02-HistoriaContemporaneaII

download 02-HistoriaContemporaneaII

of 82

Transcript of 02-HistoriaContemporaneaII

HISTRIA CONTEPORNEA II

1 Edio - 2007

SOMESB Sociedade Mantenedora de Educao Superior da Bahia S/C Ltda.Gervsio Meneses de OliveiraPresidente

William OliveiraVice-Presidente Superintendente Administrativo e Financeiro Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extenso Superintendente de Desenvolvimento e Planejamento Acadmico

Samuel Soares

Germano Tabacof

Pedro Daltro Gusmo da Silva

FTC - EaD Faculdade de Tecnologia e Cincias - Ensino a DistnciaReinaldo de Oliveira BorbaDiretor Geral Diretor Acadmico Diretor de Desenvolvimento e Inovaes Diretor Comercial

Marcelo Nery

Roberto Frederico Merhy Mrio Fraga

Jean Carlo NeroneDiretor de Tecnologia Diretor Administrativo e Financeiro Gerente Acadmico Gerente de Ensino

Andr Portnoi

Ronaldo Costa Jane Freire

Luis Carlos Nogueira AbbehusenGerente de Suporte Tecnolgico Coord. de Softwares e Sistemas Coord. de Telecomunicaes e Hardware Coord. de Produo de Material Didtico

Romulo Augusto Merhy Osmane Chaves Joo Jacomel

MATERIAL DIDTICO Produo Acadmica Produo TcnicaGerente de Ensino

Jane FreireSuperviso

Joo JacomelCoordenao

Ana Paula Amorim

Carlos Magno Brito Almeida SantosReviso de Texto Editorao Ilustraes

Coordenao de Curso

Jorge Bispo

Antonio Frana de S. Filho Antonio Frana de S. Filho

Jacira Primo

Autor(a)

Equipe Antonio Frana Filho, Anglica de Ftima Jorge, Alexandre Ribeiro, Bruno Benn, Cefas Gomes, Cluder Frederico, Danilo Barros, Francisco Frana Jnior, Herminio Filho, Israel Dantas, Lucas do Vale, Marcio Serafim, Mariucha Ponte, Tatiana Coutinho e Ruberval da Fonseca Imagens Corbis/Image100/Imagemsourcecopyright FTC EaD Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98. proibida a reproduo total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorizao prvia, por escrito, da FTC EaD - Faculdade de Tecnologia e Cincias - Educao a Distncia.

www.ead.ftc.br

SUMRIO

O MUNDO CONTEMPORNEO ( 1870-1939) ___________________ 6O CONTEXTO HISTRICO DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL __________ 6ANTECEDENTES GERAIS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL __________________________ 6 CRISES INTERNACIONAIS PR-PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL _________________________ 8 AS FASES DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL ______________________________________ 11 CONSEQNCIAS DA PRIMEIRA GUERRA ________________________________________ 13 ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________ 17

PERODO ENTRE-GUERRAS _________________________________________ 18A REVOLUO RUSSA ______________________________________________________ 18 A CRISE MUNDIAL DE 1929 ___________________________________________________ 22 OS ESTADOS TOTALITRIOS _________________________________________________ 26 FASCISMO, NAZISMO, FRANQUISMO ___________________________________________ 28 ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________ 38

O MUNDO CONTEMPORNEO A PARTIR DE 1939 __________ 40A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O MUNDO BIPOLAR ___________ 40A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: CONTEXTO HISTRICO ___________________________ 40 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: CONTEXTO HISTRICO _____________________________ 44 A DESCOLONIZAO DA FRICA E DA SIA _____________________________________ 46 GUERRA FRIA: PRINCIPAIS MOMENTOS _________________________________________ 49 ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________ 57

A NOVA ORDEM MUNDIAL _________________________________________ 59

SUMRIO

A CRISE DO SOCIALISMO _____________________________________________________ 59 A QUEDA DO SOCIALISMO NO LESTE EUROPEU __________________________________ 63 ASCENSO DO NEOLIBERALISMO _____________________________________________ 64 GLOBALIZAO ___________________________________________________________ 66 ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________ 71

GLOSSRIO _____________________________________________________________ 74 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS __________________________________________ 76

Apresentao da Disciplina

Caro (a) Aluno (a),

O sculo XX foi o sculo de grandes descobertas cientficas, principalmente na rea dos transportes e comunicao, alfabetizao em massa, maior capacidade de produzir bens e servios. Tambm foi marcado por duas guerras mundiais, com seus cenrios de atrocidades humanas, uma guerra fria, alm de revolues socialistas e movimentos contestatrios. Este foi o sculo em que nascemos e que nesta disciplina buscaremos melhor compreender. A disciplina prope o estudo crtico dos principais eventos sociais, polticos, econmicos e culturais, ocorridos entre o final do sculo XIX e o sculo XX: dando nfase ao neocolonialismo, s duas guerras mundiais, ao totalitarismo, Guerra Fria, s revolues socialistas, ascenso do neoliberalismo e globalizao. Por que a Primeira Guerra Mundial no pde ser evitada atravs de acordos? Como as teorias racialistas fundamentaram a poltica imperialista? Por que o nazismo foi tolerado pela populao alem? Por que a guerra civil espanhola considerada um fenmeno de cunho internacional? O que fomentou os diversos movimentos de libertao na frica e na sia? Por que os pases que formavam a ex-Unio Sovitica tiveram dificuldade em se inserir na nova ordem mundial? Essas so algumas das perguntas que tentaremos responder e entender ao longo desta disciplina. Que o aprendizado seja estimulante e fomente novas pesquisas e outras questes. Saudaes, Jacira Primo

O MUNDO CONTEMPORNEO (1870-1939)O CONTEXTO HISTRICO DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIALANTECEDENTES GERAIS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIALEm seu livro a Era dos Extremos (2001), o historiador Eric Hobsbawm caracteriza o perodo entre a Primeira Guerra Mundial at a Guerra Fria como a era da catstrofe. Hobsbawm (2001), mas no somente ele, entende que o sculo XX tem incio com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), tambm chamada de Grande Guerra. Desprezando as balizas temporais (1901-2000), ele enxerga o evento da primeira guerra como o ponto de mudana das relaes polticas, econmicas e culturais que imperavam no mundo antes de 1914. O que de to importante mudou? Segundo o autor, depois da primeira guerra, o mundo foi deixando de ser eurocntrico, ou seja, centrado na Europa como local inquestionvel de poder, riqueza e intelecto. As instituies polticas e os valores intelectuais da sociedade liberal burguesa do sculo XIX entram em decadncia. Houve um aumento na capacidade de produzir bens e servios, tornando o mundo mais rico, mas no menos desigual. A humanidade vai se tornando mais culta, como resultado do sistema de alfabetizao em massa, e o mundo se tornar uma aldeia global no nal do sculo. Um mundo mais interligado e dependente em termos polticos e econmicos, com as pessoas mais voltadas para si mesmas. (2001; 21-25). A Primeira Guerra Mundial teve incio em 1914 e foi decorrente do confronto entre as principais potncias mundiais que disputavam novas reas de inuncia. Impelidos pela busca de novos mercados consumidores e de matrias-primas para sua produo industrial, os europeus dividiram o continente africano e parte do asitico. Durante 30 anos, atravs de acordos e diplomacia, foi possvel evitar grandes conitos, mas a repartio desigual das zonas de inuncia acabou acirrando a competitividade e gerou um estado de tenso permanente entre os pases imperialistas, provocando rupturas no frgil sistema de acordos. A insegurana levou os pases imperialistas a uma corrida armamentista que resultou no primeiro conito armado em escala mundial. Imediatamente aps a Grande Guerra pelo menos trs imprios (Russo, Austro-Hngaro, Alemo) foram desmembrados, com a queda de suas respectivas dinastias (Romanov, Habsburgo, Hohenzolern), aproximadamente 10 milhes de pessoas foram mortas e uma nova nao surgiu como potencia mundial: os Estados Unidos da Amrica (EUA). Como se deu o desenrolar dos acontecimentos que levaram a essa guerra? Vamos tentar compreend-los? O avano tecnolgico no sculo XIX gerou um excedente produtivo, causando um dilema aos pases mais industrializados: encontrar novos mercados consumidores para poder vender os produtos excedentes, aplicar capitais, conseguir mo-de-obra barata e, ao mesmo tempo, encontrar novas fontes de matria-prima (petrleo, ferro e cobre) para alimentar a crescente produo industrial.

A sada foi encontrar outros territrios, fora da Europa, capazes de atender s necessidades mais prementes das naes que atingiram o alto nvel de industrializao, dando origem ao chamado neocolonialismo. Alguns pases europeus j tinham colnias no continente africano. Antes, os aventureiros e particulares, em sua maioria, estavam tomando a frente na explorao, mas, com o imperativo de encontrar novos mercados e a descoberta de diamantes no Transvaal (1867) e de ouro e cobre na Rodsia (1889), o cenrio foi alterado. Houve uma corrida pela conquista de territrios e o avano de algumas naes em territrios j conquistado por outro pas. O continente africano e o asitico foram rapidamente tomados e submetidos explorao para suprir as necessidades econmicas das naes europias. Alguns discursos foram pronunciados para explicar as razes da expanso europia. Vamos observar o trecho de um discurso pronunciado por Jules Ferry, colonialista francs: Armo (...) que esta poltica colonial um sistema concebido, denido e limitado do seguinte modo: repousa sobre uma trplice base econmica, humanitria e poltica (...). A questo colonial , para os pases voltados a uma grande exportao, pela prpria natureza de sua indstria, como o nosso uma questo de salvao. No tempo em que vivemos e na crise que atravessam todas as indstrias europias, a fundao de uma colnia a criao de uma vlvula de escape. (...) preciso dizer abertamente que as raas superiores tm direito sobre as raas inferiores (...) porque tm um dever com elas o dever de civiliz-las (...) Armo que a poltica colonial da Frana, que nos tem levado (...) a Saigon, na Conchichina, Tunsia e Madagascar inspira-se numa verdade sobre a qual preciso atrair um instante da nossa ateno (...). Senhores, na Europa tal como ela feita, nessa concorrncia de tantos rivais que vemos crescer em torno de ns, quer pelo aperfeioamento militar ou martimo, quer pelo desenvolvimento prodigioso de uma populao que cresce incessantemente; na Europa, ou antes, num universo assim feito, a poltica de recolhimento ou de absteno simplesmente o grande caminho da decadncia. (citado por Henri Brunschwing, 1960: 73-74). Podemos perceber no trecho acima que, alm de Ferry expor as necessidades de obteno de novos mercados e da concorrncia, ele utiliza o discurso racialista para justicar o direito sobre os territrios conquistados. Vamos entender melhor como esse discurso racialista contribuiu para fundamentar o discurso dos colonialistas?

