06. Ha-Joon Chang - Chutando a Escada

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CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratgia desenvolvimento em perspectiva histrica. Ed. Unesp, 2004.

do

Foram pouqussimas as tentativas de aproveitar as lies das experincias histricas dos pases desenvolvidos para solucionar problemas contemporneos do desenvolvimento. E quando houve, as referncias so eivadas de mitos que realam as recomendaes de polticas tpicas do Consenso de Washington. O autor desmistifica a lenda de que a prosperidade da Gr-Bretanha tenha sido oriunda do laissez-faire. Ele afirma que o livre-comrcio floresceu somente a partir do fim do sec. XIX devido legitimao terica de David Ricardo, Stuart Mill, David Hume e Adam Smith, mas que a Gr-Bretanha se valeu de inmeros instrumentos protecionistas para superar a ento grande potncia da l, os Pases Baixos. Essa ordem liberal mundial, preconizada por esses economistas, inclua: polticas industriais de laissez-faire internamente; pouqussimas barreiras aos fluxos internacionais de bens, capital, trabalho; estabilidade macroeconmica nacional (mantida pelo padro ouro); e equilbrio oramentrio. Segundo essa lenda, diz o autor, com a irrupo da 1GM, os pases comearam a levantar barreiras comerciais. Em 1930, os EUA abandonaram o livre comrcio e instituram a tarifa Smoot-Hawley. Depois, Alemanha e Japo. O sistema sucumbiu quando, em 1932, foi vez de Gr-Bretanha tentar reintroduzir tarifas alfandegrias. Depois da 2GM, prossegue a lenda a que o autor se refere, fizeram-se alguns progressos com o GATT, mas a viso dirigista da economia seguiu dominante at 1970 (mundo desenvolvido), 1980 (pases em desenvolvimento) e 1989 (ex-segundo mundo). A falta de crescimento nesse perodo teria evidenciado as limitaes do intervencionismo e do protecionismo antiquados. As mudanas mais simblicas, segundo Bhagwati, foram: - implantao da doutrina neoliberal no Brasil com FHC; - ingresso do Mxico no Nafta; - deslocamento da ndia para uma economia aberta e liberal; Essa lenda pinta um quadro vigoroso, mas basicamente falaz. (...) O fim do sculo XIX pode ser realmente descrito como a era do laissez-faire e foi o mais prximo que o mundo chegou do livre-comrcio. A maior parte do mundo foi obrigada a pratic-lo pelo colonialismo ou por tratados desiguais. A exceo bvia foram os EUA, que conservaram elevadssima barreira tarifria. Apesar das restries oramentrias, fato que quase todos os PADs usaram ativamente polticas industrial, comercial e tecnolgica intervencionistas para promover a indstria nascente durante o perodo de catch-up e at aps ele. Na frente comercial, os subsdios e os reembolsos aduaneiros aos insumos eram usados com freqncia para estimular a exportao. Os governos criavam mecanismos institucionais para facilitar a parceria pblico-privada (ex. joint ventures). O Estado financiava a aquisio de tecnologia estrangeira tanto por - meios legais: viagens de estudos e treinamento de pessoal - quanto meios ilegais: apoio espionagem industrial, contrabando de maquinrio, no reconhecimento de patentes estrangeiras. Os ltimos so meios seriamente condenados hoje. Estratgias de catch-up O autor analisa um grupo de PADs ( Gr-Bretanha, EUA, Alemanha, Frana, Sucia, Blgica, Holanda, Sua, Japo, Coria e Taiwan) e demonstra que a maioria dele utilizou polticas quase opostas as que a ortodoxia diz que eles usaram. Segundo ele, a GB 1

normalmente considerada um pas que se desenvolveu quase sem a interveno do Estado. Ao ingressar no perodo ps-feudal era atrasada e sua exportao limitava-se l bruta. Foi com a dinastia Tudor que a economia bret teve novo mpeto, com uma poltica de deliberado fomento indstria nascente, conforme relata o escritor Daniel Defoe em A plan for the English commerce. Henrique VII, que morou com a tia como enteado, nos Pases Baixos, ficou impressionado com a prosperidade de l e, quando monarca, contratou mo de obra especializada estrangeira, aumentou tarifas e proibiu em certa medida exportao de l bruta. Sabendo da defasagem da GB, adotou uma abordagem gradualista. Com Elizabete I, a GB ganhou confiana na competitividade internacional da indstria e proibiu totalmente exportao de l bruta, o que levou os Pases Baixos runa. Alguns fatores que favoreceram o triunfo britnico nessa indstria foram fortuitos (migrao de teceles protestantes de Flandres, aps a guerra de independncia com a Espanha) e outros criados deliberadamente pelo Estado. Para abrir novos mercados, ela mandou emissrios comerciais ao papa e aos imperadores de Rssia, Monglia e Prsia. A supremacia naval permitiu a conquista de novos mercados, colonizados e mantidos cativos. Medidas da legislao inglesa de 1721, para promover as manufaturas: 1: reduzir/abolir tarifas alfandegrias de matrias-primas importadas pelos manufatores; 2: reembolso aduaneiro para matrias-primas importadas pelas manufaturas de exportao; 3: abolio do imposto de exportao da maioria dos manufaturados; 4: elevao da tarifa aduaneira de bens manufaturados; 5: estenderam os subsdios exportao (subvenes) a novos itens, como seda e plvora; 6: regulamentao para controlar a qualidade de produtos manufaturados (principalmente txteis), para evitar que produtores inescrupulosos prejudicassem a imagem dos produtos britnicos; Essa reforma de 1721 se parece com as aplicadas em pases como Japo, Coria e Taiwan no ps-guerra. A GB aplicou tarifas muito elevadas sobre os manufaturados at duas geraes aps a Revoluo Industrial. A grande mudana ocorreu em 184, quando a Corn Law foi revogada. Hj essa revogao interpretada como a vitria final da doutrina econmica clssica liberal sobre o mercantilismo. Muitos historiadores, porm, interpretam o fato como um ato do imperialismo do livre comrcio, com inteno de conter a industrializao do Continente mediante a ampliao do mercado de produtos agrcolas. A verdadeira guinada para o livre-comrcio, entretanto, se deu na dcada de 1860, com o acordo anglo-francs de livre-comrcio (Tratado Cobden-Chevalier), que aboliu a maior parte das tarifas. Para Carl Polanyi, o laissez-faire nada tinha de natural e foi imposto pelo Estado. 2.2.2. Os Estados Unidos Segundo List, ainda que a Gr-Bretanha tenha sido o primeiro pas a praticar com sucesso a estratgia da indstria nascente, foram os Estados Unidos seus mais ardentes usurios. A literatura moderna, no entanto, relutante em admitir esse fato ou, se o faz, minimiza sua importncia no desenvolvimento econmico norte-americano. A proteo indstria interna foi uma questo controversa nos Estados Unidos desde o incio de sua colonizao. Inicialmente, a Gr-Bretanha implementava polticas que impediam a industrializao de sua colnia. poca da independncia, o Sul agrrio opunha-se ao protecionismo, enquanto o Norte manufatureiro o defendia. Alexander 2

