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HISTRIA DA AMRICA I

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Histria da Amrica I

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Sumrio

DO POVOAMENTO S CIVILIZAES PRCOLOMBIANAS: A AMERICA DOS AMERICANOSPOVOAMENTO E DIVERSIDADE DOS POVOS AMERICANOS

Teorias acerca do Povoamento da Amrica

07 09 12 14 19

Evoluo Pr-Histrica dos Povos Americanos

Os Povos Nmades e Semi-Nmades

As Sociedades Agrcolas Atividade Complementar

A MESO-AMRICA

A Civilizao Maia

Apogeu e Declnio da Confederao Asteca

Atividade Complementar

DAS CIVILIZAES PR-COLOMBIANAS CONQUISTA EUROPIA: A USURPAO DA AMRICAA CIVILIZAO ANDINA

O Surgimento da Civilizao Inca

Atividade Complementar

Apogeu e Declnio do Imprio Inca

A Cultura Andina

Estado e Sociedade Incas

Cultura e Sociedade Astecas

O Surgimento da Civilizao Asteca

20 23 24 26 29

31 34 37 39 42

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SumrioHistria da Amrica I

O ENCONTRO E A CONQUISTA EUROPIA43 48 55 62 69 70 71 73

Da Expanso Europia ao Encontro: a Questo do Outro

A Conquista Espanhola da Amrica

Estado e Igreja no Projeto Colonizador

Rumo ao Mundo Colonial Atividade Complementar Atividade Orientada

Referncias Bibliogrficas

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Glossrio

Apresentao da DisciplinaCaro (a) aluno (a), Ol! Vivemos em um continente vasto e diversificado culturalmente, com uma Histria rica e milenar: a Amrica. So justamente os passos iniciais desta histria americana que trabalharemos agora. A disciplina Histria da Amrica I fora planejada para, no seu estudo, refletir sobre os primeiros habitantes do continente americano e suas etapas de desenvolvimento scio-cultural at o auge desta evoluo histrica autctone: as chamadas altas culturas prcolombianas maia, asteca e inca. Estas civilizaes, que atingiram grande sofisticao em diversos ramos das artes e cincias, foram, no sculo XVI, conquistadas pelos europeus que aqui chegaram e estranharam o encontro com povos de cultura to diferente da sua. Este encontro e sua conseqncia - A Colonizao - marcaram a ferro e fogo a Histria da Amrica e seus efeitos ainda esto presentes em nossos dias, sendo indispensvel sua compreenso para entendermos as razes das sociedades americanas contemporneas e seus distintos processos de (sub)desenvolvimento e modos de viver. Espero que esta disciplina, fazendo uma aluso ao perodo da descoberta, lhe guie por este oceano de povos e culturas, e que este encontro tenha o resultado oposto ao daquele perodo: em vez de estranhamento, vontade de se aproximar; em lugar de incompreenso e genocdio, o nascimento de uma nova identidade do que ser americano. Boa Viagem! Lucas de Faria Junqueira

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Histria da Amrica I

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DO POVOAMENTO S CIVILIZAES PRCOLOMBIANAS: A AMRICA DOS AMERICANOSPOVOAMENTO E DIVERSIDADE DOS PVOS AMERICANOSTEORIAS ACERCA DO POVOAMENTO DA AMRICA

O ponto de partida para o estudo da Histria da Amrica Pr-Colombiana (ou seja, aquela anterior conquista europia) passa, necessariamente, em conhecermos o processo de povoamento do continente. sabido que o bero da evoluo humana o continente africano, tendo os primeiros homindeos l surgido h milhes de anos. Existem registros arqueolgicos que comprovam esta evoluo, bem como a difuso (h cerca de 1milho de anos) da presena dos antepassados da humanidade ao redor do Velho Mundo (formado pela Eursia e frica), tendo o homem atingido o estgio de Homo sapiens sapiens como somos atualmente por volta de 50 mil anos atrs (PINSKY, 2003, p. 23). Pelo contrrio, no h registros da presena de homindeos na Amrica anterior ao Homo sapiens sapiens moderno, o que invalida qualquer teoria sobre a evoluo autctone do homem americano. Da surgem duas questes bsicas que precisamos elucidar: quando e como o homem chegou no continente americano? Nas ltimas dcadas tem havido consenso, entre os pesquisadores da pr-histria americana, de que os primeiros povoadores do continente chegaram durante a ltima glaciao (terminada h 10 mil anos), vindos pelo estreito de Bering. Entre 40.000 e 30.000 a.C., as guas retidas nas geleiras continentais baixaram o nvel do mar 80 m, suficiente para transformar o estreito de Bering em istmo (CHAUNU, 1969, p. 16).7

Formara-se na regio do estreito e das ilhas Aleutas um subcontinente, denominado Histria da Berngia, por onde vieram os Amrica I caadores siberianos do ramo tnico monglico ou proto-monglico seguindo as manadas de bises que atravessaram de Bering para o Alasca. Com efeito, as Pesquisas arqueolgicas tm alcanado dataes cada vez mais antigas dos stios arqueolgicos espalhados pelo continente americano. Algumas dataes, segundo Ciro Flamarion Cardoso, j giram em torno de 20.000 a 25.000 anos atrs (CARDOSO, 1996, pp. 16-17). Porm, no podemos considerar sensatamente uma homogeneidade migratria para a Amrica. No fora apenas uma nica migrao ou etnia que povoara to extenso continente. Esto em voga, nos ltimos anos, teorias acerca de sucessivas ondas migratrias que, em perodos e locais distintos, alcanaram as terras americanas. A primeira onda, acima exposta, fora pelo estreito de Bering h 40 ou 30 mil anos. Aps esta leva de caadores siberianos, outras migraes atingiram irregularmente o continente at a chegada dos conquistadores ibricos: mongolides (tambm por Bering), australianos (melansios e polinsios, navegando pelo Pacfico Sul), bem como em pocas mais recentes, os Vikings, que colonizaram a Groenlndia entre os sculos X-XVI d.C. Afora estas, existem ainda teorias sobre povoadores europeus e africanos que teriam chegado a terras americanas h mais de 10.000 anos, contudo carentes de fundamentos mais slidos. Entretanto, aqui no Brasil (Minas Gerais) fora encontrado um fssil feminino com caracteres negrides. Segundo os testes realizados, esta mulher teria vivido h cerca de 11.500 anos. O fssil ganhou o nome de Luzia. De qualquer sorte, mais pesquisas e achados precisam ser efetivados para que possamos defender um povoamento africano da Amrica, pois apenas um fssil no caracteriza, necessariamente, uma migrao pelo Atlntico em pocas to remotas (Luzia poderia ter integrado de algum modo uma migrao de grupos asiticos, ou mesmo que a concluso dos pesquisadores quanto sua origem esteja equivocada). Com o desenvolvimento da navegao pelo Pacfico, as migraes podem ter se dado com certa intensidade em perodos de instabilidades sociais (guerras) ou desastres naturais nas ilhas polinsias. Assim como se espalhavam pelos arquiplagos de todo o Pacfico, seria normal que alguns grupos acabassem por alcanar a Amrica. Deste modo, o feito da chegada de Cristvo Colombo ao continente americano, em 1492, parece no muito grande. Entretanto, como afirmou Pierre Chaunu (CHAUNU, 1969, p. 17), o mrito de Colombo no fora alcanar a Amrica, e sim retornar dela... Assim, podemos afirmar que o povoamento da Amrica fora heterogneo e se dera em perodos distintos. Somente esta heterogeneidade tnica pode explicar, ao lado do relativo isolamento dos povos americanos, a grande diversidade lingstica cerca de duas mil e seiscentas lnguas poca da conquista europia do Novo Mundo. A grande antiguidade do povoamento da Amrica coloca novas questes acerca do estgio cultural de desenvolvimento dos povoadores e primeiros americanos, das quais trataremos agora.8

EVOLUO PR-HISTRICA DOS POVOS AMERICANOSA rigor, boa parte da histria dos povos pr-colombianos pode ser descrita como pr-histria, dado que o critrio para a entrada na era histrica o surgimento da escrita, processo relativamente tardio na Amrica e que teve pouca difuso at a conquista ibrica (os Incas, por exemplo, no chegaram a conhecer a escrita). Entretanto, por ora nos ocuparemos em estudar a evoluo tecno-cultural dos povos do continente e sua diversificao ao longo do tempo-espao americano at o desenvolvimento da agricultura. Primeiramente, temos que perguntar: a qual etapa pr-histrica pertenciam os primeiros migrantes e, posteriormente, seus descendentes, j americanos? A maioria dos pesquisadores concorda que os primeiros habitantes da Amrica pertenceram ao perodo Paleoltico, ou seja, tinham uma cultura material rudimentar, baseada na pedra toscamente lascada: O homem penetrou na Amrica vivendo base de plantas e animais selvagens. A princpio, os primitivos habitantes possuam toscos instrumentos de pedra lascada. H cerca de dez mil anos [...] nota-se a presena no continente americano dos chamados paleondios, nmades, caadores de grandes animais, que possuam artefatos de pedra lascada mais aperfeioados, como o propulsor de dardos e pontas de lana habilmente lascadas. (AQUINO, 2000, pp. 38-9)

Efetivamente, a evoluo cultural dos povos americanos passara pelas etapas clssicas da pr-histria, como no Velho Mundo (desde pelo menos o Paleoltico Superior), porm no concomitante e em ritmo diferenciado em relao evoluo observada neste. Houve relativo atraso na Amrica quanto s mudanas tecnolgicas. O quadro ao lado faz a comparao cronolgica entre as etapas pr-histricas no Velho Mundo e na Amrica.

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J no perodo do Paleoltico Superior americano (entre 11.000 e 7.000 a. C.), a tecnologia ltica (em pedra) fora Histria da se aperfeioando e se diversificando entre Amrica I os distintos grupos humanos, aliada a um processo de gradual especializao dos modos de subsistncia. A maior parte deste desenvolvimento se deu independentemente da influncia do Velho Mundo, principalmente quanto aos aperfeioamentos menos remotos. As representaes de pontas lticas ao lado ilustram a especializao alcanada no perodo. Note-se que a diferena entre as pontas comprova a alta especializao dos grupos paleondios, dedicados cada qual a atividades que iam da pesca caa de grandes animais. Esta especializao se deu em meio a mudanas climticas no continente, que contriburam para diversificar os modos de vida na Amrica.

