente, a perspectiva linear tornou-se

consagrada, passando a ser progressivamente utilizada para unificar e estruturar todo o espaço

pictórico.

2.4.2 Absides: os problemas do espaço curvo

As paredes curvas parecem ter

acrescentado uma dificuldade extra à

distribuição de formas arquitetônicas

na Igreja de São Roque, sobretudo no

caso do mural de Santa Margarida e a

visão do Sagrado Coração de Jesus245

(Figura 123), localizado no teto da

absidíola esquerda. Lazzarini

concentra a ação de seus personagens,

no espaço central e preenche os

espaços restantes com a figura de

quatro colunas geminadas. Formas se

projetam para cima, em direção a uma área que se situa próxima ao limites da pintura, no

ponto de encontro com o arco que divide esse anexo em relação à nave central. Esse tipo de

projeção vista a partir de baixo, têm um resultado, que se assemelha a uma perspectiva de três

pontos por vezes chamada de Worm Eye. Mas, ao se analisar esta estrutura, percebe-se que

essa distorção de espaço resulta mais de uma necessidade imposta pelo suporte, do que de

uma construção elaborada para esse efeito. Lazzarini, na verdade, continua a utilizar regras

construtivas aplicadas a suportes planos. Ao longo do raio que perfaz a base do mural, ele

distribui as quatro colunas verticalmente, sem a necessária preocupação com um ponto de

fuga, pois, percebe-se que a espessura das colunas se mantém constante em sua elevação, sem

qualquer afilamento perceptível em sua parte mais alta. Como seria esperado no caso de uma

orientação de retas direcionadas a um ponto central. Em função da forma do suporte, ele

obtém a inevitável aproximação dessas colunas, o que ocasiona uma forte distorção dos arcos,

nesse ponto ainda mais aproximados pela espessura constante das colunas. Esse espaço de

245 Margarida Maria Alacoque, nasceu em 1647. Mais tarde, ingressou na Ordem Religiosa da Visitação, onde algum tempo depois viria a ter uma visão, na qual Jesus lhe mostra o coração rodeado de espinhos, com um chama e a marca da ferida da lança. Surgindo daí a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, crença que naquele mesmo século ganharia intensa divulgação através de São João Eudes.

Page 159: 1-dissertação

143

conjunção das colunas formava um bloco estrutural de grande complexidade que,

possivelmente, competia visualmente por parte da atenção dedicada aos personagens sacros.

Diante deste problema, Lazzarini prefere priorizar suas figuras, de maneira que,

aparentemente, opta por deixar o problema das estruturas insolúvel. Uma situação onde a leve

coloração dessas formas arquitetônicas ajuda a diminuir a importância da estrutura, e a cor

utilizada para o céu invade essa região entre arcos, dissimulando sua intrincada conexão.

Mesmo em composições em que não eram representadas formas arquitetônicas, o

suporte em forma absidial246 parece ter reforçado dificuldades compositivas, exigindo

adaptações na técnica do pintor, levando-o a alterar a disposição das formas representadas. No

caso da Igreja de Nossa Senhora das Dores, privilegiada por sua arquitetura de influências

românicas, o pintor se defronta com vários desses tetos curvos. Nos dois pequenos nichos,

correspondentes às imagens de Nossa Senhora Três Vezes Admirável, e Nossa Senhora do

Carmo, ele pinta as figuras a partir de seus pequenos modelos planos. Ainda sem a

necessidade de qualquer alteração direta no personagem, ou, em seu espaço de entorno, que

tem a forma de medalhão circular. Devido à pequena dimensão destas imagens, a curvatura da

parede ainda não se impõe, e os espaços restantes, não precisam ser ocupados por

personagens secundários, portanto, não se configuram como problemas a serem solucionados

pela composição figurativa, sendo por isso, facilmente resolvidos através do preenchimento

com formas decorativas.

Nas absides correspondentes ao transepto, ele volta a tratar com unidade todo o espaço

disponível. Ao elaborar o mural de Vicente Pallotti e a Instituição da Sociedade do

Apostolado Católico, com base na imagem tradicional divulgada pelo Diploma de Cooperador

Palotino, Lazzarini defronta-se com uma composição planejada para um espaço retangular,

que parece inadequada e insuficiente para preencher o espaço curvo. Nessa situação, ele

acrescenta dois anjos à composição, solução que parece não resolver suficientemente o

problema dos grandes espaços neutros laterais.

No mural A Morte de São José (Figura 124), da absidíola esquerda, ao contrário das

representações anteriores, em Dona Francisca e Ivorá, Lazzarini já não distribui os

personagens em uma composição compacta como faz, habitualmente, no espaço dos

medalhões localizados em tetos planos. Diante da grande ociosidade do espaço de entorno o

pintor não permanece insensível. A distância entre a cena terrestre e a celeste é aumentada.

246 Cf., Koch (1998, p. 96) esta construção semicircular em forma de concha é derivada da arquitetura romana sacra e profana.

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144

Figura 124 Lazzarini: A Morte de São José (detalhe),1956. Igreja de Nossa Senhora das Dores. Santa Maria, RS.

Deus Pai é representado em menores dimensões, o que auxilia no efeito de profundidade e

afastamento; os anjos são deslocados para posições laterais mais afastadas, em uma

disposição que se assemelha à das hostes da Adoração do Santíssimo, normalmente

representadas sobre o arco triunfal.

Ao compararmos a cena da

Morte de São José da Igreja de

Nossa Senhora das Dores, com as

representações anteriores que eram

mais fiéis às formas tradicionais,

percebemos que a composição

perdeu parte de sua unidade. Pois,

houve uma dispersão de suas

unidades formais, decorrência da

ampliação do afastamento entre as

figuras, e da modificação das

proporções dos personagens situados nos planos mais elevados. Essa variação, possivelmente,

deve-se ao fato da incompatibilidade entre a figura do modelo plano quando aplicado a um

espaço curvo, pois Lazzarini, certamente, já não poderia confiar totalmente na transposição

baseada no método de quadrícula, com seus módulos regulares, tendo que distribuir e

representar esses personagens à mão livre, perdendo com isso parte do referencial

proporcional, em relação ao conjunto. Apesar do resultado não ser tão arrojado quanto àqueles

em que o tema é representado em espaço plano, essa dificuldade proporcionada pelo suporte,

certamente levou Lazzarini a inovar na composição e a abandonar parcialmente modelos

compositivos da tradição. Resultando, nesse último trabalho do tema, em uma obra de

sensibilidade, mais simples na caracterização de personagens, mas que apresenta uma

experiência que, de ímpeto, a diferencia da continuidade mantida pelos murais antecedentes,

realizados dentro dessa temática.

Na cena da Crucifixão da abside do presbitério, em Faxinal do Soturno, toda ação dos

personagens se concentra no eixo vertical e na base da cruz. Mesmo os dois anjos situados em

uma posição acima da imagem de Deus Pai, não se afastam muito dessa linha onde os

principais pontos de interesse se concentram. Nota-se que a paisagem simplificada e a cúpula

Page 161: 1-dissertação

145

celeste com leves nuances azuis, distribuídos horizontalmente, parecem transmitir uma

tranqüilidade contrastante com a agitação dos espíritos que, pesarosos, assistem a morte de

Cristo. Na Igreja de Nossa Senhora das Dores, o tema da Crucifixão ao ser representado em

teto plano, já apresenta um céu mais elaborado, atitude que se repete durante a caracterização

do espaço celeste da cena referente à Deposição, localizada na ampla abside do presbitério.

Apesar dessa composição não admitir a presença de personagens celestes, nem por isso, este

espaço é desprovido de interesse plástico.

A análise dos murais executados por Lazzarini em superfícies curvas, parece

evidenciar uma situação de desafio, enfrentada pelo pintor, quando obrigado a confrontar suas

técnicas de representação, mais adequada a superfícies planas, com a situação dos tetos em

forma de abside, ainda que pouco comuns nesta região. Esse era um tipo de desafio constante

para os pintores do Seiscento europeu, apesar de alguns deles preferirem as superfícies curvas,

porque este tipo de suporte proporcionava uma espécie de reforço visual às cenas que

pretendiam destacar a profundidade ilusionística de cenas celestiais. Andrea Pozzo em sua

obra: Perspectiva Pictorum et Architeturum, já destacava um exemplo de técnica

especialmente adaptada a este tipo de superfície, normalmente encontrada em cúpulas ou tetos

abobadados. Nesses casos, explicava: os quadriculados desenhados em um rascunho podiam

ser transferidos para a abóbada pelo auxílio de uma rede composta por uma série de cordas,

dispostas em linhas ortogonais, com as pontas fixadas nas paredes próximas. À noite, com o

auxílio das sombras projetadas por uma vela colocada no ponto de vista desejado, esta rede

permitia dispor o quadriculado de um modo ajustado à superfície da abóbada. A partir disso,

as linhas então podiam ser copiadas sobre o arriccio247, permitindo que, mais tarde, o artista

pudesse cobrir a área com intonacco248, e situar o desenho na parte a ser pintada a cada dia

(Pozzo apud MORA, 1984, p.152.). Na segunda década do século XX, as superfícies

irregulares também foram motivo de especial atenção para o muralista mexicano David

Alfaro Siqueiros que se servia das superfícies convexas e curvas desses suportes, como

247 Cf., ROSENFIELD, Lenora Lerrer. Glossário técnico de conservação e restauração em pintura. Porto Alegre: UFRGS,1997, p. 98 – Arriccio: segunda camada de reboco usada como suporte em um afresco, normalmente composta de cal e areia de grão grosso, e que serve de base de fixação para o intonaco.

248 Cf., ROSENFIELD, Lenora Lerrer. Glossário técnico de conservação e restauração em pintura. Porto Alegre: UFRGS,1997, p. 98. Intonaco: camada superficial do afresco que recebe a cor. “É aplicada sobre o reboco grosso previamente umidecida no mesmo dia em que a pintura é executada. Compõe-se de areia fina, pó de mármore e cal”.

Page 162: 1-dissertação

146

complemento auxiliar na dinamização de suas figuras. Além disso, esses espaços serviam de

base para interessantes experiências realizadas através do recurso moderno de ampliação,

realizado através da projeção de slides, os quais permitiam deformações convenientes a este

tipo de superfície, além de acentuar os efeitos de perspectiva249.

Lazzarini, no entanto, não parece dispor de tais recursos técnicos, mesmo vivendo em

uma época mais recente, por isso necessita lançar mão de meios mais simples para suprir a

necessidade de adaptação das figuras planas aos tetos curvos, desafio que a princípio ele

pareceu mais propenso a dissimular do que solucionar. No entanto, na última fase de seus

trabalhos em Santa Maria percebemos que houve uma crescente conscientização, e esforço no

sentido de uma qualificação técnica. E se, por vezes, o resultado não chega a impressionar aos

olhos acostumados a produções tecnicamente mais elaboradas, podemos mesmo assim,

reconhecer a importância deste caso como exemplo de situação onde as confrontações com as

exigências do meio, podem, ocasionalmente, levar um pintor com determinadas limitações a

superá-las, adquirindo experiências que podem ser continuamente reelaboradas e adaptadas a

novas situações. No caso de Lazzarini a parte que se refere aos possíveis desdobramentos e

desenvolvimentos técnicos foi interrompida pela sua morte, alguns anos depois, privando-nos

de desenvolver uma análise mais profunda, ou de termos uma visão mais abrangente de sua

obra, amparada em maior disponibilidade de exemplos.

2.5 Técnicas Construtivas

2.5.1 Métodos de transposição de imagens

A) Quadrícula

Apesar dos murais pintados em tetos se situarem, geralmente, a uma altura que

introduz certa dificuldade para uma observação mais detalhista dos vestígios das técnicas de

ampliação, aqueles desenvolvidos em superfícies mais próximas ao solo possibilitam, em

alguns pontos, a identificação das marcas quadriculadas executadas a lápis, visíveis através da

camada de pintura. Detalhe que nos permite, por indução, acreditar que esta tradicional

técnica de ampliação fosse utilizada com freqüência por Lazzarini.

Em Nova Palma, em uma parede lateral do presbitério, na pintura correspondente ao

Sermão da Montanha, foi possível aferirmos à dimensão dos módulos utilizados por

249 MOREIRA, Altamir. Pintura Mural: Capela Cristo Redentor – Caemborá. Monografia de graduação em Desenho e Plástica. UFSM. Santa Maria, 1996. Exemplares disponíveis para consulta na Coordenação do Curso de Desenho e Plástica em Santa Maria, no CPG, e Biblioteca Municipal de Nova Palma -RS.

Page 163: 1-dissertação

147

Lazzarini, durante o trabalho de ampliação. Nesse mural cuja borda inferior em extensão

horizontal corresponde a 1,90 m, em uma grande área ainda são visíveis os quadriculados

executados a lápis, cujos módulos individuais medem 5,0 cm x 5,0 cm.

Em outro caso, procedendo por indução, tomamos a pequena figura da Imaculada

Conceição, que com grande probabilidade foi utilizada por Lazzarini para a execução do

mural da Igreja de Nossa Senhora das Dores (Figura 125). Nessa ocasião procedeu-se a

comparação do intervalo que inicia à altura da cabeça da santa, e termina na região um pouco

abaixo da base de seus pés, numa linha de extensão vertical correspondente a 20 cm, cujo

original já se encontrava dividido em módulos de 5,00 cm x 5,00 cm. Na observação in loco,

devido à indisponibilidade de meios técnicos para uma medição direta do mural, tomamos

como base a medida da parede na altura do solo, numa extensão correspondente ao intervalo

entre os pilares que sustentam os arcos que cruzam ortogonalmente à extensão da abóbada.

Esse espaço, que corresponde ao mesmo intervalo do teto em que se situa o mural, foi

utilizado como escala comparativa para a análise de fotos, de forma que este recurso, permitiu

avaliar, aproximadamente, a dimensão real do quadro e da imagem. No mural, a medida

correspondente ao intervalo, em que se situa a imagem de Nossa Senhora das Dores, medida

por meio desse artifício, resulta com grande aproximação a 2,00 m. O que corresponde a uma

ampliação escalar de 1/100, possivelmente, resultante da utilização de módulos de 5,00 cm x

5,00 cm. Cuja identidade de padrões numéricos, em relação ao caso da pintura de do Sermão

da Montanha de Nova Palma, pode ser indício que, este fator de ampliação, tenha se tornado

um procedimento padrão. Ou que, pelo menos, tenha se revelado uma escala confortável,

adequada à execução dos murais de tamanho médio, que constituem a proporção numérica

mais significativa da obra de Lazzarini.

Estes murais, normalmente, distribuídos em diversas posições do espaço arquitetônico,

geralmente, se caracterizam por situações onde fatores como altura do teto, espaço disponível,

e dimensão do modelo, apresentam variações pouco significativas de uma igreja para outra, de

modo que o uso recorrente desta escala em locais diferentes era uma possibilidade que não

ocasionava prejuízos ao aspecto plástico destas pinturas. Porém, certamente existiram

exceções, proporcionadas pela existência de espaços arquitetônicos mais amplos, a serem

preenchidos por uma temática unitária, nos os quais a aplicação de um fator de ampliação pré-

estabelecido, não se revelaria uma boa escolha, e a facilidade técnica de aplicação dessa

escala poderia não compensar os possíveis problemas de adequação visual daí resultantes.

No caso das igrejas maiores, os espaços que apresentam pinturas murais com

dimensões mais amplas, geralmente, resumem-se ao teto do presbitério, absides e arco

triunfal. Uma vez que o extenso espaço correspondente ao teto da nave destas igrejas,

normalmente, apresentava saliências estruturais arquitetônicas que induziam o artista a

fragmentar a pintura em várias cenas, ora compostas com ciclos de eventos interligados ou

então por seqüências de temáticas independentes.

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148

Figura 125 Modelo provavelmente utilizado por Lazzarini para realizar a pintura da Imaculada Conceição na Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, RS. Imagem: Arquivo da Família Lazzarini.

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149

Figura 127 Indicação do sistema de quadrícula utilizado por Lazzarini. S/escala. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

Figura 126 Indicação do sistema de módulos utilizado por Lazzarini. S/escala. Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma, RS.

Nas igrejas menores, paradoxalmente, são locias em que, com maior freqüência,

encontra-se os murais mais amplos, geralmente localizados nos tetos das naves. Pois esse

espaço era, normalmente, reservado a um grande medalhão que destacasse a imagem do

padroeiro. Esse é o caso de Ivorá. Juventino Barbieri que trabalhou como ajudante de

Lazzarini nessa igreja lembra que, durante a execução do mural A Morte de São José, o pintor

demarcou intervalos de aproximadamente 10 cm, em posições correspondentes e opostas, a

cada lado do espaço retangular reservado à reprodução da imagem. Depois com o auxílio de

linhas de algodão, que antigamente eram utilizadas para pesca, impregnadas de pó Xadrez

marrom, definiu o quadriculado. Para tal técnica, a linha era mantida retesada e quase em

contato com a superfície, tendo uma das extremidades seguradas por ele (Barbieri) e outra

pelo próprio Lazzarini. A partir desse expediente, o sistema de quadrículas ia sendo formado

pelos batimentos executados através do ato de retesamento rápido da linha, apoiada sob a

unha, seguido do gesto de projeção contra a parede. Movimento que era, então, repetido,

consecutivamente, sobre os pontos de grafite que indicavam as distâncias pré-estabelecidas.

Em Nova Palma, no espaço das paredes laterais que se projetam acima dos arcos da

nave central, foi representada uma série de pequenos medalhões octogonais, hoje bastante

danificados por se encontrarem próximos do coro, ao alcance das mãos de eventuais

Page 166: 1-dissertação

150

depredadores. Essas figuras, apesar de não conterem a identificação dos santos, nelas

representados, são de especial interesse no que se refere à apresentação de exemplos dos

esquemas construtivos utilizados por Lazzarini. Tanto o medalhão do lado esquerdo (Figura

126), quanto o do lado direito (Figura 127), apresentam como base uma construção retangular

subdividida em módulos de 7,00 cm x 7,00 cm, os quais em seu conjunto envolvem o espaço

correspondente à cabeça dos personagens. Essas estruturas, à primeira vista, parecem simples

linhas auxiliares de construção, muito utilizadas para determinar a localização de detalhes

como: posição da boca, base do nariz ou a altura da linha dos olhos, no entanto, ao relacioná-

las com a imagem, logo se percebe que esse não parece ser o caso, pois as linhas do

quadriculado não coincidem com aqueles pontos, e os traços do rosto parecem se distribuir

arbitrariamente sobre a base esquemática, o que indica, que apesar de Lazzarini ter

aparentemente desenhado à mão livre os traços restantes do corpo, ele, sem dúvida,

continuava a recorrer ao método da ampliação por quadrícula (agora em módulos de tamanho

intermediário), quando necessitava trabalhar na representação de rostos.

A capacidade de Lazzarini copiar à mão livre, sem esquemas anteriores, é atestada por

alguns depoimentos. Porém, ao compararmos essas informações com as estruturas de algumas

obras analisadas, notamos que em todas estas, ele utiliza esquemas construtivos auxiliares nas

partes mais importantes de suas composições. Executando com maior liberdade apenas os

personagens secundários, isto ocorre, por exemplo, no caso de alguns anjos que preenchem

posições laterais aos eventos principais, além de algumas situações onde por comparação com

as representações anteriores da mesma composição, se torna evidente que houve adaptações

na posição de membros de personagens centrais para se conformarem às novas necessidades

determinadas pelo espaço. Um exemplo de maiores dimensões desse tipo de experiência,

executada sem recursos auxiliares de dimensionamento, é encontrado na composição da

Sagrada Família de Vale Veronês, onde se percebe que ele não utiliza quadriculados em seu

modelo (Figura 128) no espaço correspondente à representação de Deus Pai e do Espírito

Santo, apesar de utilizar o recurso técnico na região de maior área, correspondente à Sagrada

Família Terrena.

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151

Figura 128 Modelo provavelmente utilizado por Lazzarini para realizar a pintura da SagradaFamília na Igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico, Vale Veronês. Imagem: Arquivo da Família Lazzarini.

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152

B) Moldes perfurados e projeto decorativo

Conforme Barbieri250, no caso de Ivorá, um dos primeiros procedimentos seguidos por

Lazzarini ao iniciar a nova obra, foi o de tomar cuidadosas medidas do local. Mais tarde,

durante a noite, este tipo de anotação serviria para a elaboração do projeto de decoração,

normalmente idealizado sobre folhas de papel de pequenas dimensões (tamanho ofício). Esse

projeto, além de prever os espaços destinados aos murais, já indicava as representações

esquemáticas dos frisos e padrões decorativos que preencheriam os espaços entre os murais.

Orlandi 251 complementa a informação acrescentando que, enquanto auxiliava a execução dos

murais da Igreja de Nossa Senhora das Dores, uma das suas tarefas que lhe coube foi a de

perfurar estes moldes decorativos, que Lazzarini executava em papel pardo no período

noturno. Este serviço era executado com o auxílio de agulhas, enquanto o papel era mantido

sobre pequenas almofadas. Os cartões perfurados tinham em média, aproximadamente, 50 cm

de extensão, e eram preenchidos com desenhos de motivos vegetais ou geométricos. Mais

tarde, esses cartões serviam como moldes, sobre os quais eram batidos pequenos invólucros

de pano contendo pó Xadrez, realizando, assim, o decalque das formas ornamentais na parede.

Essa técnica tradicional era aplicada em sucessivas posições de modo a preencher os espaços,

de acordo com os respectivos motivos previstos pelo projeto.

A pintura desses módulos era um serviço, geralmente, deixado ao encargo dos pintores

auxiliares que Lazzarini contratava. É necessário destacar que tanto Orlandi quanto

Barbieri252 parecem concordar que a técnica dos moldes perfurados era aplicada

exclusivamente na pintura de formas decorativas, enquanto que a parte referente à execução

de murais com figuras humanas, era a função que Lazzarini reservava para si. Pois esses eram

os locais, em que preferia ocupar-se em trabalhar diretamente, ora à mão livre ou utilizando

preferencialmente o recurso à quadrícula.

250 {Juventino Barbieri (*1945), auxiliar de Lazzarini no período de 1962 a 1964.}

251 {Fiorelo Orlandi (*1934), auxiliar de Lazzarini no período de 1957 a 1958.}

252 {Ambos trabalharam como auxiliares de Lazzarini, em períodos distintos.}

Page 169: 1-dissertação

153

2.5 Pintura

2.5.1 O Falso Afresco

Conforme Barbieri, Lazzarini iniciava a preparação do suporte com uma aplicação de

um fundo branco, preparada à base de água, cal e cola253. Como este tipo de cola era de custo

elevado, por vezes era substituído pela adição de tuna254. Esta cactácea, comum nesta região,

era cortada em pequenos cubos e adicionada à mistura, devido às propriedades fixativas de

sua seiva. Após esse procedimento a mistura ficava em repouso por, aproximadamente, 24

horas, fim do tempo no qual, essa mistura à base de cal era coada e, se encontrava em

condições de ser utilizada. Se a superfície ainda apresentasse falhas ou pequenas fissuras,

após a aplicação do fundo à base de cal, corrigiam tais irregularidades utilizando a parte mais

consistente desse líquido (borra de cal) que, normalmente, se depositava no fundo dos

recipientes, a qual, neste estado, era aplicada com o auxílio de espátulas.

Orlandi conta que, no período de 1958, Lazzarini chegou a utilizar para a pintura de

fundo uma tinta à base de cal comercializada em sacos de 5 Kg, sob a marca Turmalina e, que

era encontrada, facilmente, em casas comerciais da região. Conforme Rubin, nesse período

anterior ao advento das tintas plásticas e acrílicas na região, a pintura realizada pela técnica de

cal, pigmentos e cola, era muito utilizada para pinturas residenciais. A cola por vezes podia

ser substituída por outras substâncias, chamadas mordentes. Como exemplo, destaca a pintura

de motivos decorativos, realizada na capela do Colégio das Irmãs Palotinas em Vale Vêneto,

por um pintor chamado Ataliba, no início da década de 40, ocasião em que, junto à cal e os

pigmentos, era utilizado o leite para essa finalidade. Os pigmentos utilizados em pinturas

residenciais eram encontrados à venda “em ferragens e vendas de campanha”255. Porém,

quanto aos pigmentos utilizados por Lazzarini, Barbieri prefere acreditar que fossem

importados.

Com relação à técnica de pintura à base de leite, documentamos o depoimento do

pintor Antônio dos Santos256. Segundo ele, essa técnica exigia que o leite fosse fervido, e

253 {O mesmo tipo de cola animal utilizado na preparação das tintas coloridas para a execução dos murais.}

254 {Tuna: nome vulgar, dado à cactácea Cereus hildmannianus, encontrada em várias regiões do Rio Grande do Sul.}

255 Cf., Informações fornecidas pelo Pe. Dorvalino Rubin, em resposta a formulário em 25/06/98.

256 {Antônio dos Santos (*03/05/1942 -) morador de Faxinal do Soturno, que atualmente trabalha no ramo de pinturas residenciais. É irmão de João Elídio dos Santos, que por sua vez, foi auxiliar de Lazzarini nas igrejas de Faxinal do Soturno, Dona Francisca e Polêsine. Antônio, gentilmente, forneceu essas informações técnicas, em entrevista, realizada em 15 de fevereiro de 2000.}

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154

coado257, de modo a separar e excluir a parte gordurosa. Após isso o pigmento era misturado e

batido junto com o líquido restante, para depois ser acrescentado à nata de cal hidratada. A

principal desvantagem deste método em relação à pintura à base de cola, é que a quantidade

de tinta preparada necessitava ser utilizada no mesmo dia, pois no caso de uma espera mais

prolongada essa mistura se corromperia, perdendo suas qualidades. Com relação à preparação

da cal que era utilizada tanto nesta técnica à base de leite quanto na técnica à base de cola,

este pintor conta que nos anos 50, ainda não utilizavam a cal industrializada nesta região. Por

isso era comum a compra de pedras desse material, que mais tarde eram colocadas em

buracos escavados no solo. Neste recipiente provisório acrescentavam água (dando início ao

processo químico da hidratação), e deixavam até que a mistura parasse de liberar calor. Após,

recolhiam o substrato que chamavam de “nata de cal”; substância de aspecto leitoso que

servia de base de preparação para maioria das tintas da época.

De acordo com Rubin, a cola utilizada na preparação das tintas era comprada em

caixas, nas quais vinha embalada na forma de lâminas de aspecto vítreo com coloração

levemente marrom e semitransparente. Era muito utilizada por carpinteiros, assim como por

encadernadores. Essa substância quando dissolvida exalava “um forte cheiro de chifre

queimado”, pois era composta a partir de pele de animais. Característica que a assemelha ao

tipo de cola descrito por Ronchetti (1911), em um antigo manual sobre pintura mural, o qual

também menciona algo a respeito de algumas técnicas murais em que se utilizava esta cola

semitransparente e rígida, feita a partir de tecidos orgânicos dissolvidos, tais como,

aponeuroses, cartilagens pele e ossos de animais258.

Na preparação das tintas de Lazzarini, as barras de cola eram cortadas em finas lascas

e deixadas de forma que se dissolvessem em água, de um dia para o outro. Porém, quando não

dispunham de tempo suficiente, a cola era dissolvida na água, através da fervura, em banho-

maria. Mais tarde, eram acrescentados gesso e alvaiade259 para dar consistência à tinta,

características físicas que, conforme Barbieri eram aferidas “com o dedo”, o ponto ideal era

atingido quando esta mistura alcançava uma consistência similar àquela apresentada pelas

tintas plásticas comerciais da atualidade (PVA). A este líquido eram acrescentados os

pigmentos em pó, obtendo-se assim as cores básicas necessárias. As sobras dessa tinta podiam

257 {Parece que se trata de uma variante da técnica de pintura a base de caseína, com a diferença que o leite é utilizado em seu estado líquido, e não apenas a parte sólida, isolada por processo de coagulação.}

258 Cf., RONCHETTI, Giuseppe. Pittura Murale. Milano: Hoelpli, 1911, p. 196. “[...] Nella fabbricazione della colla si adoperano tutti i tessiti delle menbrane, delle pelli, delli aponeurosi, dei tendini, delle cartilagini e delle ossa animali [...]”.

259 {Alvaiade: pó branco utilizado, na época, na preparação de argamassa de rejunte de azulejos, normalmente composto de carbonato de chumbo e outros pigmentos brancos.}

Page 171: 1-dissertação

155

ser reaproveitadas, no dia seguinte, mas muitas vezes necessitavam serem aquecidas

novamente para que recuperassem a fluidez adequada.

2.5.2 O método de Lazzarini

Barbieri descreve que, durante a pintura das figuras, Lazzarini distribuía as cores em

pequenos recipientes (pires) de louça e, que ao seu entender, o pintor utilizaria o branco,

diretamente, sobre a cor local, para degradá-la em matizes correspondentes às gradações de

luz que determinariam volumes como no caso dos panejamentos. É possível que esta técnica

fosse bastante utilizada, no entanto, em alguns casos como, por exemplo, na Agonia no Horto

de Nova Palma, ele parece ter usado três matizes anteriormente preparados, pois esses se

distribuem em áreas distintas do panejamento, mantendo certa regularidade. Nas estreitas

áreas mais escuras, ele utiliza um azul mais saturado. Enquanto que na área que determina a

cor local ou média, ele utiliza esse mesmo azul um pouco mais rebaixado, pelo acréscimo de

branco. Nas saliências correspondentes a áreas de maior luminosidade, ele utiliza um terceiro

matiz de azul que além de possuir mais branco que o anterior, parece ter recebido o acréscimo

de uma cor avermelhada que passa a lhe conferir um aspecto violáceo, mais cálido. Técnica

que parece corresponder a uma versão simplificada do método aconselhado por Cennini em

seu Tratado da Pintura de 1437 (Cap. 67)260. Neste tratado, ao se referir às técnicas de afresco

e têmpera, devido à tensão superficial da água, recomenda que se utilize pinceladas em forma

de hachuras para dar volume (MORA, 1984, p.142). Técnica que foi largamente utilizada por

Locatelli, e que, no entanto, dificilmente encontramos algum vestígio semelhante no trabalho

de Lazzarini, o qual parece preferir transições simples e suaves, entre as tonalidades que

constróem os volumes.

