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R. Proc.-Geral Mun. Juiz de Fora – RPGMJF, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 79-96, jan./dez. 2012 Sistema Municipal de Defesa do Consumidor – Criação e regulamentação legal* Eduardo de Souza Floriano Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-graduado em Direito Público e em Direito Social pela Faculdade Newton Paiva. Bacharelando em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Advogado. Procurador do Município de Juiz de Fora. Resumo: A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXII, prevê que o Estado brasileiro promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Embora tal regra tenha mais de 23 anos e a lei referida (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) tenha 21 anos de vigência, muitos municípios não dotaram sua estrutura administrativa de instrumentos e mecanismos para concretização deste direito. A obrigação de manutenção destes instrumentos é ainda mais evidente quando da leitura, por exemplo, do art. 233, §3º, da Constituição do Estado de Minas Gerais, que determina que “o poder público manterá órgão especializado para a execução da política de defesa do consumidor”. Mas não basta apenas a manutenção de um órgão de defesa do consumidor, reconhecido em muitos lugares pela sigla Procon, e, sim, a elaboração de um verdadeiro sistema municipal de defesa do consumidor para abarcar todas as obrigações e instrumentos concretizadores das políticas de defesa do consumidor. A defesa do consumidor não é uma faculdade, mas um dever do poder público e um direito fundamental do cidadão. A partir desta premissa, desenvolve-se uma análise da normatização legal atinente à política de defesa do consumidor e aponta orientações para que o município, cumprindo seu dever constitucional, estruture o Sistema Municipal de Defesa do Consumidor. Palavras-chave: Regulamentação legal. Sistema Municipal de Defesa do Con- sumidor. Procon. Sumário: 1 Introdução – 2 A defesa do consumidor como direito fundamental e dever do Estado – 3 Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – 4 Criação do Sistema Municipal de Defesa do Consumidor – 5 Conclusão – Referências 1 Introdução Embora a defesa do consumidor seja direito fundamental previsto na Constituição Federal, art. 5º, XXXII, o Estado brasileiro ainda não se estruturou, devidamente, para garantir a efetivação deste direito. Em que pese a existência de um sistema de defesa do consumidor no âmbito dos governos federal e estaduais, muitos destes ainda insipientes, a * Categoria: Trabalhos peculiares de relevante pertinência à linha editorial da RPGMJF. RPGMJF_02.indd 79 27/11/2012 14:03:54

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artigo sobre o o direito do consumidor no âmbito municipal

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Sistema Municipal de Defesa do Consumidor – Criação e regulamentação legal*Eduardo de Souza FlorianoBacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-graduado em Direito Público e em Direito Social pela Faculdade Newton Paiva. Bacharelando em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Advogado. Procurador do Município de Juiz de Fora.

Resumo: A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXII, prevê que o Estado brasileiro promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Embora tal regra tenha mais de 23 anos e a lei referida (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) tenha 21 anos de vigência, muitos municípios não dotaram sua estrutura administrativa de instrumentos e mecanismos para concretização deste direito. A obrigação de manutenção destes instrumentos é ainda mais evidente quando da leitura, por exemplo, do art. 233, §3º, da Constituição do Estado de Minas Gerais, que determina que “o poder público manterá órgão especializado para a execução da política de defesa do consumidor”. Mas não basta apenas a manutenção de um órgão de defesa do consumidor, reconhecido em muitos lugares pela sigla Procon, e, sim, a elaboração de um verdadeiro sistema municipal de defesa do consumidor para abarcar todas as obrigações e instrumentos concretizadores das políticas de defesa do consumidor. A defesa do consumidor não é uma faculdade, mas um dever do poder público e um direito fundamental do cidadão. A partir desta premissa, desenvolve-se uma análise da normatização legal atinente à política de defesa do consumidor e aponta orientações para que o município, cumprindo seu dever constitucional, estruture o Sistema Municipal de Defesa do Consumidor.

Palavras-chave: Regulamentação legal. Sistema Municipal de Defesa do Con-sumidor. Procon.

Sumário: 1 Introdução – 2 A defesa do consumidor como direito fundamental e dever do Estado – 3 Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – 4 Criação do Sistema Municipal de Defesa do Consumidor – 5 Conclusão – Referências

1 IntroduçãoEmbora a defesa do consumidor seja direito fundamental previsto

na Constituição Federal, art. 5º, XXXII, o Estado brasileiro ainda não se estruturou, devidamente, para garantir a efetivação deste direito.

Em que pese a existência de um sistema de defesa do consumidor no âmbito dos governos federal e estaduais, muitos destes ainda insipientes, a

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maioria dos municípios não contam com órgãos, instrumentos e mecanismos efetivos para a promoção da defesa do consumidor.

