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    ANTROPOLOGIA

    CULTURAL

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    Antropologia

    Cultural

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    copyright FTC EaD

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    Reviso FinalCarlos MagnoCoordenao Joo JacomelEquipe Ana Carolina Alves, Cefas Gomes, Delmara Brito,Ederson Paixo, Fabio Gonalves, Francisco Frana Jnior,Israel Dantas, Lucas do Vale e Marcus BacelarEditorao Marcus BacelarIlustraes Fabio GonalvesImagens Corbis/Image100/Imagemsource

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    Pedro Daltro Gusmo da Silva

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    SumrioSumrioSumrioSumrioSumrio

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    Noo Antropolgica de Cultura 07

    Cultura e Histria 09

    ANTROPOLOGIA CULTURALEHISTRIA: NOESNECESSRIAS

    Abordagem Antropolgica do Conceito de Cultura 08

    10Etnocentrismo e Histria

    A Cultura e o Ser Humano 07

    ANTROPOLOGIA CULTURALESUASRELAESCOMAHISTRIAEA EDUCAO

    10O Que Etnocentrismo?

    Cultura e Escola 15

    16Pluralidade Cultural na Educao

    A Pluralidade cultural como tema transversal da educao brasileira 17

    A Pluralidade Cultural 15

    11E Voc Como Tem Enxergado o Outro?

    Ser Possvel Comparar Culturas? 10

    A Superao do Etnocentrismo 11

    A Diversidade Humana 11

    Raa, Etnia e Identidade 11

    Ento, o Que raa? Quando a utilizao desse conceito correta? Quais so as raas dos seres humanos? 12

    12Diferenas Entre Raa e Etnia

    Raa e Ideologia 12

    Cultura e Educao 15

    A Cultura e a Natureza

    ANTROPOLOGIA CULTURALE EDUCAO

    A Pluriculturalidade e o Ensino de Histria 17

    Aprendizagem e Multirreferencialidade 19O Positivismo de Auguste Comte 19

    O Positivismo e as Cincias 20

    Identidade 13

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    Antropologia

    Cultural

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    Quilombos Ainda Existem no Brasil 35

    A frica Antes dos Europeus

    36Ginga, a Rainha de Matamba e Angola: Uma Histria deResistncia em frica

    36

    Abordagem Multirreferencial e Educao 21

    Educao e Diversidade: A Experincia da Educao Indgenano Brasil

    O que torna as escolas indgenas diferentes dasDemais? Quais so suas caractersticas? Como adiversidade contemplada?

    Princpios da Educao Indgena

    23O Que Torna a Escola Indgena Diferente

    A prtica Educativa Indgena

    20

    22

    22

    23

    26A Cultura Indgena

    26Distribuio dos Povos Indgenas

    Pindorama: a Terra dos Indios 26

    Como Viviam? De que Viviam? Quais suas Crenas, rticas e Hbitos? 27

    28As Relaes Sociais nas Aldeias

    Os Povos Indgenas e sua Relao com Terra e Natureza 28

    O Etnocentrismo Europeu Prevalece na Relao com asNaes Indgenas 29

    FORMAO

    E

    PROCESSOS

    IDENTITRIOS

    NO

    BRASIL

    A INVENODAIDENTIDADE: QUEMBRASILEIRO?

    A Cultura Europia 29

    29Homens ao Mar: o Contexto da Expanso Martima

    30Por Mares Nunca Dantes Navegados: a Expanso Martima Portuguesa

    31O Escravismo BrasileiroA Cultura Africana 31

    De Onde e Como Foram Trazidos os Africanos para o Brasil 32

    34Aoites, Palmatria e Gargalheira: Castigos e Resistncia

    35O Smbolo de Resistncia Contra a Escravido: Palmares

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    Muitos Povos e Grande Diversidade 36

    37Formao cultural do Brasil ou brasileiros, quem somos ns?Em busca da identidade nacional

    37A Identidade Cultural Brasileira

    39O Que so Mitos e Como Surgem

    Construindo Mitos 39

    A Funo Social do Mito 40

    41Uma Democracia Racial: o Mito Brasileiro

    43Quem foi Gilberto Freyre

    44Racismo

    Racismo e Relao tnicos-Raciais no Brasil 44

    O BRASILIMAGINADO: UMADEMOCRACIARACIAL

    O Brasil Racista 46

    Que Informaes nos Traz essa Tabela? 47

    As Relaes tnicos-Raciais no Brasil 47

    Diversidade no Brasil Contemporneo:Desconstruindo Mitos 48

    Polticas de Ao Afirmativa: em Busca de Alternativas 49

    Polticas de Ao Afirmativa no Brasil: as Cotas Numricas 49

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    Antropologia

    Cultural

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    Apresentao da Disciplina

    Caro (a) aluno (a),

    Ol!Sabemos que a sociedade em que vivemos complexa e

    compreend-la em suas mltiplas relaes, em sua dinmica ediversidade necessidade vital para nossa formao.

    O que ser brasileiro? A partir de que momento a cultura brasileirapassou a existir? Afinal, somos um povo preguioso e sem vergonha?Somos somente o pas do carnaval? Fomos realmente abenoados porDeus? Somos uma democracia racial? Como compreender a diversidadecultural e socioeconmica existente em nosso pas?

    A disciplina Antropologia Cultural foi planejada para ajud-lo naconstruo de um ponto de partida em sua reflexo sobre nossa identidadecultural e social. Faremos isso discutindo as noes de cultura, raa, etnia

    e identidade, articulando-as anlise sobre a formao dos processosidentitrios, o racismo e as relaes tnico-raciais no Brasil ,contextualizando a representao do Brasil enquanto uma democraciaracial.

    Assim posto, longe de ditar verdades indiscutveis sobre os temasapresentados, propomos interpretaes possveis, buscando estreitar asrelaes entre esses conhecimentos e o seu cotidiano, para que vocpossa desfrutar de uma aprendizagem criativa, prazerosa e significativa.

    Vamos l?

    Miri Fonseca

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    ANTROPOLOGIA CULTURALESUASRELAESCOMA HISTRIA

    EA EDUCAO

    ANTROPOLOGIA CULTURALEHISTRIA:NOESNECESSRIAS

    Noo Antropolgica de Cultura

    A Cultura e a Natureza

    Existem na nossa vida situaes que foram impostas pela natureza e outras onde temosa oportunidade de fazer opes. Por exemplo, os peixes conseguem sobreviver no fundo domar porque possuem o organismo equipado para isso, ou seja, foi determinado pela natureza.No podemos escolher ter os pulmes e as nadadeiras como os peixes. No uma questode escolha.

    Agora, e se comprarmos uma passagem de submarino? A sim, podemos optar entre

    estar no fundo do mar ou no. Notou a diferena? O submarino foi criado pelo homem pormeio de sua inteligncia e trabalho criativo, conseguindo, assim, sobreviver no fundo do mar.Mais um exemplo: somos obrigados a comer. No existe liberdade para ignorar essa

    necessidade, apesar de alguns modelos tentarem. Sem alimento morremos. uma imposiobiolgica, natural. Entretanto, temos liberdade para escolher o nosso alimento.

    Bom, mas a nossa questo discutir a noo antropolgica de cultura.Ento, o que que isso tem a ver? que aprendemos que o homem um ser social. E

    a cultura uma das dimenses do processo social, uma construo histrica. No algonatural, no uma conseqncia de leis biolgicas ou fsicas. obra coletiva da vida humana.

    A Cultura e o Ser Humano

    Diversas vezes j ns deparamos com umaquesto: qual a diferena entre um animal e um serhumano? Ao fazermos essa indagao,percebemos que existem inmeras formas corretasde respond-la. Uma delas fazendo umacomparao entre os conceitos de natureza ecultura.

    Ns, seres humanos, fazemos parte danatureza: comemos, bebemos, respiramos,reproduzimos, envelhecemos e morremos. Domesmo modo que os animais.

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    Antropologia

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    Entretanto, somos capazes de trabalhar criativamente para superar oslimites impostos pela natureza. Ou seja, os seres humanos so capazes deproduzir cultura e de transmiti-la simbolicamente. Vamos voltar para o exemploda imposio biolgica de alimento; os animais tambm a possuem, pormapenas os seres humanos tm a capacidade de fazer culinria, escolher temperos,de utilizar novos ingredientes, de criar receitas novas.

    Um gato que foi criado na Frana iria miar diferente se fosse criado naRssia? Claro que no!

    No entanto, falar francs totalmente diferente de falar russo, e o sotaque baiano bemdiferente do sotaque paraibano. O miado faz parte da natureza do gato, mas os idiomas e ossotaques fazem parte da cultura humana.

    A histria da utilizao antropolgica do conceito de cultura tem origem na definio doantroplogo ingls Edward Tylor.

    Essa definio traz a oposio clssica entre natureza e cultura, na medida em que eleprocurou definir as caractersticas diferenciadoras entre o homem e o animal a partir doscostumes, crenas e instituies, encarados como tcnicas que possibilitam a vida social.

    Essa definio tambm marcou o incio do uso inclusivo do termo, continuado dentro da

    tradio dos estudos antropolgicos por Franz Boas e Malinowski, sobretudo na segundametade do sculo XX.Esse uso caracterizou-se pela nfase dada pluralidade de culturas locais, enfocadas

    como conjuntos organizados e em funcionamento, e pela perda de interesse na evoluo doscostumes e instituies, preocupao dos antroplogos do sculo XIX.

    Os elementos que compem o conceito de cultura indicam que ela est relacionada vida do homem, de um lado e, de outro, encontra-se em estado dinmico, no sendo estticasua permanncia no grupo.

    A cultura se aperfeioa, desenvolve-se, modifica-se continuamente, nem sempre demodo perceptvel pelos membros do prprio grupo. exatamente isso que contribui para o

    seu enriquecimento constante.Desse modo, dentro do conceito geral de cultura, possvel falar de culturas e, por isso,se identificam sentidos especficos segundo os quais a cultura antropologicamenteconsiderada:

    O homem portador de cultura; por isso, ele a criae a transmite.

    Abordagem Antropolgica do Conceito de Cultura

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    Cultura e Histria

    Que relaes podemos estabelecer entre cultura e histria? E a vinculao entre cultura,tempo e memria? As culturas permanecem as mesmas no decorrer do tempo?

    J afirmamos que cultura uma construo histrica, um produto coletivo da vida humana,uma das dimenses do processo social, uma vez que remete para as aes realizadas porindivduos e pelas coletividades, sendo, ento, resultado da histria de cada sociedade.

    Cada pessoa possui a sua prpria histria.Nossas histrias so diferentes umas das outras, entretanto no acontecem separadamente.

    Esto vinculadas ao grupo social a que pertencemos, ao lugar e ao tempo em que vivemos e aonosso modo de vida; finalmente, relacionam-se cultura da qual fazemos parte.