IDEOLOGIAS RACISTASAo lado do neocolonialismo foi utilizado o racismo cientco. Este funcionou como ideologia do imperialismo europeu, que buscava legitimar seu domnio sobre o continente africano atravs da construo de uma hierarquia racial na qual o homem branco seria superior s outras raas. O francs Dr. Paul Broca aparece como um referencial na politizao da teoria cientica, ao utilizar os mtodos da cincia para identicar quem seria apto para estar no comando da poltica, justicando a expanso europia. Especialista no campo da craniologia, Broca relacionou o clculo do peso da massa enceflica como um mtodo de determinao da superioridade racial, fazendo assim uma associao direta entre o volume do crebro e o nvel de inteligncia. Quanto mais pesada a massa enceflica mais inteligente o indivduo seria e isso deveria explicar as supostas baixas capacidades intelectuais das raas consideradas inferiores. Alm disso, a medio do ngulo da face foi utilizada numa tentativa de aproximar os negros dos smios. A negritude e as protuberncias da face foram estabelecidas como sinais de inferioridade. A imagem feita dos africanos nessas teorias era de animalescos, infantis, ignorantes, cruis e selvagens. Mesmo havendo contestaes a essas teorias, havia um terreno frtil para que o racismo cientco se propagasse, pois estava sendo utilizado como ideologia de um projeto poltico de expanso e dominao de alguns povos sobre outros. Desta forma, as crticas terminaram no ganhando visibilidade. Segundo o antroplogo Renato da Silveira (2000:115).

Histria Contempornea II

7

No foi a craniologia que estabeleceu a superioridade de uns sobre os outros, a superioridade de uns sobre os outros que foi previamente considerada um dado objetivo; cabia cincia craniolgica apenas dar o seu aval. O racismo cientco foi biologicamente reducionista e arbitrrio na seleo dos dados. Devido parcialidade, desleixo terico e generalizaes abusivas dos cientistas, ocorreram situaes constrangedoras que foram difceis de contornar. Um exemplo disso foi a pesagem do crebro de Lon Gambetta, lder da terceira repblica. Quando este morreu, em 1882, seu crebro foi doado para a Sociedade da Autpsia, que se destinava ao estudo do crebro, considerando-o o rgo da funo intelectual. A massa enceflica do ilustre deveria corroborar as teses cientcas sobre a hierarquia racial, mas, ao ser colocado na balana, o crebro de Gambetta pesava apenas 190 gramas. O historiador Pierre Damon escreveu que o crebro de Gambetta no pesava mais que o crebro de um pigmeu e, para salvaguardar a honra da nao, tornava-se urgente demonstrar que fatores intercorrentes haviam alterado a verdade. Diante da diculdade em reverter a situao, a pesagem do crebro de Gambetta permaneceu em absoluto sigilo por mais de 3 anos, como salvaguarda da honra dos franceses. Assim, jogando para debaixo do tapete tudo aquilo que no se encaixava com as teorias racialistas, o racismo foi se difundido e alcanando outros nveis. A prpria raa branca comeou a ser subdividida e hierarquizada. Mulheres, pobres, criminosos, camponeses e operrios foram classicados como classe inferior. Taylor armou que a diferena entre um campons ingls e um africano mal chegava a um palmo. Essa assimilao tinha o mesmo princpio: a dominao de uns sobre os outros, construindo uma hierarquia de classe, raa e gnero. Portanto, o darwinismo social foi utilizado tanto para a diferena racial como sexual. Silveira (2000: 126) coloca que: Nas ltimas trs dcadas do sculo (XIX), quando a idia imperialista levou uma parte importante dos estudos cientcos a reforar justamente o militarismo, as manipulaes religiosas e a injustia social, o fato cienticamente mais signicativo e politicamente mais massivo que os selvagens de l e de c comearam a ser igualmente assimilados s crianas, s mulheres, aos marginais e aos animais. Eram considerados ora passivos e refratrios ao progresso, ora impuros, irresponsveis e perigosos. Deveriam, portanto, ser neutralizados. Ou aniquilados, caso fosse necessrio. Aos poucos, o discurso racista comeou a ser confundido com o discurso classista. Essas teorias sero posteriormente utilizadas durante o nazismo para justicar o massacre de milhes de judeus, ciganos e marginalizados sociais, como veremos mais adiante.

CRISES INTERNACIONAIS PR-PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Foi em 1876 que o rei Leopoldo da Blgica adquiriu um domnio particular no Congo. Em vista da contestao de outras naes europias interessadas no mesmo territrio, o chanceler alemo Bismarck convocou a conferncia de Berlim (1885-1887) para discutirem e xarem as regras da partilha do continente africano. Vamos olhar com ateno o mapa abaixo para entendermos o produto dessa conferncia.MAPA RETIRADO DE: PAZZINATO, ALCEU LUIZ; SENISE, MARIA HELENA VALENTE. HISTRIA MODERNA E CONTEMPORNEA, SO PAULO, EDITORA TICA, 1994.

8

FTC EaD | HISTRIA

Como pode ser observado, os franceses e os ingleses tinham maiores possesses, cando a Alemanha e a Itlia com territrios diminutos, de poucas possibilidades econmicas. Enquanto a partilha causava descontentamento entre alemes e italianos, por um lado, de outro provocou um acirramento na antiga rivalidade entre franceses e ingleses que quase entraram em confronto direto em 1898, quando suas fronteiras territoriais se encontraram em Fachoa, no Alto Nilo. Do lado africano, essa partilha separou comunidades e juntou outras historicamente inimigas, transformando a frica num barril de plvora. Povos e culturas foram violentamente extirpados na tentativa de se ocidentalizar os continentes africano e asitico.

EUA e o Big StickDiante dos conitos que se desenrolavam na Europa, os EUA decidiram manter-se afastados como melhor caminho para seu engrandecimento poltico-econmico, assim como o domnio que o pas procurava exercer sobre o continente americano. Isso foi decidido na Primeira Conferncia Pan-Americana, que veio, de certa forma, conrmar as pretenses imperialistas dos EUA dentro do continente americano. Desde a Doutrina Monroe, que pode ser sintetizada na frase a Amrica para os americanos, criada em 1923, impedindo os europeus de interferirem nos assuntos no continente americano e de criar colnias no mesmo territrio, j eram claras as intenes imperialistas dos estadunidenses. Os EUA no estavam sendo protecionistas, pois suas ambies eram altamente imperialistas. Ele preparava o terreno para que seus objetivos expansionistas fossem alcanados com xito. Como no pde deixar de ser, assim como os europeus, lanou mo de teses para comprovar sua superioridade, consolidada no destino manifesto que armava sua misso em civilizar os povos inferiores. Em 1904, o presidente Roosevelt lanou o corolrio Roosevelt Doutrina Monroe, que cou conhecido com o nome de Big Stick (grande porrete), advindo da frase utilizada por Roosevelt: Fale macio e use um porrete. A poltica do Big Stick justicava a interveno armada dos EUA em alguns pases da Amrica para preservar a democracia e restabelecer a ordem no continente. Ele se colocava como salvaguarda do continente americano e comeou a ajudar nos movimentos de independncia que surgiram. O caso de Cuba e do Panam so dois exemplos que explicitam as pretenses imperialistas estadunidense. Os EUA j se mostravam interessados na produo aucareira e na posio geogracamente estratgica de Cuba (na entrada do Golfo do Mxico e prxima do Panam) ao tentar comprar a ilha dos espanhis. Como sua tentativa no obteve resultado positivo, ele buscou auxiliar o movimento de independncia cubana (1895), que saiu vencedor do conito. Algo semelhante aconteceu com o Panam. Frana, Inglaterra e EUA se mostravam interessados no Canal do Panam: um canal estava sendo construdo por uma empresa francesa na passagem que ligava o Atlntico ao Pacco. Quando esta faliu, os EUA imediatamente obtiveram as suas aes (1901) para terminar a construo do canal. O nico empecilho era que a Colmbia no permitia interferncia em seu territrio. O caminho encontrado foi fortalecer o diminuto movimento de independncia do Panam para garantir a liberdade de inuncia nessa rea. Conseguida a independncia do Panam, os EUA puderam terminar a construo do Canal do Panam e foram aumentando sua inuncia e consolidando sua hegemonia poltica na Amrica Latina.

A Paz ArmadaO perodo entre 1871 e 1914 ficou conhecido como Paz Armada. Foi caracterizado pelo maior investimento na indstria blica, produzindo novas tecnologias, poltica de exaltao cvica e patritica e o servio militar tornado obrigatrio. Com as zonas de tenses cada vez mais prximas e os pases se preparando militarmente para o confronto, a exploso da guerra era uma questo de tempo. Seria pertinente nos perguntar: por que essa guerra no pde ser evitada atravs de acordos? Uma resposta coerente pensarmos que acordos apenas adiariam o confronto, porque houve uma fuso entre poltica e economia no imperialismo. Uma cou estreitamente ligada outra, de forma que a poltica

Histria Contempornea II

9

internacional comeou a ser determinada pelo crescimento econmico e a competio crescente. Eram grandes as ambies dos pases que se envolveram no conito armado e a perda da guerra poderia levar ao declnio econmico e poltico dos vencidos. Vamos perceber as principais motivaes de cada pas para entrarem na guerra? A Inglaterra, como maior imprio neocolonial e pas mais industrializado, temia o avano da Alemanha, que estava alcanando grandes produes de ao, e sua expanso na conquista de novos territrios ameaava a estabilidade inglesa A Alemanha conseguiu sua unicao tardiamente e adotou uma poltica externa agressiva para tentar alcanar seus concorrentes ingleses e franceses. Assim como a Alemanha, a Itlia havia se unicado na segunda metade do sculo XIX e estava lutando por um alinhamento poltico que lhe trouxesse vantagens. A Frana no estava conseguindo atingir altos ndices de produo e alimentava um revanchismo em relao Alemanha, que havia lhe retirado dois territrios importantes: a Alscia e a Lorena. A Rssia estava iniciando seu processo de industrializao e lutava por seu lugar ao sol junto s outras naes. Atravs da teoria do pan-eslavismo, ela mascarava suas pretenses expansionistas. A Srvia, igualmente, utilizava a teoria do pan-eslavismo buscando aumentar seu territrio e conseguir sada para o Mar Adritico. Projeto ao qual o Imprio Austro-Hngaro vinha colocando empecilhos. O Imprio Austro-Hngaro e o Turco estavam em decadncia, mas, ao dominarem regies que eram ricas e importantes geogracamente, acabaram sendo arrastados para os conitos, pois as reas que dominavam reluziam como ouro aos olhos das outras naes. Os Estados Unidos, como acabamos de vericar, no se envolveram nos conitos europeus, pois tentavam consolidar sua inuncia na Amrica Latina.

AlianasNo foi possvel fazer acordos para evitar a guerra, mas foi possvel manter acordos para no perder a guerra. No sendo crvel a nenhum dos pases imperialistas realizar seus objetivos sozinhos, optaram por tecer alianas. Dos diversos acordos rmados, dois deles terminaram predominando: A Trplice Aliana e a Trplice Entente. A Trplice Aliana surgiu em decorrncia da aproximao da Alemanha com a Itlia e o Imprio Austro-Hngaro. A Trplice Entente passou a existir por iniciativa da Frana, que reuniu Inglaterra e Rssia para equilibrar as foras polticas depois da formao da Trplice Aliana.

