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    O MTODO DA EXPERIMENTAO NATURAL DE LAZURSKY: SUA

    APLICAO NAS PROPOSTAS EDUCACIONAIS DE HELENA ANTIPOFF EM

    MINAS GERAIS (1932-1974)

    AUTORAS:

    RIKA LOURENO MESTRANDA EM PSICOLOGIA SOCIAL /

    FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS / UFMG

    REGINA HELENA DE FREITAS CAMPOS ORIENTADORA /

    FACULDADE DE EDUCAO / UFMG

    Na Europa e nos Estados Unidos, conforme Cambi (1999), a partir das ltimas dcadas

    do sculo XIX teve incio uma nova vertente da histria da pedagogia - a pedagogia

    experimental. Orientada pelo modelo positivista de cincia vigente na poca, a pedagogia

    experimental propunha a construo de um novo saber pedaggico, fundamentado nos

    conhecimentos que vinham sendo produzidos nas reas da fisiologia, antropologia, sociologia

    e psicologia.

    De acordo com Manacorda (1995) e Cambi (1999), da adoo deste novo modelo,

    surgiu a necessidade de tornar mais objetivos os mtodos de pesquisa em pedagogia e de

    fundamentar em dados empricos as propostas educacionais. Tal objetivao da pedagogia

    poderia ser alcanada atravs da experimentao e, sobretudo, da mensurao, o que culminou

    com a abertura de escolas experimentais e de laboratrios pedolgicos e ainda com a criao

    de instrumentos para coleta de dados acerca do desenvolvimento biolgico e psicolgico das

    crianas. Recomendava-se que, na prtica educacional, o ensino passasse a ser centrado na

    criana, guiando-se pelo conhecimento das aptides e interesses individuais infantis, os quais

    deveriam ser identificados atravs dos mtodos de mensurao recm criados, sobretudo, narea da psicologia.

    No Brasil este movimento de renovao pedaggica teve incio na dcada de 1920,

    quando estados como Cear, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco,

    considerando a educao como propulsora do desenvolvimento social, propuseram reformas

    do ensino pblico segundo os moldes escolanovistas ento vigentes na Europa e nos Estados

    Unidos (Ribeiro, 1998). A adoo deste novo modelo escolar no pas permitiu a difuso, nos

    meios escolares, de prticas psicolgicas para medidas das habilidades mentais.

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    No Estado de Minas Gerais, mais especificamente, o movimento da Escola Nova foi

    oficialmente introduzido com a Reforma Francisco Campos Mrio Casasanta, a partir do

    ano de 1927. Para a difuso dos novos mtodos de ensino e administrao escolar entre as

    professoras da rede pblica de ensino, foi criada a Escola de Aperfeioamento, a qual contava

    no s com professoras brasileiras formadas na Universidade de Colmbia sob a orientao de

    Dewey, mas tambm com educadores vindos dos grandes centros europeus de divulgao e

    aplicao do iderio escolanovista, como Thodore Simon, Lon Walther, Jeanne Milde e

    Helena Antipoff, dentre outros (Prates, 1989).

    Formada no Instituto Jean Jacques Rousseau em Genebra, Helena Antipoff assumiu

    em 1929 a cadeira de Psicologia Educacional na Escola de Aperfeioamento. A, alm de

    psicologia do desenvolvimento e da infncia, ensinava s suas alunas os mtodos de pesquisa

    em psicologia e as principais tcnicas psicolgicas para medidas das habilidades mentais das

    crianas. Nos resultados da aplicao destes instrumentos as professoras deveriam se

    fundamentar para proceder homogeneizao das classes escolares por nvel de

    desenvolvimento intelectual. Esta era uma das propostas da Escola Nova que deveria ser

    implantada nas escolas mineiras acreditava-se que em turmas homogneas o ensino poderia

    ser mais individualizado e levar mais em considerao os interesses e as aptides de cada um.

    Da leitura dos artigos publicados por Helena Antipoff entre as dcadas de 1920 e

    1950, pode-se perceber que era uma grande conhecedora dos testes ento existentes para o

    conhecimento da personalidade e para a medida do desenvolvimento das capacidades

    psicomotoras e mentais, tendo sido uma das principais divulgadoras do uso dos resultados

    obtidos atravs destes como fundamento para a prtica educativa em Minas Gerais.

