08 - Voz

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Ricardo Mendes Voz Voz Bem, nada pode ser mais simples ou mais complicado do que gravar uma voz. A primeira coisa que precisamos para ter um bom resultado em uma gravação de voz é ter um bom cantor, mas infelizmente não podemos comprar este item... Ter um bom cantor é começar da maneira certa. E o que é um bom cantor ? Uma pessoa que tem um bom timbre de voz, canta afinado, tem ritmo e interpreta colocando sentimento no que canta e de preferência com uma personalidade musical marcante e estilo próprio. Pena que pessoas como esta são uma minoria no planeta dos cantores. Onde está o grande dilema ? Para se ter uma performance de voz arrasadora realmente é necessário reunir tais características. Mas não encontramos cantores assim todos os dias para produzir. Quando vamos produzir uma banda e o cantor tem algumas deficiências, não podemos simplesmente dizer para a banda que o cantor é fraco e que seria melhor se eles demitissem o cara e chamassem outro. Bob Dylan não é um bom cantor, Jimi Hendrix não era. As vezes um cantor pode não ser lá grandes coisas, mas pode ser que ele seja a personalidade da banda. O trabalho de um produtor não é exterminar cantores imperfeitos e sim suprimir o que eles tem de ruim e valorizar o que eles tem de bom. Em alguns casos, até trazer à tona qualidades que o próprio cantor não sabia que possuía. Preparação de sessão de voz Partindo do princípio que você tem um bom equipamento, uma das coisas que mais faz diferença no resultado em uma gravação de voz é a maneira como a sessão é conduzida. A primeira coisa que temos que fazer é criar um ambiente confortável, tanto fisicamente quanto psicologicamente. Fisicamente: tente criar um ambiente mais agradável possível. Em um estúdio de médio porte, não adianta ter somente equipamento. É necessário que se tenha um local de trabalho, além de tratado acusticamente, que seja aconchegante, pois ali se passarão várias horas trabalhando e algumas vezes em situações que podem ser um pouco estressantes. Uma meia-luz sempre ajuda a criar um clima mais acolhedor. No entanto, em alguns casos o cantor precisa ler alguma letra, e não dá para ficar no escuro. Para resolver esse dilema coloque abajures pequenos nos cantos da sala e no centro do teto da sala de gravação duas lâmpadas dicróicas, que tem um foco muito direcional e forte. Dessa maneira é possível iluminar bem uma letra o partitura e ainda manter um clima mais acolhedor. A temperatura: é recomendável um ar-condicionado do tipo “split”. O calor, além de ser prejudicial ao equipamento, certamente irá causar um desconforto e tornar a sessão mais cansativa. Depois de uma hora passando calor, tenho minhas dúvidas se ainda é possível extrair alguma performance vocal de qualidade. Uma sugestão: comece com o ar regulado para 23 graus e vá durante o processo perguntando ao cantor como está a temperatura. Frio demais também atrapalha. Se o cantor disser: “pode desligar o ar”, não desligue, pois em alguns minutos a sala vai ficar quente. Ajuste a temperatura mais alta. ___________________________________________________________________________________ 1

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Ricardo Mendes Voz

Voz

Bem, nada pode ser mais simples ou mais complicado do que gravar uma voz. A primeira coisa que precisamos para ter um bom resultado em uma gravação de voz é ter um bom cantor, mas infelizmente não podemos comprar este item... Ter um bom cantor é começar da maneira certa. E o que é um bom cantor ? Uma pessoa que tem um bom timbre de voz, canta afinado, tem ritmo e interpreta colocando sentimento no que canta e de preferência com uma personalidade musical marcante e estilo próprio. Pena que pessoas como esta são uma minoria no planeta dos cantores. Onde está o grande dilema ? Para se ter uma performance de voz arrasadora realmente é necessário reunir tais características. Mas não encontramos cantores assim todos os dias para produzir.

Quando vamos produzir uma banda e o cantor tem algumas deficiências, não podemos simplesmente dizer para a banda que o cantor é fraco e que seria melhor se eles demitissem o cara e chamassem outro. Bob Dylan não é um bom cantor, Jimi Hendrix não era. As vezes um cantor pode não ser lá grandes coisas, mas pode ser que ele seja a personalidade da banda. O trabalho de um produtor não é exterminar cantores imperfeitos e sim suprimir o que eles tem de ruim e valorizar o que eles tem de bom. Em alguns casos, até trazer à tona qualidades que o próprio cantor não sabia que possuía.