A exemplo do estado de Minas Gerais,1 dos 853 municípios que o compõe, apenas 109 possuem órgãos de defesa do consumidor (Procons), sendo apenas 59 deles integrados ao Sindec. Destes 59 municípios inte-grados, pouco menos da metade deles possui estrutura e competência legal para aplicação de sanções administrativas, fator este imprescindível para a efetiva garantia dos direitos dos consumidores. Assim, temos que menos de 4% dos municípios mineiros conseguem exercer, em plenitude, a defesa do consumidor, muito em razão da ausência de estruturação legal do sistema municipal de defesa do consumidor.

O presente trabalho visa apresentar, então, bases para a estruturação legal do sistema municipal de defesa do consumidor. Inicia-se o estudo pela explicitação da defesa do consumidor como direito fundamental do cida-dão. Prossegue dispondo sobre a estrutura do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e suas competências. Culmina com a apresentação de um mo-delo de estruturação do Sistema Municipal de Defesa do Consumidor através da criação dos seguintes elementos: órgão consultivo e deliberativo (conse-lho) das políticas das relações de consumo; órgão executivo com funções de atendimento ao cidadão e fiscalização das normas consumeristas (Procon); implantação do Sindec; fundo especial no qual serão aplicadas as verbas pro-venientes das multas administrativas; normas para organização, em âmbito municipal, do processo administrativo de aplicação de penalidades.

O tema proposto é de suma importância nos dias atuais, já que muitas empresas apostam na hipossuficiência do consumidor e, principalmente, na fragilidade dos órgãos responsáveis por sua defesa, para perpetuar prá-ticas comerciais desleais e ilegais, apostando na impunidade, em especial onde a defesa do consumidor não é devidamente estruturada.

Embora o tema seja atual e relevante, poucos autores pesquisaram a fundo a necessidade de estruturação legal do Sistema Municipal de Defesa do Consumidor com o intuito de, efetivamente, fazer cumprir o comando constitucional de promoção da defesa do consumidor no território nacio-nal, sendo raras as referências teóricas sobre o tema. O presente estudo, portanto, baseia-se em uma análise direta da legislação pertinente, espe-cialmente o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90)

1 Fonte: site Procon/MG. Disponível em: <http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/12019>.

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e o Decreto Federal nº 2.181/97, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e regras gerais sobre processo administrativo.

2 A defesa do consumidor como direito fundamental e dever do EstadoA Constituição Federal de 1988 (CF/88) é a norma fundamental

estruturante da organização administrativa e do Estado brasileiro, fun-damento de validade e elemento de interpretação para todas as demais normas jurídicas.

O art. 5º, XXXII, da CF/88 prevê, expressamente, que o Estado promoverá a defesa do consumidor na forma da lei. Ademais, o art. 48 do ADCT dispõe que a referida lei deveria ser elaborada 120 dias após a promulgação da Constituição.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili-dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

Prosseguindo, a Lei Maior dispõe ser a defesa do consumidor um princípio fundante da ordem econômica (art. 170, V, CF/88).

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]V - defesa do consumidor

Nota-se que a ordem emanada da Constituição é a de que o Estado (nas esferas federal, estadual e municipal) tem o dever de promover a defesa do consumidor, dando a este direito extrema relevância, destacando-o como direito fundamental dos cidadãos e princípio da ordem econômica.

Lado outro, importante destacar, também, princípio basilar da autua ção estatal, é o princípio da legalidade, previsto no art. 37 caput da Constituição. O referido princípio dispõe que o ente estatal tem a sua atuação fundada e regulada estritamente nos dizeres da lei (lato sensu), ou seja, a lei é o ele-mento de validade dos atos administrativos. A atuação dos entes públicos prescinde de lei que dispõe sobre a forma, limite e finalidade da atuação

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estatal. E não é só, à exceção das chamadas normas programáticas, devem os agentes públicos cumprir as determinações da lei, sob pena de violação do dever funcional.

O princípio da legalidade é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, uma vez que limita o poder do Estado e sistematiza a vontade da população na forma de agir do Estado-Administração. Nas palavras dos doutrinadores:

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade do seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal ou que exceda o âmbito demarcado pela lei, é inju rídica e expõe à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De fato, este pode fazer tudo que a lei permite e tudo que a lei não proíbe; aquela só pode fazer o que a lei “autoriza” e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir, salvo em situação excepcional (grande perturbação da ordem, guerra). (GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1989)

Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite; no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a idéia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (2003:86) e corresponde ao que já vinha explícito no art. 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 68)

A legalidade, como princípio de administração (Constituição da República, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme a lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 87)

Considerando que a Constituição dispõe que o Estado deve pro-mover a defesa do consumidor e que cumpre ao administrador público

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balizar sua atuação nos estritos ditames da lei (princípio da legalidade administrativa), não é possível concluir de outra forma senão que os entes da federação têm como obrigação regulamentar, em seu território, as políticas e instrumentos que concretizarão a efetiva implementação de uma estrutura administrativa, pessoal e jurídica que permita a fiscalização das relações de consumo e a defesa do consumidor perante o mercado.

