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HISTÓRIACOMTEMPORÂNEA I

1ª Edição - 2007

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Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda.Gervásio Meneses de Oliveira

Presidente

William OliveiraVice-Presidente

Samuel SoaresSuperintendente Administrativo e Financeiro

Germano TabacofSuperintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão

Pedro Daltro Gusmão da SilvaSuperintendente de Desenvolvimento e Planejamento Acadêmico

Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a DistânciaReinaldo de Oliveira Borba

Diretor Geral

Marcelo NeryDiretor Acadêmico

Roberto Frederico MerhyDiretor de Desenvolvimento e Inovações

Mário FragaDiretor Comercial

Jean Carlo NeroneDiretor de Tecnologia

André PortnoiDiretor Administrativo e Financeiro

Ronaldo CostaGerente Acadêmico

Jane FreireGerente de Ensino

Luis Carlos Nogueira AbbehusenGerente de Suporte Tecnológico

Romulo Augusto MerhyCoord. de Softwares e Sistemas

Osmane ChavesCoord. de Telecomunicações e Hardware

João JacomelCoord. de Produção de Material Didático

EquipeAngélica de Fatima Silva Jorge, Alexandre Ribeiro, Bruno Portela, Cefas Gomes, Cláuder Frederico,

Delmara Brito, Diego Aragão, Fábio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel Dantas, Lucas do Vale, Marcio Serafim, Mariucha Silveira Ponte, Tatiana Coutinho e Ruberval Fonseca

ImagensCorbis/Image100/Imagemsource

Produção AcadêmicaJane Freire

Gerente de Ensino

Ana Paula AmorimSupervisão

Jorge BispoCoordenação de Curso

Paulo de JesusAutor(a)

Produção TécnicaJoão JacomelCoordenação

Carlos Magno Brito Almeida SantosRevisão Final

Fabio José Pereira GonçalvesEditoração

Fabio Gonçalves, Francisco França Júnior, Cefas GomesIlustrações

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MATERIAL DIDÁTICOMATERIAL DIDÁTICO

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SUMÁRIO

O LIBERALISMO NA ENCRUZILHADA: DA ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815) ÀS REVOLUÇÕES LIBERAIS DE 1848 ___________ 7

A ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815): _________________________________ 8

O IMEDIATO PRÉ-ERA NAPOLEÔNICA __________________________________________ 8

O CONSULADO (1899-1904) __________________________________________________10

A POLÍTICA EXTERNA NO IMPÉRIO (1804-1815) __________________________________13

O CONGRESSO DE VIENA (1814-1815): AS FORÇAS DE RESTAURAÇÃO/CONSERVAÇÃO E A

GESTAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL _____________________________________17

ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________19

O TRIUNFO MOMENTÂNEO DAS FORÇAS DE RESTAURAÇÃO/CONSERVAÇÃO E AS REVOLUÇÕES LIBERAIS OITOCENTISTAS (1830 E 1848) ____________________________________________________________20

SOB A AÇÃO DA SANTA ALIANÇA (1815-1830) ___________________________________20

A “ONDA REVOLUCIONÁRIA DE 1830”: _________________________________________23

A “ONDA REVOLUCIONÁRIA” DE 1848: _________________________________________26

O OPERARIADO EUROPEU (1815-1848) _________________________________________31

ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________36

TÓPICOS SOBRE POLÍTICA E ECONOMIA INTERNACIONAL NO SÉCULO XIX ____________________________________________________38

A ASCENSÃO DOS ESTADOS TARDIOS, A QUESTÃO DO ORIENTE E O SOCIALISMO _____________________________________________________39

A UNIFICAÇÃO DA ALEMANHA _______________________________________________39

A UNIFICAÇÃO DA ITÁLIA ____________________________________________________44

O IMPÉRIO TURCO OTOMANO E A QUESTÃO DO ORIENTE __________________________46

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SUMÁRIO

O SOCIALISMO _____________________________________________________________49

ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________53

O IMPERIALISMO ___________________________________________________54

O CIRCUITO ECONÔMICO DA EUROPA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX __________54

A PARTILHA DA ÁFRICA _____________________________________________________58

A INVESTIDA IMPERIALISTA NA ÁSIA ___________________________________________62

OS CHOQUES INTERNACIONAIS E A POLÍTICA DAS ALIANÇAS _______________________69

ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________________73

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Prezado colega,

O período privilegiado por esta disciplina é o século XIX, chamado por alguns historiadores de “o longo século”. A importância de seu estudo para a compreensão de nosso tempo dificilmente é igualada pela do estudo de qualquer outro século. É este o século da difusão do liberalismo, da forma-ção do sistema internacional contemporâneo, é o século das nações – e do nacionalismo, essa força avassaladora que ainda há pouco tumultuava os Bálcãs - tomem o caso da Iugoslávia, por exemplo - hoje provoca convulsões históricas em países como a Espanha, com o caso do país basco, e a Rús-sia, com o caso da Chechênia. É neste século que cresce a postura crítica diante da religião, visível hoje no espantoso crescimento registrado pelos censos da categoria dos indivíduos que se decla-ram “sem-religião”. É um século de impressionantes avanços científicos e técnicos que vão imprimir profundas mudanças na produção, inclusive de conhecimento. É este o século do racismo científico – cujas marcas ainda persistem na atitude policial diante dos “elementos suspeitos” (você já deve ter percebido isso em uma abordagem policial). Do mesmo modo, é o século do imperialismo, com a subseqüente partilha do continente africano – cujas funestas conseqüências ainda afligem bilhões de pessoas naquele continente - e o arrombamento do continente asiático. É este, também, o século da emergência do movimento operário e do socialismo, forças que até bem pouco tempo atrás eram, consideravelmente, poderosas e temidas, mas que em nossos dias passam por um recesso, do qual os mais pessimistas acreditam que não vão sair. Enfim, trata-se de um século formidável.

Ao final de cada tema, apresentamos algumas questões pertinentes ao que foi estudado, como os exercícios de fixação. Priorizamos a forma discursiva, pois entendemos que uma das habilidades que o professor de História deve dominar muito bem é a da escrita. Cremos que isso ajuda, inclusive, no que concerne ao quesito desenvoltura, que é sempre percebido e comentado – para o bem ou para o mal – pelos estudantes. Sempre que possível, intercalamos a exposição dos assuntos com boxes expli-cativos, nos quais desenvolvemos um pouco algum detalhe importante que não pôde ser analisado no decorrer do parágrafo correspondente ou, então, apresentamos uma citação – geralmente, docu-mental - que lança alguma luz mais direta sobre o assunto. Recomendamos a leitura cuidadosa dos boxes, uma vez que neles estão algumas chaves para a compreensão acurada dos conteúdos aborda-dos; além disso, alguma erudição é exigida no trabalho com história, e um dos objetivos que visamos com os boxes é justamente oferecer-lhe um pouco deste item fundamental à nossa profissão.

Ao elaborarmos o material que você tem agora em mãos, levamos em consideração algumas ques-tões que cremos ser recorrentes à experiência docente em História. Mantivemos sempre em vista o fato de que o objetivo deste curso é lhe oferecer subsídios para a otimização de sua atuação em sala de aula, e, com isso, contribuir para que seus estudantes tenham condições objetivas de obter uma melhor apreensão dos conteúdos aqui tratados.

Procuramos, portanto, aproximar bastante a dinâmica desta disciplina à dinâmica do trabalho em sala de aula. Priorizamos o alcance de questões que devem ser abordadas no ensino médio, dado ser este o estágio crucial da vida de um estudante, momento em que devem se construir os conhe-cimentos necessários para o prosseguimento de seus estudos no ensino superior. No material AVA exploramos assuntos que não costumam receber o devido tratamento nos livros didáticos, material básico para o trabalho nas escolas.

Assim, a correspondência entre os tópicos de um e de outro material pode não ser extremamente exata. Entendemos que isso foi necessário e não prejudicará seu aprendizado; pelo contrário, poderá contribuir ainda mais para o aprimoramento de seus conhecimentos, uma vez que se trata de temas para os quais a bibliografia especializada disponível em língua portuguesa é ainda lacunar.

Esperamos que este material e a experiência com a disciplina, para além de consolidar alguns conhecimentos necessários ao bom desempenho de suas atividades, estimulem você a prosseguir, ampliando os conhecimentos e formulando estratégias de tratamento desses conhecimentos com seus estudantes. E esperamos, sobretudo, que o estudo lhe seja leve e agradável.

Um abraço fraterno,

Prof. Paulo de Jesus

Apresentação da DisciplinaApresentação da Disciplina

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O LIBERALISMO NA ENCRUZILHADA: DA ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815) ÀS REVOLUÇÕES LIBERAIS DE 1848

Neste bloco, abordaremos um período conturbado – e ainda mal estudado nas escolas - da história do Ocidente. Neste período, de menos de meio século, o avanço do liberalismo foi, primeiro, submetido à ambígua atuação de Napoleão Bonaparte, fi gura que nunca expressou de-vidamente os ideais da nova ideologia política, mas sob cuja liderança a guerra iniciada em 1792 na defesa da França Revolucionária transformou-se em guerra expansionista, que modifi cou o mapa da Europa – e infl uenciou na mudança do mapa dos domínios colo-niais europeus nas Américas – e foi decisiva para a difusão das idéias e práticas políticas liberais, inclusive com efeitos sobre o terreno das mentalidades.

Derrotado Napoleão Bonaparte, as forças mais rea-cionárias da Europa reuniram-se no que se costuma cha-mar de Concerto Europeu, instaurando uma conjuntura política marcada pela sobreposição momentânea das for-ças de conservação às de transformação; eram os repre-sentantes do Antigo Regime retomando o controle do ce-nário político, agitado pelo avanço do liberalismo iniciado na Revolução Francesa e acelerado com a expansão napo-leônica. Com isso, além de provocar um refl uxo no campo das políticas nacionais, inauguraram uma nova e avançada concepção de política internacional baseada na idéia de equilíbrio: eram os primórdios do sistema internacional.

Uma preocupação dessas forças de conservação era o reajustamento das fronteiras nacio-nais modifi cadas pela expansão napoleônica. A outra preocupação era barrar, imediatamente, as ações revolucionárias que ameaçavam o antigo panorama político europeu. Contra o liberalismo, ideologia burguesa que apregoava o primado dos direitos naturais emanados dos indivíduos – de onde se extrai a máxima de que todo o poder só pode emanar do povo –, recolocava-se o Legiti-mismo que tinha por dogma político a afi rmação de que só é legítimo o poder político que emana de Deus, e que o Absolutismo Monárquico gozava era sancionado pela autoridade divina por isso mesmo legítimo. Neste contexto de Reação Legitimista destacaremos o Congresso de Viena e a atuação dos “Quatro Grandes” (Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia) através da Santa Aliança.

Buscaremos compreender os objetos e interesses envolvidos nesse contexto e daí o sentido e a importância histórica das referidas atuações, atentando especialmente para a postura ambígua da Inglaterra.

Entretanto, a Restauração derivada da Reação Legitimista não conseguiu ser defi nitiva. Se não há dúvida que as forças de transformação foram obstadas, não se pode afi rmar que deixa-ram de existir. Pelo contrário, a própria atuação da Santa Aliança nos mostra o quão ativas elas foram nesse período. E essas forças de transformação aos poucos foram incorporando uma

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segunda ideologia que viria engrossar o coro do liberalismo: o Nacionalismo. Assim, os movi-mentos liberais de 1830 e 1848 não são apenas movimentos liberais, são, também, – e, em alguns casos, sobretudo – movimentos nacionalistas. Isso quer dizer que para além de reivindicarem a aplicação dos princípios liberais ao campo político, têm também em conta o senso de pertença a um organismo que se torna cada vez mais importante para a estruturação do mundo tal e qual o conhecemos: a Nação. Além disso, em ambos os momentos se registrou a presença de um novo componente político: o socialismo.

Embalada pelo clima de descontentamento geral provocado pela conjuntura econômica marcada pela sub-produção agrícola, pelo subconsumo industrial, as péssimas condições de em-prego a que estava submetido o proletariado urbano – que mal pagos eram atingidos pelo subcon-sumo –, o aumento do lumpemproletariado, essa corrente política – que preconiza a instauração de uma sociedade sem classes – tornava-se um espectro a assombrar a Europa conservadora.

Em linhas gerais, este bloco temático é um aprofundamento no estudo da crise do Anti-go Regime e do triunfo da burguesia com a subseqüente formação das democracias liberais na Europa.

A ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815)

O IMEDIATO PRÉ-ERA NAPOLEÔNICA

Sabemos que, para além das ameaças internas, a Revolução Francesa teve de enfrentar forças externas – já em 1792 os revolucionários se viram às voltas com o chamado “exército dos emigrados”, coligação austro-prussiana que contava com a força de foragidos franceses. Em seguida, morto o rei Luís XVI, a Primeira República se veria ameaçada, já no Ano I, por uma co-ligação de países antipáticos à Revolução. Prússia, Áustria, Espanha, Rússia, Sardenha, Holanda e Inglaterra, uniram-se na Primeira Coalizão Européia sob o pretexto de fazer justiça à decapitação de Luís XVI. O que se viu depois disso foi um rápido endurecimento do regime revolucionário, que ameaçado interna e externamente acercou-se de uma série de instituições e medidas de ex-ceção que instauraram o período do Terror, que responde em parte pelo posterior sucesso dos setores mais moderados da Revolução que com o Golpe do Nove Termidor, aplicado em julho de 1794, instalaram a fase conhecida como Reação Termidoriana, recolocando a Revolução Fran-cesa sob o controle da alta burguesia, preocupada em estabilizar a situação, garantindo os direitos conquistados e consolidando uma República moderada (o Diretório) e de participação restrita – o que explica o regime censitário instituído pela Constituição do Ano III (1795) -, na qual de-veriam predominar também as liberdades econômicas, isto é, liberdade de comércio, indústria e câmbio.

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Programa da Conspiração dos Iguais:

A natureza deu a todo homem o direito de usufruir todos os seus bens;1.

O propósito da sociedade é defender essa igualdade, tão costumeiramente ata-2. cada pelos maus e pelos mais fortes, e incrementar, por meio da cooperação universal, o usufruto em comum dos benefícios da natureza;

A natureza impôs a todos a obrigação de trabalhar, ninguém pode esquivar-se 3. dessa tarefa sem que com isso esteja cometendo um crime

Todo o trabalho e o gozo dos seus frutos devem ser em comum;4.

A opressão existe quando uma pessoa se exaure no trabalho da terra carente de 5. tudo, enquanto outra nada na abundância sem que tenha feito nenhum esforço para isso;

Ninguém pode apropriar-se dos frutos da terra ou da indústria exclusivamente 6. para si sem com isso cometer um crime

Numa verdadeira sociedade não pode haver pobres nem ricos;7.

Aqueles homens ricos que não desejam renunciar aos seus excessos de bens em 8. favor dos indigentes são inimigos do povo;

Ninguém pela acumulação de todos os recursos da educação, pode privar um 9. outro da instrução necessária ao seu bem-estar: a instrução deve ser comum a todos;

O objetivo da revolução é destruir a desigualdade e res-10. tabelecer o bem-estar coletivo;

A revolução não acabou porque os ricos absor-11. veram todas as riquezas, colocando-as exclusivamente sob o seu comando, fazendo com que os pobres fossem colocados em estado de virtual escravidão, defi nhando na miséria e não sendo nada no Estado;

A Constituição de 1793 é a verdadeira lei dos 12. franceses, em razão do povo tê-la solenemente aceito.

Programa da Conspiração dos Iguais

Daí as reações de jacobinos, que em abril de 1798 (22 Floreal) tentaram tomar o Conselho dos Anciãos, e outros grupos de oposição, como os realistas, que em setembro de 1797 (18 Fru-tidor) tentaram tomar o controle do Diretório e do Conselho, e os socialistas, que em 1796 sob a liderança do feudista François- Noël Babeuf, o Gracchus Babeuf, encamparam a Conspiração dos Iguais (ver box abaixo).

aldade e res-

sor-ntemdo

s

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Analise os artigos do Programa da Conspiração dos Iguais e, em se-guida, tente pensá-los em relação aos artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Você percebe quais concepções políticas por detrás de um e de outro documento? Registre suas impressões abaixo.

Vamos Refletir!A

O CONSULADO (1899-1904)

Como se pôde perceber nas páginas anteriores, eram visíveis a falta de apoio popular e a fragilidade institucional do Diretório. Assim, perturbada pelas tentativas de tomada do poder político por parte da oposição e sentindo a ameaça externa que se tornava cada vez mais forte que a burguesia girondina adota uma solução de garantia de continuidade para seu predomínio, recorrendo a um governo rígido, que fosse capaz de sufocar as dissensões internas e fazer fren-te à Segunda Coalizão Européia (formada por Inglaterra, Rússia, Áustria, Sardenha, Nápoles e Turquia). Daí a opção pelo Consulado, instaurado com o Golpe do 18 Brumário, que suprimiu o Diretório e conduziu ao poder um general corso que se tornara célebre por suas vitórias contra as forças estrangeiras, dentre cujos resultados contava-se a cessão da Bélgica à França pela poderosa Áustria (Tratado de Campofórmio, 1797).

Parafraseando o historiador Eric Hobsbawm, apesar de suas origens cavalheirescas Napo-leão foi um típico carreirista, que graças à comprovada competência galgou os mais altos postos do exército. “Durante a Revolução, e especialmente sob a ditadura jacobina que ele apoiou fi rme-mente, foi reconhecido por um comissário local em um fronte de suma importância (...) como um soldado de dons esplêndidos e muito promissor. O Ano II fez dele um general. Sobreviveu à queda de Robespierre, e um dom para o cultivo de ligações úteis em Paris ajudou-o em sua esca-lada após este momento difícil. Agarrou a sua chance na campanha italiana de 1796, que fez dele o inquestionado primeiro soldado da República, que agia virtualmente independente das autori-dades civis. O poder foi meio atirado sobre seus ombros e meio agarrado por ele quando as inva-sões estrangeiras de 1799 revelaram a fraqueza do Diretório e sua própria indispensabilidade.”

(HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa, 1789-1848. 26ªedição, Rio de Janei-ro, Ed. Paz e Terra, 2002, p. 111)

A grosso modo, o Consulado não foi mais que uma nova roupagem para a República bur-guesa moderada dos tempos de Diretório, o que implica em considerar suas feições de classe. Assim, o Consulado foi um governo feito pela alta burguesia e para a alta burguesia. Um governo

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bem ao gosto da Gironda, que no âmbito interno garantia a paz suprimindo as sublevações po-pulares (os levées en masse) e tentativas de golpe, a prosperidade com a adoção de medidas de fomento e a regulamentação da sociedade com a reorganização judiciária da qual deriva o famoso Código Napoleônico, ao passo que no âmbito externo fazia a guerra, enfrentando os exércitos da contra-revolução e anexando territórios estrangeiros com base na doutrina recente do direito às fronteiras naturais. Muito longe fi cariam os sonhos da Revolução de 1792. Na bruma fi cavam as esperanças de instaurar-se um regime onde a igualdade, a fraternidade e a liberdade fossem construídas pela maioria e para a maioria.

