05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

8
Histopatologia das Principais Doenças Estudadas em Micologia Médica 5 Helena Muller • Rute Facchini Lellis INTRODUÇÃO o exame anatomopatológico utilizado como ferramenta diagnóstica nas infecções fúngi- cas é vantajoso por ser um método relativa- mente rápido e de baixo custo. É um método que tem condições de avaliar o tipo de reação inflamatória tecidual e, às vezes, identificar a presença do agente etiológico da doença. É considerado método diagnóstico eficaz nas in- fecções cutâneas como rinosporidiose e laca- ziose, pois nesses casos os respectivos agentes etiológicos não crescem em meios de cultivo. O estudo anatomopatológico de qualquer tecido começa com cortes histológicos sub- metidos a coloração de rotina pelo método de hematoxilina e eosina (HE). A reação in- flamatória tecidual e algumas características particulares de cada infecção fúngica são visu- alizadas e sugerem ao patologista o próximo passo da investigação diagnóstica: qual colo- ração especial complementar a ser utilizada. As colorações especiais mais utilizadas nos processos infecciosos são: Grocott (Fig. 5.1) e ácido periódico Schiff (PAS) (Fig. 5.2). A im- pregnação por prata metamina (ou Grocott) cora em preto os fungos, íntegros ou não. O PAS só cora a parede de fungos viáveis em magenta. Alguns fungos promovem alterações his- tológicas peculiares, como a presença de mu- cina no tecido. Nesses casos, a coloração por Fig. 5.1 Corte histológico (20x) de paracoccidioidomicose corado pelo método de Grocott, em que a parede fúngica está impregnada por prata, corando-se em preto.

Transcript of 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

Page 1: 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

Histopatologia das Principais DoençasEstudadas em Micologia Médica

5

Helena Muller • Rute Facchini Lellis

INTRODUÇÃO

o exame anatomopatológico utilizado comoferramenta diagnóstica nas infecções fúngi-cas é vantajoso por ser um método relativa-mente rápido e de baixo custo. É um métodoque tem condições de avaliar o tipo de reaçãoinflamatória tecidual e, às vezes, identificara presença do agente etiológico da doença. Éconsiderado método diagnóstico eficaz nas in-fecções cutâneas como rinosporidiose e laca-ziose, pois nesses casos os respectivos agentesetiológicos não crescem em meios de cultivo.

O estudo anatomopatológico de qualquertecido começa com cortes histológicos sub-metidos a coloração de rotina pelo métodode hematoxilina e eosina (HE). A reação in-flamatória tecidual e algumas característicasparticulares de cada infecção fúngica são visu-alizadas e sugerem ao patologista o próximopasso da investigação diagnóstica: qual colo-ração especial complementar a ser utilizada.

As colorações especiais mais utilizadas nosprocessos infecciosos são: Grocott (Fig. 5.1) e

ácido periódico Schiff (PAS) (Fig. 5.2). A im-pregnação por prata metamina (ou Grocott)cora em preto os fungos, íntegros ou não. OPAS só cora a parede de fungos viáveis emmagenta.

Alguns fungos promovem alterações his-tológicas peculiares, como a presença de mu-cina no tecido. Nesses casos, a coloração por

Fig. 5.1 Corte histológico (20x) de paracoccidioidomicosecorado pelo método de Grocott, em que a parede fúngica

está impregnada por prata, corando-se em preto.

Page 2: 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

Histopatologia das Principais Doenças Estudadasem Micologia Médica

azul alcião ou mucicarmim (Fig. 5.3) é bas-tante útil. Já os fungos demácios são facil-mente visualizados na própria coloração derotina, HE (Fig. 5.4), pois apresentam mela-nina na sua parede e as estruturas fúngicassão visualizadas em marrom. Nos casos emque essa pigmentação não está tão óbvia, aimpregnação por prata pelo método de Fon-tana Masson (prata amoniacal) cora a mela-nina em preto.

Fig. 5.2 O corte de pele corado pelo método de PAS(20x)

apresenta hifas dispostas na camada córnea evidenciadasna cor magenta.

Fig. 5.3 Corte histológico de pele (40x) na coloração demucicarmim para evidenciar a mucina depositada no teci-

do com criptococose.

43

Fig. 5.4 Corte histológico corado pelo HE (20x) mostraprocesso inflamatório crônico granulomatoso em que

as estruturas fúngicas (corpúsculos fumagoides) são fa-cilmente visualizadas no citoplasma das células gigantesmultinucleadas, por estarem pigmentadas pela meia nina.