Todavia, embora seja cristalina a obrigação derivada do comando constitucional, a realidade dos municípios brasileiros é distinta. A maio-ria não possui sequer órgãos de defesa do consumidor estruturados para concretização deste direito fundamental. Já outros municípios até pos-suem um órgão legalmente criado para exercer a função, mas incapaz de proteger, na plenitude, o consumidor em razão da ausência de regula-mentação legal do sistema municipal de proteção ao consumidor. Sem que haja lei regulamentando as suas competências e atribuições, estes órgãos não podem fiscalizar, aplicar penalidades e efetivamente proteger o consumidor dos maus fornecedores e das desleais práticas comerciais tão disseminadas no mercado de consumo.

A efetiva proteção ao consumidor, na forma prescrita na constitui-ção deve, então, ser entendida não apenas pela simples criação de um órgão de defesa do consumidor, geralmente conhecido como Procon, mas de um efetivo sistema municipal de defesa do consumidor, formado pelo Conselho Municipal (elaborador de políticas e gestor do fundo), por um fundo específico (destinado a arrecadação das multas) e pela regulamen-tação de um processo administrativo adequado à estrutura do órgão exe-cutivo municipal.

3 Sistema Nacional de Defesa do ConsumidorAntes de adentrarmos na estruturação do sistema municipal de defesa

do consumidor, mister visualizar como a defesa do consumidor é sistemati-zada em âmbito nacional.

O direito do consumidor, embora possa ser observado desde os códi-gos de Hamurabi e Manu, tomou projeção a partir do envio, ao Congresso dos Estados Unidos, de mensagem do Presidente Kennedy apontando a importância da proteção dos interesses dos consumidores e consolidou-se, mundialmente, a partir do reconhecimento dos direitos fundamentais do

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consumidor pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, em sua 29ª Sessão em 1973, em Genebra.2 3

No Brasil, embora tenha sido objeto de leis esparsas ao longo das décadas de 70 e 80, somente com o advento da Constituição Federal de 1988, que inseriu a defesa do consumidor como direito fundamental, é que foi dada a devida relevância ao direito do consumidor como instru-mento de ordenação social e econômica do Estado.4

Previsto para ser elaborado 120 dias após a promulgação da Cons-tituição, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi publicado apenas em 1990, com vigência a partir de 1991.

Os especialistas responsáveis pela elaboração do anteprojeto do CDC, seguindo uma sistemática de distribuição de competências entre os entes federados, assim como visto na área da saúde, trânsito e meio ambiente, previram, no art. 105, que União, estados, e municípios, comporiam o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) exercendo atribuições basilares da defesa do consumidor.

As principais competências dos órgãos integrantes do SNDC são a educação para o consumo, a orientação de consumidores e fornecedores, o recebimento de reclamações, a fiscalização das leis consumeristas e a aplicação de penalidades administrativas, tudo sob a coordenação de um órgão central (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico/MJ).5

Art. 105. Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.

2 Código de Hamurabi 235º Se um bateleiro constrói para alguém um barco e não o faz solidamente, se no mesmo ano o barco é

expedido e sofre avaria, o bateleiro deverá desfazer o barco e refazê-lo solidamente à sua custa; o barco sólido ele deverá dá-lo ao proprietário.

236º Se alguém freta o seu barco a um bateleiro e este e negligente, mete a pique ou faz que se perca o barco, o bateleiro deverá ao proprietário barco por barco.

237º Se alguém freta um bateleiro e o barco e o prevê de trigo, lã, azeite, tâmaras e qualquer outra coisa que forma a sua carga, se o tabeleiro é negligente, mete a pique o barco e faz que se perca o carregamento, deverá indenizar o barco que fez ir a pique e tudo de que ele causou a perda.

3 Código de Manu Art. 702º Por ter misturado mercadorias de má qualidade com outras de boa espécie, por ter furado pedras

preciosas e por ter perfurado desastradamente pérolas, deve sofrer a multa no primeiro grau e pagar o dano. Art. 703º Aquele que dá aos compradores pagando o mesmo preço, coisas de qualidade diferentes, umas

boas, outras más, e aquele que vende a mesma coisa a preços diferentes, deve, segundo as circunstâncias, pagar a primeira multa ou a multa média.

4 Lei da ação civil pública, lei sobre os crimes contra a economia popular etc.5 Decreto nº 2.181/97 Art. 2º Integram o SNDC a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça SDE, por meio do seu

Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, e os demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as entidades civis de defesa do consumidor.