O regime mantinha-se constitucional, regulado, agora, pela Constituição do Ano VIII (1799), de acordo com a qual o Poder Executivo deveria ser controlado por três cônsules – o que nos lembra o triunvirato romano. Entretanto, quem se destacava, e na prática comandava, era o Primeiro-Cônsul: Napoleão Bonaparte. Inicialmente o mandato era decenal e a reeleição indefi -nida, posteriormente tornar-se-ia vitalício. O Legislativo, agora composto pelo Senado mais um Corpo Legislativo, um Tribunato e um Conselho de Estado, tornava-se fragilizado diante do Exe-cutivo, crescentemente fortalecido graças à centralização administrativa procedida no período.

Entre 1801 e 1802, os franceses fortaleceram sua posição no cenário internacional, com a vitória sobre a Segunda Coalizão. Em 1801, além de assinar o armistíco de Lunéville, que garantiu o cessar-fogo com a Áustria, a França assinou também uma Concordata com o papa Pio VII, que reaproximando o Estado francês à Igreja Católica contribuiu para fortalecer a coesão inter-na, abalada pelo rompimento (em 1792) das relações entre as instituições, que em alguns casos colocou em campos opostos a devoção à Igreja e a lealdade à

Revolução, alimentando uma oposição de longa duração entre o cristianismo e o liberalismo. Além disso a Concordata garantiu aos novos proprietários a posse das terras da Igreja confi scadas pelo Estado em 1789. Procedeu-se então à reestruturação administrativa, com a redefi nição da estrutura institucional, dando lugar a um Estado forte e centralizado, através de medidas como a criação de um corpo de agentes fi scais que dentre outras funções seria responsável por arrecadar os impostos, um cadastro unifi cado de contribuintes, o estabelecimento da censura, a introdução de matérias militares no ensino e a consolidação do caráter laico do Estado. O voto era universal, mas quem realmente formava os corpos políticos era o governo que escolhia dentre uma lista de eleitos pelo povo os ocupantes dos cargos públicos. O Conselho de Estado preparava as leis, que eram discutidas pelo Tribunato e votadas pelo Corpo Legislativo restando ao Senado velar por sua execução. O Primeiro- Cônsul propunha e mandava publicar as leis, nomeava ofi ciais, juízes e outros funcionários públicos, bem como os ministros de Estado.

Tal centralização do poder político, cara a uma burguesia que se servia do Estado para ga-rantir a preservação de seus interesses, foi fortalecida pela reestruturação judiciária que tem por produto principal o Código Napoleônico ou Código Civil, através do qual se operou a incorpo-ração defi nitiva dos ideais e demandas burguesas à legislação francesa. Mas, de acordo com o ca-ráter girondino do Consulado, se por um lado o Código Civil garantia elementos como liberdade individual, liberdade de trabalho, liberdade de consciência, Estado leigo, igualdade perante a lei e defesa da propriedade privada, por outro garantia também a subordinação dos trabalhadores, que impedidos por lei de formar organismos de representação trabalhista, fi cavam sujeitos ao arbítrio dos empregadores – o que representa baixos salários e más condições de trabalho -, a subordina-ção das mulheres aos homens, embora mantivesse o divórcio, e o restabelecimento da escravidão nas colônias (abolida no período revolucionário).

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... que Ludwig Von Beethoven dedicou uma de suas sinfonias, a Sinfonia Heróica, a Napoleão Bonaparte? Ele retirou a dedicatória depois que Napo-leão se tornou imperador. Esses dois pequenos fatos lhe sugerem algo? Se sim, anote abaixo.

Você sabia...

Paralelamente à reestruturação da vida política deu-se a reestruturação fi nanceira de uma França abatida pelos eventos ocorridos nos anos da Revolução. Em 1800 deu-se a fundação do Banco da França, única instituição com o direito de cunhar papel-moeda no país, o que nos permite perceber mais uma vez o caráter centralizador das mudanças efetuadas no período. Foi criado também o novo padrão monetário, com a introdução dos centavos, até então inexistentes; em 1793 foi criada a Lira e em 1795 o Franco, moeda nacional até os dias de hoje. Essas medidas, ao reestruturarem as fi nanças francesas, proporcionaram boas condições para a reestruturação econômica do país. O Banco da França desempenhou um importante papel ao oferecer fi nancia-mento para a industrialização, bem como à reorganização do comércio e execução de obras pú-blicas. E a reforma monetária dinamizou o comércio e a atividade bancária, alquebradas e ainda submetidas aos moldes vigentes no Antigo Regime.

Em 1802, prestigiado graças ao êxi-to de sua política, Napoleão conseguiu, na Constituição do Ano X, o direito de se tor-nar cônsul único, vitalício e hereditário, com o direito de indicar o seu sucessor. Em 1803, valendo-se do recrudescimento das investi-das estrangeiras – paralisadas desde a Paz de Amiens (fi rmada em tratado com os ingleses em 1802) –, proclamou-se Imperador, rece-bendo a sagração episcopal no ano seguinte em Paris, e consolidou legalmente seu novo status na Constituição do Ano XII. A França voltava a se submeter a uma monarquia hereditária. As assembléias foram suprimidas, as liberdades individuais e políticas caíram sob o arbítrio do aparelho de Estado, o Tribunal e os Corpos Legislativos foram esvaziados de poder, a imprensa passou a ser regulada, no campo da educação a Universidade imperial deteve o monopólio do ensino superior e os programas passaram a ser controlados pelo Estado que restituiu o catecis-mo como disciplina formativa e impôs alterações ao ensino de História e Filosofi a – disciplinas consideradas como portadoras de riscos ao regime – excluindo, inserindo e enviesando conteú-dos. Enfi m, acrescente regulamentação levou ao descontentamento generalizado, que expresso ampliou ainda mais a opressão com a multiplicação das perseguições policiais.

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A POLÍTICA EXTERNA NO IMPÉRIO (1804-1815)

As violações dos acordos internacionais pela França levaram russos e ingleses a fi rmarem uma aliança contra os franceses que deu origem à Terceira Coalizão. Um incidente apressou a aliança anglo-russa: o fuzilamento, em 1804, do duque de Enghien, pertencente à família Bour-bon – da qual também fazia parte Alexandre I, rei da Rússia – sob a acusação de atentado contra a vida de Napoleão Bonaparte. O rompimento se deu após a resposta ofensiva – embora cor-tês – de Napoleão ao protesto de Alexandre I. Em agosto de 1805 russos, ingleses e austríacos uniam-se contra Napoleão e já em dezembro estavam derrotados. Ao fi m da guerra, a França tornou-se ainda mais forte com a anexação da Itália e o desmembramento do Santo Império, com a separação da Áustria e a criação da Confederação do Reno, um organismo germânico sob a tutela francesa. Em 1806, outra coligação foi derrotada; desta vez os Estados da Prússia e da Rússia sentiram a força do exército imperial francês. A Prússia foi desmembrada e a Rússia, velho e respeitado império absolutista, tornou-se uma aliada dos franceses.

Percebe-se então o poder da França napoleônica na Europa. Sua atuação reconfi gurou o campo de forças existente até então. A Europa Ocidental tentava, mas não conseguia se libertar de sua interferência. A hegemonia da Áustria na região da atual Alemanha encerrou-se com o já citado desmembramento do Santo Império, cuja existência lembrava de uma forma muito discre-ta os tempos de Carlos Magno. Para o enfraquecimento da Áustria contribuiu também a criação do Vice-Reino da Itália. Na mesma região registra-se ainda a tomada dos Estados Papais (1809), após desentendimentos entre Napoleão e Pio VII que, por se recusar a apoiar a política externa do monarca francês foi confi nado à cidade de Savóia de 1809 a 1814. Em linhas gerais, uma gran-de parte da Europa foi dividida em categorias criadas pela expansão e pelas vitórias napoleônicas. No centro a França encorpada pelos territórios anexados (Bélgica e regiões renanas), depois os Estados Familiares (Grão-Ducado de Varsóvia, Vice-Reino da Itália e os Reinos de Holanda, Nápoles e Espanha, todos agora governados por parentes de Napoleão) e os Estados Aliados (concentrados na recém-criada Confederação do Reno).

Mas havia a Inglaterra, principal força econômica do globo e dona da mais temida marinha de guerra. Incomodava, duplamente, a política externa da França. Primeiro pelo posição de desta-que que graças ao poderio bélico e à hábil diplomacia, dentre outros fatores (ver o material AVA), desfrutava no cenário político internacional. Junte-se a isto o crescente poderio econômico lastre-ado pela Revolução Industrial que ampliava a capacidade produtiva dos ingleses a um nível jamais visto na história, transformando-os em concorrentes implacáveis e portanto um obstáculo a ser retirado do caminho de qualquer nação com aspirações à potência hegemônica. Entendendo que militarmente seria muito difícil, senão impossível, sobrepujar a Inglaterra, e revidando à medida tomada pelo governo inglês em 11 de novembro de 1806, proibindo a entrada de navios france-ses em seus portos, Napoleão decretou, em 21 de novembro, o Bloqueio Continental, obrigando todos os países da Europa a fecharem seus portos e seus mercados internos aos ingleses.

“Napoleão, Imperador dos Franceses e Rei da Itália, etc.

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1°. Que a Inglaterra não admite o direito das gentes universalmente seguido por todos os povos civilizados;

2°. Que ela reputa inimigo todo indivíduo pertinente a um Estado ini-migo e faz prisioneiros de guerra, não só os navios armados, como também as tripulações dos navios de comércio e mesmo os negociantes que viajam no interesse de seus negócios.

3°. Que ela aplica aos navios e às mercadorias de comércio e às pro-priedades particulares o direito de conquista que só pode ser aplicado ao que pertence ao Estado inimigo.

4°. Que ela aplica às cidades e portos de comércio não fortifi cados, às embocaduras de rios, o direito de bloqueio, que segundo a razão e o uso de todos os povos civilizados só se aplica às praças fortes; que ela declara bloqueadas praças diante das quais nenhum vaso de guerra ela possui...

5°. Que semelhante monstruoso abuso do direito de bloqueio só tem por fi m impedir comunicações entre povos e elevar o comércio e a indústria da Inglaterra sobre a ruína da indústria e do comércio do continente.

6°. Que tal sendo o objetivo evidente da Inglaterra, qualquer poder que, no continente, comercie com mercadorias inglesas favorece assim seus objetivos e se torna seu cúmplice.

I – As Ilhas Britânicas são declaradas em estado de bloqueio.

II – Qualquer comércio e correspondência com as Ilhas Britânicas são proibidos.

III – Todo súdito inglês, qualquer que seja a sua condição, encontrado nos pontos ocu-pados por tropas nossas ou de nossos aliados é presa de guerra.

IV – Todo depósito, toda mercadoria, toda propriedade pertencente a um súdito inglês é declarada de boa presa.

V – O comércio de mercadorias inglesas é proibido e toda mercadoria pertencente à Inglaterra ou proveniente de suas colônias é declarada de boa presa.

VII – Nenhum navio, vindo diretamente da Inglaterra ou de colônias inglesas ou lá ten-do passado depois da publicação deste decreto, será recebido em qualquer porto.

VIII – Todo navio que, por meio de falsa declaração, infringir este dispositivo será cap-turado; o navio e sua carga serão confi scados como se fossem propriedade inglesa.

(...)”

(Decreto de Berlim, In: CARVALHO, Delgado de. História documental: Moderna e contemporânea. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1976.)

Considerando:

Em conseqüência, decretamos:

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“(...) o general revolucionário ou o marechal napoleônico era bem prova-velmente um puro primeiro-sargento ou uma espécie de ofi cial de companhia promovido antes por bravura do que por inteligência: o Marechal Ney, heróico, mas totalmente imbecil, era o tipo exato. Napoleão venceu batalhas; seus mare-chais sozinhos tendiam a perdê-las. Seu precário sistema de suprimento bastava nos países ricos e saqueáveis onde tinha sido desenvolvido: Bélgica, norte da Itália e Alemanha. Nos espaços áridos da Polônia e da Rússia, como veremos, ele ruiu. A ausência total de serviços sanitários multiplicava as baixas: entre 1800 e 1815 Napoleão perdeu 40% de suas forças (embora cerca de 1/3 pela deser-ção), mas entre 90% e 98% destas perdas eram de homens que morreram não no campo de combate mas sim devido a ferimentos, doenças, exaustão e frio. Em resumo, foi um exército que conquistou a Europa em curtas e vigorosas rajadas não apenas porque podia fazê-lo, mas porque tinha que fazê-lo.”

(HOBSBAWM, Eric J. Op. cit., p. 110)

Os fatos que se desenrolariam a partir daí teriam conseqüências irreversíveis. Em 1810, os russos, altamente fragilizados com a queda das receitas referentes à importação, deixaram de ob-servar as cláusulas do Decreto de Berlim, voltando a fazer negócios com os ingleses. Frustradas todas as tentativas diplomáticas de contornar a situação, os russos se prepararam e Napoleão encampou uma desastrosa invasão; a resistência dos soldados e dos camponeses russos, a impos-sibilidade de manter o Grande Exército (como era conhecido o exército francês) em uma guerra que, diferentemente das outras em que se envolveu, seria prolongada e a hostilidade do rigoroso inverno daquelas paragens obrigaram-no a uma retirada tão vergonhosa que até hoje as pessoas, inclusive aquelas que têm poucos conhecimentos em história, se referem nos gracejos alusivos a uma certa posição corporal (“Foi assim que Napoleão perdeu a guerra”). E essa derrota, para além de ferir o orgulho do exército e da nação, afi gurava-se como uma amostra de fragilidade da até então imbatível máquina de guerra francesa.

Sobre os pontos frágeis do exército francês, vejamos o que nos diz Eric Hobsbawm:

As intervenções na Península Ibérica entre 1808 e 1814, também desastrosas, têm especial importância para as atuais nações latino-americanas, uma vez que ao desestabilizar os governos metropolitanos contribuiu para agravar a crise do sistema colonial e acelerar a eclosão das guerras de independência. No caso brasileiro, por exemplo, os panoramas da política e da economia mu-dam a partir da chegada da família real portuguesa, em 1808, em fuga diante da invasão das terras lusitanas pelas tropas do General Junot, devido à recusa do governo português em aderir ao Blo-queio Continental. No campo da política, muda o status do Brasil, agora Reino Unido e sede do império português. Junto com o status político mudam também as práticas políticas e com elas a consciência dos brasileiros em relação ao lugar ocupado até então nos quadros do antigo sistema colonial. No campo econômico, a vinda da família real teve seu preço: a Abertura dos Portos às Nações Amigas. Caíam os obstáculos coloniais ao livre comércio e a burguesia brasileira pôde sentir o que é ser uma burguesia nacional, algo bastante diferente de uma burguesia colonial. E como sabemos, fi cou difícil para

Portugal reverter o processo e recolonizar o país, agora cioso da possibilidade de se consti-tuir em nação. Em setembro de 1813, Napoleão foi derrotado pela Sexta Coalizão, formada por

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Prússia, Rússia e Áustria em Leipzig, na Confederação do Reno (atual Alemanha). No início do ano seguinte Paris foi invadida pelos aliados, que entronizaram a Luís XVIII, restabelecendo a monarquia absolutista na França, o que nos permite perceber as feições políticas das forças en-volvidas. Napoleão foi aprisionado na ilha de Elba, na costa da Itália, de onde fugiria em março de 1815 para retomar o poder, estabelecendo o que fi cou conhecido como Governo dos Cem Dias. No mesmo ano, vencido na célebre batalha de Waterloo, Napoleão foi aprisionado na Ilha de Santa Helena, na costa sul da África, onde morreria em 1821.

Entretanto, sua morte não encerrou o avanço do liberalismo no continente nem o reti-rou da mentalidade dos franceses. Principalmente entre os pobres sobreviveu a veneração à sua pessoa, sendo representado como o salvador da ordem. Por outro lado, sua morte ampliou o espectro que sua atuação lançou sobre a Europa. Em Portugal, por exemplo, houve até mesmo quem profetizasse o seu retorno de entre os mortos, como o Anticristo mencionado no Apoca-lipse de S. João, a fi m de guerrear contra a Igreja e o povo de Deus. Essa crença não deixava de encontrar apoio na iconografi a de diversas regiões do continente. Demonstrações curiosas da força com que as ações e a fi gura do indivíduo Napoleão Bonaparte, representante de uma cole-tividade específi ca, foram impressas nas mentalidades coletivas inclusive em espaços muito além das fronteiras francesas. O que nos leva a uma importante questão, a saber: como o avanço do liberalismo foi vivenciado nos mais diversos cantos da Europa. Em locais como a Península Ibé-rica, no centro e no leste da Alemanha, na Rússia, na Áustria e nos Bálcãs, havia pouca aceitação. Excetuando alguns intelectuais iluministas e jovens estudantes entusiasmados, essas populações não viam com bons olhos o liberalismo. As elites políticas temiam-no uma vez que representava uma ameaça aos velhos privilégios sustentados pelo Antigo Regime, ao passo que as populações camponesas rejeitavam-no especialmente por enxergarem nele o instrumento da instauração de um regime anticristão, o governo do Anticristo, isso porque uma das características marcantes do liberalismo é justamente o anticlericalismo, expresso não apenas na rejeição da autoridade da Igreja em matérias seculares – o que implicava, dentre outras coisas, na negação da Teoria do Direito Divino dos Reis –, mas na expropriação de bens eclesiásticos, como aconteceu na França revolucionária, que transformou uma ordem cujos monarcas, remontando ao tempo dos primei-ros reis francos, ostentavam o título de “Filho Mais Velho da Igreja”. O já citado episódio do aprisionamento de Pio VII por Napoleão é bastante signifi cativo em relação a isso. Entretanto, em outros locais, como Polônia, Hungria, Irlanda, Países Baixos, parte da Suíça, o oeste da Ale-manha e a península itálica, as propostas de mudança social ventiladas pelo liberalismo tiveram, por razões várias, uma aceitação acima da média. No caso da Irlanda, por exemplo, missas eram rezadas em prol da vitória dos franceses. Você deve estar se perguntando: como, se a Irlanda era um país de maioria católica e a Igreja não simpatizava com os liberais?

Isso se explica muito menos pela questão da simpatia aos liberais do que pela importância de ter uma força contra os ingleses, inimigos íntimos e antigos, bem mais odiados que os recém-nascidos defensores do liberalismo. Além do mais, o liberalismo não era contrário ao cristianismo (embora alguns liberais como o barão d’Holbach o fossem), era contrário à instituição religio-sa - a Igreja Católica Romana –, identifi cada como um dos sustentáculos da ordem do Antigo Regime.