EUROPA S VSPERAS DA PRIMEIRA GUERRA - MAPA RETIRADO DE: PAZZINATO, ALCEU LUIZ; SENISE, MARIA HELENA VALENTE. HISTRIA MODERNA E CONTEMPORNEA, SO PAULO, EDITORA TICA, 1994

10

FTC EaD | HISTRIA

AS FASES DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

O cenrio e os motivos para a efetivao da primeira guerra j estavam preparados; faltava apenas a primeira agresso considerada relevante para o incio do confronto. Esta aconteceu em Sarajevo, em 1914. A pennsula balcnica era um barril de plvora devido constante tenso alimentada pela rivalidade entre os diferentes povos (srvios, eslovenos, bsnios, albaneses, blgaros, croatas, romenos e gregos). Srvia, Bulgria, Montenegro e Romnia eram independentes, mas viviam sob o predomnio do Imprio Austro-Hngaro e o Turco-Otomano. Na Srvia, alguns grupos alimentavam a idia do pan-eslavismo, que consistia no desejo de reunir todos os povos eslavos nos Blcs. O principal empecilho era o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austraco, que pretendia anexar os territrios eslavos ao Imprio Austro-Hngaro. Quando da visita do arquiduque a Sarajevo, capital da Bsnia, este foi assassinado por uma faco radical e o governo da Srvia acusado de ter tramado a execuo. Este foi o motivo que se precisava para que a guerra tivesse inicio. Um ms depois do assassinato de Ferdinando, o confronto comeou com a declarao de guerra da ustria Srvia. A primeira guerra dividida em dois momentos: A guerra de movimento e a guerra de trincheiras. A guerra de movimento, iniciada em 1914, marcou o movimento e avano dos exrcitos sobre os territrios inimigos. A certo ponto, houve um equilbrio das foras blicas e os exrcitos foram obrigados a carem parados em trincheiras esperando o melhor momento para novamente avanar. Nessa guerra de trincheiras, os exrcitos utilizaram de toda a tecnologia disponvel (gases, tanques, avies) para abrir espao e ultrapassar as barreiras montadas pelos exrcitos inimigos. Hobsbawm (2001: 33) nos passa uma viso de como seria essa guerra de trincheiras: Milhes de homens ficaram uns diante dos outros nos parapeitos de trincheiras, barricadas com sacos de areia, sob os quais viviam como e com ratos e piolhos. De vez em quando seus generais procuravam romper o impasse. Dias e mesmo semanas de incessante bombardeio de artilharia amaciavam o inimigo e o mandavam para debaixo da terra, at que no momento certo levas de homens saam por cima do parapeito, geralmente protegidos por rolos e teias de arame farpado, para a terra de ningum, um caos de crateras e de granadas inundadas de gua, tocos de rvore calcinados, lama e cadveres abandonados, e avanavam sobre metralhadoras que os ceifavam como eles sabiam que aconteceria. Essa guerra de trincheiras esgotou as foras dos soldados, que passavam longo tempo sujeitos a doenas, frio e fome. Um soldado alemo, que morreu em combate, descreveu o estado em que se encontravam ele e seus companheiros. Estamos to exaustos que dormimos mesmo sob imenso barulho. A melhor coisa que poderia acontecer seria os ingleses avanarem e nos fazerem prisioneiros. Ningum se importa conosco. No somos revezados. Os avies lanaram projteis sobre ns. Ningum mais consegue pensar. As raes esto esgotadas po, conservas, biscoitos, tudo terminou! No h uma nica gota de gua! o prprio inferno! (carta, 1974:160)

Histria Contempornea II

11

TRINCHEIRA BRITNICA FONTE: HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES

Veja tambm outros trechos de relatos de soldados e cartas encontradas nos bolsos dos soldados nas diversas batalhas da primeira guerra. Ao ouvir alguns gemidos, quando eu ia para as trincheiras, olhei para um abrigo ou buraco cavado ao lado e achei nele um jovem alemo. Ele no podia se mover porque suas pernas estavam quebradas. Implorou-me que lhe desse gua, eu corri atrs de alguma coisa e encontrei um pouco de caf que logo lhe dei para beber. Ele dizia todo o tempo Danke, Kamerad, danke, danke (Obrigado, Camarada, obrigado, obrigado). Por mais que odeie os boches, quando voc os est combatendo, a primeira reao que ocorre ao v-los cados por terra e feridos sentir pena.(...) Nossos homens so muito bons para com os alemes feridos. Na verdade, gentileza e compaixo com os feridos foram talvez as nicas coisas decentes que vi na guerra. No raro ver um soldado ingls e outro alemo lado a lado num mesmo buraco, cuidando um do outro e fumando calmamente. (Tenente Arthur Conway Young, Frana, 16 de Setembro de 1916 In. Histria Contempornea Atravs de Textos p. 120). O campo de batalha terrvel. H um cheiro azedo, pesado e penetrante de cadveres. Homens que foram mortos no ltimo outubro esto meio afundados no pntano e nos campos de nabos em crescimento. As pernas de um soldado ingls, ainda envoltas em polainas, irrompem de uma trincheira, o corpo est empilhado com outros; um soldado apia o seu rie sobre eles. Um pequeno veio de gua corre atravs da trincheira, e todo mundo usa a gua para beber e se lavar; a nica gua disponvel. Ningum se importa com o ingls plido que apodrece alguns passos adiante. No cemitrio de Langermark, os restos de uma matana foram empilhados e mortos caram acima do nvel do cho. As bombas alems, caindo sobre o cemitrio, provocaram uma horrvel ressurreio. Num determinado momento, eu vi 22 cavalos mortos, ainda com os arreios. Gado e porcos jaziam em cima, meio apodrecidos. Avenidas rasgadas no solo, inmeras crateras nas estradas e nos campos. (De Um Fatalista na Guerra, de Rudolf Binding, que serviu numa das divises da Jungdeustschland In. Histria Contempornea Atravs de Textos p. 119)

1917 A guerra muda de rumoO ano de 1917 representou uma virada de rumos na guerra, sendo decisivo na mudana para o trmino do conito. Por um lado, a insatisfao de soldados e populao civil com o encaminhamento da guerra fez surgir protestos nas trincheiras e nas cidades. A prpria Revoluo Russa foi, em parte, uma reivindicao contra a guerra, com seus apelos de sada imediata da Rssia do confronto. Podemos ler abaixo uma carta de um soldado insatisfeito com a poltica de guerra. Sou um soldado convencido de estar agindo pelos soldados. Acredito que esta guerra, na qual ingressei como se fora uma guerra de defesa e libertao, converteu-se, agora, numa guerra de agresso e conquista. [...] Vi e suportei os sofrimentos das tropas e no posso mais contribuir para prolongar esse sofrimento com vistas a objetivos mais cruis e injustos. No estou protestando contra a direo da guerra, mas contra os erros polticos e as insinceridades12

FTC EaD | HISTRIA

pelos quais os combatentes esto sendo sacricados. Em nome daqueles que esto sofrendo agora, protesto contra o engano de que esto sendo vitimas: acredito tambm poder contribuir a complacncia indiferente com que a maioria dos que esto em casa contemplam o prosseguimento de agonias que no compartilham, e que no possuem imaginao suciente para conceber (Extrado do Bradford Pionner, 27 de julho de 1917 (1975: 690)). Em 1917, os EUA decidem entrar na guerra ao lado da Trplice Entente, declarando guerra Alemanha. Sua entrada foi decisiva e deu-se em vista da preocupao de que a Alemanha pudesse ganhar a guerra. Alm disso, a guerra submarina alem ameaava as exportaes estadunidenses de chegaram at Europa. Os EUA exportavam principalmente para Frana e Inglaterra que, se sassem derrotadas da guerra, no poderiam pagar pelos emprstimos e mercadorias estadunidenses. Em 1918, com tratado feito entre Alemanha e Rssia, as tropas alems foram deslocadas, aumentando a ofensiva contra os Aliados. A ajuda dos EUA Entente foi decisiva para a vitria dos Aliados e a derrota alem. Em 11 de novembro de 1918, a Alemanha assinou sua rendio, pondo m ao conito. Houve, anteriormente, uma revolta, liderada pelos sociais-democratas, que deps o Kaiser Guilherme II pondo m ao Segundo Reich e instituindo a Repblica de Weimar.

CONSEQNCIAS DA PRIMEIRA GUERRANo m, a guerra arrasou vencedores e vencidos. Ambos saram quebrados economicamente e arrasados sicamente com a destruio de suas cidades. Em mdia, 10 milhes de pessoas foram mortas e de 4 a 5 milhes de refugiados se deslocaram de uma regio para a outra. Alguns se perguntavam sobre um possvel declnio da Europa. At aqui, era fator elementar da Geograa Econmica que a Europa dominava o mundo com toda a superioridade de sua grande e antiga civilizao. Sua inuncia e seu prestgio irradiavam, desde sculos, at s extremidades da Terra. Ela enumerava, com orgulho, os pases que havia descoberto e lanado na civilizao. Povos que ela havia alimentado de sua substncia e modelado sua imagem, as sociedades que ela tinha obrigado a imit-la e a servi-la. Quando se pensa nas conseqncias da Grande Guerra, que agora nda, pode-se perguntar se a estrela da Europa no perdeu seu brilho, e se o conito do qual ela tanto padeceu no incitou para ela uma crise vital que anuncia a decadncia... Desde a poca dos grandes descobrimentos, a Europa imps ao universo sua orientao econmica. J no m do sculo XIX, nos eram velados a vitalidade e o poderio de certas naes extra-europias, umas, como os Estados Unidos, alimentadas do prprio sangue da Europa; outras, como o Japo, formadas por seu modelo e conselhos. Ao precipitar o surgimento desses recm-chegados, ao provocar o empobrecimento das bases produtoras da Europa, ao criar, assim, um profundo desequilbrio entre eles e ns, a guerra no abriu para o nosso velho continente uma crise de hegemonia e expanso?. Demangeon (1920: 13-15). A situao para os pases europeus no era animadora, causando receio populao sobre a sua restaurao e os custos a pagar. Os EUA, no entanto, saram fortalecidos da guerra. Sua breve participao no conito no lhe proporcionou pesadas baixas, alm disso, nenhum confronto foi feito em seu prprio territrio. Os EUA foram o principal fornecedor de armas e alimentos para a Europa, o que lhe proporcionou grandes dividendos econmicos. Eles saram como uma grande potncia mundial e seus prximos passos rmaram esse posto conquistado (continuar aumentando sua inuncia na Amrica Latina). Um sinal dos tempos foi o lanamento do plano que continha 14 pontos, do presidente americano

Histria Contempornea II

13

Wilson, e que tinha por objetivo orientar o armistcio de paz, ao tempo que seus planos econmicos buscaro ajudar a Europa em sua crise nanceira e revertero altas quantias para seus cofres.

Os 14 pontos de WilsonEm 1918, o presidente dos EUA divulgou um plano de 14 pontos que deveria nortear as discusses de paz. Seus principais pontos foram: O m das negociaes e clusulas secretas em todos os acordos internacionais A abertura denitiva dos estreitos de Bsforo e Dardanelos A devoluo da Alscia-Lorena Frana Liberdade de comrcio e navegao entre todos os pases A aplicao do princpio das nacionalidades como forma de resolver os problemas da pennsula balcnica e dos povos da ustria-Hungria Evacuao da Rssia Limitao dos armamentos nacionais ao nvel mnimo comparado com a segurana. Criao da Liga das Naes para arbitrar conitos internacionais e evitar futuros conitos armados. Restaurao da Polnia, Srvia e Montenegro. Como podemos observar, os 14 pontos no previam pesadas sanes para os derrotados. Talvez o presidente americano estivesse mais preocupado com a Rssia e a disseminao do bolchevismo pelo mundo. Na prtica, poucas foram as propostas de Wilson aplicadas, provavelmente porque a idia de no punir os vencidos desagradava a Frana e a Inglaterra.