260 Cf., Cennino Cennini apud MORA, Paolo. Conservation of Wall Paintings. Techniques from Renaissance to the present. 1984, p. 142.- “Então se você quer um panejamento branco ou um vermelho, ou amarelo, ou qualquer que seja, pegue três pequenos pratos. Tome o primeiro deles, e coloque nele qualquer cor que você tenha escolhido, nos diremos vermelho: tome um pouco de cinábrio e um pouco de cal branco, e deixe isto se tornar uma cor, bem diluída com água. Faça uma das outras duas cores claras, colocando uma grande quantidade de cal branco nela. Agora tire e do primeiro prato, e um pouco deste um pouco mais claro, e faça uma cor intermediária; e você terá três delas. Agora tome um pouco do primeiro, isto é do mais escuro; e preferivelmente com um pincel de pêlos longo e razoavelmente pontiagudo pinte sobre as dobras de sua figuras na área mais escura; e não passe além da metade da espessura de sua figura. Então pegue a cor intermediária; coloque-a entre uma faixa escura e outra, e trabalhe-as juntas, e misture suas dobras na parte acentuada dos escuros. Então somente usando esta cor intermediária dê forma às partes escuras onde o relevo da figura se acentua, mas sempre seguindo por fora da forma do nu. Então pegue a terceira, e mais clara das cores e tão exatamente quanto você deu forma e colocou no curso das dobras o escuro, então você fará agora com o relevo ajustando as dobras habilmente, com maestria e julgamento. Quando você tiver colocado em duas ou três vezes cada cor, nunca abandonando a seqüência de cores submetendo ou invadindo o lugar de uma cor por outra, exceto onde elas vão em conjunção, misture-as e trabalhe-as bem em conjunto. Então em outro prato tome ainda outra cor, mais clara do que a mais clara destas três; e dê forma a parte mais elevada das dobras, e coloque iluminação. Então pegue um pouco de branco puro em outro prato, e modele definitivamente todas áreas de relevo. Então passe sobre as partes escuras, e em volta de alguns contornos, diretamente com cinábrio; e você terá seu panejamento sistematicamente pronto. Mas você aprender muito melhor vendo isto feito do que lendo”. (Tradução nossa a partir da versão inglesa de Paolo Mora).

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156

2.5.3 Outras técnicas

Alguns detalhes decorativos, por vezes, tinham a função de realçar detalhes

arquitetônicos, como no caso de alguns estreitos filetes em degradê que, por vezes, contornam

os arcos de algumas janelas, serviço no qual era utilizado o recurso técnico de pequenas

máscaras semicirculares executadas em papel pardo. Outras vezes, alguns desses motivos

decorativos eram utilizados para criar algumas construções ilusionistas, como nos casos em

que, sobre algumas paredes lisas de pequenas capelas do interior, eram, então, pintadas falsas

colunas imitando mármore, como que no objetivo de emprestar majestosidade a estas

construções singelas.

Barbieri lembra que, para a execução de algumas técnicas de marmorização, era

utilizada uma trincha média com os fios cortados em pequenos intervalos, o que servia para

dar o aspecto difuso dos veios de mármore. Sobre este era acrescentada, por vezes, uma

segunda cor e detalhes executados com pincel fino. Entre outras técnicas utilizadas, relata-se a

textura que Lazzarini denominava spongado, realizada com uma trincha com fios cortados

extremamente próximos à base. A execução desse serviço era meticulosa levando,

geralmente, vários meses de trabalho para que fosse concluída a decoração de uma igreja

média. Este tipo de ofício, tradicionalmente associado às “artes menores”, ocupava, sem

dúvida, grande parte da atenção do pintor. Pois essas formas acessórias eram indispensáveis

para que se alcançasse um conjunto harmonioso que não apenas destacasse a importância dos

murais com temáticas religiosas, mas, que também, por si fosse motivo de sensações estéticas

associadas a uma beleza desprovida de um conteúdo expresso, porém disponível ao olhar

transeunte que vagasse em sua inserção no ambiente da igreja.

2.5 Anatomia e proporções

As proporções internas das figuras, medidas a partir de figuras completas

representadas em pé, com grande freqüência, apresentam o padrão aproximado de sete

cabeças e meia de altura, como no caso de: Cristo na Ressurreição; do Anjo na Expulsão do

Paraíso em Nova Palma; e de Maria na cena do Pentecostes, em Polêsine. Porém, existem

exceções como a Imaculada Conceição de Nova Palma, e de Maria e João na Crucifixão de

Silveira Martins, cujas imagens medem oito cabeças e meia de altura. Apesar desta análise ter

sido efetuada por meio indireto, através da comparação de unidades medidas sobre fotografias

o que, ocasionalmente, pode causar distorções devido a variações de ângulo do local em que a

foto foi tirada, tendemos a acreditar que esses cânones foram utilizados por Lazzarini. Quer

conscientemente, ou em decorrência direta do método ampliação de modelos, não o sabemos,

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157

mas temos um indício em São Marcos de Novo Treviso, cuja imagem reproduzida

fotograficamente, assim como a gravura modelo medem seis cabeças e meia de altura.

Apesar de Lazzarini quase não ter executado figuras com partes do corpo descobertas,

com exceção de ocasiões inevitáveis como nas cenas da Crucifixão, percebe-se que ele

enfrentava algumas dificuldades, principalmente na representação naturalista das mãos, como

no caso de Davi vencendo Golias, onde a linha dos dedos da mão em primeiro plano, parece

invadir a área correspondente ao dorso palmar. O mesmo ocorre na cena do Primeiro

Fratricídio, quando observamos a forma da mão de Abel que segura as costas de Caim,

detalhe que se evidencia mesmo se considerarmos que o restante da representação dos corpos

desses personagens tende a alcançar um nível razoável de precisão.

2.6 Considerações sobre o método

Com estas análises sobre detalhes técnicos e formais determinantes do processo

construtivo dos murais, não pretendemos esgotar o assunto ou as possibilidades de análise, da

obra de Lazzarini. Nesta análise comparativa estabelecida entre o espaço e a freqüência

temática, ou formas de disposição das figuras no espaço, apesar de não utilizarmos, como via

de regra, nenhum paradigma consagrado pela pesquisa histórica da arte, procuramos, no

entanto seguir alguns padrões modelares. Padrões que sintetizam alguns dos procedimentos

que transparecem no trabalho de John White (Birth and Rebirth of Pictorial Space – 1967) ao

analisar a correlação de formas entre os lados opostos da série de afrescos da escola de Giotto

na Igreja de Assis. Forma, pela qual buscamos contribuir para esclarecer alguns aspectos

técnicos da obra de Lazzarini, bem como para demonstrar as possibilidades e, sem dúvida,

indiretamente, também, as limitações desse tipo de instrumento de análise, possível de ser

aperfeiçoado e quem sabe aplicado em outros casos semelhantes, em que se faz necessária

uma análise conjunta de temática e espaço arquitetônico.

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158

Capítulo III

3 A Época dos Murais

Na avaliação da importância histórica, artística, e social da obra de Angelo Lazzarini,

foram utilizados alguns registros paroquiais que tratam da atividade deste pintor, bem como

outros documentos, não diretamente relacionados, que permitem enquanto mecanismos de

controle uma aproximação maior à mentalidade da época. E que tornam possível situar a

produção mural em relação às influências que permearam o ambiente de atuação.

Após se circunscrever o fato, em sua inserção regional, este foi analisado sob uma

perspectiva mais ampla, através das relações estabelecidas com parte da produção mural

artística dos grandes centros da época. Considerando-se, para tanto, as semelhanças e os

contrastes existentes entre as obras dessa região do interior do Rio Grande do Sul e algumas

das criações artísticas já reconhecidas pela história do muralismo moderno. Também é

discutida a questão das variações de estilo características desse ambiente em que se localiza a

maior parte da produção mural de Lazzarini. Uma região passível de ser descrita em função

de seu afastamento dos grandes centros da produção artística, tanto por uma razão espacial

quanto temporal, quando se considera a questão dos padrões estilísticos que ainda eram

utilizados na época. Condição que é, por vezes, interpretada como a manifestação de uma

forma de defasagem cronológica, e que será analisada e discutida no decorrer deste capítulo.

3.1 Arte Moderna e Renovação da Arte Religiosa

A renovação formal da pintura religiosa cristã surge no Ocidente através de esparsas

criações individuais, influenciadas pelo impressionismo e pelo simbolismo, a partir dos

últimos anos do século XIX. Manifesta-se, principalmente, em pinturas realizadas sem

qualquer vínculo com igrejas, em obras de artistas como Odilon Redon, Gauguin, Puvis de

Chavannes e Maurice Denis. Obras que apresentam um contraste bastante modesto em relação

à tradição clássica e barroca. Pois, de acordo com Joseph Pichard: “A renascença da arte

religiosa começa com quadros comuns a princípio não destinados a locais de culto, mas a

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159

colecionadores”. Fato que decorre em parte do gosto dominante nessa época, pois, os fiéis que

se dirigem às novas igrejas estavam mais propensos a buscar dentro do tradicional

academismo de suas imagens, justamente as formas que servissem como compensação ao

modernismo (PICHARD, 1960, p. 60).

Em 1883 Karl Huysmans publica Art Moderne, obra em que procura defender o

Simbolismo e as formas que se religam a arte medieval, presentes, sobretudo, na obra de

Gustave Moureau, mestre de Matisse e Rouault. Huysmans defende que a nova arte cristã

deverá ter um sentido catequético e simbólico de modo que, perante o povo menos ilustrado,

consiga explicar o catecismo de maneira simples e direta, e aos doutos, de forma simbólica e

mais obscura requerendo o uso das chaves do saber, sem que para isto fosse reduzida apenas

ao símbolo, pois como ele costumava destacar: não era apenas por uma questão simbólica que

Bizâncio havia escolhido os fundos de ouro dos mosaicos (LAURENT, 1959, p.15).

Em 1917 A. Cingria publica La Décadence de L’ Art Sacré, obra que representa o

espírito crítico que aflorava nesse período logo após a Primeira Guerra, insurgindo-se contra

as formas da arte que predominavam nas igrejas. Mas, apesar do surgimento de tais

questionamentos em nível teórico sobre a validade da nova arte, a resistência às inovações

artísticas por parte da igreja ainda era forte, e, em grande parte, legitimada pelo gosto

dominante nas comunidades que erigiam os novos edifícios sacros.

A primeira parte, do período entre guerras, foi marcada pelo surgimento de várias

associações de artistas. Entre essas, alguns grupos dirigidos por artistas cristãos que tinham

uma formação marcada por tendências modernistas. Em 1918, surge a associação denominada

O Arco, e em 1919, Maurice Denis e Georges Desvalliéres organizam o Ateliê de Arte Sacra.

Ainda nessa época, surgem as agremiações dos Artesãos do Altar, e da Sociedade de São

João. Tendência à qual seguida por vários dos ateliês de vitrais modernos que colaboravam

com os construtores das novas igrejas (OCHSÉ, 1959, p. 58). No entanto, estes artistas que

trabalharam entre 1900 e 1920 na construção dos novos edifícios sacros, não se consideravam

precursores, por não terem a consciência de que estavam renovando uma tradição, ou por,

ainda, se sentirem temerosos para ousar transpor as formas presentes nas artes profanas para o

local de culto religioso. Pois, toda vez que irromperam tais ímpetos, procuraram dissimular

sob a evocação de formas antigas as suas inovações (PICHARD, 1960, p. 17).

A partir da segunda década, quando o mundo católico começa a tomar consciência de

seus problemas, as mudanças começam a se evidenciar. Na arquitetura ocorrem experiências

que prenunciam o caminho, mais tarde, seguido pela renovação artístico-religiosa. Em 1920,

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160

surge a Igreja de Notre Dame de Raincy. Erigida através de uma inovadora estrutura em

concreto armado que, mais tarde, recebe os afrescos de Maurice Denis. Nesta época, entre as

décadas de 20 e 40, várias outras igrejas foram construídas na França, mas a presença das

novas formas em construções despojadas ainda causava desconforto entre os fiéis que: “[...]

não se adaptavam sem mal estar às construções precárias e incertas de uma arte que já não

pretendia ser eterna [...]”, ou às igrejas, que envelheciam em vinte anos, que caracterizavam o

período entre guerras (OCHSÉ, 1959, p. 64).

A partir de 1930, época em que as construções religiosas em concreto armado se

tornam habituais, já é possível encontrar intervenções mais vanguardistas, como o vitral não

figurativo realizado por Marguerite Huré para o claustro do Seminário de Voreppe, na

diocese de Grenoble. Obra que exemplifica as experiências isoladas e raras que surgiam, pois,

nessa época, apesar de já haver vários ateliês voltados à produção de obras coerentes com os

novos espaços, as comunidades cristãs permaneciam conservadoras, “[...] exigindo que as

obras propostas não fossem além daquilo que considerassem ‘exageradas’, que atendessem,

conforme possível, às convenções do academismo devoto” (PICHARD,1960, p. 60). Pinturas

de artistas como Maurice Denis e Desvalliéres representavam o tipo de inovação que, aos

olhos destas comunidades, se situavam no limite do aceitável. Como reflexo dessa situação

temos o fato que mesmo em 1935, esses vitrais sem figuras ainda podiam ser considerados

raras exceções dentro de uma estética religiosa, predominantemente figurativa (OCHSE,

1959, p. 64). A mesma resistência às inovações arquitetônicas também é encontrada na Itália,

em parte, motivada pela forte nostalgia das igrejas do século XV, dos pintores sienenses e

florentinos. Situação que concorre para que as novas igrejas só começassem a exibir as formas

planas, e retangulares, da arquitetura moderna nas proximidades da década de 30.

Entre novembro de 1938 e fevereiro de 1939, ocorre um marco da divulgação da

produção artístico-religiosa francesa; a primeira Exposição de Arte Sacra Moderna, da qual

participaram entre outros, nomes como; Rouault, Odilon Redon, Chagall, Dufresne, Derain,

Utrillo e Walsh. O padre Pichard, que havia participado da organização deste evento, logo se

encarrega de divulgar o espírito de renovação da arte cristã presente nessa experiência através

da Revista de Arte Sacra. Publicação na qual se destacam também os Padres Couturier e

Règamey, religiosos de tendência modernista que ajudam a transformar este periódico no

principal veículo de difusão do novo movimento e da necessidade de renovação da arte

religiosa. Couturier e Règamey, mais tarde, se reúnem com o abade de Devigny, e juntos

determinam o projeto da inovadora Igreja de Assy, na Alta Savóia, França.

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161

Após a Segunda Guerra Mundial, a sociedade européia inicia uma fase de

reconstrução, na qual o espírito de renovação ressurge com novo ímpeto. Ferrier observa que

“[...] o reencontro da arte moderna e da arte sacra, é um evento marcante dos anos que

seguem, imediatamente, o segundo conflito mundial” (FERRIER, 1993, p. 154). Em

princípio, isso se torna visível, principalmente, através das ousadas iniciativas realizadas em

algumas pequenas igrejas da França, com as quais se inicia a busca de uma nova síntese das

artes, em ambiente sacro. A inovação é levada a efeito através de uma diversificada produção

artística religiosa que, finalmente, consegue ser representativa das inovações que ocorriam

neste campo, e que até então eram reservadas somente aos ambientes artísticos laicos.

Esta é a época em que emerge uma renovada arte sacra que já não prescinde da

sincronia temporal que até então separava a produção artística religiosa em relação à, então,

considerada grande arte daquele tempo. Pois, este é o período em que se concretiza o grande

encontro das diversas linguagens artísticas modernas na Igreja de Nossa Senhora de Todas

as Graças, em Assy. Evento que começa com um templo, que havia sido edificado entre 1937

e 1938 e, que tivera sua decoração retardada devido ao conturbado período da Segunda

Guerra. Com a retomada das obras, vários artistas modernos foram convidados a participar do

empreendimento. Léger realiza, entre os anos de 1946 a 1949, um mosaico em cores claras

para a fachada, com o tema da Saudação da Virgem. Lurçat decora a parede de fundo do

presbitério com o tema do Apocalipse, utilizando a técnica de tapeçaria. Os vitrais recebem

formas idealizadas por Rouault, Brianchon, Berçot, Paul Bony, Germaine Bazaine, e pelo

próprio padre Couturier. Marc Chagall, além da concepção de um vitral também realiza um

mosaico com o tema de Moisés e a Passagem do mar Vermelho. Braque cria as formas do

tabernáculo, e Bonnard trabalha as paredes adjacentes às imagens de: São Domingos, e de São

Francisco de Salles, respectivamente. Com relação à pintura deste último santo, conta-se que

a principio, sua execução teria sido reservada a Picasso, mas esta só não acorreu devido a uma

intransigência surgida na negociação entre o contratante e o artista. O abade de Devigny,

designado como cura da igreja de Assy, pede a Picasso para que pinte um São Francisco de

Salles, santo que era da mesma nacionalidade do pintor. Picasso, receoso de que sua obra

fosse inadequada ao gosto do religioso, questiona: - você conhece minha arte? Ao que o abade

teria respondido: “[…] sei somente que tu és o mais ilustre pintor destes tempos”. Então

Picasso, mostrando uma de suas obras, interroga se algo naquele estilo serviria a tal

finalidade. O abade chocado com as formas, responde negativamente. Picasso, entretanto,

comenta ter pensado que ela fosse adequada. A seguir, pega outra obra e pergunta novamente

ao abade: e este, diga-me, você acha que poderia ser a virgem? Seguramente que não

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162

Figura 129 Murais de Henry Matisse na Capela do Rosário, 1952. Vence, França.

responde, surpreendido, o abade. E eu creio que sim, conclui Picasso encerrando a

negociação(PICHARD, 1960, p. 78). Esta dificuldade de diálogo ilustra a difícil relação

existente entre uma parte da igreja, consciente da estagnação criativa que alcançara a sua arte

religiosa, ao mesmo tempo em que se mantinha receosa diante das mudanças, diante de um

exemplo de artista moderno, centrado em seu individualismo, e ao que parece; não disposto a

fazer concessões em sua técnica, ou de tornar acessível a sua criação a comunidades de gosto

mais simples, pelo medo de comprometer sua qualidade artística.

Em 1947, o pintor Henry

Matisse (1869-1954), que já

completara 78 anos, mesmo

encontrando-se com a saúde

bastante debilitada, decide executar

a decoração de um espaço religioso

para os monges dominicanos.

Empreendimento que daria origem

a Capela do Rosário de Vence

(Figura 129), obra na qual o pintor

se encarregou de planejar e intervir

em toda as etapas, desde a

arquitetura até a decoração e paramentos para o altar. A proposta visava à criação de um

espaço de recolhimento interior, através da predominância de tonalidades brancas e das linhas

sintéticas presentes no tema do Calvário, da Virgem com o Menino, e de São Domingos. Um

ambiente, em que aspira alcançar harmonia e serenidade, onde as poucas notas de contraste

parecem ser determinadas pela luz filtrada através dos vitrais em matizes azuis e amarelos.

Em 25 de Junho de 1952, a igreja é consagrada, sem a presença do pintor, que não se

encontrava em condições físicas de assistir a cerimônia. Em um livro produzido por ocasião

da conclusão da decoração desta igreja, Matisse registra a consideração que tinha por esta

obra:

“Esta capela é para mim a coroação de toda uma vida de trabalho e a floração de um esforço enorme, sincero e difícil. Este não é um trabalho que eu escolhi, mas aquele pelo qual eu fui escolhido pelo destino ao final de minha estrada”. (Matisse apud LAURENT, Marie Celine. Valeur Chrétienne de L’Art, 1959, p. 84)

Logo, uma terceira construção se soma a este conjunto de experiências inovadoras; a

Igreja do Sagrado Coração de Jesus, de Andicourt. Espaço sacro no qual Germaine Bazaine

executa um mosaico não figurativo, com os temas simbólicos do Sol, da Água e do Sangue,

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163

sobre o amplo espaço da fachada. Léger e Manessier realizam vitrais com configurações,

incomuns, derivadas a partir das formas de martelos e de pregos, e colaboram, desse modo,

para esse empreendimento que figura entre as primeiras tentativas de desenvolver um

ambiente onde o conjunto de temáticas religiosas prescinde dos modelos dos personagens, e

dos signos tradicionais.

A partir de 1950, após um período de profunda reflexão e discussão interna, a

Comissão de Arte Sacra decide o futuro das três igrejas: de Assy, Vence e Andicourt que

eram aguardadas com extrema curiosidade e expectativa por parte do público francês e

estrangeiro. Elas foram finalmente consagradas e abertas à visitação pública. Essa experiência

inovadora, mais tarde reconhecida como um dos maiores feitos da história da arte religiosa

contemporânea, logo deu origem a um confronto ideológico. Querela na qual, por longo

tempo se confrontaram os defensores e adversários da renovação iconográfica religiosa261.

Com relação à Capela de Vence, comenta-se que Picasso ao saber que Matisse estava

pintando uma igreja, ficara desconcertado de tal forma, que passou a atacar o novo

empreendimento daquele pintor com vários comentários sarcásticos. Que, no entanto, mal

conseguiam disfarçar sua profunda preocupação em relação ao trabalho daquele, que apesar

de ser amigo, nunca deixara de ser um eterno rival (CABANNE, 1982, p. 314). Mais tarde,

em 1952, Picasso ainda ressentido que Matisse tivesse conseguido realizar com tão poucos

recursos plásticos uma obra de tal sensibilidade expressiva, decide, também deixar seu legado

em uma igreja. Como motivo ele utiliza a revolta contra a intervenção americana, e os

horrores da Guerra da Coréia iniciada em 1950, a partir do que principia uma fase de intensos

estudos preparatórios, durante a qual executa cerca de 250 esboços para o mural Guerra e

Paz. Obra que foi instalada em 1954, em uma edificação restaurada a partir de uma capela

desconsagrada do século XIV que, então, passou a ser chamar de Templo da Paz262.

Nota-se que Picasso, ao realizar Guerra e paz, opta por trabalhar o suporte distante do

local definitivo, e das intervenções do clero, como normalmente aconteceria, caso se tratasse

de uma pintura executada para uma igreja consagrada. Desta maneira pode, em sua criação,

dispor de toda a liberdade habitual com que realiza seus outros quadros não destinados a 261 Cf. Pichard (1960, p. 64). Durante esta querela, houve um intenso protesto contra o crucifixo que Germaine Richier havia criado para a Igreja de Assy. Essa obra, de linhas simplificadas e de tendência expressionista, foi considerada escandalosa aos olhos dos fiéis e, motivou intensas reações que vieram a determinar a remoção temporária da escultura.

262 Além da obra Guerra e Paz, realizada em seu ateliê, Picasso também desenharia diretamente na abóbada desta construção, uma figura representando a Guerra, e uma imensa pomba representando a Paz.

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164

ambientes religiosos. Talvez, por isso, ele continue a utilizar a mesma variedade de linhas,

contrastes e todo seu arsenal de recursos habituais. Mas, devido ao fato desta obra ter sido

realizado em um ambiente não religioso, e em contexto tão pouco adverso ela não serve como

parâmetro para comparar o nível de expressão moderna, ou como paradigma do que então

ocorria no âmbito geral da pintura mural religiosa.

Apesar desta condição diferenciada, observa-se que a divulgação da pintura do

Templo da Paz, também, foi retardada, pois o próprio pintor se encarrega de atrasar a

inauguração desta obra, por ter ficado decepcionado com a reação do público que havia

participado de uma de suas exposições em Vallauris (CABANNE, 1982, p. 314). Este fato

exemplifica as pressões que um artista moderno estava sujeito, pois mesmo quando se sentisse

em liberdade de criar e não fosse cerceado por quaisquer leis que, normalmente,

regulamentam a arte religiosa convencional, sempre haveria o inevitável embate com o gosto

e a receptividade, da opinião pública da época.

3.2 As Diretivas sobre Arte Sacra (1947-1952)

A resistência à renovação nos meios eclesiásticos, não se baseava apenas em decisões

de gosto pessoal, mas na obediência a orientações e leis específicas sobre o tipo de arte que

poderia ser admitida nos lugares sacros. Apesar de alguns padres defenderem a nova

visualidade, e da igreja começar a dar demonstrações de abertura, os documentos da época

estão permeados de uma prudência conservadora, em parte motivada por um receio

compreensível e esperado, diante de um clima de tensa discussão, a respeito de quais seriam

os limites aceitáveis para tais inovações. Conforme Règamey, Pio XII em 20 de novembro de

1947, em sua Carta encíclica Liturgia Sacra teria declarado que:

“ ‘É absolutamente necessário deixar campo livre à arte de nosso tempo quando ela se põe à serviço dos edifícios e dos ritos sacros, com o respeito e honra que lhes são devidos’ mas não deixa de acrescentar sua reprovação ‘às essas imagens e estas representações introduzidas recentemente por alguns, e que parecem uma deformação e uma depravação da arte sã, que repugnam mesmo por vezes abertamente à dignidade, à modéstia e a piedade cristã, ferindo profundamente o sentido religioso’ ”. (Instrução do Santo Ofício apud RÈGAMEY, R. Arte Sacra Contemporânea. 1965. Anexos, p. 367).

Também havia numerosos cânones que cerceavam o exercício criativo das artes

sacras, como, por exemplo, o cânon 1164 que ordenava: “Que os ordinários tenham o

cuidado, de avaliar a necessidade de submeter ao conselho de pessoas competentes, de forma

que dentro da construção ou restauração das igrejas, sejam respeitadas as formas recebidas

da tradição cristã, assim como as leis da arte sacra” [Destaque nosso]. Este artigo veiculava

uma orientação comum, na busca de garantir uma seleção criteriosa, e de evitar os problemas

Page 181: 1-dissertação

165

decorrentes das eventuais limitações de certos clérigos diante da necessidade de escolher

obras adequadas à função de um edifício religioso. Porém, também passou a servir para que

representantes da comissão de arte sacra, detentores de gosto mais conservador, justificassem

pela obediência à tradição, toda sua intransigência perante as novas formas artísticas. Diante

desta situação, a igreja necessitou divulgar novos esclarecimentos. A Instrução do Santo

Ofício sobre Arte Sacra, em 30 de junho de 1952 precisava: ainda que ultimamente a Santa Sé

tivesse condenado as formas extravagantes da arte sacra que reprovavam a devoção, ele não

apresentava objeção “[...] a qualquer um que faça adaptações na arte sacra às necessidades e

as condições dos novos tempos”. Essa nova orientação, também, se encarrega de esclarecer

para que os clérigos evitem as “[...] ornamentações de mau gosto” e que proíbam com

severidade, estatuárias numerosas, imagens estereotipadas e de pouco valor, enfatizando a

disposição da igreja em acolher de maneira sincera:

“[...] todo desenvolvimento justo e progressivo das boas e veneráveis tradições que durante tantos séculos de vida cristã, numa total diversidade de ambiente e de condições sociais e técnicas, deram tantas provas de sua capacidade inesgotável de inspirar formas novas e belas, todas as vezes em que foram interrogadas ou estudadas à dupla luz do gênio e da fé” (RÈGAMEY, R. Arte Sacra Contemporânea, 1965. Anexo I - Instrução do Santo Ofício sobre Arte Sacra, p. 367)

Essas diretivas mais liberais facilitaram os novos empreendimentos modernistas,

favorecendo as iniciativas que ocorriam, principalmente, na França, país que viria a se

destacar como vanguarda do movimento de renovação da arte sacra.

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166

Figura 130 Portinari: Santo Antônio, 1941. Capela da Família Portinari. Brodósqui, SP.

3.3 Tradição e Renovação no Muralismo Religioso de Portinari

Apesar do crescente número de experiências

que ligavam artistas modernos à arte sacra, no início

da década de 50, a influência dessas ainda era pequena

na produção artístico-religiosa que se realizava

distante dos grandes centros de irradiação de cultura.

Isso pode ser notado através do comentário de

Madeleine Ochse sobre a impressão que teve ao

folhear o catálogo da Exposição Internacional de Arte

Sacra ocorrida, em 1950, na cidade de Roma: “Todas

estas imagens onde a pintura e escultura tinham um

lugar preponderante, não são mais que impressões

fugidias da realidade, de carne de alma e de sangue”.

Quando salienta que, neste nível: “Os países latinos

sofrem de uma carência particular” (OCHSE, 1959, p.

76) Esse comentário, que pode ser justificado em

função das formas divulgadas pela exposição,

certamente não tira o mérito da iniciativa latino-

americana, empreendida pelo pintor brasileiro Cândido

Portinari. Pois, se considerássemos que os painéis de

azulejos, da fachada da Igreja de São Francisco de

Assis em Pampulha (MG), tenham sido realmente

realizados a partir de 1943, seria possível reivindicar o

reconhecimento dessa experiência como uma das

primeiras tentativas de integração entre as várias

técnicas, e tendências da arte moderna, em um espaço

religioso263. Precedendo, talvez, até mesmo a

decoração efetiva, da Igreja de Nossa Senhora de

Todas as Graças, de Assy (França), que de acordo

263 Valladares (1971). Situa 1943 como o ano de início dos murais de azulejos e da pintura do afresco do altar, correspondente a São Francisco despojando-se das vestes, e 1945 como o ano em que o pintor teria completado a série da Via–Crúcis para esta mesma igreja. Durante essa pesquisa, com relação à pintura de São Francisco despojando-se das vestes, encontramos uma divergência de datação, Conforme: CALLADO, Antônio In: Cândido Portinari. Rio de Janeiro: Finambras, 1997, a pintura do batistério teria sido realizada em junho de 1945, data que encontra certo acordo em FABRIS, Annateresa. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1999. Que apresenta o ano de 1945 como a época de conclusão da pintura de São Francisco despojando-se das vestes (sem, no entanto, mencionar a data de início dessa obra).}

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167

Figura 131 Portinari: São João Crisóstomo, 1944. Capela Mayrink, RJ.

com alguns registros só teria iniciado, a partir de 1946.

Atraso, em parte, decorrente da instabilidade gerada pela

participação direta da França no conflito mundial264. No

Brasil a situação política também era problemática sob o

regime ditatorial do Estado Novo de Getúlio Vargas,

mesmo assim, no que se refere à participação brasileira

no conflito, pode-se dizer que ela se dá de maneira

menos direta. Ocorrendo, somente, a partir de 1944,

através da Força Expedicionária Brasileira que atua em

territórios estrangeiros, sem que ocorram as mesmas

terríveis conseqüências para a população civil, como no

caso da população francesa.

Lamentavelmente, outras contingências parecem

ter se encarregado de impedir o promissor

desenvolvimento, das experiências modernistas no

muralismo religioso brasileiro. No caso da igreja de

Pampulha, houve uma forte rejeição por parte de alguns

setores eclesiásticos que recusavam consagrar esta obra,

argumentando que “[...] os painéis de Portinari podiam

servir bem aos salões de arte, mas eram, absolutamente

inadequados para um templo religioso” (SOUSA, 1997,

p. 16 -17). Situação que gerou um longo impasse, que só

seria solucionado em 1959, com a intervenção direta do

presidente Juscelino Kubitschek, o qual, através de uma

negociação com o clero, consegue com que essa igreja

seja, finalmente, consagrada e aberta à visitação pública.