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... que, no século XIX, a Igreja condenou ofi cialmente o liberalismo como um dos “erros do século”? O documento em que isso está registrado é o Syllabus Errorum, elaborado, em dezembro de 1864, no pontifi cado de Pio IX (1846-1878). Trata-se de uma espécie de catálogo eclesial dos erros contra Deus e contra a Igreja. Além do liberalismo, o Syllabus condenava o raciona-lismo, o indiferentismo religioso, o naturalismo, o latitudinarismo (interpreta-ção livre das Escrituras Sagradas), o progressismo, o primado do secular sobre o eclesiástico e a idéia de Igreja livre no Estado livre (que com o avanço do liberalismo ganhou espaço nos meios eclesiásticos “esclarecidos”).

Você sabia...Você sabia...

Para saber mais sobre as relações entre a Igreja e o Liberalismo consulte o material AVA.

Dica da WebDica da Web

O CONGRESSO DE VIENA (1814-1815): AS FORÇAS DE RESTAURAÇÃO/CONSERVAÇÃO E A GESTAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL

Entre 1 de outubro de 1814 e junho de 1815, as nações que o derrotaram reuniram-se em assembléia internacional na cidade de Viena (capital da Áustria) a fi m de decidir como seriam restabelecidas as fronteiras alteradas pelo avanço do exército francês, bem como para repartir os espólios de guerra, isto é, baseando-se no velho Princípio das Compensações, impor à França o pagamento de indenizações – e decidir a quem cabia recebê-las e quanto ou o quê cada qual receberia. Em reuniões periódicas ocorridas até junho do ano seguinte, o Congresso de Viena foi marcado pela atuação das “Quatro Grandes Potências”: a Inglaterra, representada pelo lorde Castlereagh; a Rússia, pelo czar Alexandre I; a Áustria, de Francisco I, representava-se por seu chanceler, o príncipe Metternich, e a Prússia pelo rei Frederico Guilherme III (da dinastia Ho-henzollern). Em suma, o que estava em pauta era o restabelecimento do equilíbrio europeu, neste momento pensado nos termos do Antigo Regime, perturbado pela avassaladora expansão napo-leônica. Assim, a reconfi guração do mapa político do continente era a primeira questão. Temendo que a aplicação do Princípio das Compensações implicasse na extinção do Estado francês pela partilha de seu território entre os vencedores, o governo francês, representado pelo príncipe de Talleyrand, ministro de Assuntos Exteriores de Luís XVIII, e outros diplomatas franceses, recor-reu ao Princípio da Legitimidade, segundo o qual as restituições não deveriam alterar as fronteiras existentes antes de 1792, ano em que em pleno processo revolucionário se deu o começo da ex-pansão francesa. Facilitava a aprovação desse princípio o fato de que o próprio representante da

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... que o Estado alemão é relativamente recente, quando comparado com outros Estados da Europa – a exemplo de França e Inglaterra? Sua unifi cação só aconteceria na segunda metade do século XIX, envolvendo uma série de guerras (contra a Dinamarca, em 1864, contra a Áustria, em 1866 e contra a França, em 1870).

Além de se tornar hegemônica em relação aos Estados alemães, a Áustria se apoderou de uma parte da Polônia e das regiões italianas da Lombardia e Vene-za, a Holanda recebeu a Bélgica, a Dinamarca fi cou com os Estados alemães de Schleswig e Holstein. A Rússia fi cou com as terras da Besarábia, da Finlândia e do antigo ducado de Varsóvia. A Polônia foi dividida em três partes, sendo que as terras do ducado de Varsóvia foram transformadas pela Rússia em um “Reino da Polônia”, governado por uma constituição outorgada pelo czar Alexandre I - exatamente como este havia ameaçado -, por outro lado as regiões de Poznan, Gdansk e Torun foram anexadas à Prússia ao passo que à Áustria coube o territó-rio da Ucrânia ocidental. Dessa divisão surgiriam confl itos políticos

de cunho nacionalista, em que partes anexadas reivindicavam o direito a constituir Estados Nacionais autônomos. Mais tarde um desses confl itos na região da Polônia teria por resultado o assassinato de um príncipe austríaco – o famoso arquiduque Francisco Ferdinando -, ocasionando o pretexto para a detonação da Primeira Grande Guerra.

Você sabia...q

Áustria se interessava em não deixar que a Polônia continuasse sob o domínio da Rússia, o que fortalecia bastante a posição daquela nação no sistema internacional. Pela mesma razão, não dese-java que possessões a Prússia fi casse com toda a região da Saxônia. Ciente disso o czar Alexandre I chegou a ameaçar, em entrevista com o lorde Castlereagh, que criaria um reino autônomo na Polônia, com as regiões que poderia incorporar à Rússia, ao qual daria uma constituição própria – que o representante da Inglaterra considerou muito liberal. E isto não deixava de representar perigo para as conservadoras Áustria e a Prússia, ao passo que mais uma vez fortalecia a posição da Rússia, que, embora conservadora como as outras duas nações, poderia contar com o grato respeito da Polônia, dadas as condições de seu estabelecimento. Temendo antes o aumento do poderio russo que a criação de um Estado liberal polonês, que de resto poderia ser facilmente dominado pela Rússia, a Áustria e a Inglaterra tentaram cooptar a Prússia que rejeitou e uniu-se à Rússia. Assim, o mal estar que se seguiu entre os “Quatro Grandes” fortaleceu a posição da França, que conseguiu fazer sobreviver ao Congresso suas fronteiras anteriores a 1792.

Em substituição à Confederação do Reno, criada por Napoleão, Metternich propôs a cria-ção da Confederação Germânica, a qual seria formada por Áustria, Prússia e os outros 38 Esta-dos alemães, e seria governada por uma junta governativa denominada Dieta Alemã. A formação da Confederação Germânica interessava à Áustria por pelo menos três razões políticas. Primeiro, punha a própria Áustria em posição hegemônica diante de um conjunto de Estados cujo poten-cial político lhe era perigoso, principalmente se a Prússia viesse a ocupar a posição hegemônica e agregando-os em torno de si formasse um Estado de dimensões comparáveis à de um império. A lembrança do velho Império Carolíngio ainda pesava mesmo àquela altura dos acontecimentos.

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Atividade Complementar

Em quais circunstâncias deu-se a instauração do Consulado?1.

Caracterize o regime político do Consulado, destacando a importância de Napoleão Bo-2. naparte para sua sustentação.

Em que consistiu a reestruturação administrativa do Estado francês realizada nesse pe-3. ríodo? Explique sucintamente a sua importância.

Cite as realizações do Consulado no campo da economia e explique sua importância.4.

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Explique, de forma sucinta, a política externa do império napoleônico.5.

Explique as justifi cativas francesas para o Bloqueio Continental, citadas no trecho 6. do Decreto de Berlim citado na página 9, situando-as no contexto das disputas entre nações industrializadas.

Observe as imagens abaixo. Nelas, podemos perceber duas diferentes apropriações da 7. imagem de Napoleão Bonaparte. Qual o aspecto da cultura que norteia ambas as representações? Explique sua resposta.

(Andrea Appiani (1754-1817), L’Apothéose de Napoleón. Museu do Louvre)

(Autor desconhecido)

O TRIUNFO MOMENTÂNEO DAS FORÇAS DE RESTAURAÇÃO/CONSERVAÇÃO E AS REVOLUÇÕES LIBERAIS OITOCENTISTAS (1830 E 1848)

SOB A AÇÃO DA SANTA ALIANÇA (1815-1830)

Outro aspecto importante do esforço geral de restabelecimento do equilíbrio europeu con-certado em Viena foi a política de auxílio à restauração do Antigo Regime onde o mesmo havia sido atingido pela expansão do liberalismo, essa política instaura o período marcado pelo que se

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costuma chamar de Reação Legitimista (1815-1830). O Reino das Duas Sicílias foi restituído, na pessoa do rei Fernando I, à dinastia Bourbon que ao lado dos Habsburgos e dos Hohenzollern formava um triângulo de poder dentro do qual há muito se desenrolava a política da Europa. Na França, Luís XVIII, outro Bourbon, tinha agora garantias de que permaneceria onde foi coloca-do logo após a derrota de Napoleão em Leipzig. Na Espanha mais um ramo da mesma dinastia retornava ao poder com Fernando VII.

Em Nápoles, outro Bourbon, Fernando IV, foi reconduzido ao poder. O direito consue-tudinário - e como ele a hierarquia social – se sobrepôs ao direito natural, base das sociedades liberais. Com isso ressuscitam-se os privilégios fi scais, jurídicos e militares que caracterizavam a nobiliarquia típica do Antigo Regime. Para salvaguardar o que por ora se restaurava, era preciso lutar contra as muitas cabeças da “hidra revolucionária” – como alguns conservadores denomi-navam o conjunto de revoluções liberais iniciado na França. E assim se fez, havendo em cada país um crescente cerceamento das atividades políticas liberais e nacionalistas, ou que de alguma forma fossem suspeitas de qualquer um dos dois casos. Entretanto, os governos restaurados perceberam o quão difícil seria barrar, com esforços isolados, o avanço desses movimentos. As-sim, em setembro de 1815 três dos “Quatro Grandes” se reuniram uma vez mais para selar um acordo que fi cou conhecido como a Santa Aliança. Por esta, Alexandre I, Francisco I e Frederico Guilherme III se propunham – em nome da Santíssima Trindade - a ajuda recíproca em relação à repressão dos movimentos liberais e de libertação nacional – o que incluía a sufocação dos movimentos anti-coloniais.

Instituía-se, na prática política, o Princípio da Intervenção, que, mesmo tratandose de ou-tro contexto, ainda continua bastante atual. Ao acordo, selado sob o signo da cruz, contra o “ateísmo” e outros “erros do século”, se juntaram gradualmente todos os governos cristãos do continente, exceto o papado – responsável pelos Estados Papais –, que se recusou em virtude da presença do governo da protestante Prússia. O sultanato, responsável pelo Império Turco Oto-mano, estava culturalmente excluído por ser o representante de uma religião tida até então como inimiga da cristandade: o Islã.

Durante cerca de sete anos, entre 1815 e 1822, a Santa Aliança atuou com força considerá-vel no continente. Garantiu a ocupação do território francês – cuja monarquia constitucional era vista com desconfi ança pelos “Quatro Grandes” – por tropas internacionais até 1818, quando no Congresso de Aix-la-Chapelle (ou Aquisgran), o primeiro ministro da França, Richelieu, conse-guiu a evacuação e a inclusão de seu país na Santa Aliança. Sufocou movimentos revolucionários em Nápoles, Piemonte (em 1821) e na Espanha (1822), onde pela força de armas francesas en-terrou uma constituição liberal – imposta em 1820 a Fernando VII por grupos revolucionários. Exerceu uma estrita vigilância nas terras alemãs e na península itálica. Monitorou as atividades de exilados políticos, as Universidades, o teatro. Impediu a livre circulação da palavra escrita, sub-metendo-a a mecanismos de censura, elaborando listas de obras proibidas. E, como que fazendo refl uir os dias de terror da ditadura Jacobina, julgou e executou prisioneiros políticos na França, na Espanha e na península itálica.

A partir de 1823, o Concerto entra em decadência. Primeiro, deve-se levar em conta as di-ferenças existentes entre seus membros, diferenças que para além da afi nidade política poderiam ocasionar confl itos entre os países, como vimos no tópico anterior. Neste sentido, a atuação da Inglaterra – de regime misto (monarquia constitucional e parlamentarista) e economia burguesa - é um fator importante. Á medida que as ações intervencionistas da Santa Aliança começaram a representar maus efeitos para seu comércio os ingleses deixaram de oferecer apoio militar e pas-

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O fi lósofo Friedrich Von Hegel, insatisfeito com a fi losofi a do século XVIII, desenvolveu um sistema fi losófi co no qual opôs à Idéia à matéria, tornando aquela o princípio fundador de todas as coisas e única realidade absoluta, cujo movimento cria o real tal e qual cada um de nós o compreende. Ainda segundo ele, o Estado – que deveria ser sempre monárquico – é a encarnação terrestre de Deus e, por isso, o mecanismo através do qual a Idéia se realizava contemplando a sociedade composta por indivíduos. Assim, só o Estado tem o direito à soberania absoluta, enquanto o indivíduo – que em relação ao Estado é uma abstração inconsistente – tem

Vamos refletir!Vamos refletir!

saram a se opor no campo diplomático, como no caso do Congresso de Verona (1822), no qual a Inglaterra se opôs à intervenção na Espanha, à invasão da Turquia pela Rússia e à intervenção na América Espanhola – em processo de independência.

À política britânica, bastante infl uenciada pela burguesia, não interessava se opor aos pro-cessos de libertação nacional uma vez que os povos libertos constituiriam Estados que neces-sitariam de fi nanças e comércio. Nada mais conveniente aos seus interesses. Se o temor da ra-dicalização levou a burguesia inglesa a apoiar a cooperação de seu Estado à aristocrática Santa Aliança, um temor ainda maior – o de perder dinheiro – levou-a a utilizar aquele para minar esta. Por outro lado, incomodava ao governo inglês o fortalecimento da Rússia, velho império aristo-crático que nunca deixou de aspirar à hegemonia no continente. Não se poderia prever quando o Estado czarista resolveria mostrar seus poderes, maiores que o da Áustria e até mesmo maiores que os de uma possível combinação austro-prussiana. As intervenções da Santa Aliança tendiam a aumentar ainda mais esse poderio. Deste modo, entende-se a oposição inglesa, dentre outras medidas, à intenção dos russos de atacar o Império Turco.

Além do mais, às contradições internas à Santa Aliança juntam-se a contínua movimen-tação dos liberais e o desenvolvimento das aspirações nacionalistas, que em diversos pontos do continente, aberta ou secretamente, minam o imobilismo aristocrático em que se pretendeu restabelecer o “equilíbrio”. Mesmo atacada a “hidra revolucionária” agia. Grupos subversivos se organizavam na clandestinidade. No ambiente da maçonaria, surge na península itálica – mais precisamente no Reino de Nápoles -, e daí se espalha pela França e chega à Espanha, a mais fa-mosa das sociedades secretas do período: a Carbonária.

Seus adeptos, os carbonários, dos quais o papa Leão XII disse que tinham por objetivo a destruição da Igreja e a subversão da autoridade, atuando sempre na obscuridade e atacando de surpresa, preconizavam a instauração de regimes republicanos, democráticos e preocupados com as questões sociais. Dentre os movimentos que levam sua marca estão os de Nápoles e Piemonte (1820-1821). Enfi m, o último triunfo efetivo da Santa Aliança foi a intervenção na Espanha em 1823. A partir daí foi se desintegrando, e já nos anos 30 era inócuo, o poderio do que o próprio Metternich chamou de “monumento vazio e sonoro”, e a caminhada das forças de transformação despoja-se de mais um obstáculo e prossegue para o futuro.

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uma soberania inferior, determinada pela soberania estatal e, por-tanto, subordinada a esta.

Você compreende a afi nidade destas idéias com as for-ças de conservação? Exponha suas conclusões.

A “ONDA REVOLUCIONÁRIA DE 1830”

A chamada “onda revolucionária de 1830” iniciou-se na França. E isso não deve nos sur-preender. Primeiro porque as cinzas dos anos revolucionários ainda estavam frescas e os elemen-tos construídos ali ainda viviam. A queda de Napoleão não signifi cou, nem de longe, o sepulta-mento do liberalismo – embora, entre 1815 e 1830 muito dele tenha sido suprimido, a exemplo de símbolos como a bandeira tricolor, instituída em 1789, que foi substituída por uma bandeira branca. Por outro lado, a Restauração contrastava de forma marcante com aqueles anos em que o lema “liberté, egalité, fraternité ou la mort” animavam o cenário político. Desde 1824 Carlos X comandava um regime que representava o mais profundo recrudescimento do absolutismo de direito divino. Assim, a França era um campo aberto para a construção da primeira grande brecha no sistema de Metternich.

O regime da Restauração Bourbon jamais alcançou popularidade em território francês. Foi a princípio aceito por um povo politicamente cansado das lutas que o afl igiram durante o gover-no de Napoleão, mas o cansaço logo passaria. Contudo, o clima de insatisfação manteve-se em suspenso durante o reinado de Luís XVIII (1814-1824), que, prudente, submeteu-se ao constitu-cionalismo burguês “outorgado” na Carta Constitucional de 4 de junho de 1814. Esta garantia as liberdades individuais e as públicas, a igualdade perante a lei, a manutenção do sistema tripartite de poder, o regime eleitoral censitário (que restringia o eleitorado a uma cifra em torno de 90.000 homens entre 30 e 40 anos) e a inviolabilidade do patrimônio público nacional. Mas Carlos X preferiu mudar o andamento que seu irmão deu à política. Desde que assumiu o poder após a morte de Luís XVIII, levou adiante uma política ultra-realista, que contrastava com o desenvolvi-mento do liberalismo no país, desenvolvimento este que seria reforçado a partir de 1827, durante os anos de crise econômica que difi cultaram em muito a vida da maioria dos franceses.

A Carta foi sumariamente violada pelas Ordenações de Julho de 1830, um conjunto de medidas impositivas, com as quais Carlos X buscava fortalecer o Poder Executivo, o que punha a descoberto as intenções absolutistas do monarca, que não deixariam de ser combatidas pelos liberais/independentes (coligação que reunia liberais/republicanos e bonapartistas em torno da preservação do legado revolucionário), liderados por La Fayette, e os constitucionalistas (que defendiam a aplicação estrita da Carta Constitucional), sob a liderança de Guizot.

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Apoiado pelos ultra-realistas (interessados em restaurar os privilégios nobiliárquicos abo-lidos durante o processo revolucionário – a maioria era composta de ex-refugiados) dissolveu a Câmara recém-eleita – cuja maioria era liberal/independente –, modifi cou os critérios para a fi xação do censo eleitoral (benefi ciando os aristocratas) e instalou um regime de restrição das liberdades individuais revivendo a censura.

Em resposta, o povo foi à luta, montando barricadas contra as tropas reais durante três dias – 27, 28 e 29 de julho – que fi caram conhecidos como as Jornadas de Julho, ou as Três Glorio-sas. Derrotado Carlos X, Luís Felipe, o “Rei Burguês”, foi conduzido ao trono francês, com o apoio da alta burguesia e, segundo ele, dos “próprios vencidos” que o “julgaram necessário à sua salvação”.

Ou seja, a monarquia constitucional de Luís Felipe, duque de Orleans, foi a solução encon-trada pelos poderosos para impedir que o poder popular, amplamente demonstrado nas Jornadas, se acercasse do Estado, instaurando uma ordem radicalmente distinta na França. Nas palavras de Luís Felipe, em carta ao rei Francisco II, da Áustria, seu reinado se fazia necessário “para que os vencedores não deixassem degenerar a vitória” (In CARVALHO, Delgado de. Op. cit., p. 192).