Preparação de sessão de voz

Partindo do princípio que você tem um bom equipamento, uma das coisas que mais faz diferença no resultado em uma gravação de voz é a maneira como a sessão é conduzida. A primeira coisa que temos que fazer é criar um ambiente confortável, tanto fisicamente quanto psicologicamente.

Fisicamente: tente criar um ambiente mais agradável possível. Em um estúdio de médio porte, não adianta ter somente equipamento. É necessário que se tenha um local de trabalho, além de tratado acusticamente, que seja aconchegante, pois ali se passarão várias horas trabalhando e algumas vezes em situações que podem ser um pouco estressantes.

Uma meia-luz sempre ajuda a criar um clima mais acolhedor. No entanto, em alguns casos o cantor precisa ler alguma letra, e não dá para ficar no escuro. Para resolver esse dilema coloque abajures pequenos nos cantos da sala e no centro do teto da sala de gravação duas lâmpadas dicróicas, que tem um foco muito direcional e forte. Dessa maneira é possível iluminar bem uma letra o partitura e ainda manter um clima mais acolhedor.

A temperatura: é recomendável um ar-condicionado do tipo “split”. O calor, além de ser prejudicial ao equipamento, certamente irá causar um desconforto e tornar a sessão mais cansativa. Depois de uma hora passando calor, tenho minhas dúvidas se ainda é possível extrair alguma performance vocal de qualidade. Uma sugestão: comece com o ar regulado para 23 graus e vá durante o processo perguntando ao cantor como está a temperatura. Frio demais também atrapalha. Se o cantor disser: “pode desligar o ar”, não desligue, pois em alguns minutos a sala vai ficar quente. Ajuste a temperatura mais alta.

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Uma vez ajustadas as condições do ambiente, vamos ao som. É imprescindível que você faça uma boa mixagem na via de headphones que vai ser mandada para o cantor, porém você colocar ele na sala e ir equilibrando não é uma boa idéia. Isso só servira para desconcentra-lo. A melhor coisa a se fazer é você pedir uns cinco minutos e fazer um bom equilíbrio para a mixagem de headphones, se possível escutando a mesma via que ele estará escutando. No meu estúdio eu fiz uma mandada na mesa em que eu jogo para as minhas caixas de monitoração a mesma via que mando para os headphones da sala de gravação. É só apertar um botão e escuto o que está no headphone do cantor. Desaperto o botão e volto a escutar a minha mix.

Uma vez pronta a mixagem do headphone, aí sim envie o cantor para a sala de gravação. Pergunte a ele se o volume geral está alto ou baixo demais e o que você poderia melhorar na mix (normalmente eles pedem para aumentar a voz um pouco mais). Ao aumentar elementos na mix do headphone, certifique-se que você não está distorcendo na saída master da via de headphones. Um dica, alguns cantores menos experientes pedem para aumentar a voz muito além do que seria necessário. Isso pode causar um problema: a voz fica tão alta em relação a harmonia, que ele pode não afinar muito bem, pois mal escuta a base harmônica para se centrar na afinação. Já descobri que as vezes é melhor aumentar um pouco o geral, pois isso dará a ele a sensação de que a voz aumentou, sem encobrir a harmonia.

Alguns cantores se sentem melhor cantando com um reverb ou algum tipo de ambiência. Pergunte se ele quer. Mas evite deixa-lo longo de microfone, pois a ambiência natural de uma sala, mesmo que seja uma ótima sala, normalmente joga contra a inteligibilidade e a presença da voz. A melhor maneira de anular a ambiência da sala é conjugar duas ações: posicionar o cantor próximo a superfícies absorventes como cortinas, espuma, lona, etc... e posiciona-lo também bem próximo do microfone. Mas não se esqueça que o posicionamento muito perto do microfone causa o chamado “efeito de proximidade” que é o aumento proporcional das freqüências graves na voz. É claro que esse efeito pode ser compensado com um corte no filtro “low-cut” (high-pass) no próprio microfone, se ele dispor desse tipo de filtro. Se o microfone não tiver o filtro, o excesso de baixas na voz pode ser eliminado com um equalizador. Em alguns casos, no entanto, esse efeito de proximidade pode ser desejável por trazer mais corpo ao timbre da voz. Filtrar ou não ? Isso a situação irá dizer, dependendo da música e do cantor. O ideal é que tenhamos um canal com a voz bem limpa, clara, direta e sem ambiência. Isso irá ajudar ela a se destacar na mixagem sem que tenhamos que aumentar tanto o canal da voz. A ambiência podemos colocar depois, com plug-ins de reverb ou delay.

