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1. Análise das técnicas de estofamento das esculturas policromadas do acervo de arte sacra do Museu Solar Monjardim (Vitória-ES) FUVIANE GALDINO MOREIRA 1 Segundo o livro Devoção e Arte: Imaginária Religiosa em Minas Gerais, “o termo estofamento é originário da palavra francesa étoffe, que abrange todos os tecidos de lã e algodão, significando pintura que imita os brocados, bordados etc”. (COELHO, 2005: 238). No Glossário de Arquitetura e Ornamentação, “o estofamento seria o processo de policromia usado para fingir a indumentária de imagens de santos e anjos” (ÁVILA; CONTIJO; MACHADO, 1996: 144). Na concepção de Beatriz Coelho, temos a seguinte assertiva: [...] o que chamamos policromia está dividido em duas partes: a carnação, cujo nome vem de carne, ou seja, pintura da anatomia aparente da figura, quando se dá a cor da pele, e o estofamento, que é a imitação dos tecidos da época, feita em várias camadas. (COELHO, 2005, p. 238). No Brasil, diversas técnicas foram utilizadas na fatura do estofamento, sendo as mais encontradas o esgrafiado, as punções, os relevos e a aplicação de materiais diversos, como pedras e rendas douradas. Cabe lembrar que essas técnicas de ornamentação trazidas de Portugal só foram possibilitadas no Brasil após a descoberta de ouro e diamante no centro e no oeste do país. Essa riqueza, advinda das jazidas, caminhou entrelaçada com a fé religiosa, o que desencadeou o aumento da produção de imagens sacras. Essas, que inicialmente vinham de Portugal ou eram feitas aqui pelas ordens religiosas, não eram suficientes para atender à demanda, daí o surgimento de artistas laicos para suprir o mercado em ascensão. Minas Gerais, juntamente com a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Maranhão, se tornaram os principais centros produtores da imaginária religiosa do século XVIII, formando “escolas” regionais com características técnicas e formais específicas, identificando o estilo barroco e rococó no Brasil. Então, nesse século, com o auge do ouro em Minas Gerais, acentuou-se a diversidade de técnicas empregadas nas esculturas brasileiras. Mais tarde, diante da ascendente industrialização do século XIX, a imaginária em gesso viria a se sobressair na fatura das esculturas sacras. 1 Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em Artes – PPGA.

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1. Análise das técnicas de estofamento das esculturas policromadas do acervo de arte

sacra do Museu Solar Monjardim (Vitória-ES)

FUVIANE GALDINO MOREIRA1

Segundo o livro Devoção e Arte: Imaginária Religiosa em Minas Gerais, “o termo

estofamento é originário da palavra francesa étoffe, que abrange todos os tecidos de lã e

algodão, significando pintura que imita os brocados, bordados etc”. (COELHO, 2005: 238).

No Glossário de Arquitetura e Ornamentação, “o estofamento seria o processo de policromia

usado para fingir a indumentária de imagens de santos e anjos” (ÁVILA; CONTIJO;

MACHADO, 1996: 144). Na concepção de Beatriz Coelho, temos a seguinte assertiva:

[...] o que chamamos policromia está dividido em duas partes: a carnação, cujo

nome vem de carne, ou seja, pintura da anatomia aparente da figura, quando se dá

a cor da pele, e o estofamento, que é a imitação dos tecidos da época, feita em

várias camadas. (COELHO, 2005, p. 238).

No Brasil, diversas técnicas foram utilizadas na fatura do estofamento, sendo as mais

encontradas o esgrafiado, as punções, os relevos e a aplicação de materiais diversos, como

pedras e rendas douradas. Cabe lembrar que essas técnicas de ornamentação trazidas de

Portugal só foram possibilitadas no Brasil após a descoberta de ouro e diamante no centro e

no oeste do país. Essa riqueza, advinda das jazidas, caminhou entrelaçada com a fé religiosa,

o que desencadeou o aumento da produção de imagens sacras. Essas, que inicialmente vinham

de Portugal ou eram feitas aqui pelas ordens religiosas, não eram suficientes para atender à

demanda, daí o surgimento de artistas laicos para suprir o mercado em ascensão.