    A percepo do outro (diferente) e do ns (parecido) distinta em cada cultura e notempo. Ela est subordinada a informaes e valores sociais historicamente estruturados. sempremediada por procedimentos e experincias pessoais e da sociedade em que se vive.

    A diversidade dos processos culturais est relacionada com o contexto histrico em queso produzidos.

    As variaes nos modelos familiares, no modo de produzir a subsistncia, no vesturio,no so naturais. So produtos de sua histria, vinculados s condies materiais e imateriais desua existncia.

    Todas as culturas esto em incessante processo de reelaborao, introduzindo,modernizando seus valores, ajustando seu patrimnio tradicional s novas situaes historicamenteconstrudas pela sociedade.

    Neste sentido, a histria tambm registra as transformaes por que passam as culturas,sejam motivadas por suas foras internas, seja em conseqncia dos conflitos e contatos entre asmais diversas sociedades humanas.

    Vamos analis-los?

    a cultura entendida como modos de vida comuns a toda a humanidade, como alinguagem (todos os homens falam, embora sejam diversos os idiomas ou lnguas);

    cultura entendida como modos de vida caractersticos a um grupo de sociedade com

    maior ou menor grau de interao. Existem diversas sociedades que possuem um mesmoelemento cultural, como, por exemplo, o idioma ingls, falado por vrias naes;

    cultura entendida como padres de comportamento peculiares a uma dada sociedade;como os padres culturais que caracterizam o comportamento da sociedade baiana;

    por fim, cultura entendida como modos especiais de comportamento de segmentosde uma sociedade complexa. A sociedade baiana possui valores culturais comuns a todosseus integrantes. Dentro, porm, dessa sociedade encontram-se elementos culturais restritosou especficos a determinados grupos que a integram. So certas caractersticas que, dentro

    da multplice sociedade baiana, apresentam os cantores de hip-hop.

    Esses sentidos permitem verificar a diferenciao entre os diversos grupos humanos.Tal diferenciao resulta de processos internos ou externos, uns e outros atuando de maneiradiversa sobre o fenmeno cultural.

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    Antropologia

    Cultural

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    Etnocentrismo e Histria

    O que etnocentrismo?

    Vocs j tiveram contato com esse tema quando estudaram as abordagens

    sociopolticas da educao. Vamos aprofund-lo.Oetnocentrismo consiste em privilegiar um conjunto de representaes,apresentado-o como modelo, reduzindo insignificncia os demais modelos e culturasdiferentes.

    um fenmeno universal, manifestando-se em todas as pocas e em todas asculturas. Centrados na nossa prpria cultura, revelamos uma incapacidade de entender odiferente.

    Dessa forma, o outro incorporado ao nosso universo mental de acordo com os nossosprprios valores.

    Evidentemente, isso um obstculo tambm para compreender outras pocas e noapenas outros povos.

    essa maneira de compreender o universo que nos leva, s vezes, a tentar impornossos valores aos nossos alunos, gerando alguns conflitos e aquele sentimento que em meutempo as coisas eram diferentes.

    Observando historicamente...

    O etnocentrismo tem sido responsvel por um longo processo de incompreenso entreos povos.

    Uma vez que, em contato com outro povo, nossa tendncia avaliar seus elementosculturais a partir de nossos prprios valores.Centrado nos valores da nossa prpria cultura, temos dificuldade de avaliar outra a

    partir dela mesma.Vamos v-lo no nosso cotidiano: o cristo, considerando a sua religio como a nica

    autntica, utiliza suas crenas como paradigma para avaliar as crenas diferentes da sua.A partir desse ponto de vista, qualquer f distinta da crist considerada resultado da

    ignorncia, superstio, da ingenuidade, da ao de foras do mal, etc.Ento, o cristo considera que ter tudo a ensinar sobre religio aos portadores dessas

    diferentes crenas, mas no ter nada a aprender com eles.

    Ser Possvel Comparar Culturas?

    Consideramos que no possvel comparar duas culturas diferentes para tentarestabelecer a superioridade de uma em relao a outra, uma vez que o nosso julgamentoseria limitado pelos nossos valores.

    Desse modo, os homens brancos podem achar que os indgenas so inferiores porqueno dominam as tecnologias das armas de fogo, dos veculos, da eletricidade, etc., entretantoos indgenas tambm podem considerar os brancos inferiores porque vivem atormentadospelo infinito desejo de lucro e de acmulo de riquezas, por exemplo, e no podem descansarou viver tranqilamente.

    Tudo depende do ponto de vista... Vejamos...

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    E VE VE VE VE Voc, Como Toc, Como Toc, Como Toc, Como Toc, Como Tem Enxem Enxem Enxem Enxem Enxererererergggggado o outrado o outrado o outrado o outrado o outro?o?o?o?o?

    A superao do etnocentrismo

    A superao do etnocentrismo no ocorre apenas com o desenvolvimento da tolerncia.No! A superao do etnocentrismo exige o conhecimento do outro. Partindo da constataode que existe uma igualdade intrnseca a todos os povos, entre todos os seres humanos.

    Parte ainda do conhecimento histrico que mostra que nenhum povo pode atribuir suacultura apenas a si mesmo, pois as trocas so constantes.

    Reconhecer o outro significa ver nele uma semelhana, ter com ele uma identidade.Perceber que o que diferente pode ser entendido.

    Para superar o etnocentrismo no ensino de histria a primeira atitude (re)conhec-lohistoricamente, torn-lo objeto de estudo, desvendando como foram definidos os temas ecomo foram feitas as escolhas que constituem a histria que ensinamos hoje.

    Raa, Etnia e Identidade

    A diversidade humana

    Voc j deve ter percebido que existe entre ns seres humanos uma enorme diversidadena aparncia fsica, diferimos na cor da pele, na altura, na forma dos olhos, no cabelo, no sexoe em muitas outras caractersticas fsicas.

    Igualmente diferimos em nossas crenas religiosas, nossos valores, nos padresculturais, nos modos de estabelecer os laos familiares, no modo como assumimos os papisde homem e mulher e em tantos outros aspectos da organizao da vida em sociedade.

    Da mesma forma, somos diversos nas peculiaridades de nosso mundo subjetivo. Maisainda, dentro de uma sociedade, o acesso s riquezas materiais e simblicas resulta emdiferentes possibilidades de organizar a vida.

    Para identificar determinado grupo, muitas pessoas utilizam o termo raa, referindo-

    se, por exemplo, a raa negra, raa branca, raa nobre, raa de guerreiros.Entretanto, em nenhum desses exemplos a idia de raa corresponde a sua noo

    cientfica.

    Fonte: www.xaxado.com.br

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    Antropologia

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    Ento, o que raa? Quando a utilizao desse conceito correta? Quais so as raas dos seres humanos?

    A idia de raa est baseada em critrios que procedem da gentica, daanatomia, da fisiologia e da patologia. Faz referncia a um grande agrupamento

    natural humano, que se distingue pela diversidade de caractersticas.Em sua origem, o conceito de raa veio do italiano razza que, por suavez, veio do latim ratio, que significa categoria, espcie. Na histria das cincias

    naturais, o conceito de raa, foi primeiramente, usado na Zoologia e na Botnica para classificaras espcies animais e vegetais.

    Apesar da espcie humana constituir uma espcie nica, o conceito de raa tem sidoutilizado para afirmar a superioridade de algumas culturas. Podemos observar que o conceitode raa, tal como o empregado na contemporaneidade, nada tem de biolgico.

    Raa e ideologia

    um conceito carregado de ideologia e, como todas as ideologias, ele oculta um fatono anunciado: a relao de dominao e de poder.

    A desconstruo cientfica da raa biolgica no faz sumir a certeza da raa simblica,da raa percebida e invariavelmente interpretada. Logo, se para a biologia a noo de raa ultrapassada, sua importncia no pode ser negada.

    Porque a raa, queira ou no, permanece sendo um elemento maior da realidade social,uma vez que utiliza, a partir de caractersticas fsicas aparentes, formas coletivas dediferenciao classificatria e hierrquica que podem gerar atitudes discriminatrias e racistas.

    Diferenas entre raa e etnia

    A noo de raa possui um contedo biolgico, j a de etnia scio-cultural, histrico epsicolgico. Em um grupo dito raa branca, negra e amarela, podem estar contidas vriasetnias.

    Uma etnia , um conjunto de indivduos que, histrica ou mitologicamente, tem umancestral comum; tem uma lngua em comum; uma mesma religio, uma mesma cultura eocupam geograficamente um mesmo territrio.

    Etnia ou grupo tnico indica um grupo social que se diferencia de outros por sua

    especificidade cultural. Hoje, esse conceito se estende a todos os grupos minoritrios quemantm modos de ser diferente e formaes que se distinguem da cultura dominante.

    Nas pesquisas relacionadas s relaes raciais e intertnicas, tem-se substitudo oconceito de raa pelo de etnia, considerado mais adequado que o de raa em termos dediscurso politicamente correto.

    Entretanto, essa substituio no altera em nada a realidade do racismo, porquantono aniquila a relao hierarquizada entre culturas diferentes que um dos constituintes doracismo.

    Desse modo, tanto o conceito de raa quanto o de etnia so hoje ideologicamentemanipulados.

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    Identidade

    A idia de identidade relativamente nova na histria das sociedades.Aparece no Iluminismo e vai conquistando espao na medida em que as discusses

    sobre a individualidade ganham importncia.No incio, se pensava em um eu monoltico e imutvel. Posteriormente, veio a noo

    de um sujeito que se estrutura a partir de relaes com outros sujeitos.Por ltimo, h a concepo de indivduo ps-moderno, na qual a identidade no fixa

    ou permanente. A pessoa tem identidades mltiplas e as utiliza de acordo com o papel queexerce em um determinado momento.

    A identidade formada pela viso que temos de ns mesmos e tambm pela formaque o outro nos v, sendo a identidade atribuda ao indivduo ou adquirida por ele. Ela sempre apreendida por um processo de interao com outros.

    So outros que o identificam de certa maneira.S depois que uma identidade ratificada pelos outros, que pode tornar-se real para

    o indivduo ao qual pertence.

    Em outras palavras, a identidade resulta do intercurso da identificao com a auto-identificao. Assim, at mesmo as identidades so deliberadamente constitudas pelo prprioindivduo.

    A identidade cultural construda com fundamento na tomada de conscincia dasdiferenas procedentes das especificidades histricas, culturais, religiosas, sociais.

    Texto Complementar

    [...] Mas, existem idias que se contrapem ao etnocentrismo. Uma das maisimportantes a da relativizao. Quando vemos que as verdades da vida so menos umaquesto de essncia das coisas e mais uma questo de posio: estamos relativizando.