    Helena Antipoff, embora reconhecendo o valor dos testes psicolgicos para a

    educao, sabia tambm das suas limitaes relacionadas s condies artificiais de aplicao

    e ao fato de apresentarem como resultados caractersticas isoladas do indivduo em um

    determinado momento, no considerando o seu funcionamento psicolgico como umatotalidade. A alternativa que propunha para sanar tais limitaes dos testes psicolgicos,

    permitindo a obteno de um quadro de conhecimentos mais completo do educando, era o

    mtodo da experimentao natural de Lazursky (Antipoff, 1992a). Tendo sido este mtodo

    pouco difundido no cenrio da psicologia educacional e da psicologia de um modo geral, sua

    adoo por Helena Antipoff foi o objeto deste estudo.

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    OBJETIVOS, FONTES E METODOLOGIA

    Definido o objeto de estudo, procurou-se investigar como Helena Antipoff entendia o

    mtodo da experimentao natural e como se utilizou deste instrumento para a orientao das

    propostas educacionais que ps em prtica em algumas das instituies em que atuou no

    Brasil.

    As fontes utilizadas para esta investigao foram os manuscritos inditos deixados por

    Helena Antipoff, assim como os textos que publicou ao longo de sua carreira de educadora,

    documentos estes abrigados nos Arquivos UFMG de Histria da Psicologia no Brasil. Foram

    usados tambm, os textos de Helena Antipoff re - publicados nos quatro volumes da

    Coletnea da Obras Escritas de Helena Antipoff, publicada pelo Centro de Documentao e

    Pesquisa Helena Antipoff em 1992.

    Dentre os documentos disponveis foram selecionados aqueles em que a autora fez

    qualquer referncia a Lazursky e / ou ao mtodo da experimentao natural. Estes

    documentos foram lidos e analisados segundo a abordagem fenomenolgica, que, segundo

    Amatuzzi (1996), permite que se identifique no vivido ou no relato do vivido, o significado

    atribudo pelo sujeito sua prpria experincia.

    Esta anlise permitiu uma compreenso tanto da forma como o mtodo da

    experimentao natural foi percebido por Helena Antipoff, como do modo como foi utilizado

    por ela em sua prtica na rea da educao.

    RESULTADOS

    O psiquiatra russo Alexandre Lazursky (1874-1917) considerado um dos primeirosrussos a se tornarem especialistas em testes mentais (Kozulin, 1984). Conforme relatado por

    Antipoff (1926), a partir de 1908 Lazursky dedicou-se ao estudo de mtodos que permitissem

    o conhecimento psicolgico da personalidade de uma maneira global, inserindo-se no debate

    que permeava a psicologia cientfica das primeiras dcadas do sculo XX acerca do melhor

    mtodo a ser utilizado para as pesquisas e para a produo de conhecimento na rea.

    Duas eram as possibilidades metodolgicas em discusso naquela poca no contexto

    da psicologia - a observao e a experimentao - e ambas apresentavam limitaes queconstituam o cerne dos debates. A observao era considerada um mtodo passvel de falhas

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    devido postura passiva do observador frente ao evento investigado, sendo obrigado a

    aguardar que as circunstncias fornecessem os dados que buscava. Tal mtodo demandava

    muito tempo e, alm disto, a complexidade dos fatos observados poderia levar o observador a

    imprecises. A experimentao, por sua vez, no se mostrava como uma alternativa muito

    mais atraente, pois, apesar de permitir um certo controle sobre as variveis investigadas, os

    resultados careciam de naturalidade, uma vez que os experimentos eram realizados em

    laboratrios e em condies artificialmente criadas. Assim, se a observao pecava por

    fornecer elementos complexos demais que dificultavam a sua apreenso global, a

    experimentao pecava pelas simplificaes excessivas, resultantes da tentativa de medir as

    funes psquicas isoladamente umas das outras. (Antipoff, 1926).