No caso de você ter uma sala maravilhosa e achar que a voz reverberada naturalmente fica ótima, aí vai uma dica: coloque um outro microfone na sala o mais distante que puder do microfone principal da voz. Não hesite em experimentar posiciona-lo em diferentes distâncias e aponta-lo para diferentes direções. Grave um trecho e compare. Pode ser que você consiga um reverb único. E também vai ser bastante divertido. Só tome cuidado para não cansar o cantor com essas experiências...

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Tom - Uma coisa importantíssima no processo de produção de um disco é a escolha do tom da música. Se o tom estiver alto ou baixo demais, o cantor jamais conseguirá ter um boa performance. Quando estiver na etapa de pré-produção, grave algumas demos de voz e violão para testar o tom. Preste atenção se o tom está adequado. Se for o caso, grave em mais de um tom e deixe o cantor levar a “fitinha” para casa. Veja aonde ele se sente mais confortável. Mas não confie cegamente nele. As vezes o cantor escolhe um tom abaixo do que seria o melhor para ele por uma questão de insegurança. Outra situação típica é quando a melodia tem uma nota muito mais alta do que as outras e o cantor tem dificuldade de alcança-la. Se você for abaixar o tom para que ele fique confortável nessa nota, provavelmente o resto inteiro da música ficará em um tom baixo para o cantor. Ou seja: não vale a pena sacrificar a música inteira por causa de uma nota. Neste caso o jeito é achar o tom ideal para a música toda e deixar para gravar a nota complicada quando você já tiver toda a música gravada, pois se o cantor tiver dificuldade para conseguir cantar a nota, vai ficar repetindo aquele trecho várias vezes, vai ficar estressado, vai desgastar a sua voz e com certeza a espontaneidade de sua interpretação irá pelo ralo. Se você deixar para fazer a nota complicada no final da sessão, depois do estresse ele não terá que cantar mais nada.

Psicológico - Uma vez que você tenha certeza que os tons estão certos e as bases já foram gravadas, outro aspecto importantíssimo é o estado de saúde e o estado de espírito do cantor. Não force a barra. Se ele estiver gripado, resfriado, com febre ou simplesmente indisposto, você não terá um bom take de voz. Não acredite que um cházinho milagroso de mel com limão vá limpar uma garganta cheia de catarro. Os microfones condensadores parecem ter uma adoração especial por catarros e pigarros. Eles captam todos eles... Não se esqueça de recomendar que ele cuide da voz na semana anterior a gravação. Nada de gelados, dormir de madrugada, badalações, etc... A voz é a primeira coisa a ser afetada quando estamos em débito com o sono. É claro que existem alguns cantores excepcionais para para eles nada disso fará diferença e que a voz estará sempre boa, mas estes são realmente raros.

Outra coisa é o estado de espírito. Pode jogar contra ou a favor da gente. Se o cantor estiver cheio de problemas, talvez ele possa estar desconcentrado e não conseguir “entrar” na interpretação da música. Se ele tomou um pé na bunda da namorada e está todo cabisbaixo, não suspenda a sessão. Sugira discretamente que ele cante uma música do disco que tenha a ver com isso. A letra não precisa falar necessariamente de um pé na bunda, mas algo que fale sobre homem e mulher. Tome o cuidado de fazer parecer que a escolha foi apenas uma coincidência pois assim você não vai quebrar a mágica e a espontaneidade que ele vai sentir quando estiver cantando. Deixe que ele se toque disso durante a música. Com certeza os cabelinhos do braço dele vão arrepiar e a interpretação vai sair do coração e não da cabeça. Se ele estiver irritado ou revoltado, coloque ele para cantar alguma música que critique o sistema, a sociedade, etc... Ou seja, se você for sensível ao que se passa com o seu cantor, você conseguirá tirar uma melhor performance dele.