Tratado de VersalhesDepois da guerra, alguns tratados de paz foram rmados. O mais importante deles foi o Tratado de Versalhes, acordo de paz rmado com a Alemanha, realizado no palcio de Versalhes, em 1919. Apenas os vencedores participaram da conferncia e impuseram condies de rendio rduas. A Alemanha foi responsabilizada pelo conito e obrigada a pagar altas indenizaes; a Alscia-Lorena foram reapropriadas pelos franceses; o exrcito alemo foi drasticamente reduzido a 100 mil homens e a fronteira francogermnica desmilitarizada. Alm disso, os Aliados obtiveram concesses de privilgios aduaneiros e a Alemanha foi privada de todas as suas colnias do ultramar. Observe abaixo algumas determinaes do Tratado de Versalhes. Artigo 42 A Alemanha est proibida de manter ou construir quaisquer forticaes, seja na margem esquerda do Reno, seja na margem direita, a oeste de uma linha traada 50 quilmetros a leste do Reno... Artigo 80 A Alemanha reconhece e respeitar rigorosamente a independncia da ustria, dentro das fronteiras que podem ser xadas num Tratado entre aquele Estado e o Aliado Principal e as Potncias Associadas; concorda em que esta independncia ser inalienvel, a no ser com o consentimento do Conselho da Liga das Naes. Artigo 81 A Alemanha, de conformidade com a ao j realizada pelas Potncias Aliadas e Associadas, reconhece a completa independncia do Estado Tchecoslovaco, que incluir o territrio autnomo dos Rutenianos, ao sul dos Crpatos. Com isso, a Alemanha reconhece as fronteiras deste Estado, como determinadas pelo Aliado Principal e as Potncias Associadas e os outros Estados interessados... Artigo 89 A Polnia incumbe-se de conceder liberdade de trnsito a pessoas, bens, navios, transportes, comboios e correios em trnsito entre a Prssia Oriental e o restante da Alemanha, atravs do territrio polons, inclusive das guas territoriais, e trat-los pelo menos to favoravelmente quanto as pessoas, bens, navios, transportes, comboios e correios respectivamente de nacionalidade polonesa ou outras mais favorecidas. Artigo 168 Numa data que no deve ser posterior a 31 de maro de 1920, o Exrcito Alemo no deve compreender mais que sete divises de infantaria e trs divises de cavalaria.14

FTC EaD | HISTRIA

Depois daquela data, o nmero total de efetivos no Exrcito dos Estados que constituem a Alemanha, no deve exceder de cem mil homens, inclusive ociais e estabelecimentos de depsitos. O exrcito dedicar-se- exclusivamente manuteno da ordem dentro do territrio e ao controle das fronteiras. A fora efetiva total de ociais, inclusive o pessoal administrativo, qualquer que seja sua composio, no deve exceder de quatro mil... Artigo 232 Os Governos Aliados e Associados reconhecem que os recursos da Alemanha no so adequados, depois de levar em conta as diminuies permanentes desses recursos, que resultaro de outros itens deste Tratado, para realizar a indenizao completa por todas essas perdas e danos. Os governos Aliados e Associados, contudo, exigem e a Alemanha promete que far compensaes por todos os danos causados populao civil das Potncias Aliadas e Associadas e a sua propriedade durante o perodo de beligerncia de cada uma, como uma potncia Aliada ou Associada contra a Alemanha... Artigo 428 Como ana pela execuo do presente Tratado pela Alemanha, o territrio alemo situado a oeste do Reno, junto s cabeas de ponte, ser ocupado pelas tropas Aliadas e Associadas por um perodo de quinze anos, a partir da entrada em vigor do presente tratado... Artigo 431 Se antes da expirao do perodo de quinze anos a Alemanha cumprir com todas as promessas resultantes do atual Tratado, as foras de ocupao sero retiradas imediatamente. (Fenton, Edwin. 32 Problemas na Histria Universal. So Paulo, Edart. 1975. p. 134-135 in Histria Contempornea Atravs de Textos e Documentos, p. 114-118) Vamos observar o mapa abaixo para percebermos como cou a nova diviso das reas ps-Tratado de Versalhes.

MAPA RETIRADO DE: PAZZINATO, ALCEU LUIZ; SENISE, MARIA HELENA VALENTE. HISTRIA MODERNA E CONTEMPORNEA, SO PAULO, EDITORA TICA, 1994

Um dos objetivos do Tratado de Versalhes era manter a Alemanha enfraquecida e sem possibilidades de voltar a combater em um curto perodo de tempo. Ela era temida por, praticamente sozinha, quase ter derrotado a coalizo aliada. Um outro ponto era que o mapa da Europa deveria ser redesenhado. A inteno era criar Estadonaes tnico-ligusticos para que cada nao tivesse o direito de autodeterminao sobre seus territrios. Para que isso fosse conseguido era preciso uma denio precisa de territrios pertencentes a cada nao, determinada tambm por questes tnico-ligusticas. Como o nmero de migraes aumentou no perodo da guerra, essa tarefa teria sido muito difcil caso houvesse uma preocupao maior na denio dos territrios de cada nao. Em acrscimo, com a ascenso dos regimes totalitaristas, as migraes tenderam a aumentar e a conseqncia dessa redenio do mapa europeu foi a exploso de diversos conitos nacionais na dcada de 90. De todo modo, com o Tratado de Versalhes, novos pases surgiram no cenrio.Histria Contempornea II15

Um terceiro ponto era isolar a Rssia, para impedir que bolchevismo se espalhasse pelo mundo. Apesar de Versalhes seguir algumas determinaes dos 14 pontos de Wilson, os EUA no endossaram o acordo de paz devido aos atritos com a Gr-bretanha e a Frana. A saber, os demais acordos de paz foram: O tratado de Saint Germain-en-Laye, que selou a paz com a ustria e estabeleceu que esta reconhecia a independncia da Hungria, Tchecoslovquia e Iugoslvia, foi assinado em 10 de setembro de 1919. Em 27 de novembro, assinou-se o tratado de Neuilly com a Bulgria; seguiu-se o tratado de Trianon, em 4 de julho de 1920, com a Hungria; e Svres, em 10 de agosto de 1920, com a Turquia. Outra reunio acontecida para resolver os problemas gerados pela primeira guerra foi a Conferncia de Genebra, realizada em 1925. Esta determinou a proibio da utilizao de substncias venenosas pelas naes beligerantes. No dia 22 de abril de 1915, cerca de 150 toneladas de gs clordrico foram lanadas nos campos de Flandres (Blgica) por soldados alemes, provocando a morte de centenas de soldados. A morte provocada pelo gs foi descrita como afogamento em terra seca. Depois de ser quebrada a proibio da utilizao de substncias venenosas na guerra, outras naes utilizaram gs mostarda nos combates. Esse gs costuma queimar a pele, alm de provocar cegueira temporria. No ano de 1918, o Comit Internacional da Cruz Vermelha (CICV) fez um apelo pblico contra a utilizao de gases venenosos durante os conitos. O CICV descreveu o gs como uma inveno brbara que a cincia est aperfeioando. Seu protesto era contra a guerra e as feies de barbrie que a guerra estava tomando. Essa manifestao pblica do CICV contribuiu para que a Conferncia de Genebra fosse efetivada e que fosse proibido o uso de substncias venenosas pelas naes beligerantes. Porm, logo em seguida a Espanha utilizou gs mostarda para reprimir uma revolta no Marrocos; em 1931 foi a vez do Japo quebrar o protocolo, ao usar armas qumicas na invaso da Manchria. A Itlia, em 1936, usou gs mostarda na Etipia.

Liga das NaesFoi criada em 1919 como um rgo internacional destinado preservao da paz e arbitramento de conitos internacionais. Seu conselho era composto pela Gr-Bretanha, Frana, Itlia, Japo e, posteriormente, Alemanha e Unio Sovitica juntaram-se ao seleto grupo. Como os EUA se recusaram a aceitar o Tratado de Versalhes, no puderam participar dessa organizao. Por no ter armas prprias, o poder de coero da Liga baseava-se em sanes econmicas e militares. Ela foi bem-sucedida em pequenos conitos ocorridos nos Blcs e na Amrica Latina, na administrao de territrios livres como a cidade de Dantzig, na assistncia econmica e proteo a refugiados e na superviso do sistema de mandatos coloniais. Porm, a organizao se mostrou inecaz nos conitos de maior envergadura, como foi a invaso Japonesa na Manchria (1931), a agresso da Itlia Etipia (1935) e o ataque russo Finlndia (1939). A Liga das Naes teve m aps a Segunda Guerra Mundial, em 1946, e sua responsabilidade foi entregue Organizao das Naes Unidas (ONU).

AtenoBrasil na guerra s para esquecer a crise interna A declarao de guerra Alemanha foi mais um gesto poltico, pois a fragilidade de nossa marinha de guerra (at 1910, considerada a terceira do mundo, mas no reequipada) no permitia a participao efetiva no conito. Apesar disso, o governo enviou uma fora-tarefa frica, que no pde combater devido a um surto de gripe espanhola que atingiu 90% da tripulao e provocou dezenas de mortes. Uma misso mdica, comandada pelo Dr. Nabuco de Gouva, prestou trabalho na Frana, e diversos navios alemes foram aprisionados em guas brasileiras. Vrias razes levaram o Brasil a suspender a neutralidade decretada pelo governo do mare-

16

FTC EaD | HISTRIA

chal Hermes da Fonseca. A mais divulgada delas foi a srie de afundamentos de navio mercantes brasileiros pelos submarinos alemes, que comeou com o torpedeamento do Paran, em 5 de abril de 1917. A admirao dos intelectuais brasileiros pela Frana, a entrada dos Estados Unidos na guerra e a necessidade de unio interna tambm inuenciaram na deciso do presidente Venceslau Brs. A declarao brasileira de guerra foi sancionada no dia 27 de outubro de 1917 e serviu para que o governo desviasse a ateno popular dos problemas econmicos e sociais internos. Dentro desse esprito, foi decretado o Estado de Stio no dia 17 de novembro, medida que agitou a poltica nacional, pois, utilizando o pretexto da guerra, tinha o objetivo de proibir os comcios de organizaes operrias, prender lderes populares e acabar com as constantes greves. Epitcio Pessoa, que seria eleito presidente em 1919, foi o representante brasileiro do armistcio. Se a participao do Pas nos combates foi modestssima, a comitiva que negociou a paz foi um exagero: eram dez membros com suas respectivas famlias, que quase lotaram um navio. (Dirio Popular um sculo de lutas pela liberdade. 8/11/1914, p. 34.).

Atividade complementar1. Por que a Primeira Guerra Mundial no pde ser evitada atravs de acordos?

2. Qual a importncia do racismo cientco para os pases imperialistas e quais os seus principais problemas?

3. Depois da leitura do texto complementar, aponte as razes para a declarao de guerra feita pelo Brasil.

Histria Contempornea II

17

4. Quais as principais conseqncias da primeira guerra?

5. Para Hobsbawm, o que muda depois da primeira guerra?

Estante do historiadorA Era dos Extremos O breve sculo XX 1914-1991 Escrito pelo historiador Eric Hobsbawm, leitura obrigatria para todos aqueles que pretendem entender o sculo XX, suas ideologias, seus conitos e suas conseqncias para o mundo contemporneo.