    Segundo Helena Antipoff (1926) Lazursky, conhecendo os mtodos existentes para

    caracterizao da personalidade e as suas limitaes, buscou aperfeio-los. Depois de uma

    srie de investigaes, que envolveram a aplicao de diversos testes psicolgicos em

    crianas de idade escolar, entrevistas com pais e professores destas crianas, observaes de

    comportamentos das crianas nos seus ambientes naturais (em casa e na escola) e comparao

    dos resultados obtidos por meio dos testes com aqueles obtidos por meio da observao das

    crianas em atividades cotidianas da escola, Lazursky props uma terceira metodologia,

    resultado da sntese entre o mtodo da experimentao e o da experimentao: a

    experimentao natural.

    O mtodo da experimentao natural de Lazursky foi sintetizado por Helena Antipoff

    em 1952 da seguinte maneira:

    Entre as atividades de um ambiente real determinado, escolhem-se alguns

    comportamentos que fornecem bastante variedade e riqueza de manifestaes

    caracterolgicas. Num estudo minucioso desses comportamentos, estabelece-se um

    quadro relativamente completo de todas as atividades possveis, descritas de modo

    concreto. Conhecido esse quadro, observam-se nele as reaes individuais de umnmero de pessoas anteriormente conhecidas atravs de observaes, exames e testes

    de toda a espcie. A cada reao tpica atribui-se uma significao caracterolgica;

    segundo a intensidade da manifestao, avalia-se o grau mais ou menos intenso da

    reao psicolgica. O quadro de atividades reais, com sua traduo em equivalentes

    psicolgicos, avaliados em trs ou cinco graus de intensidade, pode servir doravante

    de reativo conhecido para a observao da conduta de novos indivduos.(Antipoff,

    1992a, p.165).

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    Assim formulado, o mtodo proposto por Lazursky podia ser considerado

    experimental porque o experimentador partia de um objetivo pr-definido que pretendia

    alcanar e porque os exerccios e os materiais propostos eram escolhidos com antecedncia de

    acordo com este objetivo, para despertar a reao que interessava investigar. Ao mesmo

    tempo, a experimentao no ocorria no ambiente artificial de um laboratrio de psicologia,

    mas, ao contrrio, nas condies naturais e no ambiente habitual da criana. Quanto

    observao, ela acompanhava de perto a experimentao, sendo feita de forma sistematizada e

    contnua, permitindo que os dados obtidos representassem as reaes complexas e naturais

    das crianas, resultados que no poderiam ser obtidos por meio da aplicao de vrios testes

    psicolgicos diferentes em laboratrio (Antipoff, 1926). Por estas caractersticas, o mtodo

    tambm foi denominado por Helena Antipoff de mtodo da observao metdica.

    O contato de Helena Antipoff com o mtodo de Lazursky se deu no perodo entre 1921

    e 1924, quando trabalhara, na Rssia, na triagem, encaminhamento e reeducao de crianas

    que haviam ficado rfs em decorrncia dos conflitos militares da Primeira Guerra Mundial e

    da Revoluo de Outubro de 1917. O contato direto com Lazursky no ocorreu, uma vez que

    ele j havia falecido quando Helena Antipoff comeou a se envolver com a psicologia naquele

    pas, mas, devido difuso do mtodo entre os educadores, pde conhec-lo. Referindo-se ao

    mtodo desenvolvido por Lazursky, ela relatou em 1927: Na Rssia, seu mtodo

    considerado como um dos mais fecundos e seu uso difundiu-se em todos os lugares em que se

    estuda a personalidade da criana. (Antipoff, 1992b, p. 38).

    De volta a Genebra no ano de 1926, Helena Antipoff comeou a divulgar o mtodo

    que aprendera a utilizar na Rssia. Trabalhando no Instituto Jean Jacques Rousseau, um dos

    principais centros europeus de irradiao do iderio escolanovista, chamou a ateno dos

    colegas para a aplicabilidade do mtodo da experimentao natural nas propostas pedaggicas

    da instituio e como alternativa que no apresentava as limitaes dos mtodos experimental

    e da observao. O mtodo foi apresentado e as possibilidades de sua aplicao foramdiscutidas por Helena Antipoff em artigos como Ltude de la personnalit par la mthode de

    Lasoursky, publicado no Intermdiaire ds ducateurs em 1926 e De lexprimentation

    naturelle, publicado naNouvelle ducation em 1927 (Antipoff, 1926, 1992b).