MICOSES SUPERFICIAIS

Micosessuperficiais são infecçõesfúngicas fre-quentes e que se caracterizam por comprome-terem pele,pelos e unhas. Comoopróprio nomesugere, limitam-se a parasitar a superfície dapele, ou seja, esses organismos invadem e colo-nizam as camadas mortas ou ceratinizadas, oque na maioria das vezes não causa repercus-são histológica. No entanto, a presença do fun-goe/ou de seus metabólitos pode provocar umareação inflamatória variável no hospedeiro.

Histologicamente, portanto, os achados sãodiversos: agrupamentos de neutrófilos na ca-mada córnea; hiperceratose e/ou paraceratosefocal; espongiose ou até mesmo ausência dequaisquer alterações morfológicas significati-vas (Fig. 5.5).Devido à inespecificidade dessesachados, o exame anatomopatológico dessaslesões não é ométodo diagnóstico preferencial,pois, independentemente da visualização dofungo, na maioria dos casos, a cultura é essen-cial para identificação do agente etiológico.

Pitiríase versicolor

o agente etiológico, Malassezia spp., é vistocomo corpúsculos basofílicos na camada cór-nea, nos cortes corados pelo HE (Fig. 5.6) ouimpregnados pela prata.

Page 3: 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

44

DermatofitoseQuando o dermatófito atinge pele ou unha,observa-se a presença de hifas septadas hiali-nas coradas pelo HE ou PAS.

CandidíaseAs lesões por Candida spp. são semelhantesnos vários locais de comprometimento, haven-do processo inflamatório agudo ou crônico naderme, além da presença de pseudo-hifas eblastosporos.

Fig. 5.5 Pele cuja epiderme apresenta variações muito su-

tis, pouco significativas nesse aumento, e discreto infiltradolinfocitário perivascular na derme superficial. (HE, 20x)

Fig. 5.6 No maior aumento da lâmina anterior, visualiza-

mos, na camada córnea, esporos e hifas de Malasseziafurfur. Esse aspecto é conhecido como "espaguete com

almôndegas". Associado a isso, observe como a camadacórnea tem espessura variável, exibindo áreas de hiper-

ceratose. (HE, 100x)

Histopatologia das Principais Doenças Estudadasem Micologia Médica

MICOSES PROFUNDAS

Ao exame histopatológico, há importantesalterações dérmicas e epidérmicas que jus-tificam o aspecto verrucoso que essas lesõesdemonstram clinicamente, e o diagnóstico di-ferencial principal inclui lesões neoplásicas,como os carcinomas.

A epiderme apresenta hiperplasia exube-rante que pode simular a histologia de umcarcinoma espinocelular bem diferenciado, epor isso é chamada de hiperplasia pseudoe-piteliomatosa ou pseudocarcinomatosa. Asalterações epidérmicas são importantes, in-cluindo, em graus variáveis, papilomatose, hi-perceratose e acantose (Fig. 5.7). Outro acha-do histológico útil e frequente na epidermesão os microabscessos, coleções de neutrófilosentre os ceratinócitos com ou sem parasitas(Fig.5.8).

Fig. 5.7 Pele cuja epiderme está bastante hiperplásicacom hiperceratose e intensa acantose irregular, que seestende não só à derme papilar como também à dermereticular e encerra coleções de neutrófilos ou abscessos.Na derme, observe a reação inflamatória granulomatosa,

com células gigantes multinucleadas. (HE, 20x)

Page 4: 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

Histopatologia das Principais Doenças Estudadasem Micologia Médica

Fig. 5.8 Abscesso intraepidérmico da lâmina anterior ob-servado em detalhe, exibindo estruturas fúngicas casta-

nhas em meio a coleção de neutrófilos, debris celulares eraros eosinófilos. (HE, 40x)

Fig. 5.9 Processo inflamatório granulomatoso com nume-rosas células gigantes multinucleadas na derme, com a

presença das estruturas fúngicas de permeio. (HE, 40x)

Na derme superficial e profunda há pro-cesso inflamatório granulomatoso caracteri-zado por granulomas bem formados ou rea-ção histiocitária difusa. A reação inflamatóriatecidual depende da imunidade do indivíduo.O agente pode ser localizado tanto nos abs-cessos intraepidérmicos como na derme (Fig,5.9). O processo pode se estender à hipodermee aos tecidos moles subjacentes.

Paracoccidioidomicose

Micose sistêmica cujo focoprimário geralmen-te é pulmonar e cujo agente etiológico é um

45

Fig. 5.10 Paracoccidioidomicose, diferentes tamanhos dosfungos e a exoesporulação múltipla. (Grocott, 40x)

fungo dimórfico: Paracoccidioides brasilien-sisoA histopatologia na pele mostra processoinflamatório granulomatoso na derme comnumerosas estruturas fúngicas redondas comesporulação múltipla, de tamanhos variados(20-60 um); é bem característico o aspectoem "roda de leme" (Fig. 5.10). A hiperplasiapseudoepiteliomatosa da epiderme ou epitélioe os abscessos intraepidérmicos são achadosfrequentes dessa lesão.