Entre oito e seis mil a.C. completou-se o recuo das geleiras para os plos e iniciarase uma fase quente e seca, que modificara definitivamente o meio-ambiente americano. Em muitas reas ocorrera a extino dos grandes mamferos (como os mamutes, hoje somente encontrados nos museus de Histria Natural), impondo meios de subsistncia diversos da caa especializada, como a pesca de mariscos, coleta (especializada ou no) de vegetais e animais, etc. Nesta poca, em certas regies, florestas substituram os campos abertos, enquanto em outras ocorrera um processo de desertificao, contribuindo para a maior especializao e regionalizao cultural dos grupos humanos. Temos como exemplo da influncia do meio sobre a evoluo e diferenciao cultural dos grupos, o particular modo de vida dos esquims do extremo norte do continente, baseado principalmente na caa especializada dos mamferos marinhos (focas e lees-marinhos). O perodo do Mesoltico americano (iniciado em algumas partes entre 8.000 e 7.000 a.C.), resultado das transformaes ambientais e da evoluo tecno-cultural dos diversos grupos americanos, assistiu continuidade da especializao e regionalizao das tcnicas lticas, agora ainda mais aperfeioadas (microlitos). Os modos de subsistncia, adaptando-se s mudanas do meio ambiente, alcanaram alto grau de especializao, a ponto de podermos proceder a uma classificao destes: nas reas de florestas, a caa e coleta vegetal predominavam; no litoral, a coleta de moluscos (abundantes aps a elevao do nvel dos mares em direo s plataformas continentais), pela sua regularidade, permitiu, inclusive, a sedentarizao de determinadas populaes, tendo os sambaquis restos arqueolgicos de conchas e demais alimentos, formando pequenos montes, encontrados nos litorais do Pacfico e do Atlntico como testemunhas deste processo; a caa especializada de grandes mamferos continuou predominante principalmente em regies de planaltos da Amrica do Norte; coexistiram tambm distintas especializaes de caa e pesca marinha e fluviail, como as dos esquims (AQUINO, 2000, pp. 40-41; CARDOSO, 1996, pp. 28-30).10

Em um processo lento e gradual, iniciara-se em algumas regies a domesticao rudimentar de vegetais (derivada da coleta especializada dos mesmos), dando origem aos primrdios da agricultura na Amrica e a entrada na era do Neoltico. Este processo de transio da coleta para a agricultura incipiente, iniciado no continente entre 7.000 e 4.000 a.C., possibilitara a prtica do modo de vida sedentrio que sustentava populaes maiores do que as praticantes de formas pr-agrcolas de subsistncia. A sedentarizao que a Revoluo Neoltica proporcionou trouxe como complemento a maior complexidade na organizao social em relao aos grupos pr-agrcolas. Porm, o que nos interessa agora perceber os antecedentes do processo. At o momento, nos furtamos em tratar da organizao scio-econmica dos grupos primitivos americanos, o que faremos agora, resumidamente.

Revoluo Neoltica: sua concepo est ligada principalmente ao surgimento da agricultura, porm engloba tambm um conjunto de invenes como polimento da pedra, cermica, tecelagem que transformaram lentamente o modo de vida dos povos.

Organizao social dos povos pr-agrcolasOs pioneiros povoadores e habitantes da Amrica pertenciam a pequenos grupos nmades, onde o parentesco era a base social comunitria. Denominamos esta forma organizativa de bando. Em termos sociolgicos, cada bando sobretudo uma associao residencial de famlias nucleares ou restritas, segundo um sistema exogmico e virilocal (os homens de um bando devem buscar esposas em outros bandos, e estas vm residir no bando dos maridos) (CARDOSO, 1996, p. 31). A baixa produtividade das tcnicas primitivas impossibilitava a subsistncia de grandes populaes em um mesmo territrio, sendo os bandos formados por poucas dezenas de pessoas. Tinham como fundamentos econmicos a diviso do trabalho por sexo homens caavam coletivamente, mulheres coletavam vegetais e pequenos animais individualmente , bem como o direito de uso comunitrio do territrio e seus recursos. A cultura material dos bandos era restringida pelo nomadismo, sendo bastante rudimentar. No havia estratificao social, tendo apenas idade e sexo como elementos diferenciadores. O poder advinha do prestgio pessoal, circunscrito ao bando, no existindo consequentemente linhagens hereditrias. Diversos bandos, espalhados por um territrio alargado, mantinham relaes entre si, integrando uma tribo dialetal, sem, contudo haver controle poltico institucionalizado entre eles.

Organizao social dos povos agrcolas pr-urbanosForam justamente o progresso tcnico-cultural (domesticao de plantas e animais) e a conseqente elevao da produtividade que permitiram a sedentarizao e uma organizao scio-econmica mais complexa, caracterizada pelo aparecimento de especializaes funcionais (principalmente religiosas ou guerreiras). Neste estgio os ncleos populacionais cresceram para algumas centenas, formando tribos (ou aldeias) com centenas de pessoas diretamente relacionadas em termos produtivos, sendo coletivo o direito ao usufruto dos recursos. O parentesco continua tendo papel central nas relaes sociais, porm indo j na direo da constituio de famlias alargadas ou cls que apresentavam linhagens, ainda no hierarquizadas entre si. O prestgio (ou poder), oriundo

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de funes exercidas, legitimado pelo culto aos antepassados, sendo os mais velhos os detentores do saber necessrio reproduo do grupo. A passagem do estgio de tribo/aldeia para o de chefia fora Histria da caracterizado pelo surgimento de hierarquia entre as linhagens. Esta Amrica I hierarquizao levou, aqui e ali, a um gradual processo de criao de instituies polticas, com a hereditariedade do cargo de chefe numa nica linhagem. A partir de ento, existiram tendncias criao de uma corte, maior especializao do trabalho (como categorias de artesos) e primrdios de estratificao social, porm no em classes (era ainda o parentesco a base social). As chefias poderiam conter diversas tribos, formando s vezes confederaes, onde o poder era escalonado do chefe central aos chefes menores de cada aldeia.

Primeiras formas de organizao social dos povos americanos: Bandos: Pequenos grupos nmades, ausncia de agricultura e especializao do trabalho. Tribos: Grupos maiores (sedentarizados ou semi-sedentarizados), praticantes da agricultura, maior produtividade, incios da especializao funcional, surgimento das linhagens. Chefias: Populao alargada, plenamente sedentarizada incio da hierarquia de linhagens e do processo de estratificao social, surgimento de instituies polticas, que dariam origem formao de Estados na etapa urbana. As formas de organizao tratadas at aqui no foram experimentadas igualmente pelos diversos povos do continente americano. Havia mescla de modos de vida e heterogeneidade scio-cultural entre grupos de regies diferentes. A generalizao embutida nestes modelos serve muito mais para demonstrar semelhanas do que apontar diferenas, bem como descrever, em lugar de explicar. Lembramos, ainda, que a existncia de uma classificao das formas sociais primitivas no deve levar-nos a um pensamento evolucionista linear. Por mais que os povos agrcolas, at a constituio de sociedades estratificadas, tenham passado em algum sentido pelos estgios acima descritos, os diferentes modos de vida coexistiram na Amrica, no somente at a chegada dos conquistadores europeus. Ainda hoje certos povos (poucos verdade) preservam seus estilos de vida nmade ou semi-nmade, abaixo estudados.

OS POVOS NMADES E SEMI-NMADES

O modo de vida nmade o mais primitivo dos meios de associao comunitria conhecido. O povoamento da Amrica fora iniciado por grupos nmades, sendo que mesmo aps a Revoluo Neoltica e a chegada dos europeus no continente eles eram encontrados. Seu nomadismo representava uma adaptao a ambientes difceis de sobreviver, como os desertos do norte do atual Mxico, onde a agricultura no prosperava. A subsistncia advinha da caa e coleta, que poderiam ser especializadas ou no. Tanto sua cultura material, como organizao social, eram, geralmente, as caractersticas dos bandos: rudimentares e relativamente simples. Pela baixa densidade de suas populaes, ficavam os nmades em situao de desvantagem em relao aos semi-sedentrios ou j sedentrios, perdendo desta forma territrios e podendo cair em escravido por guerras. Entretanto, especialmente na Meso-

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Amrica, povos guerreiros nmades vindos do norte (conhecidos como chichimecas) invadiram e conquistaram aldeias e cidades, mesclando-se aos povos conquistados e absorvendo sua cultura sedentria. poca da conquista, no final do sculo XV e incios do XVI, os povos que permaneciam nmades habitavam somente regies (marginais) livres da influncia direta das altas culturas pr-colombianas. Podemos citar como exemplos de povos nmades os chichimecas, habitantes dos desertos mexicanos; os povos pampas, no territrio da atual Argentina; os nativos das plancies do centro dos atuais Estados Unidos da Amrica, que se deslocavam seguindo as manadas de bises; e parte dos grupos esquims. Os povos semi-nmades (ou semi-sedentrios, se preferir), eram mais numerosos que os totalmente nmades, e estavam em um estgio de organizao social mais complexo e diversificado. Viviam em comunidades maiores, formando tribos ou aldeias, tendo as caractersticas scio-culturais destas, descritas anteriormente. Praticavam a agricultura rudimentar, principalmente por meio da coivara, disseminada tambm pelos nativos brasileiros, como os povos Tupi. Este comeo da agricultura fora marcado pela transumncia e complementaridade em relao subsistncia advinda da caa e coleta. Assim como o ocorrido com o nomadismo, o semi-sedentarismo representava uma bem sucedida estratgia de adaptao ao ambiente habitado geralmente de florestas tropicais fraco em termos de produtividade agrcola (CHASTEEN, 2001, p. 28). Num contexto de abundncia de terras, era mais fcil se mudar periodicamente quando os solos perdessem produtividade para novas terras, do que insistir em permanecer nas de solos desgastados. Neste sistema agrcola, a caa, pesca e coleta vegetal tambm se beneficiavam com a mudana de territrios. A cermica esteve presente em parte destes povos semi-sedentrios, porm s se desenvolveu plenamente com o sedentarismo. Abaixo temos um mapa identificando as densidades demogrficas e os povos que habitavam a Amrica poca de chegada de Colombo. As reas em branco e algumas pouco manchadas representam os povos nmades e semi-nmades. Os povos nmades e seminmades tenderam, ao longo do ltimo milnio, a sofrerem cada vez maior influncia dos povos sedentrios, sendo absorvidos (ou absorvendo, como nos casos de Toltecas, Mistecas e Mexicas) por estes, atravs de guerras e escravizao ou por assimilao do modo de vida agrcola sedentrio. Neste sentido, o processo de colonizao europia fora o pice (certo que trgico e mortificante) de uma histria anterior de sobrepujamento scio-cultural destas formas de vida comunitrias primitivas. No obstante, temos que ter em conta que o impacto da conquista e da colonizao europia fora particularmente drstico entre os povos no sedentrios, pela incompatibilidade maior entre seu modo de vida e o empreendido pelos colonizadores na Amrica.