    Quando compreendemos o outro nos seus prprios valores e no nos nossos: estamosrelativizando. Enfim, relativizar ver as coisas do mundo como uma relao capaz de ter tidoum nascimento, capaz de ter um fim ou uma transformao. Ver as coisas do mundo como arelao entre elas. Ver que a verdade est mais no olhar que naquilo que olhado. Relativizar

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    Cultural

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    no transformar a diferena em hierarquia, em superiores e inferiores ou embem e mal, mas v-la na sua dimenso de riqueza por ser diferena.

    A nossa sociedade j vem, h alguns sculos, construindo umconhecimento ou, se quisermos, uma cincia sobre a diferena entre os sereshumanos. Esta cincia chama-se Antropologia Social. Ela, como de resto quasetodas as atitudes que temos frente ao outro, nasceu marcada pelo etnocentrismo.

    Ela tambm possui o compromisso da procura de super-lo.Diferentemente do saber de senso comum, o movimento da Antropologia no

    sentido de ver a diferena como forma pela qual os seres humanos deram solues diversasa limites existenciais comuns. Assim, a diferena no se equaciona com a ameaa, mas coma alternativa. Ela no uma hostilidade do outro, mas uma possibilidade que o outro podeabrir para o eu.

    ROCHA, Everardo P. Guimares. O que etnocentrismo. So Paulo: Brasiliense, 1999. Col.Primeiros Passos.

    Atividade Complementar

    11111.....Comente, atravs da elaborao de um texto dissertativo, utilizando as informaescontidas no Bloco 1 e a sua experincia pessoal, sobre cada uma das idias abaixo:

    cultura e histria

    etnocentrismo e relativizao

    2.2.2.2.2. Identifique atitudes etnocntricas que podem ocorrer na relao de aprendizagem.

    3.Para viver democraticamente em uma sociedade plural preciso respeitar os diferentesgrupos e culturas que a constituem. Explique como o ensino de histria pode contribuir paraque esse fato acontea.

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    ANTROPOLOGIA CULTURALE EDUCAO

    Cultura e Educao

    De todas as prticas, a educao a mais humana, examinando-se a profundidade ea extenso de sua influncia na existncia da humanidade.

    Sendo, desde o aparecimento do homem, sua prtica fundamental, caracterizando omodo de ser cultural destes em contrapartida ao modo natural de existir dos demais seresvivos.

    Cultura e escola

    A educao promovida pela escola diferencia-se de outras prticas educativas, comoas que ocorrem na famlia, no trabalho, no lazer e nas demais formas de convvio social, pelasua intencionalidade como objetivo de proporcionar o desenvolvimento e a socializao decrianas, jovens e adultos.

    Numa concepo democrtica, compreende-se a educao escolar como responsvelpor produzir condies para que todas as pessoas expandam suas capacidades e apreendamcontedos necessrios para organizar instrumentos de compreenso da realidade e paraparticipar de relaes sociais cada vez mais complexas e diversificadas.

    A Pluralidade Cultural

    A diversidade caracteriza a vida cultural e social do Brasil. A sua constituio histrica determinada pela influncia de diversos povos, culturalmente bastante diferentes.Pertencemos a uma mesma nao e estamos sobre a gide do mesmo Estado. Porm, existeuma multiplicidade de culturas entre ns, que representada nas diferenas entre as formasde viver do Nordeste e do Sul, do litoral e do interior do pas, entre os povos originrios deoutros continentes, entre as populaes rurais e urbanas, entre os jovens e os adultos.

    H entre os brasileiros uma abundncia de experincias humanas que forma um dosmaiores patrimnios nacionais. Todavia, o predomnio da discriminao, as imensasdesigualdades sociais, polticas e econmicas, os preconceitos e a intolerncia reduzem as

    possibilidades dessa pluralidade se manifestar.Refletir sobre pluralidade cultural significa destacar uma questo muito intrigante: por

    que ns, humanos, mesmo fazendo parte de uma nica espcie biolgica, desenvolvemosmodos de vida to diversos e conflitantes?

    Ao investigarmos algumas possveis explicaes, podemos pensar tambm nasmaneiras de convvio com as diferenas humanas para o desenvolvimento de nosso modo deviver.

    Pensar sobre pluriculturalismo nos remete a refletir sobre como tratamos as diferenasem nossa sociedade, seja ela de qualquer espcie, sobre o reconhecimento da nossaheterogeneidade tnica, cultural e social.

    Reconhecemos que a pluralidade cultural significa o acmulo das experincias e dasconquistas humanas. Contudo, nem todas as diferenas so positivas. Quando elas sotransformadas em desigualdade existe uma necessidade de serem analisadas com maiorprofundidade.

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    Nas mais diversas sociedades e entre povos h relaes de desigualdadee dominao em que alguns grupos sociais acumulam bens materiais, saberes,prestgio e poder ao mesmo tempo em que obstruem acesso dos demais a essasriquezas. Voc deve se lembrar que estudando histria observamos incontveisexemplos disso, como o extermnio fsico e cultural de vrios povos indgenasque habitavam o litoral brasileiro antes da presena portuguesa, a violncia que

    significou a escravido ou as mais diversas formas de pobreza que convivemcom a riqueza em nossas cidades.

    Pluralidade cultural na educao

    Sendo um reflexo da sociedade na qual est inserida, a escola carrega as suascaractersticas. Nela a diversidade est presente diretamente naqueles que a constituem.

    No obstante, no cotidiano escolar brasileiro, essa presena tem sido ignorada, reduzidaou omitida.

    Isso tem ocorrido principalmente por conta da noo transmitida na escola que nasociedade brasileira no existem diferenas, que o povo brasileiro foi constitudo a partir dondio, morador mais antigo; dos brancos colonizadores; dos negros que para c foram trazidoscomo escravos; e dos imigrantes, que encontraram aqui espao para construir uma nova vida.

    Noo tambm veiculada pelos livros didticos, anulando a diversidade cultural e, svezes, submetendo uma cultura a outra.

    Difundiu-se, ento, uma idia de homogeneidade cultural, desconsiderando as inmerascontribuies que construram e constroem a nossa identidade nacional.

    Alm disso, o mito da democracia racial, falaremos mais sobre isso no prximo Bloco,encobre as discriminaes realizadas com base nas diferenas, que ficam escondidas sob omanto de uma igualdade que no se realiza, impulsionando para uma regio sombria a vivncia

    do sofrimento e da excluso.Da mesma forma, algumas correntes pedaggicas tambm auxiliaram no processo

    discriminatrio na escola, principalmente por parte dos professores.Hipteses que asseveravam a noo de carncia cultural, embora atualmente

    desaprovadas, deixaram marcas significativas na prtica docente explicando o fracasso escolars e exclusivamente pela falta de condies dos alunos.

    Nessa perspectiva, acontecem manifestaes discriminatrias entre toda comunidadeescolar: alunos, professores e nos funcionrios, de modo geral.

    Ainda que a diversidade sempre tenha estado presente nas salas de aula na formaoheterognea das turmas, nos diferentes ritmos de aprendizagem, nas mltiplas opes

    religiosas, nas vrias realidades sociais e culturais , a preocupao em atender a todos,sem exceo, recente nas escolas brasileiras.Nestas circunstncias, uma educao dirigida para agregar a diversidade cultural no

    cotidiano pedaggico tem despontado em debates e discusses nacionais e internacionais,procurando questionar projetos tericos e implicaes pedaggico-curriculares de umaeducao que tenta trabalhar as diversas identidades no mbito da educao formal.

    No Brasil, este debate assume especial importncia no contexto da elaborao de umaproposta curricular nacional - os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997), que incluempluralidade cultural como um dos temas a serem desenvolvidos.

    Esse documento, norteador da educao no pas, apresenta uma idia positiva dadiversidade cultural, como riqueza humana a ser explorada, fonte de conhecimento e densomaterial a ser utilizado nas escolas em praticamente todas as reas do conhecimento.

    O tema da diversidade no reduzido a uma crtica ao preconceito, discriminao eao racismo, o que tambm deve ser feito e se inclui no documento.

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    Existe, principalmente, uma valorizao construtiva da multiplicidade de povos, culturase tradies existentes no Brasil, ainda no suficientemente conhecidos e estudados no sistemaescolar do Pas, muitas vezes nem sequer reconhecidos.

    Uma das suas propostas a contestao da noo de homogeneidade inevitvel enecessria da sociedade brasileira, reduzindo-a a uma nica lngua, a uma religio, a umnico modo de ser.

    Num pas de enorme diversidade tnica e cultural, com metade da populao de origemno europia (africana, indgena, asitica ou outra), a homogeneidade por acaso existentedeve ser justificada como resultado de um processo colonial e escravocrata, autoritrio, domassacre e extermnio dos povos.

    Enfim, relacionar pluralidade cultural e educao implica em repensar a dinmica dasrelaes sociais entre professor e alunos e de se reconhecer como um ser plural ator, sujeito eproduto de uma histria local.

    Por conta da sua insero nas relaes scio-culturais, a escola no pode se esquivarda responsabilidade de atuar no sentido de pensar, compreender e empenhar-se com o objetivode buscar um ensino voltado para prticas democrticas de respeito e tolerncia s diferenas,

    cada vez mais postas mostra no contexto da sociedade global, na qual a grande marca adiversidade.

    A pluralidade cultural como tema transversal da educao brasileira

    Voc j conseguiu perceber ento onde est a transversalidade desse tema naeducao? Por que ser necessrio que ele perpasse todas as reas do saber?

    A sociedade contempornea, dita da informao e do conhecimento, requer que seenfrente a heterogeneidade e que se distinga as peculiaridades dos grupos e das culturas,seus valores, interesses e identidades.

    Simultaneamente, ela exige que o reconhecimento da diversidade no justifique relaesde submisso, dominao, desigualdade ou preconceito.

    Neste contexto, uma educao multicultural voltada para a incorporao da diversidadecultural deve ser levada em considerao em prticas pedaggico-curriculares voltadas construo de uma sociedade democrtica e ao desenvolvimento da cidadania crtica eparticipativa.

    Posto assim, os temas transversais permitem um elo de discusso entre as diversasreas de estudo, assumindo um carter interdisciplinar, para que passem todas a servir a umprojeto social. Este projeto se organiza atravs da discusso de temas que esto relacionados

    a um contexto poltico e social especfico.So um recurso de trabalho para o desenvolvimento de currculos mais significativos e

    flexveis, fazendo dos contedos acadmicos estudados na escola um instrumento para pensarquestes socialmente relevantes para aquela determinada comunidade escolar.

    A pluriculturalidade e o ensino de histria

    A histria, enquanto rea de conhecimento, tem passado por transformaessignificativas ao longo do tempo. Antigos princpios tm dado lugar a novas abordagens, objetose problemas, enfim, a novas preocupaes.