Conforto - É essencial. Deixe a sala aonde o cantor estiver gravando à meia luz. O corpo humano tende a compensar a redução de um sentido com a ampliação de outro. Com a iluminação reduzida enxergamos menos e... ouvimos mais ! Normalmente as pessoas ficam mais introspectivas e sensíveis no escuro. Isso pode ajudar ao cantor se concentrar mais na música.

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Monitoração - Também é absolutamente indispensável que o cantor esteja confortável com a sua monitoração. Perca tempo fazendo uma boa mixagem de headphones para o cantor. Use esse tempo para ele ir esquentando a voz, se ele tiver o hábito, pode ir fazendo os seus exercícios e ir cantando para soltar a voz. Só pare quando ele estiver plenamente satisfeito com o equilíbrio nos fones. Aí você pode começar a gravar. Tome cuidado com um volume muito alto no headphone do cantor. Pode vazar para o microfone.

Equipamento - Para uma boa gravação de voz, além de um bom cantor, precisamos de alguns itens: um bom microfone, um bom cabo, um bom pré-amplificador, se possível um bom compressor e uma boa interface

Não existe um microfone melhor do que o outro quando se trata que gravação de voz. Um microfone que funciona bem para uma pessoa pode não funcionar bem para outra. Nesse caso, como saber qual é o melhor ? Só testando... Isso toma algum tempo, mas realmente vale a pena. A primeira escolha provavelmente será um condensador de cápsula grande. Mas pode ser também tanto um dinâmico quanto um ribbon.

Grave um take para cada microfone, se você tiver opções de pré-amplificador, também experimente. Anote em cada take qual microfone e qual pré-amplificador foi usado e numere os takes. Após ouvir comparativamente, pode se chegar a conclusão de que o melhor foi o take 8. Neste caso, veja qual foi o microfone e o pré-amplificador usado e passe a gravar valendo com esta combinação. Eu sei que isso consome uma quantidade razoável de tempo, mas para você ter o melhor do melhor, só desse jeito.

Quando temos muitas opções, temos o problema da escolha. Sempre que for gravar um cantor pela primeira vez, coloque os microfones que eu tiver à disposição no mesmo pré-amplificador e grave um trecho da música. Normalmente do primeiro verso até o primeiro refrão e nomeie os tracks de acordo com o nome de cada microfone.

Se quisermos testar três takes, por exemplo, o raciocínio é simples: grava-se um take com cada um dos microfones e escuta para ver qual é o que soa melhor para aquela música.. A primeira coisa a ser checada é o nível dos microfones. Alguns microfones têm mais nível do que outros, então se você simplesmente tirar um microfone do pré-amplificador e colocar outro (não esqueça de desligar o phantom-power para fazer isso) sem mexer no gain ou até na impedância (alguns pré-amplificadores tem essa função) pode haver uma variação drástica no nível de cada microfone, e tendemos sempre de primeira mão a ficar impressionados com o que soa mais alto. Nesse caso, nivele o segundo microfone para que ele fique com o mesmo nível do primeiro e assim por diante com os outros microfones. Deste modo teremos uma noção melhor e mais precisa da variação de timbres de cada microfone sem ficarmos influenciados pela diferença de nível entre eles. Lembre-se também que os microfones novos tendem também a reproduzir mais agudos do que os microfones antigos.

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Se você tiver opções de pré-amplificador, também experimente. Anote em cada take qual microfone e qual pré-amplificador foi usado e numere os takes. Após ouvir comparativamente, pode se chegar a conclusão de que o melhor foi o take 8. Neste caso, veja qual foi o microfone e o pré-amplificador usado e passe a gravar valendo com esta combinação. Eu sei que isso consome uma quantidade razoável de tempo, mas para você ter o melhor do melhor, só desse jeito. Após gravar os takes eu chamo o cantor e ouvimos juntos para decidir qual microfone soa melhor.

Outro ponto importante é a comparação do tipo AB rápida. Disponha os takes em tracks diferentes ou em playlists aonde você possa alternar instantaneamente de um take para o outro, pois assim fica mais fácil perceber as diferenças entre cada um, especialmente se elas forem sutis.