Assim, paradoxalmente, na França a Revolução de 1830 teve por resultado imediato a ins-tauração de um regime moderado sob a direção de uma monarquia constitucional liberal que garantia o primado da alta burguesia e a sobrevivência da nobreza, não importando em mudan-ças profundas no âmbito das relações sociais. Mas, no que tange ao campo político externo suas infl uências foram profundas.

Na Bélgica o processo revolucionário assumiu o tom nacionalista, objetivando o fi m do domínio holandês instituído no Congresso de Viena. Os belgas estavam submetidos à Holanda como parte do Reino dos Países Baixos.

Debaixo de um regime monárquico absolutista que privilegiava os holandeses, os belgas tinham ainda outras razões para reivindicar o reconhecimento de sua nacionalidade e a formação de um Estado próprio e autônomo. Em termos culturais, diferentemente dos holandeses, os bel-gas eram católicos em sua maioria, falavam um idioma próximo do francês (o valão), enquanto o holandês é um idioma mais próximo do alemão. No campo econômico, outras diferenças os separavam: os belgas primavam pela indústria, os holandeses pelo comércio, os belgas queriam medidas protecionistas, os holandeses preferiam o comércio livre.

Enfi m, contando com o apoio inglês os belgas subtraíram-se ao domínio holandês e orga-nizaram uma monarquia constitucional e liberal. Aos 29 de novembro do mesmo ano, sob a ins-piração do movimento francês – e contando com a simpatia e encorajamento de revolucionários franceses, como La Fayette, e de liberais americanos –, eclodiu, no Reino da Polônia, um movi-mento nacionalista contra a dominação russa. O movimento começou com um levante de ofi ciais menores do exército polonês, que objetivavam um golpe de Estado, e ganhou corpo, exprimindo os anseios populares de libertação nacional.

A questão está em que, desde 1815, os poloneses tinham uma independência virtual, ba-seada em uma carta constitucional, leis próprias, burocracia estatal, instituições educacionais e exército, que entretanto estava submetida ao governo do imperador russo na condição de “Im-perador e Autocrata de todos os russos” e rei da Polônia. Fragilizado por contradições internas, o movimento foi suprimido em outubro de 1831 pelo exército imperial russo. Entretanto, sua ex-periência – que contou com a solidariedade de franceses, que coletaram cerca de 36.000 francos em seu favor, e de americanos que coletaram donativos em Paris e nos Estados Unidos (ver box)

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“Resolvemos – Que Nós simpatizamos com a nação polonesa em seus sofrimentos, e que nós admiramos sua heróica coragem, e a constância com a qual eles mantêm seus direitos sagrados e naturais contra o vasto poder de seus inimigos.

Resolvemos – Que uma subscrição deverá ser feita entre os americanos agora em Paris, em prol deste povo valoroso. Resolvemos – Que o secretário [James Fenimoore Cooper] respeitosamente deverá convidar o General La Fayette para ser o agente de remessa do dinheiro coletado em Paris e na América em conseqüência de seu encontro com as próprias autoridades polonesas.

(...)”(Contributions for the Poles (publicado no New York American em 6 de se-

tembro de 1832), Apud SPILLER, Robert E.. “Fenimoore Cooper and Laffayete: friends of polish freedom, 1830-1832”. American Literature, vol. 7, n° 1 (mar. 1935), pp. 8-9)

– fortaleceu o nacionalismo polonês, que em outros momentos voltaria a se manifestar.

Um encontro de cidadãos americanos foi realizado no dia 29 de julho de 1831, na rua Richelieu, em Paris. O assunto da reunião era a postura americana diante da questão polonesa. Vejamos algumas resoluções:

As ondas de choque emanadas do movimento francês atingiriam também a Hungria, onde um movimento nacionalista tentou obter a separação dos húngaros do império austríaco, ao que as forças austríacas impuseram uma severa repressão. As mesmas forças austríacas tiveram de sufocar, nos Estados itálicos, os movimentos nacionalistas ocorridos na Lombardia e em Veneto. Nos Estados germânicos, tiveram que abafar movimentos como o de Hanover, contando com a colaboração das forças da monarquia prussiana, que reprimiram os movimentos nos Estados da Saxônia, Schleswig-Holstein e Silésia. No Reino das Duas Sicílias outro movimento foi re-primido, desta vez pela monarquia dos Bourbons napolitanos. Vale mencionar que na península itálica difundiu-se, a partir de 1831, o movimento Jovem Itália, fundado por Giuseppe Mazzini, em Marselha. Veja abaixo alguns trechos do Manifesto de Marselha, documento fundamental do movimento.

“A Jovem Itália é a confraternidade dos italianos que acreditam numa lei de Progresso e de Dever, convencidos de estar a Itália chamada a ser uma Nação, que se pode fazer com suas próprias forças.

(...)

A Jovem Itália é republicana e unitária. Republicana porque teoricamen-te todos os homens de uma Nação são chamados pela lei de Deus e da Hu-

manidade a serem livres, iguais e irmãos e que a forma republicana é a única que garante este destino... Republicana, porque, praticamente a Itália não possui os elementos de uma monarquia, nem uma aristocracia acatada, poderosa, em condições de se impor entre o trono e a Nação; nem uma dinastia de príncipes italianos que, pelos seus longos serviços, importantes e gloriosos em vista do desenvolvimento da Nação, mereça

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a afeição e a simpatia de todos os Estados que a formam; porque a tradição italiana é toda republicana.

(...)

A Jovem Itália é unitária porque sem unidade não há realmente Nação – por-que sem unidade não há força e a Itália rodeada de nações unitárias, poderosas e invejosas, necessita antes de tudo ser forte, pois o Federalismo a condenando à fraqueza da Suíça, a colocaria forçosamente sob a infl uência de uma ou outra das nações vizinhas – porque o Federalismo revivendo as rivalidades locais já extintas, levaria a Itália de volta à Idade Média.

(...)

Os meios de que entende se servir a Jovem Itália para alcançar seu objetivo são a Educação e a Insurreição. Estes dois meios devem ser empre-gados em concordância e se harmonizar.

(...)”

(MAZZINI, Giuseppe. Manifesto de Marselha, In CARVALHO, Delgado de. Op. cit., pp. 194-195)

Stendhal, o vermelho e o negro.

Sugestão de LeituraSugestão de Leitura

A título de conclusão, podemos afi rmar que a importância da onda revolucionária de 1830 está menos em seus resultados práticos que nas oportunidades de emersão de novas forças po-líticas, dentre estas o nacionalismo, que daí em diante estaria constantemente na pauta das ques-tões políticas em suspenso ao longo do continente. A “primavera dos povos” não tardaria a despontar.

A “ONDA REVOLUCIONÁRIA” DE 1848:

A Revolução Francesa de 1848 foi a última e, em termos dos números bem como de áreas envolvidas, a maior de todas as revoluções liberais que convulsionaram a Europa desde 1789. Inspirada por uma fé otimista na capacidade humana de autodeterminação, ela liberou um grande fl uxo de energias e paixões entre as maiorias, desafi ando – com novas forças – a ordem política existente. Foi neste momento que a restauração iniciada em 1815, no Congresso de Viena, en-trou em colapso, sob o peso das barricadas erguidas nas cidades e dos motins antifeudais que nos campos fi zeram as fronteiras do velho sistema recuarem à altura da Rússia. E, assim, com o colapso da Restauração, parecia mesmo que uma era havia chegado ao fi m. A “primavera dos povos” estava às portas. Mas, como veremos, ainda não seria dessa vez. Por volta de 1848 havia uma crise geral da economia em curso na Europa, atingindo os setores produtivos da França.

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Essa crise iniciou-se em 1845 com a perda das colheitas de batatas devido à mesma praga que levou a Irlanda a uma crise de subsistência sem precedentes. No ano seguinte os preços subiriam a níveis altíssimos. Em 1847 chegaram ao dobro dos praticados no início da crise, levando muitos franceses à penúria e aumentando a de outros. Somente nestes anos mais de quatro mil estabe-lecimentos foram à falência, aumentando o contingente de desempregados. Quem não fi chou as portas, diminuiu os salários. A boa colheita deste mesmo ano viria abrandar a fome generalizada, mas não resolveria a situação econômica que se agravava. As reservas em ouro do Banque de France caíram de 201 para 47 milhões de francos em pouco mais de seis meses, entre junho de 1846 e janeiro de 1847.

Junte-se a isto o quadro de instabilidade política, pontuado pela atuação dos grupos que apoiavam o regime do “rei burguês” – concentrados no “partido do movimento” e no “partido da resistência” – e dos grupos de oposição – os “bonapartistas”, os “republicanos” e os “legi-timistas”. No âmbito dos situacionistas a oposição entre o partido do movimento, favorável à progressão do liberalismo no regime encabeçado por Luís Felipe, e o partido da resistência, mais inclinado à conservação das características do regime, fragilizavam sua base de sustentação e dei-xavam brechas para a atuação dos oposicionistas. Estes, por outro lado, não deixavam de se de-sentender. Os bonapartistas, fi éis ao culto da imagem de Napoleão, depositavam suas esperanças de restauração da ordem emLuís Bonaparte, sobrinho do falecido imperador; os republicanos, imbuídos de um liberalismo radical, eram contrários à monarquia e adeptos de um regime repu-blicano e social, ao passo que à extrema direita fi cavam os legitimistas, partidários do rei deposto pela Monarquia de julho, Carlos X, interessados na restauração da ordem nobiliárquica. Havia, portanto, um campo político em que o diálogo por vezes era um diálogo de surdos. O equilíbrio aí era precário e bastava uma pressão como a da crise econômica iniciada em 1845 para detonar um confl ito.

As manifestações contrárias ao regime multiplicavam-se, desde os levantes de Lyon em 1831 e 1834. Faltava sustentação popular ao reinado do “rei burguês”. Percebendo que no con-junto das forças a balança lhe era desfavorável, Luís Felipe tentou controlar a situação reprimin-do as associações, submetendo os jornais à censura e sobrepondo-se ao Parlamento. A situação agravou-se quando, no dia 22 de fevereiro de 1848, François Guizot, líder do “partido da resis-tência” e primeiro ministro, proibiu a realização de um banquete em Paris, sob a alegação de que ali se reuniriam elementos da oposição para tramar contra o governo. “E eis que a Revolução Francesa recomeça em 1848, pois se trata sempre da mesma” foi o que disse, a respeito da onda revolucionária de 1848, Aléxis de Tocqueville, um dos maiores pensadores políticos do período que estamos estudando. Temos de concordar com ele. Mas até certo ponto. Se é certo que os eventos de 1848 têm um parentesco inegável com o processo revolucionário iniciado em 1789 – e pode ser entendido como um prolongamento deste -, não se pode exagerar na comparação. O processo iniciado em fevereiro de 1848 é também menos violento que seu precedente maior: não se verifi ca uma profusão de confl itos internacionais e as ditaduras populares geralmente têm curta duração.

Além disso, os agentes diversifi caram-se ainda mais, e dentre esses novos agentes um tem infl uência considerável neste momento e, sob outras roupagens, infl uenciará sobremaneira o ce-nário de movimentos posteriores: o socialismo.

O socialismo apregoado neste momento era o que mais tarde seria chamado de socialismo utópico, cuja difusão pelo país já vinha sendo feita por meio de escritos, não apenas políticos mas acadêmicos, como a dissertação “O que é a propriedade?”, publicada por Pierre-Joseph

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“O que a distinguiu entre todos os acontecimentos (...) foi que ela não teve por fi m mudar a forma de governo, mas alterar a ordem da sociedade. Ela não foi, na verdade, uma luta política (...) mas um confl ito de classes (...) Esta insurreição formidável não foi empreendimento de um certo número de conspiradores, mas a sublevação de toda uma população contra outra.”

(TOCQUEVILLE, Aléxis de. Souvenirs. 11th ed., Paris, ed. L. Monnier, 1942, p. 135.)

Vamos refletir!Vamos refletir!

Proudhon em 1840, ou “Acerca da organização social do trabalho”, publicada por Louis Blanc um ano antes.

Adiante teremos oportunidade de falar sobre essa forma de pensamento e seus desenvolvi-mentos posteriores. O certo é que a revolução que instaurou a Segunda República contou com a união de republicanos liberais, chefi ados por Lamartine, e socialistas, liderados por Louis Blanc, Alphonse Blanqui e Ledru- Rollin – que já atuavam há algum tempo por toda a França propagan-do as idéias socialistas.

Contando com o apoio do povo, compuseram uma junta provisória de governo. O Governo Provisório – composto por cinco moderados, dois independentes, dois radicais e dois socialistas – criou as Ofi cinas Nacionais, pondo em prática uma idéia de Blanc, para quem o poder público tinha a obrigação de fornecer trabalho e, se necessário, uma pensão a todos os cidadãos que, privados das faculdades necessárias, não pudessem trabalhar. As Ofi cinas seriam organizadas a partir de profi ssões e os produtos seriam vendidos pelos próprios trabalhadores, o que eliminaria a concorrência. Instituiu-se o sufrágio universal masculino, restabeleceram-se as liberdades de imprensa e de associação, concedeu-se anistia a presos políticos, legitimou-se o direito de greve e, fi nalmente, foi abolida a escravidão nas colônias francesas. A possibilidade de admissão na Guar-da Nacional foi aberta a todo cidadão francês adulto. Entretanto, a burguesia unida internamente – no âmbito da própria classe –, e externamente – a setores reacionários –, venceu as eleições de 23 de abril, e iniciou a interrupção da trajetória à esquerda que a revolução tomara. Em resposta, os socialistas tentam um golpe no dia 15 de maio, em conseqüência disso seus mais líderes mais proeminentes foram aprisionados. Logo depois, diante do agravamento da crise econômica, as Ofi cinas Nacionais, que eram sustentadas pelo Estado, foram fechadas. Estavam portanto dadas as condições para a eclosão de uma “revolução dentro da revolução”.

Assim, veio a Revolução de Junho, que representa um momento crucial da história da luta de classes, o momento em que se operou a “grande virada”. Ali, naquele momento, estava uma classe nascida da nova ordem industrial – o proletariado –, reconhecendo-se como tal e desafi an-do o poder da burguesia, buscando subvertê-lo, aplicá-lo de acordo com os seus interesses, tomá-lo desta classe que até bem pouco tempo era ela mesma a classe que portava o estandarte das forças de mudança. Já não se tratava apenas de uma revolução política – que opunha socialistas a liberais, numa luta pelo controle dos rumos do processo revolucionário –, era sobretudo uma revolução social, como notou Tocqueville, com uma impressionante lucidez.

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Entrevendo a possibilidade de uma tomada do poder pelos parta-geux (partilhadores), como eram chamados os socialistas, que assumiam a frente do movimento e se embrenhavam pelas barricadas, defenden-do, numa clara manifestação de alinhamento à causa dos trabalhadores, o lema “La Republique démocratique et sociale”, a Assembléia conside-rou prudente conceder poderes excepcionais a um general, Cavagnac, que à testa do exército matou cerca de 16 mil revolucionários. Outros 4 mil foram banidos da França. Outros tantos, como o escritor Victor Hugo, desgostosos, deixaram o país por conta própria. Transcrevemos, abaixo, um trecho de um poema dedicado aos revolucionários de 1848 que foram expulsos do país. Anote suas impressões a respeito das idéias expressas nele:

Vós abandonais antes de nós uma terra maldita

Onde o próprio Deus está sempre do lado mais forte.

Onde o pobre é escravo, onde sua raça é proscrita.

Onde a fome nunca teve senão um remédio, a morte.

(MÉNARD, Louis. Homenagem aos insurretos. Apud CROUZET, Maurice (org.), SCHNERB, Robert. História geral das civilizações. Tomo VI, vol. I (O sécu-

lo XIX: apogeu da civilização européia). São Paulo, DIFEL, 1966, p. 87)

À custa do esmagamento do lema que norteou a Revolução de 1789, estava salva a república burguesa moderada, que a partir de então tenderia a se alinhar aos setores de direita, preferia-os a admitir que pressões sociais vindas de baixo ameaçassem sua posição. Com isso a burguesia inclinava-se ainda mais, e de uma vez por todas, para a conservação da ordem, deixando de ser uma classe revolucionária e assumindo um papel reacionário. No dia 12 de novembro promul-gou-se uma nova Constituição. Em seguida, as eleições levaram Luís Bonaparte, o preferido dos bonapartistas, à condição de presidente. Este, que deveria fi car no poder por 4 anos, imitou o fa-lecido tio, dando um golpe em 1851, implantando o império e, em dezembro de 1852, assumindo o título de Napoleão III. A França tornava-se a caricatura de uma grande nação imperial sob a caricatura de um grande imperador.

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Lembra do que falamos a respeito da permanência da imagem de Napoleão no imaginário político? Consegue perceber, a partir do que acabamos de expor, algum efeito dessa permanência?

Vamos refletir!Vamos refletir!

Entretanto, em nenhum lugar, talvez, a derrota da onda revolucionária de 1848 teve efeitos tão profundos e duradouros como na Confederação Germânica. Na França, os eventos de 1848 desacreditaram a Segunda República, mas, a despeito disso, não destruíram a tradição republica-na. Nas nacionalidades submetidas ao Império Austríaco o sonho de conquista da auto-determi-nação sobreviveu e se veria vingado em 1918. Na península itálica, a idéia de uma Itália unifi cada sob a casa liberal de Savóia sobreviveu à derrota em Novara. Mas na Confederação Germânica o liberalismo tomou um golpe do qual não se recobraria tão cedo. A derrota de 1848 fez com que uma grande falta de fé em sua própria missão se abatesse sobre os liberais germânicos que só na segunda metade do século XX conseguiram conquistar as maiorias.

A Revolução ali não durou mais que nove meses. Em março de 1848, as tropas reais de Frederico Guilherme I, da Prússia, reprimiram uma manifestação popular em frente ao palácio, ao que se seguiu uma série de sublevações na Confederação, que levaram o rei a prometer uma Constituição, para a qual se reuniu um parlamento na cidade de Frankfurt, cujos trabalhos foram iniciados em maio. Entretanto, , os príncipes retomaram seus lugares de poder na Confederação, aproveitando-se das divisões entre os revolucinários (socialistas, liberais e nacionalistas), que di-vergiam acerca de questões como a participação da Áustria no novo desenho da Confederação (que seria a “Grande Alemanha”) e a adoção da forma republicana de governo (seria federalista ou unitária? Democrática?). A Assembléia Constituinte foi dissolvida em novembro, sob a pres-são do exército prussiano, o liberalismo entrou em recesso e o sonho de unifi car os Estados germânicos teve de ser adiado.

