04 - Mito, Tragédia e Filosofia, A Concepção Grega de Moral e A Moral Iluminista

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20/07/2022 Prof. Jorge Póvoas 1 CONCEPÇÕES ÉTICAS Mito, Tragédia e Filosofia Uma das características da consciência mítica é a aceitação do destino: os costumes dos ancestrais têm raízes no sobrenatural; as ações humanas são determinadas pelos deuses; em conseqüência, não se pode falar propriamente em comportamento ético, uma vez que falta a dimensão de subjetividade que caracteriza o ato livre e autônomo. Antes da passagem do mito à razão, o processo do advento da consciência critica, o período intermediário que se caracteriza pela consciência trágica que representa o momento em que o mito não foi totalmente superado e ainda não se firmou a consciência filosófica. A tragédia grega floresceu por curto período, e os autores mais famosos foram Sófocles (496-c.406a.C.) e Eurípedes (c.480-406a.C.). O conteúdo das peças é retirado dos mitos, mas há algo de novo no tratamento que os autores - sobretudo Sófocles - dão ao relato das façanhas dos heróis.

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CONCEPÇÕES ÉTICAS

Mito, Tragédia e Filosofia

Uma das características da consciência mítica é a aceitação do destino: os costumes dos ancestrais têm raízes no sobrenatural; as ações humanas são determinadas pelos deuses; em conseqüência, não se pode falar propriamente em comportamento ético, uma vez que falta a dimensão de subjetividade que caracteriza o ato livre e autônomo.

Antes da passagem do mito à razão, o processo do advento da consciência critica, há o período intermediário que se caracteriza pela consciência trágica que representa o momento em que o mito não foi totalmente superado e ainda não se firmou a consciência filosófica.

A tragédia grega floresceu por curto período, e os autores mais famosos foram Sófocles (496-c.406a.C.) e Eurípedes (c.480-406a.C.). O conteúdo das peças é retirado dos mitos, mas há algo de novo no tratamento que os autores - sobretudo Sófocles - dão ao relato das façanhas dos heróis.

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Tomemos por exemplo a tragédia Édipo-Rei de Sófocles.

Nela conta-se que Laio, senhor de Tebas, soube pelo oráculo que seu filho recém-nascido haveria um dia de assassiná-lo, casando-se em seguida com a própria mãe. Por isso, Laio antecipa-se ao destino e manda matá-lo, mas suas ordens não são cumpridas, e a criança cresce em Lugar distante.

Quando adulto, Édipo consulta o oráculo e ao tomar conhecimento do destino que lhe fora reservado, foge da casa dos supostos pais a fim de evitar o cumprimento daquela sina.

No caminho desentende-se com um desconhecido - e o mata. Esse desconhecido era, sem que Édipo soubesse, seu verdadeiro pai. Entrando em Tebas, casa com Jocasta, viúva de Laio, ignorando ser ela sua mãe.

E assim se cumpre o destino.

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Mesmo que Sófocles tenha tomado do mito o enredo da história, as figuras lendárias apresentam-se com a face humanizada, agitam-se e questionam o destino. A todo momento emerge a força nova da vontade que se recusa a sucumbir aos desígnios divinos e tenta transcender o que lhe é dado com um ato de liberdade.

Mas, se no final vence o irracional, Édipo não foi um ser passivo. E a tragédia consiste justamente na contradição entre determinismo e liberdade, na luta contra o destino levada a cabo pelo homem que surge como um ser de vontade.

Quando no final Édipo se cega, diz: “Apolo me culminou com os mais horrorosos sofrimentos. Mas estes olhos vazios não são obra dele, mas obra minha”. A tentativa de reflexão retrata o logos nascente.

Daí em diante a filosofia representará o esforço da razão em compreender o mundo e orientar a ação.

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No período clássico da filosofia grega, os sofistas rejeitam a tradição mítica ao considerar que os princípios morais resultam de convenções humanas.

Embora na mesma linha de oposição aos fundamentos religiosos, Sócrates se contrapõe aos sofistas ao buscar aqueles princípios não nas convenções, mas na natureza humana.