Um bom truque é mostrar ao seu cliente os takes como microfone 1, microfone 2, microfone 3... sem dizer a marca ou modelo do microfone. Já presenciei situações aonde um microfone de uma marca famosa não soou tão bem em determinada voz de uma pessoa como um outro de marca menos famosa, mas o produtor queria o outro por que era o tal da marca famosa... Era possível sentir o clima de dúvida e insegurança no ar, mas a marca falou mais alto do que o ouvido. O problema é que para as pessoas que vão ouvir o disco, a marca do microfone não faz a mínima diferença. Elas só terão acesso ao som e não a marca.

Use, a princípio, um condensador de cabeça para baixo, inclinado a 60o e com um anti-puff. Na maioria das vezes o som da voz em uma sala pequena é melhor do que em uma grande. A voz fica mais presente. Outra coisa que não podemos esquecer é o efeito de proximidade. Quanto mais próximo do microfone, mais grave a voz fica. Mais uma vez isto pode jogar contra ou a favor. Quando eu quero uma voz mais sussurrada, eu peço para o cantor colar a boca na telinha do anti-puff. Já na hora de cantar mais forte eu peço para ele se afastar um pouco, pois com certeza o efeito de proximidade vai distorcer a cápsula do microfone. Quando eu uso um microfone dinâmico, a única diferença é que eu não o inclino. O coloco frontalmente voltado para a boca do cantor.

Existem alguns casos em que não ficamos satisfeitos com nenhum dos microfones. Se for esse o caso podemos optar pela soma de dois microfones. Nessa configuração é extremamente importante que as cápsulas dos dois microfones estejam exatamente na mesma distância em relação a fonte sonora para que seja mantida a coerência da fase. Coloque as duas cápsulas o mais próximo que for possível uma da outra.

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Um microfone:

Dois Microfones

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Uma vez decidido qual o melhor microfone, se você tiver opções e disposição, pode também experimentar o melhor pré-amplificador. Existem clássicos como o Neve 1073, Universal Audio 2-610, Avalon 737, API 512C. Mas é claro que também existem vários outros como o Chandler TG2, Amek 9098, e uma infinidade de outros pré-amplificadores. A sua interface com certeza tem um pré-amplificador. Evite equalizações excessivas. Pode até soar bem na hora, mas também pode se tornar um estorvo na hora da mixagem. Bote um bom ganho, pois sinal baixo demais não é bom no mundo digital, mas cuidado com os overloads. Lembre-se de nivelar o ganho pela parte mais alta da música.

Outra coisa que pode ser feita para incrementar a relação de sinal é passar a voz por um compressor lento como um LA-2A. Cuidado para não comprimir demais, pois você pode afetar a dinâmica em demasia e a voz fica com aquele som de “achatado”. A função do compressor durante a gravação não é nivelar e sim segurar os picos, por isso use com cuidado para não achatar demais. Se conseguimos segurar o picos, podemos mandar um sinal com mais nível para o gravador e obtemos um melhor som de voz. Essa família de compressores com parâmetros fixos como o LA 2A tem apenas os parâmetros peak-reduction e gain. Os parâmetros de attack e ratio são pré-definidos. Usualmente um attack lento a uma taxa (ratio) de 10:1. Isso o torna um compressor ideal para voz. É o que costumamos chamar de compressão “macia”.

Em vocais de hip-hop ou backing-vocals pode se usar um compressor variável com vários parâmetros como threshold, ratio, attack, release e output. É melhor quando é necessária uma compressão mais rápida e mais radical, para vocais com muita variação dinâmica. Com ele fica mais fácil segurar os picos dos vocais mais rítmicos. O que podemos usar também são os channel-strips, pré-amplificador, compressor e equalizador em um mesmo aparelho, que é o caso do Avalon 737. Os parâmetros de compressão do 737 são ajustáveis assim como os do Tube-Tech. Para voz principal é recomendável um attack slow. É claro também existem outros compressores clássicos como o Universal Audio 1176. A versão Blue-Stripe é especialmente boa para vocais. O API 2500, e o API 527 também são ótimas opções. Todos estes tem as suas versões em plug-ins.

É realmente necessário se usar um compressor para a gravação de voz ? Não poderíamos gravar sem comprimir e depois comprimir na mixagem ? Sim, mas um bom compressor na gravação faz diferença. Ele permite trabalhar com o pré-amplificador um pouco mais alto e também gravar com um nível médio um pouco mais alto. Isso acaba deixando o som melhor pois o pré-amplificador envia mais sinal deixando o som mais “quente” e também registrando com um nível mais alto, o conversor AD irá imprimir uma melhor definição no áudio.