    Diversas abordagens terico-metodolgicas tm se destacado, enfatizando aproblematizao do social, procurando ora nos grandes movimentos coletivos, ora nas

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    particularidades individuais, de grupos e nas suas inter-relaes, o modo de

    viver, sentir, pensar e agir de homens, mulheres, trabalhadores, que produzem,

    no dia-a-dia, ao longo do tempo, as prticas culturais e o mundo social. (PCN Histria, 1998:30)

    Uma das crticas mais diligente e importante tem sido ao eurocentrismopresente nos modos usuais de ensinar e pesquisar histria, perspectiva cada

    vez mais inadequada a um mundo policntrico, sobretudo quando se valoriza omulticulturalismo.

    Concomitantemente s novas temticas desenvolvidas pelos historiadores, o ensinode histria incorporou tambm as discusses sobre a aprendizagem que salientavam o papeldo aluno (aprendente) enquanto sujeito e construtor do saber.

    Ainda segundo o PCN Histria 1998:28, nas ltimas dcadas, passaram a serdifundidas percepes diferentes do processo de aprendizagem (...) e das funes sociais e

    culturais atribudas escola e ao professor.Atualmente, muitas pesquisas apontam que o processo de ensino deve orientar-se como

    os alunos elaboram a representao pessoal com os contedos com os quais interagem.

    Nessa perspectiva, o professor quem organiza as situaes de aprendizagem e quemestabelece a mediao entre o aprendente e o que vai ser aprendido.Nesse processo, o professor tem um papel muito caracterstico. Atua como instigador e

    mediador, promovendo momentos de aprendizagem que seapiam na circulao de saberes e conhecimentos entre o sujeitoque tenta compreender o mundo e o outro que se interpe entreambos.

    A nfase, neste caso, no recai nem sobre o professornem sobre o aluno, mas sobre a relao que se estabelece entreambos. O educador, nesta tica, seria aquele que estabeleceuma ponte entre a cultura particular do aluno e os valores culturaisda sociedade, em sentido mais amplo.

    Um caminho trabalhar sempre articulado aoconhecimento dos alunos sobre o sentido do tempo e do espao,

    ao mesmo tempo; e de forma comparativa, com os sentidos dados por outras culturas. Aaprendizagem da Histria deve partir do que est mais prximo da realidade do aluno.

    Sem perder suas especificidades, o ensino da Histria deve abrir-se s categorias deconstruo de outros conhecimentos: literrios, lingsticos, semiolgicos, filosficos,psicolgicos, etc.

    Posto assim, propor o ensino de histria na perspectiva da diversidade e superaodas desigualdades, coloca imediatamente a questo da formao dos professores. Para

    desenvolver sua prtica, os professores precisam tambm se desenvolver enquantoprofissionais e sujeitos crticos na realidade em que esto.

    Tradicionalmente, a formao dos professores brasileiros no contemplou esse aspecto.A maior parte das instituies de formao inicial no inclui currculos voltados para a formaopoltica nem para o tratamento das questes socioculturais.

    Outrossim, a pluralidade cultural, como tema transversal, no deve se esgotar no ensinode Histria, mas pode e deve estar presente em todas as disciplinas. No importa a rea deatuao.

    Sob a perspectiva de um vis multirreferencial e interdisciplinar, o ensino de histriadeve estar assentado numa relao de mutualidade, interao, de dilogo e de uma mudana

    de atitude perante a questo do conhecimento; propondo a substituio do ensino fundamentadona tradio epistemolgica disciplinar, fragmentria e especializante do projeto cartesianodas idias claras e distintas pela viso unitria do ser humano.

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    Cabe ao professor na construo do seu ambiente de aprendizagem dialogar com asdiferenas, criando condies de arregiment-las para implementar o aprendizado, onde oprojeto didtico principal se aproximar o mximo das cosmovises dos alunos, no paraassumi-las de maneira inerte, mas trabalhar dinamicamente com elas, com todos os meiosque a educao contempornea fornece para educarmos na diversidade.

    Afinal, o ensino da Histria deve ajudar as pessoas e os povos a se tornarem mais

    crticos, mas, ao mesmo tempo, mais solidrios e mais felizes, e, principalmente, maisrespeitosos em relao s diferenas, mais abertos ao ser plural como possibilidade para oredesenho de um novo humanismo.

    Aprendizagem e Multirreferencialidade

    A abordagem multirreferencial foi delineada inicialmente por Jacques Ardoino, professorda Universidade de Vincennes (Paris VIII), e seu grupo de trabalho. Em diversos momentos desua obra, Ardoino sinaliza que o surgimento da idia da abordagem multirreferencial no mbitodas cincias humanas e, particularmente, da educao, est diretamente relacionada com o

    reconhecimento da complexidade e da heterogeneidade que caracterizam as prticas sociais.Essa abordagem pode ser considerada como umarplica s crticas encaminhadas aosmodelos cientficos organizados a partir do racionalismo cartesiano e do positivismo comteano.

    Uma vez que ele toma a pluralidadecomo ponto de partida para estabelecer os princpiosque a subsidiam e, mais ainda, traz em si mesma a marca da heterogeneidadecomo o eixoprincipal na construo do conhecimento.

    O Positivismo de Auguste Comte

    Vamos conhecer um pouco mais sobre as idias de Comte e do positivismo para

    compreender porque a abordagem multirreferencial surge como uma crtica a esse modelo deconstruo do conhecimento e compreenso da realidade?

    Vrios filsofos do sculo XIX refletiram sobre a vitria da modernidade, do modo deproduo capitalista, da indstria, da cincia e da tecnologia. Um desses pensadores foi ofrancs Auguste Comte (1798-1857), criador da doutrina positivista.

    Comte acreditava que todas as grandes transformaes na histria das sociedadeshumanas ocorreram como conseqncia do desenvolvimento do conhecimento. Quanto maisos homens aprendem, mais felizes se tornam. Para ele, o progresso filho direto do saber.

    Para Comte, a humanidade s atingiria seu grau superior de evoluo, que eledenominava de estado positivo, quando todas as idias e aes humanas fossem

    fundamentadas na cincia. Logo, o nico conhecimento verdadeiro o conhecimento cientfico,e as duas principais caractersticas pretendidas em direo a um conhecimento positivo darealidade humana seriam: a objetividade e a neutralidade.

    Filsofo francs, Auguste Comte consideradopor alguns como o pai da Sociologia. Auguste Comtenasceu em Montpellier, na Frana, em 1798.

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    O Positivismo e as Cincias

    No desenrolar da histria do pensamento filosfico ocidental, a noo de uma realidadeimutvel, externa ao sujeito do conhecimento, tornou-se dominante.

    Nesse sentido, nos sculos XVII e XVIII, as duas perspectivas epistemolgicas principais, oracionalismo e o empirismo, no obstante suas discordncias, partilhavam duas premissasfundamentais: separao radical entre o sujeito e o objeto do conhecimento; e uma relao lineare isomrfica do conhecimento com a realidade.

    Tais premissas foram recuperadas e radicalizadas, no sculo XIX, pela perspectiva positivistaque ento se torna a referncia epistemolgica dominante nas cincias modernas.

    Japiassu (1975) afirma que no momento da sistematizao das cincias humanas elasbuscaram seu reconhecimento e sua legitimidade como cincias apoiando-se em modelos entoconsagrados pelas cincias naturais.

    Procurar nas cincias naturais as condies para garantir a autenticidade cientfica fez com

    que as cincias humanas assumissem as premissas das cincias naturais, incorporando umaperspectiva epistemolgica e, em conseqncia, uma perspectiva metodolgica que no lhe prpria, o que no permite explicitar os fenmenos humanos em sua profundidade em suacomplexidade.

    Uma vez que o ser humano se caracteriza por uma mltipla determinao de fatores: sociais,econmicos, polticos, psquicos, etc., o que o define como complexo, as abordagens que seinspiraram no cartesianismo ou mesmo no positivismo, procurando no reducionismo a compreensopara os fenmenos humanos, deparam-se constantemente com os limites que essas atitudesepistemolgicas lhes impem, terminando por produzir um conhecimento fragmentado e superficial.

    Em contra partida, a perspectiva multirreferencialpretende estabelecer um novo olhar sobre

    o humano, mais plural, a partir da reunio de diferentes correntes tericas, o que se configura emnova perspectiva epistemolgica na construo do conhecimento sobre os fenmenos sociais,principalmente os educativos.Buscando uma nova perspectiva para a compreenso dos fenmenoseducativos: a da pluralidade e da heterogeneidade.

    Resumidamente, o positivismo apresenta as seguintes caractersticas:

    separao excludente entre sujeito e objeto de estudo;

    a subjetividade e a afetividade so consideradas de modo pejorativo comofonte de erro;

    supervalorizao do mtodo e desprezo pela teoria e interpretao: visoinstrumentalista do conhecimento;

    crena no empreendimento cientfico como algo neutro, objetivo;

    o mtodo cientfico considerado de forma monoltica: o que varia so os objetosde estudo, o mtodo de investigao o mesmo para todas as cincias;

    os objetivos da cincia seriam a descrio imparcial, a predio e o controle

    sobre a realidade.

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    Abordagem multirreferencial e educao

    Considerando a complexidade dos fenmenos educativos, a abordagemmultirreferencial prope que o conhecimento sobre os mesmos deve ser construdo atravsda unio e aproximao das vrias reas do saber, assim inscrevendo-se num universo dialticoe dialetizante, no qual o pensamento e o conseqente conhecimento so gerados em sucessivomovimento, num persistente ir e vir, o que possibilitar a criao e, com ela, a prpria construodo conhecimento.

    A noo de multirreferencialidade indica para a imediata necessidade de novosparadigmas interpretativos, de novos caminhos terico-metodolgicos e filosficos quepriorizem a anlise dos fenmenos educativos onde se desenvolve a sensibilidade, acompreenso dos processos identitrios culturais, o desabrochar da subjetividade e daintersubjetividade, da alteridade e das contradies.

    Compreender a necessidade de uma viso mltipla para o entendimento dos fenmenoseducativos requer um rompimento com o pensamento linear, unitrio e reducionistacaracterstico do paradigma da simplicidade, e privilegiar o heterogneo, como ponto de partida

    para a construo do conhecimento.

    Educao e Diversidade: a experincia da educao indgena noBrasil

    Contextualizando...

    As relaes entre os povos indgenas e o Estado brasileiro tm uma histria na qual sepode verificar duas vertentes: a de dominao, por meio da incluso e homogeneizao cultural,e do pluralismo cultural.

    Essas vertentes formam a estrutura da poltica governamental desenvolvida a cadamomento da histria brasileira.