Inúmeros são os diálogos de Platão em que são descritas as discussões socráticas a respeito das virtudes e da natureza do bem. Resulta daí a convicção de que a virtude se identifica com a sabedoria e o vício com a ignorância: portanto, a virtude pode ser aprendida.

Na célebre passagem de A República em que Platão descreve o mito da caverna reaparece essa idéia: o sábio é o único capaz de se soltar das amarras que o obrigam a ver apenas sombras e, dirigindo-se para fora, contempla o sol, que representa a idéia do Bem.

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Portanto, "alcançar o bem" se relaciona com a capacidade de "compreender bem". Só o filósofo atinge o nível mais alto de sabedoria, só a ele cabe a virtude maior da justiça e portanto lhe é reservada a função de governar. Outras virtudes menores, mas também importantes para a cidade, caberão aos soldados defensores da pólis e aos trabalhadores comuns, artesãos e comerciantes.

Herdeiro do pensamento de Platão, Aristóteles aprofunda a discussão a respeito das questões éticas.

Mas, para ele, o homem busca a felicidade, que consiste não nos prazeres nem na riqueza, mas na vida teórica e contemplativa cuja plena realização coincide com o desenvolvimento da racionalidade.

O que há de comum no pensamento dos filósofos gregos é a concepção de que a virtude resulta do trabalho reflexivo, da sabedoria, do controle racional dos desejos e paixões.

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Além disso, o sujeito moral não pode ser compreendido ainda, como nos tempos atuais, na sua completa individualidade. Os homens gregos são antes de tudo cidadãos, membros integrantes de uma comunidade, de modo que a ética se acha intrinsecamente ligada à política.

No período helenista (período da história da Grécia), os filósofos se ocupam predominantemente com questões morais, e destacam-se duas tendências opostas, o Hedonismo e o Estoicismo.

Para os hedonistas (do grego hedoné, "prazer"), o bem se encontra no prazer. Mas, ao contrário do que se poderia supor, o principal representante do Hedonismo grego foi Epicuro (341-270 a.C.) e considera que os prazeres do corpo são causas de ansiedade e sofrimento.

Para permanecer imperturbável, a alma precisa desprezar os prazeres materiais, o que leva Epicuro a privilegiar os prazeres espirituais, dentre os quais aqueles referentes à amizade.

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Na mesma época, o estóico Zeno de Cítio (336-264 a.C.) despreza os prazeres em geral, ao considerá-los fonte de muitos males.

As paixões devem ser eliminadas porque só produzem sofrimento e por isso a vida virtuosa do homem sábio, que vive de acordo com a natureza e a razão, consiste em aceitar com impassibilidade o destino e o sofrimento.

As teorias estóicas foram bem aceitas pelo cristianismo ainda na época do Império Romano, tendo também fecundado no período medieval.

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Durante a Idade Média, a visão teocêntrica do mundo fez com que os valores religiosos impregnassem as concepções éticas, de modo que os critérios do bem e do mal se achavam vinculados à fé e dependiam da esperança de vida após a morte. Na perspectiva religiosa os valores são considerados transcendentes, porque resultam de doação divina, o que determina a identificação do homem moral com o homem temente a Deus.

No entanto, a partir da Idade Moderna, culminando no movimento da Ilustração no século XVIII, a moral se torna laica, secularizada. Ou seja, ser moral e ser religioso não são pólos inseparáveis, sendo perfeitamente possível que um homem ateu seja moral, e mais ainda, que o fundamento dos valores não se encontre em Deus, mas no próprio homem.

O movimento intelectual do século XVIII conhecido como Iluminismo, ou Ilustração e que caracteriza o chamado Século das Luzes exalta a capacidade humana de conhecer e agir pela "luz da razão".

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CONCEPÇÕES ÉTICAS

A Moral Iluminista

Critica a religião que submete o homem à heteronomia, que o subjuga a preconceitos e o conduz ao fanatismo. Rejeita toda tutela que resulta do princípio de autoridade. Em contraposição, defende o ideal de tolerância e autonomia.

No lugar das explicações religiosas, a Ilustração fornece três tipos de justificação para a norma moral: ela se funda na lei natural (teses jusnaturalistas), no interesse (teses empiristas, que explicam a ação humana como busca do prazer e evitação da dor) e na própria razão (tese kantiana).