    Vale ressaltar que, mesmo defendendo a aplicao do mtodo da experimentao

    natural, Helena Antipoff no pretendeu descartar os outros mtodos ento existentes para o

    conhecimento psicolgico da criana. Em 1928 ela se referia ao valor dos mtodos psico -

    estatsticos:

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    La valeur de la mthhode psychostatistique a cela de bon quelle permet de

    dcouvrir les vrits objectives, et le psychologue en terminant son long travail peut

    dire avec une certaine prcision: cest comme a et pas autrement. (p.03).

    Entretanto, a prpria Helena Antipoff (1992b) reconheceu, ainda em 1927, que para a

    obteno de resultados fidedignos da aplicao dos testes psicolgicos era necessrio

    treinamento e prtica, alm de tempo para aplicaes individuais em laboratrio. Uma vez que

    as professoras primrias mal tinham tempo para preparar seus cursos, o Mtodo da

    Experimentao Natural colocava-se como a melhor alternativa para as professores seguirem

    as propostas da nova pedagogia de fundamentar a educao no conhecimento dos alunos.

    Este pensamento se manteve quando Helena Antipoff chegou ao Brasil em 1929

    assumindo a cadeira de Psicologia na Escola de Aperfeioamento de Professoras de Belo

    Horizonte. Neste momento, estava em fase de implantao a Reforma do Ensino Pblico de

    Minas Gerais. A educao mineira devia comear a se modificar seguindo os moldes da

    Escola Nova e, para isto, Helena Antipoff ensinava s suas alunas que eram professoras da

    rede pblica de ensino do Estado as teorias e os mtodos para o conhecimento da criana, os

    quais elas deveriam ser capazes de aplicar quando retornassem s suas escolas.

    Alm dos exerccios de aplicao dos diversos testes psicolgicos no Laboratrio de

    Psicologia da Escola de Aperfeioamento, para o conhecimento das caractersticas psquicas

    das crianas, assim como de seu desenvolvimento e dos fatores associados ao mesmo, as

    alunas da turma de psicologia recebiam de Helena Antipoff uma tarefa que permitia o seu

    treinamento no mtodo de Lazursky:

    Grupadas duas a duas, ou trs a trs, se a classe numerosa, passam a tarde,

    uma vez por semana, em 31 classes dos 6 grupos escolares, nos diversos bairros da

    cidade (...) Cada grupo trabalha numa mesma classe um semestre inteiro. Este prazo

    permite detido estudo das condies fsicas da classe (...), do regime escolar (...), dapersonalidade do mestre, dos mtodos de ensino, de todo trabalho pedaggico feito na

    classe durante o semestre. feito este estudo segundo o mtodo da observao

    sistemtica do psiclogo russo Alexandre Lazursky. Seguindo-o, nossas alunas

    inventariam, para cada disciplina escolar, as manifestaes do comportamento

    infantil, com seus equivalentes funcionais e caracterolgicos. (...) De tal maneira,

    nossas alunas chegam a um apanhado geral das influncias pedaggicas, intelectuais

    e sociais sob as quais viveu cada grupo de alunos. (Antipoff, 1930, p. 231-232).

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    Concomitantemente s aulas na Escola de Aperfeioamento, Helena Antipoff

    participou do trabalho de homogeneizao das classes dos grupos escolares, tarefa que

    considerava, no incio da dcada de 1930, o primeiro passo a ser dado no sentido da

    individualizao do ensino. Para isto, a aplicao em massa dos testes de inteligncia nas

    crianas seria a medida mais adequada. Entretanto, o fato de muitos alunos no possurem

    certido de nascimento e de no se ter acesso idade exata dos mesmos, tornava bastante

    imprecisos os resultados dos testes. Neste sentido, Helena Antipoff (1992c) advertia: No

    nos deixemos iludir, porm, com os resultados dos testes mentais. Os melhores dentre eles

    nunca do diagnsticos inteiramente exatos e precisos sobre o desenvolvimento espiritual da

    criana (p.33). E, apresentava a sugesto de usar o mtodo da experimentao natural como

    recurso para corrigir as falhas da homogeneizao das classes feita por meio dos testes

    mentais e para orientar as professoras no planejamento de suas aulas:

    Consagramos uma importncia capital s observaes metdicas que devem

    ser feitas na prpria classe sobre cada criana que a constitui, com o duplo fim de

    corrigir a classificao inicial, caso demonstre falhas, e colocar a criana em

    condies mais apropriadas sua natureza, como tambm para introduzir no meio da

    classe (...) a educao mais eficiente para cada um de seus membros, de acordo com

    as tendncias, as necessidades e aptides de que portador individual. (p.34).