Coccidioidomicose

O aspecto histológico do acometimentocutâneo exibe hiperplasia pseudoepitelio-matosa com microabscessos epidérmicose processo inflamatório granulomatoso naderme. O Coccidioides immitis é caracteri-zado por esférulas repletas de endosporos.

Esporotricose

A visualização de Sporothrix schenckii noscortes histológicos é rara. A pele, com a infec-ção bem estabelecida, apresenta a epidermecom hiperplasia pseudoepiteliomatosa, comonas demais micoses profundas, e processo in-flamatório intenso supurativo e/ou granulo-matoso na derme. O arranjo dos granulomastem área central necrótica circundada porhistiócitos epitelioides, que, por sua vez, estãocircundados externamente por plasmócitos e

Page 5: 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

46

Fig. 5.11 Granuloma com centro supurativo, circundadopor histiócitos epitelioides, e, externamente, infiltradolinfoplasmocitário. (HE, 20x)

Fig. 5.12 No detalhe da lâmina anterior, observa-se infla-mação intensa com exsudato de neutrófilos e um "corpús-culo asteroide". (HE, 40x)

linfócitos (Fig. 5.11). Essas zonas concêntricassão conhecidas, respectivamente, por zonasectimoide, tuberculoide e sifilítica. Associadoao arranjo granulomatoso descrito podemosencontrar o "corpúsculo asteroide", compostopor material eosinofi.1icoredondo ou oval, comcerca de 4-6 um de diâmetro (Fig. 5.12).

Histoplasmose

o comprometimento cutâneo é pouco comum.O Histoplasma capsulatum apresenta-se emcortes histológicos como numerosas estrutu-ras fúngicas no citoplasma dos histiócitos, comcerca de 3 um de diâmetro (Figs. 5.13 e 5.14).

Histopatologia das Principais Doenças Estudadas em Micologia Médica

Fig. 5.13 Histoplasmose, histiócitos com citoplasma reple-to de parasitas. (HE, 40x)

Fig. 5.14 A presença dos fungos na amostra anterior éconfirmada na lâmina corada pelo método de Grocott.(20x)

Criptococose

O agente etiológico Cryptococcus neoformansapresenta um quadro histológico com doispadrões distintos de acordo com o número defungos no tecido e a reação inflamatória as-sociada: granulomatoso e "gelatinoso", masna prática esses dois padrões podem coexistir(Figs. 5.15 e 5.16). Além disso, não há relevân-cia clínica para os diferentes padrões. As leve-duras são redondas e medem de 2 a 15 um dediâmetro. Além de corarem com PAS e Gro-cott (prata metamina), usamos azul alciãoou mucicarmim para evidenciar a mucina dacápsula (Fig. 5.2).

Page 6: 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

Histopatologia das Principais Doenças Estudadasem Micologia Médica

Fig. 5.15 O corte histológico corado pelo HE (lOx) mostra,já no menor aumento, alterações histológicas sugestivas

da infecção fúngica como a hiperplasia pseudoepitelio-matosa da epiderme. A derme papilar está dissociada pormucina.

Fig. 5.16 Estruturas fúngicas afastadas por mucina emmeio a reação linfo-histiocitária com células gigantes rnul-tinucleadas; algumas encerram criptococos. (HE, 40x)

Zigomicose

Mucormicose

o corte histológico mostra processo inflama-tório agudo fibrinopurulento com extensanecrose que compromete vasos e o tecido pe-rivascular com a formação de trombos. Podehaver a presença de granulomas em meio ao

47

processo. As hifas são cenocíticas ou podemapresentar raros septos, com ramificações queformam angulações de cerca de 900

Entomoftoromicose

No corte histológico, observa-se ao redor dashifas o fenômeno de Hoeppli Splendori, queé um depósito de imunoglobulinas, represen-tado por acúmulo de material eosinofílico eamorfo (Fig. 5.17). As hifas são cenocíticas oupodem apresentar raros septos, com ramifica-ções que formam angulações (Fig. 5.18).

lacazioseo quadro histológico revela a epiderme geral-mente retificada, não apresenta hiperplasia

Fig. 5.17 Fenômeno de Hoeppli Splendori, no qual a hifaestá circundada por depósito irregular eosinofílico. (PAS,

40x)

Fig. 5.18 Hifa hialina sem septos exibindo ramificações de

90°.