    At recentemente, a noo de integrao consolidou-se na poltica indigenista do Brasil,perdurando, em sua essncia, desde o perodo colonial at o final da dcada de 80 do sculoXX. Com a promulgao da Constituio Federal de 1988, um novo marco se constri.

    A poltica integracionista comeava a reconhecer a diversidade das sociedades

    indgenas que havia no pas, entretanto sinalizava como ponto de chegada o fim dessadiversidade.Toda pluralidade tnica seria anulada ao se incorporarem os ndios sociedade nacional.

    Ao se tornarem brasileiros, tinham de abandonar sua prpria identidade.O Estado brasileiro pensava em uma escola para os ndios que tornasse possvel a

    sua homogeneizao. A escola deveria transmitir os conhecimentos valorizados pela sociedadede origem europia. Nesse modelo, as lnguas indgenas, quando consideradas, deviam servirapenas de traduo e como instrumento para facilitar a aprendizagem da lngua portuguesa edos contedos valorizados pela cultura nacional.

    A partir da metade da dcada de 70, iniciavam mudanas nesse contexto. Acontece a

    mobilizao de segmentos da populao brasileira para criao de associaes de apoio ecolaborao com os povos indgenas. O movimento indgena no Brasil comea a tomar forma,fazendo parte do amplo movimento de reorganizao da sociedade civil que caracterizou osltimos anos de ditadura militar no pas.

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    Vrias comunidades e povos indgenas, superando o processo dedominao e perda de seus contingentes de populao, passam a se reorganizarpara fazer frente s aes integracionistas do Estado brasileiro.

    Em conseqncia, estabelece-se uma articulao entre as sociedadesindgenas e organizaes no-governamentais, com mudanas importantes paraa afirmao dos direitos indgenas, abrindo espaos polticos e sociais para que

    a questo indgena se impusesse no pas, exigindo transformaes.A escola indgena ou escola para os ndios comeou a ser pensada

    dentro de um panorama de luta por direitos humanos e sociais. Foi reconhecida a relao daeducao como direito de se apresentarem as vrias culturas e experincias sociais e polticasdos povos indgenas e os problemas decorrentes do seu contato com a sociedade mais ampla.

    Foram os primeiros sinais contrrios poltica educacional governamental de estruturaintegracionista. A partir dos anos 80, sucederam-se projetos alternativos de educao escolarindgena.

    A Prtica Educativa Indgena

    Todas as naes indgenas possuem seus processos caractersticos de socializao ede formao das pessoas, arregimentando agentes que tenham objetivos educacionais.

    As ocasies e atividades de ensino-aprendizagem pactuam espaos e tempos formaise informais, com concepes prprias sobre o que deve ser aprendido, quando, como e porquem. A escola no o nico lugar de aprendizado.

    Toda sociedade possui uma sabedoria para ser divulgada, transmitida e repartida porseus membros; so valores e mecanismos da educao tradicional dos povos indgenas.

    Esses modos de educao tradicional podem e devem colaborar na formao de

    prticas e polticas educacionais apropriadas, capazes de responder aos desejos, interessese necessidades cotidianas da realidade atual. Estes saberes no so inconciliveis com ossaberes da escola contempornea.

    Princpios da educao indgena

    Entre as naes indgenas, a educao se baseia em princpios que lhes so peculiares,dentre os quais:

    uma viso de sociedade que transcende as relaes entre humanos e admite diversosseres e foras da natureza com os quais estabelecem relaes de cooperao e intercmbioa fim de adquirir e assegurar determinadas qualidades;

    valores e procedimentos prprios de sociedades originalmente orais, menos marcadaspor profundas desigualdades internas, mais articuladas pela obrigao da reciprocidade entreos grupos que as integram;

    noes prprias, culturalmente formuladas( portanto, variveis de uma sociedadeindgena a outra) da pessoa humana e dos seus atributos, capacidades e qualidades;

    formao de crianas e jovens como processo integrado. Para as sociedades indgenascada experincia cognitiva e afetiva carrega mltiplos significados econmicos, sociais,rituais, cosmolgicos.

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    O que torna as escolas indgenas diferentes das demais? Quais so suascaractersticas? Como a diversidade contemplada?

    Aos processos educativos caractersticos dos povos indgenas veio somar-se aexperincia escolar, com as diversas formas e modalidades que assumiu no decorrer da histriado contato entre ndios e no-ndios no Brasil. Demanda formada ps-contato, a escola temsido assumida continuamente pelos ndios em seu movimento pela autodeterminao.

    um dos espaos onde a relao entre os conhecimentos prprios e os conhecimentosdas demais culturas deve se articular, constituindo uma possibilidade de informao edivulgao para a sociedade nacional de valores e saberes relevantes at entodesconhecidos.

    O que torna a escola indgena diferente...

    A escola indgena dirigida pela comunidade indgena, em conformidade com seusprojetos, seus princpios e concepes. Tanto no que diz respeito ao currculo quanto formade administr-la. Possui liberdade de deciso quanto ao calendrio escolar, aos objetivos,aos contedos, aos espaos e momentos usados para a educao escolarizada; por isso ela comunitria.

    intercultural, porque reconhece e mantm a diversidade cultural e lingstica;promove o dilogo entre experincias socioculturais, lingsticas e histricas diferentes, semconsiderar uma cultura superior a outra, estimulando o respeito e o entendimento entre povosde identidades tnicas diversas.

    ao mesmo tempo especfica e diferenciada porque foi imaginada e planejada comoreflexo dos desejos peculiares de cada nao indgena e com liberdade em relao adeterminados aspectos que regem o funcionamento e orientao da escola no-indgena.

    multilngue, porque a reproduo sociocultural dos povos indgenas , na maioriadas vezes, manifestada atravs da utilizao de mais de uma lngua. At mesmo as naesindgenas que hoje falam a lngua portuguesa continuam utilizando a lngua de seus ancestraiscomo um smbolo de seus traos identificatrios.

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    A pluralidade cultural e a construo da identidade do professor

    Construo da identidade do professor

    Wilsa Maria Ramos

    A maneira como cada um de ns ensina est diretamentedependente daquilo que somos como pessoa quandoexercemos o ensino.

    Pretendemos aqui discutir como o professor - enquanto pessoa - constri a base para oseu crescimento profissional, vencendo as barreiras dos preconceitos e esteretipos, de forma aadquirir competncias para ser o mediador do processo de desenvolvimento e aprendizagem dascrianas.

    Refletiremos sobre o tema pluralidade cultural, na tica de quem ensina. No a trataremosaqui como um contedo a ser ensinado pelo professor, mas sim abordaremos a pluralidade comoum locus complexo de representaes e interpretaes, no qual se situa a prtica pedaggica.

    O professor, sujeito social, enreda-se numa teia de expectativas e representaes, que fazparte de um tecido social, cultural e histrico e que influencia a sua forma de pensar e agir. Mas, ao

    narrar os seus prprios atos, ele ressignifica a sua prtica profissional, retoma a rdea do seudesenvolvimento e d conta de analisar esse tecido social estruturante.

    Desta forma, queremos pensar a pluralidade como parte integrante de nossas vidas. Tudo nossa volta plural, estamos imersos em um espao temporal e cultural que repleto de signose significados que so expresses e manifestaes dos homens: as artes, pinturas, esculturas, oslivros, programas da tela de TV, filmes, etc. Pensamos, narramos, agimos, inspiramos, sentimos,imaginamos, criamos e transpiramos (no necessariamente nessa ordem), valores, crenas, idias,histrias de um mundo ao qual pertencemos. Somos, s vezes, o produto (alguns, enlatados de toreprimidos) de um mundo histrico e cultural, repleto de relaes sociais desiguais, sanes, normase regras, etc. Por outras vezes, somos o prprio agente ativo do processo de construo dessas

    mesmas relaes sociais desiguais, sanes/punies e normas, a respeito das quais somos toinsatisfeitos. Portanto, falar do pluralismo na educao implica o ato de repensar a dinmica dasrelaes sociais professor e alunos e de se reconhecer como um ser plural (co)ator, (co)sujeito e(co)produto de uma histria local.

    Significa entrarmos em contato com nossas origens, com a nossa histria que est registradanos livros didticos, mas que tambm contada e recontada pelos mais velhos, os nossos prpriosavs.

    Ser plural reconhecer a educao como inclusiva, no sentido amplo da palavra, norepresentativa apenas dos portadores de necessidades especiais, mas de todos os portadoresde algo diferente. A educao no pode ser excludente dos diferentes grupos tnicos, raciais,

    religiosos. So insuportveis os atos de discriminao social, os preconceitos, o racismo e o anti-semitismo. Mas como esses processos, que tanto criticamos, se aproximam das prticaspedaggicas e se instalam nas relaes escolares, fazendo parte das representaes dosprofessores e alunos?

    (Nvoa, 1992)

    Texto Complementar

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    1.Construa um quadro comparativo sobre a abordagem positivista e a multirreferencial,constando das seguintes informaes: perodo do surgimento, idealizador, compreenso darealidade, construo do conhecimento, objetivo da cincia, mtodo cientfico e perspectivaepistemolgica.

    Atividade Complementar

    2.Explique porque na abordagem positivista a subjetividade e a afetividade so

    consideradas de modo pejorativo, como fonte de erro.

    3. Uma das caractersticas da educao indgena a interculturalidade. Como estacaracterstica pode ser contemplada em outras experincias educacionais?

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    FORMAOEPROCESSOSIDENTITRIOSNO BRASIL

    A INVENODAIDENTIDADE: QUEMBRASILEIRO?

    A Cultura Indgena

    Pindorama: a terra dos ndios

    Quem foram os primeiros, legtimos, descobridores do Brasil? Que idia tiveram dessasterras? Ainda no existem respostas conclusivas. O que sabemos que quanto mais sabem,mais os cientistas descobrem o quanto ainda falta saber.

    A procedncia e a origem do homem americano so ainda um enorme desafio para acomunidade cientfica e objeto de muita polmica. Sabe-se que o continente foi o ltimo a serocupado pela espcie humana. Segundo a hiptese mais aceita, seus antigos povoadoresvieram da sia, cruzando o estreito de Bering.

    comum aplicar a expresso ndios a todos os habitantes e culturas do continenteamericano antes da chegada dos europeus. Trata-se de uma denominao generalizante que

    no traduz a diversidade e a complexidade dessas culturas.Ainda que existam algumas semelhanas em seu modo de vida, esses povos no so

    todos iguais, pois cada cultura desenvolveu diferentes crenas, modos de produzir e trabalhar,de se divertir. Constituem sociedades com identidade prpria, razo pela qual utilizaremostambm os termos nao ou povo para design-los.