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AS SOCIEDADES AGRCOLASA Revoluo Neoltica na Amrica iniciara-se com atraso em relao ao Histria da Velho Mundo. Acredita-se que a primeira atividade agrcola tenha ocorrido h Amrica I cerca de 10 mil anos, na regio de Jeric, prximo do Mar Morto (PINSKY, 2003, p. 45). Para a Amrica, a transio da caa e coleta para a agricultura comeara entre 7.000 e 4.000 a.C., primeiramente na Meso-Amrica, depois na Zona Andina. H controvrsias em torno da inveno independente da agricultura na Amrica, e pela multiplicidade ou no dos focos no continente. Tratam-se de questes ainda no totalmente resolvidas. Em geral, a opinio de que houve um desenvolvimento autctone da agricultura no continente americano prevalece atualmente. Alguns problemas resultam desta proposio, principalmente a respeito da origem botnica de certas plantas e prioridade geogrfica de sua domesticao (CARDOSO, 1996, p. 36). Por exemplo, a primeira planta comprovadamente domesticada na Amrica a cabaa (Lagenaria siceraria) no tinha (ou ainda no se descobriu) antecedentes no continente. Ademais, era cultivada, por volta de 7.000 a.C., tanto na Meso-Amrica como no Sudeste Asitico. Outras plantas como o algodo, que parece ter sofrido hibridao entre espcies americanas e do Velho Mundo, bem como o amendoim tpico da Amrica, mas encontrado em stios neolticos chineses apontam para certa conexo entre o desenvolvimento agrcola entre as duas margens do Pacfico. As primeiras espcies vegetais domesticadas na Amrica na regio meso-americana , alm da cabaa, algodo e amendoim, foram: o abacate, a abbora, o feijo, a pimenta, o cacau e o milho (AQUINO, 2000, p. 41; CARDOSO, 1996, p. 37). Alm dos vegetais, na Meso-Amrica foram domesticados uma espcie comestvel de co e o peru. Posteriormente, tivemos na Zona Andina (na costa pacfica), em cerca de 5.000 a.C., a domesticao da batata, da quinoa, e do feijo, assim como do lhama o mais importante animal dos Andes. Alm destes, dos principais focos de surgimento da agricultura, em data e regio especficas no determinadas domesticara-se a mandioca na Amrica do Sul, base alimentar dos povos semi-sedentrios que habitavam o territrio do atual Brasil. As influncias e permutas entre os ncleos agrcolas ainda so pouco conhecidas e comprovadas. Dentre as espcies vegetais domesticadas, trs delas se destacaram, cada qual em uma regio, a ponto de podermos distinguir complexos agrcolas baseados nelas: na Meso-Amrica, temos o milho como alimento preponderante; nos Andes, a batata exercera papel fundamental na alimentao (sendo diversas as espcies cultivadas); na Amrica ao leste das Cordilheiras a mandioca prevalecia como principal gnero plantado pelos indgenas. Perceba as reas contidas nos complexos e a difuso destes pelo continente.

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Devemos notar que, na Amrica, a domesticao de plantas fora muito mais rica do que a de animais, pela ausncia de grandes mamferos na fauna holocena do continente, contribuindo mais decisivamente para a sedentarizao e economia dos povos prcolombianos. Durante milnios, desde os primrdios da domesticao das plantas, fora se concretizando a Revoluo Neoltica, que engloba, alm do desenvolvimento da agricultura, a gradual sedentarizao, maior especializao do trabalho e, num estgio avanado, instituies polticas estatais e urbanizao. Como dito, fora lento este processo, contradizendo o sentido que poderia ter a expresso Revoluo Neoltica, indicando rpidas transformaes no modo de vida dos povos que a experimentaram. Inicialmente o cultivo incipiente e rudimentar (poderamos dizer, experimental) complementava a subsistncia. Somente de forma gradual o percentual alimentar advindo da agricultura ultrapassou a coleta e caa na dieta dos povos, no sendo um processo automtico. O que no invalida o carter revolucionrio da agricultura. Durante todo o perodo anterior descoberta da agricultura, o homem ficou merc da natureza, tendo um papel passivo em relao a ela. A partir do momento em que comeou a cultivar vegetais e domesticar animais, passou a obrar ativamente na produo de seu sustento, no mais dependendo de uma natureza provedora (ou seja, da disponibilidade no meio ambiente de animais caveis e plantas para coleta). Este processo fora revolucionrio na medida em que libertara a humanidade da dependncia em relao ao meio natural, podendo crescer demograficamente a partir do desenvolvimento de seu trabalho produtivo (neste sentido, a Revoluo Industrial, milnios depois, representar nova etapa de dominao pelo homem do meio natural). Claro est que ainda hoje esta liberdade do homem em relao ao meio ambiente relativa, na medida em que dependemos de fatores climticos para uma boa colheita (secas ou enchentes continuam a destruir plantaes mundo afora). A plena sedentarizao, advinda do desenvolvimento agrcola, fora o pice do processo de diferenciao cultural dos povos pr-colombianos. Enquanto alguns permaneciam nmades, com formaes sociais muito rudimentares, a partir de 2.000 a.C. quando a agricultura estava consolidada como modo de vida na Meso-Amrica , tribos cada vez maiores apresentavam crescentes divises sociais e do trabalho, bem como primrdios de urbanizao. O crescimento das foras produtivas permitiu no s o aumento populacional como tambm excedentes de produo. Estes excedentes, quando apropriados via tributo em nome da coletividade por um chefe, permitiram que este os canalizasse para a manuteno de homens que trabalhavam na construo de templos ou obras relacionadas com a agricultura (irrigao). Como exemplo deste estgio transitrio para a configurao do Estado e de uma sociedade estratificada em classes, temos a descrio de Ciro Flamarion Cardoso da cultura chibcha (territrio da atual Colmbia) quando da conquista espanhola:

Eram politicamente uma confederao tribal com dois chefes supremos [de carter poltico sacerdotal], o Zipa de Bogot e o Zaque de Tunja. Havia chefes menores, constantemente em guerra uns com os outros. [...] A agricultura, o artesanato e o comrcio apresentavam desenvolvimento considervel. Havia feiras nos povoados. [...] Os grupos sacerdotal e mercantil eram bem diferenciados. (CARDOSO, 1996, p. 46)

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Fica claro que a chefia (ou governo) esteve intimamente ligada com a funo religiosa. A Histria da partir do momento em que os Amrica I chefes poltico-sacerdotais requisitaram o trabalho coletivo para a construo dos templos, e tributos para a manuteno dos mesmos, abriu-se espao para uma definitiva diviso do trabalho. Enquanto a maioria trabalhava nestas obras, uma pequena parcela da populao (pertencente linhagem senhorial ou nobreza a ela ligada) dirigia o andamento das construes, administrava os templos e se apropriava da renda dos tributos. Parte desta renda era utilizada para pagamento de artesos especializados e funcionrios empenhados em diversas funes. Estava consolidando-se o complexo templo-palcio: sumo-sacerdote e monarca encarnados num s corpo. Ademais, a religio proporcionava legitimidade aos reis, posto que era em prol dela que solicitavam o trabalho dos sditos, alm de em muitos casos governarem por vontade divina (ou encarnarem eles mesmo as divindades, moda dos faras egpcios ou imperadores incas). O complexo templo-palcio (por mais que seja uma generalizao esquemtica) pareceu ser uma pr-condio para o surgimento das cidades. bastante ilustrativo, neste sentido, o fato de que a primeira cidade da Meso-Amrica, Teotihuacn, ter sido um centro cerimonial de destaque, assim como muitas outras cidades da regio, como por exemplo, as maias. Da denominarmos de teocracia a primeira forma estatal de governo. As obras para aperfeioamento da agricultura (canais de irrigao, diques, represas, etc.) certamente exigiram um elevado grau de organizao (sob comando do chefe),

e foram fundamentais para a produo do excedente apropriado pelos dirigentes. Porm o esquema hidrulico se aplica muito mais apropriadamente na constituio das cidades-Estados da Mesopotmia do que em relao Meso-Amrica. Por volta de 1200 a.C. surgira o que se considera como a primeira civilizao americana: a dos Olmecas, na regio do Golfo do Mxico. No perodo entre 1200 e 900 a.C. emergiram os primeiros centros cerimoniais olmecas, como San Lorenzo e La Venta (GENDROP, 1998, p. 15). No constituam ainda cidades propriamente ditas, porm j possuam organizao social hierarquizada, ao nvel de chefias e confederaes tribais, tendo como lderes os integrantes da classe sacerdotal. No perodo olmeca se consolidara parte importante da tradio cultural meso-americana, sendo considerada a cultura me da regio: aparecem a escrita hieroglfica e o calendrio (astronomia), o culto ao jaguar, a arquitetura piramidal dos templos, o jogo ritual com bolas de borracha, etc. Cultivavam, j com obras hidrulicas, o milho, feijo e abbora. Em termos religiosos, fora ultrapassado o estgio simples do xamanismo e do culto aos antepassados, surgindo divindades (como o homem jaguar) que tero longa influncia na religiosidade prcolombiana. A cultura olmeca se difundira por extensa rea na Meso-Amrica, seguindo o rastro dos comerciantes que buscavam a grandes distncias materiais como o jade. Outras culturas contemporneas (e posteriores) se desenvolveram sob graus variados de influncia olmeca (como a zapoteca, de Monte Albn, ou a maia).

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O incio da era crist (I milnio d.C.) marca o final da preponderncia olmeca e a entrada na era clssica das civilizaes meso-americanas, com a crescente hierarquizao social, desenvolvimento agrcola e urbanstico e florescimento das cidades-Estado teocrticas. Teotihuacn (localizada num vale do Planalto Central mexicano), considerada como primeira cidade do continente americano, representou um passo alm dentro de um processo milenar de desenvolvimento da civilizao na Amrica. Constituda urbanisticamente por volta de 100 d.C., a partir de quatro aldeias, fora verdadeira metrpole teocrtica a Cidade dos Deuses , atingindo em seu apogeu (sculos V a VII) 85.000 habitantes, alm de irradiar sua influncia at a (atual) Guatemala (CARDOSO, 1996, p. 65; SOUSTELLE, 1997, p. 10). Durante sculos Teotihuacn fora verdadeira capital religiosa e centro de peregrinao, tendo como principais templos, as pirmides do Sol e da Lua, com 63 e 43m de altura, respectivamente. Seus comerciantes detinham o controle do comrcio e transformao da obsidiana (espcie de pedra), matria-prima de suma importncia na Meso-Amrica, dada a ausncia de uma metalurgia empregada na fabricao de instrumentos agrcolas e armas neste sentido, segundo Paul Gendrop, podemos considerar que a tecnologia mesoamericana jamais ultrapassou o estgio equivalente ao Neoltico (GENDROP, 1998, p. 16).