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Art. 106. O Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituí-lo, é organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe:

Este sistema, como visto na parte final do art. 105 do CDC, é ainda formado por entidades privadas de defesa do consumidor, que, todavia, têm competências restritas em relação aos entes públicos, já que não podem exer-cer o poder de polícia administrativa, conforme se depreende da leitura do art. 5º do Decreto Federal nº 2.181.

Art. 5º Qualquer entidade ou órgão da Administração Pública, federal, estadual e municipal, destinado à defesa dos interesses e direitos do consumidor, tem, no âmbito de suas respectivas competências, atribuição para apurar e punir infrações a este Decreto e à legislação das relações de consumo.6

A função primordial deste sistema é propor as políticas públicas de âmbito nacional acerca da defesa do consumidor (art. 4º do CDC) e, por meio de seus órgãos executivos (DPDC no âmbito da União, órgãos esta-duais e municipais de defesa do consumidor – Procons), promover a efeti-vação dos direitos do consumidor através do recebimento de reclamações, ações de educação para o consumo, esclarecimento à consumidores e for-necedores e exercício do poder de polícia administrativa.

4 Criação do Sistema Municipal de Defesa do Consumidor Primeiramente, relevante esclarecer que o município, como ente

fede rado com maior contato com a população, é o maior responsável pela efetivação, ainda que em parceria com os outros membros da federação, dos direitos fundamentais esculpidos na Constituição Federal.

Nesta toada, cabe ao município, assim como aos outros entes federa-dos, prover sua estrutura administrativa de meios eficientes para a defesa dos direitos do consumidor. Mas, como visto, não basta criar tão somente um órgão de defesa do consumidor (Procon) sem que este seja alicerçado em um sistema complexo de órgãos e institutos que lhe dê suporte.

6 Cumpre esclarecer que é fenômeno atual a existência de órgãos de defesa do consumidor na estrutura dos Poderes Legislativos estaduais e municipais. Embora haja divergências quanto a competências do poder legislativo em oferecer serviços de atendimento aos consumidores, extrapolando sua competência institucional, é indiscutível a impossibilidade destes órgãos ou serviços de aplicação de penalidades de multa considerando a patente ausência de poder sancionador.

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Este sistema envolve a criação de um órgão consultivo e formador das políticas públicas pertinentes, a criação de um órgão executivo e a previsão de cooperação e atuação conjunta dos demais órgãos públicos e entidades privadas de defesa do consumidor.

Ademais, este sistema deve contar com um fundo especial destinado à gestão individualizada dos recursos que possuem destinação específica, os quais devem ser utilizados em políticas de defesa do consumidor, na forma dos arts. 29 e 30 do Decreto Federal nº 2.181/97.

Art. 29. A multa de que trata o inciso I do art. 56 e caput do art. 57 da Lei nº 8.078, de 1990, reverterá para o Fundo pertinente à pessoa jurídica de direito público que impuser a sanção, gerido pelo respectivo Conselho Gestor.Parágrafo único. As multas arrecadadas pela União e órgãos federais reverterão para o Fundo de Direitos Difusos de que tratam a Lei nº 7.347, de 1985, e Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995, gerido pelo Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – CFDD.Art. 30. As multas arrecadadas serão destinadas ao financiamento de projetos relacionados com os objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo, com a defesa dos direitos básicos do consumidor e com a modernização admi-nistrativa dos órgãos públicos de defesa do consumidor, após aprovação pelo respectivo Conselho Gestor, em cada unidade federativa.

Prosseguindo, considerando a autonomia municipal e o poder de autorregulamentação, além do fato de que o Decreto nº 2.181/97 dispõe apenas sobre regras gerais de processo administrativo, é de extrema relevân-cia que cada município elabore regras complementares sobre o processo administrativo no seu âmbito de atuação, de modo a formatá-lo à estrutu-ração, às competências do órgão executivo e, ainda, ao quadro de pessoal que o compõe.

Este sistema deve ter um órgão gestor, com a função de coordenar as ações dos demais órgãos e garantir uma atuação uniforme, pautada nas necessidades e características do município que integra.

A lei pode prever, ainda, a possibilidade de os órgãos integrantes do sistema firmarem convênios com outros órgãos e entre si, com a mesma finalidade (defesa do consumidor) e elegerem colaboradores, como ins-tituições de ensino e pesquisa, tudo com o fito de melhor desenvolver as políticas de defesa do consumidor.

Passemos, então, à análise mais detalhada de cada unidade deste sistema.

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4.1 Conselho Municipal A conceituação e definição da função de um conselho é bem tra-

duzida por Patrícia Helena Massa Arzabe, Doutoranda na Faculdade de Direito da USP e Procuradora do estado de São Paulo, em seu artigo “Conselhos de direitos e formulação de políticas públicas”.