A relação de Portinari com a pintura de

ambientes sacros, nem sempre foi conflituosa, pois

sabemos que uma de suas primeiras atividades artísticas, no período de adolescência, foi

justamente a de auxiliar de pintura decorativa, junto a um grupo de pintores que trabalhavam

em uma igreja de Brodósqui (SP). Este relacionamento amigável com a igreja seria

conservado enquanto Portinari manteve expressões artísticas próximas dos padrões herdados

pela tradição, pelo menos, em obras destinadas a espaços sacros.

264 A França tinha uma parte de seu território ocupada pelas tropas alemãs, desde 1940, e o restante do país era dirigido por um governo colaboracionista que apoiava as forças de ocupação. Situação que só se reverteria a partir de 1944, com o desembarque de Tropas Aliadas na Normandia.

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168

Figura 132 Portinari: Estudo de Cristo para a Via-Crúcis da Igreja de Batatais, 1953, SP.

Mais tarde, em 1941, Portinari realiza a pintura

da “Capela da Nonna”265; construção realizada no jardim

da casa dos pais do pintor, em Brodósqui, para favorecer

a avó Pellegrina que já não podia se deslocar até a igreja

da cidade. Ao desenvolver os vários painéis dessa igreja,

Portinari ainda segue uma linha, em que predominam as

expressões estilísticas tradicionais. O que, neste caso,

pode ser explicado, como resultado de uma opção do

pintor na tentativa de conciliar sua técnica moderna com

os modelos da tradição religiosa, que a avó do pintor

venerava. Na representação de São Pedro, ele destaca

expressões realistas no rosto do apóstolo, tendo como

resultado, aquela figuração que Mário de Andrade

descreve como “[…] um São Pedro brutal, enérgico, bem

pescador no corpo, barba desleixada, rosto mãos e pés

ásperos, mas de olhar severo e duro, trabalhado de rugas

e preocupações” (ANDRADE, 1941). Já, na figura de

Santo Antônio, encontramos um tratamento técnico,

semelhante ao do academismo devoto, pelo qual um

santo jovem é representado com cores trabalhadas em

suaves transições de luz e sombra (Figura 130). Mesmo

em 1944, ao trabalhar os painéis para a Capela Mayrink

no Rio de Janeiro, Portinari não utiliza formas muito

distantes do academismo religioso tradicional. Apesar da

técnica de pintura, já deixar transparecer transições mais

bruscas entre áreas de cor, como se pode perceber nas

imagens de São João Crisóstomo (Figura 131) e de São

João da Cruz. Nota-se, porém, que o tratamento plástico,

apenas de longe, prenuncia a estilização formal que seria

seguida no caso dos murais da Igreja de São Francisco de Assis, em Pampulha. Pois, é

durante a realização dessa última obra, em Minas Gerais, que Portinari dá a sua mais extrema

demonstração de ousadia, ao abandonar as formas tradicionais à que se submetia, até então, ao

representar imagens em espaços religiosos.

265 Cf., VALLADARES, (1971) Portinari já teria realizado alguns retábulos para esta capela, entre os anos de 1934 e 1937.

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169

Como não havia ainda no Brasil um contexto favorável a tais experiências em

ambientes sacros. A obra é recusada pela igreja, permanecendo desde então, por 14 anos

distante do olhar dos fiéis. Mais tarde, em 1953, ao retomar a trabalho de pintura religiosa

para a igreja de Batatais, Portinari parece ter reconsiderado sua posição frente ao contexto

religioso. No estudo preparatório para um painel da Via-Crucis, ainda se observa certa

geometrização das áreas de cor, mas desta vez, a expressão aparece novamente conciliada

com os traços formais mais naturalistas e próximos dos modelos da tradição religiosa (Figura

132). Estes casos exemplificam a situação problemática que ainda se configurava no espaço

religioso, mesmo para os artistas de reconhecida expressão, quando tentavam introduzir

inovações modernistas. Pois, para alguns setores da igreja, a defesa dos valores tradicionais da

arte, parecia, de certa forma, associada à resistência que eles precisavam empreender no

campo ideológico. Resistência que demonstravam frente às inovações que surgiam em outros

setores culturais, as quais eram, freqüentemente, identificadas como oriundas de uma ameaça

comunista que lhes parecia onipresente no pós-guerra.

3.4 Comparações com os murais religiosos de Aldo Locatelli

Na busca de um melhor entendimento do contexto em que se desenvolve a obra de

Lazzarini, pode ser esclarecedora a comparação com a produção mural religiosa de Aldo

Locatelli (1915-1962), artista contemporâneo e, como ele, também era um muralista. Ao se

observar algumas das primeiras obras realizadas por Locatelli, na Catedral de São Francisco

de Paula em Pelotas (1948), se nota que, pelo menos nestes exemplos, o muralismo religioso

do Rio Grande do Sul ainda parecia seguir em grande parte os padrões herdados da arte

realizada entre os séculos XVI e XVIII. E é provável que no restante do Brasil, apenas no

caso da arte mural de Pampulha, tivéssemos até este momento alcançado, uma ação

equivalente à européia, em termos de intervenção modernista no espaço sacro.

Francisco266 conta que, de acordo com uma história repetida pela mãe, Itália Andrizzi,

durante o processo de escolha do pintor destinado a realizar os murais da Igreja da Igreja de

São Pelegrino, de Caxias do Sul, (c. 1951) Lazzarini teria participado da concorrência.

Porém, devido ao valor por ele estipulado em orçamento, teria perdido o trabalho para Aldo

Locatelli pela quantia aproximada de “um conto de réis”. Não sabemos se Lazzarini chegou,

realmente, a ver concluídos os murais: A Criação do Mundo e a Expulsão do Paraíso,

executados pelo concorrente nessa igreja, mas, por coincidência, estes temas também seriam

266Francisco Lazzarini, Filho de Angelo Lazzarini e Itália Andrizzi Lazzarini que, atualmente, reside em Caxias do Sul, RS.

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170

trabalhados por Lazzarini, entre 1954 e 1956, em Nova Palma e Faxinal do Soturno, únicos

locais em que ele se dedica a temas do Antigo Testamento na região da Quarta Colônia.

Em 1954, Locatelli realizava o grande medalhão do teto da Catedral de Nossa

Senhora da Conceição, em Santa Maria, obra na qual utiliza uma composição, em

perspectiva ilusionística. Pela qual evidencia o elevado domínio técnico das cores que

conseguiu alcançar, através da elaborada distribuição de luz e sombra, e da sutileza cromática

dos panejamentos. Em julho desse mesmo ano, Lazzarini iniciava a pintura da Igreja da

Santíssima Trindade em Nova Palma, na qual, também, realiza uma obra em que busca dar

uma ilusão da profundidade celeste: o mural da Glória da Santíssima Trindade, concluído em

1955. Caso que constitui uma experiência isolada neste tipo de perspectiva, para a qual ele

não daria continuidade. Quanto às causas desse afastamento de Lazzarini, em relação às

figurações estruturadas como vistas inferiores de céus abertos, podemos apenas supor motivos

tais como: a inadequação das temáticas conjugada à falta de espaços, suficientemente, grandes

e convenientes a esse tipo de ilusão, ou ainda, as dificuldades técnicas enfrentadas durante a

representação de figuras escorçadas, necessárias a este tipo de projeção.

Na igreja de Nova Palma, assim como mais tarde em Santa Maria, Lazzarini também

trabalha o tema da Imaculada Conceição, cujo padrão iconográfico que se assemelha à

Assunção de Nossa Senhora, que Locatelli havia representado na Catedral de Imaculada

Conceição (1954) em Santa Maria. Ao se comparar o modo de trabalho nos murais de cada

um desses pintores, se percebe que enquanto Locatelli busca um tipo de representação em que

intervém uma distribuição de formas mais particular, enquanto que Lazzarini, ao trabalhar em

espaços menores, realizar poucas mudanças nos modelos nos quais se inspira. Mesmo assim,

a partir desta comparação, pode-se deduzir que na representação de murais religiosos da

metade dos anos 50, ambos os pintores, guardadas as devidas proporções qualitativas, se

mantinham dentro de uma tradição em que se preservavam modelos herdados da tradição

clássica e do barroco, em execuções nas quais era comum a intervenção da cópia de modelos

europeus. Essa afirmação poderá parecer demasiado ousada, e em princípio tendenciosa a

diminuir o caráter criativo dos murais religiosos de Locatelli, no entanto não é nossa intenção

questionar tal qualidade na obra desse pintor. Mas, apenas demonstrar que a cópia aproximada

ou fidedigna de modelos antigos apesar de abominada pela modernidade laica, ainda era um

procedimento usual, em maior ou menor proporção, conforme a técnica particular dos

pintores, especialmente, no que se refere à pintura mural religiosa.

No mural de Nossa Senhora da Conceição da Catedral de Santa Maria (Figura 133),

Locatelli sem dúvida estuda e cria a maior parte dos personagens desta cena. No entanto, o

imitare está presente no grande anjo que sustenta o braço dobrado à frente da cabeça,

personagem que já podia ser encontrado no mural de Cristo Rei (1949) da Catedral de São

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171

Figura 134 Assunção de Nossa Senhora, 1954. (detalhe). Catedral Metropolitana de Santa Maria, RS.

Figura 133 Piazzetta: A Glória de São Domingos, 1727 (detalhe).Capela do Rosário, Veneza. Foto: Anderson-Giraudon.

Francisco de Paula em Pelotas. Porém, acreditamos que a forma precursora desse

personagem, provavelmente, se originou na obra A Glória de São Domingos, realizada por

Giambattista Piazzetta, em 1727, no teto da Capela do Rosário, em Veneza (Figura 134).

Outro exemplo, que se pode salientar na obra de Locatelli, é o anjo representado no

lado esquerdo da abside do presbitério, da Catedral de Santa Maria, no mural da Coroação da

Virgem Maria (Figura 138). Que também foi pintado por ele nos murais da Coroação de

Nossa Senhora (1949), realizado na Catedral de Pelotas (Figura 136), e da Imaculada

Conceição (c.1953) da Igreja Matriz de Itajaí de Santa Catarina (Figura 137). Esta forma

escorçada com uma asa vista de perfil apareceu, provavelmente, pela primeira vez, no afresco

da Glória de Santa Teresa, na Igreja dos Scalzi em Veneza (Figura 135). Em uma obra

realizada por Giambattista Tiepolo, artista que foi discípulo de Piazzetta, e cujas obras, assim

como as desse último, parecem ter influenciado fortemente a formação artística de Aldo

Locatelli, principalmente, no que se refere à técnica compositiva e ao uso das cores.

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Figura 135 Tiepolo: Glória de Santa Teresa (detalhe), 1724 -1725. Igreja dos Scalzi, Veneza Foto: Naya.

Figura 136 Locatelli: Coroação de Nossa Senhora, 1949. Catedral de Pelotas, RS. Foto: Fernando Zago.

Figura 137 Imaculada Conceição, c.1953. Igreja Matriz de Itajaí. Itajaí, SC.

Figura 138 Locatelli: Coroação da Virgem, 1954. (detalhe). Catedral da Imaculada Conceição. Santa Maria, RS.

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173

Com relação aos empréstimos formais de figuras nos murais religiosos que Locatelli

realiza na primeira metade dos anos 50, nota-se que estes se limitam, sobretudo, a esses dois

artistas venezianos do século XVIII. Porém, se acrescentarmos referências estilísticas

indiretas, é possível incluir a influência dos titânicos padrões anatômicos das figuras de

Michelangelo, que no caso da obra de Locatelli transparecem, principalmente, na avantajada

largura do tórax apresentada pela figura de Deus Pai, na cena correspondente a Criação do

Mundo da Igreja de São Pelegrino.

Na obra de Lazzarini, a influência de pintores venezianos do período barroco é

indireta. Em Nova Palma, no caso do mural da Glória da Santíssima Trindade, isso se torna

perceptível, pelo tipo de composição e da leve similaridade formal do anjo que porta uma

trombeta, características que remetem à obra de Tiepolo. Isso também ocorre, na Criação do

Mundo, com referências indiretas a Tintoretto. Essas evocações resumem-se ao desenho, pois

Lazzarini, definitivamente, não parece ter sido tão influenciado pelo colorismo veneziano,

como foi o caso de Locatelli.

No entanto, o procedimento de cópia de modelos utilizados em pinturas religiosas do

século XV ao século XVIII, também, pode ser encontrado em várias composições de

Lazzarini. Entre os casos mais notáveis destacamos: o mural da Igreja de Nossa Senhora das

Dores de Santa Maria, onde temos, em proporções menores, a forma do profeta Isaías267,

derivada da obra de Michelangelo na Capela Sistina; o mural A Anunciação, da Igreja de São

Roque de Faxinal do Soturno, onde encontramos figuras derivadas da obra congênere

realizada por Guido Reni, e o mural da Imaculada Conceição de Nova Palma, onde é

reproduzida a forma da figura central de uma obra precursora, executada por Murillo.

Ao considerarmos o procedimento dos empréstimos formais nos murais religiosos de

Locatelli e de Lazzarini, se percebe que o que os diferencia não é tanto a freqüência com que

recorrem a este expediente. Mas, a forma com que são utilizados, e o contexto, que

determinam o maior ou menor grau de contribuição deste recurso ao se isolar a contribuição

mais pessoal da obra de cada um desses artistas.

Na obra de Locatelli, os modelos copiados da tradição são reservados, principalmente,

às figuras secundárias de suas composições, de modo que a estrutura e personagens centrais

são reservados para sua criação pessoal, onde as influências dos mestres da tradição

acadêmica se fazem sentir, apenas, de forma indireta, nas formas reelaboradas a partir do

267Aplicamos esta denominação a este personagem por necessidade textual, ressalvando, porém, o caráter duvidoso e, portanto, provisório de tal identificação iconográfica.

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174

estudo de modelos humanos da época. Já em Lazzarini, nos casos em que foi possível

identificar esse procedimento, a cópia é utilizada, principalmente, para os personagens

centrais, e sua contribuição pessoal fica reservada a alterações no ambiente de fundo,

acréscimo de anjos ou formas de nuvens, como é possível observar nas várias vezes em que

ele recorre ao tema da Trindade Horizontal. Nota-se, também, que esse procedimento de

cópia, às vezes passa por um processo de supressão de detalhes, como no caso da Imaculada

Conceição, onde, além da simplificação das cores, constata-se uma redução do número de

anjinhos, quando se compara com a ilustração derivada da obra de Murillo que ele utiliza por

modelo.

No caso de Lazzarini, a cópia de figuras não se restringe aos modelos derivados de

pinturas, do período renascentista italiano ou do barroco espanhol, pois a maior parte dessas

referências conhecidas provém de reproduções populares de gravuras em preto e branco,

provavelmente, derivadas da escola alemã, do final do século XVIII ao final do século

XIX268. Como a produção plástica de Lazzarini, parece bastante dependente dos modelos

que ele amplia, o caso da utilização dessas gravuras que reproduziam apenas linhas,

provavelmente, exigia uma margem de contribuição pessoal um pouco maior, na elaboração

das cores, do que nos casos em que ele recorre às pequenas imagens coloridas que

reproduzem pinturas européias.

268 A mais antiga reprodução deste gênero de gravuras, localizado nesta pesquisa, foi encontrada em LASSERE, Henry. Les Saints Évangeiles. Paris. 1888, (Coleção Eichemberg, Acervo da Bibioteca Central, UFRGS). Obra que reproduz a imagem da Multiplicação dos Pães, a qual não apresenta assinatura, mas os créditos registram: “D`aprés Schnor: Escola Alemã (1794-1872)” Essa mesma imagem foi localizada na edição recente de BAZAGLIA, Paulo Sérgio. História Sagrada. 2 ed. São Paulo: Paulus,1993. p. 140, livro que reproduz A Multiplicação dos Pães junto a várias outras gravuras, entre estas, algumas das quais no passado inspiraram Lazzarini. Hipótese que levantamos a partir da identificação de semelhanças iconográficas que relacionam estas gravuras a determinadas obras de Lazzarini (Cf., ilustrações indicadas no Capítulo I). Apesar desta edição não registrar os devidos créditos, a análise de ampliações digitalizadas de algumas gravuras permitiu identificar os seguintes nomes: Steinbrecher, E. Obermann, Z. Echeckel, A. Gaber Richter, Joch, F. Rensche, Manger, e Jungtow. Várias destas gravuras também foram reproduzidas em LEHMANN, João Batista. Na Luz Perpétua. 2 ed. Juiz de Fora: Lar Cathólico Vol. I, 1935. Obra cujo exemplar, atualmente, localizado no CPG, provavelmente, pertencia ao acervo da Paróquia de Nova Palma na época em que Lazzarini inicia seus trabalhos, na região da Quarta Colônia.

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175

3.5 Uma Arte Deslocada no Tempo?

Para compreendermos a razão do aparente atraso temporal, no qual se conservam os

modelos utilizados por Lazzarini. Em obras que embora sendo executadas em período

histórico recente, não parecem incorporar os desenvolvimentos ou as influências artísticas

latentes na época em outros campos das artes plásticas, é preciso, antes de tudo, considerar as

características do gênero de pintura por ele desenvolvida, a pintura mural religiosa. Este

gênero como poderemos ver parece ter resistido por um longo tempo às inovações da

modernidade, não apenas em nosso país, pois mesmo na França, centro de vanguarda nesta

área, o início dos anos cinqüenta marcava, apenas, o início da fase em que as inovações

caminhariam, gradualmente, para uma maior aceitação pública.

3.5.1 Registros de época: a pintura mural na avaliação dos contratantes

Conforme Amábile269, em 1954, quando Lazzarini se encontrava em Caxias do Sul,

ele foi contatado por padres de Nova Palma, que há seis meses tentavam localizá-lo. Detalhe

que pode nos fornecer um indício da raridade de profissionais que executassem esse tipo de

pintura na região da Quarta Colônia. Ciente da dimensão do trabalho que o aguardava,

Lazzarini muda-se junto com a família, para a esta cidade. Onde se abriga, temporariamente,

no salão paroquial, para logo após estabelecer-se em um sobrado, localizado em uma esquina

próxima à praça da Igreja Matriz. Em julho de 1954, ele iniciava os trabalhos de pintura da

Igreja da Santíssima Trindade, período durante o qual passa a contar com os serviços

Eduardo Barachini que seria o seu primeiro ajudante nesta região. Após sete meses de

trabalho, Lazzarini, finalmente, conclui a nova pintura da igreja matriz de Nova Palma, obra

que seria a primeira do longo período de atividade que se seguiria, em igrejas da Quarta

Colônia. Dessa época, temos um comentário elogioso, registrado em um Livro do Tombo da

matriz, o qual pode ser considerado como um dos primeiros documentos críticos a respeito da

obra de Lazzarini, redigido pelo padre Alfredo Rogério Pozzer, nos seguintes termos:

269 Amábile Echer Loro (*1942), sobrinha de Itália Andrizzi, residiu com a família Lazzarini em dois períodos: primeiro durante o ano de 1953 e, mais tarde, entre 1958 e 1964.}

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176

“Dia 19 de Fevereiro, o pintor faz entrega ao Rdo (sic) pároco da pintura nova da Igreja Matriz. A decoração sóbria, mas agradável e os muitos quadros bíblicos dos forros das três naves da Igreja dão à matriz um aspeto a um tempo piedoso e elegante.

Está de parabéns o decorador Sr. Ângelo Lazzari (sic) e seu ajudante um aprendiz sem vocação; pela perene recordação que deixou em Nova Palma, de sua habilidade e generosidade. Digo generosidade porque pintaram 1.629 metros quadrados com a reprodução de 19 quadros grandes nos forros, 27 quadros pequenos (medalhões) no alto das naves laterais e 14 símbolos pela importância global de apenas Cr$ 95.000.00 (noventa e cinco mil cruzeiros) preço de propaganda no tempo de sete meses (Julho 1954 – Fevereiro 1955 ).

Entre o conjunto de pinturas destaca-se o teto do presbitério no qual reproduziu um quadro célebre da Santíssima Trindade tirado de pinacoteca famosa de Roma.

O povo sempre pronto a cooperar generoso concorreu com suas ofertas para o custeio da reforma da matriz, destacando-se as ofertas dos quadros cujos nomes ficam gravados no sopé das pinturas para gratidão do povo no coração de Jesus para recompensa sempiterna”. (Livro do Tombo II, folhas 35 - 36, Casa Paroquial de Nova Palma, RS).

Neste caso, nota-se uma vívida expressão de contentamento, gerada pelo bom

entendimento em termos de preço, o que parece ter, realmente, se configurado em um bom

negócio para a igreja, principalmente se compararmos com a quantia recebida por Locatelli e

Emílio Sessa, no ano anterior, após efetuarem a pintura da Catedral de Santa Maria270.

“Depois de vários entendimentos com diversos pintores, entendimentos esses que vinham desde o ano anterior [1953], depois de terem vindo à Santa Maria os pintores italianos Aldo Locatelli e Emilio Sessa e o pintor austríaco Roman Reisch, em reunião do dia 10 do corrente [janeiro de 1954] a comissão nomeada pelo Exmo Sr Bispo Diocesano resolveu aceitar a proposta de Aldo Locatelli, figurista e Emilio Sessa, decorador, num total mais ou menos de 700.000, sendo Cr$ 450.000 para o decorador e 250.000 para o figurista” (Cf., Livro do Tombo 6, 1951 –1957, folha 43 v. jan.,1954. Casa Paroquial da Catedral de Nossa Senhora da Conceição, Santa Maria, RS).

É interessante notar, que no caso de Santa Maria, o “figurista” recebe menos do que o

“decorador”, avaliação em que, provavelmente, era contabilizada a área a ser coberta pela

pintura que, certamente, era maior no caso da atividade a ser desenvolvida por Emílio Sessa.

Considerando em que pese a importância dos pintores e o contexto de uma catedral, nota-se

que mesmo assim, unicamente pelo serviço de pintura das imagens, Locatelli recebe mais que

o dobro da quantia que Lazzarini receberia para efetuar ambos os serviços; o de pintura das

figuras e o de decoração na igreja de Nova Palma. Situação que, entre outros aspectos,

evidencia a realidade econômica diferenciada encontrada por pintores que desenvolviam

atividades em centros urbanos, quando comparada à situação enfrentada por um pintor que

desenvolvia seu trabalho, basicamente, em cidades de menor porte.

270 Ainda de acordo com o Livro do Tombo 6, 1951–1957, da Catedral de Nossa Senhora da Conceição de Santa Maria: A comissão encarregada da concorrência para a pintura foi instaurada em 29 de dezembro de 1953. Em 03 de janeiro de 1954 (folha 50) registra-se o início dos trabalhos preparatórios em estuque efetuados pelo construtor Wlademir Bartosuck. “Feito o forro de estuque, o decorador Emílio Sessa iniciará os trabalhos de pintura e mais tarde o figurista Aldo Locatelli”. Em 27 de novembro de 1954, registra-se a retirada dos andaimes colocados na véspera do natal de 1953 (folha 61v.). E no dia 08 de dezembro de 1954 ocorre a missa de inauguração da nova pintura (folha 62).

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177

No caso de Nova Palma, apesar do aparente baixo preço cobrado, Lazzarini, mesmo

assim, parece corresponder, aceitavelmente, às expectativas do contratante que se compraz em

destacar o empréstimo iconográfico do painel do batistério, derivado de uma obra italiana. É

provável que os demais fiéis compartilhassem de um ponto de vista semelhante, a respeito das

outras obras de Lazzarini, que representavam uma perfeita continuidade visual do “aspecto

piedoso e elegante”, também, presente no cotidiano da região através de quadros de devoção,

costumeiramente expostos nas paredes dos principais cômodos das casas dessa época.

No período seguinte à Nova Palma, Lazzarini trabalha nas igrejas de: São Roque

(1956) de Faxinal do Soturno, São José (1956) de Dona Francisca, e São João Batista de São

João do Polêsine. Porém, nesses locais, não foram localizados documentos escritos, da época,

que tivessem referência direta ou comentários a respeito dos murais por ele realizados.

Registros posteriores são encontrados, a partir de 1958, data em que Lazzarini concorre para a

execução da pintura da Igreja Matriz de Silveira Martins. No Livro do Tombo da igreja, o

Padre João Ferigollo registrou na época:

“Chamei certa concorrência para a pintura interna. Um pintor de Santa Maria pediu 250 mil; o senhor Ângelo Lazzarini que pintou Nova Palma - Faxinal - Dona Francisca e Polêsine faz, como diz um trabalho bom por 180 mil. Assim que em Fevereiro vai começar. Queira Deus que todos compreendam a necessidade da reforma e que tudo saia bem”. (Livro do Tombo, 1956-1986, Folha 12. Casa Paroquial da Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, RS)

Através deste excerto, pode-se perceber que, pelo menos neste caso, escolha do pintor

parece ter sido fortemente influenciada, por fatores de ordem econômica, onde a capacidade

de corresponder à exigência de um trabalho de qualidade regular, e a confiabilidade

proporcionada pelo currículo conhecido em nível regional foram determinantes, para a

escolha de Lazzarini.

No comentário desse padre de Silveira Martins, não se destaca, ainda, qualquer

avaliação qualitativa da obra de Lazzarini, a qual é bem possível que o padre ainda não

conhecesse diretamente, mas que tivesse apenas ouvido comentários a respeito. Ele, no

entanto, faz questão de destacar a avaliação do próprio pintor, que afirmava fazer um

“trabalho bom” por um preço mais em conta. Através disso é possível perceber que, o fator

estético era importante, mas subordinado à disponibilidade de recursos dessa pequena

comunidade.

A diferença encontrada na soma por Lazzarini estipulada, de 70 mil cruzeiros a menos

que outro pintor, também, pode ter sido em parte motivada pelo desejo de permanecer mais

algum tempo na região. Evitando, com isso, a interferência de outro concorrente, neste espaço

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178

em que ainda se vislumbrava mais algumas oportunidades de trabalho, quando comparado à

região de Caxias do Sul, de onde ele veio após passar por um período de dificuldades. Não

sabemos quem era “o pintor de Santa Maria”, evocado pelo Padre Ferigollo, mas

considerando que a cidade mencionada é um centro regional, é provável que o sentido da

expressão não seja algo como; “um pintor de origem santa-mariense”, mas que simplesmente

tenha o sentido de: “um pintor vindo de Santa Maria”, caso em que é possível, com um

esforço de imaginação, acreditar que se tratava, novamente, de Locatelli271 (nota-se a

coincidência com preço cobrado pelos trabalhos realizados por este pintor no caso da pintura

da Catedral de Santa Maria). Situação que caso fosse comprovada, seria, provavelmente

esclarecedora, explicando a reforçada motivação de Lazzarini, no intuito de apresentar um

preço aceitável e ganhar a concorrência evitando qualquer sensação associada a um novo

fracasso, como aquele que, possivelmente, teria acontecido no passado, por ocasião da

concorrência para a pintura da Igreja de São Pelegrino.

Entre as alternativas que podemos especular a respeito da diferença de preço

apresentada nesta concorrência, aventa-se a possibilidade de que o pintor que se encontrava

em Santa Maria, tivesse uma tabela de preços condizente com as condições econômicas dos

grande centros, enquanto Lazzarini, talvez ciente de realizar um trabalho mais modesto,

calculasse seus rendimentos tendo em vista a situação sócio-econômica diferenciada desta

pequenas cidades em que ele conhecia e nas quais vinha trabalhando nos últimos anos. A esta

situação podem ser somadas algumas motivações pessoais determinadas pelo seu tipo de

personalidade, pois Amábile o descreve como alguém “muito tímido, não tinha jeito para

chegar e abordar alguém”, e a respeito da avaliação monetária de suas obras, ela acrescenta

que Lazzarini: “[...] tinha bondade no coração..., não tinha coragem de cobrar o que valia o

serviço dele”272.

271 Cf., imagens dos textos de Zilá Bern (p. 21) e Armindo Trevisan (p. 81). In: TREVISAN (1998), murais como: Cristo Morto, A Anunciação e Imaculada Conceição, realizadas na Catedral Diocesana de Santa Maria constam como obras realizadas em 1958 (época em que Lazzarini realizava os murais de Silveira Martins). No entanto, como não localizamos qualquer outra fonte documental à respeito de pinturas de Locatelli realizadas nesta igreja no período supra citado, no decorrer desta pesquisa optamos por utilizar outra datação, mesmo no que se refere especificamente à pintura da Imaculada Conceição (Figura 124), pois apesar desta realmente ser de difícil leitura, tendemos a acreditar que ela seja concordante com a data encontrada junto à assinatura do pintor, localizada na base do mural da Coroação da Virgem na abside do batistério; ou seja 1954. Para tanto consideramos o fato de que conforme o Livro do Tombo (1951-1957. folha 61v.) em 27 de novembro deste mesmo ano, os andaimes teriam sido retirados desta Igreja.}

272 Cf., depoimento de Amábile Echer Loro em resposta à entrevista realizada na cidade de Santa Maria em 16 de Outubro de 1999.