Cinema e histriaCarlitos nas trincheiras (Shoulder Arms) Lanado por Charles Chaplin em 1918, atravs do seu memorvel personagem Carlitos, que representa um soldado inapto para a batalha, mostra o panorama da guerra no ambiente das trincheiras e suas caractersticas, amenizando situaes extremas, mas no deixando de estabelecer um tom crtico para o contexto da guerra. O ltimo batalho Baseado em fatos reais, conta a histria de Charles White, advogado nos EUA e elevado patente de major durante da primeira guerra, comandando um batalho no permetro MeuseArgone, cercado por alemes e esperando apoio estratgico do exrcito francs, que nunca chegou. Flyboys Produzido no ano de 2006, baseia-se na histria verdica de jovens americanos que, antes da entrada denitiva dos EUA na primeira guerra, aventuraram-se pilotando avies franceses, formaram a esquadrilha Lafayette e foram os primeiros americanos a combater nos cus da Europa durante o conito. Apesar de carregar o esprito americano, d uma boa dimenso da tecnologia erea utilizada na Primeira Guerra Mundial.

O historiador e a internethttp://www.rstworldwar.com/ - Apesar de estar em ingls, o site tem uma sesso de mapas e vdeos que ajudam bastante na compreenso de vrios elementos da Primeira Guerra Mundial. http://www.bbc.co.uk/history/worldwars/wwone/ - Site da BBC de Londres, com uma tima navegao e muitas informaes sobre a Primeira Guerra Mundial.

PERODO ENTRE-GUERRASA REVOLUO RUSSAAssim como boa parte das revolues, esta foi inesperada quando aconteceu, apesar do seu breve

18

FTC EaD | HISTRIA

anncio. Foi em meio aos problemas decorrentes da primeira guerra, que gerou grandes baixas no exrcito, escassez de gneros alimentcios (devido falta de mo-de-obra nos campos), inao galopante e a falta de abastecimento nos centros urbanos. Em protesto, a populao, em cinco dias de movimentos sociais consecutivos, em ns de fevereiro, derrubou o Czar (monarquia), provocando a queda da dinastia Romanov. Estava iniciado o processo revolucionrio. A Rssia era regida por uma monarquia (Czar) e tinha partidos que eram orientados por trs correntes de pensamento: os democratas constitucionais, que representavam as aspiraes da burguesia em efetivar um regime liberal e parlamentar. Os populistas, que consideravam ser possvel a passagem do feudalismo para o socialismo sem passar pelo capitalismo e pregavam um socialismo agrrio com base nas sociedades rurais. Por m, os sociais-democratas, que se baseavam nas teses de Marx e Engels, que consideravam a passagem pelo capitalismo para chegar ao socialismo. Essa passagem seria comandada por uma classe operria urbana organizada e consciente. Os sociais-democratas dividiam-se em mencheviques (minoria) que defendia uma aliana com a burguesia e bolcheviques (maioria), que eram contra qualquer tipo de acordo com a burguesia Para Marx e Engels a revoluo socialista aconteceria no pas mais desenvolvido economicamente. Desta forma, a Rssia, que tinha uma economia agrria, com as terras em poder de poucos proprietrios, com formas de trabalho feudais e uma industrializao incipiente, estava bem longe do pensamento marxista de ser considerada o bero do socialismo. A Alemanha era considerada a mais apta para desencadear uma revoluo desta natureza, mas foi na Rssia que a revoluo aconteceu, dando origem ao regime comunista. No da forma pensada por Marx, mas, sem dvida, foi a experincia comunista que vimos a conhecer. Nos 30 primeiros anos do sculo XX, a Rssia foi palco de trs revolues. Segundo Daniel Aro Reis Filho (2003: 14), houve uma tendncia entre os revolucionrios vitoriosos e alguns especialistas no tema em criar um nexo entre os trs acontecimentos. Seguindo esta linha, a revoluo de 1905 seria o prlogo, a de 1917 o eplogo e a de 1921 apenas uma revolta. Porm, na opinio do autor, as revolues aconteceram sem prvia determinao de qualquer natureza e no estavam inscritas em nenhuma lgica. Foram construdas no contexto de entrecruzamentos e de choques de imensas foras sociais e polticas em ao, de opes de foras tomadas por suas lideranas e partidos, condicionadas por circunstncias nacionais e internacionais que nenhuma delas, individualmente, controlava. Em 1905, depois de presenciar a derrota de seu pas pelo Japo na guerra russo-japonesa, os operrios russos dirigiram-se at o palcio do Czar para requerer diminuio da jornada de trabalho para oito horas, salrio mnimo e formao de uma assemblia constituinte por sufrgio universal. Os manifestantes foram violentamente reprimidos e o episdio foi chamado de Domingo Sangrento. Houve exploso de diversas greves e por m uma greve geral, em vista da no-realizao de novas eleies para a Duma. Foi em meio greve que surgiu uma nova forma de organizao chamada de Soviete (conselho), um rgo formado por delegados eleito pelos trabalhadores, camponeses que deveriam tomar decises de carter poltico, estando frente o soviete de So Petersbugo, liderado por Trtski. Esse modelo estaria presente nas revolues seguintes. Apesar do czar Nicolau II ter cedido e assegurado algumas mudanas no manifesto de outubro, com liberdade de imprensa, reunio e associao, houve novamente violenta represso sobre os manifestantes para debelar a agitao, sendo que as medidas anunciadas no manifesto de outubro no foram postas em prtica. A segunda revoluo foi em 1917. Comeou em fevereiro e teve m em outubro, igualmente surgida pela insatisfao relativa ao governo e participao da Rssia na Grande Guerra, que estava matando os soldados nas trincheiras e a populao de fome. O esforo de guerra canalizou os recursos para a indstria blica em detrimento das indstrias de bens de consumo, que estavam fechando. A agricultura apresentava baixa produo e reduo dos estoques, pois os camponeses foram deslocados para as trincheiras. A derrubada do czar, promovida pela populao insatisfeita, criou um vcuo no poder que procurou ser preenchido por uma frente poltica que reunia liberais e cadetes que tentavam comandar e/ou coordenar o processo que resultou na queda do czarismo e que continuava em curso. Esse governo provisrio, chamado de Duma, decretou anistia para os presos e exilados polticos e programou algumas reformas no calendrio poltico. Neste, era fundamental no perder a guerra, pois, depois da queda da dinastia,Histria Contempornea II19

os planos mudaram: No se tratava mais de defender um governo autocrtico, mas de salvar a revoluo. Instaurou-se uma situao de duplo poder: Por um lado, a Duma querendo honrar os acordos e no aceitando a retirada da Rssia da guerra e, por outro, os sovietes, que pediam o cumprimento imediato das reivindicaes, que consistiam em po, terra e paz. O resultado em no atender s reivindicaes dos sovietes foi o confronto entre os dois poderes que coexistiam em julho. Dois meses antes, Lnin, recm sado do exlio, lana as teses de abril, que pediam a sada imediata da guerra, a nacionalizao das empresas privadas e a entrega do poder aos sovietes: todo poder aos sovietes! era a palavra de ordem. Ao mencionar um dilema que precisava ser resolvido, Lnin expe seu ponto de vista numa proclamao por ele assinada e publicada no jornal Rabotchi Put: Todo soldado, todo operrio, todo verdadeiro socialista democrata sincero compreende que a situao atual s oferece duas alternativas: Ou o poder permanece nas mos dos burgueses e proprietrios das terras e signicar todo tipo de represso para os operrios, soldados e camponeses e a continuao da guerra, a fome e a morte inevitveis... Ou o poder se transfere para as mos dos operrios, soldados e camponeses revolucionrios: e nesse caso, signicar a abolio total da tirania dos donos da terra, o aniquilamento imediato dos capitalistas, a proposta urgente de uma paz justa. A paz estar garantida para os camponeses, o controle da indstria assegurada aos operrios. Haver po para os que tm fome e esta guerra absurda chegar ao m! (citado por Reed, 136). Impulsionados pela proclamao de Lnin, houve a deciso por parte dos bolcheviques, em outubro, de que somente a tomada do poder pela via armada poderia transferir o governo para as mos dos sovietes, e criou-se a Guarda Vermelha que, na madrugada de 24 para 25 de outubro, invadiu o Palcio de Inverno e derrubou o governo provisrio. Trotsky nos revela um pouco sobre essa madrugada: O pblico da Nevsky (principal avenida de Petrogrado) comeou a assustar-se l pela noite. Pela manh, o alarme era to intenso que, nos quarteires burgueses, pouca gente ousava aparecer nas ruas. [...] Num pequeno grupo de gente comum contava-se que, durante a noite, os bolcheviques tinham se apoderado dos telefones, dos telgrafos, do Banco do Estado. (Trotsky, 1980: 895) Com a ascenso ao poder dos bolcheviques, liderados por Lnin, iniciou-se a chamada construo do socialismo com a abolio do direito propriedade privada, entrega das terras cultivveis aos camponeses, nacionalizao dos bancos, administrao das fbricas passadas para as mos dos operrios, acordo de paz com a Alemanha. Com essas medidas, os bolcheviques tiveram que enfrentar a reao das antigas classes dominantes que, apoiadas pelos pases imperialistas, tentaram retomar o poder. A vitria dos bolcheviques consolidou seu domnio no governo e as futuras medidas foram mais duras com a expropriao das grandes indstrias e o consco das colheitas para alimentar o exrcito. A terceira revoluo deu-se pela insatisfao dos camponeses que reivindicavam contra as medidas adotadas pelo governo dos bolcheviques, em especial o consco das colheitas e dos operrios com diversas greves. A resposta do governo foi a violenta represso contra os manifestantes, tornando ainda mais intransigente o governo, com a proibio das atividades dos diversos grupos polticos, permitindo aes apenas ao Partido Comunista. Em 1922 foi fundada a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) com a adeso alm da Ucrnia e da prpria Rssia, do Uzbequisto, do Turcomenisto e do Tadjiquisto. Depois de formada, a Unio Sovitica voltou-se para seu enorme territrio e tentou crescer como potncia mundial. Com a morte de Lnin, em 1924, o poder foi disputado entre Stalin e Trotsky. Stalin representava a proposta de limitao do socialismo apenas URSS, enquanto Trotsky, com uma viso internacionalista dos bolcheviques, defendia a difuso do socialismo para diversos outros pases, com sua teoria de revoluo permanente. Depois de vencer a disputa, Stalin baniu Trotsky da Rssia, afastou a oposio e burocratizou o Estado, tornando-se um ditador. Stalin costumava ordenar que a polcia poltica fuzilasse os inimigos do Estado ou os enviasse para campos de concentrao para executar trabalhos forados. Esses crimes foram publicamente denunciados por Kruchev, em 1956, depois da morte de Stalin. Muitos militantes comunistas que se opuseram foram expulsos do partido e execrados da poltica. Sem oposio20

FTC EaD | HISTRIA

consistente, Stalin centralizou cada vez mais o poder em suas mos, iniciando o culto a sua personalidade e transformando a ditadura do proletariado em ditadura pessoal e intransfervel.