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Compilação de takes de Voz

Antes da era da edição digital no áudio, não era qualquer um que poderia entrar em um estúdio e cantar... Simplesmente era impossível se obter um resultado, mesmo que razoável se o cantor não fosse no mínimo bom. Antes disso só entrava em estúdio que era realmente bom. Para artistas como Nelson Gonçalves, Elis Regina, Frank Sinatra, Tina Turner, Tim Maia, etc... é um take só e já está perfeito: afinação, interpretação, tempo, etc... Com as possibilidades de edição na voz abriu-se a perspectiva de pessoas comuns, com menos talento do que estes gênios, terem um resultado satisfatório.

Mas tenhamos um conceito claro em mente: uma edição, por mais perfeita que seja, JAMAIS substituirá um talento extraordinário. Como não temos um Luciano Pavarotti ou um Fred Mercury entrando todos os dias pela porta do estúdio, temos que tentar tirar o melhor do cantores nossos de cada dia. Existem duas maneiras bem conhecidas de se lidar com esta situação:

1 - Grave-se linearmente e sempre que o cantor errar, desafinar, etc... volta um pouco atrás e refaz a parte onde ele errou até acertar e aí segue em frente. Como se fosse um video-game: morre algumas vezes até descobrir o caminho e aí passa de fase... Esse método tem uma vantagem, que é o fato de se ao chegar no final da música, o take estará pronto e não se terá mais o que mexer nele. E duas desvantagens: pode se tornar extremamente estressante, especialmente se houver um ou mais trechos difíceis onde seja necessário repetir inúmeras vezes. Isso acaba afetando a auto-estima do cantor e deixando-o inseguro. A outra desvantagem, justamente por conta desse processo picado, o cantor pode perder a linha de raciocínio da interpretação que vinha fazendo e mudar completamente essa linha, tornando o take de voz meio incoerente.

2 – Alguns cantores preferem gravar a música inteira sem interromper, já outros preferem ir gravando parte por parte. Descubra qual tipo é o seu. A solução que eu encontrei é bem eficiente, porém trabalhosa. Eu acredito que quando fazemos um take de cabo a rabo, ele é mais espontâneo e cheio de vida, porém mais imperfeito. Se eu ficar correndo atrás da perfeição através de emendas, perco esse “calor original”, mas se eu deixar o take em estado cru, posso ter alguns problemas de má execução em alguns pontos. A maneira que eu encontrei de burlar este dilema é a seguinte: eu gravo de 3 a 6 takes de voz da música inteira.

Gravam-se vários takes de voz, do início até o fim, sem interromper, deixando o cantor mais livre. Mesmo que ele cometa pequenos erros, deixe fluir. Isso ajudará a não deixa-lo inseguro. A quantidade de takes depende da qualidade do cantor. Se o cantor é bom, de dois a três takes é o suficiente. Se ele não é tão bom assim, aumente a quantidade. Eu já cheguei até 14 takes... As vantagens desse método é que não estressa tanto o cantor e as interpretações tendem a se manter mais coerentes. A desvantagem é que você terá o trabalho depois para fazer uma compilação dos melhores trechos de cada take. O princípio é bem básico: crie um canal para cada take e os coloque um acima do outro com a numeração dos takes e depois crie um canal abaixo chamado “Voz Editada”.

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Agora, junto com o cantor, escolha qual é o melhor de todos no geral. Leve em consideração todos os aspectos, afinação, interpretação, emissão, ou seja, o melhor. Depois de escolhido, atente-se aos pontos fracos deles e procure nos outros takes o mesmo trecho para ver se há algum melhor. Caso haja, e a interpretação seja coerente, substitua somente aquele trecho pelo mesmo trecho de um outro take. Caso nenhum dos outros takes esteja satisfatório, aí não tem jeito. É entrar na sala e gravar de novo.