Hamilton, o primeiro Secretrio do Tesouro (1789-1795), era um dos principais representantes do Norte, e muitos acreditam que tenha sido ele e no List o primeiro a elaborar sistematicamente o argumento da indstria nascente. Hamilton argumentava que a concorrncia estrangeira e a fora do hbito impediriam as novas indstrias de se desenvolverem nos EUA, a menos que a ajuda governamental (tarifas ou proibio de importao) compensasse os prejuzos iniciais. Em 1789, o Congresso obteve o poder de tributar e aprovou uma lei tarifria liberal, fixando uma alquota ncia de 5% para todos os bens importados. Com a guerra contra a Gr-Bretanha (1812), as tarifas dobraram para enfrentar as despesas. Em 1816, a poltica tarifria sofreu uma inflexo quando uma nova lei estabeleceu tarifas de cerca de 35% para quase todos os bens manufaturados, em virtude da influncia poltica adquirida pelas indstrias nascentes com o seu crescimento, proporcionado pela proteo econmica natural causada pela guerra. A partir dessa poca, conflitos entre os setores manufatureiros e exportadores de matrias-primas fizeram aumentar e diminuir as tarifas at a Guerra de Secesso (1861-65). Ao contrrio do que se costuma pensar, a Guerra de Secesso no envolveu somente a questo da escravido, mas principalmente a tarifria. A vitria de Lincoln (1860) no seria possvel sem o apoio dos estados mais protecionistas ao Partido Republicano, que prometia manter as tarifas altas. Lincoln nunca advogou a abolio com firmeza, mas dava mostras inequvocas de sua f no protecionismo. A vitria do Norte, portanto, permitiu que os Estados Unidos continuassem sendo os mais obstinados adeptos da proteo indstria nascente. Em 1913, com a vitria dos democratas, aprovou-se uma lei instituindo a Tarifa Underwood, que levou a um aumento das categorias de bens com entrada livre e uma queda dos impostos de importao. O incio da Primeira Guerra Mundial, contudo, tornou a lei ineficaz. Recorreu-se a uma legislao tarifria emergencial em 1922, que se seguiu volta dos republicanos ao poder, e as tarifas voltaram ao nvel de 30%. Em 1930, com o incio da Grande Depresso, instituiu-se a Tarifa Smoot-Hawley, que aumentou apenas marginalmente o grau de protecionismo dos EUA e, portanto, no constituiu um desvio radical da postura tradicional do pas de poltica comercial. Foi apenas aps a Segunda Guerra Mundial que os Estados Unidos, com sua supremacia industrial j consolidada, liberaram o comrcio e passaram a pregar a poltica econmica liberal. Ainda assim, nunca chegaram a praticar o livre-comrcio no mesmo grau alcanado pela Gr-Bretanha entre 1860 e 1932. Alm disso, sempre usaram muitas medidas de protecionismo oculto, como: Controles voluntrios de exportao; Cotas sobre txteis e vesturio; Proteo e subsdios agricultura; Sanes comerciais unilaterais (tarifas antidumping).

Atualmente, os historiadores econmicos esto cada vez mais propensos a reconhecer a importncia do protecionismo para o desenvolvimento da economia norteamericana. O crescimento recorde do pas comprova que a proteo tarifria foi essencial, ao menos para algumas indstrias-chave, como a txtil e a de ferro e de ao. Outras estratgias, alm da proteo tarifria, ajudaram a promover o desenvolvimento da economia como: 1) patrocnio de pesquisas agrcolas pelo Estado e 2) expanso do investimento em educao pblica. Conclui-se, assim, que os Estados Unidos, no sculo XIX, foram no apenas os mais fortes defensores das polticas protecionistas, como tambm a sede intelectual desse pensamento. Os intelectuais norte-americanos buscavam uma economia nova para um pas novo. Um congressista estadunidense chegou a afirmar que a teoria comercial 3

inglesa, assim como a maior parte dos bens manufaturados ingleses, destina-se exportao, no ao consumo interno. 2.2.3. A Alemanha Apesar de a Alemanha ser hoje conhecida como o bero da proteo indstria nascente, essa poltica teve muito menos importncia no desenvolvimento econmico alemo do que no britnico ou no norte-americano. At a criao da Zollverein, unio aduaneira liderada pela Prssia, em 1834, a proteo tarifria indstria foi moderada. Os outros Estados-membros, no entanto, passaram a pressionar pelo aumento das tarifas, que permaneceram baixas at a dcada de 1870. Em 1879, Bismarck aumentou muito a tributao sobre a importao, com o intuito de consolidar a aliana entre a aristocracia rural (Junkers) e o empresariado da indstria pesada. Mesmo assim, no sculo XIX e primeira metade do sculo XX, o nvel de proteo manufatura na Alemanha era um dos mais baixos. A falta de proteo tarifria no significava, entretanto, uma poltica de livrecomrcio. A Prssia, a partir do reinado de Frederico Guilherme I (1713-1740), lanou mo de diversas polticas para fomentar as novas indstrias, a saber: Concesso de monoplios; Fornecimento de produtos baratos pelas fbricas reais; Interveno direta do Estado nas indstrias-chave; Subsdios exportao; Investimento de capital; Recrutamento de mo-de-obra especializada no exterior.