STALIN, RETIRADO DE: www.davidosler.com/stalin%20with%20kids. jpg

Um culto a sua personalidade foi elaborado e difundido para diversos pases. O Pravda (jornal do Partido Comunista Sovitico) inaugurou a prtica de homenagear diariamente o lder. Em 1939, o seu nome comeou a ser objeto de eptetos como gnio, pai dos povos, guia do proletariado mundial. Ferreira identica que foi depois da Segunda Guerra Mundial que se iniciou o culto personalidade de Stalin no Brasil, como o grande guia dos povos, dos oprimidos, o homem de ao, tendo suas obras e aes exaltadas. Depois de sua morte, os membros do Partido Comunista Brasileiro publicaram uma nota dirigida classe operria e ao povo. Imensa desgraa caiu sobre a humanidade. Morreu o grande Stalin. Cessou de bater o corao generoso que sempre pulsou pelos explorados e oprimidos do mundo inteiro. Deixou de trabalhar o crebro genial que durante mais de trs dcadas iluminou o caminho da libertao dos povos. Nenhum homem fez tanto pela humanidade. Ningum at hoje foi to amado pelo povo. O desaparecimento do grande Stalin atinge dolorosamente os trabalhadores e todos os homens honestos da ptria. Segundo Ferreira (2002:219), enquanto no Brasil, como em diversos outros pases, comunistas e simpatizantes lamentavam sua morte, em Moscou milhes de pessoas se dirigiram espontaneamente para a Praa Vermelha. Queriam ver, pela ltima vez, o camarada Stalin. Segundo testemunhas, os manifestantes, entre lgrimas e gritos, demonstravam sentimentos de abandono e impotncia. No dia 8 de maro, o pnico se estabeleceu na multido que insistia em v-lo. As autoridades soviticas no previram a imensa concentrao humana e tiveram diculdade de em lidar adequadamente com a comoo popular. Seria muito simplista colocar que apenas a propaganda poltica tenha construdo o mito de Stalin. Segundo Ferreira (2002; 223), no h propaganda poltica que transforme um personagem em lder salvacionista, em gura legendria, sem realizaes que afetem sua vida material e simblica. De fato, a gura de Stalin produzia motivao e esperana para os revolucionrios de vrias partes do mundo. Alm disso, em seu governo, Stalin criou uma indstria pesada, coletivizou as terras e mecanizou a agricultura atravs dos planos qinqenais que permitiram, entre outras coisas, um desenvolvimento econmico que conseguiu superar o atraso tecnolgico em relao s potencias imperialistas. Colada aos planos qinqenais, houve uma poltica cultural de erradicao do analfabetismo, com a implantao do ensino tcnico.

Histria Contempornea II

21

A CRISE MUNDIAL DE 1929Essa uma histria que teve seu pice em Nova York (EUA), numa quinta-feira, 24 de outubro de 1929, e se espalhou numa onda de depresso pelo mundo com conseqncias catastrficas. Como os EUA, que saram economicamente fortalecidos da Primeira Guerra Mundial, tiveram uma fase de ouro nos anos 20, puderam ir bancarrota levando o mundo consigo? Quando a onda bateu, foi difcil segurar-se em p. De fato, os EUA, por terem sido o maior fornecedor de armas e alimentos aos europeus durante o conflito, como tambm seu maior credor, saiu da Grande Guerra com os cofres abarrotados. Alm de mais rico, os EUA, que j tinham conquistado a posio de maior produtor do mundo, agora eram tambm o maior credor mundial, e esta situao privilegiada tendeu a continuar, principalmente se levarmos em conta as solues encontradas para resolver a situao delicada em que se encontrava a Alemanha. Com pesadas dvidas nas costas, impostas pelo Tratado de Versalhes, a Alemanha no tinha condies de saldar seus dbitos, principalmente porque Frana e Inglaterra queriam que a indenizao fosse paga em dinheiro e em curto prazo, no aceitando em parte das rendas dos produtos exportados, porque isso estimularia a produo industrial alem, fortalecendo sua economia. Por outro lado, tanto Frana quanto Inglaterra precisavam do dinheiro para quitar suas dvidas adquiridas na Primeira Guerra Mundial junto aos Estados Unidos. Ento, a sada encontrada pela Alemanha foi adquirir altos emprstimos com os EUA, passando sua dvida para o outro lado do Atlntico. Mesmo fazendo os emprstimos, os estadunidenses continuavam endinheirados, o que mostra uma assimetria da economia internacional. Ento, esse perodo de ouro foi para quem? Certamente, podemos dizer que a fase de crescimento econmico foi somente para os Estados Unidos porque a Europa continuava passando por srias dificuldades. O desemprego era altssimo (entre 12 e 17%), considerando-se o perodo anterior guerra. Alm disso, a produo dos pases europeus no estava sendo elevada. Gohthier e Troux, ao falar da Frana no trecho abaixo, nos passa uma idia de como foi difcil a reconstruo na Europa. A reconstruo das regies devastadas pela guerra foi o principal problema das naes europias. O termo reconstruo, muito usado na poca, adquiriu todo seu significado na Frana, onde, em 1926, a reconstruo das regies devastadas tinha praticamente terminado. Foi uma obra muito grande, inesquecvel, que realizou nosso pas. Uma obra que necessitou de muita energia e na qual se v uma obra de vitalidade francesa. Algumas cifras daro uma idia dos resultados obtidos em 1925. A populao da regio devastada era, em 1914, de 4,69 milhes; caiu a 2,07 milhes no m de 1918, estando, em 1925, com 4, 27 milhes. Foram destrudas 2,40 milhes de vias frreas, 1.566 quilmetros de canais. Em 1925, 2.361 quilmetros de vias frreas e 1.505 quilmetros de canais tinham sido recuperados. Do 1,92 milho de hectares de terras cultivadas e destrudas, cerca de 900 mil estavam ainda incultos em 1921; somente 125 restavam em 1925. (Gohthier e Troux, p. 286). Somente foi possvel para Frana e Inglaterra quitarem seus dbitos com os EUA em 1922. Parte dessa quantia foi reinvestida em pesquisa e mecanizao, aperfeioando a produo em srie, em especial de eletrodomsticos e carros, proporcionando uma expanso acelerada das indstrias de bens de consumo. Na indstria automobilstica, Henry Ford aperfeioou a linha de montagem e, com isto, o tempo de produo de um carro foi reduzido de 14 horas para 1hora e 33 minutos, permitindo a produo de mais de 2 milhes de carros por ano na dcada de 20. Ao produzir em srie, Ford buscava baratear o preo dos automveis, tornando-os acessveis a uma quantidade maior de pessoas. Em sua empresa, a Ford Motor22

FTC EaD | HISTRIA

Company, fundada em 1903, o modelo Ford Model T era o mais produzido e foi muito bem vendido. Paralelo produo em srie comeou a ser criado o American way of life (modo de vida americano). Esse estilo de vida pode ser caracterizado pelo estmulo ao consumismo, em especial eletrodomsticos, carros e outros produtos industrializados. Uso intenso dos meios de comunicao, principalmente cinema e televiso, para difundir esse modo de vida americano, gerando uma cultura de massa. Diviso sexista dos papis, pois o trabalho masculino era estimulado e valorizado, sendo o homem considerado intelectualmente superior s mulheres, que eram estimuladas a serem donas-de-casa. Assim, alm de exportador de produtos, e de credor, os EUA vendiam um modelo de civilizao ao mundo. Esse modelo de vida americano, apesar de novo, era sexista e conservador, pois a sociedade precisava ser moralmente exemplar. Essa postura conservadora pode ser observada na instituio da lei seca, em 1919, proibindo o fabrico, venda, distribuio, exportao e importao de bebida alcolica no pas. A proibio fez crescer o contrabando, o crime organizado e a corrupo policial. A venda ilegal de bebidas tornou-se um negcio lucrativo, aumentando a ao de gngsteres que pagavam propina para que os policiais permitissem a ao ilcita e a venda de armas. Alfonso Capone (Al Capone) cou conhecido como um dos maiores contrabandistas do perodo, mas a justia s conseguiu process-lo por sonegao de imposto, pois no havia provas de seus crimes. A lei foi abolida em 1933. Houve tambm um aumento da defesa dos ideais nacionais, que gerou o surgimento de grupos que utilizavam aes agressivas contra as minorias no-brancas, no-protestantes, imigrantes e judeus. Um exemplo emblemtico foi a Ku Klux Klan (KKK), nome dado a vrias organizaes secretas e racistas surgida nos EUA que defendiam a supremacia branca e o protestantismo. O primeiro grupo foi fundado por 6 pessoas, em 1856, em Nashville. Inicialmente era uma brincadeira, mas, com a radicalizao da segregao racial no m da Guerra de Secesso, a organizao foi agregando mais participantes e comeou a ser utilizada para outros ns. O objetivo principal passou a ser impedir a integrao dos negros na sociedade aps a abolio da escravido. O segundo grupo surgiu no Arizona em 1915, alcanando grande popularidade nos anos 20, agregando milhares de pessoas, entre elas polticos, policiais e outros grupos inuentes na sociedade. Era odiada e temida pelas minorias e cou famosa por seus atos violentos que incluam linchamentos, espancamentos, assassinatos e atentados contra a propriedade.

DepressoDevido ao crescimento industrial favorecido pelas taxas protecionistas e com a possibilidade de compra a crdito, houve uma euforia da populao, que passou a ter como meta comprar diversos produtos industrializados, principalmente os eletrodomsticos, para atingir o novo padro de vida. No entanto, esse consumismo foi feito apenas por uma parcela da populao, pois os diversos bens de consumo no estavam ao alcance de todos. Os trabalhadores, com seus baixos salrios, nem sempre puderam viver o bem-estar do estilo de vida americano. Muitos no podiam adquirir o produto de seu prprio trabalho. Tomamos, como exemplo, o operrio Alex Anderson que trabalhava 12 horas por dia, inclusive aos sbados, na montadora de caros da Ford, em Detroit. Ele ganhava 22 dlares por semana, morreu de gripe espanhola, nunca teve um Ford T (informao retirada do documentrio Ns que aqui estamos por vs esperamos). A crescente mecanizao resultou na dispensa de muitos operrios que, desempregados no tinham renda para consumir. Como a exportao de produtos agrcolas estava gerando altos lucros, alguns agricultores hipotecaram suas terras junto aos bancos para poder expandir suas propriedades e mecanizar a produo. Isso funcionou at os pases europeus adotarem tarifas protecionistas para fortalecer sua economia. Depois disso, o mercado consumidor diminuiu, obrigando ao armazenamento dos produtos agrcolas. As altas taxas a que os agricultores foram submetidos os impossibilitaram de quitar suas dvidas e muitos deles faliram.