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179

O desenvolvimento da pintura da Igreja de Santo Antônio é acompanhado na época

pelo padre Ferigollo, que comenta o andamento da abra ao descrever o ambiente em que o

trabalho se desenvolvia:

“O pintor Sr. Ângelo Lazarini (sic) já iniciou seu trabalho e parece que vai sair bem. É uma confusão dentro da igreja sujeira, poeira sem fim. Graças a Deus que a madeira do telhado está ainda perfeita como também parte do estuque.” (Livro do Tombo –1956/1986. Folha 13. Casa Paroquial da Igreja de Santo Antônio – Silveira Martins)

Essa expressão de alívio, provavelmente, tem a ver com o temor da possibilidade de se

confrontar com gastos imprevistos, durante as reformas, e de, conseqüentemente, ter que

exigir contribuição e esforço ainda maior, por parte da comunidade. No entanto, uma vez

iniciada a obra, a visão dos resultados incentivou o povo a participar com maior intensidade

no esforço conjugado em favor das reformas da igreja. É o que se pode notar a partir do

comentário a respeito da festa de Nossa Senhora dos Navegantes:

“A festa não teve aquela arrumação de outras festas, foi improvisada. Pouca propaganda. Pouco trabalho naturalmente é uma festa secundária já que o padroeiro é Santo Antônio. Não se fez grandes esforços...Assim mesmo a festa ultrapassou as demais inclusive as de Santo Antônio de anos passados: 27 mil. Disto se vê que o povo contribui quando se aplica demonstrando onde se gasta o dinheiro. Assim dá coragem a se reformar e construir”. (Livro do Tombo, 1956 -1986, folha 13. Casa Paroquial da Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, RS)

As contribuições se tornam ainda mais expressivas no caso da festa do padroeiro, na

qual a igreja alcança lucro ainda maior, que pode de ser considerado excepcional mesmo para

os padrões da época. Essa conclusão é possível ao se utilizar como parâmetro o resultado

financeiro desta festa de Nossa Senhora dos Navegantes em comparação com o resultado

financeiro da festa de Santo Antônio, comemorada em 13 de junho de 1958. Ambas as festas

são da mesma época e foram realizadas em intervalo de tempo correspondente a poucos

meses, mesmo assim pode-se notar o contrastante resultado positivo desta última, também

devido a uma intensa participação da comunidade. Sucesso que é exultado e registrado no

Livro do tombo:

“A igreja já está mais da metade pintada e sabe que sem dinheiro nada se faz na careza de nossos tempos. Resultado limpo da festa 145. 000, 00 mais uns 5 mil de resto de festa que perfazem limpos 150 mil cruzeiros. Com este dinheiro tiramos o bastante para pagar o pintor Ângelo Lazarini (sic): Agradeço aos fiéis e de modo especial aos fabriceiros e festeiros que tanto se empenharam pelo bem e o ótimo andamento de festa que espiritual que material”. (Livro do Tombo, 1956-1986, folha 16. Casa Paroquial da Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, RS)

No dia seguinte à festa, Lazzarini recebe uma parcela que corresponde a pouco menos

da metade do lucro da festa, ou seja, sessenta mil cruzeiros. Sendo que, o restante ele só

recebe no dia 20 de setembro de 1958, data provável da entrega do trabalho no qual o pintor

havia se ocupado por, aproximadamente, oito meses. Dessa época resta um último registro:

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180

“Terminou a reforma da igreja por dentro, o pintor recebeu 194 contos por todo seu serviço. Ficou regular. Não é possível numa igreja como a nossa que a 40 anos se abandonou numa única reforma, deixar uma igreja como se quer. Mas está a contento de todos.” (Livro do Tombo, 1956 -1986, folha 17. Casa Paroquial da Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins)

Desse comentário, podemos destacar apenas uma breve avaliação crítica que ao que

parece não é direcionada ao caso específico das pinturas, mas sim ao resultado global das

reformas avaliadas como um serviço “regular”. Não há qualquer comentário mais encomiasta

sobre a qualidade, ou preço das pinturas, como ocorreu no caso de Nova Palma. Isso parece

resultar de uma avaliação que considera que o mais importante, não era preencher igrejas com

obras de arte, mas participar, sem ficar para trás, dentro do processo de renovação pelo qual

passavam a maioria das outras igrejas da região. E para isso se buscava, na medida do

possível, reduzir gastos, resignando-se, se preciso, com o resultado “aceitável”.

Avaliando a quantia recebida, no final do serviço, percebe-se que Lazzarini recebeu

quatorze mil cruzeiros a mais que o preço por ele estipulado no início do serviço. O que em

princípio pode parecer uma simples correção monetária, na verdade, trata-se de serviços

extras realizados, descritos no Livro Caixa da Matriz como “pintura de quadros” 273. É bem

provável que não se tratem dos murais, pois este serviço foi discriminado, separadamente, das

demais parcelas que perfazem os cento e oitenta mil cruzeiros, originalmente cobrados pela

realização de pinturas em paredes. Existem duas possibilidades, mais verossímeis, para

explicar este tipo de serviço, a primeira: é possível que se trate da pintura de simples

molduras, talvez da própria via-sacra comprada nesta época, pois se sabe que Lazzarini

também realizava serviços de pintura decorativa, mas nesse caso como se tratavam de quadros

novos, é pouco provável que necessitassem de nova pintura. A segunda possibilidade, talvez

um pouco menos remota, é a de que Lazzarini tenha pintado alguns quadros de devoção, da

mesma maneira como utilizou esse suporte no Batismo de Cristo em Nova Palma. Quadros

que foram, possivelmente, mais tarde removidos da igreja, e, conseqüentemente, perdidos. Em

todo, caso são apenas hipóteses possíveis de serem investigadas, numa pesquisa que tente

localizar e resgatar as experiências de Lazzarini, no gênero da pintura de cavalete.

273 Cf., anotações do Livro Caixa Matriz 1957 - 1971. Casa Paroquial da Igreja de Santo Antônio – Silveira Martins (destaque do autor):

29 de Março de 1958: 40.000, 00 23 de Abril de 1958: 450, 00 14 de Junho de 1958: 60.000, 00 20 de Setembro de 1958: 79.550, 00 de quadros pintados: 14.000, 00 vias sacras – portas etc.: 2.000, 00 tintas: 507, 00

Page 197: 1-dissertação

181

Após conclusão dos trabalhos na Igreja de Santo Antônio em Silveira Martins, tendo

um currículo de cinco igrejas pintadas na região da Quarta Colônia, Lazzarini seria contratado

para realizar a pintura da Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria. É possível

que para a escolha do pintor, fosse providencial a amizade de longa data, mantida entre

Lazzarini e o cônego Librelloto274 de Santa Maria que nesta época se encontrava a serviço da

paróquia de Nossa Senhora das Dores. Em outubro de 1958, Lazzarini provavelmente, já se

encontrava trabalhando em Santa Maria, conforme podemos deduzir do relatório sobre as

condições da igreja, assinado pelo bispo Dom Luiz Victor Sartori, em visita pastoral realizada

em 28 de dezembro de 1958:

“[...] na Igreja Matriz, que está sendo decorada e pintada no interior e [...]* na construção da fachada, terminamos as alfaias o tabernáculo e a pia batismal encontrando tudo em boa ordem.” * Palavra ilegível no texto original. (Livro do Tombo, tomo I, folha 81, de 28/12/1958. Casa Paroquial da Igreja de Nossa Senhora das Dores, Santa Maria, RS).

Mais adiante, no mesmo livro, temos um texto redigido pelo próprio cônego

Librelotto, o qual descreve, aproximadamente, a época de conclusão da obra: “Devido aos

trabalhos de pintura, a festa não se fez em setembro, mas em novembro, quando tudo

estivesse pronto. Dias 12, 13 e 14 houve tríduo preparatório [...]”275 A partir da data de

redação desse texto, pode-se perceber que o tempo decorrido entre o início e o final da

pintura, é de aproximadamente um ano, um dos mais longos, comparado ao tempo de

execução gasto em cada uma das outras igrejas da região. Essa longa permanência de

Lazzarini em Santa Maria pode ser explicada tanto em razão das grandes dimensões dessa

igreja, como também por questão da necessidade de encontrar certa estabilidade familiar. Em

21 de Junho de 1958, havia nascido Leda, o segundo filho de Lazzarini. O pintor, então,

desejando se manter mais próximo dos familiares, decide transferi-los de Caxias do Sul para

Santa Maria. O que ocorre em outubro do mesmo ano.

Em 1959, Francisco, o primeiro filho de Lazzarini, alcança a idade escolar, mas

encontra sérias dificuldades em ser aceito nos colégios católicos de Santa Maria, devido ao

fato de que os pais não eram casados pelo rito religioso. Isso faz com que o casal Angelo

Lazzarini e Itália Andrizzi decida oficializar o matrimônio naquele local que,

temporariamente, seria o local de trabalho do pintor: a Igreja de Nossa Senhora das Dores.

274 Trata-se da mesma pessoa da qual Lazzarini recebeu uma foto com dedicatória de amizade, em 1941.}

275 Livro do Tombo, tomo I, folha 82, de 15/11/1959. Casa Paroquial da Igreja de Nossa Senhora das Dores, Santa Maria, RS.

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182

Durante a fase final de execução destes murais em Santa Maria, Lazzarini foi

procurado por Orlindo Zamberlan, representante da comunidade de Vale Veronês. Este último

fornece o seguinte relato que ilustra o tipo de relação entre os contratantes e o pintor, nos

casos em que se dispensava a divulgação, e a escolha baseada em orçamentos apresentados

através de uma concorrência.

“- Aquela vez o pessoal dizia, como é que nós vamos pintar? E agora o pintor? Eu disse: mas olha eu não sei, mas como nós já fomos ver que ele estava pintando já nas Dores, mas digo olha o Lazzarini é um pintor! [diz ele enfatizando esta qualidade]. Olha! chamemos o Lazzarini! E daí saí de condução, fui lá, falei com ele. Falei pra ver se ele tinha tempo. Ele me disse: Olha! Venha daqui uns quinze dias. Daí uns quinze dias, peguei e fui lá de novo e ele disse: - Não, Então eu vou lá! Então ele veio ver aqui e depois ele veio começar a pintura” (Orlindo Zamberlan (* 14/10/1918). Em depoimento gravado pelo autor em 21/08/1999 na localidade de Vale Veronês).

Zamberlan, no entanto, não sabe precisar a época do início da pintura, mas ao se

considerar que Lazzarini termina a pintura da Igreja de Nossa Senhora das Dores na metade

de dezembro de 1959, é bem provável que o início da pintura, da Igreja de Nossa Senhora

do Monte Bérico, tenha se dado no início do ano de 1960.

Neste caso, também, pode-se notar que, diferentemente de outros locais onde a

escolha era determinada pelo critério do custo financeiro, nesta pequena comunidade, ao

contrário, parece ter sido decorrente por uma espécie de experiência agradável, diante da obra

do pintor. Onde um representante da parte interessada, devido à boa impressão que lhe

causara a observação in loco de uma pintura de Lazzarini, convence o grupo a contratar este

pintor.

A importância das amizades que Lazzarini mantinha nos círculos eclesiásticos, e o

crescente número de obras nesta região também facilitavam novos contatos de comunidades

distantes, interessadas em suas pinturas. Em 1960, têm-se o exemplo de uma pintura realizada

fora da região da Quarta Colônia, onde intervém a figura do padre Antônio Soldera, de Dona

Francisca. Este religioso que conheceu Lazzarini durante a pintura da Igreja de São José em

Dona Francisca, mais tarde, ao ser transferido para a região de Getúlio Vargas (RS), resolve

chamar o mesmo pintor para realizar a decoração da Igreja Matriz desta cidade. O que

motivou Lazzarini, em 1960, a mudar-se com a família, novamente, para a cidade de Caxias

do Sul, localização que facilitava suas viagens para aquela nova região de trabalho.

Em 1961, Lazzarini decide voltar a Santa Maria, local onde permanece somente nos

dias de folga, pois, dessa vez, ele passa a deslocar-se para jornadas semanais até a cidade de

Novo Treviso, onde inicia a pintura da Igreja de São Marcos. Ao se observar os registros das

contribuições desta última comunidade, para o pagamento da nova pintura da igreja, percebe-

Page 199: 1-dissertação

183

se que este gesto além de denotar um grande esforço motivado pela crença religiosa comum,

parece fornecer indícios de uma época de relativa prosperidade econômica do povoado. Que

se torna contrastante quando comparada à atual situação de Novo Treviso, cidade que, desde

então, passou um período de progressivo êxodo e decadência econômica, de modo que hoje

restam apenas poucas famílias, num local com muitos casarões abandonados que, contribuem

para o atual aspecto de cidade fantasma.

Apesar da cena da Santíssima Trindade desta igreja ser datada de 1961, o livro tombo

indica que a inauguração e o pagamento da pintura só se dariam no ano seguinte, em 1962,

conforme a seguinte anotação:

“Aos vinte e nove de abril foi feita a festa de São Marcos, padroeiro da paróquia. O dia foi belo e os festejos esplêndidos. Na mesma ocasião foi inaugurada e benta a nova pintura da igreja, foram escolhidos cinco padrinhos, sendo que ocupam o primeiro lugar a Empresa Tritícola de João e Ângelo Soldera com oferta de cr$ 45.000,00. Em segundo lugar destaca-se a família de Luiz Soldera com oferta de 40.000,00. Em terceiro lugar veio o Sr. Pio Ceolin e Irmãos com a importância de 21.000,00. Em quarto lugar, José Ceolin com 15.000,00 e finalmente Antônio Busatto com a oferta de 14.000,00. O resultado da festa foi consolador, pois entre o lucro e as ofertas dos padrinhos da pintura, obteve-se a importância de 210.000,00 ( duzentos e dez mil cruzeiros)” (Livro do Tombo 1953/..., folha 27, 24/04/1962. Casa Paroquial da igreja de São Marcos, Novo Treviso, RS)

Através disto, é possível identificar o uso de uma estratégia muito comum para

captação de recursos; o incentivo à competição entre as famílias detentoras de maior poder

econômico na comunidade, de modo que a busca do status social, decorrente do destaque

público concedido ao nome da família, acaba, naturalmente, por incentivar a melhor oferta.

Apesar disso o dinheiro arrecadado não parece ter sido suficiente, e é possível perceber certo

nível de desentendimento entre os padres e o pintor através de outro comentário:

“Acerto do pto. da pintura da igreja com o pintor. A fim de combinar efetivamente o preço da pintura foi chamado o Sr. Ângelo Lazzarini, o qual reduziu o custo da mesma de 410.000,00 para trezentos e sessenta mil cruzeiros sobre o total por ele estipulado, o que pareceu demasiado já que a pintura foi muito simples e por não ter apresentado as notas da compra das tintas, que no dizer dele, teria gasto mais de 80.000,00, o que não seria verdade”. (Livro do Tombo 1953/..., folha 27, 24/04/1962. Casa Paroquial da igreja de Santo Antônio, Novo Treviso, RS)

Nota-se que as dificuldades de negociação parecem decorrer tanto na falta de acordo

quanto ao valor estipulado, quanto da qualidade da pintura. É possível que o padre da época

tivesse um gosto estético mais exigente em relação aos outros locais em que Lazzarini tenha

trabalhado. Mas mesmo assim a qualificação, de obra “muito simples” é exercida por

comparação ao preço, e, portanto, não é conclusiva enquanto manifestação real do gosto

frente à qualidade artística, pois pode tratar-se de uma avaliação circunstancial, onde a

desqualificação era motivada, em princípio, pela necessidade de demonstrar que a quantia

cobrada era injustificável.

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184

Ainda quanto à questão do valor monetário, também pode ser que nesta época,

Lazzarini, já gozando de certo reconhecimento, pelas obras executadas na região, e,

certamente, sentindo-se valorizado por ter executado em período ainda recente a pintura de

uma importante igreja de Santa Maria, ao voltar para a região interiorana tivesse aumentado o

valor dos honorários. Desse modo, pelos lucros de apenas uma festa paroquial os padres já

não poderiam obter o suficiente para pagar todo o período de trabalho do pintor, caso

diferenciado do que acontecera em Silveira Martins. Apesar disso, pode-se notar que

Lazzarini não parece intransigente e reduz o preço em Cr$ 50.000,00, diante do que pode-se

acreditar que o primeiro preço fizesse parte de uma estratégia comum em negociações deste

tipo, onde o preço final é na verdade o valor pretendido em princípio. Mas ao se considerar o

depoimento de Amábile sobre a inaptidão de Lazzarini ao tratar da remuneração do serviço,

existe a possibilidade de que devido ao reconhecimento regional que alcançava, após ter

trabalhado em cidades maiores, somado à ausência de concorrentes do porte de Locatelli na

região, Lazzarini sentira-se, finalmente, com liberdade para aumentar o preço de seu trabalho.

Mas, pressionado pela resistência de seus contratantes em aceitar tal remuneração para o

trabalho de um pintor, teve que reduzir o montante exigido.

Logo após a obra de Novo Treviso, Lazzarini trabalha na Igreja de Nossa Senhora

do Caravaggio, localizada em uma pequena comunidade do interior do município de Ivorá.

Nesse local, onde permanece durante o período de um mês e meio, contrata Juventino

Barbieri como ajudante para as obras da Igreja de São José, localizada na cidade de Ivorá.

Barbieri conta que, durante o período de trabalho na Igreja de Sítio Alto, Lazzarini tivera um

derrame e perdera a visão de um olho. Coincidentemente nesse local encontramos uma obra

executada com linhas bem mais simplificadas, o que pode ser em parte explicado, também,

por causa de um necessário período de adaptação a esta limitação imposta pelas condições

físicas. Logo depois, eles viriam a trabalhar na Igreja Matriz de Ivorá. Neste último local já

encontramos uma obra de qualidade condizente com as demais, anteriormente realizadas em

igrejas de cidades de mesmo porte ou maiores que Ivorá.

No Livro do Tombo da Matriz de São José (Ivorá), encontram-se algumas notações da

época, que tratam do período de início da nova pintura, textos que, além de trazerem as

informações relativas aos trabalhos, buscam salientar a importância do pintor contratado:

“Reforma da Matriz de Ivorá – 19 /07/1962 – Foi iniciada a reforma da Igreja Matriz: ampliação, novas sacristias, nova pintura pelo célebre: Sr. Ângelo Lazzarini. Todos os paroquianos foram convidados para colaborarem para a realização das reformas.” (Livro do Tombo -1960 -1973, folha 13, de 29/07/1962, assinada pelo Padre Benjamin Copetti - Casa Paroquial da Igreja de São José, Ivorá, RS)

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185

O destaque dado ao pintor é repetido em um texto seguinte do mesmo livro que trata

daquilo que acreditamos ser a quantia gasta no total das reformas, entre as quais se inclui o

serviço de pintura. Mesmo assim é uma quantia significativa, e é provável que Lazzarini

realmente tenha cobrado um pouco mais do que o serviço realizado na Igreja de São Marcos

de Novo Treviso; obra de espaço físico semelhante. Mas, nesse caso, não são registradas

críticas ao trabalho do pintor, e, sim, apenas uma constatação dos gastos efetuados:

“Com as grandes reformas da Igreja e toda a nova pintura que está realizando o afamado pintor italiano Ângelo Lazzarini, já foi entregue uma importância como pagamento de 2.303,720 dois milhões trezentos e três mil setecentos e vinte cruzeiros, importância que necessitou fazer um empréstimo de quinhentos e seis mil e seiscentos e nove cruzeiros importância que a igreja ficou devendo este ano.” (Livro do Tombo, 1960 - 1973, folha 21. Assinado por Padre Benjamin Copetti. Casa Paroquial da Igreja de São José, Ivorá, RS).

Neste caso é possível acreditar, que o padre se sentisse confortado, por que a vultosa

quantia gasta nas reformas, fosse em parte compensada, pela importância do artista que ele

havia contratado para decorar a igreja de sua comunidade.

Na metade do ano de 1963, Lazzarini e o auxiliar, se deslocam, novamente, para Santa

Maria, onde ele vêm a trabalhar na Igreja de Santa Catarina. Esta pintura, com cores mais

sóbrias e formas mais simplificadas, diferencia-se dos trabalhos anteriores pelo predomínio de

padrões decorativos não-figurativos, como os que, atualmente, recobrem o teto. E, conforme

depoimento de uma moradora local, algumas paredes laterais “[...] tinham arabescos, mas o

padre tirou”276. Nesse local, também, foi pintada uma série de imagens de apóstolos na parte

mais elevada das laterais da nave central. Estes personagens também se diferenciam de outras

pinturas anteriores, por terem sido todos realizados dentro de poucas variações de uma

tonalidade de marrom avermelhado. Neste caso a única anotação encontrada a respeito da

pintura trata, exclusivamente, dos valores financeiros envolvidos:

“Em Dezembro fica pronta a pintura da Igreja executada pelo Sr. Amadeu (sic) Lazzarini, custou Cr$ 750.594,00 assim discriminados: mão de obra do artista Cr$ 610.000,00, tintas, materiais e serviços Cr$ 140. 594,00” (Livro do Tombo I, folha 98, outubro de 1963. Casa Paroquial da Igreja de Santa Catarina, Bairro Itararé, Santa Maria, RS)

Neste caso, porém, não há parâmetros para julgar se o preço cobrado era realmente

elevado para a época. Pois no caso de Ivorá não se pode ter certeza de qual parcela do preço

mencionado se refere aos gastos com a pintura. Resta, no entanto, o caso anterior da Igreja de

São Marcos, na qual Lazzarini recebeu uma quantia que corresponde a quase metade do valor

recebido neste caso, mas, nesse contexto seria necessário considerar uma diferença de tempo

276 Cf., depoimento espontâneo de Teresinha Borin, moradora do Bairro Itararé, registrado pelo autor em 24 de novembro de 1999.

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186

de aproximadamente dois anos, que pode invalidar a comparação. Mas, considerando que

Lazzarini voltava a executar trabalhos em uma cidade de maior porte, é provável que ele

pudesse cobrar valores mais elevados do que aqueles das cidades menores. Mesmo que, neste

local, ele não fosse tão conhecido (como se pode notar pelo erro na grafia do nome do pintor)

ou considerado tão célebre, quanto havia se tornado nas outras cidades de menor porte, dessa

região.

3.6 Visualidade Regional e Expectativas

Até o início dos anos 50, a sociedade da Quarta Colônia ainda se ressentia,

indiretamente, das conseqüências da Segunda Guerra Mundial através da desorganização

subseqüente, pois ainda ocorriam atrasos nas entregas do correio, numa época, em que poucos

tinham acesso aos meios de informação em geral, e até o rádio ainda era um recurso acessível

apenas às famílias mais abastadas. Com relação à informação visual ocorria algo semelhante,

pois poucos eram os jornais e revistas da época; os principais meios de divulgação de imagens

em uma era anterior à popularização das transmissões televisivas e os demais recursos

tecnológicos, hoje vulgarizados. Uma das principais revistas de orientação cristã, na região,

era a Rainha dos Apóstolos, publicada em Santa Maria pela gráfica da Congregação Palotina.

Mas, mesmo nessa revista, a maioria das fotos e das ilustrações religiosas publicadas,

enquadra-se mais no gosto tradicional, de influencias clássicas e suas derivações,

normalmente, permeadas pela expressão kitsch.

Conforme o Padre Luizinho Sponchiado, pesquisador do processo de formação

histórica da Quarta Colônia, o pós-guerra foi um período em que a igreja, em geral, começava

a questionar seu papel na sociedade, pois apesar de conseguir congregar um numeroso

séquito, e de toda a influência e grandeza milenar, havia se demonstrado impotente para evitar

dois conflitos mundiais de proporções jamais vistas na história humanidade, tendo em vista

que, em sua busca de pregar a importância dos sacramentos, relegara à segundo plano o

esforço de pregar a paz e o amor entre os homens. Nascia a consciência da necessidade de

mudanças profundas na orientação da Igreja. Mas aos poucos também se retomava o espírito

de esperança após a destruição277. Pelo menos nesta região pode-se deduzir que este espírito

de renovação parece ter se manifestado também materialmente, através das várias reformas e

obras de decoração efetuadas nas igrejas, no período que vai de meados da segunda metade da

década de 50 até a primeira metade dos anos 60.

277 Cf., Pe. Luiz Sponchiado (pesquisador do processo de imigração e formação histórica da região da Quarta Colônia), em resposta à entrevista não estruturada, realizada em Nova Palma, em 21 de outubro de 1999.

Page 203: 1-dissertação

187

Um exemplo do espírito de renovação, vigente no pós-guerra, é o que viria atingir as

regras fundamentais da Instituição Religiosa, resultando no Concílio Vaticano II, concluído

em 1965. Após esse Concílio, volta a ocorrer um período muito conturbado, para que se

realizassem novos empreendimentos arquitetônicos devido, sobretudo, à confusão gerada

pelas novas orientações. Pois, além do surgimento da “liturgia renovada”, que previa algumas

mudanças na ocupação do espaço interno da igreja de maneira a exigir criações novas dos

futuros arquitetos e artistas, também houve uma mudança de orientação filosófica, ou um

questionamento quanto à necessidade real destas novas construções religiosas, sendo que “[...]

uma das idéias que surgiram depois do Concílio Vaticano II foi esta: não se deve gastar

dinheiro na construção e decoração das igrejas, diminuindo com isso as possibilidades de

resolver problemas assistenciais e sociais” (SCHUBERT, 1987, p. 21).

Nesse breve intervalo anterior ao Concílio e que corresponde a um período de

florescimento da arte mural na região da Quarta Colônia, o espírito de renovação material que

atinge as igrejas parece não se estender, em nível de modernização iconográfica. Ao que tudo

indica isso ocorre devido à conjugação de fatores mais amplos, como o isolamento

geográfico, a deficiência de meios de divulgação visual das produções plásticas dos grandes

centros, assim como a outros fatores mais restritos a esse caso, tais como: a influência do tipo

formação no qual foram moldados os pintores que atuaram na região e o nível de expectativa

da sociedade que patrocinava as pinturas. A partir disso, se configura essa situação na qual

não parecia haver um ambiente propício, ou necessidade real de rupturas com a tradição278,

que até então era preservada através de reproduções gráficas de imagens patéticas dos

Sagrados Corações de Maria e de Cristo, ou ainda das Madonas de inspiração clacissizante.

Essas imagens, características da visualidade regional, partilhavam de uma espécie de

onipresença e podiam ser encontradas, praticamente, em todos os principais ambientes de

vivência social; na igreja, na família e mesmo no ambiente escolar, onde desde cedo

participavam da formação cultural, vindo a influenciar o gosto e os padrões daquela geração.

Um exemplo de ambiente permeado por estas imagens é descrito por Rosemar Piovesan, ao

estudar os antigos sistemas de ensino da região de Nova Palma. De acordo com essa

pesquisadora dos sistemas de educação dos colonizadores da Quarta Colônia, até meados da

278 Ao estudar algumas pequenas cidades interioranas da Itália do século XV, Ginzburg. (1989, p.35) destaca uma situação que parece guardar algumas semelhanças com nosso caso. Pintores itinerantes que trabalharam no Vercellese entre 1450 e1470, ao realizar a pintura do oratório de São Bernardo em Gattinara “retomam com variações mínimas modelos que talvez remontem aos últimos decênios de Trezentos”. O historiador, também, observa que na situação de autoconsumo artístico daquelas sociedades o incentivo à inovação era praticamente nulo, de forma que os pintores vercelenses podiam “fazer uso de modelos bastante antigos sem correr o risco de iludir as expectativas de um público que não tinha a capacidade de confronto” (p. 35).

Page 204: 1-dissertação

188

Figura 139 Alfredo Faggi: Pietá. s.d. Foto de obra reproduzida na revista Liturgical Arts em agosto de 1957. Imagem: Arquivo da Família Lazzarini

década de 30, ainda persistia um sistema de ensino de

iniciativa popular, a scuola serale, onde alunos

adultos que não tiveram acesso a escolas públicas

contratavam professores para aulas noturnas; e essas

aulas que tradicionalmente iniciavam com uma

oração, eram, normalmente, ministradas no interior

de salas, onde se situavam os fogolaros279; um

ambiente em cujas paredes “sempre havia quadros de

santos, a santa ceia ou outros santos de devoção”

(PIOVESAN, 1993, p. 51).

Para se compreender os motivos da ausência

de influências modernistas na obra de Lazzarini, mais

uma vez é esclarecedora a comparação com a obra de

outros pintores do período. Locatelli, por exemplo,

iniciou sua obra muralista no Brasil, em 1948, a

partir da Catedral de Pelotas, cidade de expressivo

número populacional no contexto do Rio Grande do

Sul. Mais tarde, em 1954 mudou-se para a capital,

Porto Alegre, aonde veio a trabalhar como professor

do Instituto de Artes, atividade que, certamente, lhe

proporcionou um intenso contato com as inovações que ocorriam nas artes plásticas. Já no

caso de Lazzarini, observa-se que este inicia clandestinamente sua atividade no Brasil, em

contexto diferenciado, pois com exceção de Bento Gonçalves e de Santa Maria, podemos

dizer que a maior parte da sua obra foi desenvolvida, basicamente, em cidades de menor

porte, onde, possivelmente, as inovações da modernidade ainda eram assunto, no mínimo,

pouco discutido.

Apesar de Lazzarini ter utilizado o serviço de auxiliares, não se conhece o caso de que

ele tenha exercido atividades pedagógicas, mesmo aquelas não relacionadas ao ensino oficial,

tais como aulas particulares de pintura, de tal maneira que ele não parece ter sido confrontado

com nenhuma situação em que houvesse uma necessidade real para questionamentos ou

279 Fogolaro: Fogão primitivo, comumente, localizado em uma sala construída especificamente para este fim, constituindo desta forma um ambiente característico da antiga arquitetura da imigração italiana na região. Esse tipo de construção normalmente se situava num espaço afastado da habitação, com a finalidade preventiva de evitar incêndios.}

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189

reciclagem de sua técnica. Apesar disso, não é verdade que ele desconhecesse as inovações

que começavam a ganhar espaço nas artes religiosas, prova disso são os arquivos que

demonstram parte da literatura especializada e das imagens a que ele teve acesso. Um

exemplo que se pode destacar é uma imagem da Pietá (Figura 139), com linhas fortemente

estilizadas, encontrada na revista Liturgical Arts, de agosto de 1957, localizada em seu

arquivo particular. Mesmo considerando uma possível defasagem de tempo até que Lazzarini

tivesse acesso a essa publicação, nota-se que ele não parece absorver essas influências em um

tema com semelhança iconográfica como A Deposição de Cristo, realizada na Igreja de

Nossa Senhora das Dores, em 1959, ou mesmo em qualquer outra imagem subseqüente. O

que leva a crer que, além da influência do gosto pessoal do artista, moldado pela formação

tradicional e consolidado pelos anos de exercício, que se prolongaram até sua maturidade

artística, também não havia, ainda, de outra parte, um ambiente propício que comportasse tais

experimentalismos.

Com relação às exigências encontradas nesse contexto regional, Lazzarini parece ter

realizado um trabalho que correspondia à expectativa de seus contratantes, com exceção das

críticas registradas, em Bento Gonçalves, onde, mesmo assim, o padre mesmo contrariado

reconhece que a obra teria “agradado em geral”280. Nas cidades menores, o público parecia

confortado em reencontrar na igreja o mesmo padrão dos quadros familiares de devoção com

os quais a maioria dos fiéis havia crescido em convivência cotidiana. Principalmente ao se

considerar que a escolha dos temas era uma tarefa que dependia da decisão do padre e das

famílias que patrocinavam essas pinturas281.