Aproximadamente em 750 d.C., Teotihuacn fora destruda e incendiada, sem que tenhamos dados que confirmem as hipteses levantadas para sua derrocada (revoltas camponesas ou ataque externo). Outras culturas se desenvolveram por esta poca, como a zapoteca de Monte Albn (abandonada em 950, aps a invaso dos mistecas) e a totonaca (que conheceu seu apogeu entre os sculos VII e X), que receberam influncia de Teothuacn. Antes de tratarmos das altas culturas da Meso-Amrica (maia e asteca), vamos fixar o que vimos at aqui com a atividade complementar. Texto Complementar O Continente Meridiano Entre p 71 grau norte e o 56 grau sul, em mais de 15.000 km de NNO ao SSE, a Amrica, este duplo continente meridiano, fracamente inclinado em relao a uma verticalidade perfeita, forma, de uma a outra bacia polar, um anteparo entre dois oceanos o Atlntico prolongado pelo ndico, de uma parte, o oceano Pacfico, da outra. [...] Porque uma barreira desesperante ao longo de 30.000 km de costas atlnticas, com sinuosidades sem fim desenrolando-se a atravessar o caminho ideal que leva da Europa

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sia que a Amrica foi achada, explorada e grosseiramente apanhada nas malhas da Europa no decurso dos trs primiros decnios do sculo XVI, em ritmo insensato, jamais igualado. Este obstculo, na verdade, responsvel Histria da pela conquista, entendida como uma modalidade particular de ocupao do Amrica I solo. A Amrica deixou desde a muito de ser uma barreira, mas no deixou de conservar a marca desta conseqncia, em certo momento essencial, do seu radical meridianismo. O alongamento no sentido dos meridianos a Amrica nunca tem mais de 4.000 a 5.000 km de largura na latitude do Amazonas ou na fronteira dos Estados Unidos-Canad soma, ainda, seus efeitos s distncias americanas. [...] As mudanas de clima e de vegetao somam os seus efeitos s distncias. Em parte nenhuma so mais rpidas do que nos 2.200 km em vo, que separam o sul polar do Lavrador, do norte tropical da Flrida neste incrvel gargalo das isotrmicas que a frente atlntica da grande repblica americana. Esta estrutura meridiana explica, sem dvida, que tenha havido, no duas Amricas como o afirmam os gegrafos, mas trs continentes: uma Amrica tropical, e de um e do outro lado uma Amrica do norte e uma Amrica do sul. Trs mundos que, at o meado do sculo XIX, at a revoluo dos transportes martimos, quase se ignoram. Compreende-se que essas Amricas tivessem evolues independentes, que comunicassem entre si durante muito tempo atravs da Europa. Para uma navegao submetida ao regime dos ventos, o caminho mais curto entre Boston e Buenos Aires passa to logicamente pela Europa quanto a escala do Brasil se recomenda no antigo caminho martimo de Lisboa ndia pelo Cabo. Considerando-se este estado de coisas, muitas anomalias dos pactos coloniais perdem a sua nocividade. [...] O alongamento da Amrica contribui, ainda hoje, para esculpir dois traos estruturais marcantes: vocao para a vida atlntica e dificuldade em se realizar como um todo. O meio geogrfico tanto mais constrangente quanto mais se remota no tempo. O meridianismo da Amrica influiu de maneira decisiva no passado pr-colombiano. Conjugado com a sua imensido, contribuiu para a compartimentao e para o isolamento das civilizao que a se sucederam. CHAUNU, Pierre. A Amrica e as Amricas. Lisboa Rio de Janeiro: Edies Cosmos, 1969, pp. 13-15.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Amrica pr-colombiana. So Paulo: Brasiliense, 1996.

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Complementares1. Identifique e descreva as teorias que tratam do povoamento da Amrica, bemcomo as fases pr-histricas americanas.

Atividades

2. Relacione as formas de organizao social com os estgios de desenvolvimentotecno-cultural at a sedentarizao dos grupos americanos.

3. Disserte sobre o processo que levaria da sedentarizao at o surgimento doEstado teocrtico e da urbanizao na Meso-Amrica.

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A MESO-AMRICAHistria da Amrica I

A CIVILIZAO MAIA

Durante o longo processo de configurao da zona que atribumos como sendo de cultura maia, o desenvolvimento deste povo teve contornos semelhantes e em diversos perodos sob influncia decisiva daqueles vislumbrados anteriormente, como dos Olmecas ou de Teotihuacn. Para facilitar a compreenso das fases histricas e suas localizaes no espao regional maia, apresentamos o mapa ao lado. Os pesquisadores da civilizao maia dividem sua histria basicamente em trs fases: pr-clssica (1.800 a.C.- 200 d.C.), clssica (entre os sculos II e X) e ps-clssica (sculos X a XVI). Note-se que o critrio para considerar o segundo perodo como clssico no se d somente pelo esplendor alcanado, e sim pela difuso de uma cultura prpria maia na poca. Assim como ocorria nas regies mexicanas por volta de 1500 a.C., nas Terras Altas (zona meridional guatemalteca) aldeias agrcolas se cristalizavam, tendo como cultivo principal o milho. Possuam uma cermica sofisticada e sinais de estratificao social. Acredita-se que os povoadores do territrio maia provinham do oeste dos Estados Unidos (GENDROP, 1998, p. 23). Sculos depois, este processo de sedentarizao levara ao surgimento de centros cerimoniais na rea maia meridional (600 a.C. a 150 a.C.), sendo que dois grandes centros se destacam: Izapa e Kaminaljuy. A partir de ento a sedentarizao se disseminou pelas Terras Baixas (zona central maia), formando novos centros que marcaram a fase pr-clssica da cultura maia. Entretanto, no se pode falar ainda em uma cultura maia propriamente dita, sendo notvel a influncia da cultura olmeca, por exemplo. Fora em Tikal, por volta de 200 a.C., onde se iniciara um cerimonialismo monumental, que se desenrolara ininterruptamente durante mais de um milnio, fazendo deste stio a maior cidade do mundo clssico maia. Entretanto, o carter urbano deste e de outros centros cerimoniais contestado por parte dos estudiosos. Segundo estes, os centros cerimoniais serviriam a numerosas aldeias circundantes, sem que houvesse grande aglomerao urbana. Assim, apenas quando da ocorrncia dos cultos que os centros recebiam a massa camponesa, que aps as celebraes e comercializao nos mercados retornariam s suas aldeias, permanecendo como residentes apenas a classe sacerdotal e seus funcionrios, responsveis pela manuteno dos complexos monumentais. Uma explicao para a falta de grandes aglomeraes que caracterizariam centros urbanos poderia ser a baixa produtividade agrcola (onde se utilizava largamente a coivara, nos moldes dos indgenas brasileiros), em solos pobres da floresta tropical que domina o ambiente na Amrica Central. De qualquer sorte, indubitavelmente em perodo posterior fica evidente a

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formao de cidades para alm dos complexos cerimoniais, tendo ento influncia do urbanismo mexicano. Sendo ou no cidades, os centros religiosos se expandiram, tendo como topo da estrutura social os sumo-sacerdotes halach-uinic , que detinham um poder, s vezes rotativo, distribuindo os altos cargos entre uma nobreza hereditria, sacerdotal, comercial e militar. Abaixo destes havia os guerreiros, artesos e demais funcionrios, que por sua vez estavam hierarquicamente acima dos camponeses (base do sistema, que sustentava a grandiosidade religiosa) e do povo mido, ocupado em funes no especializadas. Restavam ainda os escravos, obtidos como prisioneiros de guerra (GENDROP, 1998, p. 44). A terra era cultivada coletivamente ao nvel das aldeias, que pagam, enquanto comunidade, os tributos para a manuteno dos centros. Estes eram unidades polticas independentes (no formavam confederaes), apenas tendo os grandes centros certa influncia sobre os menores que os circundavam. As trocas culturais (difuso de estilos) se davam entre os centros, seguindo as rotas comerciais. Neste sentido, temos como produtos de destaque comercial a obsidiana, o jade, as plumas dos pssaros tropicais (admiradas pela nobreza como ornamento), a manufatura de tecidos, cermica policromada e o cacau artigo de luxo que servia como moeda de troca corrente. Em termos culturais, percebe-se que a religio dominava todas as esferas da vida. Influenciada pelas tradies olmeca e de Teotihuacn, comprovadas no culto ao deus jaguar, temos um grande panteo divino, sendo que cada deus era cultuado em determinados cerimoniais. Destaca-se enquanto divindade dominante o deus do fogo Itzamna. Outros deuses como Chac deus da chuva e o deus do milho eram tambm importantes. Entre os Maias a astronomia (que tinha um sentido mstico) se desenvolveu consideravelmente, possibilitando a confeco de dois calendrios notveis, sendo um de carter religioso e outro civil/administrativo (servindo para precisar as pocas do plantio e colheita do milho, bem como para datao de reinados). Ambos os calendrios se encontravam a cada ciclo de 52 anos, demonstrando a viso cclica de mundo. A matemtica tambm se desenvolveu concomitantemente com a astronomia (e a administrao), sendo os Maias um dos primeiros povos a ter concebido o zero (ausncia de valor). A arquitetura era essencialmente religiosa, destacando-se a pirmide como construo preponderante. Enormes blocos de rocha eram transportados por um sistema de rolagem sobre toras, pois os Maias, assim como os demais povos pr-colombianos, desconheciam a roda (talvez pela falta de grandes animais de trao, mesmo motivo para a no utilizao de arados).

No conjunto, a arquitetura maia preocupava-se mais em distribuir grandes massas em espaos descobertos, desprezando o interior dos edifcios: os templos que coroavam as pirmides eram pequenos, escuros, com cobertura de madeira ou em falsa abbada (CARDOSO, 1996, p. 70).

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O objetivo simblico da arquitetura religiosa era o de dissolver a individualidade dos fiis em meio massa dos espectadores, frente monumentalidade Histria da dos templos. Faz-los sentirem-se pequenos diante Amrica I de algo maior: a coletividade dominada pelo poder das divindades. Os grandes espaos das praas, caractersticos dos centros cerimoniais, tambm eram palcos do tiangui ou mercado a cu aberto e dos jogos ritualsticos com a bola de borracha. Quanto escultura, destacam-se os relevos dos templos e principalmente as estelas (rochas monolticas), onde gravavam-se as cenas dinsticas, religiosas, guerreiras, etc., e as datas e dizeres da escrita hieroglfica, s parcialmente decifrada. Nas artes, a cermica tambm tinha papel de destaque, sendo no perodo clssico de alto nvel, principalmente a relativa religio.

Por volta do sculo X, a rea civilizao clssica da regio central maia, onde despontavam como centros preponderantes Tikal, Palenque e Copan o tringulo maia clssico fora gradualmente abandonada. No se conhece bem as causas deste declnio, porm acredita-se que fora devido ao esgotamento dos pobres solos (pressionados pela demografia), provocando emigraes rumo regio setentrional (pennsula de Yucatn), ou por conta de revoltas camponesas contra o sistema tributrio. A zona cultural maia, contudo, no desaparecer, sendo deslocado o eixo de influncia para centros perifricos, que no mais demonstrariam o esplendor dos tempos clssicos. A partir de ento sofrera crescente influncia dos novos rumos da regio mexicana, militarizada pelas invases de povos guerreiros nmades do norte e pelas constantes guerras entre as cidades-Estado. A mexicanizao cultural dos Maias pode ser percebida pela transferncia do poder da classe sacerdortal para a militar, inclusive com cidades agora sendo circundadas por muralhas, antes inexistentes. Os sacrifcios humanos tambm se tornariam macios, nos moldes toltecas (e depois astecas), que dominaram centros importantes como Chichn Itz. Foi neste estado das coisas que os espanhis encontraram a regio poca da conquista.