Nos Reinos itálicos, eclodiu, entre 1848 e 1849, uma luta contra o domínio austríaco. Aliás, as agitações de 1848 iniciaram-se aí. Entretanto, o movimento caiu, enfraquecido por dissensões internas. Opunham-se, defendendo suas respectivas propostas, os neoguelfi stas, liderados por Gioberti, que pretendiam uma confederação de Estados subordinada ao Papa, os monarquistas constitucionais, liderados por Cesare Balbo e Mássimo D’Azeglio, que queriam um Estado Na-cional Unitário subordinado à casa real de Savóia, soberana do Piemonte, e os republicanos, que liderados por Giuseppe Mazzini, com destacada atuação de outro Giuseppe, o Garibaldi, empe-nhavam-se na construção de uma República Democrática.

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O OPERARIADO EUROPEU (1815-1848)

Esses são tempos infames para o operariado. A maquinaria avança, os empresários ampliam seus cabedais, e a mão-de-obra abundante, somada à pouca vontade dos empregadores rebaixa os salários. Essa disposição – ainda atual – em pagar baixos salários justifi cava-se ideologicamente em premissas lançadas ainda no século XVIII.

A respeito disso, veja o que em 1747, John Smith afi rmava em suas Memoirs of wool que “É um fato bem conhecido... que a escassez até um certo grau, estimula a diligência, e que o trabalhador que puder subsistir labutando apenas três dias por semana fi cará ocioso e bêbado nos dias restantes. (...) Os pobres, nos condados manufatureiros, nunca trabalham mais do que o necessário para viver e sustentar suas orgias semanais. (...) Podemos afi rmar com segurança que a redução dos salários na manufatura de lã seria uma vantagem e benção nacionais, não uma injustiça contra os pobres. Desta forma, poderíamos conservar o prestígio do nosso ofício, au-mentar nossas rendas e melhorar as condições de vida da população”. (SMITH, John. Memoirs of wool: woolen manufacture, and trade, (particularly England) from the earliest to thn present times; with occasional notes, dissertations and refl ections. London, Printed for the author, 1757. Apud THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Vol. I, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1987, p. 143)

As condições de trabalho, não só nas fábricas, que Adolphe Blanqui chamava de “labora-tórios severos”, como em outras locações, a exemplo das minas – descritas por Émile Zola em Germinal, obra cuja leitura recomendamos.

O custo de vida se eleva num ritmo superior ao dos ordenados, principalmente no ambiente fabril, seja no caso do operário que atua na fábrica ou no caso do tecelão que atua em seu próprio domicílio, inserido no chamado output system.

Sem contar o fato de que, por vezes, o trabalho não era devidamente pago, como registrou um observador contemporâneo: “Ademais não era incomum que, ao fi nal do trabalho, os tecelões não conseguissem receber o pagamento (...) Assim, não nos surpreende que o tecelão manual seja conhecido como ‘chamariz da pobreza’.” (LAWSON, J. Letters to the young on progress in Pudsey, 1887. Apud Thompson, E. P. A formação da classe operária inglesa, p. 142)

A urbanização, neste período, foi segregadora. E segregou em termos de classe social. Os trabalhadores moram muito mal, no amontoado dos piores recantos das cidades, enquanto nas zonas nobres burgueses e aristocratas vivem em suntuosas mansões - com jardins fechados - , harmoniosamente dispostas em ruas pavimentadas e acompanhadas de praças “públicas”. A maioria mora em bairros nos quais o barulho, a lama e o estrume se misturam com outros fatores como a falta de iluminação, que faz com que os dias terminem bem mais cedo e o medo da rua se torne uma constante: os estupros, por vezes coletivos, são freqüentes. Ao invés das construções harmoniosas e dos belos jardins, os cortiços sujos e superlotados, onde a insalubridade e os vícios – dentre os quais grassava o alcoolismo – se reúnem. Aí a prostituição, inclusive das fi lhas, é um recurso. Em certos momentos, como a grande fome de 1845-46, cães e gatos tornam-se alimento disputado e, até mesmo, os cadáveres dos eqüinos urbanos prestam auxílio à sobrevivência. Da insalubridade, por sua vez, alimentam-se as epidemias e pandemias.

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Dentre essas últimas, destaca-se uma tríade sinistra, composta pelo tifo, cólera e peste bu-bônica. Esta última não fez tantos mortos na Europa quanto no Império Turco Otomano, mas seus efeitos não eram de se desprezar. A tifo matou em pontos esparsos da Europa. Foi o cólera que mais, e em mais lugares, matou. Entre 1829 e 1837 abateu-se sobre todas as grandes cida-des do continente e migrou daí para os continentes africano e americano, atingindo neste países como o Canadá, os Estados Unidos e o Brasil. Um caso curioso é demonstrativo das tensões que presidiam as relações sociais nesse período: pensando em dirimir os efeitos do cólera em Paris, as autoridades determinaram que o lixo deveria ser recolhido em carroças, ao que os tropeiros, pre-judicados, atearam fogo nos veículos. Conduzida pelos ares miasmáticos, como se dizia na época, a doença construiu cifras fabulosas, matando cerca de 35.000 pessoas só na cidade Paris e outras 25.000 em Londres, e a lista de exemplos se estenderia desagradavelmente.

Você já ouviu falar nos miasmas?

Segundo a opinião corrente no período que estamos abordando, os miasmas – ou, para usar outro termo de época, os “efl úvios pestilenciais” – eram uma espécie de fl uídos invisíveis, os quais respondiam pelo surgimento das doenças e epidemias que, freqüentemente, levavam à morte. Tais vapores mortais podiam exalar de sepulturas, dos cadáveres de animais e até de vege-tais em decomposição. Daí as campanhas para proibir os enterros em igrejas, como eram feitos tradicionalmente.

O público preferencial desses e outros males - os pobres ou, nos dizeres de um contempo-râneo, “a última muralha da sociedade” -, era numeroso e não parava de crescer. Só para fi carmos com um exemplo: em 1833, contava-se algo em torno de 17.566 indigentes em uma só localida-de da França, o Eure-et-Loire. A miséria era generalizada. A respeito disso, em 1844 Karl Marx escrevia em suas Glosas marginais que “na Inglaterra, a miséria dos trabalhadores não é parcial, mas universal; não se limita aos distritos industriais, mas se estende aos agrícolas. Aqui, os mo-vimentos não estão numa fase inicial, mas acontecem periodicamente há quase um século”. Aí, na Inglaterra, a pobreza era tratada juridicamente. Em 1837 as New Poor Laws, que instituíram as Workhouses, para onde deveriam ser mandados até mesmo forçosamente os indigentes. Era a sociedade culpabilizando os excluídos pela exclusão e deixando bem claro que não se sentia na obrigação de fornecer qualquer auxílio, sob o pretexto de não colaborar com a perpetuação da ociosidade. Enquanto isso, os ricos ostentavam, a exemplo da Baronesa de Rotschild, que em 1842, usou em um baile de máscaras nada menos que um milhão e meio de francos em jóias.

O pastor Thomas Robert Malthus (1766-1834) publicou, em 1798, a obra Ensaio sobre o princípio da população. Nesta expõe um veredito pessimista a respeito da questão da miséria. Segundo ele o fato era inevitável na medida que as populações sempre cresceriam em progressão geométrica, superior ao crescimento da produção de alimentos que só se daria no máximo em progressão aritmética. A teoria teve grande repercussão e ganhou adeptos, constituindo uma corrente de análise da sociedade, o malthusianismo. Pensadores como Marx e Engels, Godwin e Sismondi se oporiam a Malthus e aos malthusianos, demonstrando que não era ao descompasso entre o crescimento da produção e o de bocas a serem alimentadas que se devia a situação de penúria que atingia multidões na Europa. A razão, no ponto de vista destes últimos, estaria na má distribuição da renda, que estava concentrada nas mãos de uns poucos, deste modo, as maiorias nem sequer tinham condições de acesso aos produtos.

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Que o fato de haver na Inglaterra o trabalho forçado não nos leve à conclusão de que havia sempre emprego para todos. Não havia. As oscilações do capital – as famosas crises – lançavam de tempos em tempos grandes multidões à desesperadora condição do desemprego – às vezes dois terços ou mais de uma população industrial. Por outro lado, mesmo nos tempos de tranqüi-lidade, grandes fatias da população fi cavam de fora do mercado de trabalho, (já refl etiu acerca dessa categoria?) engrossando o caldo da pobreza, sustentando o que conhecemos por exército industrial de reserva. O capital punha aqueles que não o detinham entre o ser transformado de pessoa em mão-de-obra – no caso do proletariado – e o ser transformado em um vir-a-ser-mão-de-obra – o lumpemproletariado –, o que em termos reais equivalia a não ser, no curto prazo, levado em conta. Os que conseguiam se tornar mão-de-obra estavam sujeitos a extenuantes cargas horárias, emolduradas por uma disciplina rígida que por vezes incluía castigos físicos e na maioria das vezes redundava no aumento dos lucros do patrão – graças às multas cobradas aos indisciplinados –, eram obrigados a morar em cortiços de propriedade do empregador, que com o aluguel aumentava ainda mais os seus lucros, que se prolongavam no fornecimento de víveres (em alguns locais, o único comerciante era justamente o patrão, e mesmo onde não era o único adotava a prática de pagar em mercadorias). O submetimento não era muito bem acomodado pelos homens – que geralmente impunham resistência, inclusive física –, e isso fazia das mulheres e crianças empregados preferenciais.

Além de ser menos difícil submetê-las à disciplina, pagava-se menos por seu trabalho. Eram ou não eram tempos infames?

Contudo, o operariado não se curvou a esses tempos infames. Na medida em que os dissa-bores da ordem capitalista apertavam e encurtavam a vida dos trabalhadores desenvolvia-se a luta entre o capital e o trabalho. Parafraseando Hobsbawm, o trabalhador tinha em seus horizontes apenas três opções: tornar-se burguês, render-se ou lutar; assim, a rebelião se tornou, diante das opções e das condições, não só possível, mas obrigatória. Tornar-se burguês era quase impossí-vel. Render-se? Era um luxo pelo qual a maioria não tinha por que se interessar. Restava lutar. Só assim se garantiria o mínimo de decência. E lutar isoladamente não parecia ser o melhor a fazer. Assim, contra uma classe – a dos patrões – se manifestava outra – a trabalhadora.

Ainda por volta de 1811, surgem os ludistas (o termo deriva do nome do líder do movimen-to, Ned Ludhman) na Inglaterra, e com eles surgem os movimentos baseados ne destruição das máquinas cuja incidência se prolongaria para outras partes da Europa pelo menos até a década de 1830. De resto, a quebra de máquinas já acontecia em motins desde o século XVIII, entretanto lá a quebra das máquinas não era o ato fundamental. O ludismo consagra a prática e assim se pode ouvir em países como França, Bélgica e Suíça os gritos de “Quebrem as máquinas”. E, no meio das agitações, muitas máquinas foram quebradas. Por outro lado não apenas os “destruidores de máquinas” tinham razões para se opor a elas, a inovação que elas representavam afi gurava-se nociva a negociantes e fazendeiros de pequeno porte, mas também a pensadores românticos, que viam no novo uma ameaça à humanidade – que na ótica desses últimos se sustentava a tanto tempo nas tradições, que aos poucos se desmoronavam diante deles.

Independentemente da quebra de máquinas, os motins de rua e as greves se multiplicam. O clima de insatisfação ativa se alastra e chega também ao campo.

Manifestações contra medidas restritivas e altos impostos praticados pelos governos ga-nham espaço, como em Besançon (França), em 1830, e nos Países Baixos entre 1845 e 1846. E aos poucos formam-se laços invisíveis que unem sublevações campestres e urbanas. Assim, a um só tempo se vêem mineiros, lavradores e operários cruzarem os braços para o trabalho e se movi-

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Observe o documento abaixo e tente perceber, a partir da ótica dos tecelões, as tensões sociais que foram postas em jogo no episódio:

Canção dos tecelões de Lyon

Pour gouverner il faut avoir [Para governar é preciso ter]

Manteaux ou rubans en sautoir (bis) [Mantos ou condecorações em brasões]

Nous en tissons pour vous, grands de la terre, [Nós tecemos para vós, grandes da terra,]

Et nous, pauvres canuts, sans drap on nous enterre, [E nós, pobres ope-rários, sem lençol onde nos enterrar.]

C’est nous les canuts [Somos os operários]

Nous sommes tout nus. (bis) [Nós estamos nus.]

Mais notre règne finira. [Porém, quando chegar o nosso reino]

Quand votre règne finira. [Quando o vosso reino terminar.]

Alors nous tisserons lê linceul du vieux monde [Então nós teceremos a mortalha do velho mundo]

Car on entend dèjá la revolte qui gronde. [Porque já se percebe a revolta que troa.]

C’est nous les canuts [Somos os operários]

Nous n’irons plus nus. [Não estaremos mais nus.]

(Citada por Hobsbawm, Eric. J. Op. cit., p. 279)

mentarem em busca de melhores condições. Em 1831, a cidade de Lyon foi palco de um levante de tecelões - que contou não apenas com esse grupo -, do qual um jornalista disse que “revelou um grave segredo, o da luta intestina entre a classe que possui e a que não possui”. “Combatemos por pão e trabalho”, era o que diziam os revoltosos. (In CROUZET, Maurice (org.), SCHNERB, Robert. História geral das civilizações. Tomo VI, vol. I (O século XIX: apogeu da civilização eu-ropéia). São Paulo, DIFEL, 1966, p. 81)

É notável a clareza com que os trabalhadores percebiam a situação e como se posicionavam em relação a esta. Há, aqui, o que nós chamamos de consciência de classe, elemento fundamental da modalidade de confl ito que nosso jornalista percebeu no caso do levante dos tecelões de Lyon: a luta de classes.

Mas a insatisfação não se vestiu apenas à moda sans-cullote, isto é, não se manifestou ape-nas em atos de força, na movimentação com o recurso à violência. Buscou também o diálogo,

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dentro dos moldes institucionais, valendo-se das instituições, acreditando que a ordem capitalista mesma fornecia os instrumentos através dos quais a classe trabalhadora alcançaria as melhorias reivindicadas. É a opção pela negociação ao invés do confl ito – embora não o excluísse. Esse foi ocaso do cartismo. Surgiu em torno de uma instituição, a Working Men’s Association de Londres. Esta endereçou à Câmara dos Comuns do Parlamento britânico, em maio de 1838, a Carta do Povo, documento que dá nome ao movimento e o caracteriza. “Estamos curvados sob um peso de taxas”, diz o documento, e junto a isso empregadores vão mal – à beira da falência – e empre-gados minguam à falta de boa remuneração. Reclama da inefi cácia institucional em lidar com as difi culdades, expressando a insatisfação com o Reform Act de 1832, que “amarga e indignamen-te” frustou todas as expectativas.

Reivindica a instauração do sufrágio universal (mas restrito aos homens), da igualdade de di-reitos eleitorais, incluindo a abolição da elegibilidade condicionada à renda, além do voto secreto e da remuneração aos parlamentares. O movimento, se propagou para outros países – nos quais adquiriu feições muito particulares – e prolongou-se até 1848.

É bom lembrar que o movimento cartista tem um antecedente: a London Corresponding Society que, entre 1792 e 1795, congregou operários em nome da instauração do sufrágio uni-versal, do fi m dos abusos contra os pobres, do fi m da concessão de sinecuras pelo Parlamento a membros da aristocracia, da diminuição das jornadas de trabalho e da concessão de terras aos camponeses, dentre outras reivindicações. Como podemos perceber, se o cartismo pode ser con-siderado como uma “continuação” sua, certamente é uma continuação que retrocede em muitos aspectos. Pois é, a história nem sempre vai para adiante. Se podemos, incorrendo no mínimo de temeridade, representá-la como uma linha, esta linha tem de ser sinuosa, assinalando as oscilações que compõem o tecido do tempo – matéria-prima da história. É uma cautela que devemos ter a fi m de não incorrermos em uma visão evolucionista do processo histórico, que serve bastante aos dominadores, mas que não nos ajuda a compreender o que se passa com o tempo.

Ainda no período que estamos abordando – na Grã-Bretanha, os primeiros esforços datam de 1818 – surgiram as Trade Unions, organizações multicorporativas que agregam trabalhadores e reivindicações, empoderando os primeiros na luta pela contemplação das últimas. Ao contrário do cartismo, o tradeunionismo é mais corporativo que político, suas reivindicações concernem antes à situação dos trabalhadores em relação a seus ofícios que em relação à sociedade.

Em termos gerais, militavam pela restauração de antigos direitos e pela manutenção de ou-tros, contra a introdução de inovações liberais nas relações de trabalho. Eram imediatistas demais para fornecer, por si sós, estímulos revolucionários. Além do mais pecavam por reunir apenas os trabalhadores especializados, confi gurando uma espécie de elitismo proletário, que não ajudaria a construir a melhoria das condições gerais a que o capital submetera o trabalho.

Perdia, então, a ampla maioria dos trabalhadores, concentrada nos setores menos qualifi -cados, onde a maquinaria dominava a produção. Entretanto, nem tudo estava perdido. Na Grã-Bretanha, entre 1829 e 1834, o trade-unionismo não apenas reivindicou melhorias salariais, mas preconizou a instauração de uma nova ordem. Foi derrotado.

Por outro lado, a luta ancorada em bases sindicais – e em sindicatos unifi cados – redundou em conquistas para a classe trabalhadora, como por exemplo a conquista da redução da jorna-da de trabalho para dez horas diárias, em 1847. E uma série de levantes, a exemplo do já citado levante dos tecelões de Lyon, se organizou em torno das Unions. Em 1834, também em Lyon, aconteceu outro levante. Esse, cujo lema era “Viver trabalhando ou morrer combatendo!”, con-

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http://www2.cddc.vt.edu/marxists/cd/cd4/Library/portugues/marx/1844/gl

osascriticas.htm (contém o texto integral das Glosas marginais de Karl Marx)

http://www.workhouses.org.uk/ (história das workhouses, em inglês)

http://www.ifch.unicamp.br/mundosdotrabalho/historico.htm (portal do grupo de trabalho Mundos do Trabalho, grupo de historiadores fi liados à Associação Nacional de His-tória – ANPUH)

Sites:Sites:

Oliver Twist e Tempos difíceis, de Charles Dickens.

Germinal, de Émile Zola.

Os miseráveis, de Victor Hugo.

Sugestão de LeituraSugestão de Leitura

tou com a participação da associação dos tecelões locais, que lançaram antes dele uma proposta de greve geral em prol da obtenção de uma tarifação mínima.