Com o intuito de transformar o pas em uma potncia militar, Frederico, o Grande anexou a Silsia, provncia industrial, e empenhou-se em desenvolv-la. Aps sua morte, deu-se continuidade ao projeto e, por meio de espionagem industrial patrocinada pelo Estado e cooptao de operrios especializados, logrou-se introduzir tecnologias avanadas dos pases mais desenvolvidos. Foi importante, tambm, a criao do Instituto de Artes de Ofcios, que treinou operrios especializados, subsidiou viagens ao exterior, adquiriu mquinas estrangeiras e estimulou novos empreendimentos. A partir de 1840, com o crescimento do setor privado, diminuiu a interferncia do Estado no desenvolvimento industrial alemo. Longe de se ausentar do setor econmico, o Estado passou a assumir um papel orientador, ao invs de diretivo. Entre as polticas dessa poca, destacam-se: Concesso de bolsa de estudos para os talentos promissores; Subsdios aos empresrios competentes; Organizao de exposio de mquinas e processos industriais novos.

No Segundo Reich (1870-1914), o desenvolvimento do setor privado e o fortalecimento dos Junkers na burocracia, que se opunham ao desenvolvimento industrial, provocaram a eroso da autonomia e da capacidade do Estado, cujo papel passou a se restringir administrao de tarifas e superviso de cartis. 2.2.4 A Frana Assim como no caso da Alemanha, h a perpetuao do mito da poltica econmica francesa. Esse mito baseia-se na ideia de que a economia francesa sempre foi dirigida 4

pelo Estado espcie de anttese do laissez-faire britnico. Essa caracterizao pode ser aplicada ao perodo pr-revolucionrio e ao que seguiu Segunda Guerra, mas no se aplica ao resto da histria francesa. Exemplo de intervencionismo a poca do colbertismo (sculo XVII). O Estado francs atuou para contratar operrios qualificados ingleses e incentivou a espionagem industrial. Esse esforo governamental possibilitou Frana superar a defasagem tecnolgica frente Gr-Bretanha. Houve guinada na poltica econmica francesa durante a revoluo. Na mente dos revolucionrios, a destruio do absolutismo parecia implicar a adoo de um sistema mais laissez-faire. Nos anos imediatamente posteriores Revoluo, vrios governos, particularmente o de Napoleo esforaram-se para promover o desenvolvimento industrial e, sobretudo, o tecnolgico. Aps a queda de Napoleo, estabeleceu-se firmemente o regime de poltica laissez-faire, que perdurou at a Segunda Guerra Mundial. Muitos historiadores consideram as limitaes desse regime a causa principal da relativa estagnao industrial no sculo XIX. Embora o senso comum leve a associar a Gr-Bretanha ao livre-cambismo, evidncias empricas levam a concluir que na maior parte do sculo XIX, o regime comercial francs foi mais liberal que o da Gr-Bretanha, em especial entre 1840-60. O texto mostra tabela baseada na renda alfandegria lquida para demonstrar que, entre 1821 e 1875, a Frana sempre foi menos protecionista que a Gr-Bretanha. A disparidade no nvel de protecionismo entre os pases foi decaindo ao longo do tempo, em especial aps a revogao das corn laws (1846). interessante notar que a exceo relativa nesses 150 anos de liberalismo na Frana, reconhecidamente a do governo de Napoleo III (1848-1870), tambm foi o nico intervalo no perodo em que se verificou dinamismo econmico no pas. Em seu governo, o Estado incentivou desenvolvimento infraestrutural, criou instituies de pesquisa e ensino, alm de modernizar o setor financeiro. Ainda durante o perodo de Napoleo III foi celebrado o acordo comercial anglo-francs (Cobden-Chavalier) de 1860. Apesar dele, o grau de protecionismo francs j era baixo na poca, o que levou o acordo a ter pouco efeito. Aps expirado, em 1892, muitos ndices tarifrios se elevaram. Em matria de economia, a postura do governo francs era quase to liberal quanto a do liberalssimo governo britnico, sobretudo na terceira repblica. Em razo da instabilidade poltica, a Frana era governada basicamente pela burocracia permanente. O oramento governamental se destinava basicamente ao atendimento das despesas essenciais: segurana, educao, transporte, etc. Ou seja, as reas clssicas de envolvimento do Estado mnimo. O papel regulador do Estado tambm se conservou mnimo. S depois da Segunda Guerra a elite francesa se animou a reorganizar o aparelho de Estado e enfrentar o problema do relativo atraso industrial do pas. A partir de ento, especialmente at o fim dos anos 60, o Estado recorreu ao planejamento indicativo, formao de empresas estatais e ao que hoje se chama equivocadamente de poltica industrial ao estilo do Leste Asitico para promover o catch-up e igualar-se aos pases mais avanados. Consequentemente, a Frana passou por uma muito bem-sucedida transformao estrutural da economia, chegando finalmente a ultrapassar a Gr-Bretanha em termos tanto de produo (em diversas reas) quanto de tecnologia. 2.2.5 A Sucia A Sucia no entrou na modernidade com um regime de livre-comrcio. Depois das Guerras napolenicas, o governo promulgou uma lei tarifria fortemente protetora (1816). Os impostos tornavam proibitiva a importao de produtos acabados de algodo e estabeleciam tarifas deliberadamente baixas para a importao de algodo cru. Percebese semelhana entre esse regime tarifrio e o da Gr-Bretanha no sculo XVIII, assim como o praticado por pases como a Coreia e Taiwan no ps-guerra. Por volta de 1830, a proteo comeou a recuar. Manteve-se regime de tarifas muito baixas at o fim do sculo XIX, em especial nos alimentos, matrias primas e mquinas. 5