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O SURGIMENTO DA CIVILIZAO ASTECAAssim como as civilizaes anteriores, os Astecas (povo mexica) herdaram o acmulo das tradies culturais dos povos meso-americanos. Fizeram parte de um processo civilizatrio milenar, representando uma sntese cultural do cadinho formado por todas as contribuies das civilizaes da regio. Vimos como por volta do sculo X o mundo clssico da Meso-Amrica entrara em um perodo de instabilidade, iniciado pelas quedas de Teotihuacn e Monte Albn, seguidas do declnio maia. Dois povos vindos da zona setentrional assumiram posio de destaque no contexto de migraes e guerras do perodo: Toltecas e Mistecas. Abrira-se uma nova fase da civilizao meso-americana, marcada pela mescla entre traos guerreiros dos povos nmades chichimecas (Toltecas, Mistecas e posteriormente Mexicas), com novas concepes religiosas, e as tradies urbanas e religiosas j existentes na regio. Ocorreram transformaes urbansticas (maior difuso e acentuao do urbanismo, para alm dos centros cerimoniais), religiosas, arquitetnicas, artsticas, bem como notvel progresso da metalurgia (principalmente por influncia misteca) e da agricultura de regadio (aumento da produtividade pela irrigao). Os Toltecas, chegados regio do Planalto Central na segunda metade do sculo IX, estabeleceram sua capital Tula ao norte de Teotihuacn, absorvendo sua cultura remanescente. Tiveram grande prestgio e influncia por toda a Meso-Amrica, sendo marcante sua presena entre os Maias. Tula transformou-se em importante centro de um imprio que cobrava tributos de diversas cidades e controlava importantes rotas comerciais. J os Mistecas, aps conquistarem a regio de Oaxaca (Monte Albn), estabeleceram-se em Cholula. A floresceu rica civilizao de artesos especializados (como os ourives), que deram um passo alm no progresso material meso-americano, sendo fundamentais para as transformaes urbansticas do ltimo perodo pr-colombiano desta parte da Amrica. Entretanto, outra vez ocorreria um perodo de instabilidade pelas terras da MesoAmrica, com a presso da migrao de novas levas chichimecas que destruram Tula em 1224 a.C., ocasionando um vazio de poder que levou as diversas cidades-Estados a disputarem a hegemonia entre si. Fora neste ambiente conturbado em que os Mexicas fizeram sua apario no Planalto mexicano. Sados da legendria Aztln (da a denominao asteca) nas margens setentrionais da Meso-Amrica no sculo XI, irromperam pela regio sculo seguinte, sendo repelidos pelos povos que l habitavam. Conseqentemente foram se refugiar no Vale mexicano, em ilhas da zona pantanosa a oeste do lago Texcoco, onde, segundo a tradio, fundaram sua capital Tenochtitln em 1325 (SOUSTELLE, 1997, p. 17). Em menos de dois sculos, a cidade iniciada com choupanas de bambu se transformaria numa metrpole de 200 mil pessoas, plenamente urbanizada, com canais, praas, mercados, templos, pirmides, palcios, lojas e residncias, estendendo-se pelas margens circunvizinhas com as quais se

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comunicava por estradas e pontes. Abaixo temos um mapa contendo a zona de influncia que atingiu a civilizao asteca. Histria da Amrica I

CULTURA E SOCIEDADE ASTECAS

A cultura asteca, como dito acima, esteve marcada pelas influncias dos povos meso-americanos com quem entrou em contato, e s quais mesclou com suas prprias tradies. Entre estas ltimas destaca-se sua lngua: o nahuatl. Comum aos povos recm chegados ao Vale, era um idioma rico e verstil. Muitos textos astecas (redigidos com a escrita pictogrfica caracterstica) sobreviveram destruio espanhola, demonstrando o valor esttico da literatura mexica. Em termos religiosos, percebemos claramente a mistura entre seus deuses tribais (e guerreiros) e os das civilizaes meso-americanas (agricultores). Seu panteo era dominado por Uitzilopochtli divindade solar da guerra, circundado por inmeros deuses que representavam constelaes e estrelas (a religio tribal asteca era essencialmente astral). Por outro lado, divindades como Tlaloc deus da gua e da chuva, de origem teotihuacana tinha papel igualmente relevante: Da mesma forma com que o grande sacerdote de Uitzillopocchtli e o de Tlaloc ocupavam com autoridade equivalente os dois postos mais elevados na hierarquia sacerdotal, tambm o grande Templo de Tenochtitln era encimado por dois santurios: o de Uitzilopochtli, vermelho e branco, e o de Tlaloc, azul e branco. Desse modo, a religio astral dos guerreiros e a religio agrria dos povos sedentrios fundiam-se por assim dizer, reconciliadas na sntese asteca (SOUSTELLE, 1997, p. 70).

Outro exemplo de tentativa de conciliao entre os aspectos guerreiros e agrcolas fora a adoo de Quetzalcoatl a benevolente serpente emplumada de Teotihuacn que, no entanto, recebera nova roupagem astral (deus do planeta Vnus), representando juntamente com Xolotl (deus co) a noo de morte e ressurreio. A presena da astrologia, ligada religio, tambm se comprova pelo calendrio cclico nos mesmos moldes dos Maias.

Como era comum no mundo pr-colombiano, a religio dominava as demais esferas da vida entre os Mexicas. Tomemos como exemplo a guerra. A cosmogonia asteca (ou povo do Sol, como eles mesmos se viam) impelia-os para que mantivessem irrigadas de gua preciosa sangue humano o Sol, a Terra e todas as divindades, sem a qual a engrenagem do mundo deixaria de funcionar. Da decorriam as guerras sagradas e os sacrifcios humanos. Alm das finalidades positivas para o Estado, como conquista territorial, imposio de tributos e a livre passagem de seus comerciantes, a guerra tinha a funo

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proeminente de garantir-lhes prisioneiros para os sacrifcios. Quando consolidaram a maior parte das conquistas (meados do sculo XV) tiveram os soberanos que inventar a guerra florida torneio para fornecimento de vtimas para os deuses. No campo da arquitetura, assim como nas civilizaes mesoamericanas que a precederam, dominava o carter religioso, tendo a pirmide como principal forma monumental. Porm, os Astecas inovaram ao conceber a pirmide do teocalli, que tinha em seu cume dois templos acoplados. Infelizmente os palcios (assim como a arquitetura urbana de Tenochtitln) foram destrudos pelos conquistadores espanhis, restando apenas os depoimentos dos cronistas e os stios arqueolgicos como registros. Devido ao carter militarista do Estado, a construo de fortalezas nas fronteiras perfazia importante elemento da arquitetura monumental, sendo que as torres destes redutos fortificados se destacavam. Quanto s demais artes, destacaram-se pela perfeio da escultura em pedra, pelos baixo-relevos, mosaicos de pedra e pela cermica com motivos negros sobre fundo alaranjado ou vermelho. A metalurgia (principalmente do ouro e da prata) suscitou admirao entre os espanhis (vidos por metais preciosos), entretanto tinha pouca aplicao prtica a agricultura, por exemplo, permaneceu em estado ltico. A sociedade Asteca atingiu elevada hierarquizao, sendo regida por estruturas complexas e comandada por um Estado com aparelho administrativo e judicirio desenvolvido. O modo de vida dos diversos grupos sociais diferia amplamente entre si. No topo da pirmide social estava uma nobreza crescentemente hereditria (tlatoque), encabeada pela famlia real. Ao lado desta havia uma nobreza funcional de origem militar (tecutli), que permitia a ascenso dos guerreiros de destaque, caracterizando uma mobilidade social. Categorias especializadas como as dos comerciantes (ligados ao comrcio exterior) e dos artesos formavam corporaes e organizaes especficas. A base da sociedade era integrada por diversas categorias populares rurais e urbanas, assim como por um tipo de servido considerada pelos cronistas espanhis como escravido. A clula social bsica dos Astecas era o calpulli, comunidade residencial com direitos comuns sobre a terra e uma organizao interna de tipo administrativo, judicirio, militar e fiscal (CARDOSO, 1996, p. 77). A estrutura fundiria esteve atrelada aos dois plos sociais: as comunidades de um lado e a nobreza e o Estado do outro. Assim, existiam trs formas gerais de propriedade de terra: a comunal, pertencente ao calpulli, subdividida em terras de cada linhagem e as efetivamente comunais; a dos nobres, advinda das conquistas, alienvel entre eles e transmissvel por herana (porm no se configurando como propriedade privada, sendo concesso como pagamento das funes sacerdotais, militares ou administrativas exercidas, podendo ser revogada pelo no cumprimento das mesmas); e as pertencentes ao Estado, para manuteno da casa real, dos templos e da administrao militar e civil. A forma de governo entre os Astecas era a de uma monarquia (ou chefe tribal tlatoani) hereditria, sendo um dos integrantes da famlia real eleito por uma assemblia. Era o monarca auxiliado por conselhos que exerciam funes administrativas e militares. Havia uma rede de administradores que fiscalizavam a cobrana dos tributos tanto internamente como pelas diversas provncias (ou cidades-Estado subjugadas) espalhadas pela extensa rea de hegemonia asteca. Em termos econmicos, temos a agricultura como base da produo da riqueza. Era praticada no lago Texcoco uma forma de cultivo sobre pequenas ilhas artificiais, denominadas chinampas. Eram constitudas por estruturas de juncos e rvores que25

mantinham firme o frtil lodo pantanoso onde se cultivavam Histria da diversos gneros como o milho, Amrica I o feijo, a pimenta e o tomate. Os animais domesticados foram o peru e uma espcie de co. A economia interna era complementada pelo comrcio com as zonas tropicais, de onde vinhas pedras, plumas, cacau (que tambm funcionava como base monetria) e diversos outros produtos.

APOGEU E DECLNIO DA CONFEDERAO ASTECAAps a fundao de Tenochtitln (1325), os Astecas iniciaram seu perodo dinstico (1375) e viviam submissos em relao cidade de Azcapotzalco. Porm, em 1434, o quarto soberano asteca, Itzcoatl, aliou-se a Nezaualcoycotl (rei de Texcoco, outra cidade vassala), derrotando e destruindo sua dominadora Azcapotzalco. Os dois soberanos vencedores, em um lance de sabedoria poltica, tomaram como aliada uma cidade pertencente tribo de Azcapotzalco: Tlacopan. A partir de ento estava fundada a Trplice Aliana entre Tenochtitln, Texcoco e Tlacopan, que dominaria vastas extenses da Meso-Amrica at a chegada dos espanhis (SOUSTELLE, 1997, p. 19). Logo, a preponderncia militar de Tenochtitln se afirmara dentro da Aliana, enquanto Texcoco se transformava em metrpole das artes, literatura e direito. Desde a morte de Nezaualcoycotl (1472) consolidara-se a hegemonia mexica, pois o soberano asteca passara a determinar a sucesso do trono em Texcoco, bem como tratara o rei de Tlacopan no mais como aliado, e sim como vassalo. Abrira-se uma srie de conquistas, sob o comando militar dos soberanos astecas e seus oficiais, que comandavam os contingentes das trs cidades. Cada rei mexica procurava expandir seu domnio, subjugando inmeras cidades ao pagamento de tributo. Entretanto, o domnio sobre estas era mais econmico-militar do que poltico, posto que a maior parte das cidades conquistadas mantivesse governo prprio, configurando exceo apenas aquelas que mais se opunham autoridade mexicana, que recebiam administradores astecas. Deste modo, o perodo de domnio asteca no deve ser considerado propriamente como imprio, pois era: na verdade um mosaico de alianas, confederaes, relaes tributrias, implicando povos numerosos, heterogneos e imperfeitamente submetidos (CARDOSO, 1996, p. 77). Muitas das conquistas tinham que ser novamente realizadas, pois as revoltas contra os tributos obstavam o permanente controle dos mexicas, bem como havia enclaves nunca submetidos ao poder de Tenochtitln, como Tlaxcala. A relao entre a capital asteca e as demais cidades baseava-se no controle de suas polticas externas e principalmente na cobrana dos tributos. Estes variavam de cidade para cidade, sendo os produtos e quantidades destinados aos cofres astecas determinados pelo tamanho e produo locais de cada uma. Algumas destas cidades, localizadas em pontos estratgicos e nas fronteiras imperiais, tinham como tributo a manuteno das fortalezas e tropas nelas situadas. Quando da conquista espanhola (1519-1521), o domnio tributrio mexicano estendiase por 38 provncias, entidades antes econmicas do que polticas, fiscalizadas cada uma de suas cidades por funcionrios astecas os calpixques encarregados do registro e transporte dos tributos.