    Na rea correspondente ao nosso atual territrio, as estimativas indicam uma populaoentre 3 a 6 milhes de habitantes quando da chegada dos europeus. Avalia-se que essapopulao era constituda por cerca de 1500 grupos tnicos distintos. Esses grupos pertenciama mais de quarenta famlias lingsticas, a maioria delas agrupadas em quatro grandes troncosdistribudos em trs regies geogrficas: tupi-guarani (populaes litorneas), macro-j

    (cerrados do interior), aruaque e caribe (Amaznia).

    Toda extenso do litoral, de norte a sul, era ocupada pelos Tupi-Guarani, separados emdiversos subgrupos. Do Cear at a desembocadura do rio So Francisco dominavam osCarij. J o serto desse rio era habitado pelos Tupina. Da sua foz at a Bahia habitavam osTupinamb.

    Entre a Bahia e o Esprito Santo viviam os Tupiniquim, e na baa da Guanabara, os

    Temimin. Em So Paulo, de Bertioga a Canania, incluindo o planalto paulista, tambm viviamosTupiniquim.No litoral da lagoa dos Patos, estendendo-se para a bacia dos rios Paran-Paraguai,

    eram terras dos Carij (Guarani).

    Distribuio dos povos indgenas

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    O outro em questo: o etnocentrismo e o extermnio dos povos indgenas

    As relaes sociais nas aldeiasA vida nas aldeias regida por um complexo sistema de parentesco que, por sua vez,

    comanda desde as relaes de gnero (homem-mulher)at as relaes de troca e diviso do trabalho.

    Vinculada sua organizao social, cada aldeia,geralmente, possui uma complexa cosmologia, em queso ordenados os seres humanos, os animais e os seres

    sobrenaturais.Ajustado de modo caracterstico a cada grupo,esses elementos muitas vezes servem como chaves paraantroplogos explicarem as diferenas e semelhanasentre os diversos grupos indgenas brasileiros.

    A relao entre as tribos indgenas era baseadaem regras sociais, polticas e religiosas. O contato entre

    as tribos acontecia em momentos de guerras, casamentos, cerimnias de enterro e tambm nomomento de estabelecer alianas contra um inimigo comum.

    Os povos indgenas possuam crenas e rituais religiosos distintos. Entretanto, todas astribos acreditavam nas foras da natureza e nos espritos dos antepassados. Para estes deuses e

    espritos, faziam rituais, cerimnias e festas.O paj era o responsvel por transmitir estes conhecimentos aos habitantes da tribo. Algumas

    naes indgenas chegavam a enterrar seus mortos em grandes vasos de cermica, onde almdo cadver ficavam os objetos pessoais. Demonstrando que estas tribos acreditavam numa vidaaps a morte.

    E a educao? A educao indgena era bastante significativa, prtica e vinculada realidade da vida da tribo. Os curumins aprendem e se divertem ao mesmo tempo: conhecer no algo desligado da vida. As crianas brincam com bonecas e flecham calangos e passarinhoscom pequenos arcos.

    Nesses jogos infantis, eles imitam os adultos. E os ajudam tambm: as meninas menores

    tomam conta de irmos pequeninos, as maiores mastigam as razes com que se fazem as bebidas.Os adultos s conversam com as crianas acocoradas, ficando assim em p de igualdade comelas, demonstrando assim o valor que os povos indgenas do aos seus filhos.

    Cada povo indgena que vive no Brasil hoje possuidor de universos culturais peculiares.Sua originalidade e diversidade so um patrimnio importante no apenas para eles prprios epara o Brasil, mas para todas as sociedades.

    Entretanto, no podemos mitificar os povos indgenas, imaginando-os como seres humanosperfeitos e suas sociedades como o paraso na terra.

    Como qualquer sociedade, as comunidades indgenas tm suas contradies: em muitoscasos a mulher discriminada, por vezes ocorrem guerras entre grupos e a solidariedade quasesempre provm mais das adversidades da natureza do que de uma escolha.

    O importante que percebamos que formam uma sociedade estruturada, comdeterminados valores, dos quais, inclusive, podemos divergir.

    Os povos indgenas e sua relao com terra e natureza

    Da terra, as populaes indgenas tiravam s aquilo que era necessriopara sua sobrevivncia.

    Os povos indgenas mantinham uma relao de respeito com a natureza. Aterra no era apenas o lugar de plantar, mas uma extenso deles prprios. Era o

    espao onde seus deuses se manifestavam, onde a vida nascia, onde se realizavamseus rituais, onde moravam e caavam.

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    O etnocentrismo europeu prevalece na relao com as naes indgenas

    A colonizao portuguesa foi produto das suas necessidades estruturais (organizaosocial, poltica e econmica de uma nao em um determinado perodo) e conjunturais. Seuintuito era explorar a colnia para dominar, conquistar e retirar tudo o que percebessem quedaria lucro.

    O seu procedimento em relao ao s povos indgenas foi determinado por esse intuito.At quando foi possvel conseguir deles o que desejavam, trataram-nos como parceiros emuma empresa, porm quando no puderam mais ter sua cooperao, passaram a trat-loscomo inimigos.

    J sabemos que os encontros entre os povos oferecem diversos exemplos dasdificuldades de um povo entender outro com uma cultura diferente da sua.

    Esse um fenmeno universal. O diferente e o novo so difceis de serem assimilados

    e, mais ainda, de serem compreendidos e acolhidos.O novo tende a ser identificado com alguma coisa j conhecida e, portanto, a no ser

    aceito como completamente novo. O diferente tambm costuma ser associado a algo jconhecido, superado ou inferior. Essa situao ocorreu no contato entre os europeus e ospovo indgenas.

    Homens ao mar: o contexto da expanso martima

    A expanso martima europia o momento mais significativo no princpio daeuropeizao do mundo. Ela foi executada a partir de explcitas necessidades econmicas epossibilitada por influentes grupos polticos.

    O trecho abaixo pertence msica Sampa, de Caetano Veloso, onde ele descreve osseus sentimentos com relao cidade de So Paulo. E voc, caro aluno, qual tem sido suareao ao se deparar com o novo e com o diferente? Tambm tem achado feio o que no espelho?

    Quando eu te encarei frente a frente no vi o meu rosto,

    chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto

    que Narciso acha feio o que no espelho...

    Caetano Veloso

    A colonizao portuguesa foi produto das suas necessidades estruturais (organizaosocial, poltica e econmica de uma nao em um determinado perodo) e conjunturais. Seuintuito era explorar a colnia para dominar, conquistar e retirar tudo o que percebessem quedaria lucro.

    O seu procedimento em relao aos povos indgenas foi determinado por esse intuito.At quando foi posvel conseguir deles o que desejavam, trataram-nos como parceiros emuma empresa, porm quando no puderam mais ter sua cooperao, passaram a trat-loscomo inimigos.

    J sabemos que os encontros entre os povos oferecem diversos exemplos dasdificuldades de um povo entender outro com uma cultura diferente da sua.

    Esse um fenmeno universal. O diferente e o novo so difceis de serem assimiladose, mais ainda, de serem compreendidos e acolhidos.

    O novo tende a ser identificado com alguma coisa j conhecida e, por tanto, a no seraceito como completamente novo. O diferente tambm costuma ser associado a algo jconhecido, superado e inferior. Essa situao ocorreu no contato entre os europeus e os povosindgenas.

    A Cultura Europia

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    Antropologia

    Cultural

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    Fernando Pessoa

    Mar Portugus

    mar salgado, quanto do teu salso lgrimas de Portugal!

    Por ti cruzamos, quantas mes choraram,Quantos filhos em vo rezaram!

    Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, mar!

    Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma no pequena.

    Quem quer passar alm do BojadorTem que passar alm da dorDeus ao mar o perigo e abismo deu,

    Mas nele que espelhou o cu

    Por mares nunca dantes navegados: a expanso martima portuguesaA expanso martima no se realizava por acaso: ela atendia

    a interesses da classe feudal e da jovem burguesia comercialportuguesa. Buscava-se superar a escassez de cereais no reino,ampliar a lavoura aucareira para alm do Algarve, ter acesso aosmetais preciosos da frica, especialmente ao ouro do Sudo e sespeciarias e artigos de luxo do Oriente. Para isso, que ampliariaas fontes de renda do Estado monrquico, navegar era preciso.

    Desde o sculo XV Portugal navegava, com a conquista doMarrocos e do Norte da frica. As necessidades econmicas faziam

    o comrcio crescer com o avano ao longo do litoral atlnticoafricano: ouro, marfim, escravos. Os temores iam sendo vencidos

    na prtica. importante ressaltar que os interesses econmicos no foram os nicos que

    mobilizaram os portugueses em sua empreitada martima. A tradicional nobreza lusitana eramais sensvel a apelos relacionados honra, glria militar , f catlica e ao dever cristo decombater os infiis. A expanso teve um carter comercial e de cruzada religiosa, atendendo,assim, aos interesses nacionais.

    Para Srgio Buarque de Holanda, o pioneirismo de Portugal nas navegaes sedeve a um incentivo prprio, j que esse pas tinha uma mentalidade mais aberta. Esse autor

    defende a mentalidade burguesa e os pases Ibricos. Os Ibricos no gostavam do trabalhofsico, queriam ser senhores, mas sem ter que fazer o trabalho manual.

    No perodo colonial brasileiro, um dos principais elementos que determinavam a divisosocial era o trabalho. Para os portugueses, o trabalho era prerrogativa de pessoas consideradas

    A combinao de necessidades materiais com motivaes de ordemmental foi levando os europeus por mares nunca dantes navegados e terraslongnquas.

    Foram necessrios muitos sculos de histria para que os europeusconquistassem os mares e continentes. Foram necessrios muitos sculos paraque se dispusessem a conhecer terras distantes das suas.

    Depois disso, outros tantos para que o medo do desconhecido servissecomo estmulo desafiador.Mais ainda, para que pudessem surgirinteresses materiais, econmicos epolticos que os impulsionassem parafora do seu pequeno mundo.

    Com as viagens dos descobrimentos,que levaram conquista de territrios e povosat ento desconhecidos e aoestabelecimento de rotas comerciais emvrios pontos do planeta, o continente europeupassa a ocupar um lugar cada vez mais centralno cenrio mundial. Espanha e Portugalconstituem as primeiras sociedades daEuropa que tm a experincia de descobriroutros povos.

    O sucesso da expanso significou claras vantagens para alguns personagens que aprojetaram e a executaram. Quem eram eles? Como foram repartidos os benefcios e os custosdesse empreendimento?

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    A Cultura Africana

    Cafund, batuque, tanga, caula, bunda, cafun, benguela,

    quitute, mocot, quilombo, cacunda, mandinga, marimbondo,

    quitanda , senzala, quindim, samba, moleque, macaco,angu,

    maroto, cachimbo, ginga.Com toda certeza voc j disse, ouviu ou leu algumas das

    palavras acima. Todas so de origem africana.Por que so to usuais em nosso dia-a-dia nas conversas,

    na televiso, no rdio ou em jornais, revistas e livros? Por que emnossa cultura encontramos tantas manifestaes que vieram dafrica? Por que, atualmente, segundo o governo federal,aproximadamente 45% da populao brasileira formada pordescendentes de africanos? Como chegaram ao Brasil?