Minas Gerais, juntamente com a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Maranhão, se tornaram

os principais centros produtores da imaginária religiosa do século XVIII, formando “escolas”

regionais com características técnicas e formais específicas, identificando o estilo barroco e

rococó no Brasil. Então, nesse século, com o auge do ouro em Minas Gerais, acentuou-se a

diversidade de técnicas empregadas nas esculturas brasileiras. Mais tarde, diante da

ascendente industrialização do século XIX, a imaginária em gesso viria a se sobressair na

fatura das esculturas sacras.

1 Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em Artes – PPGA.

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No Espírito Santo, há ainda uma carência de informações acerca de sua imaginária, o que

reforça a necessidade de estudos, como o que propomos aqui, dos elementos formais, técnicos

estilísticos que caracterizam o acervo de arte sacra do Museu Solar Monjardim. A partir desse

estudo e de análises comparativas com imagens de outras regiões do país, como também, do

exterior (Portugal e Espanha), podemos sugerir hipóteses para a sua procedência, lembrando

que não havia comprovações de santeiros ou imaginários na capitania do Espírito Santo até a

realização de minha dissertação de mestrado, concluída em 2012, intitulada “Estudos sobre a

talha: panejamento e cabelos da imaginária do acervo de arte sacra do Espírito Santo”

permitindo a identificação da existência do santeiro Domingos Gonçalves de Abreu e Lima

que teria trabalhado na Fazenda de Monte Líbano, atual cidade de Cachoeiro de Itapemirim-

ES.

2. Critérios de análise das esculturas do acervo de arte sacra do Museu Solar

Monjardim

A partir do projeto “Mapeamento, Catalogação e Análise do Estado de Conservação do

Acervo de Arte Sacra do Espírito Santo”, elaborado pelo professor Attílio Colnago Filho, em

1995, quando o acervo ainda pertencia ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (IPHAN), e, baseando-se também no Livro de Tombo do “Museu de Arte Sacra” e

em um arrolamento anterior das obras, foi possível identificar na época (2009) um grupo de

217 peças, das quais 3 tinham o paradeiro desconhecido, hoje, após a dissertação de mestrado,

identificamos que na verdade existem 240 peças, sendo que 5 não foram encontradas.

Para maior exatidão na análise das vestimentas das imagens, reproduzimos na monografia,

intitulada “Análise Tipológica dos Estofamentos das Esculturas Policromadas do Acervo de

Arte Sacra do Museu Solar Monjardim”, (2009), desenhos da ornamentação das esculturas,

utilizando como moldes as próprias peças e tendo como auxílio o melinex, um plástico

transparente e maleável comumente utilizado na restauração e que não iria danificar a

estrutura física da peça, processo exemplificado nas fotografias abaixo:

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Desse modo, a partir de uma maior precisão acerca das ornamentações, com a elaboração de

desenhos pela observação organoléptica (feita a olho nu), tal como o auxílio de lupa, houve a

possibilidade de melhor estudarmos as imagens, dividindo-as em dois grupos, conforme a

presença ou não de policromia. E, ao nos atermos a essa última característica, estabelecemos

quatro critérios para seleção da amostragem, como nos mostra o esquema abaixo, resultando

em um total de 40 imagens:

Dessa forma, a nossa análise, conforme o esquema acima, se dá a partir de um método

comparativo que teve como parâmetro a existência de semelhanças e diferenças entre algumas

ESTADO DE CONSERVAÇÃO.

COM POLICROMIA.

SEM POLICROMIA

AMOSTRAGEM

PRESENÇA DE ORNAMENTAÇÃO.

ICONOGRAFIA

DOURAMENTO

INTEGRAL. DOURAMENTO EM

RESERVA.

ESCULTURAS DO

ACERVO DE ARTE SACRA

PRESENÇA DE VESTIMENTA.

Figura 1 – Exemplo da elaboração dos desenhos – imagem de São Francisco

de Assis.

Figura 2 – Detalhe da elaboração dos desenhos – imagem de São Francisco de

Assis.

Esquema 1 – Critérios de análise

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das imagens do acervo, isso de acordo com os elementos formais, técnicos e estilísticos

característicos das diferentes técnicas de ornamentação. Dentro da amostra selecionada, foram

observadas, inicialmente, as imagens detentoras de douramento na vestimenta, depois, as que

tinham douramento disposto em todo o panejamento, e aquelas em que o doutoramento foi

utilizado parcialmente, ou seja, em áreas delimitadas, chamadas de douramento em reserva e

ainda com um tipo de pintura a pincel destacando formatos de florões chamados de ressaídos,

característica estilística já estudada pela autora Cláudia Guanais, em seus estudos sobre a

imaginária baiana (2007-2010). Também verificamos a presença de pastiglia, punção,

esgrafito, além da pintura a pincel, como mostraremos a seguir.