Neste ponto ouça cada frase de cada canal para escolher a melhor. Não escute o canal inteiro até o fim, mas sim a primeira frase de cada canal. Uma vez escolhida a melhor, passe para a frase seguinte. Escute novamente cada frase de cada take e escolho a melhor e assim por diante. Dá mais trabalho, mas costuma ficar bom. O ponto em que você tem que ficar atento, após a compilação de todas as frases em um novo canal, é em relação as emendas. Preste atenção se não está cortando uma respiração ou final de palavra, pois nem sempre o cantor canta exatamente a mesma métrica. E também na questão da interpretação. Preste atenção se a emenda que veio depois está com a mesma intenção, intensidade e sonoridade da anterior. Uma vez feito isso, a sua sessão deveria se parecer mais ou menos com essa:

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O canal marrom é o resultado final. Repare que ficaram “buracos” nos outros canais. Essas foram justamente as frases aproveitadas que foram deslocadas para o canal “Voz Edit”. E lembre-se: a edição não precisa ser necessariamente de uma frase inteira. Podemos escolher o início de uma frase como final de outra. Podemos até pegar somente uma palavra ou uma sílaba de outro take. Só temos que ficar atentos se a edição soa natural e não há nenhum “click” no corte. Não esqueça também de fazer os cross-fades entre cada emenda.

Outra coisa importante: anote as regulagens que você fez no pré-amplificador para a gravação da voz. Anote também o microfone usado. Pode ser que o cantor apareça no dia seguinte dizendo que gravação está perfeita, mas que ele queria refazer só uma frase... Vai ser mais fácil você achar o mesmo timbre.

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Backing-vocals

Existem várias maneiras de se gravar backing-vocals. Isso depende de vários fatores, como número de vocalistas, o tipo do efeito que se quer ou até mesmo gosto pessoal no estilo da gravação.

Talvez a técnica mais utilizada seja a de colocar o backing-vocal para cantar no mesmo microfone em que foi gravado o vocal principal. Muitas vezes é o próprio vocalista que faz as dobras. Bem, essa com certeza é a técnica mais fácil, mas não é a mais interessante. Se você não tiver ninguém para fazer o coro além do próprio vocalista, não há muito para aonde correr. Apenas coloque o cantor um pouco mais distante do microfone do que ele estava para gravar a voz principal. Pode se também tirar o anti-puff (aquela telinha redonda) da frente do microfone e play-rec... Se você tiver a opção coloque o seu microfone condensador de cápsula grande. Se você tiver mais de um, escolha o mais brilhante (normalmente os microfones mais novos tem um som mais brilhante). Ao meu ver a única vantagem de se montar um backing-vocal através da gravação de várias trilhas individuais é a possibilidade de se poder passar um auto-tune ou melodyne, no caso do vocalista não ter cantado 100% afinado.

Outra dica é tentar obter um som diferente em cada dobra. Neste caso poderia se trocar de microfone ou de pré-amplificador (ou os dois) para que cada trilha tivesse uma coloração diferente de timbragem. Dá um trabalho, mas vale a pena. A dobra se feita muitas vezes com exatamente o mesmo timbre, tende a ficar meio artificial. Caso você só tenha um microfone e um pré-amplificador, peça ao vocalista para mudar a entonação, cantar em falsete, mudar a distância que está do microfone, etc... a variação de timbragem fará as dobras de uma mesma pessoa soar um pouco mais como um coro, afinal em um coro de verdade, ninguém tem exatamente a mesma voz.

Se o seu microfone só tiver o padrão cardióide, normalmente indicado pela figura de um coração, deixe os cantores o mais próximos possível, ombro a ombro por que quanto mais estiverem deslocados do eixo central do microfone, menos clareza e presença e definição o som terá. Por exemplo, se forem três cantores, o do centro terá a voz mais presente. Neste caso peça para ele se afastar um pouco em relação aos outros dois que estão nas pontas.

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Se você estiver gravando mais de uma pessoa para fazer o coro e o seu microfone tiver mudança de padrão na cápsula, experimente usar o posição OMNI, que normalmente é indicada pela figura de um círculo. Esta posição deixa um som mais natural e não privilegia nenhum dos cantores.

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Mas ao usar um microfone no padrão omni-direcional, dois cuidados devem ser tomados: como o padrão omni capta o som de todas as direções, evite colocar o microfone muito perto de qualquer parede, janela, rebatedor o qualquer superfície aonde o som possa bater e voltar. Isso causaria um efeito indesejável chamado comb-filtering que são as reflexões da parede interferindo no som direto causando certos cancelamentos de fase ou somatórios de ressonâncias que alteram drasticamente o timbre. A posição ideal seria no centro da sala, o mais distante possível de qualquer parede.