    Alis, chegaram ou foram trazidos? Essa uma questoque at a um tempo atrs gerava muita discusso.

    Seja como for, para responder as perguntas acima nos reportaremos a uma prticaatualmente considerada criminosa, repugnante e cruel, quase to antiga quanto a prpriahumanidade: a escravido. Mas, h alguns sculos atrs, era considerada como natural,autorizada por lei, justificada pela religio e um negcio altamente lucrativo.

    Foi no escravismo que toda a economia da colnia portuguesa na Amrica se sustentou.

    Por que houve escravido? Por que durou tanto tempo? O que as pessoas da pocapensavam a respeito?E os escravos? Como era a vida deles? Reagiram? Conformaram-se?

    Durante o perodo colonial a economia do Brasil desenvolveu-se vinculada aos interessesmercantilistas que prevaleciam na Europa no comeo da modernidade. Em conformidade coma teoria mercantilista, a colnia existia para atender aos interesses da metrpole.

    Por quase quatrocentos anos, a escravido foi a principal relao trabalhista existente noBrasil. Alm de a mo-de-obra escrava produzir riquezas, como j afirmamos, a escravido era

    tambm, em si mesma, um negcio muito lucrativo.O trfico negreiro propiciava altos rendimentos aos comerciantes e Coroa portuguesa.Esse foi o principal motivo para que os europeus retirassem milhes de africanos do seu continentee trouxesse para a Amrica.

    Alm da lucratividade, a introduo da mo-de-obra escrava africana foi essencial para ocontrole das terras americanas conquistadas. Desde a instalao do governo-geral em 1548, aCoroa portuguesa buscou exercer uma vigilncia mais eficaz sobre os rumos da colonizao.

    Nesse sentido, restringir a escravido indgena e implementar a africana foi umestratagema que deu certo, uma vez que os colonos ficaram mais dependentes da Metrpole,da qual dependia o abastecimento contnuo da mo-de-obra necessria para a produo na

    Amrica.Logo, se a escravido africana e o trfico representavam por um lado medidaseconmicas, por outro eram tambm parte do arsenal poltico da metrpole para manter o controlesobre sua colnia.

    O Escravismo Brasileiro

    inferiores. Assim, a necessidade de trabalhar, seja pela sobrevivncia ou por sujeio escravido, definia o indivduo como um ser socialmente inferior.

    Na sociedade portuguesa aquele que era fidalgo no se sujeitava ao trabalho; seu idealde vida era a defesa dos valores morais e religiosos.

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    Antropologia

    Cultural

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    De onde e como foram trazidos os africanos para o Brasil

    O trecho do poema de Castro Alves, musicado por Caetano Veloso, revela o todo o horrordo qual o oceano Atlntico foi a maior testemunha: o trfico negreiro.

    Entre os sculos XVI e XIX milhes de africanos, estima-se que algo em torno de 5 milhes,cruzaram o Atlntico e entraram no Brasil na situao de mercadoria.

    Desarraigado de seu pas, retirados fora da terra em que haviam nascidos, isolados deseus familiares, os africanos que foram trazidos neste perodo tinham diferentes origens, com

    lngua, tradies, religio e organizao socialdiversificados.

    Tradicionalmente, afirma-se que a maior parte dosafricanos trazidos para o Brasil pertenciam a dois grupostnicos: os bantos, originrios de Angola, Moambique eCongo, que tiveram como destino Rio de Janeiro, Minas

    Gerais e Pernambuco; e os sudaneses, vindos da Costa doMarfim, de Daom e da Nigria, pertencentes a vrias etnias:

    fula, mossi, hassa, mandinga, balanta e jalofa; levados em sua maiorparte para a Bahia.

    Conforme a origem, na Amrica, as etnias africanas eramdenominadas naes.

    Eram diversas as maneiras dos portugueses conseguirem escravos na frica: atravs de

    acordos com os lderes africanos, da troca dos cativos por mercadorias e tambm lanaram modas guerras. Sobre esse comrcio, o historiador Jacob Gorender apresenta mais detalhes:Os prisioneiros eram trocados por panos, ferragens, trigo, sal, cavalos e, sobretudo, por

    armas de fogo e munio. A estes produtos de origem europia juntaram-se, com grandeaceitao, os procedentes da Amrica: tabaco, aguardente, acar, doce e bzios, estes ltimosutilizados como moedas pelos africanos. A difuso das armas de fogo tornou sua posse questode sobrevivncia e obrigou uma tribo aps outra a tentar obt-las por meio da captura de homense mulheres de outras tribos. (Jacob Gorender, O escravismo colonial. p. 128)

    Um aspecto a ser considerado nesse comrcio que algumas sociedades africanasconheciam e praticavam a escravido, ainda que fosse economicamente menos importante doque para a metrpole.

    Existia a prtica da escravido por guerras, onde os vencedores escravizavam os vencidos,entretanto, o escravo no era uma propriedade, sua situao abrangia relaes polticas, militarese econmicas. A diferena que, a partir do sculo XV, essas prticas tornaram-se mais comunsporque passaram a ser lucrativas para os prprios africanos. Desta forma, no s cresceram as

    Era um sonho dantesco!...O tombadilho,Que das luzernas avermelha o brilho,

    Em sangue a se banharTinir de ferros... estalar do aoite

    ...Legies de homens negros como a noite,a danar (...)

    Senhor Deus dos desgraados!Dizei-me vs, Senhor Deus!Se loucura... se verdade

    Tanto horror perante os cus?

    Castro Alves

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    guerras com o intuito de fazer prisioneiros para escraviz-los, como surgiram os seqestros, aescravido por dvidas e ainda havia famlias que, por conta da fome, vendiam seus integrantes.

    Alm disso, os traficantes organizaram uma rede de agentes denominados pumbeiros,que caavam africanos no interior do continente. Nos pumbos, espcie de mercados onde astribos trocavam os escravos, eles os compravam.

    Antes da viagem para o Novo Mundo, os africanos escravizados eram batizados por

    religiosos portugueses. O batismo era legalmente obrigatrio, sendo consumado nos barracesdo litoral, coletivamente, e pago pelo traficanteper capita.Aps o batismo cristo, os africanos eram submetidos ao batismo de fogo dos

    comerciantes de escravos: eram marcados com ferro em brasa na coxa, no ombro e no peito paraserem reconhecidos em sua condio de escravo.

    Tumbeiros, era esse o nome dos navios utilizados no trfico de escravos. Voc j pensou oque quer dizer tumba em nossa lngua? Isso mesmo, tumba uma palavra que em nossa lnguasignifica sepultura. Por que ser essa relao entre trfico de escravos e morte?

    A viagem nos tumbeiros, navios negreiros, era um verdadeiro inferno para os africanos.Amontoados nos pores, mal tinham condies de respirar.

    Na tentativa de evitar a disseminao de doenas, os escravos viajavam nus, tinham cabelose unhas cortados, bochechavam vinagre, eram banhados com gua do mar e eram obrigados a semovimentar. Os pores e conveses eram periodicamente lavados com vinagre adicionado guasalgada, com o objetivo de desinfetar.

    Apesar da taxa de mortalidade ser alta, os traficantes preocupavam-se com a sade e amanuteno dos africanos, diminuindo a lotao dos tumbeiros. Afinal, considerando o aspectocomercial, a mercadoria chegando a salvo, saudvel e com aparncia boa, se conseguiria melhorpreo no mercado.

    Contudo, essa era uma prtica corrente apenas entre os traficantes mais experientes.O texto abaixo o relato de um marinheiro sobre o que ocorria s vsperas da viagem pelo

    Atlntico:

    Ao chegar na colnia, os africanos eram mais uma vez amontoados, desta vez emarmazns para esperar a hora de serem negociados.

    Uma prtica dos comerciantes de escravos era tornar melhor a aparncia da suamercadoria. Davam um tratamento esttico: a pele era lavada com suco de limo e untadacom leos, os cabelos eram lavados e cortados e a alimentao, melhorada.

    Alm da violncia fsica, os africanos sofreram uma enorme agresso sua cultura.Retirados do seu meio social e natural, jogados em uma regio de lngua, hbitos e religiodesconhecida encontraram vrios obstculos para manter sua identidade cultural.

    O momento de partida do barco era traumtico. Os escravos

    passavam a noite em rebulio. Eles sentiam os movimentos do navio.

    Nunca ouvi gritos piores do que aqueles [...] Os homens abanavam

    as grilhetas, o que provocava um rudo ensurdecedor. A angstia

    devia-se em parte pelo fato de muitos africanos estarem convencidos

    de que os europeus eram seres marinhos, canibais da terra dos

    mortos, cujas solas dos sapatos eram feitas de pele de africano, cujovinho tinto era sangue de africanos e cuja plvora era feita de ossos

    queimados e modos de africanos.

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    Aoites, palmatria e gargalheira: castigos e resistncia

    A violncia fazia parte do cotidiano dos escravos e foi uma dascaractersticas marcantes da escravido. Como nas demais sociedadesescravocratas, no Brasil colnia, a diversidade de torturas e castigos impostos

    pelos senhores foi extensa.As prticas e os instrumentos eram diversos; o mais utilizado era os aoitescom o bacalhau, chicote de cabo pequeno com tiras de couro em cujas pontas

    havia pequenas esferas de metal; tambm era comum amarrar o escravo ao tronco para serchicoteado.

    As falhas consideradas mais graves eram punidas com mutilaes, como a castrao,amputao dos seios ou dedos. Apenas em casos gravssimos, o escravo era condenado amorte, uma vez que isso representava prejuzo para o senhor.

    Apesar de ser tratado como coisa, essa condio no fazia com que o escravo seesquecesse que era gente. Neste sentido, reagiram condio de bem das mais variadasmaneiras, indicando que em nenhum momento perdera sua humanidade. Onde houve

    escravido, houve resistncia a ela.A associao da sua memria com a vida no cativeiro tornou possvel aos escravos

    produzir um modo de suportar, na colnia, a condio de coisa que produz. Era necessrioinventar uma maneira nova para lidar com a opresso do senhor, para comunicar-se com osoutros africanos. Finalmente, para manter a humanidade que teimavam em tirar-lhes. Resistir.

    Foi exatamente a que os africanos recriaram e reinventaram sua identidade.A situao desumana imposta no cativeiro, nas extensas lavouras e na violncia dos

    senhores tornaram difcil, porm no impediram que os africanos, dentro das senzalas,recriassem sua cultura, constitussem novas famlias, estruturassem redes de parentesco econservassem sua ancestralidade.