Histria Contempornea II

23

IMAGEM DA CRISE DE 1929 COM AS TRADUES: O MAIS ALTO PADRO DE VIDA DO MUNDO E NADA MELHOR DO QUE O MODO DE VIDA AMERICANO

A crise de superproduo - tanto no setor agrcola quanto no setor industrial, que no encontravam mercado consumidor interno e externo - fez os grandes empresrios comearem a especular suas aes, aumentando cticiamente seu valor no mercado. Desconados dessa elevao repentina nos preos, os investidores colocaram seus ttulos venda no mercado nanceiro. No dia 24 de outubro, em Wall Street (Nova York), diversos ttulos no encontraram compradores e houve uma quebra (crack) da bolsa de Nova York. Com a desvalorizao dos ttulos muitas empresas faliram, enquanto outras cortaram drasticamente seus custos, provocando demisses em massa dos operrios. Com a crise, o engenheiro Paul Davis (1895-1955) virou vendedor de ma nas ruas e avenidas (informao retirada do documentrio Ns que aqui estamos por vs esperamos). A crise atingiu todos os pases capitalistas, devido dependncia econmica existente entre eles. Os pases latino-americanos, produtores de matrias-primas, perderam seu principal mercado consumidor, os EUA. Os EUA pediram a devoluo dos capitais emprestados s outras naes, numa tentativa de amenizar os efeitos da crise. O diretor executivo do Welfare Council (conselho do bem estar) escreveu: O espectro da fome ronda milhes de famlias que nunca haviam experimentado a realidade do desemprego por um perodo prolongado e que certamente nunca conheceram o que era estar entregues a uma situao absolutamente desesperadora (citado em Hunt & Sherman, 1997:165)

Mr. Slang e o BrasilUm admirador entusiasta dos EUA e que acompanhou seu perodo de euforia e depresso foi o escritor brasileiro Monteiro Lobato. Ele viajou para os EUA como adido comercial brasileiro, em 1927, permanecendo at 1931. Segundo Srgio Lamaro, antes de sua viagem para os EUA possvel perceber a admirao de Lobato pelos States, pois seus textos j estavam permeados por concepes fordistas e ideologias estadunidenses que podem ser vistas em Mr. Slang e o Brasil, How Henry Ford is regarded in Brazil, o Presidente Negro, entre outras. Nestes textos, Lobato via os EUA como ponto de referncia obrigatrio para o Brasil, acreditando que a adoo do progresso material e da ecincia trazida pela mquina, embutida nos valores da american way of life, seriam fundamentais para a superao do atraso brasileiro. (Lamaro, 2002:56). Em 1928, ele visitou a Ford, em Detroit, e a General Motors, e isso o levou a organizar uma empresa brasileira para produzir ao, acreditando ser este o caminho para o progresso da terra brasilis. Lobato parecia animado com tudo a sua volta, pois, em 1927, escreveu: Estou encantado com a Amrica. O pas com que sonhava. Eficincia! Galope! Futuro! Ningum andando de costas! (Lobato, 1950: 302). Quanto mais Monteiro convivia com o estilo de vida estadunidense, mais ele menosprezava o Brasil e sua cultura, como podemos perceber no seguinte trecho retirado de uma carta datada de 16/10/1929: Eu virei num sei o qu cigano jump bean, e acabei expatriado nesse mundo to avesso ao nosso mundinho latino afro-americano. Passei de gua a vinho a mais que vinho, a usque. Nunca mais, seno ocasionalmente, li portugus.24

FTC EaD | HISTRIA

Meus jornais matutinos so o Times e o Sun. Minha revista brasileira o American Mercury. (Lobato, 1950: 320). Em 1929, embalado pela euforia que tomava todo os EUA, Lobato investe na bolsa de New York e perde tudo. Para cobrir suas perdas, obrigado a vender suas aes na Companhia Editora Nacional, em 1930. Porm, isso no abalou a conana do escritor em que os EUA indicavam o caminho do progresso e que por isso seu modelo devia ser seguido. De volta ao Brasil, em 1931, ele publica no ano seguinte um romance chamado Amrica. Revivendo Mr. Slang, Lobato continua identicando os EUA como o pas do futuro: A incompreenso do fenmeno americano pode liar-se natural incompreenso que o carro de trs sempre h de ter da locomotiva. H muito pouco Hoje no mundo. Na prpria Europa, o Ontem ainda atravanca mor parte dos pases. Naturalssima, pois, a geral incompreenso relativa ao nico povo onde o Amanh da humanidade j vai adiantado (Lobato, 1950) Lobato prossegue em sua certeza quase fantica no ao e no petrleo, defendendo que a extrao do petrleo deveria ser entregue iniciativa privada. Foi preso na dcada de 40 depois de escrever carta a Vargas protestando pelo tratamento do governo brasileiro a essa questo. A luta pelo petrleo o deixou doente, pobre e desgostoso.

New DealAs medidas que o presidente americano Hoover estava pondo em prtica para reverter o quadro de crise alarmante no estavam funcionando, e isto inuiu no processo eleitoral estadunidense, levando-o a uma derrota nas urnas e eleio do presidente Franklin Roosevelt, em 1932. No poder, o recm-eleito presidente executa um plano de recuperao nacional, com o auxlio da escola de Keynes (economista), incluindo sucessivos programas de reforma, entre 1933-1937, que foi chamado de New Deal (novo acordo). As principais medidas foram: Fechamento temporrio dos bancos e a reaquisio dos estoques de ouro para sanar as dvidas. Desvalorizao da moeda, permitindo o aumento dos gneros agrcolas para que os agricultores pudessem pagar suas dvidas. A emisso do papel-moeda e o abandono do padro ouro, permitindo ao banco nanciar o seguro-desemprego para auxiliar os desempregados. Foi xado limite de produo na indstria para evitar outra crise de superproduo. Legislao para controlar as atividades da bolsa Foi estabelecido o salrio mnimo, diminuio da jornada de trabalho e medidas de proteo aos trabalhadores. Construo de obras pblicas para diminuir o desemprego. Essas medidas de carter protecionista foram orientadas pela idia de que o Estado deveria intervir na economia para evitar que uma crise dessa magnitude voltasse a acontecer. O intervencionismo estatal signicava o declnio do liberalismo econmico. O economista Gardner Means, pertencente administrao do New Deal, explicou, em 1935, a interveno estatal e lanou uma nova cartilha para os empresrios. Vamos ler abaixo? A Administrao de Recuperao Nacional e Administrao de Ajustamento Agrcola foram criadas em resposta a uma insistente exigncia da parte de alguns setores, no sentido de que a poltica industrial (incluindose a agricultura como indstria) no deveria continuar relegada aos mercados e mecanismos do preo, mas sim colocadas nas mos de rgos administrativos autoridades, comisses de controle de safras, etc. A inclinao do desenvolvimento social, tanto neste pas como no exterior, tem sido para reconhecer o fracasso de uma poltica de completo laissez-faire. O homem de negcio deve fazer uma poltica de negcio de modo que aumente ao mximo o lucro

Histria Contempornea II

25

da prpria empresa. Quando ele tem o poder de escolher entre reduzir o preo ou a produo, a boa poltica de negcios freqentemente impele-o, diante de uma queda de procura, a manter o preo e diminuir a produo, mesmo que isso signique braos parados e mquinas paradas... Seus interesses s o levam a reduzir o preo quando pode diminuir o custo, especialmente das despesas com trabalhadores... O efeito lquido do controle dos negcios sobre a poltica industrial , portanto, agravar quaisquer utuaes na atividade econmica e impossibilitar qualquer reajustamento necessrio. Uma queda inicial na procura resultaria no num reajustamento do preo, mas na manuteno do preo e na diminuio da produo, desempregando, assim, trabalhadores e mquinas, reduzindo a renda em dinheiro e o poder de gastar, conseqentemente diminuindo a procura. Os preos exveis administrados em conseqncia da transio do mercado para a administrao agem, assim, como um fator negativo na economia e podem fazer com que uma pequena queda da procura venha a ser um desastre nacional (citado por L. M. Hacker,1964: 213-217). Como medida de precauo, iniciou-se, nos EUA, o fenmeno chamado de conglomerados multifuncionais, que consistia na compra de empresas menores e em diculdade nanceira pelas grandes empresas. O objetivo era aumentar o lucro, diminuio dos riscos de investimento e independncia nanceira. Essas mega-empresas passaram a dominar o mercado em diversas reas, afetando a livre concorrncia, como tambm passaram, depois da segunda guerra, a ser um sustentculo da poltica dos estadunidenses, representando um instrumento de dominao sobre pases perifricos. Apesar de todos os esforos dos estadunidenses para o reerguimento de sua economia, isto s viria a acontecer a partir de 1932, com o reativamento da indstria armamentista provocado pela iminncia de uma nova guerra. Os maiores efeitos da crise de 29 sobre a poltica foi o fortalecimentos da extrema direita, com seu militarismo ameaador, enquanto a esquerda foi praticamente reduzida fora da URSS, muito por conta da poltica que o pas comeou a desenvolver. Segundo Hobsbawm (2001: 109), os efeitos da depresso foram quase imediatos na Amrica Latina. Nesta, 12 pases mudaram de governo ou regime entre 1930-1, 10 deles por golpe militar, caindo mais para a direita do que para a esquerda. Apenas Peru, Chile, Colmbia e Cuba tiveram governos de esquerda. Depois da crise, o mundo comeou a rever as propostas que estavam presentes no cenrio: a primeira era o capitalismo, que o liberalismo acabava de provar suas fraquezas; a segunda era o socialismo, que apareceu desde a revoluo de 1917 como uma proposta muito sedutora; e a terceira foi o totalitarismo, que teve no fascismo e no nazismo suas maiores e extremadas expresses.

OS ESTADOS TOTALITRIOSSegundo Hobsbawm (2001), o termo totalitarismo foi utilizado para denir o fascismo, mas, depois, outros regimes foram associados ao termo. Assim, como nem toda extrema-direita era fascista, nem s a extrema-direita criou regimes totalitrios. As caractersticas do totalitarismo podem ser resumidas em regime de partido nico, burocratizao do aparelho estatal, culto personalidade do lder do partido e ao Estado, nacionalismo, censura aos meios de comunicao e expresso, patrulha ideolgica, controle das foras armadas, represso aos opositores do regime. Levando-se em conta essas peculiaridades, tanto regimes de direita quanto de esquerda foram considerados totalitrios. A saber, fascismo, nazismo, stalinismo e o maosmo, entre outros, considerando as suas especicidades, foram todos vistos como totalitrios. A diferena que o totalitarismo de esquerda era orientado pelo comunismo e, pelo menos em teoria, estava voltado para a coletivizao dos bens de produo e de terras, enquanto o totalitarismo de direita era capitalista e buscava aumentar o poder do Estado com o fortalecimento da economia e o expansionismo. Os pontos semelhantes entre ambos j foram postos acima. O totalitarismo teve incio no curso da Primeira Guerra Mundial, quando algumas democracias pre-

26

FTC EaD | HISTRIA

cisaram acumular poderes e funes ao Estado, em detrimento do poder parlamentar, para resolver os problemas mais prementes gerados pela guerra. Essa medida, que deveria terminar depois da guerra, permaneceu devido crise econmica posterior ao conito mundial, que favoreceu o crescimento e a expanso do totalitarismo. A propaganda feita pelo regime era baseada nas promessas, por vezes exageradas, de construo de uma nao potente. Os lderes apelavam para as paixes e preconceitos da sociedade, controlavam os meios de comunicao para difundir os discursos e propagandas, e no proporcionavam espao para a oposio. A adoo de uma polcia poltica era fundamental para vigiar a sociedade, prender e punir aqueles que no se enquadravam no regime. Em seu famoso livro de co 1984, George Orwell buscou retratar o cotidiano de uma sociedade regida por um regime totalitrio. Neste, o Estado buscava controlar os pensamentos dos indivduos, fazia uma vigilncia permanente sobre a sociedade, elaborava uma nova lngua que impediria expresses contrrias ao governo e apagava a histria do seu pas criando uma nova, segundo a vontade do Big Brother (grande irmo), alterando ao longo do tempo a memria popular. O personagem principal, Winston Smith, era membro do partido externo e trabalhava no Ministrio da Verdade. Ironicamente, a funo de Smith era alterar a verdade, manipulando os dados e repassando-os populao. Em seus pensamentos, Smith maquinava uma forma de escapar e de alterar a situao. Vigiado pela polcia poltica, logo foi preso e torturado at aceitar (ou ngir?), sem contestao, o governo do Big Brother. Escrito em 1948, o livro faz uma crtica ao Estado totalitrio, que no permite oposio e livre expresso de pensamento e ao, manipulao da verdade pela mdia e ascenso e queda dos polticos, atendendo aos interesses de alguns grupos. tambm feita uma crtica s alianas polticas que so formadas e desfeitas de acordo com os interesses dos estadistas, sacricando, por vezes, aliados, como foi o caso do pacto entre Hitler e Stalin (veremos a seguir). Alis, o autor inspirou-se em Stalin para criar a gura do Big Brother, sendo o seu arquiinimigo banido Godstein, Trotsky. Trotsky usado como referncia por ter sido expulso da Unio Sovitica, em 1929, por Stalin. Durante o governo deste, o nome e a biograa de Trotsky foram progressivamente varridos dos registros da Unio Sovitica. Seu verbete na enciclopdia histrica foi apagado, junto com sua imagem, nas fotos da revoluo (informao sobre Trotsky, retirada do jornal A Tarde de 10/9/1988). Qualquer semelhana, no mera coincidncia. Porm, nos alerta Hobsbawm (2001: 383-384), essa imagem produzida por Orwell onde ningum escapava ao olhar vigilante, seria o que Stalin gostaria de ter alcanado. O sistema, continua o autor, no exercia efetivo controle sobre a mente nem uma absoluta converso de pensamento, apesar de despolitizar e aterrorizar a sociedade.