Os conselhos de políticas públicas vêm a constituir o que Vera Silva TelIes deno mina uma nova institucionalidade pública e democrática no país. Trata-se de fato de uma nova institucionalidade da perspectiva de sua constituição, no sentido de configurar um arranjo institucional com feições novas, porque eles não são meramente comunitários — são distintos dos fóruns congregadores de entidades e associações da sociedade civil — e não são meramente estatais. E sua novidade é ainda mais significativa pelo caráter compartilhado na formu-lação, gestão, controle e avaliação das políticas públicas. Esta participação com igualdade de poderes é inteiramente nova para o Estado, em especial para a Administração Pública, habituada á centralização das decisões e pelo uso des-cabido do argumento do poder discricionário mesmo em matéria de direitos humanos, especialmente de direitos sociais. As ferramentas tradicionais do direito não se prestam a classificados adequada-mente. Não integram, num sentido estrito, o Poder Executivo e evidentemente não fazem parte do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário. Se por um lado o Poder Executivo compõe em regra a metade dos membros dos Conselhos e fornece a infra-estrutura para sua operacionalização, suas funções são distintas, visto prevalecer o entendimento que o Poder Executivo executa, cumpre o que lhe é imposto pelo povo, por seus representantes, por meio do Poder Legis-lativo, como expressão da soberania popular. Sobretudo, o fato de a atividade dos conselheiros representantes da sociedade civil não ser remunerada e de os representantes da área governamental exercerem suas funções no conselho sem prejuízo das atribuições de seus cargos, faz com que os conselhos não possam ser assimilados como mais um órgão estatal. Sua atividade deliberativa, aliás, é autônoma e apartidária, isto é, não é vinculada a governos ou a partidos políticos. Neste sentido, o vínculo dos conselhos se dá com o interesse público e as neces-sidades de implementação dos direitos sociais dos segmentos que representam.7

Trata-se, o conselho, de órgão de deliberação coletiva que visa a ela-boração de políticas públicas, sendo composto por membros de distintos setores do poder público e da sociedade organizada.

A escolha dos membros, quando da elaboração da lei, deve se pau-tar pela estrutura do município, pela existência de órgãos ligados direta-mente à defesa do consumidor, devendo, ainda, obedecer certo equilíbrio na representatividade dos membros.

7 Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/patriciamassa.htm>.

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Sugere-se que seja composto por membro proveniente do órgão de execução, de representante da Câmara dos Vereadores (representando a população em geral), por integrante da Defensoria Pública, por associa-ções privadas de defesa do consumidor, por representantes de órgãos de fiscalização (a exemplo o IPEM ou Vigilância Sanitária), por representan-tes da estrutura do Poder Executivo com ligação à defesa do consumidor, por representante das associações de fornecedores, entre outros que pos-sam auxiliar na concretização da defesa do consumidor e na harmoniza-ção das relações de consumo.8 9

Muito embora seja comum os representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público figurarem como membros de alguns Conselhos Municipais, não se mostra conveniente que a indicação recaia sobre repre-sentantes destes poderes, que, em tese, deveriam manter-se isentos e impar ciais quanto às atividades dos conselhos em geral. Tal entendimento, inclusive, foi recentemente exposto pelo Ministro do STF, Ayres Britto, no julgamento da ADI nº 3463/RJ.

Relator(a): Min. AYRES BRITTOJulgamento: 27.10.2011 Órgão Julgador: Tribunal PlenoPublicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-110 DIVULG 05-06-2012 PUBLIC 06-06-2012Parte(s):REQTE.(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICAINTDO.(A/S):ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIROEMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 51 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. 1. O rol de atribuições conferidas ao Ministério Público pelo art. 129 da Cons-tituição Federal não constitui numerus clausus. O inciso IX do mesmo artigo permite ao Ministério Público “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”. 2. O art. 51 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro não con-fere competência ao Ministério Público fluminense, mas apenas cria o Conselho

8 CDC Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos

consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995).

9 De modo geral é aconselhável que a lei preveja critérios para associação privada fazer parte do sistema e con correr a vaga no conselho, sendo os principais: (i) ter personalidade jurídica e regular funcionamento (determinando-se o prazo mínimo de funcionamento) e (ii) não ter fins lucrativos.

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Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, garantindo a possibilidade de participação do Ministério Público. Possibilidade que se reputa constitucional porque, entre os direitos constitucionais sob a vigilância tutelar do Ministério Público, sobreleva a defesa da criança e do adolescente. Participação que se dá, porém, apenas na condição de membro convidado e sem direito a voto. 3. In-constitucionalidade da expressão “Poder Judiciário”, porquanto a participação de membro do Poder Judicante em Conselho administrativo tem a potencialidade de quebrantar a necessária garantia de imparcialidade do julgador. 4. Ação que se julga parcialmente procedente para: a) conferir interpretação conforme à Constituição ao parágrafo único do art. 51 do ADCT da Constituição do Estado do Rio de Janeiro a fim de assentar que a participação do Ministério Público no Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente deve se dar na condição de membro convidado sem direito a voto; b) declarar a inconstitucio-nalidade da expressão “Poder Judiciário”.