    Fugas, suicdios, assassinatos de senhores e feitores, abortos foram maneiras deresistncia. Coletivamente, a rebelio era a forma mais comum de resistncia, eram tambmcomuns as fugas coletivas, praticadas com maior freqncia que as individuais, na medidaem que se tornava mais fcil confundir os caadores de escravos com pistas que seguiampara lugares distintos.

    Entretanto, de todas as formas de resistncia, a formao de quilombos representavagrande perigo para a poltica de dominao senhorial.

    Os quilombos ou mocambos eram agrupamentos formados inicialmente por escravosfugidos, que depois agregariam mestios, ndios e brancos pobres, que geralmente eramfundados em regies de difcil acesso, no interior das matas.

    Os quilombolas plantavam, pescavam, caavam e praticavam a pecuria. Produzidosartesanalmente, artigos de madeira eferro supriam a comunidade, e oexcedente era negociado nas vilasprximas.

    Possuam uma estrutura militarorganizada. A sua organizao socialera instituda a partir de uma elite deguerreiros, lderes que promoviam adefesa da sua comunidade e ataquess povoaes portuguesas.

    Nos quilombos eram reprodu-zidas e recriadas as heranas culturaisafricanas.

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    Quilombos ainda existem no Brasil

    No final de 2001, a Fundao Palmares, instituio vinculada ao Ministrio da Cultura, havia

    reconhecido 743 comunidades remanescentes de quilombos;A Bahia era o Estado com maior nmero de comunidades, 245, seguido pelo Maranho, com

    172. Minas Gerais, 66 e Par, 57, tambm se destacaram no inventrio da Fundao.Somente no Acre, Roraima e no Distrito Federal no foram identificadas comunidades

    remanescentes de quilombos.Nessas comunidades, o modo de vida que prevalece se fundamenta na posse coletiva da

    terra, na agricultura de subsistncia e na pecuria. Entretanto, sua sobrevivncia tem sidoconstantemente ameaada por disputas pela posse daterra entre fazendeiros e grileiros.

    Em 1988, o direito dos remanescentes de

    quilombos foi reconhecido pela Constituio, no seu artigo68 das Disposies Constitucionais Transitrias. Em1995, aconteceu a primeira regularizao: a comunidadenegra de Boa Vista, no municpio de Oriximin, no nortedo Par, recebeu o documento que lhe concedeu a possedefinitiva de suas terras.

    pela posse da terra entre fazendeiros e grileiros.Em 1988, o direito dos remanescentes de

    quilombos foi reconhecido pela Constituio, no seu artigo68 das Disposies Constitucionais Transitrias. Em1995, aconteceu a primeira regularizao: a comunidadenegra de Boa Vista, no municpio de Oriximin, no nortedo Par, recebeu o documento que lhe concedeu a possedefinitiva de suas terras.

    O smbolo de resistncia contra a escravido: Palmares

    Entre todos os quilombos fundados na colnia, Palmares seconstituiu no maior e no mais poderoso, no apenas do Brasil, masda Amrica. Construdo em terras atualmente pertencentes aosEstados de Alagoas e Pernambuco, esse quilombo chegou a possuir

    onze povoados - mocambos - espalhados por uma regio deaproximadamente 350 quilmetros quadrados.Em nenhum outro lugar a resistncia dos escravos fugidos foi

    to longa, bem sucedida e ordenada como nos doze mocambosconstrudos no serto das Alagoas.

    Em Palmares, as aldeias eram organizadas conforme anacionalidade dos escravos e sua estrutura obedecia ao modelo que possuam na frica. A lideranaera exercida pelo rei do mocambo do Macaco, que era o maior e mais importante centro, tinha cercade 1.500 casas e aproximadamente 8 mil moradores.

    Ganga-Zumba, foi um dos primeiros lderes de Palmares, que provocou a revolta dosquilombolas ao fazer, em 1678, um trato com os portugueses para que estes desmantelassem oquilombo. Aps o seu envenenamento, Ganga-Zumba foi substitudo por seu sobrinho Zumbi.

    Por cerca de quase cem anos, Palmares resistiu aos ataques das autoridades portuguesas,mas em 1694 foi destrudo pela ao conjunta de foras alagoanas, pernambucanas e paulistas, soba liderana do bandeirante Domingos Jorge Velho. Zumbi conseguiu escapar do ataque final aPalmares, contudo foi morto em 20 de novembro de 1695, data em que comemorado, pelomovimento negro, o Dia da Conscincia Negra.

    Fonte: Jornal Folha de So Paulo. Caderno Brasil,12 de maro de 2000)

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    Antropologia

    Cultural

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    Ginga, a rainha de Matamba e Angola: uma histria de resistnciana frica

    Onde, atualmente, esto o Congo e Angola que se localizava o reino doDongo; em sua poro oriental estava localizado o reino de Matamba, ocupadopelo povo jaga. Por conta da fertilidade de suas terras e da navegabilidade dosseus rios, essa era uma rea muito cobiada pelos conquistadores europeus,

    Nzinga Mbandi Ngola, conhecida no Brasil como Ginga, foi rainha deMatamba e Angola entre os sculos XVI e XVII, foi responsvel pela resistncia de sua naocontra a tirania dos conquistadores portugueses.

    Ela era descendente dos reis que haviam reinado sobre o Estado antes da sua divisoem dois: Dongo e Matamba. Fundamentada em sua ancestralidade com os jagas, Nzingaexigiria a soberania de toda regio.

    Sua resistncia ao trfico de escravos e ocupao colonial no reino de Matamba eAngola perdurou por cerca de quarenta anos. Para tal, Nzinga utilizou diversas estratgias etticas que foram desde as prticas de guerra jagas at a sua converso ao cristianismo.

    A frica antes dos europeus

    Voc j pensou por que o Estado brasileiro atravs do seu Ministrio da Educao eCultura teve que instituir legalmente, atravs da Lei nmero 10.639/03, a obrigatoriedade doensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currculo dos ensinos fundamental emdio?

    Ser que para conhecer melhor o nosso pas e nos conhecer melhor necessrio

    conhecer a mama frica?O que ns sabemos realmente sobre o continente africano, sobre sua cultura, suahistria? Apesar de um grande nmero de trabalhos desenvolvidos sobre a frica, a maiorparte das informaes, mais acessveis, que ainda temos nos so dadas atravs do olhar dosconquistadores.

    A frica que imaginamos uma construo do conquistador europeu que ignorou aspeculiaridades prprias da cultura negra.

    Devido a essa viso eurocntrica, os africanos foram incorporados ao Ocidente comopovos brbaros, sem cultura, religio e inferiores.

    Como os africanos foram trazidos na condio de escravos, nos habituamos ou noshabituaram? a associar sua figura imediatamente a do cativo, dominado e humilhado, tratadocomo mercadoria. Contudo, a histria da frica muito anterior chegada dos colonizadoreseuropeus. Desde a Antiguidade, existem registros de importantes civilizaes nesse continente.Lembra do Egito?

    Anterior chegada dos colonizadores europeus, os povos africanos estavam divididosem Estados ou reinos, com diversas formas de organizao social e poltica. Tal qual os povosamericanos havia grandes diferenas entre eles.

    Muitos povos e grande diversidade

    A frica um continente constitudo por povos muito diferentes, reunindo um grandenmero de grupos tnicos com diversas histrias. Todavia, por um longo perodo de tempo, associedades africanas foram vistas pelos europeus como sociedades sem histria.

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    As reduzidas informaes sobre o passado do continente africano eram dadas a partirdos fatos da histria da Europa. Contudo, desde o processo de independncia dos pasesafricanos, iniciados na segunda metade do sculo XX, historiadores africanos vm procurandorestaurar o passado da frica a partir da perspectiva das sociedades africanas.

    Ao sul do deserto do Saara desenvolveram-se grandes imprios, como o de Gana,entre os sculos VII e XI, o do Mli sculos XIII ao XVI; e o de Songhai, no sculo XVI, que

    conseguiram prosperar. Os lderes desses imprios exploraram as minas de ouro existentesem seu territrio, negociando-o com os comerciantes muulmanos do norte do continente.

    O islamismo se difundiu pelo sul do deserto do Saara a partir do sculo XI e vriosgovernantes se converteram a essa religio. Nesse contato com os muulmanos, o corpoadministrativo e comercial assumiu tambm sua lngua e escrita, alm de agregar as normasde seu sistema de crditos.

    Na regio da atual Nigria desenvolveu-se umadas mais complexas sociedades africanas: a Nok. Essepovo conhecia a agricultura e a metalurgia do ferro edo estanho. Vrios povos que viveram nessa regio

    foram influenciados pela cultura Nok.Um dos mais importantes centros de

    disseminao da cultura muulmana no continenteafricano, foi o povo Songhai, que sobreviveu at 1591quando foram derrotados pelos marroquinos.

    Outros povos contemporneos chegada doseuropeus ao continente africano foram: na regio doatual Zimbbue o reino de Monotapa e os reinos doCongo, de Angola, de Moambique, o Fom e o deIoruba.

    Formao cultural do Brasil ou brasileiros. Quem somos ns? Embusca da identidade nacional

    A identidade cultural brasileira

    Voc j parou para pensar o que que ns temos em comum que nos faz sentir brasileiros?O que que causa esse sentimento a despeito de sermos to diferentes?Voc certamente j comparou um pas estrangeiro com o Brasil. O que as outras naes

    tm de to diferente da nossa? Afinal, ento o que significa ser brasileiro?Ns brasileiros possumos uma maneira muito peculiar de ser e viver.A partir de que momento a cultura brasileira passou a existir?O que denominamos cultura brasileira se formou gradualmente a partir do encontro,

    desencontro e convivncia entre os povos indgenas, os portugueses e os africanos, marcadospela explorao e subjugao que os portugueses impuseram aos indgenas e africanos.

    Por esse motivo, por um longo espao de tempo, somente as manifestaes de origemportuguesa da nossa cultura eram legitimadas e valorizadas pelas elites. As manifestaes deorigem indgena e africana eram menosprezadas e mesmo combatidas pelos grupos dominantes.

    Apesar da maior parte da populao brasileira no decorrer da nossa histria sempre possuirmais proximidade cultural com as manifestaes indgenas e africanas.

    Fonte: Jornal Folha de So Paulo. Caderno

    Brasil, 12 de maro de 2000)

  • 7/31/2019 04-AntropologiaCultural

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    Antropologia

    Cultural

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    Texto Complementar

    Os ndios e a civilizao

    No incio dos tempos, muitos anos atrs, j estvamos aqui, ramosmilhares.

    Naqueles tempos, nossos antepassados j ensinavam que tudo que existe est li