Qualquer tentativa de inovação, certamente, teria que se defrontar com o gosto

dominante do clero, apoiado em sua interpretação da legislação sobre arte sacra, além da

reação do público acostumado às formas da imaginária piedosa herdeira do espírito da Contra-

Reforma que ainda preenchiam as igrejas. Mesmo no caso de Aldo Locatelli que trabalhou em

280 Cf., Livro do Tombo I, folha 71 v. e folha 72, s.d. [1945], localizado na Casa Paroquial do Santuário de Santo Antônio, Bento Gonçalves, RS: "Em fins do ano de quarenta e quatro iniciou-se os trabalhos de pintura da matriz pelo pintor Ângelo Lazzarini, concluindo os trabalhos em princípios de outubro deste ano. Os trabalhos agradaram em geral, porém os críticos sempre encontram o que contradizer". Em registro efetuado pelo vigário Adolfo Luiz Pedrizzi. 281 Severino Bellinaso, atual diácono da paróquia de Ivorá, cuja família abrigou Lazzarini durante a realização da pintura da igreja matriz, diz que “as pinturas eram estudadas em comum” pelo padre e o pintor, mas cabia ao padre “dar as orientações sobre o tipo de pintura que queria para a igreja”(entrevista realizada em 08/08/1998). Dorvalino Rubin (sacerdote atuante durante a época das pinturas de Lazzarini na região) diz que era função do padre localizar os modelos das pinturas que queria para sua igreja, e que este procurava por santinhos inclusive “junto às famílias da comunidade” (entrevista realizada em 26 de junho de 1998). Fiorello Orlandi (auxiliar de Lazzarini no período de 1957 a 1958) diz, definitivamente, que “Lazzarini não escolhia os santos” (entrevista realizada em junho de 1998).}

Page 206: 1-dissertação

190

cidades maiores e, possivelmente, mais propensas a inovações, constata-se que a influência

modernista na pintura religiosa foi relativamente tardia. Pois, ocorre, principalmente, através

da Via-Sacra realizada em 1958 para a Igreja de São Pelegrino de Caxias do Sul, na qual

grande parte da liberdade de que o artista se investe, provavelmente, advêm do fato de ele ter

realizado essa obra em seu ateliê, distante do local definitivo. E, portanto, distante da

observação e da fiscalização direta, por parte do clero e do público, como, normalmente,

ocorre quando o artista executa uma obra diretamente no local de culto. No caso de se

considerar a experiência pioneira de Portinari em Pampulha, realizada na metade da década de

40, nota-se que ela só seria aceita pela igreja a partir de 1959, configurando em um exemplo

notável da situação, normalmente, enfrentada por estes pintores, mesmo no final da década de

50. A partir disso torna-se mais fácil compreender a cautela demonstrada por Lazzarini, pintor

cujo suporte financeiro, nessa época, dependia, quase exclusivamente da atividade de pintura

mural realizada em igrejas.

O destaque anteriormente dado à diferença de contexto entre as cidades mais

populosas que se instauram como centros regionais, e as cidades menores em que Lazzarini,

normalmente atua, também é útil para tentarmos compreender alguns dos possíveis motivos

do “retardamento” das influências modernistas nesse último meio. Embora, não se tratem de

regras ou conceitos possíveis de serem aplicados, inescrupulosamente, em contextos

diferentes daqueles nos quais foram originalmente identificados. Encontramos, neste caso,

algumas semelhanças com a situação destacada por Carlo Ginzburg ao estudar a produção

artística de pequenas cidades interioranas da Itália, no período correspondente ao intervalo

entre o século XV e o século XVIII. Caso em que o historiador discute a existência de um

retardamento entre o estilo vigente na periferia, quando comparado com as formas estilísticas

que estariam em evidência nos centros maiores, durante o mesmo período. Fenômeno que

pode ser, grosso modo, resumido como uma manifestação da tendência freqüentemente

observável, na qual:“[...] se o centro tende a configurar-se como lugar de inovação artística, a

periferia correlativamente, tende a configurar-se (embora nem sempre) como lugar de atraso”

(GINZBURG, , 1989, p. 33).

A situação de retardamento, que ocorria naquele contexto específico da arte italiana,

era por vezes prolongada pela ação de pintores itinerantes que se dedicavam à decoração de

oratórios campestres e de igrejas de pequenas cidades. Atividade, por vezes, exercida por

pintores de renome que, após trabalharem nos grandes centros, não conseguindo acompanhar

o ritmo das exigências ou inovações em sua área: “[...] de um momento para outro se viram à

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191

Figura 140 Detalhe de decoração mural da paredelateral direita do presbitério, 1964. Catedral do Divino Espírito Santo, Cruz Alta, RS.

margem do mercado artístico”282. Ginzburg também

destaca que, por vezes, é possível um atraso de vários

séculos na produção dita “popular”, apesar de ressalvar

por prudência acadêmica que o nexo centro-periferia

nem sempre pode ser visto como materialização de

uma relação invariável entre inovação e atraso, mas

sim, de uma relação: “[...] móvel sujeita a acelerações e

tensões bruscas ligadas a modificações políticas e

sociais não apenas artísticas” (GINZBURG,1989, p.

37).

No caso da produção de Lazzarini, pode-se

observar certo retardamento que se dá pela preservação

de padrões semelhantes a modelos oriundos,

principalmente, de épocas anteriores ao século XVIII.

Mas, a partir desse fato, não se pode concluir

necessariamente pela pura e simples constatação da

existência de um atraso linear e multissecular entre esta

produção latino-americana e os seus antigos modelos europeus. Para tanto, não basta

comparar as formas dominantes dessa produção muralista religiosa com congêneres

realizados em espaço públicos de edifícios laicos, ou mesmo com a produção artística

presente nos museus, na mesma época. Nesse caso, tem-se uma situação específica de uma

arte realizada a serviço da propagação de ícones de uma instituição religiosa, apegada aos

modelos da tradição ocidental, com regras ideológicas seculares e, que nesse momento

parecia ainda apreensiva e, em conflito com as idéias modernas de renovação. Situação

totalmente diferenciada dos ambientes laicos onde se desenvolvia a maior parte das inovações

artísticas da época.

Devido a essas características da obra de Lazzarini, optou-se neste trabalho pela

comparação com obras realizadas em ambiente semelhante, a partir do que foi possível

perceber que a persistência dos padrões tradicionais não constituía uma exceção, mas, até

certo ponto, uma regra na produção artística religiosa, pelo menos até a Segunda Guerra

282 Cf. Ginzburg (1989, p. 34), este foi o caso de Perugino, que após participar de uma concorrência em Florença por volta de 1505, devido às críticas exercidas pelos novos pintores colegas e rivais, decide transferir-se para o condado da Úmbria. Pois “[…] é na periferia que o pintor é obrigado a refugiar-se para poder continuar a trabalhar e a receber encomendas para uma produção que no centro deixou de satisfazer” (p. 34).

Page 208: 1-dissertação

192

Mundial. Depois disso, houve um período de experiências modernistas mais intensas, que

foram divulgadas a partir dos anos 50, sendo que, no Brasil, a aceitação das novas formas

artísticas só ocorre nos últimos anos dessa mesma década. Fase a partir do qual se pode,

finalmente, caracterizar o retardamento efetivo da produção de Lazzarini em relação a ao

muralismo religioso de outros pintores brasileiros atuantes no período. Pois, nota-se que esse

pintor mesmo tomando conhecimento das inovações que ocorriam, por diversos motivos ora

pessoais, ora ligados ao contexto, permanece, relativamente, alheio às experiências

modernistas na prática da pintura, até o final da produção muralista, em 1964.

Certamente, não se pode prever qual o encaminhamento que Lazzarini daria a sua

figuração caso sobrevivesse após o Concílio Vaticano II. Mas, suas ultimas obras realizadas,

na Igreja de Santa Catarina, em Santa Maria (1963) e na Catedral do Divino Espírito Santo,

em Cruz Alta (1964), apontam uma contínua redução de importância das figuras, que tendem

à monocromia, em contrapartida a uma reforçada valorização dos motivos simbólicos e dos

padrões decorativos geométricos que passaram a preencher a maior parte dos espaços da

igreja (Figura 140).

3.7 Questões de Estilo

Após a análise das influências iconográficas, dos detalhes relativos às técnicas, e de

algumas das questões históricas que dizem respeito ao significado desta produção visual em

relação à sociedade na qual foi desenvolvida, foi alcançada esta parte do estudo, na qual se faz

necessário o complemento de uma análise crítica. Isto é o que se pretende realizar a partir do

conhecimento atual em relação à obra de Lazzarini, tomando como ponto de partida alguns

elementos formais e expressivos que consideramos mais freqüentes em sua obra, e que por

aproximação permitem definir características fundamentais do que poderíamos denominar: o

estilo de Lazzarini.

Para este intento, tomamos como base uma definição aproximada do que neste caso,

entendemos por estilo. Apesar desta palavra evocar sentidos diversos, em decorrência dos

diferentes campos epistemológicos em que é utilizada. Servindo por vezes no vocabulário de

alguns críticos como termo valorativo da qualidade de determinado pintor (para afirmar que

determinado artista têm ou não estilo), ou como o padrão característico de objetos artísticos,

que permite um arqueólogo estabelecer relações entre uma obra e a cultura de um

determinado período. Entre outras atribuições possíveis ao termo, foi selecionada uma das

interpretações fornecidas por Schapiro:

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193

“Para o historiador da arte, o estilo é um objeto essencial de investigação. Estuda aquele, suas correspondências internas, sua formação e mudança. O emprega também como critério para determinar o tempo e lugar de origem das obras, e como meio de estabelecer relações entre escolas de arte”. (SCHAPIRO, Meyer. Estilo. Buenos Aires: Ediciones 3, 1962, p. 08.)

Apesar deste historiador afirmar que não existe em relação ao estilo um sistema de

análise estabelecido, uma vez que os autores em função do ponto de vista que adotam, optam

ora por enfatizar um ou outro aspecto da arte, no geral as análises geralmente recaem sobre

três aspectos, que podem ser resumidos como: Elementos das formas, nos quais se destacam

aspectos do tema, do material e da técnica. Relações das formas, que abrangem características

dos traços formais e as diferentes combinações desses elementos, e as Qualidades, entre as

quais se inserem características da linguagem e expressão. Considerando que no capítulo

precedente, deste estudo, já foram analisados alguns itens da técnica, e diante da

impossibilidade de se executar uma análise que abrangesse todos os caracteres mais comuns

de uma análise de estilo, optou-se pela seleção de alguns aspectos deste conjunto que buscam

enfatizar características resumidas sob os termos: Tema, Forma e Expressão.

3.7.1 Tema

Como complemento à série de pequenas análises desenvolvidas no decorrer do

primeiro capítulo, neste ponto passa-se a destacar, em uma macro-análise, algumas

características dos motivos temáticos trabalhados por Lazzarini. Além do que, tenta-se

esclarecer algumas das situações decorrentes dos aspectos culturais da sociedade em que esta

obra foi desenvolvida, no intento de fornecer algumas pistas que possam ajudar na

compreensão de algumas das imagens e narrativas mais freqüentes da obra deste pintor.

A) Temas da tradição familiar

Apesar das representações de temas marianos, baseadas em cenas neotestamentárias,

não serem tão freqüentes na obra de Lazzarini, quando vistas sob passagens específicas, nota-

se que ao ser considerada a totalidade das representações de Maria, na qual se contabilizam

também as diversas invocações derivadas da presença da Virgem nas visões populares, esses

temas variados formam um conjunto bastante numeroso. Entre as várias obras se destacam

como exemplo as seguintes denominações temáticas: Nossa Senhora do Carmo na Igreja de

Nossa Senhora das Dores; Nossa Senhora de Fátima nas igrejas de São Roque e de Santo

Antônio; e Nossa Senhora da Imaculada Conceição na igreja da Santíssima Trindade. Na

avaliação do contexto cultural em relação à variedade e a freqüência das representações de

Maria, e do tema da Sagrada Família, na obra de Lazzarini, é possível destacar algumas

Page 210: 1-dissertação

194

situações que podem favorecido à aceitação e o fortalecimento de uma extensão entre a

imaginária religiosa familiar e a nova decoração religiosa.

Nota-se que, a devoção mariana era uma característica marcante da religiosidade

familiar nesta região de colonização italiana. Conforme Silvino Santin, uma possível

explicação para esse fenômeno cultural pode ser encontrada no paralelo existente entre essa

veneração e o papel representado pela mãe nessas famílias tradicionais. A mãe, era a figura

que mais diretamente se encontrava presente junto aos filhos, o que proporcionava o

estabelecimento de vínculos afetivos mais intensos, ao contrário da figura do pai que se

afastava de casa devido às exigências do trabalho:

“[…] esta onipresença da mãe dentro de casa espelha-se na vivência religiosa. É possível aceitar que la mamma reproduz a figura da Virgem Maria, la madonna; o papel desempenhado por Maria nas práticas e devoções religiosas parece estar encarnado pela “mamma” no convívio familiar.” (SANTIN, Silvino. In: Silveira Martins: Patrimônio Histórico Cultural. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana, 1990, p.16)

A partir disso, é possível de se admitir que também o contrário, pelo menos em parte,

ocorresse, e que estas pessoas tivessem com relação à figura de Maria, uma atitude religiosa

pautada numa relação de afetividade semelhante àquela que dedicavam à figura da mãe em

suas famílias.

Estes aspectos sociológicos podem lançar luzes também sobre o fato da recorrência do

tema da Sagrada Família, nas representações de Lazzarini. A família, como se sabe

representava um valor de suma importância para o imigrante italiano. Conforme Santin

existem duas versões que explicariam o apego característico a este tipo de instituição social.

Uma delas busca explicação em uma histórica busca de reconhecimento. Na Idade Média, o

território correspondente à atual Itália, era repartido entre famílias de nobres; os signori,

naquela época pertencer a uma família era essencial para alcançar o reconhecimento. “Os

escravos não eram ninguém, os camponeses na medida em que conseguiam formar família,

davam um passo para sua própria identificação e reconhecimento social”. Quanto à segunda

explicação para a exacerbada valorização da família: “[...] vincula-se aos ensinamentos

doutrinários do cristianismo católico, baseados na indissolubilidade do matrimônio ou no

culto à Sagrada Família de Nazaré” (SANTIN, 1990, p. 15-16). No caso do atual estudo,

pode-se considerar que ambas as explicações são complementares, enquanto auxílio à

compreensão da popularidade das representações da Sagrada Família, tema religioso

freqüente nos quadros com reproduções gráficas conservadas no ambiente familiar e nas

pinturas murais de igrejas da região.

Page 211: 1-dissertação

195

B) Devoções recentes

Além dos temas seculares da iconografia Cristã, a obra de Lazzarini parece conter

parte representativa das devoções recentes do século XX, as quais ele procura conciliar ou

igualar em importância aos temas tradicionais. Isso ocorre no caso das figurações de Vicente

Palloti que fora beatificado, em 1950, e de Santa Teresinha de Lisieux283, canonizada em

1923. Cuja representação, em pose tradicional, com atributos das rosas e do crucifixo é

encontrada em um medalhão, da Igreja da Santíssima Trindade, em Nova Palma, e em um

mural lateral da Igreja de Santo Isidoro de Sítio dos Mellos, (c. 1938).

Além destes temas, encontram-se também algumas devoções surgidas no período da

Primeira Guerra Mundial. Esse é o caso de Nossa Senhora Três Vezes Admirável, cuja

devoção surge em 1914, na Alemanha, e também de Nossa Senhora de Fátima que foi

representada na Igreja de São Roque, em Faxinal do Soturno (1956), e na Igreja de Santo

Antônio em Silveira Martins (1958). Nesse último caso, apesar da devoção ter surgido num

país europeu periférico: Portugal. Ao relacionarmos a época, 1917, percebe-se que esta,

coincide com um dos períodos de mais difíceis do Conflito Mundial, em fase anterior à

participação de tropas americanas, no qual ainda se convivia com a angustiante indefinição

quanto aos possíveis desdobramentos dos combates.

Um fato que, provavelmente, contribuiu para esta última devoção foram as revelações

revestidas pela aura do segredo. Conforme Tavard, no caso das aparições: “A comunicação de

segredos a serem divulgados mais tarde parece ser um acréscimo do século XX. Começou em

Fátima e foi utilizada em grande escala nas visões das décadas de 80 e 90”284. Algumas destas

mensagens, de teor anticomunista, certamente vinham de encontro aos interesses da igreja

neste período logo, após os anos 50. No qual a crescente divulgação das teorias socialistas que

favoreciam o ateísmo representavam um inimigo potencial cujas forças não podiam ser

subestimadas. Isso é comprovado através dos vários textos de orientações dirigidas aos

católicos, publicados na revista Rainha dos Apóstolos, de Santa Maria. Nesse período anterior

a 1959, a linha de frente da igreja parece bastante empenhada em combater o Espiritismo, o

283 Uma antiga representação de Santa Teresinha, com padrão estilístico semelhante ao do mural de Sítio dos Mellos é encontrada, também, na Igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico (Chapadão – Jaguari, RS).

284 George H. Tavard, autor de As Múltiplas faces da Virgem Maria (1999), é membro da Congregação dos Agostinianos de Assunção, professor emérito de Teologia na Methodist Theological School de Ohio, e atuou como perito no Concílio Vaticano II, dedicando-se à preparação do decreto sobre o ecumenismo. Nesse ensaio ele analisa numa visão crítica e ecumênica as imagens de Maria nos dogmas católicos, na crítica protestante, na piedade popular, e no Islamismo.

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196

Comunismo, e o Protestantismo. Com relação a este último, as orientações da igreja mudam

repentinamente, em 1959, após o início do papado de João XXIII, quando esses, até então

considerados adversários, passam a ser chamados de “irmão separados” a quem a igreja

católica convida a se reunirem no futuro concílio, onde não seriam discutidos processos

históricos ou tentativas para descobrir que tinha razão ou estava enganado, onde uma vez que:

“[...] as responsabilidades são comuns. Diremos somente: reunamo-nos, terminemos com as

discussões” (LOYDI, In: RAINHA dos Apóstolos, Outubro de 1959, p. 32). Uma mudança,

que entre outros motivos, parece ter sido decorrente de uma necessidade estratégica de união

entre os que partilhavam a fé num fundador divino comum, para que se fizesse frente ao

comunismo crescente, que nos últimos anos vinha atingindo, seriamente, a Igreja cristã,

através de perseguições intensas que ocorriam, principalmente, na China e União soviética,

onde a luta desestabilizou a igreja da Ucrânia, depois que cinco bispos e quase mil presbíteros

foram presos e condenados (WOLLPERT, 1999, p. 163).

A partir de 1959, então, os textos de orientação católica, substituem a crítica aos

protestantes e passam a direcionar parte dos ataques a um novo adversário que surgia; a

Legião da Boa Vontade (LBV) liderada por Alziro Zarur, instituição que passa a divulgar

práticas consideradas contrárias aos princípios católicos tais como; a astrologia, o politeísmo,

o fatalismo e o reencarnacionismo. Este contexto político-religioso, ao que parece, favoreceu

o crescimento da devoção de Nossa Senhora de Fátima que ao encontrar acolhida na

religiosidade popular, veio a se tornar um aspecto da religiosidade que não passa

despercebido na obra de Lazzarini.

3.7.2 Forma

A forma, neste caso, não entendida ou reduzida à simples configuração espacial

independente do sentido, mas sim como modelo ou padrão figurativo, é analisada na obra de

Lazzarini, em função do tipo de fonte a partir das quais estas formas foram de modo mais

freqüente derivadas. Destacando com isso, as características e o nível de interpretação de do

pintor, no que se refere à oscilação entre o que seria a caracterização de cópia e a de recriação.

A) Fusão

Característica presente, principalmente, em cenas que tratam de temas em que foi

necessário conciliar figurações próprias do mundo fenomênico em relação a figuras celestes.

Isso ocorre no caso das representações da Natividade (em Nova Palma e em Dona Francisca),

e no caso da representação da Sagrada Família (Vale Veronês); situações onde Lazzarini

Page 213: 1-dissertação

197

suprime a linha de horizonte presente no modelo e preenche o espaço do mural através de

áreas abstratas, onde executa um fundo com sutis variações de cor. Isso também acontece, no

caso das cenas da Santíssima Trindade, representadas em Novo Treviso e em Ivorá, nas quais

o pintor consegue harmonizar as gradações cromáticas das nuvens de fundo em relação às

vestes dos personagens centrais.

B) Simplificação

Esta é uma característica constante na obra de Lazzarini, a qual pode ser dissociada

daquilo é, apressadamente, identificado como simples falha qualitativa na interpretação de

estruturas complexas. Neste caso, acredita-se que indiferente ao estatuto qualitativo do nível

técnico, a simplificação pode ser também um detalhe importante de caracterização do que

seria o estilo de Lazzarini. Nota-se que muitas vezes essa ocorre por uma necessidade de

adaptação entre a linguagem do modelo original e a técnica da pintura mural. Este é o caso

das gravuras hachuradas, a partir das quais Lazzarini realiza um procedimento de limpeza de

detalhes o que seria, até certo ponto, uma necessidade decorrente da interpretação pictórica de

uma ilustração que na origem tinha um valor expressivo que dependia, exclusivamente, da

linha.

É verdade que no caso das absides, o preenchimento parcial, por vezes, indica a

ocorrência, provável, de dificuldades no tratamento do espaço curvo. Mas, não se pode

ignorar que a supressão de detalhes é também decorrente de uma valorização exacerbada da

figuração humana que leva o pintor em algumas composições a simplificar, extremamente, as

formas de fundo, deixando grandes áreas neutras. Apesar de algumas vezes Lazzarini

demonstrar ser capaz de descrever paisagens com relativa riqueza de detalhes, na maior parte

das situações, a atenção dedicada aos personagens não é compartilhada com as formas de

fundo. O que resulta, freqüentemente, em um trabalho formalmente sóbrio em detalhes, o qual

se ressalta pelo contraste em relação à saturação de formas orgânicas e geométricas, que,

normalmente, estruturam os frisos decorativos que unificam o conjunto da obra mural

figurativa.

C) Fragmentação de conjuntos

Por um longo período, após 1964, a pintura de Lazzarini parece ter passado incógnita,

perante o olhar de críticos ou historiadores, e só na metade dos anos 80 se encontra um

comentário do Pe. Dorvalino Rubin, em um livro sobre a história da Paróquia de Faxinal do

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198

Soturno. Nesse texto, se destaca uma breve crítica referente ao conjunto dos murais efetuados

por Lazzarini, na Igreja de São Roque:

“Este [pintor] com técnica despretensiosa, além de elementos decorativos, reproduziu nas paredes e nas abóbadas, em proporção maior, estampas e quadros. A disposição, a técnica, o número de quadros demasiado, a falta de unidade comprometem muito a harmonia do todo. Por sua amplitude, é de grande efeito a cena da crucificação de Jesus, que ocupa toda a extensão da abóbada da abside”. (RUBIN, Dorvalino Pe. Faxinal do Soturno e os 50 anos de sua igreja. Santa Maria: Pallotti, 1987, p. 14)

Neste caso, nota-se um juízo pessoal que identifica uma situação problemática na obra

de Lazzarini cuja causa ele atribui à saturação de quadros temáticos e a falta de uma

cronologia que evidenciasse a existência de planejamento coerente para o conjunto de cenas

representadas. Esse ponto de vista, característico de um posicionamento mais contemporâneo

em relação à obra de Lazzarini, coloca em discussão dois elementos qualitativos da produção

visual desse pintor, a partir dos quais daremos um breve prosseguimento crítico.

Observa-se que o primeiro ponto destacado é a questão da saturação de imagens,

quando observadas em seu conjunto, ou seja a organização coletiva de vários temas. O que

não contradiz a nossa classificação sobre simplificação, observável no caso de obras

individuais. No entanto, esta descrição de Rubin, é interessante por destacar uma

característica que se pode estender também a algumas das outras igrejas trabalhadas por

Lazzarini. É preciso salientar o fato de que este aspecto parece ser restrito ao caso das igrejas

maiores. E que estas situações que, freqüentemente, resultam na aparência de saturação de

formas, coincidem com espaços onde a existiam arcos estruturais sobre a abóbada que

impediam o livre desenvolvimento de temáticas que ocupassem grandes áreas. Isso ocorre na

Igreja de São Roque, de Faxinal do Soturno, na Igreja de Nossa Senhora das Dores de

Santa Maria, e também na Igreja da Santíssima Trindade de Nova Palma. Nessa última,

apesar de não existir uma abóbada, já existiam cornijas de estuque predefinindo o espaço das

pinturas. Em igrejas médias, como a de São João do Polêsine e a de Dona Francisca, Lazzarini

reduz, sensivelmente, o número de figuras, optando por representar grandes medalhões.

Atitude motivada ao que parece, não apenas pela existência de um espaço menor, uma vez

que muitas vezes sobram amplos espaços laterais (como no caso da Igreja matriz de São João

do Polêsine) que poderiam ser preenchidos com outros murais, caso a tendência à saturação

fosse uma característica constante no estilo deste pintor.

Quanto ao segundo elemento destacado na pintura de Faxinal do Soturno, referente à

ausência de unidade temática, é um tipo de fragmentação que se pode encontrar, também, no

ciclo do Antigo Testamento em Nova Palma (Figura 100), no qual foi inserida uma cena

derivada do Novo Testamento, a partir do que se constata que ela é uma característica uma

pouco mais recorrente. Apesar dos ciclos de Maria e, da vida de Cristo, estarem bem

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199

caracterizados no caso de Nova Palma, em Faxinal do Soturno a identificação de seqüências

é, realmente, um tanto mais árdua, por não haver clara distinção entre temas marianos,

cristológicos, ou veterotestamentários. Esta característica, também parece ser mais evidente

nestas igrejas maiores, onde, com maior freqüência ocorriam situações em que o pintor tinha

que lidar com várias temáticas. Nesses casos é possível atribuir a conflituosa organização a

uma provável falta de opção clara do pintor em relação à cronologia, mas é preciso, também,

considerar que na disposição dos temas, também intervinham os gostos e devoções díspares

dos patrocinadores.

3.7.3 Expressão

A) cor

Nos murais de Lazzarini, as cores utilizadas, geralmente, tendem a ser harmonizadas

em um conjunto de tonalidades suaves, o que, provavelmente, se deve à influência da prática

de harmonias monocromáticas, geralmente utilizadas nos frisos decorativos. Raramente se

observa a utilização de cores saturadas, e mesmo assim nunca chega ao nível das tonalidades

puras que caracterizam certos trabalhos de pintores denominados primitivos. No uso da cor

local, nota-se que o pintor, geralmente, tende a seguir a técnica onde se conjuga três

gradações do mesmo tom, cujas variantes são determinadas pelas diferentes proporções de

acréscimo de branco. Na definição dos limites de partes do corpo das figuras geralmente

utiliza um fino contorno em uma cor semelhante à tonalidade da pele, com um provável

acréscimo de marrom. Mesmo quando efetuava poucas modificações de linhas, a partir dos

modelos que ampliava, geralmente utilizava a cor com grande liberdade, como vemos no caso

das várias interpretações da Santíssima Trindade, nas quais ele nunca torna a repetir a mesma

harmonia de cores.

B) Pathos

Na expressão dos diferentes sentimentos dos personagens representados, Lazzarini

conserva a maioria das expressões herdadas do barroco, nas quais intervêm fortemente a

linguagem teatral dos gestos, tais como, as mãos que pressionam o peito representando êxtase

ou sofrimento, palmas unidas em gesto de oração, e a mão levantada em gesto de oratória.

Isto, também, acontece ao tratar das expressões de energia, nas quais a totalidade do corpo

intervém. É o que ocorre, principalmente, nas cenas que expressam atos violentos, como O

Sacrifício de Isaac, A morte de Abel, e Davi matando Golias. O rosto dos personagens, com

exceção no caso da tradicional expressão do olhar barroco, geralmente não apresenta grande

variedade de expressões fisionômicas, de modo que, geralmente encontramos apenas sutis

indicações de um olhar piedoso, em rostos vazios, ou que pelo menos carecem da vivacidade

das expressões humanas mais intensas.

Page 216: 1-dissertação

200

3.8 O Kitsch e a Beleza Religiosa

Nesta última parte, será analisada, na obra de Lazzarini, a parcela de influência

determinada pela expressão cultural denominada Kitsch presente nos modelos utilizados pelo

pintor, e que de alguma forma conservam-se nos murais em decorrência direta do recurso de

cópia e de outros aspectos específicos da expressão pessoal desse artista.

3.8.1 Definições do termo

Antes disso, se faz necessário retomar, mesmo que resumidamente, algumas

discussões teóricas que envolvem a definição do conceito de Kitsch. Conforme Abraham

Moles este termo surge por volta do ano de 1860, em Munique, apresentando em princípio um

sentido pejorativo, normalmente associado a objetos falsificados (MOLES, 1986, p. 10). Mais

tarde é retomado por teóricos anglo-saxões, italianos, e espanhóis, ganhando bastante

destaque na França a partir da obra L`Esprit du Temps (1962) de E. Morin, passando a ser

bastante utilizado nos anos sessenta, em discussões artísticas que versavam sobre questões de

gosto, sobre a Pop Art, cultura de massa e alienação.

Para José Guilherme Merchior o Kitsch é uma expressão que se identifica com a arte

de massa, que se dissemina, a partir da revolução industrial, e que divulga o gosto típico da

burguesia ascendente, do século XIX. Essa nova classe não tendo a cultura da antiga

aristocracia, passa a simular a nobreza, ao privilegiar um tipo de expressão que apenas imita

os efeitos da arte, através de um estilo agradável e comercial. Na visão do autor brasileiro,

essa forma de expressão, é um tipo de anti-arte presente, inclusive, em certas produções

modernas de vanguarda. Sendo, portanto, nociva para as expressões da alta cultura, e também

para a arte popular. O Kitsch, de certa forma, automatizaria a experiência artística

transformando-a numa espécie de honesta distração, que atuaria, como um instrumento

alienante a serviço de uma cultura repressiva interessada, em reduzir o indivíduo ao nível de

simples participante de jogos sociais (Passim MERQUIOR, 1974).

Numa visão, bem menos pessimista, Moles não chega a formalizar um conceito sobre

Kitsch, tratando-o como um “[...] fenômeno de captação difícil, cuja teoria não está feita”

(MOLES, 1986, p.45), mesmo assim através de sua análise, realizada a partir de vários

objetos concretos, ele vem a reconhecer, no kitsch, o caráter de fenômeno social universal,

constantemente presente em vários setores da produção artística. Porém, sem reduzir a

presença desta expressão à materialidade dos objetos em que ela se manifesta, procurando

destacar a contraparte fenomenológica que se encontra no espírito espectador, ou seja; “a

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201

maneira Kitsch de olhar os objetos”. Atitude que, por sua vez, parece decorrente de uma

aspiração humana natural, a busca de felicidade. Moles, retoma uma expressão de Broch

segundo o qual “há uma gota de Kitsch em toda a arte” (MOLES, 1986, p.10). Em vez de

culpar o Kitsch pela decadência da arte, destaca a função pedagógica desse tipo de expressão,

quando atua como fundo contra o qual o bom gosto se desenvolve. O Kitsch em si, não seria

instrumento de alienação, “[...] embora a alienação na sociedade de consumo, muitas vezes,

recorra ao Kitsch” (MOLES, 1986, p. 40). Embora seja constantemente associado ao triunfo

da classe média, esse tipo de expressão seria universal e permanente, identificando-se com o

modo estético cotidiano das pessoas comuns (MOLES,1986, p. 223).