Prosseguindo, o Conselho Municipal de Defesa do Consumidor deve possuir como principais atribuições: (i) servir como órgão consultivo; (ii) elaborar a Política Municipal de Defesa do Consumidor, (iii) gerir o Fundo Municipal de Defesa do Consumidor e (iv) aprovar projetos para utilização das verbas do fundo.

Em especial, a função de gestão do Fundo Municipal possui extrema relevância, já que os valores destinados ao fundo, que sejam provenientes das multas aplicadas pelo Procon, “[...] serão destinadas ao financiamento de projetos relacionados com os objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo, com a defesa dos direitos básicos do consumidor e com a modernização administrativa dos órgãos públicos de defesa do consumi-dor [...]”, na forma do art. 30 do Decreto Federal nº 2.181/97.

Cabe, portanto, ao conselho, dispor sobre as regras de apresentação de projetos visando a utilização de recursos do fundo e julgar os pedidos, auto-rizando ou não a utilização das receitas. Da mesma forma, cabe ao conselho autorizar, ainda que genericamente (por exemplo, aprovando a proposta orçamentária), a utilização de verbas do fundo pelo órgão executivo em suas atividades essenciais e no tocante a sua modernização administrativa.

4.2 Criação do fundoPor definição legal (art. 71 da Lei Federal nº 4.320/64), “Constitui

fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”.

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A criação de um fundo para gestão das receitas arrecadadas com as multas aplicadas pelo órgão executivo (sempre ligado ao poder executivo que possui o poder sancionador) é exigência prevista no CDC da qual os municípios não podem se furtar.

Toda e qualquer penalidade ou valores arrecadados em função da aplicação do poder de polícia administrativa, mediante regular processo administrativo, devem ser depositados no Fundo Municipal.

Mas não só as sanções administrativas podem constituir as receitas do fundo. O município deve destinar orçamento próprio para execução de despesas ordinárias e contínuas do órgão e o fundo pode receber doa-ções de qualquer pessoa física ou jurídica.

A lei que cria o fundo deve contar com elementos básicos, tais como (i) fonte de receita (orçamento, multas, indenizações, doações, rendimen-tos etc.); (ii) hipóteses de despesa; (iii) previsão de abertura de conta espe-cífica para depósito e movimentação dos valores, facilitando o seu controle (iv) autorização da gestão das verbas do fundo especificamente pelo con-selho na forma do art. 57, do CDC, e art. 29 do Decreto nº 2.181/97 e 5) regras específicas para a utilização dos valores.10

Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos.

Art. 29. A multa de que trata o inciso I do art. 56 e caput do art. 57 da Lei nº 8.078, de 1990, reverterá para o Fundo pertinente à pessoa jurídica de direito público que impuser a sanção, gerido pelo respectivo Conselho Gestor.

Por fim, é importante que a lei municipal preveja critérios mínimos para apresentação, julgamento e aprovação de projetos, a serem financia-dos pelo fundo, que visem a efetivação das políticas municipais de defesa do consumidor.

4.3 Criação do ProconA figura de maior expressão do Sistema Municipal de Defesa do

Consumidor é, certamente, o órgão executivo de defesa do consumidor,

10 De modo geral o rol de despesas deve ser exemplificativo, prevendo situações genéricas, evitando-se o enges-samento das atividades do órgão executivo.

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uma vez que este é responsável pelo atendimento direto à população e pela fiscalização e sanção dos infratores à legislação consumerista. A importância deste órgão é tamanha que a Constituição do Estado de Minas Gerais, por exemplo, determina expressamente a obrigatoriedade do Poder Público em manter órgão especializado para a execução da política de defesa do consumidor (art. 233, §3º).

Art. 233. O Estado adotará instrumentos para: [...]§3º O Poder Público manterá órgão especializado para a execução da política de defesa do consumidor.

Dito isso, deve a legislação municipal criar e estruturar o órgão de proteção e defesa do consumidor dispondo sobre sua denominação (em regra, independente da organização do município, atende pela sigla Procon), sua vinculação/subordinação administrativa e suas competências e atribuições, sendo as principais:11

(i) executar as políticas de defesa do consumidor; (ii) receber reclamações e denúncias e dar orientações a consumido-

res e fornecedores;(iii) fiscalizar as normas de defesa do consumidor e aplicar as pena-

lidades cabíveis;(iv) funcionar como instância (inicial ou total) de instrução e julga-

mento dos processos administrativos;(v) promover medidas judiciais e representar órgãos públicos acerca

de infrações às normas de consumo.Quanto à estruturação do órgão, tal decisão cabe exclusivamente ao

chefe do poder executivo municipal de acordo com suas possibilidades estruturais, orçamentárias e o grau de comprometimento com as políticas públicas de defesa do consumidor.