O movimento se alastrou e, até em Paris, levantaram-se barricadas solidárias aos invisíveis que uniam homens e mulheres de diversas proveniências e inclinações, novos códigos de conduta se consolidavam – a retaliação aos “fura-greves” são um exemplo. Construíam-se coesão e com essa os objetivos coletivos, objetivos de classe. Formavam-se aos poucos as condições nas quais se daria a irupção das ideologias de esquerda, como o socialismo e o anarquismo, e a formação da Associação Internacional dos Trabalhadores, assuntos sobre os quais falaremos adiante.

Discorra, sucintamente, acerca da importância histórica do Congresso de Viena.1.

Quais os princípios que nortearam as negociações realizadas no Congresso? Explique, 2. sucintamente, cada um deles.

Atividade Complementar

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O que foi a Confederação Germânica? Em que consistia? E quais as questões políticas 3. relacionadas à sua criação?

Fale, resumidamente, sobre a importância das ondas revolucionárias de 1830 e 1848.4.

Identifi que as questões concernentes à relação entre capital e trabalho e as diferentes 5. formas de reação dos trabalhadores no período estudado.

Com o auxílio de enciclopédias e/ou o recurso à Internet, faça uma pesquisa sobre as 6. Casas de Trabalho inglesas (Workhouses). Depois, utilize seus achados para responder às seguin-tes questões: o que eram as Workhouses e quais as características do trabalho desenvolvido nelas? Onde estavam concentradas? Quem era exposto ao trabalho nelas? Quais os problemas relacio-nados? Em que se baseava seu funcionamento?

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TÓPICOS SOBRE POLÍTICA E ECONOMIA INTERNACIONAL NO SÉCULO XIX

A Europa da terceira década do século XIX assiste a uma eclosão de movimentos liberais de caráter nacionalista – antes disso, na própria Europa, na década de 20 ocorreu o movimento de libertação nacional da Grécia, enquanto nas Américas portuguesa e espanhola quedaram-se as dominações ibéricas. À medida que o liberalismo avança em direção aos mais diversos recantos do continente ganha campo uma outra manifestação política de fundamental importância para a confi guração do campo contemporâneo: o nacionalismo. Mas afi nal o que é o nacionalismo? Para chegar a uma boa resposta, vale a pena examinar o conceito de nação. Dentre as tantas defi -nições possíveis para o termo nação uma interessante é a que compreende nele um conjunto de pessoas unidas por elementos culturais compartilhados (crenças, costumes, artefatos, culinária, traços comportamentais, etc.) e pela senso de pertença a um determinado território, em relação ao qual nutrem a crença no direito à soberania e, conseqüentemente, à auto-determinação. É claro, como podemos perceber no nosso caso mesmo, que isso não exclui diferenças individuais e regionais, mas, como podemos atestar, tais diferenças não ultrapassam jamais o senso de frater-nidade embutido na mentalidade coletiva de uma nação. Quando isso acontece temos então um campo fértil para a emersão das nacionalidades – minorias que reivindicam a autodeterminação – e surgem os movimentos nacionalistas. O nacionalismo é, portanto, o sentimento de pertença a um todo. Solidariedade que leva um povo a reivindicar a constituição de uma nação e de um Estado nacional – o que implica em considerar aí o sempre presente desejo de autonomia.

Logo após a Revolução de 1830 surgem os “nacionalismos jovens”: Jovem Alemanha, Jo-vem Itália, Jovem França, Jovem Polônia e Jovem Irlanda. Tratamse de movimentos nacionalistas baseados em redes conspiratórias que não se prolongaram. Por outro lado, eles são a expressão da pulverização da revolução liberal na Europa. Aos poucos, desaparecem os esforços sincro-nizados e fortalecem-se os movimentos locais, desenvolvem-se os focos nacionais – e, onde era possível, nacionalistas. O desenvolvimento de movimentos nacionalistas era amplamente possí-vel em localidades como a Irlanda, a Polônia, a Alemanha, a Itália, nos quais havia nacionalidades sufocadas pelo domínio de impérios como o austríaco e o russo. A ligação entre o liberalismo e o nacionalismo apóia-se na oposição entre as classes médias – e até setores inferiores da nobreza - e os grandes proprietários de terra que preferiam manter alianças com os dominantes estrangei-ros, cujas políticas – como vimos no bloco anterior – afi navam-se em um tom que não era o dos liberais. Assim, compreende-se que os movimentos nacionalistas – além de adotarem bandeiras tricolores, à francesa – preconizassem a superação das monarquias absolutistas e a instauração de regimes liberais – de preferência republicanos. Neste momento se dão a emergência dos Es-tados tardios no cenário político: a Alemanha e a Itália (ambas fi nalizadas no início da década de 1870).

Um fato interessante é o “recesso” do movimento operário que se dá entre 1830 e 1871. Nesse período, o sentimento nacionalista uniu nobres sem grandes cabedais, burgueses e proletá-rios contra inimigos comuns, os inimigos das nacionalidades, as nações estrangeiras que exerciam domínio sobre povos como o polonês e o irlandês. Sobrepõe-se ao sentimento de oposição entre as multidões que a seu favor tinham apenas a força de trabalho e uns poucos que detinham o capital, e com isso o poder de subordinar aqueles. Assim o nacionalismo encobriu momentane-amente a luta de classes e foi um obstáculo à ampliação do movimento operário no continente.

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Entretanto, não impediu que o movimento se desenvolvesse, até mesmo em um nível internacio-nal. E é nesse período que surge a Associação Internacional dos Trabalhadores (1864). É desse período o Manifesto do Partido Comunista (1848). Desse período é, também, a Comuna de Paris (1870), dentre outros fatos de cara memória à história do desenvolvimento da luta de classes no Ocidente. É o período de desenvolvimento do socialismo, que aos poucos recoloca em novos termos a oposição entre patrões e empregados e esses são termos revolucionários – e paulatina-mente globalizantes. Repensava-se, de modo radical, a relação entre o capital e o trabalho – e as relações entre as pessoas por detrás de ambas as categorias.

Por outro lado, e paralelamente ao avanço do nacionalismo e da questão social na Europa, a conjuntura político-econômica se encaminhou para o que fi camos conhecendo como imperia-lismo. Neste momento verifi ca-se um avanço sem precedentes do capitalismo, agora francamente monopolista – com predomínio de conglomerados (trustes, holdings e cartéis) - e marcadamente fi nanceiro (com a preponderância cada vez maior do capital bancário e especulativo). Acirrou-se a concorrência entre os potentados industriais – alguns bastante conhecidos nos nosso dias, a exemplo da Siemens, cujos celulares circulam por aí, da Krupp – que fornece a maioria dos eleva-dores que aparelham os prédios comerciais e residenciais –, e a General Eletric – velha conhecida dos lares. Tal concorrência – que vai tomar ares de concorrência entre nações – vai em linhas gerais, eis o panorama que vamos abordar neste bloco temático.

A ASCENSÃO DOS ESTADOS TARDIOS, A QUESTÃO DO ORIENTE E O SOCIALISMO

A UNIFICAÇÃO DA ALEMANHA

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Este é um dos tópicos menos compreendidos pelos estudantes. Geralmente sai-se do en-sino médio sem dominá-lo e o resultado, além do alto índice de respostas erradas em processos vestibulares, é a perpetuação do desconhecimento da gênese de uma das mais atuantes nações da Europa desde os anos 70 do século XIX. E, com isso, perde-se, também, muito de entendimento em relação aos fatos relacionados aos dois grandes confl itos armados que marcaram o século XX.

Portanto, vamos dedicar uma especial atenção a este tópico de nosso curso. A região da atual Alemanha foi conquistada pelos romanos em 53 a.C., no reinado de Júlio César. Os roma-nos costumavam chamá-la de Germânia, referindo-se por germanos aos povos teutônicos que ali viviam distribuídos em uma série de tribos autônomas. Quando o Império do Ocidente se esfa-celou surgiram ali os reinos germânicos. Mais tarde, o imperador dos francos Carlos, o Magno, unifi caria esses reinos dentro do que conhecemos por Império Carolíngio, ou Sacro Império Ro-mano – marcado pela conversão das populações, a cristianização dos germânicos. Morto Carlos Magno, o Sacro Império Romano foi dividido entre seus herdeiros. Em 911, Konrad I torna-se o primeiro dos reis germânicos, sendo eleito por uma junta de duques. 51 anos depois, com Oto I, instaura-se o I Reich, surge o Sacro Império Romano- Germânico. Sacro, por causa da benção que a Igreja o conferiu. Império mais nominalmente que de fato. Romano, na medida que man-tinha relações com Roma, expressava e defendia os interesses desta no continente. Germânico muito mais por ser governado por germânicos do que por sua composição étnica, que, para além dos germânicos, incluía regiões de França e Suíça, por exemplo. Com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), um dos confl itos pós-Reforma Protestante, a Sacro Império fragmentou-se, surgin-do reinos autônomos como o da Prússia – um dos fi éis da balança das relações entre os Estados europeus. No período Napoleônico virou Confederação do Reno. E como vimos no bloco I, por ocasião do Congresso de Viena, em 1815, a Áustria – visando ampliar seu poderio –, submeteu os Estados germânicos à sua hegemonia dentro do que se chamou Confederação Germânica – na qual se fortaleceu a Prússia, que mais tarde aglutinaria em torno de si os demais Estados.

Até 1848, desenvolveu-se uma disputa, relativamente “fria”, pela hegemonia na Confedera-ção Germânica entre a Prússia e a Áustria, que “dividiam” o poder político com Baviera, Hanover e Saxônia. Embora a primeira tenha conseguido confederar as regiões do Norte e do Centro em seu proveito, a segunda continuava a levar vantagem na disputa. A revolução francesa de feve-reiro desse ano alastrou-se chegando a Berlim, onde motins se sucederam dando aos patriotas “alemães” a deixa para uma sublevação mais geral que pegou desprevenido o governo austríaco. Este, atordoado e surpreendido, foi obrigado a acatar a formação de um Parlamento Nacional Alemão, sediado em Frankfurt. A partir do Parlamento, os revolucionários nacionalistas exigiam a imediata reunião em um Estado nacional de todos os que falassem o idioma alemão. Enfi m, era colocar acima das micro-soberanias existentes na Confederação uma soberania coletiva, unifi ca-dora, nacional. Era a explicitação do velho desejo, marcado no hino nacional alemão (Lied der Deutschen) – composto em 1841 por August Heinrich Hoffman Fallersleben –, da “Alemanha acima de tudo” (Deutschland über alles). Mas o Parlamento, embora eleito por sufrágio universal (masculino), não conseguiu se sustentar, revelando incapacidade em frustrar as intrigas políticas e cedendo a coroa unitária ao rei da Prússia, Frederico Guilherme IV. Este, por sua vez, temeroso da reação austríaca, rejeitou o cargo. Os deputados, politicamente isolados, tiveram de se refugiar em Wurtemberg, onde foram presos e a Assembléia Nacional foi dissolvida.

No rastro das revoluções liberais surge o primeiro Parlamento Germânico e em 1862 Otto Von Bismarck se torna chanceler da Prússia. Em seu governo se dá o fortalecimento da indús-tria – especialmente a de armamentos – e do exército prussiano, que se tornarão os pilares do

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reino – e mais tarde da Alemanha. Assim, nas décadas de 60 e 70, a Prússia vive um acelerado desenvolvimento industrial – o mesmo ocorre nos demais Estados germânicos, cuja tentativa de união política – liderada pelos prussianos – fôra obstada pela Áustria em 1850. Um primeiro fato que podemos relacionar a esse desenvolvimento mais ou menos generalizado é a adesão dos Estados germânicos, em 1833, à Zollverein – coalizão aduaneira que retirou esses Estados do iso-lamento econômico que as difi culdades derivadas da multiplicida-de de alfândegas impunham ao comércio interno, o que impedia não só o desenvolvimento do comércio, como o das indústrias, levando uns e outros Estados a terem na Inglaterra seu principal fornecedor. A idéia da Zollverein surge a partir do desenvolvi-mento, no plano da prática, das teorias de Friederich List (1789-1846), que já em 1819 preconizava o fi m das barreiras alfandegá-rias como causa necessária ao desenvolvimento da economia dos Estados germânicos.

Primeiro, foi a Prússia que derrubou suas barreiras ao comércio com a Confederação Germânica, excetuando a Áustria. Outros Estados, percebendo a estratégia prussiana de construção de hegemonia dentro da Confederação, trataram de formar entre si uniões como a Handelaverrin, celebrada entre o Hesse, a Turíngia e a Saxônia, a Steuerverein, que congregava Brünschwig, Hanover, Lippe e Oldesburg, a seu turno, Baviera e Wurtemberg também contraíram alianças econômicas consubstanciadas na supressão de ex-pedientes alfandegários de um Estado para com o outro. A Zollverein só contaria com todos os Estados germânicos em 1888, quando Bremen e Hamburgo se juntaram aos demais.

“S.M. o Rei da Prússia, S. A. o Príncipe Eleitor de Hessen-Cassel, J. AR o Grão-duque de Hessen-Darmstadt de um lado, S. M. o rei da Baviera e S.M. o Rei de Wurtemberg do outro, de acordo no seu desejo de favorecer a liberdade de comércio e as relações comerciais entre os seus Estados e na Alemanha em geral, promoveram a abertura de negociações para as quais deram plenos poderes [a seus representantes].

Por intermédio dos plenipotenciários destes Estados foi concluída a seguinte Convenção, sob reservas de retifi cação: As reuniões das alfândegas, atualmente existentes entre os Estados acima referidos, formarão de ora em diante, uma reunião geral, ligada por um sistema de alfânde-ga e de comércio que abrangerá todos os países nele incluídos.

Nos territórios dos Estados contrastantes, serão estabelecidas leis uniformes sobre direitos de entrada, de saída e de trânsito, salvo modifi cações que, sem prejudicar ao objetivo comum, resultem necessariamente, seja da legislação particular que rege cada Estado contratante, seja de interesses locais. Os governos contratantes convencionam unir os seus esforços para introduzir nos seus respectivos Estados um sistema uniforme de moedas, de pesos e medidas. Desde já, as moedas de ouro e de prata de todos os Estados contratantes, com exceção da pequena moeda, serão recebidos em todas as repartições de cobrança da Associação [a Zollverein], serão para isso publicadas tabelas de avaliação.

(...)

Os portos de mar prussianos serão abertos ao comércio dos súditos de todos os Estados da União, mediante pagamento de direitos perfeitamente iguais aos que pagam os súditos prussia-nos. O produto dos direitos que entra na comunidade será repartido entre os Estados associados,

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na proporção da população para a qual se acham na União, com dedução... Haverá todos os anos, nos primeiros dias de junho uma assembléia de plenipotenciários da união, incumbidos de deli-berar em comum, e cada Estado poderá nela mandar um delegado com plenos poderes.

(...)

O termo deste tratado que será posto em execução a 1° de janeiro de 1837 é provisoriamen-te fi xado a 1° de janeiro de 1842. Se não for denunciado durante este espaço de tempo e, ao mais tardar dois anos antes de sua expiração, será considerado como prolongado por uma duração de doze anos e assim por diante, de doze em doze anos.

(O Zollverein, In CARVALHO, Delgado de. Op. cit., pp. 197-199.

Por outro lado, o desenvolvimento econômico dos Estados alemães contou com a atuação de uma poderosa burguesia industrial, que dividia – em condição de relativa inferioridade – a cena política e econômica com os junkers (latifundiários), símbolos do atraso socioeconômico, que mantinham em suas propriedades trabalhadores submetidos a contratos anuais que lembravam os moldes feudais das relações de trabalho e produção e trabalhadores assalariados – os “jornalei-ros” (diaristas) – que se aproximavam do padrão capitalista. Tanto a adoção de formas capitalistas pelos junkers – a despeito de seu conservadorismo econômico, que se refl etia também no campo político – quanto sua convicção de que a unifi cação tinha de ser feita nem que fosse “a ferro e fogo”, benefi ciavam a burguesia industrial. Primeiro, a adoção do assalariamento pelos junkers fortalecia – à medida que generalizava – a tendência da substituição dos expedientes feudais na relação entre patrões e empregados. Depois, o militarismo junker favorecia os produtores de armamento e componentes bélicos. Em 1866, Otto Von Bismarck torna-se Primeiro-Ministro de Guilherme I.

Afi nado com os junkers, era antiliberal, monarquista convicto e via com maus olhos o for-talecimento político da burguesia. Partidário da importância da causa da unifi cação, partilhava do ideal junker da união “a ferro e fogo”. Para ele o principalinimigo a ser batido era a Áustria. Por isso procedeu, durante o tempo em que foi chanceler, a uma articulação de política e ações antiaustríacas. Para tanto, teve antes de lutar politicamente contra parte da burguesia prussiana que se mostrou contrária a medidas como a extensão do tempo de serviço militar obrigatório. Fezse quase absoluto e governou, utilizando o exército prussiano como arma. Em 1866, venceu a Guerra Austro- Prussiana, provocada por uma questão territorial.

Em 1863, após a morte de Cristiano IX, rei da Dinamarca, os príncipes germânicos dos ducados de Schleswig e Holstein – cujas populações eram predominantemente germânicas – ten-taram se tornar independentes, aproveitando o momentâneo desnorteamento do governo dina-marquês, seu superior até aquele momento. O Schleswig foi entregue à administração prussiana enquanto o Holstein foi entregue à Áustria. Bismarck aproveitou-se da situação para provocar o desejado confl ito. Censurando os atos da administração austríaca disseminava pela Confederação Germânica um clima de antipatia armada em relação à Áustria, por outro lado se prevenia no âmbito externo garantindo o auxílio da Itália e a neutralidade da França, àquela altura governada por Luís Bonaparte – o Napoleão III.

Em 1866, depois de advogar que a Áustria deveria ser expulsa da Confederação, Bismarck ordena a ocupação militar do Holstein, fornecendo o motivo para que a Áustria movesse tropas contra a Prússia. Sete semanas, foi o tempo sufi ciente para que o exército da Prússia derrotasse o exército da Áustria. Esta perdeu o Holstein para a Prússia, Veneza para a Itália – também em pro-cesso de unifi cação – e teve que se retirar da Confederação Germânica, que, de resto, foi dissol-

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vida em 1867. Em seu lugar foi criada a Confederação da Alemanha do Norte, sob a direção da Prússia – na fi gura de seu rei mais um ministro (no caso Bismarck). Entretanto, a unifi cação não estava completa. Napoleão III exigia, em troca da neutralidade garantida, a cessão do território da Baviera a título de compensação, bem como a cooperação alemã na luta contra a Bélgica, territó-rio sob domínio inglês que a França desejava reverter em seu benefício. Surgia um novo alvo para o militarismo prussiano. Bismarck agora concentraria suas atenções na preparação diplomática de uma guerra contra a França. Além disso, os Estados de Baden, Baviera, Hesse-Darmstadt e Württemberg recusavam-se a reconhecer e acatar a direção prussiana.