Essa fase livre-cambista foi efmera. Desde 1880, a Sucia passou a usar tarifas a fim de proteger o setor agrcola contra a recm-chegada concorrncia norte-americana. A partir de 1892, e at ceder s imposio de tratados comerciais, o pas ofereceu proteo tarifria e subsdios indstria. Em 1913, o ndice de proteo manteve-se entre os mais altos da Europa. Em 1930, a Sucia estava em segundo lugar, atrs apenas da Rssia. Graas a essa guinada rumo ao protecionismo, a economia sueca teve um desempenho extremamente favorvel nas dcadas seguintes. Teve o segundo mais rpido crescimento (em termos de PIB por hora de trabalho) de 1890 a 1900 e o mais rpido de 1900 a 1913. A proteo tarifria e os subsdios no foram os nicos instrumentos usados para fomentar o desenvolvimento industrial. No fim do sculo XIX, a Sucia desenvolveu uma tradio de ntima parceria pblico-privada numa extenso sem paralelos nos outros pases de ento. O desenvolvimento teve participao do Estado em setores como agricultura e construo de ferrovias, diferentemente do desenvolvimento conduzido pela iniciativa privada, como o ocorrido na Gr-Bretanha. Outros setores de infraestrutura como telegrafia e energia tiveram aplicao do modelo de parceria pblico-privada. O Estado sueco se empenhou em facilitar o desenvolvimento e aquisio de tecnologia. Subsidiou viagens de estudo e pesquisa em busca do acumulo da chamada capacidade tecnolgica. A educao foi uma das prioridades do governo. Tornou obrigatrio, em 1840, o ensino bsico. Instituiu, em 1860, o ensino secundrio. No ensino superior criou institutos de pesquisa tecnolgica. Em 1932 ocorreu vitria do Partido Socialista, que a partir de ento esteve no governo a no ser durante perodo inferior a 10 anos. Em 1936, houve celebrao do pacto histrico entre sindicatos e a associao patronal. O regime posterior a esse pacto concentrou-se na edificao de um sistema em que os empregadores financiassem um generoso welfare state e elevados investimento em troca de reivindicaes salariais moderadas por parte do sindicado. Depois da Segunda Guerra, esse regime promoveu o upgrading industrial. Nas dcadas de 1950-1960, o centralizado sindicado adotou o Plano Rehn-Meidner, que introduziu a poltica salarial solidria, buscando explicitamente uniformizar os salrios do mesmo tipo de mo de obra em todas as indstrias. Esperava-se que isso pressionasse os capitalistas dos setores mal remunerados, levando-os a aumentar o estoque de capital ou reduzir a fora de trabalho e, ao mesmo tempo, permitisse aos dos setores bem remunerados reter lucros extras e expandir-se mais depressa do que normalmente seria possvel. Alm disso, adotou-se a poltica de mercado de trabalho ativo, que favorecia a reciclagem e a recolocao da mo de obra dispensada no processo de upgrading industrial. Aceita-se amplamente que tal estratgia contribuiu para o sucesso do desenvolvimento industrial sueco nos primeiros anos do ps-guerra. A estratgia sueca de upgrading industrial no ps-guerra, baseada na combinao da barganha salarial solidria com a poltica de mercado de trabalho ativo, consideravelmente diferente das adotadas pelos outros pases discutidos no texto. Apesar das diferenas, ambas as estratgias se fundamentam num entendimento parecido do verdadeiro funcionamento da economia mundial. Compartilham da certeza de que a guinada rumo ampliao das atividades de maior valor agregado decisiva para a prosperidade da nao e de que essa guinada, estando entregue s foras de mercado, pode no ocorrer com os padres sociais desejveis. 2.2.6 Outras pequenas economias europeias A. A Blgica Os Pases Baixos tinham predomnio da indstria da l durante o sculo XV. O setor concentrou-se no que viria a ser a Blgica. Ainda que o setor tenha entrado em declnio 6