O teólogo Richard Egenter, ao analisar o caso específico da arte religiosa, prefere

utilizar o termo mau gosto ao se referir à expressões típicas do kitsch. Destaca que essa

manifestação ocorre quando os objetos de arte religiosa apelam para o sentimentalismo fácil,

ou enfatizam outras expressões pouco edificantes, sob o pretexto de divulgar nobres valores

cristãos. “O mau gosto aparece, principalmente, na tendência de tornar mais suaves e

bonitinhas as imagens santas” (EGENTER,1960, p.188). Atitude que resultaria em expressões

que carecem de verossimilhança, em relação à vivência dos santos que pretendem representar,

através de obras, cujas mensagens, freqüentemente dissimulam desvios teológicos. O mau

gosto seria resultante de uma falha ética que acaba predominando sobre o conteúdo religioso.

Discrepância que não estaria necessariamente ligada à carência de dons artísticos ou

deficiências técnicas, manifestadas na obra, mas que seriam decorrentes de falta de “vivência

íntima” do artista, a qual uma vez transmitida à obra teria efeitos funestos para a vivência

religiosa dos cristãos (EGENTER, 1960, p. 178).

No caso do Kitsch religioso, um ponto de vista semelhante é compartilhado por Karl

Pawek. O qual identifica essa expressão, a uma espécie de decadência, pela qual antigas

simbologias sagradas seriam rebaixadas de uma forma irreverente através de representações

anacrônicas. Isto resultaria, em parte, de uma gradual perda de importância sofrida pelos

conceitos teológicos que teria entre suas conseqüências: situações onde Santo Antônio

ganharia mais importância que o Espírito Santo, e o significado espiritual, ainda possível de

se encontrar no conceito do Sagrado Coração de Jesus, ganharia uma interpretação plástica

logo estendida além do razoável, dando origem também a um culto de um Sagrado Coração

de Maria. A culpa dessa decadência não estaria no gosto das “pessoas simples”, porque na

verdade, essas não existiriam, uma vez que há muito tempo, já ingressaram na sociedade de

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202

consumo, onde crianças desde a infância são acostumadas às estampas Kitsch, distribuídas

pelos beatos e professores em situações como as aulas de religião.

Pawek conclui que mesmo a alta hierarquia eclesiástica seria responsável, por esta

situação, ao participar do fenômeno Kitsch em várias instâncias tais como, através de

ornamentos sagrados com estilos extraídos de outras épocas culturais. Apesar da crítica

contundente ao Kitsch cultivado por certos religiosos, Pawek destaca, como exceção o papel

desempenhado pelos preclaros padres Règamey e Couturier, no intento de recuperar a

dignidade da arte sacra (Passim PAWEK. In: DORFLES, 1973, p. 141 -150).

Através destas variadas interpretações, percebe-se que todas elas partem da

constatação da existência do fenômeno Kitsch, e seguem duas orientações principais. Uma

tendência atribui grande importância a uma existência objetiva materializada na obra, e outra

que tenta, ao menos em parte, valorizar a existência subjetiva do fenômeno e mais que a

discussão sobre a materialidade, parece salientar uma existência fenomenológica decorrente

de uma percepção aparentemente universal, o “olhar Kitsch”. A primeira posição associa o

fenômeno diretamente a um juízo de valor negativo, enquanto outra tende a permanecer mais

em nível de constatação, sem juízo valorativo, o que não chega ao nível de neutralidade, pois

não deixa de salientar as possíveis virtudes do fenômeno.

Neste estudo, pretende-se abordar o termo sob uma perspectiva conciliatória, entre os

conceitos ora expostos por estes autores. Desse modo, reconhece-se a universalidade do

fenômeno, em sua extensão concreta e subjetiva, sem, porém, superestimar sua dimensão de

juízo valorativo da qualidade de uma obra de arte, mas tomando como um fenômeno com

certas características identificáveis. Que, em maior ou menor grau, atinge quase a totalidade

da produção cultural estética, realizada com declarada finalidade artística ou com finalidades

não evidentes. Fenômeno que como tal, merece ser diagnosticado na medida em que se

salienta em uma obra, buscando compreender sua gênese, para fins de esclarecer as situações

específicas e significativas que podem ter contribuído para o resultado singular de cada obra

em estudo. Esta será a forma com que tentaremos utilizar o conceito de Kitsch, na análise de

algumas situações da obra mural de Lazzarini.

3.8.2 Cópia e recriação

Um dos elementos que, normalmente, caracterizam expressões permeadas pelo kitsch

é o uso da cópia. Na obra de Lazzarini, percebe-se que essa se torna um processo normal de

trabalho. Embora nas situações em que recorre ao quadriculado ele, inevitavelmente,

Page 219: 1-dissertação

203

mantenha a configuração dos personagens principais, nos casos em que foi possível comparar

o modelo e o resultado na pintura, percebeu-se que Lazzarini dificilmente permanecia em

nível da cópia pura e simples, pois, durante a pintura, sempre intervieram processos de

diferenciação. Isso é evidente no caso da escolha da cor de preenchimento das vestes dos

personagens, e do tratamento dos detalhes de fundo. Em outras situações podemos notar que

essa intervenção se estende aos personagens secundários. Isso ocorre, por exemplo, na cena

da Morte de São José (Ivorá), onde se percebe que há uma mudança de posição das figuras,

num esforço consciente de adaptação ao espaço compositivo. A supressão ou eventual

acréscimo de um personagem, portanto, parecem ser alguns dos expedientes a que ele

recorria, principalmente, no caso daquelas representações que envolviam formas de anjos

como figurantes complementares.

É preciso reconhecer, entretanto, que os modelos utilizados por Lazzarini, são típicos

exemplos do processo de divulgação da cultura de massa, pois se tratam de cópias gráficas

com reduzidas dimensões reproduzidas em série. Essas mesmo apresentando obras de artistas

reconhecidos, nunca resultam imunes à intervenção mecânica que diminui o impacto

expressivo e altera sutilezas de expressão, de modo a contribuir para a divulgação de uma

idéia, até certo ponto, falsa em relação à obra original. Esses modelos gráficos já configuram

em si, uma intensa expressão do caráter kitsch que por sua vez foi transmitido à obra de

Lazzarini, em maior ou menor intensidade, na medida proporcional em que o pintor se

manteve atrelado a eles.

Outro aspecto, caracterizante do kitsch, relaciona-se ao uso da cor que neste tipo

expressão, por vezes, tende ao contraste de cores complementares puras, nos quais se tenta

abranger quase a totalidade das cores do arco-íris (MOLES, 1986, p. 55). Mas que em outros

casos, também, evidencia-se por características situadas no outro extremo, tais como o uso

demasiado de matizes suaves ou “adocicados”. No caso de Lazzarini, o uso de altos contrastes

é muito raro, mas pode ser encontrado na pintura da Santíssima Trindade de São João do

Polêsine (1957). Quanto à presença de cores suaves, podemos constatar que é uma

característica bem mais abrangente na obra de Lazzarini, pois sua técnica inclui o constante de

cores com tonalidade suavizadas pelo branco. Apesar disso, é necessário reconhecer que essa

característica não chega a atinge o nível do excesso. Pois, a técnica de harmonização

cromática derivada do exercício de pintura de frisos decorativos, parece ter contribuído no

caso dos murais figurativos, no sentido de limitar o número de cores em cada cena. De modo

que esses murais, geralmente, conseguem atingir uma harmonia razoável, em composições

nas quais por via de regra dominam as tonalidades frias, derivadas de matizes verdes ou azuis.

Outro aspecto que pode ser inquirido é o anacronismo, ou seja, o uso de elementos

formais deslocados de sua época de origem. Quanto a esta característica, conforme

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204

anteriormente discutido, acreditamos ser válido apenas em certa medida, ou seja, quando

compararmos com os padrões de arte que se impunham em outras áreas. Ao se considerar o

campo específico da pintura mural religiosa, esta caracterização talvez só pudesse ser aplicada

com justiça, a uma parte restrita que corresponde aos últimos trabalhos deste pintor. Antes

disso, apesar de tais padrões parecerem ultrapassados em outras áreas da produção artística,

não seria adequado atribuir tal conceito a uma arte que seguia padrões que ainda podiam ser

considerados manifestações de uma arte viva. Ainda praticados por grande parte dos

muralistas, pelo menos no que se restringe ao espaço religioso. E por mais questionável que

sejam tais modelos, eles fazem parte disso que poderíamos chamar de “dilatação do tempo

histórico de um estilo”, no qual ocorria em um período de transição, em que as experiências

modernas ainda se encontravam numa fase inicial de experimentações, devido às inúmeras

adversidades encontradas nesse meio.

Em resumo, pode-se dizer que o kitsch considerado em suas características básicas,

está presente e constitui parte dos meios expressivos da produção de Lazzarini. Mas, de

acordo com a presente interpretação, esta não é uma característica que por si, sirva como

redutora de toda obra dele. Uma vez que tal conceito é, freqüentemente, usado no sentido de

negação da existência de valores artísticos, seria arriscado considerar os murais simplesmente

como obras kitsch, no sentido depreciativo, ignorando outros aspectos importantes, tais como

sua contribuição histórica à visualidade regional, os recursos criativos, mesmo que limitados,

evidenciados através da análise de alguns aspectos do estilo desse pintor. Recursos,

desenvolvidos através da disposição de enfrentamento diante das dificuldades técnicas e

exigências do meio religioso em que atuou, e que constituem uma linguagem, com capacidade

de comunicar o popular sem perder aquele caráter particular conquistado, gradativamente, ao

longo de um processo de superação e esforço determinado que o levou a executar esse

significativo empreendimento, que permanece como um legado cultural inestimável para estas

regiões, formadas, em ampla maioria, por cidades que carecem de outras expressões desse

porte, e que se desenvolveram afastadas, dos grandes centros geradores, da denominada alta

cultura.

Page 221: 1-dissertação

205

Conclusão

Quando apresentamos a proposta de analisar a produção imagética da pintura mural

religiosa de Lazzarini na região da Quarta Colônia, sabíamos, apenas em parte, o desafio que

isso representava, e a necessidade de superação necessária para lidar com uma produção tão

numerosa. Aos poucos, porém, o caminho se delineou e acreditamos ter conseguido realizar,

ao menos em parte, o que havíamos proposto. Certamente, ignoramos muitos outros caminhos

e questões que, possivelmente surgem, ao leitor com um ponto de vista ou formação mais

abrangente, enquanto etapas promissoras de terem sido desenvolvidas. No entanto, apesar de

desejarmos, certamente não conseguiríamos esgotar o assunto proposto. De modo que

limitamos nossa análise a alguns pontos, cultivando, porém, a esperança de que as tantas

possíveis falhas de tal empreendimento possam ser sanadas ou que estimulem futuros

desenvolvimentos de pesquisas sobre a produção visual deste caso ou de outras comunidades

interioranas de nosso estado, onde, certamente, muito há o que ser explorado.

Ao analisarmos os murais de Lazzarini, mantivemos enquanto questões de pesquisa os

seguintes questionamentos: Em que medida Lazzarini se inspira nos padrões tradicionais?

Quais as principais condições que contribuíram para este ciclo de pinturas? E, quais os

motivos desta produção conservar formas de um estilo, aparentemente, deslocadas de seu

tempo de origem? Questões a partir das quais submetemos o objeto de estudo à análise do seu

processo construtivo e do seu resultado plástico.

No capítulo I, através da análise do resultado plástico, procuramos identificar as

influências dos padrões tradicionais europeus, e obtivemos como resultado, em alguns casos,

a identificação posititiva de tal influência, mesmo que mediada por meios de divulgação de

massa. As principais influências viriam de artistas europeus do século XVI e XVIII, onde os

principais seriam: Ticiano, Michelangelo, Rafael, Tiepolo, Guido Reni e Murillo. Esses

modelos, possivelmente, chegaram até Lazzarini através de sua vivência e estudos realizados

na Itália, através de gravuras colecionadas pelo pintor, e por meio de cópias distribuídas pela

igreja e por associações religiosas. Além dessas, também, há indícios da influência de

gravuras conservadas em quadros religiosos de famílias da região, e, de reproduções de

gravuras alemãs. O qualitativo dessa influência, pode ser avaliado como bastante significativa

devido à utilização de métodos de ampliação, no entanto o resultado também demonstra um

grau que oscila de pequeno a médio nível de constante intervenção e diferenciação, em

relação aos modelos tradicionais, situação para a qual contribuíram os próprios limites

técnicos do pintor, e as necessidades de soluções formais, surgidas no embate, com diferentes

configurações arquitetônicas sobre as quais desenvolveu sua arte.

A partir do questionamento de quais os principais aspectos técnicos que contribuíram

para o resultado específico desta produção visual, buscou-se resgatar através de pessoas que

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206

conviveram com o pintor ou que utilizaram procedimentos técnicos semelhantes, a descrição

dos métodos de pintura utilizados na época, identificando-se assim, que o afresco seco era a

principal técnica utilizada por Lazzarini nesta produção. Técnica de pintura, cujas

especificidades históricas de execução conseguimos recuperar parcialmente. A partir disso e

de informações tomadas diretamente às obras, foram analisadas algumas condições como:

características do suporte, métodos de execução e planejamento de distribuição espacial de

temáticas, obtendo como resultado a sistematização parcial das principais formas de

distribuição temática e de orientação de figuras em relação ao espaço arquitetônico. Situação

em que se identifica a provável preocupação ou consciência do pintor, quanto ao

posicionamento de seu público e as características especiais de visualização que resultariam

em adaptações específicas em sua obra.

E, finalmente, com relação ao questionamento de quais os motivos da permanência de

padrões formais que já tiveram seu momento de maior expressão histórica. Buscou-se através

da análise do processo construtivo dos murais de Lazzarini, em meio às influências do

ambiente histórico, identificar pelo menos algumas das variáveis que contribuíram para que

esse tipo de configuração imagética se mantivesse nestas obras. Um desses motivos é

intrínseco ao gênero de pintura praticado por Lazzarini; a pintura mural religiosa que, ao

contrário da pintura realizada para outros ambientes, nesta época, ainda mantinha em grande

parte os padrões herdados da tradição clássico-renascentista e barroca. Situação favorecida

pela existência de regras institucionais, em grande parte, conservadoras que eram observadas

por setores do clero arraigados à visualidade tradicional, e de um público acostumado à

imaginária piedosa. De modo que, na época da realização destes murais tais padrões

iconográficos não eram apenas resquícios de uma tradição passada, mas continuavam sendo

uma manifestação viva, ainda que degradada, e enfraquecida daquilo que podemos chamar de

dilatação histórica do tempo de um estilo. Era também o período em que surgiam as primeiras

experiências inovadoras tanto nos países europeus, quanto no Brasil, no nosso caso, porém,

tolhido em seu início promissor, e retardado por interdições de instâncias superiores. Situação

que, certamente, desanimou qualquer outra iniciativa imediata no sentido de renovação.

No final da década de 60, em nosso país, este gênero de pintura já demonstrava

sinais de absorção de algumas formas modernistas, desde que parcialmente, assimiladas pelos

setores conservadores. Mas, neste momento, evidenciaram-se também outros fatores que

contribuiriam para a manutenção de formas tradicionais na obra de Lazzarini: a condição

histórico-cultural do ambiente periférico em que este pintor desenvolvia sua produção; o

gosto dominante nesta região; as influências da formação e, possivelmente, do gosto pessoal

deste pintor, consolidado pela longa prática das formas tradicionais. Além desses motivos,

certamente, muitos outros poderiam ser evidenciados no decorrer de outras pesquisas mais

abrangentes, estruturadas sob outras metodologias ou campos epistemológicos, como, por

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207

exemplo, alguma análise que possibilitasse inferir sobre o papel político-econômico no

florescimento deste ciclo de pinturas murais na região. No entanto por ora, diante das

condições materiais e dos limites da proposta que propomos investigar, os aspectos

anteriormente citados, foram os que, até o momento, nos pareceram mais significativos.

Com relação à datação e identificação de algumas obras, surgiram problemas

no decorrer da pesquisa, resultando que a solução provisória encontrada foi à opção pela

indicação da autoria que à luz dos poucos dados existentes tende a ser mais provável,

mantendo, no entanto, o caráter de atribuição duvidosa. No restante acreditamos que a

identificação e o resgate da produção histórica mural de Lazzarini foi levada a efeito dentro

das possibilidades e recursos disponíveis, restando, certamente, ainda alguns pontos obscuros,

diante dos quais os estudos necessitariam estender-se a outras regiões, assim como a igrejas

ainda não catalogadas, no interior de municípios localizados fora da região da Quarta Colônia

e, talvez, regiões do interior de São Paulo e, mesmo, da Itália.

A pintura mural de Lazzarini, mesmo que considerada em seus limites quanto à

aspectos de técnica e inovação, parece constituir o exemplo de expressão plástica de maior

abrangência na região da Quarta Colônia, constituindo-se no fundo comum de visualidade,

sobre o qual a geração da época, em diferentes comunidades, formaria seu museu imaginário

e, provavelmente, derivariam seus conceitos primários sobre a pintura. De modo que,

podemos dizer que em sua simplicidade esta produção de Lazzarini atendeu em grande parte,

às expectativas desse povo, de gosto formado, também, com base nos padrões da imaginária

piedosa, assim como pela simplicidade das gravuras de temas bíblicos e dos santos de

devoção. Por tudo isto, é necessário reconhecer que, tendo participado do grande ciclo

regional de renovação visual das igrejas, esse pintor deu uma importante parcela de

contribuição para tornar visível algumas expressões típicas da religiosidade do meio cultural

em que atuou.

Ao final de tudo, resta-nos expressar a esperança de que este trabalho contribua para o

conhecimento de como estas manifestações culturais, aparentemente simples e por isto,

talvez, esquecidas, são elementos de ligação com uma estrutura ontológica mais ampla. Que

nos permitem explorar, além da dimensão artística, também os outros campos do

conhecimento onde se fundamentam aqueles aspectos históricos que nos conferem uma

identidade regional. E, por esse meio, uma vez nos conhecendo melhor, talvez seja possível

direcionar nossos atos da contemplação passiva para a dimensão prática de valorização da

nossa cultura: colaborando na preservação, e evitando que o patrimônio histórico, tanto desta

região quanto de muitos outros municípios interiorano, seja irremediavelmente, perdido ou

negado a gerações posteriores.

Page 224: 1-dissertação

208

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Page 228: 1-dissertação

212

CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES

CONVENÇÕES: F. A. : Foto realizada pelo autor (arquivo visual para sistematização de obras desenvolvido durante a pesquisa). D. A. : Desenho realizado pelo autor.

CAPA INTERNA

A Glória da Santíssima Trindade - 1955 (teto do presbitério da Igreja da Santíssima Trindade de Nova Palma)

Foto: Arquivo da Família Lazzarini.

CAPÍTULO I

Fig. 01 - Lazzarini: A Criação do Mundo, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 02 - Rafael: A Criação do Mundo, 1516 - 1518 (Lojas do Vaticano), Foto: Braun. In: GAMBA, Carlo. Raphael. Paris:

G. Gres, 1932, p. 96. Fig. 03 - Tintoretto: Criação dos Animais. (Galeria da Academia de Veneza) In: HAUSER, Arnold. Il Manierismo. La

Crisi del Rinascimento e L`origine dell`arte moderno. 1965. 2 ed. Torino: Einaudi. Página não numerada, figura 146.

Fig. 04 - Lazzarini: A Criação do Mundo, 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 05 - Lazzarini: A Expulsão do Paraíso, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 06 - Fig. 06 – Lazzarini: Expulsão de Adão e Eva, 1956 (Igreja de São Roque Faxinal do Soturno, RS). Foto: Roque

Della Méa / Foto Carmen. Fig. 07 - Lazzarini: Paraíso Terrestre, 1956, (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F.A. Fig. 08 - Lazzarini: A Morte de Abel, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A.

Fig. 09 - Caim mata Abel. Iluminura do século XII. Saltério de Huntingfield, fol. 8. Nova York, Pierpoint Morgan Library: Ms. 43. In: SCHAPIRO, Meyer. Estudios sobre el arte de la Antigüedad Tardía el Cristianismo primitivo Y la Edad Media. Madrid: Alianza, 1987. p. 226

Fig. 10 - A Morte de Abel. Atribuição provável: Escola Alemã (1794 - 1872) reproduzida In: BAZAGLIA, Paulo Sérgio.

História Sagrada. 2 ed. São Paulo: Paulus,1993, p. 15. Fig. 11 - Lazzarini: Moisés e o Decálogo, 1955, (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 12 - Lazzarini: Moisés e as primeiras Tábuas da Lei, 1956, (Igreja de São Roque Faxinal do Soturno, RS) Foto:

Roque Della Méa/ Foto Carmen. Fig. 13 - Gustave Doré: Moisés e a Lei, 1866, Gravura reproduzida in: A BIBLIA por Gustave Doré. Rio de Janeiro:

Tecnoprint, 1988, p. 42. Fig. 14 - Lazzarini: Apresentação da Virgem no Templo, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A.

Page 229: 1-dissertação

213

Fig. 15 - Tintoretto: Apresentação de Maria no Templo. (Veneza – Santa Maria dell`Orto) In: HAUSER, Arnold. Il Manierismo: La Crisi Del Rinascimento e L`origine dell`arte moderno. 1965. 2 ed. Torino: Einaudi. Página não numerada, figura 147.

Fig. 16 - Ticiano: Apresentação da Virgem, 1534 - 1538 (Academia de Veneza). afresco, 345x295 cm. aprox. 1534 - 1538.

- In: TIETZE, Hans. Titien: Peintres et dessins. Londres: Phaidon, p. 108. Fig. 17 - Lazzarini: A Anunciação , 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 18 - F. Rensche: Anunciação de Nossa Senhora. (origem provável: Escola Alemã, 1794 -1872) gravura reproduzida

In: LEHMANN, João Batista. Na Luz Perpétua. 2 ed. Juiz de Fora: Lar Cathólico. 1935. Vol. I. p. 233. Fig. 19 - Lazzarini: A Anunciação, 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno RS), F. A.

Fig. 20 - Reni: A Anunciação, 1609 - 1611 (Igreja da Anunciação, Palácio Quirinal, Roma). In: MÂLE, Émile. L`Art

Religieux de la Fin du XVIe. Siècle, du XVII Siècle et du XVIII Siècle. Paris: Armand Colin, 1951. Fig. 130, p. 241 Foto: Alinari.

Fig. 21 - Lazzarini: A Anunciação, 1959 (Igreja Nossa Senhora das Dores, Santa Maria, RS), F. A.

Fig. 22 - Giovanni Cima da Conegliano: Anunciação, 1492 (Museu Hermitage São Petersburgo, Rússia). In: GRUBB,

Nancy. Anjos na Arte. São Paulo: Ática, 1997. Tomo I, p. 64. Fig. 23 - Lazzarini: A Visitação, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A.

Fig. 24 - Lazzarini: Maria visita Isabel, 1956 (Igreja de São Roque Faxinal do Soturno, RS) F.A.

Fig. 25 - Lazzarini: Imaculada Conceição, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma – RS), F. A.

Fig. 26 - Imaculada Conceição. Pintura sobre papel (autoria e datação duvidosa). Hospital Nossa Senhora da Piedade, Nova Palma, RS, F. A.

Fig. 27 - Lazzarini: Imaculada Conceição, 1959 (Igreja de Nossa Senhora das Dores, Santa Maria – RS), F. A. Fig. 28 - Lazzarini: Nossa Senhora Mãe Rainha, Três Vezes Admirável, 1956 (Igreja de São José, Dona Francisca, RS), F.

A. Fig. 29 - Lazzarini: Nossa Senhora Mãe Rainha , Três Vezes Admirável, 1959 (Igreja de Nossa Senhora das Dores, Santa

Maria, RS), F. A. Fig. 30 - Lazzarini: Natividade, 1955, (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 31 - Lazzarini: O Nascimento de Cristo, 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno – RS), F. A. Fig. 32 - Lazzarini: O Nascimento de Cristo, 1956 (Igreja de São José, Dona Francisca, RS), F. A. Fig. 33 - Lazzarini: O Nascimento de Cristo. (Igreja Nossa Senhora das Dores, Santa Maria, RS), F. A. Fig. 34 - Lazzarini: A Sagrada Família, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 35 - Lazzarini: A Sagrada Família, 1956 (Igreja de São Roque Faxinal do Soturno, RS) F.A. Fig. 36 - Lazzarini: A Sagrada Família – c.1960 (Capela de Nossa Senhora do Monte Bérico, Val Veronês, Silveira

Martins, RS), F. A. Fig. 37 - Murillo: A Sagrada Família.- Galeria Heinemann – Munique in: MÂLE, Émile. L`Art Religieux de la Fin du

XVIe. Siècle, du XVII Siècle et du XVIII Siècle. Paris: Armand Colin, 1951, p. 312. Fig. 38 - Lazzarini: A Sagrada Família, 1961 (Igreja de São Marcos, Novo Treviso Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 39 - Lazzarini: A Sagrada Família, 1963 (Igreja de São José, Ivorá, RS), F. A.

Fig. 40 - Lazzarini: Reencontro no Templo, 1963 (Igreja São José, Ivorá, RS), F. A.

Fig. 41 - Lazzarini: A Glória da Santíssima Trindade – 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A.

Page 230: 1-dissertação

214

Fig. 42 - Pietro de Cortona: A Glorificação do papado de Urbano VIII, 1633 – 1639 (detalhe). Palácio Barberini. In: JUNQUEIRA, Juan José (org). Historia Universal del Arte: El Barroco. Madrid: Espasa Calpe,1996, ilustração, p. 39.

Fig. 43 - Rubens: A Santíssima Trindade, 1616, (Antiga Pinacoteca de Munique), Foto: Franz Hanfstaengl. In: Rubens:

L`Oeuvre du Maitre. Paris: Hachette, 1912. Fig. 44 - José Benedito da Cruz: A Santíssima Trindade –1926, Óleo sobre cartão, (Guararema – SP). In: ETZEL:

Eduardo. J. B. C. Um Singular Artista Sacro Popular; A obra transcende o homem. São Paulo: CESP, 1978. Anexos: ilustração - 15.

Fig. 45 - Interior da Igreja da Santíssima Trindade de Nova Palma, ainda com o antigo mural da Trindade que foi destruído

em 1955 para dar lugar à nova pintura de Angelo Lazzarini. Foto: Arquivo da Família Lazzarini. Fig. 46 - Reconstituição aproximada da antiga composição da Trindade, outrora existente no presbitério da Igreja da

Santíssima Trindade de Nova Palma. D.A. Fig. 47 - Lazzarini: Santíssima Trindade, 1957 (Igreja de São João Batista, São João do Polêsine, RS), F. A. Fig. 48 - Lazzarini: Santíssima Trindade, 1960 (detalhe restante do mural danificado). Igreja de Nossa Senhora do Monte

Bérico, Vale Veronês, Silveira Martins, RS, F. A. Fig. 49 - Lazzarini: Santíssima Trindade, 1961 (Igreja de São Marcos, Novo Treviso, RS), F. A. Fig. 50 - Lazzarini: Santíssima Trindade, 1963 (Igreja de São José, Ivorá, RS), F. A. Fig. 51 - O Batismo de Cristo, Impressão gráfica (Capela de São José, Linha Cinco, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 52 - Kuliska: O Batismo de Cristo, Cópia – óleo sobre madeira (Igreja de São Marcos Novo Treviso. Faxinal do

Soturno, RS), F. A. Fig. 53 - José Benedito da Cruz: O Batismo de Cristo –1919 (Igreja de São Sebastião Taiaçupeba, SP). In: ETZEL:

Eduardo. J. B. C. Um Singular Artista Sacro Popular; A obra transcende o homem. São Paulo: CESP,1978. Anexos: ilustração - 75

Fig. 54 - Lazzarini: O Batismo de Cristo, 1962 (Igreja de São Marcos, Novo Treviso, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 55 - Lazzarini: O Batismo de Cristo, 1963 (Igreja de São José, Ivorá – RS), F. A.

Fig. 56 - Lazzarini: Agonia no Horto (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 57 - Lazzarini: Agonia no Horto,1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 58 - Ticiano: Cristo no Monte das Oliveiras, 165x172 cm. - c.1565 (Escorial, Monastério de São Laurêncio). In:

TIETZE, Hans. Titien: Peintres et dessins. Londres: Phaidon, p. 262. Fig. 59 - Lazzarini: Crucifixão de Cristo, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma), F. A. Fig. 60 - Lazzarini: Crucifixão – 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 61 - Lazzarini: Crucifixão, 1956 (Igreja de São José, Dona Francisca, RS), F. A. Fig. 62 - Lazzarini: Crucifixão, 1958 (Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, RS), F. A. Fig. 63 - Rubens: A Crucifixão com a Virgem, São João e Maria Madalena, 1615 (Museu do Louvre Paris) Foto: Alinari.

In: MÂLE, Émile. L`Art Religieux de la fin du XVIe. Siècle, du XVII Siècle et du XVIII Siècle. Paris: Armand Colin, 1951, p. 277.

Fig. 64 - Lazzarini: Crucifixão, 1959 (Igreja de Nossa Senhora das Dores, Santa

Maria, RS), F. A. Fig. 65 - Lazzarini: Crucifixão – 1962 (Igreja de Nossa Senhora do Caravaggio, Ivorá, RS), F. A. Fig. 66 - Lazzarini: Ressurreição de Cristo, 1955 (Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, RS), F. A. Fig. 67 - Lazzarini: Ressurreição de Cristo – 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F.A.

Page 231: 1-dissertação

215

Fig. 68 - Iungtow: Ressurreição de Jesus. (origem provável: Escola Alemã, 1794 -1872). Reproduzida in: BAZAGLIA, Paulo Sérgio. História Sagrada. 2 ed. São Paulo: Paulus, 1993, p. 170.

Fig. 69 - Lazzarini: Santo Antônio – 1958 (Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, RS), F.A. Fig. 70 - Murillo: Santo Antônio de Pádua contemplando a aparição do Menino Jesus, 1656 (Catedral de Sevilha). Foto:

Anderson In: MÂLE, Émile. L`Art Religieux de la fin du XVIe. Siécle, du XVII Siécle et du XVIII Siécle. Paris: Armand Colin, 1951, p. 180

Fig. 71 - Lazzarini: Santo Isidoro – c. 1938 (Igreja de Santo Isidoro, Sitio dos Mellos, Faxinal do Soturno – RS), F. A. Fig. 72 - Lazzarini: Santo Isidoro – 1958 (Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, RS), F. A. Fig. 73 - Trevisani: A Morte de São José – 1625 (Igreja de Santo Inácio, Roma) Foto: Anderson. MÂLE, Émile. L`Art

Religieux de la fin du XVIe. Siècle, du XVII Siècle et du XVIII Siècle. Paris: Armand Colin, 1951, p. 323. Fig. 74 - Lazzarini: A Morte de São José – 1956 (Igreja de São José, Dona Francisca, RS), F. A. Fig. 75 - Lazzarini: A Morte de São José, 1963 (Igreja de São José, Ivorá, RS), F. A. Fig. 76 - Lazzarini: São Roque Penitente, 1955 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 77 - Sarraceni: São Roque cuidado por um anjo, primeira metade do século XVII (Galeria Dora Pamphili – Roma). In:

CHASTEL, André. A Arte Italiana. São Paulo: Martins Fontes, 1991, ilustração - p. 559. Fig. 78 - São Roque. Origem provável: Escola Alemã (1794 – 1872). Gravura reproduzida in: LEHMANN, João Batista.