A lei deve definir, ainda, o patrimônio (sede, mobiliário e equipa-mentos) e os recursos orçamentários que manterão o funcionamento do órgão conforme sua dimensão e competências.

Ademais, deve definir quadro de pessoal que pode ser próprio, logo criado e especificado na própria lei, ou, ao menos, definir os integrantes

11 Vinculação no caso de o órgão compor a administração indireta do município e subordinação no caso do órgão compor a administração direta do município. De modo geral a organização dos órgãos executivos em fundações e autarquias (administração indireta) tem sido exitosa considerando a independência e maior autonomia do órgão nesta configuração.

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do quadro geral de servidores do município que, por sua competência, aptidão e grau de conhecimento, possam compor o quadro de servidores do Procon, indicando, obrigatoriamente, o seu dirigente e a Autoridade responsável pela aplicação das penalidades (que pode ser o dirigente ou outro servidor).

Caso o município decida pela criação de cargos específicos, é mister que sejam definidos critérios mínimos para exercício do cargo:

(i) requisitos/escolaridade; (ii) forma de provimento (preferencialmente servidores efetivos a fim

de se evitar a descontinuidade dos serviços);(iii) número de cargos;(iv) vencimento/remuneração;(v) atribuições e competências.Neste ponto é importante ressaltar, mais uma vez, que a criação de

Procon por lei municipal é condição sine qua non para que tenha legitimi-dade para aplicação de sanções e cobrança das penalidades por ele aplica-das. Neste sentido já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O Município, através do Procon municipal, regularmente criado por lei, tem poderes para aplicar e cobrar as sanções administrativas definidas no Código de Defesa do Consumidor (TJMG. Processo nº 1.0518.02.011178-8/001(1), Rel. Duarte de Paula). (grifos nossos)

4.3.1 Implantação do Sindec nos ProconsCriado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor

da Senacon/MJ, com a finalidade de reunir as informações dos atendi-mentos realizados pelos órgãos de defesa do consumidor em todo país, o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) é um importante instrumento de pesquisa e diagnóstico das demandas dos consumidores face aos fornecedores e, por isso, um eficaz mecanismo para elaboração das políticas de proteção ao consumidor. A avaliação dos dados do Sindec possibilitou, por exemplo, um estudo aprofundado sobre os serviços de atendimento aos consumidores dos concessionários de ser-viços públicos essenciais que culminou na elaboração do Decreto do SAC (Decreto Federal nº 6.523/08).

O Sindec é, portanto, instrumento facilitador da ação dos Procons, já que permite atendimento mais intuitivo das demandas dos consumidores, além da uniformização da inserção dos dados no sistema, permitindo rápido e eficiente

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acesso a relatórios temáticos em âmbito nacional, estadual e municipal, o que possibilita a elaboração de eficazes políticas de proteção ao consumidor.

Outra função importante do Sindec é de servir como instrumento de elaboração dos cadastros municipais, estaduais e nacional de reclamações fundamentadas, previstos no Código de Defesa do Consumidor, art. 44.

A implantação do Sindec nos municípios é gratuita e demanda, tão somente, a assunção de determinadas obrigações pelos municípios relativas a proteção e divulgação dos dados nele contidos e a existência de requisitos mínimos de informatização. A integração é formalizada mediante celebra-ção de termo de convênio entre o município interessado e o responsável pela gestão do Sindec no respectivo estado-membro.

Assim, embora não seja obrigação legal, a implantação do Sindec no Procon municipal é de extrema importância, já que configura, nas pala-vras do ex-diretor do DPDC, Ricardo Morishita, um dos mais importantes instrumentos de concretização da defesa do consumidor:

O Sindec é um marco na história, uma prova da maturidade institucional da defesa do consumidor no nosso país, porque esse trabalho não envolve apenas um órgão, mas todos nós, e vem de um processo de construção.12

4.4 Disciplina do processo administrativoA lei municipal, além de prever a criação do órgão consultivo (con-

selho), órgão executivo (Procon) e do fundo, também pode dispor sobre regras específicas sobre processo administrativo de acordo com a estru-tura administrativa adotada, permitindo, assim, melhor andamento dos procedimentos no âmbito de sua competência.

Conforme já foi dito, as normas gerais do processo administrativo das relações de consumo estão definidas no Decreto Federal nº 2.181/97, cabendo aos entes federados, eventualmente, em razão de sua autonomia administrativa, regular o procedimento no âmbito de sua competência.

Isto é, não há obrigação de se editar norma específica, muito embora seja fortemente aconselhável. Isto porque a regulamentação do assunto evita conflitos, lacunas e individualiza a função de cada servidor dentro da estrutura do órgão.