A outra coisa a se tomar cuidado é o ruído ambiente ou o próprio som da sala. Essa ambiência pode ser ok em uma ou duas trilhas de voz, mas o somatório dessa ambiência em várias trilhas pode causar um som que embola até a sonoridade da música em uma mixagem. Quanto mais próximo do microfone o cantor estiver, menor será este efeito.

No caso de dois cantores, a melhor solução é colocar o microfone na posição de “8”, um cantor de frente para o outro. É claro que se eles estiverem cantando vozes diferentes, você tem que prestar atenção no equilíbrio entre eles. No caso de estarem cantando em uníssono, preste atenção para ver se uma voz não está mais presente que a outra. Neste caso, peça para um dos cantores se aproximar ou se afastar.

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No caso de três ou mais cantores, como já foi dito acima, existe o problema de o vocalista do meio ficar com um timbre mais definido do que os outros dois pelo fato de estar no eixo central do microfone. Para evitar isso, pode se usar a técnica de middle-side. Coloque um microfone no padrão cardióide apontando para a frente e o outro com a figura de 8 apontando para os lados em relação ao primeiro microfone.

Coloque os dois cantores em frente aos dois lados do microfone com a figura de 8 (o side) e o terceiro cantor em frente ao microfone com a figura cardióide (o middle) ligeiramente deslocado para a esquerda. Na hora que você for dobrar o canal, coloque o cantor do centro, agora, ligeiramente deslocado para a direita. Desta maneira você irá equilibra a sua imagem estéreo e ainda deixará o centro liberado para a voz principal. Isso vai ajudar a definir a voz principal no meio de um coro com seis vozes (três de cada dobra).

Você ainda pode pedir para os cantores das laterais inverterem as suas posições. Isso também dará um maior efeito de realismo no coro, pois os timbres de voz também estarão distribuídos no estéreo. Um bom critério pra se escolher que vai para o meio ou para as pontas, é o cantor que tiver a voz mais diferente em relação ao vocalista principal, pois apesar de não estar no meio junto com a voz principal, estará em um lugar bem próximo na imagem estéreo.

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Ricardo Mendes Voz

Outra possibilidade é o caso de você estar gravando um coro com várias vozes, tipo seis, oito, dez ou doze vozes. Eu sugiro duas técnicas. A primeira situação é se houver um maestro regendo o coro, neste caso o coro estará provavelmente em uma posição de semi-círculo. Uma boa solução é colocar um microfone cardióide em frente ao maestro de modo que ele fique atrás do padrão cardióide. Outra solução, caso você tenha um par de microfones iguais, seria colocar na mesma posição do microfone cardióide único, dois microfones fazendo o middle-side, utilizando o mesmo processo na gravação de coro com três cantores.

Se não existir um maestro, ou o maestro também estiver cantando junto com o coro, pode se tentar outra técnica alternativa: se você só tiver um microfone, coloque-o no padrão omni e faça um círculo em volta do microfone. A vantagem deste método é que os cantores tem o costume de tirar um lado do headphone para se escutarem melhor e obter uma melhor afinação. Neste caso por estarem mais próximos os vocalistas se escutam melhor uns aos outros e se afinam melhor como coro. E também todos se enxergam no caso de algum dos cantores estar comandando as inflexões e tempos de duração das frases. A única desvantagem deste método é se os vocalistas tem que olhar para um maestro que não está cantando no grupo.

Se você tiver dois microfones iguais, você pode tentar um método mais sofisticado. Coloque dois microfones no padrão de figura 8 com o desvio de 90 graus um em relação ao outro no centro do círculo fazendo um par Blumlein. Se você tiver vários microfones iguais, pode tentar uma técnica mais sofisticada ainda: use quatro microfones no padrão cardióide deslocados em 90 graus um em relação ao outro, e coloque, por exemplo, dois cantores em frente a cada microfone, isso irá ter dar o controle individual do equilíbrio das vozes nos faders da mesa (ou do software). Se você tiver à disposição rebatedores, eles podem ser colocados para dar um maior isolamento entre os canais.

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