    Em 1931, iniciado o processo de homogeneizao das classes escolares e estando em

    funcionamento as classes especiais das escolas pblicas para a educao das crianas que por

    algum motivo no conseguiam acompanhar o ritmo das demais nas classes comuns, mais uma

    vez, Helena Antipoff insistia na necessidade de se conhecer tambm esses alunos em suas

    especificidades para educ-los melhor, sendo o mtodo da observao metdica uma das

    formas de se adquirir este conhecimento:

    E s depois de uma observao atenta e metdica da conduta dessascrianas, de acordo com exames do mdico e do psiclogo, depois da profunda

    reflexo acerca de todos esses dados, das observaes e dos exames, que o professor

    ter conhecido e compreendido os seus alunos e resolvido o complexo problema da

    personalidade. (...) Eis a o primeiro ponto para assegurar o trabalho pedaggico nas

    classes especiais: o interesse pelo indivduo e a necessidade de conhecer-lhe a

    personalidade fsica, psquica, social. Alis, o que reclama a pedagogia moderna em

    relao a todas as crianas (...). (Antipoff, 1992e, p.159).

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    Entretanto, como se pode perceber, no caso da educao especial, mais do que no caso

    da educao das crianas nas classes ditas normais, o mtodo da experimentao natural

    deveria ser usado para complementar as informaes obtidas atravs dos testes mentais e dos

    exames mdicos. O objetivo do uso do mtodo deixou ento de ser somente permitir que o

    professor conhecesse a personalidade, os interesses e as habilidades de seus alunos. O mtodo

    de Lazursky passou a ser tambm usado para auxiliar na construo de um conhecimento

    cientfico acerca dos diversos aspectos da excepcionalidade. Assim Helena Antipoff revelou

    este pensamento: Para quem tem a seu cargo a educao das crianas excepcionais, a

    obrigao de conhecer a sua personalidade fsica e mental no se apresenta como um

    trusmo pedaggico, mas se impe como uma necessidade imperiosa. (Antipoff, 1992a,

    p.161).

    Esse investimento na educao especial, iniciado em 1931 com a formao das classes

    especiais, manteve-se por toda a vida de Helena Antipoff. Neste sentido, a educadora

    participou da fundao de algumas instituies para oferecer educao e assistncia aos

    excepcionais. Em 1932, reuniu-se com um grupo de mdicos, educadores e religiosos criando

    em Belo Horizonte, a Sociedade Pestalozzi. Em 1935, com auxlio da Sociedade Pestalozzi,

    foi criado o Instituto Pestalozzi de Belo Horizonte. Em 1940, a Sociedade Pestalozzi adquiriu

    a Fazenda do Rosrio, no municpio de Ibirit, visando oferecer a educao s crianas

    excepcionais ou abandonadas e onde, poucos anos depois, comeou a investir tambm na

    educao rural. E, no ano de 1945, quando esteve morando no Rio de Janeiro, promoveu a

    fundao da Sociedade Pestalozzi do Brasil.

    No ambiente destas instituies, conforme revelou em texto escrito no ano de 1943, o

    trabalho era tomado como condio essencial na formao do carter e como um fator de

    alto valor na educao das crianas excepcionais. (Antipoff, 1992d, p.130). Deste modo,

    alm das matrias didticas e da educao especial das funes mentais, constava dos

    programas educativos para crianas e adolescentes excepcionais, o trabalho. Este secaracterizava pela oferta do ensino tcnico profissional, ensino de trabalhos manuais em

    oficinas e trabalho domstico. (Antipoff, 1992a).