3. O douramento e as técnicas de ornamentação

Conforme afirmamos acima, o estofamento pode consistir da aplicação de pintura sobre o

douramento da peça. Para Bettina Collaro G. Lourenço (apud BRAGA, 2003:75).

[...] o princípio básico do douramento consiste em se obter um revestimento

brilhoso com aparência metálica que se iguala àquele do ouro. No caso de um

douramento em folha de ouro, seu aspecto se refere diretamente e depende de sua

própria natureza2 e de sua aplicação.

A partir disso, temos uma variedade de técnicas de decoração. Dessas, foram analisadas no

trabalho as mais comuns na imaginária brasileira.

A fim de se entender melhor a utilização das folhas de ouro na produção de diferentes técnicas de ornamentação, tal como as estudadas aqui, detalhamos cada etapa desse processo, desde o suporte até a utilização da folha na execução da técnica.

Portanto, sobre a madeira, é posta a encolagem, que consiste na aplicação de uma ou mais

camadas de cola protéica produzida a partir de cartilagem, ossos ou peles de animais

desprovidos de pigmento e carga. Segundo Raquel Teixeira (2002: 51), “usa-se a encolagem

com o objetivo de impregnar, proteger e impermeabilizar o suporte (madeira), evitando-se que

as camadas posteriores sejam absorvidas, portanto, fazendo o papel de isolante entre o suporte

e a base de preparação”. 2 Compreende-se natureza da folha de ouro, como sendo o estado físico natural, referindo-se à espessura da folha

e a seu quilate, como também ao estado físico artificial, referindo-se, sobretudo ao pigmento inferior, ou seja, da preparação inferior, denominada entre os técnicos de “bolo”. (LOURENÇO, 2003, apud Braga, p.75).

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Esquema 3 - Modelo de estratigrafia

Quanto à composição dessa base, pode consistir na aplicação de uma camada de gesso grosso

(carga + cola protéica) para corrigir as imperfeições do suporte (madeira) e também agir como

isolante. Em seguida, aplica-se uma camada de gesso fino, de mesma constituição, mas, nesse

caso, a carga é hidratada antes de misturada ao aglutinante, formando uma camada de gesso

lisa e fina. Quando essa está seca, aplica-se uma camada de bolo armênio3.

Na aplicação das folhas metálicas, a utilização do bolo sobre a camada de preparação

determina uma aderência aquosa, assim como na técnica do ouro de concha, quando a folha é

aplicada com pincel.

Na estratigrafia abaixo, verificamos as camadas que precedem à aplicação da camada

pictórica e as técnicas de ornamentação, neste caso, relacionadas às folhas metálicas.

Camada de acabamento

Veladuras ou vernizes para proteger ou promover efeito cromático

Camada Pictórica

Folhas Metálicas Ouro Prata

Douração

Prata velha

Prata nova

Bolo Armênio Amarelo Vermelho

terra Preto

Azul e Verde

Base de Preparação

Translúcida (Gesso fino) Opaca (Gesso grosso)

Encolagem Suporte

3.1 - Técnicas de ornamentação

3.1.1 - Pintura a Pincel

A técnica de ornamentação da pintura a pincel é um tipo de pintura feita com pincéis que às

vezes têm espessura mais fina para destacar motivos fitomorfos em representações de flores,

ramos e folhas, ou em espessura variada para a representação completa desses elementos.

3 Bolo armênio s.m. variedade de argila hoje empregada como corante pelos pintores e como mordente pelos

douradores e encadernadores [No passado, utilizada como medicamento de uso interno, com função adstringente, e externo, como absorvente.]

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Abaixo exemplos desse tipo de ornamentação, cuja fonte das fotografias é o Núcleo de

Conservação e Restauração do Centro de Artes da UFES.

3.1.2 - Esgrafito

O esgrafito, palavra de origem italiana, é a remoção de partes da camada pictórica com um

instrumento pontiagudo, antes de sua secagem completa, que deixa visível a superfície

metálica - douramento e/ou prateamento subjacentes.

O esgrafito provoca um ligeiro relevo e um contraste que permite uma variedade de efeitos

desenvolvidos em forma de desenhos inspirados nas estamparias e tecidos, muito frequentes

no século XVIII, ou acentuados com ornamentações próprias a determinados locais.