Bismarck utilizaria a guerra contra a França para conseguir a adesão dos Estados refratários. Explorou, na preparação para o confl ito, a ambição francesa de tomar a cidade de Estrasburgo como demonstrativa das intenções imperialistas do vizinho em relação aos Estados do Sul, jus-tamente os refratários. Com isso, conseguiu convencê-los a se unir à Confederação sem disparar um tiro, o que poderia ouriçar austríacos e franceses contra a Confederação muito antes do mo-mento em que estaria preparado para tanto. A vitória tornava-se cada vez mais factível, na medida em que se verifi cava um isolamento diplomático da França: os ingleses, cônscios das ambições francesas em relação à Bélgica, não moveriam um músculo em seu favor, os italianos – envolvidos com a unifi cação – também não acorreriam em seu favor, já que Napoleão III se pôs na defesa dos Estados papais impedindo a tomada destes, a Áustria, ainda combalida, só interferiria caso se sentisse ameaçada – e portanto obrigada a lutar. À Prússia faltava uma razão para lançar sua máquina de guerra contra a França. E tal razão não tardou a surgir.

Em 1870, o trono espanhol fi cou vago e para ocupá-lo lançou-se em candidatura Leopoldo de Hohenzollern-Sigmaringen, primo distante de Guilherme I, rei da Prússia. Napoleão III exi-giu, junto a este, a retirada da candidatura de Leopoldo, bem como a promessa de que nenhum outro Hohenzollern se candidataria, o que demonstrava o desconforto dos franceses em relação à possibilidade de, de uma hora para outra, se encontrar cercados pela dinastia germânica. Gui-lherme I enviou uma comunicação a Napoleão III, o chamado Despacho de Ems, por ter sido enviada da cidade de Ems – onde se encontrava o monarca. O conteúdo, que, segundo consta da historiografi a, teria sido alterado por Bismarck – por quem a comunicação teve de passar antes de ser remetida ao monarca francês –, publicado pelos jornais alemães, foi considerado ofensivo pelo governo francês, que declarou guerra à Prússia. Bismarck enfi m conseguiu o que planejara.

A Guerra Franco-Prussiana foi breve. Ainda em setem-bro de 1870, o rei francês foi aprisionado pelos prussianos. O exército francês caiu na fronteira com a Alemanha, em Sedan – onde Napoleão III se rendeu a Bismarck tornando-se prisioneiro de guerra da Alemanha – e Metz. Um Governo de Segurança Nacional francês e de caráter republicano foi instaurado em Bordeaux, conseguindo manter a resistência das províncias por um pequeno tempo. Em janeiro de 1871, o novo governo se rendeu, assinando o Tratado de Frank-furt perante o qual os franceses entregavam os territórios de Alsácia e Lorena, ricos em carvão mineral e ferro – maté-rias-primas fundamentais para o desenvolvimento da indús-tria alemã –, mais uma indenização de 5 milhões de francos. Além disso, os franceses se viram obrigados a aceitar a ocu-pação militar de seu território e ainda viram Guilherme I ser

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coroado primeiro kaiser (imperador) da Monarquia Federal Germânica – o II Reich – no Palácio de Versalhes. Com a humilhação de uma das principais forças do continente – que originou o sentimento de revanchismo que os franceses vão levar em conta na Primeira Guerra e depois dela quando do fi rmamento do Tratado de Versalhes, que imporá condições igualmente humilhantes à vencidaAlemanha -, estava completa a unifi cação alemã.

A UNIFICAÇÃO DA ITÁLIA

Assim como no caso da unifi cação alemã, esta outra unifi cação tardia, geralmente, não é abordada de forma acurada no ensino médio. Os livros didáticos em geral são insufi cientemente efi cazes para prover um bom entendimento ao estudante, e ancorado neles os docentes tendem a ministrar aulas superfi ciais, que portanto não fornecem aos estudantes os conhecimentos neces-sários à compreensão do assunto. Um erro generalizado, que advém do que acabamos de expor, é falar em Itália antes do período que trataremos aqui. É preciso distinguir muito bem o que era a península itálica antes de 1871 – a Itália antes da unifi cação – do que veio a ser a partir daí – o Estado italiano. Vejamos então.

Sabemos que o Império Romano surgiu a partir da península itálica, especifi camente a partir da cidade-Estado de Roma. Sobrevindas as “invasões bárbaras”, o império desmoronou dando lugar a uma série de reinos, dentre os quais surgiram na Península os reinos lombardos. No último quartel do século VIII, Carlos Magno dominou a Península, mantendo entretanto o Exar-cado de Ravena sob o controle do papado – segundo havia sido concedido por seu antecessor, Pepino, o Breve (751-768). Os francos dominaram até o século XII, quando as partes não papais da península passaram a ser dominadas pela casa germânica dos Hohenstauffen, que dominariam até o século seguinte. Neste ínterim surgem – e passam a dividir a hegemonia com os Estados papais - as importantes cidadesestados de Florença, Gênova, Milão e Pisa. No fi nal do século XV partes das zonas não papais da península caem sob o domínio da França. Daí em diante, em uma série de invasões, outros invasores – espanhóis e austríacos – ocupariam outras regiões. Em 1815,

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no Congresso de Viena, as terras da península, exceto as episcopais, foram partilhadas entre três forças: a Áustria fi cou com Lombardia e Veneza, contando ainda com a infl uência sobre Módena e Toscana, que passaram a ser governados por duques de sua confi ança; os Bourbons de Nápo-les fi caram com, Parma e o Reino das Duas Sicílias; e a casa de Savóia, senhora do único reino autônomo – o Piemonte-Sardenha -, fi cou com o Reino da Ligúria. Percebe-se, a partir deste breve esboço, o panorama em que se desenvolveu o processo de unifi cação italiana. É preciso, no entanto, conhecer as forças em campo. Durante a primeira metade do século XIX, fortalecera-se na península o sonho do Risorgimento. A esperança de ressuscitar a situação política de tempos idos alentava os corações políticos. Entretanto, como já mencionamos anteriormente, os proje-tos apresentados pelas diferentes facções políticas não eram concordes quanto ao tipo de regime político (republicano ou monárquico e constitucional) e à confi guração político-territorial (fede-ralista ou unitarista) da Itália a ser construída. E isso foi um fator de complicação dos esforços revolucionários.

Em 1831, surgiu o movimento nacionalista Jovem Itália, sob a liderança de Giuseppe Ma-zzini, sob a bandeira de uma Itália republicana e unitária, centrada em torno da “Terceira Roma” – uma nova Roma, diferente da Roma dos imperadores e da Roma dos papas; a Roma dos italia-nos. Mazzini chegou a ser eleito triúnviro por ocasião da instauração da República Romana, quan-do as forças do Jovem Itália invadiram a cidade em 1849. A esse tempo, a Carbonária – sociedade secreta a que já nos referimos – já atuava, por meio de revoltas e ações terroristas (essa é uma marca de diversos movimentos nacionalistas surgidos no período), e seria uma importante força mesmo depois da derrota dos republicanos em 1848. Neste mesmo ano, o rei Carlos Alberto, do Reino do Piemonte-Sardenha, declarou guerra à Áustria, tentando realizar a unifi cação sob o lema “Italia farà da se”. Foi derrotado no ano seguinte, tendo de abdicar do trono em favor de seu fi lho Vitor Emanuel II, que governaria até 1878. Neste período, a partir de 1852, destaca-se a tuação de seu chefe de gabinete, Camilo Benso di Cavour, que procedeu no âmbito externo a uma hábil política diplomática – granjeando apoio estrangeiro à causa da unifi cação (a exemplo da aliança com a França) – e no âmbito interno uma efi ciente política econômica, que facilitou a adesão do reino ao liberalismo. Isso acabou por fortalecer o reino e a casa de Savóia, que se tornariam peças fundamentais do processo de unifi cação.

Em 1856, na Conferência de Paris – realizada após a Guerra da Criméia (sobre a qual fala-remos adiante) –, Cavour manifestou a oposição do Piemonte à

política da Áustria na península. Aliança com a França de Napoleão III seria selada em 1858. Na ocasião, Napoleão III manifestara o apoio do governo francês à causa do Piemonte, que aos olhos dos cidadãos franceses era uma causa justa. Entretanto, exigiu garantias em relação ao bem-estar do papa, que se atingido poderia desencadear a reação dos católicos franceses contra o governo. E em compensação pedia a anexação francesa das regiões de Savóia e Nice. Em 1859 o Reino do Piemonte apresentou uma declaração de guerra à Áustria, logo anexou a Lombardia, com o auxílio das tropas francesas.

Por outro lado, agindo autonomamente, grupos nacionalistas aproveitaram o momento para tomar o Reino das Duas Sicílias, Luca, Modena, Nápoles, Parma e Toscana. Dentre estes grupos, destacam-se as forças de Giuseppe Garibaldi, o revolucionário que atuou em nossa Revolta dos Farrapos. Nas regiões conquistadas pelos revolucionários, plebiscitos foram realizados e segundo eles as populações optaram pela união às regiões comandadas por Vítor Emanuel II, proclamado Rei da Itália em 1861. Restavam Veneza, que continuava sob o controle da monarquia austríaca, e Roma, sob o poder do episcopado e a proteção das tropas de Napoleão III. O caso veneziano

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foi resolvido em 1866, com a derrota da Áustria para os prussianos, convenientemente auxiliados pelas forças italianas. Roma perderia a proteção francesa em 1870, quando atacado – também pe-las forças prussianas – Napoleão III teve de retirar suas tropas da sede do poder papal, que, rapi-

damente ocupada pelas forças italianas, foi alçada à condição de capital da Itália. Restou deste episódio um profundo mal-estar entre o papado, que passou a se considerar prisioneiro em seus próprios domí-nios, e oEstado italiano, que só foi resolvido em 1929 quando Benito Mussolini e o rei Vitor Ema-nuel III fi rmaram com o papa Pio XI a Concordata de São João Latrão, pela qual se determinou a cria-ção do Estado do Vaticano (que tem cerca de 0,44 km²), além de outras compensações ao papado.

Restavam as minorias italianas localizadas fora do novo território nacional. É a questão da chamada Itália Irredenta, que foi resolvida com a anexação dos territórios de Ístria, Trieste e Trenti-no em 1919, e das Costas Dálmatas em 1924.

O IMPÉRIO TURCO OTOMANO E A QUESTÃO DO ORIENTE

E ste é outro tópico insufi cientemente abordado no ensino médio, quando ao menos é abordado. Faltam informações nos livros didáticos, e os que têm algo a dizer o fazem apenas superfi cialmente, com o prejuízo do entendimento para os estudantes, que sem uma boa com-preensão do assunto encontram um problema a mais nos processos vestibulares que incluem o tópico entre os possíveis pontos das provas de História. O estudo desse tema é importantíssimo, pois permite ao estudante compreender em profundidade a confi guração do campo de forças nacionais da Europa na segunda metade do século XIX, além disso fornece os conhecimentos fundamentais para o en-tendimento das questões balcânicas que abalaram o século passado, questões que estavam inclusive na raiz de eventos recentes, como o confl ito entre servos e croatas. Por isso dedicamos aqui um espaço ao assunto. Esperamos assim que as próximas linhas contribuam para a solução de uma das principais fraquezas do ensino de História Geral.

O Império Turco Otomano surgiu em fi ns do século XIII, sob o governo de Otman I, (1281-1326) de quem deriva seu nome. No século XIV, sob a liderança do sultão Mourad, o exército im-perial derrota, na batalha de Kosovo, uma coligação de países cristãos, submetendo-os e ampliando as fronteiras do império. Seu apogeu situa-se na época do monarca Solimão I, o Magní-fi co, (1520-1566) que estendeu os domínios imperiais até a fronteira

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“Temos nos braços um homem doente, gra-vemente doente: seria uma grande desgraça que ele desaparecesse antes que as disposições necessárias fossem tomadas.”

(Nicolau I, imperador da Rússia)

ra-ue

com a Hungria (no império austríaco). Entretanto, mesmo conquistando terras cristãs, e tendo o Islã como um elemento de coesão e lealdade política, raramente o governo turco apelou para a conversão forçada dessas populações. Estas, em geral, estavam religiosamente submetidas ao credo oriental, em virtude de acordos travados entre os sultões e o patriarcado da Igreja Orto-doxa de Constantinopla. Ao fi nal da expansão, as terras em que vigorava o poder do sultão – entre posses efetivas e territórios tributários – iam da península balcânica ao Oceano Índico, do Cáucaso à Tripolitânia, incluíam uma parte da Europa Sul-Oriental, o nordeste da África e todo o Oriente próximo. Sua população é, portanto, bastante heterogênea. Os turcos propriamente ditos são, em termos efetivos, uma minoria, concentrada nas terras altas da Anatólia. Gregos, ar-mênios, persas, judeus, georgianos, curdos, macedônios, sírios, libaneses e outras nacionalidades (sobre)vivem debaixo da poderosa mão imperial turca. Parece-nos lógico que tal situação não pu-desse ser sustentada em uma longa duração. Primeiro porque em algum momento os anseios de libertação nacional, embalados pelas diferenças étnicas, abalariam a dominação homogeneizante do Império Otomano. Depois, é de se levar em conta que este não tinha a seu dispor os instru-mentos apropriados ao submetimento e governo duradouro de tantas e tão diferentes regiões dispostas em um território descomunal. Ali o governo tem feições arcaicas, o sultão é uma es-pécie de general-em-chefe, o território está administrativamente dividido em circunscrições – as tchifl ik – que lembram os feudos europeus; nestas circunscrições eram os paxás – senhores – que recolhiam os tributos e daí repassavam à autoridade central, de onde se infere que a corrupção era um dos problemas com os quais o Estado otomano se debatia. Há regiões em que o braço armado do poder imperial não consegue chegar, aí residem os hadjuts (insubmissos).

É assim, em meio a uma profunda crise de autoridade e administração, que no século XIX o Império Turco Otomano é conhecido no meio dos homens de Estado europeus como “O homem doente”. Sua decadência é talvez a mais longa da história dos impérios, iniciando-se no limiar do século XVII. Em fi ns do século XVIII, os russos derrotaram a armada otomana do Mar Egeu, e com isso conseguiram dos turcos – através do tratado de Kutchuk-Kainardji - as posses-sões da região do Mar Negro e a independência da Criméia, que mais tarde anexariam.

Além disso obtiveram a prerrogativa de criar bases no Império Turco sob o pretexto de oferecer proteção aos cristãos orientais (ortodoxos) do império. Os turcos, derrotados mais uma vez, perderiam ainda os domínios de Ucrânia e Odessa também para os russos.

Entretanto, mesmo decadente, o Império Turco Otomano estava no raio de alcance dos interesses d as grandes nações. E é em meio a esses interesses que se desenrolaram os eventos que marcam a Questão do Oriente. À Rússia, que já lhe infl igira pesados golpes, como vimos acima, interessava a intervenção, que lhe daria o controle dos Estreitos de Bósforo e Dardanelos, dos

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quais o Império Turco era “o guardião” – resolvendo uma de suas maiores defi ciências: a falta de bons portos. Alegando agir em defesa dos cristãos orientais submetidos ao governo turco, in-tentou em diversas ocasiões levar adiante uma invasão. Foi obstada em 1822 pela Inglaterra, que por ocasião do Congresso de Verona – sob os auspícios da Santa Aliança – se manifestou con-trária ao que considerava uma atitude expansionista, mas interferiu consideravelmente na região. À Inglaterra não interessava o fortalecimento econômico dos russos, que poderia acontecer a partir da tomada dos Estreitos, nem o fortalecimento em termos geopolíticos – que uma invasão bem sucedida ao Império Turco daria a qualquer uma das grandes nações. A França interessada em expandir seus negócios, via no Império Turco um grande mercado no qual poderia vender mercadorias e aplicar capitais.

A Áustria também necessitava de bons portos, tinha interesse na navegação no rio Danú-bio – situado em zona de domínio turco - e não via com bons olhos uma possível desintegração – sob o peso de movimentos nacionalistas – do gigantesco vizinho, dado que isso representaria um poderoso estímulo ao recrudescimento dos movimentos de libertação nacional por meio dos quais os diversos povos sob seu domínio desafi avam a autoridade com que governava os destinos destes.

Assim as potências ora agiam em prol da integridade do Império Turco Otomano, ora de-fendiam sua desintegração, concorrendo para a sua desestabilização. No fi m das contas, o impé-rio foi mantido, mas seu mapa foi redesenhado ao gosto das potências. Já em 1841, na Convenção dos Estreitos, estas conseguiram assegurar a livre navegação de seus navios mercantis na zona de Dardanelos, exceto em tempos de guerra. Esta decisão agradava sobretudo Inglaterra e França, interessadas em garantir que a Rússia não se apoderasse dos Estreitos, uma vez que o tratado colocaria todas as nações signatárias contra a Rússia no caso desta tentar assumir o controle total da navegação na região. Entre 1853 e 1856, aconteceu a Guerra da Criméia, após a invasão pelas tropas russas dos principados danubianos de Valáquia e Moldávia (que mais tarde se transfor-mariam no principado da Romênia). Nessa guerra, a Rússia teve de enfrentar as forças de França, Grã-Bretanha e Piemonte-Sardenha (interessado em ampliar construir alianças com franceses e britânicos), além das forças do império. A participação de ingleses e franceses visava a manu-tenção de seus interesses na região, especialmente no que concerne a impedir o avanço russo na direção do Mar Mediterrâneo, o que estava cada vez mais próximo desde que a armada turca foi destroçada pelos russos. A guerra terminou com a derrota militar e diplomática da Rússia, obrigada a aceitar a neutralização no Mar Negro, anteriormente conquistado aos otomanos, bem como a independência dos principados danubianos (que mais tarde se emancipariam também em relação ao domínio turco). Além disso, França e Inglaterra conseguiram garantir a integridade do Império Otomano.

Em 1829, depois de tentar por meio da ação diplomática – desde os tempos do Congresso de Viena –, os gregos conseguiram sua independência através da luta armada, no que foram au-xiliados pelos russos, interessados no enfraquecimento do império. Inicialmente, o Estado grego tinha um território bem menor que o atual, compreendia apenas as regiões da Ática, do antigo Pe-loponeso, da Eubéia e das Cíclades, fi cando entre a infl uência dos britânicos e a dos russos. Pos-teriormente anexaria Creta, o Épiro, a Macedônia, a Tessália e as Ilhas Jônias. Em 1878, também contando com o auxílio das forças do império russo, foi a vez da Bulgária surgir, como mais um Estado-Nação na área, após uma luta de libertação nacional iniciada em 1875, na qual o império massacrou mais de 25.000 pessoas. Outras nacionalidades como as de Sérvia e Montenegro, Bós-

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nia-Herzegovina e Romênia (junção dos ducados de Moldávia e Valáquia) também entraram em choque com a dominação imperial turca. Por fi m, em julho de 1878, na Conferência de Berlim, o Império Turco teve de aceitar a independência aos principados da Bulgária, Romélia Oriental (que em 1885 se juntaria à Bulgária), Romênia e da Sérvia e Montenegro, bem como teve de passar à Grã-Bretanha a administração do Chipre e à Áustria a administração da Bósnia- Her-zegovina e do sandjak de Novi Bazar (localizado entre Sérvia e Montenegro).Note-se que, com essas perdas, o poder do Império Turco nos Bálcãs saiu bastante enfraquecido, em detrimento de russos e austríacos. Em 1881, perderia odomínio da Tunísia para os franceses e no ano seguinte perderia a infl uência sobre o Egito. Nos dois casos os ocidentais estabeleceriam uma forma de domínio conhecida como protetorado1.