Na Luz Perpétua. 2 ed. Juiz de Fora: Lar Cathólico. 1935. Vol. I, p.144. Fig. 79 - Lazzarini: São Vicente Pallotti, 1956 (Igreja de São José, Dona Francisca, RS), F. A. Fig. 80 - Lazzarini: São Vicente Pallotti, 1959 (Igreja de Nossa senhora das Dores, Santa

Maria, RS), F. A. Fig. 81 - Lazzarini: A Vinda do Espírito Santo, 1957 (Igreja de São João, São João do Polêsine, RS), F. A. Fig. 82 - Lazzarini: São Marcos - 1961 (Igreja de São Marcos, Novo Treviso – Faxinal do Soturno - RS), F. A. Fig. 83 - São Marcos, Evangelista. Origem provável: Escola Alemã (1794–1872). Gravura reproduzida in: LEHMANN,

João Batista. Na Luz Perpétua. 2 ed. Juiz de Fora: Lar Cathólico. 1935. Vol. I. p. 325. Fig. 84 - Lazzarini: São Mateus, 1963 (Igreja de São José, Ivorá, RS), F. A. Fig. 85 - Lazzarini: Profeta Isaías (?) (identificação iconográfica duvidosa), 1959, (Igreja Nossa Senhora das Dores, Santa

Maria, RS), F.A. Fig. 86 - Michelangelo: Profeta Isaías. (Detalhe, Capela Sistina). In: CARRENHO, Elza Aparecida de Andrade. O Juízo

Final no Espaço Sagrado da Capela Scrovegni e Capela Sistina. Bauru: Edusc, 1998. Figura 17 Fig. 87 - Lazzarini: São Lucas, 1963 (Igreja de São José, Ivorá, RS), F. A.

Fig. 88 - Lazzarini: São João – 1963 (Igreja de São José, Ivorá, RS), F. A.

Fig. 89 - Lazzarini: Entrega das Chaves a São Pedro, 1955, (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 90 - Perugino: Jesus entregando as chaves a São Pedro (detalhe), Capela Sistina, Foto: Alinari. In: MORTIER, P. D.

Saint Pierre de Rome; Histoire de la Basilique Vaticane. Tours: Alfred Mame et Fils, 1900. Ilustração - p. 27.

Fig. 91 - Kuliska: São Pedro recebendo as chaves de Cristo – 1928 (Capela de São Pedro, Linha Onze, Nova Palma, RS), F. A.

Fig. 92 - Lazzarini: O Anjo da Guarda, 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 93 - Lazzarini: O Anjo da Guarda, 1961 (Igreja de São Marcos, Novo Treviso, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 94 - Lazzarini: São Miguel vencendo o Demônio, 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A.

Page 232: 1-dissertação

216

Fig. 95 - Guido Reni: São Miguel Arcanjo,1635 (Igreja dos Capuchinhos, Roma). Foto: Anderson. In: MÂLE, Émile. L`Art Religieux de la fin du XVIe. Siècle, du XVII Siècle et du XVIII Siècle. Paris: Armand Colin, 1951, p. 491.

Fig. 96 - O Inferno. Ilustração. In: Teu Catecismo. Primeiro Ano. 5 ed. São Paulo: LDC, [1959], p. 20 Fig. 97 - O Destino do Justo. Impressão gráfica, sem datação. Cópia conservada pela Família de Valdir Bataglin - Linha

Onze, Nova Palma, RS, F.A. Fig. 98 - O Destino do Mau Pecador, Impressão gráfica - sem datação, cópia conservada pela família de Fiorindo

Stefanello, Gramado, Nova Palma, RS, F. A.

Fig. 99 - Lazzarini: O Destino do Mau Pecador, 1944, Santuário de Santo Antônio, Bento Gonçalves, RS. Foto: Arquivo Paroquial (estágio anterior à repintura ocorrida nos anos 80).

Fig. 100 - Lazzarini: O Destino do Justo, 1944, Santuário de Santo Antônio, Bento Gonçalves, RS. Foto: Arquivo Paroquial

(estagio anterior à repintura ocorrida nos anos 80). Fig. 101 - Lazzarini: O Destino do Justo, 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 102 - Lazzarini - O Destino do Mau Pecador, 1956 (Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, RS), F. A. Fig. 103 - Lazzarini: O Destino do Justo, 1959, (Igreja de Nossa Senhora das Dores, Santa Maria, RS), F. A. Fig. 104 - Lazzarini: O Destino do Mau Pecador, 1959 (Igreja de Nossa Senhora das Dores, Santa Maria, RS), F. A. Fig. 105 - Lazzarini: O Destino do Bom e do Mau Pecador, 1963 (Igreja de São José, Ivorá, RS), F. A.

CAPÍTULO II

Fig. 106 - Santa Cecília (Autoria duvidosa). Data provável: 1930 -1940 (Igreja de Nossa Senhora de Pompéia, Silveira

Martins, RS), F. A. Fig. 107 - Lazzarini: Arco Triunfal da Igreja de Santo Antônio - Silveira Martins, RS. Foto: Arquivo de Angelo Lazzarini. Fig. 108 - Lazzarini: Arco Triunfal da Igreja de Nossa Senhora das Dores, 1959. Santa Maria, RS. Fig. 109 - Lazzarini: Arco Triunfal da Igreja de São Marcos, 1961. Novo Treviso, Faxinal do Soturno, RS. Fig. 110 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma,

RS. Escala: 1: 200. D. A. Fig. 111 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno,

RS. Escala: 1: 200. D. A. Fig. 112 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de São José, Dona Francisca,

RS. Escala: 1: 200. D. A. Fig. 113 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de São João Batista, S. J. do

Polêsine, RS. Escala: 1: 200. D. A. Fig. 114 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins,

RS. Escala: 1: 200. D. A. Fig. 115 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de Nossa Senhora das Dores,

Santa Maria, RS. Escala: 1: 200. D. A. Fig. 116 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico,

Vale Veronês, Silveira Martins, RS. Escala: 1: 200. D. A. Fig. 117 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de São Marcos, Novo Treviso,

Faxinal do Soturno, RS. Escala: 1: 200. D. A.

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217

Fig. 118 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de Nossa Senhora do Caravaggio, Sítio alto, Ivorá, RS. Escala: 1: 200. D. A.

Fig. 119 - Esquema de distribuição temática dos murais de Lazzarini no teto da Igreja de São José, Ivorá, RS. Escala: 1:

200. D. A Fig. 120 - Lazzarini pintando uma tela. Sem datação. Foto: Arquivos da família Lazzarini.

Fig. 121 - Tiepolo: Alegoria da Virtude Fortaleza, Justiça e Verdade.(Villa Loschi –Vicenza). Cf. L`Opera Completa di

Giambatista Tiepolo. Milano: Rizzoli. 1971, figura 90 F. Cópia conservada nos arquivos de Lazzarini. Fig. 122 - Esquema de direcionamento das linhas de fuga na obra: Apresentação de Cristo no Templo, 1955 (Igreja da

Santíssima Trindade Nova Palma, RS). Desenho sobre F. A. Fig. 123 - Lazzarini: Santa Margarida e a visão do Sagrado Coração de Jesus, 1956. (Igreja de São Roque Faxinal do

Soturno, RS), F.A. Fig. 124 - Lazzarini: A Morte de São José, 1956 (Igreja de Nossa Senhora das Dores Santa Maria, RS), F.A. Fig. 125 - Modelo provavelmente utilizado por Lazzarini, para realizar a pintura da Imaculada Conceição na Igreja de nossa

Senhora das Dores, Santa Maria. Imagem: Arquivo da Família Lazzarini. Fig. 126 - Reprodução do sistema de módulos utilizado por Lazzarini. S/escala. Igreja da Santíssima Trindade. Nova

Palma, RS, D. A. Fig. 127 - Reprodução do sistema de quadrícula utilizado por Lazzarini. S/escala. Igreja da Santíssima Trindade. Nova

Palma, RS, D.A. Fig. 128 - Modelo provavelmente utilizado por Lazzarini, para realizar a pintura da Sagrada Família na Igreja de Monte

Bérico, Vale Veronês. Imagem: Arquivos da Família Lazzarini.

CAPÍTULO III Fig. 129 - Murais de Henry Matisse na Capela do Rosário – 1952 (Vence – França) In: GUADAGNINI, Walter. La Vida y

la Obra: Matisse. Barcelona: Grijalbo, 1993, p. 243. Foto: Arquivo Mandadori. Fig. 130 - Portinari: Santo Antônio – 1941 (Capela dos Portinari Brodósqui –SP) In: CALLADO, Antônio. Cândido

Portinari. Rio de janeiro: Finambras,1997, p. 225. Fig. 131 - Portinari: São João Crisóstomo – 1944 (Capela Mayrink – RJ) In: Portinari. (catálogo) textos de Antônio Bento

Rio de Janeiro: s.n., 1980. p. 34. Foto: Cristiano Teixeira. Fig. 132 - Portinari: Estudo de Cristo para a via-crúcis da Igreja de Batatais, 1953, SP. In: CALLADO, Antônio. Retrato de

Portinari. RJ: Paz e Terra, 1978, p. 71. Fig. 133 - Piazzeta: Glória de São Domingos (detalhe), 1727 (Capela do Rosário - Veneza). In: CHASTEL, André. A Arte

Italiana. São Paulo: Martins Fontes,1991, p. 599. Foto: Anderson-Giraudon. Fig. 134 - Locatelli: Imaculada Conceição – 1954 (Catedral Metropolitana de Santa Maria, RS). In: ZATTERA, Véra

Beatriz Stédile. Aldo Locatelli. Porto Alegre: Palllotti, 1990. Foto: créditos pertencentes a Hugo Domingos Zattera, Joel Jordani e Vera S. Zattera.

Fig. 135 - Tiepolo: Glória de Santa Teresa (detalhe) 1724 – 1725. (Igreja dos Scalzi, Veneza). In: POIRIER, Pierre. La

Peiture Vénitienne. Paris: Albin Michel, 1953. Foto: Naya. Fig. 136 - Locatelli: Coroação de Nossa Senhora – 1949. (Catedral de Pelotas – RS). In: ALDO Locatelli; O Mago

das Cores. Porto Alegre: Marpron/ CEEE, 1998. Foto: Fernando Zago. Fig. 137 - Locatelli - Imaculada Conceição – c.1953 (Igreja de São Luiz – Novo Hamburgo, RS). In: ZATTERA, Véra

Beatriz Stédile. Aldo Locatelli. Porto Alegre: Palllotti, 1990. Foto: créditos pertencentes a Hugo Domingos Zattera, Joel Jordani e Vera S. Zattera.

Fig.138 - Locatelli: Coroação da Virgem (detalhe) – 1954 (Catedral da Imaculada Conceição, Santa Maria, RS) In: ALDO

Locatelli; O Mago das Cores. Porto Alegre: Marpron/ CEEE, 1998. Foto: Fernando Zago.

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218

Fig. 139 - Alfredo Faggi: Pietá (Weye Gallery - c. 1957) In: Liturgical Arts. Agosto de 1957, n. 4. v. 25, p. 103. Publicação localizada nos arquivos de Lazzarini.

Fig. 140 - Detalhe de decoração mural da parede lateral direita do batistério – 1964 (Catedral do Divino Espírito Santo, Cruz Alta, RS), F. A.

ANEXOS

Fig. A-01 - Angelo Lazzarini. Foto: Arquivo da Família Lazzarini. Fig. A-02 - Angelo Lazzarini (c. 1950) Foto: Arquivo da Família Lazzarini. Fig. A-03 - Fiorello Orlandi e Angelo Lazzarini (1958) Foto: álbum particular de Amábile Echer Loro. Fig. A-04 - Juventino Barbieri (Dona Francisca -1999), F. A. Fig. A-05 - Família Lazzarini, em férias, no verão de 1963. Foto: álbum particular de Amábile Echer Loro Fig. A-06 - Mapa ilustrativo da Região da Quarta Colônia - 2000, com indicação da cronologia e localização das obras

murais de Lazzarini. D. A. Fig. A-07 - Capela de Santo Isidoro (Sítio dos Mellos - Faxinal do Soturno – RS), F. A.

Fig. A-08 - Passaporte de Lazzarini, folhas: 2 – 3 (Arquivo da Família Lazzarini).

Fig. A-09 - Passaporte de Lazzarini, folhas: 4 – 5 (Arquivo da Família Lazzarini).

Fig. A-10 - Passaporte de Lazzarini, folhas: 6 – 7 (Arquivo da Família Lazzarini).

Fig. A-11 - Passaporte de Lazzarini, folha: 8 (Arquivo da Família Lazzarini).

Fig. A-12 - Atestado do Exército Argentino, 1945 (Arquivo da Família Lazzarini).

Fig. A-13 - Fragmento de um cartão de visitas de Lazzarini (Arquivo da Família Lazzarini).

Fig. A-14 - Capela de Nossa Senhora de Pompéia (Linha Quarta Sul, Silveira Martins - RS), F. A. Fig. A-15 - Igreja da Santíssima Trindade (Nova Palma - RS), F. A. Fig. A-16 - Igreja de São Roque (Faxinal do Soturno - RS), F. A. Fig. A-17 - Igreja de São José (Dona Francisca - RS), F. A. Fig. A-18 - Igreja de São João Batista (São João do Polêsine - RS), F. A. Fig. A-19 - Igreja de Santo Antônio (Silveira Martins - RS), F. A. Fig. A-20 - Igreja de Nossa Senhora das Dores (Bairro Dores, Santa Maria - RS), F.A. Fig. A-21 - Igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico (Vale Veronês, Silveira Martins - RS), F.A. Fig. A-22 - Igreja de São Marcos (Novo Treviso, Faxinal do Soturno - RS), F. A. Fig. A-23 - Igreja de Nossa Senhora do Caravaggio (Sítio Alto, Ivorá - RS), F. A. Fig. A-24 - Igreja de São José (Ivorá - RS), F. A. Fig. A-25 - Igreja de Santa Catarina (Bairro Itararé, Santa Maria - RS), F. A.

Total: 165 figuras formato Jpeg com resolução média de 150 dpi.

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219

Altamir Moreira

A Pintura Mural Religiosa, de Angelo Lazzarini nas Igrejas da Quarta Colônia

Angelo Lazzarini: O Sermão da Montanha, 1955. Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma

ANEXOS

Porto Alegre, 2000

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Anexo A - Dados Biográficos

220

Figura 00 Angelo Lazzarini (Angel José Lazzarini) Foto: arquivo da Família Lazzarini

Angelo Lazzarini (*16-01-1899 - †10-11-1964)

1899 Angel Jose Lazzarini, filho de imigrantes italianos, nasce em 16 de janeiro em Venado Tuerto, na Província de Santa Fé, Argentina. 1909 Aos 10 anos viaja para a Itália junto com os pais: Francisco e Henriqueta Lazzarini. Permanecem neste país por 17 anos, residindo os primeiros anos em Veneza e, mais tarde, em Bolonha. 1912 Morre a mãe de Angelo. A família passa por dificuldades financeiras, e ele começa a trabalhar na rua, fazendo pequenas projeções cinematográficas com caixa escura, em troca de modesto pagamento em princípio efetuado por amigos. Com o desenvolvimento dessa atividade, mais tarde consegue custear parte dos estudos de pintura, na Academia de Bolonha. 1926 Retorna à Argentina junto com outro pintor italiano (não identificado no decorrer da pesquisa). Como não encontram um bom campo de trabalho naquele país, divergem de opinião quanto a direção a ser seguida, hesitam entre retornar à Itália ou emigrar para o Brasil. A decisão é finalmente, tomada após um sorteio realizado com uma moeda, e resulta na confirmação da viajem, de ambos, para o Brasil, país no qual ingressaram clandestinamente. 1933

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Anexo A - Dados Biográficos

221

Figura A -01 Angelo Lazzarini (c. 1950) Foto: arquivo da família Lazzarini.

Ocorrem os mais antigos registros históricos, atualmente conhecidos, da presença de Lazzarini no Brasil. O Livro do Tombo da paróquia de Jaguari (RS) documenta a realização da pintura da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, (murais destruídos nos anos 70). Nesse período, ele também realiza os murais da Capela de Nossa Senhora de Pompéia, na comunidade de Chapadão, no interior deste mesmo município (edificação abandonada).

Em Jaguari, também efetua a decoração da Capela da Congregação do Imaculado Coração de Maria (atualmente Colégio Municipal São José), uma pintura mural, ao que parece bastante antiga, mas, que não dispõe de assinatura ou datação. Cuja determinação de autoria, depende de estudos mais aprofundados. Registra-se, no entanto, que os motivos decorativos, nela encontrados, guardam alguma semelhança com a técnica utilizada por Lazzarini, nas igrejas da Quarta Colônia.

No mês de setembro, deste mesmo ano, registra-se a conclusão de pinturas na Igreja da Imaculada Conceição do município Santiago (Livro do Tombo II, p. 43 v.). Obras que vieram a ser destruídas, ainda em 1948, durante os trabalhos de ampliação desta Igreja Matriz.

Nesse período, o pintor compra dois terrenos e se estabelece na cidade, onde passa a realizar trabalhos de pintura em vasos de cerâmica. Participa, também, de uma sociedade comercial, que inaugura uma pequena sala de cinema, na qual são projetadas películas do cinema mudo, em sessões acompanhadas por música de piano.

1936 Após uma desilusão amorosa, parte de Jaguari para local ignorado, sem avisar seus sócios ou amigos. Conforme registros posteriores, é provável que ele tenha se deslocado para a região da serra gaúcha, em busca de novo campo de trabalho. 1937

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Anexo A - Dados Biográficos

222

Figura A- 03 Fiorello Orlandi e Angelo Lazzarini (1958) Foto: álbum particular de Amábile E. L.

Conforme documento do Centro de Pesquisas Genealógicas de Nova Palma - RS, Lazzarini publica neste ano, no jornal Stafetta Riograndense de Caxias do Sul o seguinte comercial: “[...] specialista in pitture, o decorazioni di Chiese et opere d`arte raccomandatto dalla Autoritá Eclesiasttica, precci moditti – atualmente à Garibaldi”.

Nessa época, apesar de não se ter localizado documentos escritos, existe a possibilidade de que Lazzarini tenha passado pela região da Quarta Colônia e realizado pinturas na igrejas de Nova Palma, Nova Údine (Ivorá) e, na Capela de Sítio dos Mellos, esta última, segundo o depoimento de um morador da comunidade, foi realizada, aproximadamente, no ano de 1938. Ainda, por comparação estilística seria possível incluir, nesta primeira fase, também, a pintura do quadro de Santa Cecília, realizado para a Igreja de Nossa Senhora de Pompéia de Silveira Martins.

No período seguinte, Lazzarini viaja para São Paulo, época em que teria passado pela cidade de Sorocaba e visitado a família da senhora Erna Mann Coe, parente de alguns de seus amigos da cidade de Jaguari. Francisco tem a vaga lembrança de que seu pai contava ter realizado pinturas em algumas cidades do interior de São Paulo, e que depois, dirigiu-se novamente para o sul em busca de trabalho, passando pelo interior de Santa Catarina. Amábile (sobrinha do pintor) relata que com este dinheiro Angelo Lazzarini teria comprado terrenos em Bento Gonçalves e na praia de Imbé no litoral sul-rio-grandense. Nos arquivos da família de Lazzarini, resta um registro de transação imobiliária realizada em 1940, o que reforça a probabilidade de que esta viagem para o norte realmente tenha ocorrido antes desta época.

1940 Conforme documento guardado no arquivo da família em Caxias do Sul, neste ano Lazzarini registra a aquisição de um terreno em Bento Gonçalves. 1941 Recebe em Bento Gonçalves, uma correspondência do Cônego Pascoal Librelotto, Secretário Geral do Bispado de Santa Maria. O qual, possivelmente, desempenhou o papel de contato para futuras pinturas na região, ou mesmo durante a primeira fase, no final dos anos trinta.

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Anexo A - Dados Biográficos

223

1944 Executa a pintura do Santuário de Santo Antônio, na cidade de Bento Gonçalves, obra em que trabalha uma série de temas ligados à vida desse santo português, além das primeiras versões do tema popular do Destino do Justo e do Destino do Pecador. Na parede posterior do coro, executa ainda um grande mural de Jesus e as criancinhas (atualmente substituído por outro mural executado por Stefani, em 1982). Nesse local, ainda restam alguns murais de Lazzarini sobre a Legenda de Santo Antônio, ainda que bastante retocados. O conjunto da obra original, hoje, se encontra bastante modificado pelo acréscimo de novos murais. Antigas figuras de anjos, na parede posterior do altar, foram substituídas pela nova temática da Glória de Santo Antônio e outros novos murais executados por J. Inácio e Grisson em 1991. Durante os serviços de pintura, dessa igreja Lazzarini, conhece Itália Andrizzi, a futura esposa. 1945 Em 19 de outubro, Lazzarini vai até o Consulado da Argentina, localizado em Porto Alegre, e solicita uma confirmação da regularidade de sua situação militar, para que possa viajar para à Argentina. 1950 Retira um passaporte no Consulado da Argentina em Porto Alegre.

1951 Em 09 de abril inicia a pintura dos murais da Igreja de Nossa Senhora Mãe de Deus, no município de Carlos Barbosa.

É do conhecimento familiar, que Lazzarini tenha participado, ainda nesse ano, da concorrência para a pintura da Igreja de São Pelegrino, em Caxias do Sul, onde perde o serviço para Aldo Locatelli.

1952 Em 10 de novembro, nasce o primeiro filho, da união de Lazzarini com Itália Andrizzi, esse recebe o mesmo nome do avô: Francisco Lazzarini.

1953 A principal informante desta biografia de Lazzarini, Amábile Echer, sobrinha de Itália, passa a morar com a família Lazzarini auxiliando a cuidar do filho do casal, durante os períodos em que o pintor se afasta para tratar de seu trabalho.

1954 É solicitado a trabalhar na nova pintura da Igreja da Santíssima Trindade em Nova Palma, viaja sozinho em princípio, mas logo mais tarde busca também a família, com a qual passa a morar temporariamente nesta cidade. Durante este período, contrata Eduardo Barrachini para auxiliá-lo. 1955 Conclui a pintura da Igreja Matriz de Nova Palma, e é provável que ainda neste ano ele tenha iniciado a pintura da Igreja Matriz de Faxinal do Soturno.

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Anexo A - Dados Biográficos

224

Figura A-04 Juventino Barbieri (foto:1999).

Figura A-04 Juventino Barbieri (foto:1999).

1956 Conclui a pintura da Igreja de São Roque, em Faxinal do Soturno, e neste mesmo ano, ainda executa a pintura da Igreja de São José, em Dona Francisca. 1956 Conclui a pintura da Igreja de São Roque, em Faxinal do Soturno, e neste mesmo ano, ainda executa a pintura da Igreja de São José, em Dona Francisca. 1957 Pinta a Igreja de São João Batista em São João do Polêsine. É auxiliado por João Elídio dos Santos, o qual o acompanha desde os serviços da Igreja de Faxinal do Soturno. 1958 Pinta a Igreja de Santo Antônio em Silveira Martins, e Fiorello Orlandi passa a ser o novo auxiliar. Após esse serviço, a família de Lazzarini volta para Caxias do Sul. Nesse período nasce a filha; Leda Lazzarini. No final do ano a família muda-se para Santa Maria, onde Lazzarini passa a se dedicar à pintura da Igreja do Bairro Dores. 1959 Ano de conclusão da Pintura da Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, e período no qual o casal Angelo e Itália oficializa seu matrimônio no rito religioso. 1960 Pinta a Capela de Nossa Senhora do Monte Bérico, provavelmente no início deste ano, após isto é convidado pelo Padre Antônio Soldera (antigo pároco da Matriz de Dona Francisca), e viaja para executar a pintura da Igreja Matriz da cidade de Getúlio Vargas. Durante este período teria pintado pequenos quadros de cavalete com motivos de paisagens e flores, os quais foram vendidos a uma família daquela cidade. 1961 Volta a morar em Santa Maria, deslocando-se desta cidade, semanalmente, para trabalhar na pintura da Igreja de São Marcos em Novo Treviso. 1962 Executa a pintura da Capela de Nossa Senhora do Caravaggio, na comunidade de Sítio Alto em Ivorá. 1963 Conclui a pintura da Igreja de São José, em Ivorá. Sendo auxiliado por Juventino Barbieri. Ainda nesse ano, pinta a Igreja de Santa Catarina no Bairro Itararé em Santa Maria.

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Anexo A - Dados Biográficos

225

Fig. A-05 Família Lazzarini em férias no verão de 1963. Foto: álbum particular de Amábile Echer Loro

1964 Pinta a Catedral do Divino Espírito Santo em Cruz Alta. Seu auxiliar Juventino, afasta-se logo no início da obra devido a exigências do serviço militar. Lazzarini, aos 65 anos, sofre por quatro meses em decorrência de uma intoxicação causada pelas tintas, vindo a falecer no dia 10 de novembro, por insuficiência respiratória. Como não conseguiu concluir a última parte da pintura especificada pelo contrato, a família tem problemas em receber o pagamento, de forma que o advogado de Itália determina que os familiares concluam o trabalho dentro de suas possibilidades para que então pudessem receber o pagamento. Dessa forma, Francisco e sua mãe, utilizando os moldes decorativos deixados por seu pai pintam a parede posterior do presbitério, concluindo o serviço e, encerrando a difícil negociação.

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Anexo B - Cronologia

226

Cronologia das pinturas murais de Angelo Lazzarini

01) Capela de Nossa Senhora de Pompéia, (Linha Quarta Sul) Silveira Martins c. 1929 – 1940. (atribuição duvidosa). 02) Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Jaguari, 1933. 03) Capela da Congregação do Imaculado Coração de Maria, Jaguari, 1933 04) Capela de Nossa Senhora de Pompéia, (Chapadão) Jaguari, 1933. 05) Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Santiago, 1933. 06) Capela de Santo Isidoro (Sítio dos Mellos) Faxinal do Soturno, c. 1938. (atribuição duvidosa) 07) Santuário de Santo Antônio, Bento Gonçalves, 1944. 08) Igreja de Nossa Senhora Mãe de Deus, Carlos Barbosa, 1951. 09) Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma, 1955. 10) Igreja de São Roque, Faxinal do Soturno, 1956. 11) Igreja de São José, Dona Francisca, 1956 12) Igreja de São João Batista , São João do Polêsine, 1957. 13) Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, 1958. 14) Igreja de Nossa Senhora das Dores, (Bairro Dores), Santa Maria , 1959. 15) Capela de Nossa Senhora do Monte Bérico , (Vale Veronês), Silveira Martins, c. 1960. 16) Igreja de São Marcos, (Novo Treviso), Faxinal do Soturno, 1961. 17) Capela de Nossa Senhora do Caravaggio, (Sítio Alto), Faxinal do Soturno, 1962. 18) Igreja de São José, Ivorá, 1963. 19) Igreja de Santa Catarina, (Bairro Itararé) Santa Maria, 1963. 20) Catedral do Divino Espírito Santo, Cruz Alta, 1964. (Obra não completada)

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Anexo C - Localização

227

Região da Quarta Colônia com indicação da cronologia e localização das obras de Angelo Lazzarini

Fig. A - 06

Page 244: 1-dissertação

Anexo D - Documentos

228

Figura A-07 - Folhas : 2 - 3

Figura A-08 - Folhas : 4 - 5

Anexo D

Documentos

Doc 01 - Passaporte de Angelo Lazzarini

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Anexo D - Documentos

229

Figura A-09 - Folhas : 6 - 7 Fig. A-05 - Passaporte de Lazzarini ,

Figura A-10 - Folha: 7

Passaporte de Angelo Lazzarini

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Anexo D - Documentos

230

Figura A -11

DOCUMENTO – 02 Atestado do Exército Argentino

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Anexo D - Documentos

231

Figura A-12

Documento 03

Fragmento de um cartão de visitas de Lazzarini

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Anexo G - Histórico das Igrejas

232

Breve Histórico de Igrejas com Pinturas Murais na região da Quarta Colônia*

* Organizada segundo a ordem cronológica de realização das pinturas murais.

Capela de Santo Isidoro Sítio dos Mellos, Faxinal do Soturno

Em 1918, quando foi criada a paróquia de São José de Ivorá, a comunidade de Sítio dos Mellos ainda não possuía igreja própria, e os fiéis, necessitavam deslocar-se, alguns quilômetros, para chegarem até a Igreja de Nossa Senhora do Caravaggio, localizada na comunidade vizinha de Sítio Alto. Frente à requisição constante dos moradores de Síto dos Mellos, foi proposta a transferência da Capela de Caravaggio para uma região intermediária, mas esse plano desagradou profundamente a comunidade de Sítio Alto, a qual decidiu apresentar seus protestos perante Dom Miguel de Lima Valverde, o bispo dessa época. Ele por sua vez, propõe a solução definitiva, autorizando a criação de uma nova capela em Sítio dos Mellos.

Em 1924, a obra é iniciada pelo construtor Ângelo Meneghetti, que vem a concluir seu empreendimento em 1925, quando então a capela foi inaugurada e consagrada a Santo Isidoro, o padroeiro dos agricultores. Mais tarde, em 1952 a construção receberia, ainda, o acréscimo de uma torre, projetada pelo engenheiro Vilson Aita.

Conforme a versão apresentada pelo Livro comemorativo aos 75 anos da igreja; a pintura teria sido realizada por um pintor denominado “Lorenzini”, obra cuja datação este texto não menciona. Já o Sr. Fiorello Orlandi, ex-auxiliar de Lazzarini em período mais recente, apesar de também desconhecer a data de realização da pintura, lembra que Lazzarini referia-se à pintura da Igreja, de Sítio dos Mellos, como uma de suas antigas realizações. E, finalmente, o Sr. Nélio Pedro Meneghetti, apesar de não saber precisar o nome do pintor, afirma que a pintura teria sido realizada há aproximadamente 60 anos, o que na época da entrevista daria o ano aproximado de 1938. Mesmo considerando as informações discordantes, ao analisarmos comparativamente o estilo destas pinturas, somos, atualmente, inclinados a defender a hipótese de que os murais tenham sido, realmente, executados por Lazzarini, e que o nome Lorenzini seja apenas o resultado de algum erro de grafia, decorrente de um mal entendido histórico de alguma variante fonética. Apesar de considerarmos indispensável, a realização de futuras análises mais aprofundadas, para que a atribuição possa ser finalmente considerada confiável.