No Brasil, segundo Beatriz Coelho (2005:240), os motivos utilizados são fitomorfos,

geométricos ou mistos, variando suas formas e dimensões de acordo com a região, a época e o

artista. Desse modo, as características técnicas e estilísticas, evidenciadas a partir do

panejamento, possibilitam identificar a origem e procedência das imagens. Abaixo

exemplificamos a técnica:

Figura – 2 Pintura a pincel sobre a camada pictórica da vestimenta – Detalhe do verso do manto de uma Nossa Senhora da Conceição.

Figura 3 – Pintura a pincel azul contornando o douramento – Detalhe da Túnica de uma Nossa Senhora da Conceição.

Figura 4 – Exemplo da pintura a pincel sobre o douramento – Detalhe da túnica de uma Nossa Senhora.

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3.1.3 - Punções

Punções são incisões feitas por meio de instrumentos em metal, com pontas de tamanhos e

formatos variados sobre as folhas metálicas, o que possibilita, a partir de desenhos de círculos,

esferas, flores de pétalas redondas, triângulos e etc., aspectos de rendas e brocados nas bordas

e em outras partes da decoração da vestimenta. Essa percepção é intensificada pelo efeito da

luz que incide sobre os relevos. Golpeadas às folhas de ouro e/ou prata, desencadeiam

depressões e formam texturas que se distinguem das áreas de dourado liso e brilhante. As

punções podem contornar folhas e pétalas de flores, ou ainda formar ziguezagues em barras

de túnicas e manto. Podemos também encontrá-las concentradas em uma determinada área,

variando de tamanho e formato, como mostra a fig. 6.

Figura 5 – Esgrafito - Detalhe de Nossa Senhora da Conceição.

Fonte: Núcleo de Conservação e Restauração do Centro de Restauração do Centro de Artes da UFES.

Figura 6 – Punção – Detalhe da túnica de um São Francisco de Assis.

Fonte: Núcleo de Conservação e Restauração do Centro de Artes da UFES.

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3.1.4 – Pastiglia

Esta técnica corresponde a relevos que resultam da sobreposição das camadas de preparação

em elementos decorativos (geométricos ou fitomorfos). Conforme Coelho (2005: 242), “os

relevos foram encontrados, até agora, quase exclusivamente em Minas Gerais, em peças daí

procedentes ou de Portugal”, não tendo sido habitual o seu emprego em outras regiões do

Brasil.

Esses relevos são chamados no Brasil de pastilhos, mas segundo essa autora o termo pastilha

ou pastiglia (termo em italiano) seria o mais correto a se utilizar, pois esse existe no

dicionário, enquanto pastilhos não.

Um de seus significados é “bordado em ponto cheio”, que lembra pastilha. Ela é utilizada

sempre nas bordas da vestimenta, onde a alternância de claro e escuro em seus relevos cria a

ilusão de que são rendas ou brocados, como mostra a figura 7.

3.1.5 - Incisões ou Ranhuras

As incisões, ou ranhuras são outro tipo de ornamentação usada em folhas metálicas que Giles

Perrault (1992:66), chama de reparures. Tais incisões são feitas sobre a camada de preparação

antes da aplicação da folha, em linhas paralelas ou que se cruzam, em círculos formando

desenhos, como folhas e flores, sendo que às vezes escava-se um pouco para destacar alguma

pétala, concha ou flor e assim termos um baixo-relevo.

Conforme Coelho (2005: 241), “esta técnica, apesar de rara, era conhecida em Minas Gerais,

tendo como exemplo a região do Campo das Vertentes”, em imagens de Valentim Correa

Paes, com policromias feitas pelo pintor José Joaquim da Natividade. A figura 8 exemplifica

esta técnica.

Figura 7 – Pastiglia – Detalhe do manto de Nossa Senhora do Rosário.

Fonte: Museu Solar Monjardim

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3.2 - Análise comparativa

A partir do estudo da imaginária do acervo de arte sacra do Museu Solar Monjardim, por meio

de observações organolépticas, feitas a olho nu e com o auxílio de lupa, verificamos, em

relação à natureza e à concentração de ouro, que 2% das imagens possuem douramento feito

com pintura a pincel; 33%, douramento integral, em toda a vestimenta; e 65%, douramento

em reserva, tal como é explicitado no gráfico seguinte:

2%

33%

65%

Levantamento dos Tipos de Douramento

Douramento feito com

pintura a pincel

Douramento integral

Douramento em reserva

Figura 8 – Incisões ou ranhuras - Detalhe da Imagem de uma Santana Mestra de Valentim Correa Paes.