    Com a prtica nestas instituies, ao longo das dcadas de 1940 e 1950, Helena

    Antipoff foi mudando seu pensamento acerca dos benefcios da homogeneizao de classes,

    passando a dar preferncia aos grupos mistos (Antipoff, 1992d) e, ao mesmo tempo, foi

    descobrindo outras formas de aplicao do mtodo de Lazursky. Sem deixar de enfatizar o seu

    uso para o conhecimento global da criana, alterou o mtodo passando a utiliz-lo para aavaliao das atividades escolares das crianas excepcionais.

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    Assim, o mtodo de Lazursky foi adaptado para a anlise dos trabalhos realizados

    pelas crianas e, tal como as atividades relacionadas ao trabalho, comeou a fazer parte das

    propostas pedaggicas das instituies em que Helena Antipoff atuava. Para facilitar a anlise

    dos trabalhos, foram elaboradas fichas individuais nas quais eram anotados os rendimentos

    das crianas nas diversas atividades que realizavam no ambiente escolar. Dentre os aspectos

    observados, estavam a iniciativa, rapidez, responsabilidade, cuidado com o material e bom

    humor. As fichas, elaboradas em linguagem acessvel compreenso infantil, eram

    preenchidas semanalmente pelas professoras por elas responsveis. Os resultados, no final de

    cada semana, eram apresentados s crianas, que podiam tambm se auto-avaliar, ouvir a

    avaliao dos colegas quanto aos seus comportamentos e ainda argumentar caso no

    concordassem com os resultados das avaliaes.

    A adaptao do mtodo de Lazursky por Helena Antipoff na educao de crianas

    excepcionais, com a introduo das fichas de observao e a sua apresentao para as crianas

    em reunies com os colegas e direo da escola, permitiu ento a ampliao dos seus

    objetivos inicialmente definidos, caracterizados por Helena Antipoff (1992a) do seguinte

    modo:

    As fichas de trabalho serviam, assim, para mais de uma finalidade:

    orientavam os professores e os prprios alunos no melhor conhecimento de cada um,

    serviam de critrio objetivo para remunerao e tambm guiavam os meninos no

    aperfeioamento de suas habilidades e do seu carter. (p. 173).

    CONCLUSO

    A trajetria de Helena Antipoff teve duas marcas: a da sua ampla formao cientfico

    terica em psicologia e educao, e a do seu agudo senso prtico. Estas duas caractersticas

    levavam-na a buscar aplicar seus conhecimentos tanto na busca de embasamento para suas

    propostas e de respostas cientficas e objetivas para os problemas com os quais se deparava

    em sua prtica, como na tentativa de possibilitar melhores condies de vida para o ser

    humano (Campos, Loureno e Antonini, 1998).

    Foi, sobretudo na rea educacional e nas atividades desenvolvidas no Brasil, que estas

    caractersticas de Helena Antipoff ganharam mais realce. A primeira se manifestou ao propor

    a psicologia e as possibilidades de conhecer a infncia que ela proporcionava como um dos

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    fundamentos para a pedagogia. A segunda, ou seja, o senso prtico, mostrou-se quando, ao

    propor que o professor tivesse alguma formao em psicologia e fizesse uso da mesma para

    conhecer a personalidade, as habilidades e os interesses de seus alunos antes de planejar o

    ensino a ser ministrado, sugeriu que tal conhecimento fosse obtido pelo meio que considerava

    mais simples e ao mesmo tempo, mais completo - a experimentao natural.

    Entretanto, o que este estudo revelou, foi uma terceira caracterstica da trajetria de

    Helena Antipoff a flexibilidade, sntese das suas duas outras caractersticas, que permitiu

    que elaborasse sua prpria verso do mtodo da experimentao natural. Este fora criado por

    Lazursky com o objetivo principal de proporcionar ao psiclogo e, sobretudo ao professor o

    conhecimento da personalidade da criana. Ao longo de sua prtica com a educao das

    crianas excepcionais, Helena Antipoff conseguiu adaptar o mtodo de Lazursky para que

    pudesse tambm servir para a concretizao de seus ideais de uma educao que fosse

    orientada: pelo respeito liberdade e s diferenas individuais, pelo incentivo socializao e

    autonomia e ainda, pela busca de incentivar nas crianas o hbito de reflexo sobre as

    prprias aes.

    BIBLIOGRAFIA

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