Figura A-13 Capela de Santo Isidoro. Sítio dos Mellos. Faxinal do Soturno - RS

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Anexo G - Histórico das Igrejas

233

Em período mais recente, ocorreu uma consulta popular que avaliou o interesse da comunidade de Sítio dos Mellos, o que resultou num acordo, que vigora desde 31 de dezembro de 1994, pelo qual a Capela de Santo Isidoro passa a pertencer à Paróquia de São Roque, de Faxinal do Soturno.

Capela de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia Linha Quarta Sul, Silveira Martins.

Esta capela foi construída em terras particulares do oleiro Vicenzo Guerra, por motivo de pagamento de uma promessa. Em 1899, esse senhor encontrava-se gravemente enfermo, pois havia entrado em estado de coma, logo após ter sido desenganado pelo médico, Nicola Turri, de Santa Maria. Um dos empregados da olaria, chamado Vagnésio, sabendo que Vicenzo era devoto de Nossa Senhora, tomou a iniciativa de visitar o patrão para sugerir que a família rezasse uma novena em honra a esta devoção. Percebendo que a família não daria importância à opinião de um subordinado, Vagnésio inicia a novena por conta própria. Ao final do terceiro dia, Vicenzo demonstra sinais de melhora, conseguindo então comunicar-se com a família. Relata ter visto, em sonhos a imagem de Nossa Senhora de Pompéia, razão pela qual, promete construir uma igreja, em honra a este título de Maria, caso lograsse alcançar a plena recuperação, o que não demoraria a acontecer.

Em 1900, Vicenzo constrói a primeira capela, na qual coloca a imagem de Nossa Senhora de Pompéia. Mais tarde, em 1907 ele viaja à Itália, onde, por intermédio de um frade franciscano, consegue uma audiência com o papa Pio X. Retornando ao Brasil, conta com o auxílio da comunidade, para construir a capela definitiva, seguindo uma planta octogonal, o que segundo a tradição teria sido uma referência ao teto do galpão que recobria a área do amassador de argila em sua olaria. No entanto, é possível acreditar que nessas formas se encontrem, também, algumas referências à arquitetura histórica dos antigos batistérios românicos italianos, os quais Vicenzo, provavelmente deve ter visto no decorrer de sua viagem ao velho continente.

No decorrer desta pesquisa não conseguimos localizar documentos escritos ou pessoas habilitadas a fornecer informações sobre a pintura em tela do tema de Santa Cecília que encontramos nesta igreja. Contudo, pela análise comparativa de elementos formais, tendemos a acreditar que se trata de uma antiga pintura de Lazzarini, remanescente da antiga fase, na qual ele utilizava margens escuras, para delimitar as bordas de suas obras. O que

Figura A-14 Capela de Nossa Senhora de Pompéia. Linha Quarta Sul. Silveira Martins - RS

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Anexo G - Histórico das Igrejas

234

permite, em caráter provisório, situar esse mural como um dos trabalhos realizados entre os anos de 1930 e 1940, em uma de suas primeiras incursões a trabalho nesta região, embora a certeza definitiva dessa atribuição, sem dúvida, ainda, repouse na dependência de futuras análises mais aprofundadas.

Igreja da Santíssima Trindade Sede Municipal, Nova Palma

Esta igreja originou-se a partir de uma pequena edificação de madeira, provavelmente, erigida em 1887. Resultado do esforço coletivo dos imigrantes italianos, há pouco tempo instalados nessa região, incentivados pela visita do padre Antônio Sório de Silveira Martins. Esse padre após ter realizado em 1886 a primeira missa na região, teria prometido assistência sacerdotal regular a esta comunidade, desde que ela se encarregasse da construção de uma capela117.

Em 27 de maio de 1888, o padre João Vogel, então encarregado de realizar a missa inaugural, observou que aquela data coincidia com o dia dedicado à Santíssima Trindade, e, em conseqüência disso teria decidido consagrar a igreja a este título118 .

Mais tarde, em 1906, a primitiva capela foi substituída por uma nova edificação executada em pedra grês, a qual em 1912 seria elevada à categoria de curato. Em 1915, a igreja passa por uma série de reformas quando recebe o acréscimo de uma torre central. Mesmo assim esta igreja não tardou a apresentar problemas estruturais, de modo que em 1925, a comunidade decide reconstruir a nave, de acordo com o projeto do engenheiro Vitorino Zani de Porto Alegre. Provavelmente, no final ano de 1926, sob o patrocínio do casal Giuseppe e Maria Barichello, o pintor Amadeu Kuliska realiza a pintura dos primeiros murais desta igreja, preparando o novo templo para a inauguração que viria a ocorrer em 16 de Fevereiro de 1927.

117 Cf., SPONCHIADO, Breno Luis. Imigração e Quarta Colônia: Nova Palma e Pe. Luizinho. Santa Maria: Pallotti, 1996. p. 83 - 101 118 No altar desta igreja foi colocado um quadro com uma reprodução gráfica da Santíssima Trindade, baseada em um clássico quadro de Rubens, no qual as três formas divinas eram representadas com a configuração de uma Trindade Horizontal. Mais tarde, em 1904, esta imagem viria a ser substituída por um novo quadro trazido da Alemanha, pelo padre Kuggelmann, obra realizada na técnica óleo sobre metal, que apresenta a configuração conhecida como Trindade Vertical.

Figura A-15 Igreja da Santíssima Trindade. Nova Palma -RS

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Anexo G - Histórico das Igrejas

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Embora não tenhamos localizado documentos escritos, especificamente, relacionados a esta antiga pintura, ao considerarmos a documentação fotográfica existente e o depoimento de Barbieri119 sobre uma antiga pintura que Lazzarini teria realizado neste local, consideramos que é provável que Lazzarini tenha realizado uma segunda pintura nesta igreja no período de 1936 a 1940. Ignoramos os motivos que levariam os padres a requisitarem, mais tarde em 1954, novamente, esse artista para realizar uma nova pintura na Igreja da Santíssima Trindade. Obra na qual Lazzarini teria refeito todos os murais, trabalhando com novas composições e motivos iconográficos, e que seria a primeira pintura, suficientemente documentada, de Lazzarini nesta igreja, que demarca o início de um ciclo de intenso trabalho na região da Quarta Colônia.

A pintura da Igreja da Santíssima Trindade foi iniciada em julho de 1954 e concluída em sete meses, sendo inaugurada em 24 de abril de 1955 com a presença de Ildo Meneghetti, governador do estado na época, e do Provincial dos palotinos120

Igreja de São Roque Sede Municipal, Faxinal do Soturno

A primeira capela de Faxinal do Soturno, executada em madeira, foi iniciada em 1896 e concluída em 1898. Mais tarde, aproximadamente, entre 1910 e 1911, a comunidade iniciou uma nova construção, seguindo o projeto do Padre Frederico Schwinn, o pároco de de Silveira Martins, que desde então se encarregou de inspecionar, pessoalmente, este empreendimento, até a conclusão, em 1912.

Em 1936, a comunidade entra em contato com o engenheiro João Lapitz que, naquela época, encontrava-se trabalhando na Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria. Contratado para elaborar o projeto da nova igreja de Faxinal do Soturno, Lapitz concebe um edifício onde se destaca o geometrismo de linhas modernas, mescladas a alguns elementos românicos, destacados, principalmente, na forma das janelas em arco duplo e da nave abobadada, com anexos de absidíolas semicirculares. A orientação dos trabalhos de execução ficam a cargo do construtor Luiz Soldera, o qual viria a concluir seu empreendimento em 06 de janeiro de 1939121

119 Juventino Barbieri; auxiliar de Lazzarini no período de 1962 a 1964, relata comentários de Lazzarini sobre esta antiga pintura da Igreja da Santísima Trindade. Cf., entrevista realizada em Dona Francisca em 27 de novembro de 1999. 120 Cf., Livro do Tombo II. Folhas 35 – 36. Casa Paroquial da Igreja da Santíssima Trindade, Nova Palma - RS. 121 Cf., RUBIN, Pe. Dorvalino. Faxinal do Soturno e os 50 anos de sua Igreja. Santa Maria: Pallotti. 1987. p. 14.

Figura A-16 Igreja de São Roque. Faxinal do Soturno -RS

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Anexo G - Histórico das Igrejas

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Provavelmente, em maio de 1955, após terminar os serviços na Igreja de Nova Palma, Lazzarini inicia os murais da Igreja de São Roque. Nessa época, ele contrata o auxiliar João Elídio dos Santos, que o ajuda a concluir o trabalho, provavelmente, nos primeiros meses de 1956, de modo que nesse mesmo ano ele ainda teria tempo para realizar a pintura da Matriz de Dona Francisca. A nova decoração, certamente colocava a Igreja de São Roque, em posição de rivalidade estética com a Igreja Matriz localizada em Novo Treviso, prenunciando o destaque que essa receberia a partir de 1960, quando, finalmente, passa a ser a paróquia de Faxinal do Soturno.

Igreja de São José Sede Municipal, Dona Francisca

A região correspondente ao atual município de Dona Francisca, antigamente integrava as terras particulares de Manoel Gonçalves Mostardeiro, o qual, nas últimas décadas de 1900, teria erigido, em pedra, a primeira desta localidade.

A partir de 1883, essas terras seriam, progressivamente, adquiridas por colonos italianos vindos de Silveira Martins, descontentes com seus lotes de origem, ao mesmo tempo em que vários lotes eram adquiridos por imigrantes austríacos e alemães122.

A primeira igreja foi, inicialmente, atendida pelo padre Antônio Sório de Silveira Martins e, mais tarde, por padres palotinos vindos de Vale Vêneto. Em 1912 essa igreja passou a pertencer ao recém criado Curato de Nova Palma, coordenado pelo padre Francisco Burmann que se encarregou de restaurar a igreja de Dona Francisca no ano de 1916.

A partir de 1925, a Igreja de São José passa a pertencer ao Curato de Novo Treviso. Em 1929, inicia-se a reconstrução da torre, projeto que seria concluído em 21 de setembro de 1931123. Em 1934, a igreja é elevada à categoria de Paróquia, e é provável que logo a seguir tenha se iniciado a construção da nova igreja, segundo o projeto do construtor João Lapitz. Conforme registros paroquiais, em 1942 as obras ainda se encontravam em andamento, quando foram celebradas as primeiras missas no interior do templo. Em 1956, Lazzarini realiza as pinturas dessa igreja, conforme datação encontrada no mural alusivo à Morte de São José.

122 Cf., SPONCHIADO, Breno Luis. Imigração e Quarta Colônia; Nova Palma e Pe. Luizinho. Santa Maria: Pallotti, 1996. p. 63. Em 1900 já haviam 85 famílias italianas e 10 famílias alemãs, instaladas nesta localidade. 123 BONFADA, Genésio. Os Palotinos no Rio Grande do Sul; 1886 a 1919 – Fim da Província Americana. Santa Maria: Pallotti (Série Rainha 5), 1991. p. 131.

Figura A-17 Igreja de São José. Dona Francisca, RS.

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Anexo G - Histórico das Igrejas

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Igreja de São João Batista Sede Municipal, São João do Polêsine

As primeiras anotações sobre a existência de uma antiga capela em São João do Polêsine são de 1938, quando se registra que as missas da comunidade, doravante, passariam a ser realizadas em uma capela que funcionava como anexo do Noviciado Vicente Pallotti. Em 1949, inicia-se o trabalho de demolição de uma antiga igreja no mesmo local onde seria iniciada a nova construção. Para esse empreendimento contratam o engenheiro Arlindo Korthe de Santa Cruz do Sul124. A partir de 1950, a obra passa a ser dirigida pelo engenheiro Vilson Aita que conclui o projeto de influência Art Déco, com linhas retas e formas estruturais aparentes, onde se destaca a interessante torre em forma de cálice.

O forro dessa construção, executado com módulos quadrangulares de madeira compensada diferencia-se das demais igrejas da região onde predominam os forros de estuque. Lazzarini trabalha nos murais da Igreja de São João Batista, em 1957, provavelmente ainda auxiliado por João Elídio. Esta igreja, consagrada a São João Batista pertenceu à Matriz de Vale Vêneto até 1971, época a partir da qual, finalmente, passa a ser paróquia de São João do Polêsine.

124 RUBIN, Pe. Dorvalino (Comp.). Da Crônica Interna do Seminário Vicente Pallotti de Polêsine: as igrejas de Polêsine. Folheto disponível para consulta, na Casa paroquial da Igreja de São João Batista. S. J. do Polêsine – RS.

Fig. A-18 Igreja de São João Batista.São João do Polêsine, RS.

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Anexo G - Histórico das Igrejas

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Igreja de Santo Antônio Sede Municipal, Silveira Martins

A paróquia de Santo Antônio, de Silveira Martins, foi criada em 26 de abril de 1884 e confirmada, canonicamente, em 23 de junho do mesmo ano. Logo a seguir, em agosto, é assumida pelo padre Antônio Sório125

Em 1906 assume o padre Frederico Schwinn, que no ano seguinte inicia um amplo projeto de reformas na igreja matriz. Para isso, eleva a altura das paredes em, aproximadamente, três metros com o auxílio mecânico de potentes macacos mecânicos importados pela Companhia Ferroviária Belga de Santa Maria126. Logo a seguir remodela a fachada da construção, adotando um estilo barroco semelhantes às formas adotadas por algumas igrejas da região italiana do Vêneto127 Em 1915 esse mesmo padre projeta uma torre cilindrica, em estilo românico bizantino, cuja construção é concluída em 1918 e inaugurada em 1920128.

Conforme Bellinaso129, entre 1929 e 1930 dois pintores italianos cuja identidade não sabe precisar, realizaram a primeira pintura da Igreja de Silveira Martins. Dessa antiga pintura ainda restam dois registros fotográficos, no arquivo de Lazzarini, motivo pelo qual tendemos acreditar na possibilidade que tais murais tenham sido realizados pela dupla formada por Lazzarini e outro pintor italiano não identificado que, assim como ele teria migrado da Itália para a Argentina, e daí para o Brasil, no final da década de 20.

A única obra realizada por Lazzarini nesta igreja, sobre a qual ainda restam registros, pertence à fase pós-55, e referem-se às atuais pinturas, realizadas entre fevereiro e setembro de 1958, época em que ele passou a ser auxiliado por Fiorello Orlandi.Santa Maria.

125 RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio Grande do Sul. Vol. II (Coleção Teologia), Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. p. 287. 126 BONFADA, Genésio. Op. Cit. p. 131 127 GOULART, Antônio. Almanaque Gaúcho, túnel do tempo, Atração Turística: Silveira Martins. In Zero Hora, 12 de abril de 2000. p. 66. 128 Passim SANTIN, Silvino, ISAÍA, Antônio. Silveira Martins: Patrimônio Histórico Cultural. Porto Alegre: ESTF, 1990. 129 Cf., entrevista realizada com Severini Bellinaso, morador de Ivorá, em 08 de agosto de 1998.

Fig. A-19 Igreja de Santo Antônio, Silveira Martins, RS.

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Anexo G - Histórico das Igrejas

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Igreja de Nossa Senhora das Dores Bairro Dores, Santa Maria

O movimento pela construção da Igreja de Nossa Senhora das Dores surge em 1933, a partir da organização de um grupo formado por várias famílias oriundas de regiões próximas à Santa Maria, tais como Sobradinho, Novo Treviso e outras localidades de origem italiana, as quais, nessa época, já formavam um bairro bastante populoso na cidade de Santa Maria.

Para a edificação desta igreja foi contratado o engenheiro João Lapitz, e o construtor Alfredo Grassi. Mais tarde, durante a fase final de construção da torre contariam ainda com a colaboração do engenheiro Altair Alves, o qual encarrega-se de projetar a estrutura que viria receber a escultura de Cristo Redentor, obra executada por Emenegildo Marotto130.

Quanto às formas arquitetônicas, esta igreja caracteriza-se pelas pesadas linhas derivadas do românico, combinadas com detalhes barrocos, que demonstram a versatilidade estilística de Lapitz, engenheiro que, mais tarde, também exercitaria seu talento, na cidade de Pinhal Grande, realizando uma Igreja em estilo neo-gótico.

Lazzarini trabalharia na Igreja de Nossa Senhora das Dores a partir do segundo semestre de 1958, vindo a concluir seus murais no final de 1959. Durante a estadia em Santa Maria, Lazzarini oficializa seu casamento com Itália Andrizzi, através de uma cerimônia religiosa realizada nessa igreja.

130 Cf., MACHADO, Ana Luiza Oliveira. A Igreja Nossa Senhora das Dores: história e arquitetura. Santa Maria, 1996. Trabalho realizado para a disciplina de Fundamentos da Arte II do Curso de Desenho e Plástica da UFSM, cópia localizada na Casa Paroquial da Igreja de Nossa Senhora das Dores.

Figura A-20 Igreja de Nossa Senhora das Dores. Bairro Dores Santa Maria -RS

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Anexo G - Histórico das Igrejas

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Igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico Vale Veronês, Silveira Martins

Em 1883, quando esta comunidade decide construir uma pequena capela de madeira, Domingos Zamberlan, um dos primeiros moradores daquela região, propôs como padroeira a invocação de Nossa Senhora do Monte Bérico, como referência e homenagem ao título a quem era consagrada uma famosa basílica, localizada nas proximidades de Vicenza, região de origem deste imigrante.

Em 26 de outubro de 1884, o padre Antônio Sório, pároco de Silveira Martins, realiza a primeira missa, nesta pequena igreja, e propõe a denominação de Vale Veronês para esta região, por ser a região italiana de Verona, o local de onde provinham a maioria dos que ali se encontravam, inclusive o padre.

Em 1906, chega a Silveira Martins o padre Frederico Schwinn, natural da Baviera, Alemanha. Conhecido como um religioso que “[...] possuía um apurado espírito crítico no que se refere à construção de igrejas e capelas. Tinha bom gosto e entendia de Arte Sacra”131. Ao visitar Vale Veronês teria estranhado a fealdade da antiga capela desta comunidade, e por este motivo decidido desenvolver logo a seguir um novo projeto para este local, o que resultou na nova capela que foi inaugurada em setembro de 1908.

Em 1959, dentro da tendência de renovação decorativa, pela qual passavam a maioria das igrejas da região, esta comunidade decide contratar Lazzarini para realizar alguns murais para a igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico. Isso ocorre entre o final do ano de 1959 e os primeiros meses do ano de 1960. Após esse período Lazzarini viria a se afastar, temporariamente, da região, passando a trabalhar na igreja matriz da cidade de Getúlio Vargas (RS).

131 MARCUZZO, Pe. Clementino. Centenário de Vale Veronês. Santa Maria: Pallotti, 1982. p. 23.

Figura A-21 Igreja de Nossa Senhora do Monte Bérico. Vale Veronês Silveira Martins,RS.

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Anexo E – Histórico das Igrejas

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Igreja de São Marcos Novo Treviso, Faxinal do Soturno

A primeira igreja desta comunidade foi iniciada em 11 de abril de 1887 e concluída em 07 de junho daquele mesmo ano, sendo, então, dedicada a São Marcos, devoção popular que entre estes imigrantes tinha a mesma importância ora atribuída a Santo Antônio132.

Em 1893, organiza-se a comissão que daria início ao projeto de construção de uma nova igreja. Em 1903 registra-se nesta comunidade, a chegada de um pintor chamado “Giovanni Kuliska”, o qual acreditamos ser, um pseudônimo assumido pelo pintor estrangeiro na tentativa de superar a dificuldade de pronúncia apresentada pelo nome Gottlieb Kuliscka. Trata-se, provavelmente do mesmo pintor austro-polonês que, mais tarde seria responsável pela pintura dos murais da Capela de São Pedro em Linha Onze, Nova Palma (1928), época em que já teria assumido o nome aportuguesado de Amadeu Kuliska. Durante o período de construção da Igreja de São Marcos registram-se três pagamentos efetuados por ocasião de serviços prestados por Giovanni Kuliska. O primeiro corresponde aos trabalhos executados no ano de 1906, e os dois pagamentos seguintes, correspondem às atividades realizadas nos anos 1908 e 1909 respectivamente.

Em 1910, dava-se por concluída a construção da igreja e se iniciava a construção do campanário, trabalho que seria concluído, somente, em 1912.

Mais tarde a igreja passaria por uma reforma, planejada pelo engenheiro João Lapitz, que se encarregou de dar à construção o atual aspecto, com linhas geométricas modernistas, no qual predomina o estilo Art Déco.

Em Maio de 1961 Lazzarini inicia os trabalhos de pintura mural desta igreja, para a qual já havia executado em período anterior alguns trabalhos de marmorização decorativa para as peças do altar e do púlpito. Para a pintura dos murais, Lazzarini desloca-se, periodicamente, de Santa Maria até Novo Treviso. É provável que o pintor tenha concluído seu trabalho ainda no ano de 1961, conforme registra a data do teto do batistério desta igreja, embora o pagamento de seu serviço só viesse à ocorrer em abril de 1962, após a entrada dos rendimentos obtidos com as vendas, e as doações obtidas por ocasião da festa do padroeiro.

132 Cf., avaliação do Pe. Daniel Cargnin. Entrevista realizada em Novo Treviso em 17 de Abril de 1999.

Figura A-22 Igreja de São Marcos. Novo Treviso. Faxinal do Soturno -RS

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Anexo G - Histórico das Igrejas

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Capela de Nossa Senhora do Caravaggio Sítio Alto, Faxinal do Soturno

Em 1906, foi erigida a primeira capela de madeira, nesta comunidade, construção que foi consagrada a Nossa Senhora do Caravaggio. Mais tarde, esta primeira capela foi substituída pela atual construção em alvenaria, edificada pelo construtor Olinto Moro segundo projeto do engenheiro João Lapitz. Obra que foi inaugurada em 06 de fevereiro de 1940.

Em 1962 Lazzarini executa as pinturas murais desta capela, e contrata Juventino Barbieri, o qual passaria a ser seu auxiliar a partir da próxima obra realizada na igreja matriz de Ivorá.

Recentemente, devido ao esmaecimento natural da pintura, realizada pela técnica de afresco seco, a comunidade contratou os serviços de um pintor, que procurou recuperar as formas dos frisos decorativos. Apesar dele não cobrir nenhuma parte dos murais figurativos de Lazzarini, o resultado se mostra bastante problemático, pois a tinta plástica, utilizada nesta repintura apresenta uma tonalidade bem mais vibrante que as cores originais do afresco seco, resultando num contraste que prejudica a harmonia original do conjunto

Figura A-23 Igreja de Nossa Senhora do Caravaggio. Sítio Alto. Ivorá, RS

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Anexo G - Histórico das Igrejas

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Igreja de São José Sede Municipal, Ivorá A primeira missa desta comunidade, foi realizada em 1885 em uma antiga capela de madeira, pelo padre Guilherme Witmee, vindo de Vale Vêneto.

Mais tarde, devido ao aumento populacional e a regularidade das visitas de padres palotinos, a pequena capela original foi substituída por uma igreja de alvenaria. Esta, iniciada em 15 de novembro de 1893, e inaugurada em 12 de setembro de 1899.

Em 1906, esta igreja ascende à categoria de curato e passa a ser atendida por um padre residente na comunidade. Em 1917, a Capela de São José é elevada à categoria de paróquia, e logo a seguir, em 1918 assume o pároco Humberto Busatto. Este padre requisita várias adaptações na arquitetura da igreja de maneira que ela viesse a atender aos requisitos necessários ao culto do Divino. Os serviços de ampliação tiveram início em 1920, segundo o projeto do engenheiro Pedro Bay de Júlio de Castilhos e foram concluídos em 18 de maio de 1921.

Em julho de 1962, Lazzarini inicia a pintura do interior da Igreja de São José. Apesar de ser registrado em documentos paroquiais um pagamento efetuado ao pintor no final deste mesmo ano, tendemos a acreditar que a data mais provável de conclusão dos trabalhos situe-se no ano seguinte. É verdade que, é preciso considerar que a datação e a assinatura do pintor no mural se encontram semi-apagadas mas, ao nosso juízo, ainda é possível interpretá-la como referente ao ano subseqüente, ou seja 1963.

Figura A-24 Igreja de São José. Ivorá -RS

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Anexo E – Histórico das Igrejas

244

Igreja de Santa Catarina Bairro Itararé, Santa Maria Esta igreja foi fundada em 14 de janeiro de 1934, por iniciativa da comunidade e da Congregação de São Caetano. Conforme a história local, a padroeira, Santa Catarina, teria sido escolhida como forma de homenagear a doadora do terreno.

Em 18 de julho de 1955, teve início a construção da nova igreja, conforme uma planta de Dário Borto. Esta obra, inicialmente, dirigida pelo construtor José Fleig, o qual prosseguiria em etapas até 1958, quando desiste de continuar a obra, porque seus operários já não se sentiam com coragem de continuar com a construção da torre. Diante desta situação, a continuidade do empreendimento fica sob responsabilidade do construtor Darci Turra. Quanto à conclusão definitiva desta obra, é provável que só ocorresse bem mais tarde, pois conforme o único registro que encontramos, referente à inauguração, o bispo Dom Ivo Loscheiter, em 1975 ao redigir seu termo de visita pastoral, refere-se à inauguração como um evento ocorrido há seis anos, o que dá a época, aproximada, de 1969.

Esta seria a última igreja trabalhada por Lazzarini na região da Quarta Colônia. Auxiliado por Barbieri ele conclui as pinturas no intervalo de julho a dezembro de 1963. Após este trabalho ele se deslocaria para Cruz Alta onde viria a falecer antes de concluir a obra definitiva de sua carreira.

Figura A-25 Igreja de Santa Catarina. Bairro Itararé. Santa Maria,RS

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Anexo F - Entrevistas

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Lista de pessoas entrevistadas:

Adão Germano Bus - (*11/10/1919) - Jaguari - 16 de Fevereiro de 2000 (entrevista não estruturada). Albino Sari - Novo Treviso – Junho de 1998. (formulário). Amábile Echer Loro (*13/11/1942). - Santa Maria - 16 de Outubro de 1999 (formulário). Antônio dos santos (*03/05/1942) - (irmão do ex-auxiliar de Lazzzarini) Faxinal do Soturno - 15 de

fevereiro de 2000. (formulário). Fiorello Orlandi (*1934 -) auxiliar de Lazzarini no período de 1957 a 1958. Faxinal do Soturno –

Junho de 1998 (gravação e formulário). Francisco Lazzarini – Caxias do Sul – 24 de julho e 12 de outubro de 1999. (formulário). Hildegard Krause (* 1917 ).- Faxinal do Soturno - 17 de abril de 1999. (formulário). Juventino Barbieri - (*1945 - ) – (ex-auxiliar de Lazzarini no Período de 1962 a 1964).

Dona Francisca - 27 de novembro de 1999. (formulário). Marieta Ribeiro Mann em – Jaguari -16 de Fevereiro de 2000 - (entrevista não estruturada). Nélio Pedro Meneghetti - Sítio dos Mellos - Faxinal do Soturno - Junho de 1998 (formulário).

Oldair Santi – Jaguari (entrevista não estruturada). Orlindo Zamberlan (*1918 - ) Vale Veronês -21 de Agosto de 1999. (gravação e formulário). Pe. Daniel Cargnin - Novo Treviso – 17 de abril de 1999. (entrevista não estruturada). Pe. Dorvalino Rubin - São João do Polêsine - 25 de junho de 1998 (formulário). Pe. Clésio Facco - Vale Vêneto - São João do Polêsine - 22 de novembro de 1999. (entrevista não

estruturada). Pe. Luiz Sponchiado - (pesquisador do processo de imigração e formação histórica da região da

Quarta Colônia) Nova Palma - 21 de outubro de 1999. (entrevista não estruturada). Quirino Marco dos Santos (irmão do ex-auxiliar de Lazzzarini) Sitio dos Mellos – Faxinal do

Soturno - 30 de dezembro de 1999. (formulário). Severino Belinaso - (diácono de Ivorá e historiador regional) – Ivorá – 08 de agosto de 1998.

(formulário). Teresinha Borin - Santa Maria - 24 de novembro de 1999 (depoimento espontâneo).

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Anexo G – Formulário

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MODELO

A Pintura Mural de Angelo Lazzarini nas Igrejas da Quarta Colônia Plano de coleta de dados Técnica: Formulário Entrevistador: Altamir Moreira Objetivo: Coleta de dados sociais (Condições em que as pinturas foram executadas), técnicos

(sobre a execução das pinturas murais) e biográficos (sobre o autor das pinturas murais) FormulárioNº: Data: ___ ___ ________ Local: _______________________________________________________ Entrevistado:_________________________________________________

Data de Nascimento: ____ ____--_________ Esquema de orientação inicial para o desenvolvimento das perguntas a serem efetuadas: Biográficas: 1 - Região de onde veio o pintor antes de executar pinturas nesta localidade. 2 - País e cidade de origem do pintor. 3 - Formação do pintor. 4 - O pintor exercia alguma atividade paralela à pintura – qual Técnicas: 5 - Que instrumentos utilizava? - moldes - cartões 6 - Qual era a preparação da superfície? - detalhes construtivos 7 - De onde vinham as tintas? 8 - Modo de execução das pinturas? - tempo de execução - técnicas 9 - Tinha auxiliares - que tarefas desempenhavam? Histórico - sociais: 10 - Havia pinturas anteriores na igreja? 11 - Quais as pessoas que tiveram convivência com o pintor? 12 - Quem patrocinava as pinturas -descrição de perfil sócio- econômico? 13 - Os patrocinadores interviam na escolha e localização da temática? 14 - Havia lugares previlegiados para pinturas patrocinadas por detentores de maior contribuição econômica? 15 - Quem escolhia o tema? 16 - Em que referências visuais eram baseados? 17 - Que imagens sacras eram mais comuns nos lares católicos da região? 17 - As iamgens apresentadas pelas pinturas correspondiam aos santos de devoção familiar ou eram estanhas aos

fiéis? 19 - idioma das homilias da época - havia referências constantes às imagens como auxílio ao discurso? 20 - Que imagem(s) da pintura mural você considera mais importante?– motivo? Perguntas para pessoas com algum conhecimento específico da área 21 - A distribuição das imagens obedecia a alguma sistemática pré-estabelecida - quais. 22 - Havia algum documento ou diretiva oficial da igreja em relação ao tipo de pintura a ser admitida na igreja

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Anexo H – Quadro de freqüência temático-iconográfica

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