Fonte: COELHO, Beatriz. Materiais, Técnicas e Conservação. In:______. Devoção e Arte: imaginária religiosa em Minas Gerais. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. p.273.

Gráfico 1 – Levantamento dos tipos de douramento.

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A partir dessa premissa, passamos a identificar a quantidade de cada tipo de ornamentação

presente nas peças. Daí, constatou-se, que não foram encontradas imagens com a técnica das

incisões ou ranhuras (reparure) e que das técnicas encontradas, 1% das imagens apresenta

pedras, 1% rendas, 1% pastiglia, 17% esgrafito, 35% punções e 45% pintura a pincel.

0%1%1%1%

17%

35%

45%

Levantamento das Técnicas de Ornamentação

Incisões ou ranhuras

Pedras

Rendas

Pastiglia

Esgrafito

Punções

Pintura a pincel

Dado o exposto, a técnica predominante na ornamentação das imagens em estudo é a pintura a

pincel. Sabemos em vista das características dessa técnica, que ela pode ser a única

identificada na escultura, pode imitar o douramento, como também pode acompanhá-lo ou até

mesmo encimá-lo. Considerando-se, portanto, suas possibilidades, e, sabendo-se que nem

todos tinham acesso ao ouro, resulta daí sua predominância dentre as demais. Outra

observação feita foi o percentual de punções em douramento em reserva. Constatamos que

81,48% das imagens que possuem douramento em reserva também têm punções. Essas

observações estão apresentadas em tabela na monografia.

4. CONCLUSÃO

Dentre as imagens do acervo de arte sacra, verificou-se que a maioria é de pequeno porte,

caracterizando imagens de oratório, cuja aquisição, conforme documento do IPHAN, se deu

por meio de doações.

Apesar das peculiaridades existentes nessas imagens, nos foi possível estabelecer a formação

de três grupos principais, sendo que num deles, as características ornamentais são bem

semelhantes, dotadas do que chamamos douramento em reserva. Esse tipo de ornamentação,

Gráfico 2 – Levantamento das técnicas de ornamentação.

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devido à decadência do ouro em Minas Gerais, se configura em algumas regiões do Brasil.

Porém, ele é característico mais especificamente da Escola regional da imaginária baiana, o

que nos levou a sugerir que esse grupo de esculturas do Espírito Santo, seja de proveniência

baiana, como nos mostra abaixo a ilustração de uma imagem do acervo de arte sacra do

Espírito Santo e outra do acervo de arte sacra da Bahia.

Também sugerimos, em nossa conclusão, que uma imagem de Nossa Senhora do Rosário (fig.

13) seria proveniente de Minas Gerais ou de Portugal, tendo em vista que esta escultura

apresenta uma técnica de ornamentação chamada pastilha que, segundo Beatriz Coelho (2005)

designa relevos encontrados quase exclusivamente em Minas Gerais, em peças daí

procedentes ou de Portugal.

Figura 11 - Nossa Senhora Fonte: Museu da Casa dos Sete Candeeiros, Salvador BA.

Figura 12 - Nossa Senhora –

Museu da Casa dos Sete Candeeiros, Salvador BA.

Figura 9 - Nossa Senhora Fonte Museu da Casa dos Sete Candeeiros, Salvador - BA.

Figura 10 – São José Fonte: Acervo de Arte Sacra do Museu Solar Monjardim - ES.

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Cabe lembrar que nossa busca por procedência externa para as imagens encontradas no

Espírito Santo, se deve neste trabalho, sobretudo, à ausência de documentos que ratifiquem a

existência de santeiros neste Estado, fato que sofreu uma modificação com a publicação de

minha dissertação de mestrado,

No mais, esta pesquisa foi realizada com o intento de ampliar os dados sobre a imaginária

religiosa no Brasil, como também de contribuir para a sua preservação, buscando fornecer

subsídios para a realização de pesquisas congêneres.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Antônio Luiz de. Arte no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Revan, 2000.

Figura 13 – Frente de Nossa

Senhora do Rosário.

Fonte: Museu Solar Monjardim.

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