por causa da concorrncia britnica, a Blgica conservou o seu poderio industrial e foi a segunda nao depois da Gr-Bretanha a pr em marcha a Revoluo Industrial No incio do sculo XIX, a Blgica era uma das regies mais industrializadas. Devese considerar a sua desvantagem em razo do territrio exguo e da sua fragilidade poltica diante da Frana e da Alemanha. Na poca, era o lder tecnolgico em certas indstrias, como o lanifcio. Graas superioridade tecnolgica, a Blgica foi uma das economias menos protegidas durante a maior parte do sculo XIX e incio do XX. Contudo, no perodo anterior, a Blgica foi consideravelmente mais protecionista que a Holanda e a Sua. Nos primeiros trs quartos do sculo XVIII, o governo austraco, que controlava a regio. Protegeu-a fortemente contra os concorrentes e investiu em infraestrutura industrial. B. A Holanda A Holanda foi incapaz de traduzir o seu poderio naval e comercial em indstria e em supremacia econmica geral. Isso se deve, em parte, ao fato de ter tido uma grande base comercial mundial. Isso fez com que ela se despreocupasse com a indstria. O governo britnico, por outro lado, aproveitou fora semelhante para favorecer o desenvolvimento das indstrias, a exemplo dos vrios Navigations Acts que tornavam obrigatrio o transporte em navios britnicos dos bens que entravam e saiam do pas. H vrias explicaes para o porqu de a Holanda no ter feito o mesmo: salrios elevados; escassez de jazidas e carvo e de ferro; declnio do esprito empreendedor; notrio consumo, entre outros. Alguns historiadores aleguam que a fora da indstria belga sempre representou um obstculo para o desenvolvimento dos vizinhos. Existe tambm a ideia de que o relativo declnio da Holanda decorrncia da sua incapacidade de criar as polticas pblicas e a instituies necessrias ao desenvolvimento industrial. Tarifas baixas tambm podem ter dificultado o desenvolvimento da indstria holandesa. Independentemente do fato de no ter se industrializado na mesma proporo de seus vizinhos, continuou sendo um dos pases mais ricos do mundo at o incio do sculo XX graas sua rede comercial. O governo do Rei Guilherme I (1815-1840) foi exceo a essa paralisia poltica. Criou agncias para financiamento subsdio indstria, patrocinava indstrias holandesas, entre outras. No fim da dcada de 1840, o pas retornou a um regime de laissez-faire, que durou at a Primeira Guerra e, em certa medida, at a Segunda. O texto d exemplos: 1) A Holanda era uma das economias menos protegidas; 2) Em 1869, revogou a lei de patentes; 3) O governo criou, organizou e financiou deliberadamente uma empresa privada de gerenciamento das ferrovias nacionais para concorrer com as duas j existentes no setor. Na prtica, foi a precursora da moderna poltica industrial ativista prconcorrncia. Nesse perodo de laissez-faire extrema, o conjunto da economia holandesa continuou no marasmo, e seu nvel de industrializao permaneceu relativamente baixo. A Holanda era o segundo pas mais rico em 1820. Em 1913, era o stimo. Em grande medida, foi por isso que o fim da Segunda Guerra presenciou a introduo de medidas mais intervencionistas. Praticou-se poltica industrial ativa. Apoio financeiro, incentivo ao ensino tcnico. C. A Sua A Sua foi um dos primeiro pases europeus a se industrializar. A sua Revoluo Industrial teria comeado 20 anos depois da britnica. Havia pouca (ou nenhuma) defasagem tecnolgica ante a nao lder. Assim, a proteo indstria nascente no chegou a ser muito necessria na Sua. Ademais, em decorrncia da exiguidade do 7

territrio, teria sido mais custosa do que em pases maiores. O sistema poltico descentralizado tambm impossibilitou proteo centralizada indstria nascente. O livre-comrcio era aspecto mais importante da economia desde o sculo XVI. Contudo, houve protecionismo natural contra a Gr-Bretanha fornecido pela interveno de Napoleo. Resultou em um respiro frente aos avanos britnicos. O laissez-faire suo no significou necessariamente que o governo carecesse de senso estratgico na elaborao polticas. Exemplo ele ter se negado at 1907 a adotar uma Lei das Patentes, apesar da presso internacional. Isso contribuiu para o desenvolvimento de diversas indstrias, como a qumica e a farmacutica. 2.2.7 O Japo e os Novos Pases Industrializados (NPIs) do Extremo Oriente Desde a abertura, aps a presso dos EUA, era cada vez mais perceptvel aos japoneses o atraso relativo do pas. Aps a Restaurao Meiji (1868), o Estado iniciou papel decisivo no desenvolvimento do pas. Nos primeiros estgios de desenvolvimento, o Japo no pde se valer do protecionismo em decorrncias dos acordos desiguais. A autonomia s veio em 1911. O Japo teve de aplicar outros mtodos. semelhana da Prssia no incio do sculo XIX, na ausncia de iniciativas empresariais de setor privado, o Estado japons criou fbricas estatais modelos (projetospiloto) em diversos segmentos industriais como o txtil e o militar. Posteriormente, a maioria delas seria vendida com desconto iniciativa privada. Contudo, o Estado manteve-se participativo com subsdios e criando a primeira usina de ao moderna (1901). O Estado tambm atuou no desenvolvimento de infraestrutura. Ex: construiu a primeira ferrovia em 1881. Ex: a partir de 1869, o governo iniciou a construo da infraestrutura telegrfica. H embate entre estudiosos se foi positivo ou no o papel das estatais no desenvolvimento do Japo. O Autor acredita que sim ao mencionar Thomas Smith: Que realizaram as empresas do governo entre 1686 e 1880? Quantitativamente, pouco: algumas fbricas modernas, algumas minas, um sistema telegrfico, menos de 150 quilmetros de estrada de ferro. No entanto, abriram-se novos e difceis caminhos: formaram-se administradores e engenheiros, treinou-se uma pequena, mas crescente mo de obra industrial, conquistaram-se novos mercados; e o que talvez seja o mais importante: desenvolveram-se empresas que serviriam de base ao futuro crescimento industrial. O Governo tambm implementou polticas destinadas a facilitar a transferncia de tecnologia e instituies estrangeiras avanadas. Houve muita contratao de consultores. A quantidade de consultores reduziu-se ao longo do tempo, medida que o Japo ia assimilando o conhecimento. O Ministrio da Educao, criado em 1871, estima que na virada do sculo, havia sido atingido quociente de alfabetizao de 100%. O Estado Meiji importou e adaptou as instituies dos pases desenvolvidos que lhes pareciam necessrias ao desenvolvimento industrial. Isso gerou uma espcie de colcha de retalhos institucional, com influncias do direito penal francs, direito comercial e civil alemo, exrcito ao modelo alemo e marinha com influncia britnica. Com o fim dos acordos desiguais em 1991, o Estado ps-Meiji promoveu reforma tarifria visando proteger a indstria nascente. Percebe-se, uma vez mais, a grande semelhana entre essas polticas e as anteriormente adotadas por outros pases quando em fase de desenvolvimento. Em 1913, o Japo j se tornou um dos pases mais protecionistas do mundo, ainda que em relao indstria, o protecionismo continuasse sendo menor que o dos EUA. Na dcada de 1920, influenciado pela Alemanha, o Japo passou a incentivar a racionalizao das indstrias-chave, sancionando a formao de cartis e incentivando as 8