Decidindo-se pela regulamentação do processo administrativo, a lei deve esclarecer, no mínimo:

12 Fonte: Procon/MG. Disponível em: <http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/12016. Acesso em: 04 ago. 2012>.

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(i) autoridade competente para prolatar a decisão administrativa e aplicar as penalidades previstas em lei;

(ii) autoridade ou comissão competente para julgamento do recurso administrativo;

(iii) forma de dosimetria da pena, isto é, a quantificação da penali-dade a ser aplicada;

(iv) percentual ou fração das agravantes e atenuantes;(v) forma e tempo de protocolo de petições;(vi) aplicação subsidiária de outras normas legais;(vii) eventualmente, regulamentar a realização de audiências;(viii) forma de divulgação do cadastro de reclamações fundamen-

tadas;(ix) outras informações pertinentes.Assim, optando o município pela regulamentação do processo admi-

nistrativo em seu âmbito interno, sempre com obediência às regras gerais trazidas pelo Decreto nº 2.181/97, certamente a atividade sancionatória será mais eficiente e menos questionada judicialmente, já que permitirá maior clareza de atuação.

5 ConclusãoDiante de todo o exposto, verifica-se que a promoção da defesa do

consumidor não se trata de mera faculdade dos entes federados, sendo direito fundamental dos cidadãos previsto na Constituição Federal de 1988, art. 5º, XXXII.

Sendo exigência da nossa Carta Magna a promoção da defesa do consumidor, é necessário que cada município, dentro de sua autonomia, regulamente, por lei (princípio da legalidade), o Sistema Municipal de Defesa do Consumidor, de modo a criar os órgãos (Procon e conselho) e mecanismos (fundo, Sindec e regulamentação do processo administrativo) para execução das políticas de defesa do consumidor.

Isto porque, segundo o que dispõe o CDC, a defesa do consumidor demanda não só a criação de um órgão de atendimento aos consumido-res e fiscalização das normas consumeristas (Procon), mas também de um fundo para o qual as receitas de multas aplicadas serão arrecadadas, com regras claras para sua utilização (as despesas com receitas do fundo devem ser vinculadas a “projetos relacionados com os objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo, com a defesa dos direitos básicos do consumidor e com a modernização administrativa dos órgãos públicos de defesa do

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consumidor” na forma do art. 30 do Decreto Federal nº 2.181/97), um conselho para desenvolvimento das políticas municipais de defesa do consu-midor e para gestão dos recursos do fundo, além de instrumentos potencia-lizadores da ação dos Procons, como a implantação do Sindec e a elaboração de regras específicas de processo administrativo que atendam à estrutura e competência dos servidores responsáveis pela apuração e penalização das práticas lesivas aos direitos dos consumidores.

A importância e relevância da defesa do consumidor no atual está-gio de globalização da economia e de feroz disputa pela preferência dos consumidores impõe ao Poder Público a adoção de mecanismos efetiva-mente capazes de prover a defesa do consumidor, regulando o mercado de consumo e harmonizando o interesse do consumidor com o desenvol-vimento econômico da nação (art. 170, V, da CF/88 e art. 4º, III, do CDC).

Juiz de Fora, 04 de agosto de 2012.

Municipal Consumer Protection System – Criation and Legal Regulation

Abstract: According to 1988’s Federal Constitution fifth article, Brazilian government, as determined by law, has to provide consumer protection. Although this regulation has more than 23 years, and the mentioned law (Consumer Protection Code), 21 years of operation, many cities still haven’t established the proper administrative mechanisms and instruments to implement this law. The obligation to maintain these instruments is even more evident when reading, for example, the article. 233, §3 of Minas Gerais State Constitution, which determines that “Authorities have to maintain a specialized organization for the implementation of consumer protection policy”. However, the maintenance of a specialized entity of consumer protection, widely known by the acronym Procon, is not enough, it’s necessary to develop an actual municipal consumer protection system to cover all the obligations and instruments of the consumer protection policies. The consumer protection is not a faculty but a government duty and a citizen’s fundamental right. From this premise, it’s necessary to develop an analysis of the law regulating consumer protection policies in order to provide the City administration with guidelines to structure the municipal consumer protection system, fulfilling this constitutional duty.

Key words: Legal Regulation. Municipal Consumer Protection System. Procon.

Referências

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. Revista dos Tribunais, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

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<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/patriciamassa.htm>. Acesso em: 04 fev. 2012.

<http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/index/id/9/>. Acesso em: 04 ago. 2012.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

FLORIANO, Eduardo de Souza. Sistema Municipal de Defesa do Consumidor: criação e regu-lamentação legal. Revista da Procuradoria-Geral do Município de Juiz de Fora – RPGMJF, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 79-96, jan./dez. 2012.

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