Propaganda como alma do negcioOs lderes dos regimes totalitrios utilizavam uma propaganda permanente e seu apelo s massas era enorme. A populao era constantemente estimulada a participar de eventos polticos como os comcios, paradas militares, entre outras manifestaes que se transformavam em espetculo. O nazismo utilizava desses espetculos para aumentar o nimo do militante, segundo Alcir Lenharo (1998: 39-42). Vamos ler um texto em que o autor fala sobre a celebrao das massas, para melhor compreender a importncia para os regimes totalitrios de transformar os eventos em espetculos?

AtenoA Celebrao das MassasA chave da organizao dos grandes espetculos era converter a prpria multido em pea essencial dessa mesma organizao. Na paradas e desles pelas ruas ou nas manifestaes de massa, estticas, em praas pblicas, a multido se emocionava de maneira contagiante, participando ativamente da produo de uma energia que carregava consigo aps os espetculos, redistribuindo-a no dia-a-dia, para escapar monotonia de sua existncia e prolongar a dramatizao da vida cotidiana.

Histria Contempornea II

27

Hitler atribua grande importncia psicolgica a tais eventos, pois reforavam o nimo do militante nazista, que perdia o medo de estar s diante da fora da imagem de uma comunidade maior, que lhe transmitia graticantes sensaes de encorajamento e reconforto. O uso do uniforme, comum entre os militantes nazistas, servia dissimulao das diferenas sociais e projetava a imagem de uma comunidade coesa e solidria.

MANIFESTAO NAZISTA

Os emblemas da guia e da cruz gamada, dispostos nas braadeiras, nas bandeiras e nos estandartes funcionavam como marcas de identicao. O smbolo mgico da sustica, de conhecida ancestralidade, uma espcie de cruz em movimento, sugeria energia, a luz, o caminho da perfeio, como a trajetria do sol em sua rota. Cada acontecimento era preparado minuciosamente pelo prprio Hitler. Cada entrada em cena, marcha dos grupos, os lugares dos convidados de honra, a decorao geral, ores, bandeiras, tudo era previsto. Aos poucos, a forma foi sendo denida, e os acontecimentos ganharam o sentido de um ritual religioso um ofcio que se manteve imutvel em sua forma. Florestas de bandeiras, jogos de archotes, a multido disposta disciplinadamente, a msica envolvente, os canhes de luz. O modo como a multido se comportava durante esse tipo de espetculo e a maneira ritualstica com que ele era organizado acentuavam o carter de cunho religioso desses acontecimentos, a ponto de levar um observador francs a denominar o congresso anual de Nuremberg como o concilio anual de religio hitlerista. Ali eram denidos os dogmas, e eram lanadas as encclicas. O militante nazista visto como um crente, um apstolo e um fantico.

FASCISMO, NAZISMO, FRANQUISMOO avano da extrema direita no mundo signicou um recuo do liberalismo poltico, que havia avanado ps-Primeira Guerra Mundial. A idia de que os governos constitucionais no estavam conseguindo resolver os problemas que o mundo enfrentava, em especial a crise econmica, comeou a pairar como nevoeiro, espalhando-se por diversas partes do mundo. As caractersticas das foras que derrubaram os regimes liberais democrticos podem ser resumidas em autoritarismo, antiliberalismo, anticomunismo, militarismo ou o uso da fora militar como brao direito (muitos no teriam alcanado o poder sem ela) e o nacionalismo se sobrepondo ao indivduo. A extrema-direita teve no fascismo e no nazismo suas principais e mais violentas expresses; no entanto, preciso considerar que nem todo movimento de direita que derrubou os regimes liberais democrticos era fascista. Por outro lado, o socialismo fora da URSS estava sofrendo revezes, provocados, em grande medida, pela poltica que a Internacional Comunista (IC) adotou. A IC, a partir do VI Congresso, realizado em 1928, deniu uma linha poltica chamada de classe contra classe (ascenso de dirigentes com origem28

FTC EaD | HISTRIA

operria em detrimento dos de origem burguesa), o que representou momento nico na histria do comunismo em termos de radicalizao, pela adoo de uma estratgia de no-identicao com outros grupos polticos e de constante rivalidade com eles. Esta orientao trouxe resultados negativos, levando determinados Partidos Comunistas (PC`s) ao imobilismo rgido e diminuio do nmero de liados, principalmente intelectuais, acusados de pequenoburgueses e de se desviarem da poltica revolucionria proletria, provocando o isolamento poltico. (Carone; 1991: 170). Esse recuo, se no contribuiu para o crescimento e expanso do totalitarismo, terminou por enfraquecer a esquerda no mundo que no pde apresentar-se como um contraponto altura das novas foras da extrema-direita.

FascismoDepois da primeira guerra, a Itlia, apesar de ter conseguido o domnio de alguns pequenos territrios na ustria, nos tratados de paz ps-guerra, no se encontrava numa situao nanceira muito confortvel. O desemprego e a inao eram altos e a insatisfao popular tendeu a crescer, assim como a organizao de trabalhadores e a idia de que o socialismo era a frmula que tiraria o pas da misria. Iniciou-se um perodo de greves e manifestaes de camponeses e operrios, deixando os setores mais conservadores temerrios. O fascismo italiano surgiu em 1919 como fasci di combattimento (organizao paramilitar destinada a manter a ordem frente aos diversos movimentos grevistas), em Milo, e tomou forma de Partido Nacional Fascista em 1921, tendo como dirigente Benito Mussolini, que abandonou o Partido Socialista e comeou a pregar um reordenamento da Itlia atravs de um Estado forte e centralizado. Seu discurso era pautado no nacionalismo, no repdio vitria mutilada conseguida nos tratados de paz, no repdio ao liberalismo, no medo da expanso do socialismo e nas promessas de uma Itlia poderosa. Vamos ler um trecho de um discurso de Mussolini para identicar os itens elencados acima? O Estado deve torna-se um gigante. ele que pode resolver as contradies dramticas do capitalismo. Isto que chamamos de crise s pode ser sanado pelo Estado e no Estado. Onde esto as sombras de J. Simon, que, aurora o liberalismo, proclamava que o Estado no deve intervir, torna-se intil e prepara sua demisso...? Se o liberalismo signica indivduo, fascismo signica Estado. Mas Estado fascista nico e uma criao original. Ele no reacionrio, mas revolucionrio e, nesse sentido ele precede a soluo de certos problemas universais, mencionados acima. No domnio poltico, pelo fracionamento dos partidos, pelo abuso do poder do parlamentarismo, pela irresponsabilidade das assemblias; no domnio econmico, pelas funes sindicais sempre mais poderosas e mais numerosas, tanto pelo lado do trabalhador quanto do lado do patro, cada vez com novos conitos e acordos; no domnio da moral, pela necessidade da ordem, de disciplina, de obedincia s regras morais da ptria. O fascismo vela para que o Estado seja forte, organizado e repouse ao mesmo tempo numa grande base popular. (Citado por Fernando Braudel, 1963:89). Mussolini apresentava-se como soluo para a resoluo da crise econmica e passou a ter espao junto aos empresrios e classe mdia que nanciou a ascenso do Partido Nacional Fascista. Da mesma forma que a depresso ps-guerra fez surgir uma atrao pelo comunismo na classe trabalhadora, o avano do sindicalismo e do comunismo gerou um medo na classe mdia e nos setores mais conservadores que permitiram a promoo de Mussolini ao poder. Houve uma aliana entre a alta burguesia e o fascismo, que comeou a perder sua ideologia originalmente anticlerical, antiliberal e a aceitar a Igreja e a burguesia como aliadas. O discurso de Mussolini igualmente sensibilizava a populao pobre do campo e das cidades. De fato, o fascismo procurou construir um discurso volMUSSOLINI E A PROPAGANDA tado para as massas, objetivando mobiliz-las. Podemos considerar que o fasFASCISTA cismo foi a primeira proposta de mobilizao de massas pela direita. Enquanto a burguesia liberal pensava

Histria Contempornea II

29

o poder de cima para baixo, olhando com certo preconceito e temor a populao, que na sua concepo era inapta e precisava ser reduzida passividade, o fascismo apelava para a mobilizao das massas. Alm da propaganda e do discurso feito em tom apocalptico, o Duce (guia) promovia marchas paramilitares, com pessoas vestidas de camisas pretas numa demonstrao de fora. Em meio ao caos em que se vivia, numa mistura de crise econmica e sentimento de revolta, esse apelo ordem parecia atraente. Em 1922, houve a exploso de uma greve geral contra a poltica do monarca Vitor Manuel III pela falta de um projeto poltico que mudasse a situao do pas, como tambm contra a violncia dos ataques fascistas, grupo que usufrua de certa anuncia junto ao governo. Este acreditava poder usar o fascismo como arma para intimidar as organizaes socialistas e os movimentos contestatrios. Mussolini, aproveitando-se da agitao em cena, marcha sobre Roma com seus seguidores, chamados de camisas negras, e toma o poder. Chegando ao posto de comando, os fascistas comeam a organizar o governo, transformando-o numa ditadura, formando milcias para reprimir manifestaes populares e opositores do governo. Os sindicatos foram colocados sob interveno, houve censura imprensa, os partidos polticos foram considerados ilegais, seguido de priso, assassinato e exlio das lideranas mais combativas. Entre estas estava Gramsci, preso em 1926. Na priso, ele escreve os famosos Cadernos do Crcere, onde analisa o fascismo dentro do complexo quadro histrico, como tambm a Revoluo Francesa e o capitalismo do seu tempo. A concepo do fascismo pode ser resumida na expresso Estado total, nada escapa ao Estado, ningum pode ser contra o Estado. O indivduo deve estar integrado nele, apoiando-o e servindo. O Estado aparece como superior soma dos indivduos e representa a encarnao da vontade coletiva e o instrumento nico capaz de realizar o bem comum. Essa confuso entre Estado e nao no acidental, assim justicava-se a necessidade de unidade, como tambm a eliminao da oposio. Como pode haver unanimidade numa sociedade dividida em classes? No possvel. Ento, a construo desse Estado precisou ser feita mediante o uso da fora. Podemos comparar o fascismo a uma revoluo? Alguns autores, e o prprio Mussolini, zeram essa comparao; porm, preciso perguntar, o que o fascismo revolucionou? Talvez o que ele tenha feito com sucesso foi retirar as antigas elites do poder e varrer os resqu