fuses com o objetivo de restringir a concorrncia predatria, obter economias de escala, a padronizao e a introduo de gerenciamento cientfico. Apesar do desenvolvimentismo da primeira metade do sculo XX, somente a partir da Segunda Guerra o Japo surpreenderia. Entre 1950-1973, o PIB per capita cresceu 8% ao ano, mais do que os pases desenvolvidos analisados. Ex: Alemanha e ustria tiveram o melhor desempenho (4,9%). O desenvolvimento dos pases do Leste Asitico se manteve em 6,2% (Taiwan) e 5,2% (Coreia). H controvrsias sobre o crescimento do Japo e NPIs do Leste asitico, porm consenso que o crescimento desses pases, com exceo de Hong Kong, deriva basicamente da ativa poltica industrial, comercial e tecnolgica (ICT) do Estado. A anlise da experincia do ps-guerra dos pases do Leste Asitico deixa patente a semelhana entre as suas polticas ICT e as anteriormente utilizadas pelos pases desenvolvidos. Contudo, esses pases no se limitaram a copiar as medidas adotadas pelos pases desenvolvidos. As polticas que eles e alguns PDs utilizaram eram mais sofisticadas. Ex: subsdios exportao mais bem planejados. Os governos do Leste Asitico tambm integraram com muito mais firmeza as polticas de capital humano e educao ao arcabouo da poltica industrial por meio do planejamento da fora de trabalho disponvel. Empenho em aumentar a qualificao, a educao e o treinamento. Por ltimo, o autor menciona a existncia de argumento de acordo com o qual a crise da Coreia e a prolongada recesso no Japo so decorrncia das polticas ICT ativistas. Ele entende que o argumento infundado. Entre os motivos: 1) as ICT estiveram inegavelmente por trs do milagre; 2) Taiwan tambm empregou polticas ICT, mas no enfrentou crise financeira ou macroeconmica; 3) Os principais observadores do Japo concordam que a atual crise no pode ser atribuda poltica industrial do governo; 4) No caso coreano, grande parte da poltica industrial vem sendo desmantelada desde 1990, quando comeou a se avolumar o dficit que levou recente crise, de modo que ela no pode ser responsabilizada pela crise. 2.3 A estratgia para passar frente do lder e a reao dos pases em catchingup a Gr-Bretanha e seus seguidores Quando um pas se adianta aos outros, sente-se estimulado a usar de seu poder poltico e econmico para se adiantar ainda mais. A Gr- Bretanha (sculos XVIII e XIXI) exemplo disso, e suas prticas encontram paralelo s prticas atuais de pases desenvolvidos em relao aos pases em desenvolvimento. 2.3.1 As colnias A Gr-Bretanha (GB) instituiu polticas que impediam o desenvolvimento de manufaturas nas colnias, principalmente na Amrica do Norte. Isso ocorreu mediante regulamentaes comerciais e industriais que limitavam as colnias ao fornecimento de produtos primrios Inglaterra. Desestmulo s manufaturas e reserva de mercado aos produtos ingleses. Polticas desenvolvidas pela GB: 1) Medidas de incentivo produo de produtos primrios nas colnias; 2) Algumas atividades manufatureiras foram postas fora da lei (proibio de usinas de ao na Amrica do Norte, o que obrigou a colnia a produzir ferro, com menor valor agregado) essa poltica poderia ter sido um grande obstculo industrializao norte-americana se o pas permanecesse como colnia britnica em seus estgios iniciais de desenvolvimento (agrcola e comercial); 3) Proibiram-se as colnias de exportar produtos que concorriam com os britnicos (lei sufocou a indstria manufatureira de l nas colnias americanas; proibio da importao de txteis de algodo na ndia); 9

4) As autoridades coloniais foram proibidas de usar tarifas, ou, quando necessrias, estas encontravam os mais diversos obstculos. 2.3.2 Os pases semi-independentes No sculo XIX, fora das colnias formais, as tentativas da GB (e de outros pases desenvolvidos) de tolher o desenvolvimento da indstria dos pases menos desenvolvidos assumiram principalmente a forma de imposio do livre comrcio pelos chamados tratados desiguais (tetos tarifrios e privao de autonomia tarifria). Observa-se que a adoo de tarifas baixas e uniformes exatamente o que os livrecambistas modernos recomendam aos pases em desenvolvimento (recomendaes do Banco Mundial, por exemplo). A GB recorreu aos tratados desiguais primeiramente na Amrica Latina, a comear pelo Brasil, em 1810. Alm deste, o Tratado de Nanquim (1842) com a China, com o Sio (atual Tailndia), com a Prsia, com o Imprio Otomano, com o Japo (que perdeu sua autonomia alfandegria de 1854 a 1911). Ao forar a abertura da Coreia em 1876, o Japo reproduziu o comportamento dos pases ocidentais (imps um tratados privativo da autonomia tarifria). Os grandes pases da Amrica Latina lograram reconquistar a autonomia tarifria na dcada de 1880. A Turquia, s em 1923. A China, em 1929. O autor cita Amsden, quem mostra que esses pases s tiveram oportunidade de iniciar o processo de industrializao quando recuperaram a autonomia tarifria ( e de outras polticas). 2.3.3 As naes concorrentes Em relao s concorrentes europeias, a GB concentrou-se em impedir a difuso de sua tecnologia. A concorrncia europeia recrutava mo de obra qualificada da GB. Em 1719, a GB proibiu a emigrao de trabalhadores especializados, sob pena de perda de cidadania e privao de bens e terras na GB. Essa proibio vigorou at 1825. medida que os avanos tecnolgicos foram se incorporando s mquinas, o governo passou a controlar a exportao destas. Lei de 1750 proibindo exportao de ferramentas e utenslios. Leis posteriores ampliam e fortalecem a lei de 1750. Controle de exportao de mquinas, motores, ferramentas, prensas, documentos, utenslios ou implementos, refletindo a crescente mecanizao da indstria. Na Holanda, ocorre o mesmo, tendo o pas se conservado aberto ao acesso de estrangeiros sua tecnologia at o sculo XVII, depois aprovado leis proibindo a exportao de mquinas e emigrao de mo de obra especializada. Essas leis tiveram menos eficcia que na GB. Diante das medidas adotadas pelas naes adiantadas para impedir a transferncia de tecnologia, as menos desenvolvidos lanaram mo de toda sorte de meios ilegtimos para ter acesso s tecnologias avanadas. Ocorrncia de espionagem industrial na GB empreendida por pases como Frana, Rssia, Sucia, Noruega, Dinamarca, Holanda e Blgica. Apesar disso, o catching-up tecnolgico no foi fcil. A importao de mo de obra no resolveu o problema, pois esses trabalhadores enfrentavam dificuldades idiomticas e culturais, alm de no ter acesso mesma infraestrutura presente em seus pases de origem. Tal como no caso dos atuais pases em desenvolvimento, a transferncia de tecnologia, portanto, era mais efetiva quando contava com o apoio de polticas voltadas para o aumento da capacidade tecnolgica. Criao de instituies de ensino (escolas tcnicas) e de pesquisa. Fundao de fbricas-modelo com tecnologia de ponta. Incentivos financeiros para as empresas empregaram tecnologia avanada. 10