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Aps menos de um sculo de poder asteca, a chegada de Hernn Cortez, chefe da expedio espanhola que explorava a costa do Golfo do Mxico, ps fim ltima civilizao autctone da Meso-Amrica. As causas da derrota asteca se devem a diversos fatores. Enquanto Cortez, ao longo de 1519, colhia informaes sobre o domnio mexicano, os Astecas nada sabiam sobre os espanhis. Fora o lder espanhol hbil em explorar o rancor das cidades subjugadas pelo tributo, que sugava suas riquezas e homens destinados aos sacrifcios que banhavam de sangue os templos astecas. Soube Cortez trazer para si o apoio dos descontentes e unir os rivais dos Astecas, principalmente Tlaxcala, que forneceram seus guerreiros na luta contra Tenochtitln. Porm, a luta no se iniciara nos primeiros contatos entre mexicas e espanhis. Montezuma II, soberano asteca poca, acolheu os espanhis, pois acreditava ser Cortez a encarnao do deus Quetzalcoatl, que segundo a lenda retornaria para governar os mexicas. As palavras do rei ilustram esta crena: Sejai bem-vindo, nosso senhor, de volta a vosso pas e entre vosso povo, para vos sentar sobre vosso trono, do qual fui o detentor por algum tempo em vosso nome (SOUSTELLE, 1997, p. 103). Permanecera Montezuma como refm dos espanhis at estes iniciarem os saques ao tesouro e massacres dos nobres. Ento veio a luta, que congregava espanhis, com sua tecnologia militar superior, e os rivais indgenas, no cerco Tenochtitln, que, alm disto, sofrera com uma epidemia de varola, que dizimara parte de sua populao. Em 13 de agosto de 1521, fora a capital tomada e arruinada pelos conquistadores. Texto Complementar: A Viso Asteca da Conquista O primeiro trao fundamental da viso Asteca da Conquista o que se poderia descrever como quadro mgico no qual esta haveria de desenvolver-se Os astecas afirmam que, alguns anos antes da chegada dos homens de Castela, houve uma srie de prodgios e pressgios anunciando o que haveria de acontecer. No pensamento do senhor Moecuhzoma, a espiga de fogo que apareceu no cu, o templo que se incendiou por si mesmo, a gua que ferveu no meio do lago, a voz de uma mulher que gritava noite adentro, as vises de homens que vinham atropeladamente montados numa espcie de veados, tudo isso parecia avisar que era chegado o momento, anunciado nos cdices, do regresso de Quetzalcatl e dos deuses. [...] A dvida a respeito da identidade dos homens de Castela subsistiu at o momento em que, j hspedes dos astecas em Tenochtitlan, perpetraram a matana do templo maior. O povo em geral acreditava que os estrangeiros eram deuses. Mas quando viram seu modo de comportar-se, sua cobia e sua fria, forados por esta realidade mudaram sua maneira de pensar: os estrangeiros no eram deuses, mas popolocas, ou brbaros, que tinham vindo destruir sua cidade e seu modo de vida. As lutas posteriores da Conquista, registradas pelos historiadores indgenas, testemunham o herosmo da defesa. Mas a derrota final, ao ser narrada nos textos astecas, j depoimento de um trauma profundo. A viso final dramtica e trgica. Pode-se ver

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isto claramente no seguinte canto triste ou icnocucatl:Nos caminhos jazem dardos quebrados; os cabelos esto espalhados, Destelhadas esto as casas, incandescentes esto seus muros. Vermes abundam por ruas e praas, e as paredes esto manchadas de miolos arrebentados. Vermelhas esto as guas, como se algum as tivesse tingido, e se bebamos, eram gua de salitre. Golpevamos os muros de adobe em nossa ansiedade e nos restava por herana uma rede de buracos. Nos escudos esteve nosso resguardo, mas os escudos no detm a desolao...

Histria da Amrica I

As palavras anteriores encontram novo eco na resposta dos sbios aos doze franciscanos chegados em 1524:Deixem-nos, pois, morrer, deixe-nos perecer, pois nossos deuses j esto mortos!

Muitas outras citaes poderiam acumular-se para mostrar o que foi o trauma da Conquista para a alma indgena. (...) a experincia do povo que, aps resistir com armas desiguais, viu-se a si mesmo vencido. Leon-Portilha, Miguel. A conquista da Amrica Latina vista pelos ndios. Petrpolis: Vozes, 1984, pp. 16-18. In: PINSKY, Jaime [et al.]. Histria da Amrica atravs de textos. So Paulo: Contexto, 2001, pp. 28-30.

Histria atravs de Documentos

Abaixo, temos um relato de Tenochtitln, poca da conquista, feito pelo espanhol Bernal Diaz del Castilo: Nesta grande cidade [...] as casas se erguiam separadas umas das outras, comunicando-se somente por pequenas pontes levadias e por canoas, e eram construdas com tetos terraceados. Observamos, ademais, os templos e adoratrios das cidades adjacentes, construdos na forma de torres e fortalezas e outros nas estradas, todos caiados de branco e magnificamente brilhantes. O burburinho e rudo do mercado [...] podia ser ouvido at quase uma lgua de distncia [...] Quando l chegamos, ficamos atnitos com a multido de pessoas e a ordem que prevalecia, assim como com a vasta quantidade de mercadoria [...] Cada espcie tinha seu lugar particular, que era distinguido por um sinal. Os artigos consistiam em ouro, prata, jias, plumas, mantas, chocolate, peles curtidas ou no, sandlias e outras manufaturas de razes e fibras de juta, grande nmero de escravos homens e mulheres, muitos dos quais estavam atados pelo pescoo, com gargalheiras, a longos paus. O mercado de carne vendia aves domsticas, caa e cachorros. Vegetais, frutas, comida preparada, sal, po, mel, massas doces, feitas de vrias maneiras, eram tambm l vendidas. Ouros locais na praa eram reservados venda de artigos de barro, mobilirio domstico de madeira, tais como mesas e bancos, lenha, papel, canas recheadas com

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tabaco misturado com mbar lquido, machados de cobre, instrumentos de trabalho e vasilhame de madeira profusamente pintado. Muitas mulheres vendiam peixe e pequenos pes feitos de uma determinada argila especial que eles achavam no lago e que se assemelhavam ao queijo. Os fabricantes de lminas de pedra ocupavam-se em talhar seu duro material e os mercadores que negociavam em ouro possuam o metal em gros, tal como vinha das minas, em tudo transparentes, de forma que ele podia ser calculado, e o ouro valia tantas mantas, ou tantos xiquipils de cacau, de acordo com o tamanho dos tubos. Toda a praa estava cercada por piazzas sob as quais grandes quantidades de gros eram estocadas e onde estavam, tambm, as lojas para as diferentes espcies de bens. MEGGERS, Betty J. Amrica pr-histrica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972, pp. 96-97. In: PINSKY, Jaime [et al.]. Histria da Amrica atravs de textos. So Paulo: Contexto, 2001, pp. 21-22.

GENDROP, Paul. A civilizao maia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998. SOUSTELLE, Jacques. A civilizao asteca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1997

Complementares1. Uma das justificativas para a colonizao da Amrica pelos europeus era de queeles estavam retirando da barbrie e inferioridade os nativos americanos. Aps a leitura sobre as complexas estruturas sociais e riqueza material das civilizaes maia e asteca, construa um texto contrapondo esta idia de que os povos pr-colombianos no tinham uma cultura sofisticada.

Atividades

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2. Descreva a religiosidade das Maias e Astecas e sua viso de mundo.Histria da Amrica I

3. Como se configurava o poderio Asteca sobre as regies conquistadas, e qualsua conseqncia para a queda frente aos espanhis?

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DAS CIVILIZAES PR-COLOMBIANAS CONQUISTA EUROPIA: A USURPAO DA AMRICA.A CIVILIZAO ANDINAO SURGIMENTO DA CIVILIZAO INCAAssim como se dera com os Astecas, os Incas herdaram as tradies culturais e conhecimentos tcnicos das civilizaes andinas que os precederam. O ncleo cultural prcolombiano da Zona Andina compreendia partes dos atuais Peru e Bolvia, englobando posteriormente pores do Equador, Chile setentrional e noroeste da Argentina. Em meados do IV milnio a.C., pequenas aldeias de pescadores da costa do Pacfico iniciaram a domesticao de plantas como a abbora, a vagem e o algodo. A sedentarizao destes povos fora facilitada pelo suprimento regular que a pesca lhes proporcionava, processo ao qual a agricultura veio se juntar, permitindo um aumento na populao das aldeias. Estas se situavam nos frteis vales dos rios que descem das cordilheiras, formando verdadeiros osis em meio aos desertos da costa oeste da Amrica do Sul. Na mesma poca, povos interioranos dos Andes iniciaram o cultivo da pimenta, do amaranto e da quinoa, bem como domesticaram a cobaia (porquinho-da-ndia) e o lhama (FRAVE, 1998, p. 8). Entre 2500 e 1500 a.C. apareceram os primeiros templos, destacando-se o santurio de Chuquitanta, na costa central peruana. A construo de grandes edifcios religiosos em pedra, como o das Mos Cruzadas, em Kotosh (1500 a.C.) evidencia um processo de organizao social anlogo ao descrito sobre os Olmecas e seus centros cerimoniais. O desenvolvimento agrcola e o conseqente crescimento populacional proporcionaram vilarejos de at mil pessoas, que circundavam os centros cerimoniais da costa, sob chefia dos sacerdotes. A primeira cultura que se difundira pela Zona Andina fora a de Chavin (nome do principal stio arqueolgico), por volta de 900