Page 7: 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

48

pseudoepiteliomatosa e microabscessos. Naderme há moderada proliferação fibrosa quese interpõe à reação inflamatória granuloma-tosa, com estruturas fúngicas dispostas em"cadeias" (Fig. 5.19).

Cromoblastomicoseo corte histológico exibe epiderme com hiper-plasia pseudoepiteliomatosa e microabsces-sos que podem conter células gigantes com ousem o parasita. O agente etiológico, qualquerque seja o gênero, é visto como corpúsculoacastanhado, em geral disposto aos pares. Sãoos corpúsculos escleróticos, também denomi-nados corpúsculos fumagoides (Fig. 5.20).

Fig. 5.19 Lacaziose, numerosas estruturas fúngicas em

meio a processo inflamatório e fibrose. (PAS, lOx)

Fig. 5.20 Corte histológico mostrando os corpos fumagoi-

des. (HE, lOOx)

Histopatologia das Principais Doenças Estudadas em Micologia Médica

Feo-hifomicoseQuando compromete a pele, a infecção é ca-racterizada por reação inflamatória granulo-matosa ou supurativa em meio a numerosashifas demácias septadas acastanhadas quemedem cerca de 2-6 11m. Esse processo podeestar delimitado por proliferação fibrosa, queforma um pseudocisto na derme (Figs. 5.21e 5.22), ou pode estar associado a alteraçõesepidérmicas hiperplásicas com microabsces-sos semelhantes aos já descritos.

RinosporidioseO quadro histológico apresenta hiperplasiapseudoepiteliomatosa do epitélio de revesti-

Fig. 5.21 Pele exibindo pseudocisto na derme reticularque se caracteriza por fibrose delimitando cavidade cís-

tica preenchida principalmente por exsudato fibrinopuru-lento e alguns fungos de permeio. (HE, 20x)

Fig. 5.22 Detalhe da lâmina anterior, com hifas castanhas

de Mycelia sterília. (HE, 40x)

Page 8: 05 - Histopatologia das principais doenças estudadas em micologia médica

Histopatologia das Principais Doenças Estudadasem Micologia Médica

mento e reação inflamatória granulomatosa,como discutido anteriormente nas outras in-fecções. Caracteristicamente, exibe numerososcistos de tamanhos variados, que geralmentechamam a atenção por serem volumosos (até300 um) e repletos de trofozoítos. Essas es-truturas são coradas pelos métodos de PAS eGrocott, assim como os fungos (Fig. 5.23).

Fig. 5.23 Mucosa com epitélio hiperplásico apresentanumerosos cistos volumosos repletos de trofozoítos nocórion. (HE, 20x)

Fig. 5.24 Corte histológico corado em PAS(40x), mostran-do em detalhe a estrutura conhecida como "rnórula".

49

PrototecoseA reação inflamatória na pele pode ser supu-rativa e/ou granulomatosa. O agente é bemmarcado nas colorações de PAS e Grocott(prata metamina), usadas tradicionalmentepara fungos. Nesses métodos, reconhecemoscom facilidade um aspecto histológico deno-minado "mórula" (Fig. 5.24).

BIBLIOGRAFIA

Ackerman AB.Histologic Diagnosis of lnflammatorySkin Diseases: An Algorithmic Method Based onPatternAnalysis. New York:Ardor Scribendi, 2005.Barnhill RL. Textbook of Dermatopathology. 2nded. New York: McGraw-Hill, 2004.Brasileiro Filho G.Bogliolo Patologia. 7ª ed. Rio deJaneiro: Guanabara Koogan, 2006.Connor DH, Chandler FW, Schwartz DA e ManzHJ. Pathology of lnfectious Diseases. Stanford: Ap-pleton and Lange, 1997.Elder DE, Elenitsas R, Johnson BL e Murphy GF.Leuer's Histopathology of the Skin. Philadelphia:Lippincott Williams & Wilkins, 2008.Klatt E e Kumar V.Robbins and Cotran Reuiew ofPathology. 2nd ed. WB Saunders, 2004.McKee PH, Calonje JE, Granter SR. Pathology ofthe Skin with CD-ROMs and with Clinical Correc-tions. 3rd ed. Mosby, 2005.Venkataram M. Fundamentals of Pathology ofSkin. Anshan Pub, 2008.Weedon D. Skin Pathology. 2nd ed. Queensland:Churchill Livingstone, 2003.Zaitz C, Godoy AM e Colucci FM et alo Cutaneousprotothecosis: report of a third Brazilian case. lntJ Dermatol 2006; 45(2): 124-6.Zaitz C, Godoy AM e Sousa VM et alo Onychopro-tothecosis: report of the first case in Brazil. lnt JDermatol 2006; 45:1071-73.