Na metade do sculo XIX, as tecnologias-chave tinham se tornado to complexas que a importao de mo de obra qualificada e de maquinrio j no bastava para se chegar ao domnio de uma tecnologia. Desde ento, a transferncia ativa, pelo proprietrio do conhecimento tecnolgico, mediante o licenciamento de patentes, passou a ser importante canal de transferncia de tecnologia em algumas indstrias. Emergncia de um regime internacional de direitos de propriedade intelectual (DPI). Conveno de Paris sobre patentes, de 1883, por exemplo. A legislao inicial era deficiente (nos EUA, concediam-se patentes sem a exigncia de nenhum prova de originalidade, por exemplo) em comparao aos padres modernos, a partir do acordo Trips (Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comrcio) da OMC. Mesmo os pases mais desenvolvidos seguiam violando rotineiramente o DPI dos cidados estrangeiros em pleno sculo XX. Os EUA s passaram a reconhecer copyright estrangeiro em 1891. 2.4 Polticas de desenvolvimento industrial: alguns mitos e lies histricos Ao analisar o papel das polticas industrial, comercial e tecnolgica (ICT) no desenvolvimento de alguns pases desenvolvidos e seus perfis, o autor conclui que, embora virtualmente todos tenham tomado medidas de promoo da indstria nascente, houve muita diversidade entre eles no tocante combinao exata de polticas. Comparando as polticas ICT dos pases desenvolvidos de pocas anteriores com as dos atuais pases em desenvolvimento, o autor conclui que, tomando em conta a defasagem de produtividade que eles devem superar, esses pases so muito menos protecionistas do que foram os pases desenvolvidos no passado. 2.4.1 Alguns mitos e fatos histricos acerca das polticas de outrora A. Quase todos os pases bem-sucedidos valeram-se da proteo indstria nascente e de outras polticas ICT ativistas quando eram economias em catching-up A proteo tarifria foi componente-chave dessa estratgia em muitos pases. O Reino Unido e os Estados Unidos foram os que mais recorreram proteo tarifria. As excees ao padro histrico (pases que se desenvolveram com polticas ICT francamente liberais) so a Sua, a Holanda e, em menor grau, a Blgica. A Sua se beneficiou de uma proteo natural causada pelas Guerras Napolenicas. A Holanda lanou mo de investimentos nos setores naval e comercial, criou agncias de financiamento industrial e promoveu a indstria txtil de algodo na dcada de 1830. As tarifas da Blgica eram baixas, mas o governo austraco (que a governou durante quase todo o sculo XVIII) era muito mais protecionista. Esses pases se abstiveram de adotar polticas protecionistas devido exiguidade de seus territrios e aos custos relativamente elevados de proteo. Mas essa explicao no se satisfaz, j que a Sucia, pas igualmente pequeno, recorreu proteo indstria nascente com bastante sucesso (final XIX e incio XX) no perodo de seu catching-up na indstria pesada. Um explicao mais plausvel era de que Sua, Holanda e Blgica eram mais avanados tecnologicamente que pases como a Sucia, da no necessitarem da proteo indstria nascente. difcil provar quais fatores foram a chave para o sucesso desses pases. Entretanto, parece ao autor uma coincidncia notvel que tantos pases que se valeram de polticas ICT ativistas tenham se industrializado com sucesso. B. O mito da GB como economia livre-cambista do laissez-faire 11