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a.C. Configurou-se como um estilo artstico, religioso e arquitetnico que rompera o isolamento anterior, sem, contudo, acreditar-se que formara um imprio militar, e sim que se expandira por proselitismo (CARDOSO, 1996, Histria da p. 88; FRAVE, 1998, p. 9). Prevaleceu o culto ao jaguar ou puma (influncia Amrica I meso-americana?), presente em representaes gravadas em pedra, na cermica, pintadas sobre construes ou impressas em lminas de ouro. Por esta poca difundira-se o cultivo de um tipo mais produtivo de milho, bem como os primrdios da irrigao. O progresso tecnolgico seguia seu curso, aliado organizao social mais elaborada, com as chefias tornando-se governos de pequenos Estados regionais. Por volta da poca de Cristo, surgiam novas culturas que desenvolveram-se rumo urbanizao. No litoral norte florescera a cultura Mochica, onde a irrigao ampliava-se, a metalurgia dava um grande passo frente, trabalhando-se o ouro, a prata, o cobre e ligas destes metais, alm da sofisticao da cermica. H indcios da existncia de reis e de uma nobreza, sendo clara a forte estratificao social. No sul da costa desenvolveram-se as culturas de Nazca e de Paracas, que apresentavam estilos prprios, destacando-se as tcnicas morturias, com tumbas onde mmias eram enterradas com jias, cermica, tecidos etc. Contudo, fora nos planaltos do centro-sul da Cordilheira que surgiram as primeiras cidades propriamente ditas. A partir do sculo VIII d.C. duas delas se destacavam: Tiahunaco e Huari. A primeira, situada s margens do lago Titicaca, expandira-se em direo ao sul, influindo sobre todo o planalto boliviano (FRAVE, 1998, p. 10). Sua arquitetura de imponentes edificaes administrativas ou cerimoniais, construdas com megalitos de at 100 toneladas, demonstra a presena de um Estado organizado. Destaca-se entre suas runas a Porta do Sol, apresentada na figura ao lado. Os excedentes agrcolas necessrios para a realizao destas obras foram alcanados pelo desenvolvimento de terraos para o cultivo e canais de irrigao. Populaes das aldeias e pequenas cidades vizinhas estavam a ela subordinadas, sendo que a influncia era pautada pela atrao de seu centro cerimonial. Huari, estabelecida no vale mdio do Mantaro, tambm se caracterizava como importante centro urbano, tendo preponderncia econmica e militar por extensa rea ao norte. Tinha influncia da cultura tiahuacana, porm parece ter sido marcadamente militarista, o que atestado pelas runas de fortificaes e pela abundncia de guerreiros e prisioneiros presentes em suas decoraes murais. Tanto Tiahuacano como Huari declinaram antes do sculo XII (por motivos pouco conhecidos), no sem antes difundirem sua cultura e urbanismo por extensas regies andinas. Abrira-se a partir de ento um vazio de hegemonia, tendo inmeras cidades-Estado se desenvolvido e entrado em choque entre si. No sculo XIII, tomaria a dianteira no processo de unificao poltica, formando o primeiro grande imprio nos Andes, a civilizao Chimu. Segundo Henri Frave, o imprio erigido por esta civilizao fora comandado por soberanos que dispunham de um poder absoluto e teocrtico, tendo comandado grandes obras de irrigao nos vales de Moche e Chimaca. O alcance destas obras foi tal que, sua poca, alcanaram uma rea irrigada maior que a atual, possibilitando o sustento de populaes mais numerosas do que as do presente (FRAVE, 1998, p. 12). Sua capital, Chan-Chan, cidade de adobe, foi o maior

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centro urbano da Zona Andina Central, tendo a sua populao possivelmente alcanado 80.000 habitantes, numa rea entre 17 e 22 km (CARDOSO, 1996, p. 97). Os Chimus atingiram elevado grau de sofisticao, por exemplo, na metalurgia (vide figura ao lado), bem como na tecelagem e na cermica, tendo inclusive realizado a produo em srie em suas atividades artesanais. Seu imprio estendeu-se ao longo de 1.200 km do litoral, de Nepea, ao sul, at os limites do atual Equador, ao norte. Construram fortalezas nas reas conquistadas e estabeleceram um estrito sistema administrativo e tributrio que influenciara os Incas. Estes, em seu movimento expansionista, se chocariam com o imprio chimu, o que seria fatal para o ltimo, eliminando um poderoso obstculo para o desenvolvimento da hegemonia incaica na Zona Andina. Enquanto os Chimus iniciavam sua expanso, seus algozes, os Incas, ainda uma pequena tribo, chegavam bacia do Cuzco, no interior do Peru meridional. Estabeleceram-se prximos a trs tribos j fixadas na regio, s quais se confederaram. Inicialmente, possuam um papel inferior no jogo de foras entre as tribos. A organizao da confederao repousava sobre a existncia de duas metades em p de desigualdade. De um lado estavam os ocupantes iniciais da regio, que detinham o poder poltico-religioso (Hanan); de outro estavam os Incas, que por sua vez detinham a primazia militar (Hurin). No curso do sculo XIV, os chefes guerreiros incas (os sinchis) empreenderam saques nas cidades vizinhas confederao, aumentando o prestgio desta, bem como o seu prprio no seio da entidade. A relao de foras pendera a favor dos Incas, quando Inka Roka apoderou-se pela violncia do controle da confederao, destituindo as autoridades de Hanan, acumulando suas funes. O culto do Sol, ligado ao ancestral mitolgico da tribo (Manko Kapaq) foi imposto a todos os aliados. Gradualmente, a subordinao dos aliados tendeu construo de um Estado unitrio, pela perda de suas autonomias. Inka Roka, o primeiro soberano inca, chefiou diversas expedies que incorporaram uma dezena de aldeias perifricas, processo consolidado e alargado no reinado de Wiraqocha Inka, terceiro rei de Cuzco. A partir de ento, o Estado inca levaria adiante sua expanso, empreendida em parte como resposta s ameaas e tentativas de invaso de outros povos, como os Chanka. Fora contra os Chanka que se configuraria o imprio inca, quando da vitria sobre estes levada a cabo por Pachakuti, em 1438. Pachakuti, considerado o fundador do imprio, conquistara as praas fortes chankas, estabelecendo a hegemonia incaica sobre o conjunto dos planaltos peruanos. O expansionismo inca teria que se chocar com outro, o dos Chimus. O filho de Pachakuti, Tupa Yupanki, fora designado pelo pai para combater os Chimus. Precipitando suas tropas em direo ao litoral, dominou o vale do Monche, tomando a metrpole Chan-Chan e obrigando seu soberano a capitular. As foras incas em seguida partiram em direo ao norte, conquistando Quito e Manta, no atual Equador. De volta a Cuzco (1470), para onde levou as riquezas da aristocracia chimu e os conhecimentos desta brilhante civilizao, que marcaria a cultura inca posterior, Tupa Yupanki forou a renuncia de seu pai, tornando-se imperador. Estava concretizado o poder de Cuzco sobre a Zona Andina, que nos cinqenta anos posteriores seria alargado e conformaria o maior imprio americano anterior conquista europia do qual temos conhecimento.

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ESTADO E SOCIEDADE INCASO Estado inca fora a maior estrutura poltica do mundo pr-colombiano, que em seu apogeu controlava quase um milho de quilmetros quadrados Histria da (FRAVE, 1998, p. 25). Porm, para compreend-lo, precisamos nos voltar Amrica I primeiramente para a base tradicional comunitria dos Andes: o ayllu.

A comunidade de aldeia o ayllu O ayllu, ou aldeia andina, era o cerne da vida scio-econmica caracterstica da regio, formado por famlias vinculadas por parentesco sem, contudo, constituiram-se em cls ou linhagens. Havia a tendncia endogamia e a um sistema de descendncia paralela, sendo paterna para os homens e materna para as mulheres. A famlia representava a clula ou unidade produtiva, sendo constituda pelos pais e filhos celibatrios. O casamento tinha papel destacado dentro da sociedade, pois marcava a entrada do casal na vida adulta, quando recebiam um lote para cultivar e o homem a partir de ento estaria sujeito prestao de trabalho: a mita. As terras da comunidade (marka) eram divididas entre o pastoreio e a agricultura. As destinadas ao pastoreio eram de usufruto coletivo, onde cada famlia criava suas alpacas e lhamas (que forneciam carne, leite e l). J as terras agrcolas eram partilhadas em lotes familiares. Tal partilha no configurava propriedade privada, e sim apenas de usufruto, sendo designada pelo lder do ayllu o kuraka. Este subdividia as terras a cada ciclo agrcola, a partir das unidades familiares: caso se constitussem novas famlias, estas recebiam novos lotes (assim como estes reintegravam-se ao fundo comum com o desaparecimento do ncleo familiar). O kuraka era considerado o fundador do grupo e tinha seu poder respaldado pela waka, ou divindade tutelar da comunidade. O desenvolvimento do ciclo agrrio era condicionado pela ajuda mtua entre os vizinhos na ocasio da semeadura e da colheita. Esta reciprocidade ou ayni fortalecia os laos comunitrios, e o fruto da ajuda que cada famlia recebia era restitudo aos colaboradores dando-se a parte que correspondia ao trabalho de cada um. Outras formas de auxlio eram prestadas s vivas, doentes ou velhos, cujos campos eram cultivados por todos os homens vlidos do ayllu, assim como os recm-casados tinham a casa construda pelo conjunto da aldeia. Ao kuraka eram prestados trabalhos por todos os homens do ayllu, seja no pastoreio ou no cultivo de seus campos. Esta fora a nica forma de tributao conhecida nos Andes: a prestao de trabalho (mita) conhecida como corvia na Europa. O kuraka tinha ao seu dispor uma fora de trabalho contnua, formada por rodzio entre os homens adultos da aldeia, que alm do cultivo e pastoreio, inclua entre os servios a tecelagem e aqueles referentes ao atendimento de seu grupo domstico. Os prestadores destes servios tinham seu sustento a cargo do kuraka enquanto durasse o trabalho. Os excedentes advindos da mita colocavam o chefe em condio privilegiada frente comunidade, porm ele estava intricado em uma rede de relaes consuetudinrias que o obrigavam a redistribuir parte do que era gerado pelo trabalho, principalmente para o sustento dos rfos, vivas, doentes e velhos (waqchas), ou em caso de ms colheitas, quando dava acesso aos estoques gerados pela mita. Entretanto, no podemos extrapolar considerando a estrutura do ayllu como igualitria ou socialista como antigamente se pensava. A reciprocidade e redistribuio se davam assimetricamente entre os membros da aldeia. Nem o kuraka nem a waka (que tambm detinha terras cultivadas coletivamente) distribuam a totalidade dos produtos gerados pelo trabalho que recebiam. As famlias mais prximas do chefe (ou poderosos denominados

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kapa) eram beneficiadas na redistribuio, ocasionando uma diferenciao social na comunidade. Esta elite, que tinha modos de vida distintos do restante da aldeia, mantinhase fechada pelo casamento endogmico. Abaixo dos kapas estavam os camponeses comuns (puriq) ou papamikuqs comedores de batata (em aluso ao pouco acesso que tinham ao consumo de alimentos como o milho), vindo em seguida os waqchas, que no tinham mais condies de se sustentar, ficando dependentes do kuraka. Em termos regionais, havia no mundo andino uma estrutura poltica de chefias que hierarquizava os ayllus, tendo um kuraka proeminente que dominava kuraka menores, formando confederaes ou reinos. Havia o mesmo sentido de prestaes e reciprocidade entre os kuraka, pois esta estrutura reproduzia aquela interior dos ayllu. Assim, chefes e divindades regionais exploravam o trabalho de diversas aldeias, inclusive fundando colnias nos diversos ecossistemas dos Andes (o mesmo se dava internamente nos ayllu, pois as famlias recebiam lotes em altitudes diferentes, para permitir a variedade dos cultivos). Este sistema colonial inibia a existncia normal de um comrcio de trocas, pois cada povo tinha internamente acesso a produtos tanto do litoral como dos planaltos e montanhas andinas. Ocorria inclusive a reciprocidade do acesso aos ecossistemas, sendo que chefias dos planaltos trocavam terras com as do litoral, o que no impedia que houvesse imposio pela fora. O Estado imperial Toda esta estrutura piramidal hierrquica entre os ayllu e kuraka fora adotada pelo imprio inca. Fora a expresso mxima assumida por esta forma tradicional de poder: O imprio inca era somente uma espcie de enorme confederao de confederaes, organizando em escala nunca vista nos Andes tais operaes e exigindo trabalho nas terras do Inca e do Sol, espcies de super-kuraka e super-waka, mas fiis ao padro usual (CARDOSO, 1996, p. 101). Contudo, a dimenso e estrutura imperial do Estado incaico no devem ser desprezadas. A comear pelo seu smbolo maior: o Inca. Tal termo se refere mais estritamente ao imperador e seu imprio do que ao povo inca ou de Cuzco como um todo (CHASTEEN, 2001, p. 30). O soberano, ao assumir o poder, se apresentava como rfo e pobre, ou seja, um waqcha, renegando seus genitores e famlia. Abria mo de sua herana em proveito dos irmos preteridos na sucesso, a fim de formar seu prprio domnio e linhagem. Deste modo, cada reinado formava uma nova linhagem imperial (panaka) que recebia a herana do soberano e cultivava sua memria e feitos. Quando chegaram os espanhis em Cuzco, encontraram 11 linhagens imperiais, correspondentes aos 11 imperadores que governaram o imprio (FRAVE, 1998, pp. 51-52). A sucesso no se dava pelos padres europeus de hereditariedade: o imperador estava fora e acima das teias de parentesco; deste modo, da mesma forma que no tinha predecessores, no podia ter sucessores. Aps a morte (ou deposio) do imperador abriase uma disputa entre os pretendentes: filhos, irmos, sobrinhos, todos lutavam para alcanarem a franja escarlate maskapaicha o emblema imperial. Esta disputa transformava as panakas em faces hostis, despedaando a etnia inca. Apenas o mrito elevava o pretendente ao posto de imperador, pois o poder tinha de ser conquistado. Concludo o embate entre os litigiantes, era o vencedor investido do poder pelo grande sacerdote, transformando-se em Inca Filho do Deus Sol. Isto configurava o imprio como uma monarquia teocrtica, sendo o imperador considerado como um mediador privilegiado nas relaes deste mundo com o mundo sobrenatural. Tiveram os imperadores cada vez

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maior controle sobre a hierarquia sacerdotal, tendo Wayna Kapaq assumido o posto de sumo sacerdote e no mais se Histria da considerando como representante sagrado Amrica I do Sol, mas sua encarnao. Em termos administrativos o imprio era dividido em quatro quadrantes da seu nome: Twantinsuyu, ou quatro terras. O imperador tinha um conselho formado por quatro membros os apu que representavam e eram responsveis por cada seo do Twantinsuyu. Abaixo dos apu estavam os governadores provinciais tukriquq que residiam nas cidades principais de cada provncia, sendo o elo que unia o poder imperial s chefias locais. Cada quadrante era subdividido por um sistema decimal (10 mil, mil, cem e dez) de famlias, com funcionrios que fiscalizavam cada um dos degraus do sistema. Entre os funcionrios subalternos dos tukriquq achavam-se os tipukamayoqs, encarregados de registrar o efetivo das populaes sujeitas corvia e o transporte dos produtos frutos dela. Este registro se dava por meio de cordinhas com ns os kipus. Assim, o Estado tinha controle (inclusive realizando censos populacionais avanados para a poca) sobre o contingente de trabalhadores prestadores de trabalho a mita em suas terras e rebanhos, garantindo a posse de excedentes que eram canalizados para Cuzco, alimentando o brilho e luxo da capital. Mesmo a redistribuio da produo advinda da mita, nos moldes de reciprocidade, no encobria a apropriao realizada pela etnia incaica. Isto se observa por dois elementos. O primeiro se configura pela quase exclusividade detida pelos incas no exerccio dos cargos religiosos e administrativos. Inicialmente estes postos eram confiados aos membros das linhagens imperiais e dos ayllu de Cuzco que gravitavam em torno do monarca. No entanto, a etnia no se conformou numa classe dirigente, posto que os cargos e prerrogativas no fossem hereditrios, assim como as terras doadas pelo imperador como pagamento aos servios prestados eram apenas para usufruto, estando impedidas de serem alienadas ou passadas hereditariamente. Ademais, no incio do sculo XVI a burocracia comeara a receber elementos de outras etnias, assim como a prpria etnia inca fora se estendendo, englobando primeiro as tribos da confederao, depois as aldeias conquistadas mais prximas e antigas. O poder do soberano tambm era mantido mediante o apoio das chefias locais, que ganharam cargos a partir de Wayna Kapaq (FRAVE, 1998, p. 61). O segundo elemento que demonstrava a preponderncia dos Incas no imprio, bem como a ao transformadora do Estado em relao s prticas tradicionais fora a criao ou expanso de categorias de dominao especficas. Uma delas era composta pelos mitmaq. Estes advinham de populaes que pela sua insubordinao eram deslocadas parcialmente para outras regies do imprio, postas em meio a etnias que lhes eram hostis, posto que fossem obrigadas a dividir a terra com tais forasteiros. Os mitmaq, ao tempo que recebiam novas terras e pastagens, carregavam pesadas obrigaes para com o Estado. Outra categoria era a dos yana ou dependentes perptuos. Estes servos ligavamse exclusivamente ao imperador ou pessoas importantes dentro da mquina estatal, como chefes guerreiros ou altos funcionrios, os quais eram presenteados pelo soberano com um yana. Sua origem remonta s tradies precedentes de servido que existiam no mundo andino, porm fora imensamente alargada pelo imprio. Estes grupos de servos, segundo a tradio, vinham de uma populao prxima de Cuzco onde ocorrera uma violenta revolta,

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sendo castigados com a servido perptua, passada hereditariamente para um de seus filhos. No eram escravos em si, podendo ter bens e exercerem importantes funes dentro do governo e no servio prestado ao imperador. De qualquer forma, fora um contingente atrelado ao Estado e submisso aos desgnios deste. Alm dos mitmaq e yana havia uma terceira categoria com status especfico: a aqlla. Era fruto do recrutamento de moas muito jovens, quase crianas, encerradas nos monastrios do Sol, onde eram educadas por mulheres incas mais velhas. Aps a puberdade, algumas eram tomadas como esposas subsidirias do imperador, enquanto outras eram dadas pelo mesmo em sinal de gratido a personalidades de destaque. Entretanto, a maioria delas continuava a viver nos monastrios, em estrita castidade, a servio do culto solar. Alm das funes religiosas, tinham um papel econmico importante, trabalhando na fiao e tecelagem da l resultante dos rebanhos do Sol. Formavam, juntamente com os mitmaq e yana, uma considervel fora de trabalho a servio permanente do Estado. Por fim, com o passar dos anos, a sociedade sob domnio do Estado Imperial comeava a sofrer transformaes pela ao do mesmo, perdendo em parte os velhos valores comunitrios e dirigindo-se rumo a uma sociedade de classes cada vez mais estratificada: A ordem social que o Estado tendia a desenvolver manifestava claramente seu carter estratificado ao redor de Cuzco, onde a etnia inca se erigia em classe ociosa, graas aos numerosos dependentes que satisfaziam suas necessidades. [...] Era apenas questo de tempo a transformao de um Imprio tradicional em um grande Estado moderno. (FRAVE, 1998, p. 50)

A CULTURA ANDINAA cultura inca fora marcada pela influncia das civilizaes andinas precedentes. A religio fora a prova disto. Os povos andinos tinham por costume a adorao de grutas ou montanhas, transformadas em santurios (habitat das waka ou divindades tutelares). Tinham os Incas seu prprio santurio, a caverna umbilical de onde saram os antepassados mitolgicos da etnia Manko Kapa e seus irmos. A lenda afirma que Pachakuti o fundador do imprio retornou a esta caverna situada em Paqariqtampu e saiu pelo mesmo orifcio que dera passagem aos antepassados mticos. Quando subjugavam novos territrios e povos, os Incas costumavam respeitar suas divindades. Entretanto, impunham o culto ao deus Sol Inti, sendo esta a religio do Estado. Configurava-se como elemento de justificao do poder imperial, haja vista ser o Inca o Filho do Sol. Porm, a adorao ao Sol no fora inovao dos Incas, a Porta do Sol de Tiahuanaco o atesta. A inovao estava em transform-lo em culto oficial do Estado e difundi-lo por todo o imprio. Uma prtica de poder exercida pelos imperadores era o aprisionamento dos dolos que representavam as waka dos ayllu, na capital Cuzco. Assim como em relao aos filhos dos kuraka, que eram levados para Cuzco com o fito de serem educados pelos Incas, a posse da waka era um seguro contra revoltas e contestaes. Existiam tambm sacrifcios humanos, remota tradio andina, sendo, entretanto, mais comum os sacrifcios de animais, como os lhamas. A arquitetura tambm recebera as influncias anteriores. Cuzco, com seus inmeros palcios (cada imperador devia erguer seu prprio, onde posteriormente sua mmia era

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depositada), casas, templos e a fortaleza de Sacsahuaman, exemplifica Histria da a arquitetura monumental Amrica I incaica (interessante notar que o traado original da cidade era um desenho de puma). Todas estas obras eram possveis atravs da mita, que era prestada por milhares de camponeses recrutados para a consecuo das monumentais construes de grandes blocos de pedra. Porm, provavelmente onde mais se exigia o trabalho forado coletivo era nas obras hidrulicas e de construo das estradas que ligavam todo o imprio, de norte a sul. Ainda nisto os Incas copiaram civilizaes como a dos Chimus, que poca de seu imprio construram uma rede de estradas que interligava seu territrio, bem como inmeras obras de regadio de grande porte. Mais uma vez o mrito inca reside em aperfeioar estes empreendimentos, ao dispor de numerosa mo-de-obra nunca antes vista. Diversos entrepostos os tampu foram construdos como albergues para os funcionrios do Estado de passagem, bem como para servirem de bases para o correio imperial. Em cada tampu ficavam os chaski que corriam at o prximo entreposto levando as mensagens determinadas, sendo um sistema eficiente de comunicao para o seu tempo. As estradas entrecortavam as montanhas e vales, possuindo inmeras pontes pnsils. Grandes arquitetos, os Incas foram, tambm, grandes construtores de cidades, acelerando o processo de urbanizao. A justificativa ideolgica para a dominao imperial residia numa misso civilizadora mesmo argumento que posteriormente utilizaram os espanhis. Assim, deveriam difundir o urbanismo e as obras de regadio que o complementavam. Tambo Colorado, Machu Picchu, Ollantaytambo, entre outros stios arqueolgicos, exemplificam o esforo inca em difundir a vida urbana.

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Num relevo como o das Cordilheiras dos Andes, a irrigao por regadio em terraos era indispensvel para a manuteno dos centros urbanos. Estas obras de elevada engenharia arquitetnica j eram praticadas pelos povos precedentes, porm no perodo inca atingi