A GB foi usuria agressiva e, em certas reas, pioneira das polticas ICT ativistas, voltadas para o fomento da indstria nascente, at meados do XIX, quanto conquistou clara hegemonia industrial e aderiu ao livre-cambismo. Polticas protecionistas remontam ao sculo XIV (Eduardo III) e XV (Henrique VII) no tocante ao comrcio de l. Entre 1721 (reforma da poltica comercial de Walpole) e a revogao das Corn Laws (1846), a GB implementou exatamente as polticas ICT que o Leste Asitico implementou no ps-2GM (subsdios exportao e a reduo de importo de importao de insumos para a exportao). C. Os Estados Unidos, a me-ptria e o baluarte do protecionismo moderno Os EUA usaram de polticas similares s da GB para arquitetar sua ascenso industrial. Pensadores norte-americanos como Alexander Hamilton e Daniel Raymond argumentaram em prol da proteo indstria nascente. Friedrich List, o suposto pai intelectual da proteo indstria nascente, esteve exilado nos EUA, onde entrou em contato com ela. Entre 1816 e 1945, o pas teve uma das taxas tarifrias mdias de importao mais elevadas do mundo. Dcada de 1870, proteo natural devido ao custo dos transportes. Durante o catching-up industrial, as indstrias norte-americanas foram as mais protegidas do mundo. A economia do pas no teria chegado onde se encontra hoje se no houvesse contado com uma forte proteo tarifria, pelo menos a certas indstrias-chave nascentes. Destaca-se tambm o papel do Estado no desenvolvimento infraestrutural e no apoio P&D. D. O mito da Frana dirigista em oposio ao laissez-faire britnico A ideologia libertria da Revoluo Francesa suprimiu as polticas de promoo comercial anteriormente existentes. Entre 1820 e 1860, o grau de protecionismo francs era inferior ao britnico. Perodo do laissez-faire na Frana ficou associado relativa estagnao industrial e tecnolgica do pas. Isso prova a validade do argumento da indstria nascente. Estratgia intervencionista depois da 2GM acarretou sucesso industrial. E. O uso limitado da proteo ao comrcio na Alemanha Embora seja frequentemente identificada como o bero da proteo indstria nascente, a verdade que a Alemanha nunca recorreu extensivamente proteo tarifria. Fomentou-se a indstria nascente no por tarifas, mas por investimentos do Estado, parcerias pblico-privadas e vrios subsdios. F. A Sucia nem sempre foi a pequena economia aberta que mais tarde veio a representar A proteo tarifria sueca no perodo de catching-up no foi extensiva, apesar do atraso econmico do pas. Entretanto, o Estado sueco usou estrategicamente a proteo tarifria: para promover a indstria txtil no incio do XIX e para dar apoio s indstrias mecnica e eltrica no fim do mesmo sculo. (Estratgia do Leste Asitico no final do XX e da GB no XVIII). nfase dada educao, formao tcnica e pesquisa (similar do Leste Asitico). Utilizao de parcerias pblico-privadas no desenvolvimento de infraestrutura. G. O ativismo do Estado na formao do Japo moderno foi limitado por restries externas 12

O desenvolvimento industrial japons iniciou-se sem que o pas pudesse lanar mo de proteo tarifria (acordos desiguais). O governo japons, ento, encontrou outros meios de promover a indstria: abriu fbricas-modelo nos setores-chave, subsidiou segmentos importantes e investiu em infraestrutura e educao. No incio do XX, com o fim dos acordos desiguais, o Japo teve condies de estabelecer uma estratgia mais abrangente de desenvolvimento industrial (com proteo tarifria). H. A raposa transformada em guardi do galinheiro: as polticas mudam com o desenvolvimento Um aspecto importante o fato de os pases desenvolvidos terem postura, em suas polticas, de acordo com a posio relativa que passaram luta competitiva internacional. Em parte, isso significa chutar deliberadamente, mas tambm parece decorrer da natural tendncia reinterpretar o passado pelo ponto de vista do presente. mudado de a ocupar na a escada humana a

Quando estavam em situao de catching-up, os pases desenvolvidos protegiam a indstria nascente, cooptavam mo de obra especializada e contrabandeavam mquinas dos pases mais desenvolvidos, envolviam-se em espionagem industrial e violavam obstinadamente as patentes e marcas. Entretanto, mal ingressaram no clube dos mais desenvolvidos, puseram-se a advogar o livre-comrcio e a proibir a circulao de trabalhadores qualificados e de tecnologia; tambm se tornaram grandes protetores das patentes e marcas registradas. Assim, parece que as raposas tm se transformado em guardis do galinheiro com perturbadora regularidade. Pases como a Alemanha e os EUA se irritavam com a GB no sculo XIX, pois consideram hipocrisia a sua pregao do livre-cambismo, visto que no sculo XVIII a Inglaterra foi o pas que mais recorreu proteo indstria nascente. O mesmo sentimento se manifesta hoje, quando os representante norte-americanos nas negociaes comerciais se pem a pregar as virtudes do livre comrcio aos pases em desenvolvidos, ou quando a indstria farmacutica sua defende os direitos de propriedade intelectual. 2.4.2 No s tarifas: diversos modelos de promoo da indstria nascente A proteo indstria nascente no garante automaticamente o sucesso econmico, mas h um padro histrico que se estende da GB no sculo XVIII Coreia no fim do XX, pelo qual se chegou ao desenvolvimento econmico bem-sucedido por meio de medidas de proteo indstria nascente. A proteo tarifria no foi o nico instrumento poltico usado para a promoo da indstria nascente. Outros recursos usados foram os subsdios exportao, a reduo das tarifas dos insumos usados para a exportao, a concesso do direito de monoplio, os acordos de cartelizao, os crditos diretos, o planejamento de investimentos, o planejamento de recursos humanos, o apoio P&D e a promoo de instituies que viabilizassem a parceria pblico-privada. Embora haja alguns padres histricos notveis nesses pases, h uma diversidade considervel na combinao exata dos instrumentos polticos empregados na promoo industrial. No h um modelo de desenvolvimento tamanho nico apenas amplos princpios orientadores e vrios exemplos que servem de lio. 2.4.3 Comparao com os atuais pases em desenvolvimento Alguns argumentam que o nvel de proteo tarifria adotado pelos pases desenvolvidos em seus perodos de catching-up era menor que o atual, empregado pelos pases em desenvolvimento. Porm, a defasagem de produtividade entre os pases em desenvolvimento e os desenvolvidos muito maior do que a existente antigamente. Da a 13

necessidade de impor tarifas mais altas que as aplicadas no passado. Outros instrumentos de promoo industrial foram banidos pela OMC, como os subsdios exportao. Diante da defasagem de produtividade, os nveis de proteo relativamente elevados, que prevaleceram nos pases em desenvolvimento at a dcada de 1980, nada tm de excessivos a julgas pelos padres histricos dos pases desenvolvidos. E com os nveis substancialmente inferiores que passaram a prevalecer depois de duas dcadas de extensiva liberalizao do comrcio nesses pases, pode-se ainda dizer que os atuais pases em desenvolvimento so, deveras, menos protecionistas do que eram os pases desenvolvidos.

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