Além do recuo do poderio dos turcos, o surgimento de novos Estados com base em nacio-nalidades extra-turcas traz uma série de outras implicações. Primeiro põem em jogo novas forças, que mais tarde, em diferentes momentos, seriam importantes peças do campo político. Por outro lado, algumas dessas novas nações, fundadas em torno de nacionalidades não turcas, carregam consigo um dos problemas que concorreu para a desestabilização do Império Otomano: man-têm sob a tutela de seus Estados diferentes nacionalidades, a partir do ponto em que submete diferentes grupos étnicos – que em alguns casos são rivais históricos -, assim estavam postas as condições para os confl itos étnicos que abalaram os Bálcãs nas últimas décadas do século passa-do. A divisão dos Bálcãs em zonas de infl uência de austríacos e russos também se constituiu em problema, dado o desenvolvimento de movimentos nacionalistas na região. O amadurecimento do pan-eslavismo2 é um dos fatores de complicação – como veremos mais tarde quando tra-tarmos dos antecedentes da Primeira Guerra. Por outro lado, no muito que sobrou do Império Turco, outras crises se desenrolariam até a sua dissolução em 1918.

O SOCIALISMO

A rejeição da sociedade de classes, e, portanto, do modo de produção capitalista: esse é o princípio fundamental do socialismo. Assim, o objetivo dos socialistas é o fi m da sociedade de classes – entendida como a estrutura em que se mantém a desigualdade social –, através da abo-lição da propriedade privada dos meios de produção e, conseqüentemente, a socialização destes. Para isso seria necessário converter o Estado em um instrumento da classe trabalhadora, através do qual se aplicariam as medidas socializantes que instaurariam a sociedade sem classes, de onde se extinguiriam os confl itos e, conseqüentemente, se chegaria à sociedade sem Estado, a socieda-de comunista.

Seu surgimento está relacionado ao desenvolvimento do pensamento acerca da questão social na primeira metade do século XIX. Ao mesmo tempo em que se verifi cava um progresso sem precedentes nos campos das ciências, das técnicas e da indústria, cresciam a pobreza e os demais problemas sociais em torno dos trabalhadores. A concentração de grandes contingen-tes populacionais nas cidades industriais, em condições degradantes que chegavam mesmo à subhumanidade, a expropriação dos pequenos proprietários no campo e a fome que caminhava lado-a-lado com o desenvolvimento das técnicas e do potencial produtivo são alguns dos proble-

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mas que levaram pensadores como Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), Saint-Simon (1760-1825), Robert Owen (1771-1858), Charles Fourier, Louis Blanc, Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820- 1895) a formularem críticas à so-ciedade tal e qual ela era.

Os dois últimos pensadores citados acima são os expoentes do que fi cou conhecido como socialismo científi co. Os demais são eminências do chamado socia-lismo utópico ou romântico. Este se distancia daquele na medida em que a crítica da sociedade formulada por seus pensadores raramente indicava os métodos para a

superação desta, e quando indicava métodos não preconizava a derrubada do capitalismo. Di-zendo em outras palavras, geralmente, os socialistas utópicos consideravam possível construir uma sociedade justa dentro dos próprios quadros do capitalismo, confi avam na redistribuição da riqueza sem que para tanto fosse necessário revolucionar a sociedade. Não nos alongaremos aqui na análise do pensamento destes últimos – para isso remetemos-lhe ao material AVA. Iremos nos concentrar no exame do socialismo científi co, buscando compreender suas linhas de pensamento e sua atuação no período que estamos estudando.

Os alemães Karl Marx e Friedrich Engels partiram do pensamento do fi lósofo, também alemão, Wilhelm Friedrich Hegel, apropriando-se de sua dialética, mas subvertendo-a mediante a submissão desta ao materialismo – contrariamente ao idealismo absoluto de Hegel. É o mate-rialismo dialético, marca fundamental do marxismo, corrente fi losófi ca fundadora do socialismo científi co. De acordo com ela, a história é um processo, no qual as condições materiais de exis-tência têm papel determinante, delas depende o desenvolvimento das civilizações em todos os seus aspectos, inclusive no que concerne às idéias. E tudo está relacionado a tudo, nada funciona isoladamente e nada atua isoladamente, todos os fatores se inter-relacionam, se afetam e dessas afetações mútuas surgem as condições nas quais se desenvolve o processo histórico em toda a sua plenitude, em avanços e retrocessos. De acordo com Marx e Engels, o desenvolvimento das sociedades é determinado pelas condições econômicas às quais as sociedades estão submetidas, assim, a luta de classes – fato socioeconômico – seria o elemento fundamental da evolução das formações sociais, e seria através da luta de classes, com a vitória do proletariado sobre a bur-guesia, que as sociedades capitalistas seriam transformadas em sociedades socialistas, nas quais as forças produtivas não estariam submetidas ao capital, isto é não haveria a divisão de classes e, portanto, não existiriam patrões e empregados, proprietários e despossuídos. Nessas condi-ções, os trabalhadores – através do Estado, convertido em instrumento da classe trabalhadora – possuiriam os meios de produção, os dividendos da produção por sua vez seriam repartidos igualmente entre os produtores. O Estado, além de controlar todos meios de produção, seria o único responsável pelas instituições fi nanceiras, pela educação, pelos transportes e por todos os setores estratégicos – a exemplo de comunicações, águas, minas e energia. A partir daí, elimina-das as classes sociais e eliminados, por conseguinte, os confl itos de classe, o Estado se tornaria desnecessário e seria também eliminado, dando lugar a uma sociedade sem classes e sem Estado: eis a base da sociedade comunista.

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“(...) a primeira fase da revolução operária é o advento do proleta-riado como classe dominante, a conquista da democracia. O proletaria-do utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe domi-nante, e para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas. Isto naturalmente só poderá realizar-se, a principio, por uma violação despótica do direito de propriedade e das relações de pro-dução burguesas, isto é, pela aplicação de medidas que, do ponto de vista econômico, parecerão insufi cientes e insustentáveis, mas que no desenrolar do movimento ultrapassarão a si mesmas e se-rão indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de produção.

Essas medidas, é claro, serão diferentes nos vários países.

Todavia, nos países mais adiantados, as seguintes medidas poderão, geral-mente, ser postas em prática:

Expropriação da propriedade latifundiária e emprego da renda da terra em 1. proveito do Estado.

Imposto fortemente progressivo.2.

Abolição do direito de herança.3.

Confi scação da propriedade de todos os emi-4. grados e sediciosos.

Centralização do crédito nas mãos do Estado 5. por meio de um banco nacional com capital do Estado e com o monopólio exclusivo.

Centralização, nas mãos do Estado, de todos 6. os meios de transporte.

Multiplicação das fábricas e dos instrumen-7. tos de produção pertencentes ao Estado, arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultiva-das, segundo um plano geral.

Trabalho obrigatório para todos, organização de exércitos industriais, parti-8. cularmente para a agricultura.

Combinação do trabalho agrícola e industrial, medidas tendentes a fazer 9. desaparecer gradualmente a distinção entre a cidade e o campo.

Educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho das 10.

o-

Em 1848, a pedido da Liga dos Justos, organização comunista inglesa, Marx e Engels es-creveram o Manifesto Comunista, principal documento do socialismo. Vejamos, abaixo, um dos trechos.

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crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educa-ção com a produção material, etc.

Uma vez desaparecidos os antagonismos de classe no curso do desenvolvimento e sendo concentrada toda a produção propria-mente dita nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se constitui forçosamente em classe, se se converte por uma revolução em classe dominante e, como classe dominante, destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói, justamente com essas relações de produção, as condições dos antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação como classe.

Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classe, surge uma associação onde o livre desen-volvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos (...)

TRABALHADORES DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!”.

Um avanço que os socialistas trouxeram ao movimento operário foi a sua politização, isto não quer dizer que não houvesse nada de político no movimento operário anterior ao surgimento do socialismo, mas agora, além de fornecer um componente ideológico à luta de operários contra patrões, o socialismo levava o movimento a atuar no âmbito das instituições a partir da formação de partidos e da eleição de representantes para ocupar cadeiras nas câmaras e assembléias de Estados como o inglês e o francês. Um outro avanço que o socialismo trouxe à luta dos traba-lhadores contra o capital foi a internacionalização do movimento operário, especialmente no que concerne ao movimento sindical. Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, diria a letra de uma canção popular.

Partindo do pressuposto que a submissão da classe trabalhadora era um fato universal, os socialistas – de todas as tendências – entendiam que se tornava necessário unir os trabalha-dores de todo o mundo – como conclamava o Manifesto - em prol da luta de classes. Crendo que os efeitos de um movimento operário internacional seriam muito mais profundos que os de movimentos isolados, organizou-se, em 1864, a Associação Internacional de Trabalhadores, que fi cou conhecida como Primeira Internacional. Esta congregava, entretanto, não apenas os socialistas, mas também trade-unionistas, proudhonistas e anarquistas. Os primeiros não estavam interessados na proposta socialista, queriam melhorar as condições da classe trabalhadora, mas não sonhavam em subverter as sociedades. O segundo grupo não acreditava no socialismo, para Proudhon o socialismo era inefi caz, por exemplo, as concessões arrancadas aos capitalistas por meio de greves só concorreriam para o aumento dos preços, por isso, segundo ele “o socialismo

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não é nada, nunca foi nada e nunca será nada”. Mikhail Bakunin (1814-1876), líder dos anarquis-tas via no comunismo – resultado de uma ditadura, a ditadura do proletariado – uma negação da liberdade, e, dizia ele, “não posso conceber nada humano sem a liberdade”; para os anarquistas nenhuma revolução seria efi caz se não começasse pela supressão do Estado, enquanto que este é um elemento fundamental para a teoria da revolução socialista, além disso o anarquismo con-siderava, já àquela época, que toda a classe trabalhadora – inclusive o campesinato – participaria da revolução, ao passo que para os socialistas científi cos só uma classe consciente em um país capitalista avançado poderia promover uma revolução bem-sucedida, e, pensavam eles, só o pro-letariado detinha uma consciência de classe. Como a Revolução Russa de 1917 mostraria, eles estavam muito errados. Assim, sob o peso das divergências internas, a Primeira Internacional foi encerrada em 1876, e com ela todas as suas ramifi cações – que estendiam-se por diversos países da Europa e chegavam atéos Estados Unidos.

Destaque um aspecto interno e um aspecto externo da história da unifi cação alemã.1.

Exponha a composição do campo de forças políticas envolvidas no contexto da unifi -2. cação italiana.

Caracterize, em linhas gerais, a Questão Oriental.3.

Atividade Complementar

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Caracterize, especifi camente, a participação do império russo na Questão Oriental, des-4. tacando um evento como representativo da caracterização proposta.

Destaque e comente dois pontos do programa exposto por Karl Marx e Friedrich no 5. Manifesto Comunista (ver box nas pp. 15-16)

O IMPERIALISMO

O CIRCUITO ECONÔMICO DA EUROPA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Se, em termos políticos, as vitórias da burguesia no século XIX não são fragorosas – o republicanismo ainda não triunfou, a monarquia ainda é a principal forma de governo na maior parte do continente, mesmo que em alguns casos a limitação constitucional pese sobre ela; ex-ceto no caso francês, vive-se um paradoxo: as sociedades são liberais, mas são as aristocracias, e não as burguesias, que comandam o cenário político. Na maior parte dos casos há privilégios: a Igreja Católica, sob o beneplácito de representar a religião ofi cial, paira acima de toda e qualquer instituição religiosa e mantém viva a noção de “verdadeira religião”; as igrejas Anglicana e Lute-rana – respectivamente na Grã- Bretanha e na Alemanha –, sustentam sua hegemonia no campo religioso de seus países através do apoio estatal: os altares continuam unidos aos tronos. As aris-tocracias da terra mantêm o prestígio e a atuação. A burguesia estava em desvantagem numérica e eram menos coesas e, por isso mesmo, menos autoconfi antes que as aristocracias. Além disso, preferiam misturar-se a estas, dado o status de seus elementos.Entretanto, e nisso o paradoxo fi ca ainda mais forte, em termos econômicos os burgueses crescem em ritmo acelerado. Os empreen-dimentos desenvolveramse a pontos sem precedentes e com eles cresceram no mesmo passo as fortunas e a concentração destas. Na Inglaterra, paraíso dos industriais – “ofi cina do mundo”, o censo da década de 1878-1888 revela um dado impressionante: 18 homens possuíam mais de 25 milhões de libras, cifra astronômica para a época.

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A Bolsa de Valores tem uma longa história que remonta aos últi-mos anos da Idade Média, tendo inclusive lugar e data de surgimento para alguns autores, os quais apontam para a cidade de Bruges, na Bél-gica, quando em 1487 os homens de fi nanças passaram a utilizar um edifício para realizar as transações em torno de ações empresariais. Até então a rua era o local para essa atividade. A Bolsa é um espaço público para a negociação de ações, aí os agentes especializados no negócio – os chamados corretores – compram e vendem ações, fundos públi-cos, obrigações e outros títulos de crédito em nome de seus clientes, empresários ou não, levando uma comissão pelos negócios. Procure saber mais sobre o assunto, afi nal ele é um dos mais importantes (e menos conhecidos) nos nossos dias.

Um fato importante, relacionado à transação de capitais, é o in-vestimento em terras estrangeiras. Com seus meios circulantes infl ados – e sabemos que isso é ruim – as potências econômicas, e, sobretudo, a Inglaterra, adotaram uma estratégia inteligente de aplicação dos capitais

Indo adiante...Indo adiante...

Ao redor do mundo, sobrenomes como o dos Rotschild se tornam ainda mais poderosos e outros despontam com imenso poder: Vanderbilt, Rockfeller, Carnegie, Siemens, Krupp, Schnei-der, Cointreau e outros concentram em torno de si uma fatia considerável da riqueza das nações, e sua infl uência – inclusive política – tenderá a crescer. O mercado de capitais se desenvolve e junto com ele o aparelho bancário. A poupança é a forma fundamental de reserva, mas junto a ela proliferam também os seguros, como o seguro contra incêndios. A oferta de crédito é um outro item que cresce e por sua vez proporciona o crescimento dasindústrias e do comércio; a injeção de grandes somas de dinheiro fortalece e amplia os circuitos de produção e distribuição, gerando um ciclo de crescimento.

Só na segunda metade do século o volume do comércio internacional teve um acréscimo de 550%, na primeira metade o crescimento fôra de 1250%. Verifi ca-se uma proliferação das sociedades de responsabilidade limitada (as “ltda”), espécie de sociedades comerciais em que a responsabilidade dos sócios é limitada ao montante das cotas subscritas por cada um, por isso são também chamadas de sociedades por cotas de responsabilidade limitada. Os números deste setor são impressionantes. Na Alemanha da década de 1870 chegou-se a registrar uma média anu-al de 390 aberturas de empresas. Entretanto, muitas dessas empresas não tiveram vida longa. As crises encarregaram-se de dar cabo dos mais fracos. Em outros casos, a especulação estava por trás das periódicas aberturas e fechamentos. As bolsas de valores se transformam em um espaço crucial. Há uma espécie de febre em torno delas. Pierre-Joseph Proudhon escreveu em 1853, no seu Manual do especulador da Bolsa, em tom deliciosamente sarcástico, que a sua época “tomou por Decálogo a Bolsa e suas obras, por fi losofi a a Bolsa, por política a Bolsa, por moral a Bolsa, por pátria e Igreja a Bolsa”. Testemunho dos primórdios de um dos problemas com que temos de lidar ainda em nossos dias. Quem nunca ouviu falar das “fl utuações de humor” das Bolsas? E que “o mercado acordou nervoso”? Quem não conhece seus efeitos colaterais?

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hiper-excedentes, a qual tem largas implicações para história de países como o Brasil, por exemplo. Aqui os britânicos – maiores investidores estrangeiros na América Latina entre a década de 20 do século XIX e os anos anteriores à Primeira Grande Guerra – despejaram consideráveis somas de capital, para com as quais se acercaram de todos os cuidados quanto ao devido ressar-cimento. Os investimentos vão, desde a forma de empréstimos para obras estruturais, até o estabelecimento de parcerias com empresas nacionais en-volvidas – ou mesmo o estabelecimento direto – em ramos altamente lucra-tivos como o da mineração. Se por um lado esses capitais contribuíram para a montagem de uma infra-estrutura necessária ao desenvolvimento do país, por outro o modo como se contraiu os empréstimos e as condições em que se encontrava o país no momento correspondente acarretaram no um endi-vidamento que, progressivo, tornou-se um de nossos principais problemas. Tornamo-nos, outra vez, dependentes e essa dependência tornou-se siste-mática, estendendo-se inclusive a outros senhores, como os Estados Unidos, no decorrer do século XX. Podemos nos referir a esse processo como sendo uma redistribuição concentradora, uma vez que ao aplicar capitais em outras nações os europeus redistribuíam esses capitais, mas reconcentravam-nos na medida em que os receberiam de volta com polpudos acréscimos, além dis-so, tais investimentos ampliavam ainda mais a esfera de atuação econômica, e portanto de captação de divisas, destes países.

À concentração de capitais em torno de poucos homens, juntou-se a concentração em torno de empresas – e com isso as “sociedades por ações”. É o monopolismo que surge como resposta ao regime de concorrência, que os grandes “fazedores de fortuna” entendem como uma ameaça. E esse é um dos fatores que explicam a mencionada vida breve das pequenas empre-

sas. Primeiro os setores mais recentes, como a indústria petrolífera e a indústria de componentes de telecomunicação, vão se tornando apa-nágio de poucas empresas. Logo os setores mais tradicionais, como a indústria dos minérios.

Empresas como a Thyssem e a Krupp vão monopolizando uma série de setores, como o da indústria do aço, garantindo não

apenas o controle da produção, mas o da distribuição – com seus pró-prios pontos de venda e estrutura de transporte.

Logo, as concentrações sistematizam-se. Surgem, assim, os kartellen (cartéis), os trusts (trustes), os holdings e os konzern, conglomerados indus-triais e comerciais que, através da manipulação da produção e dos preços, exercem o controle de amplas fatias do mercado, eliminando a concorrência. Daí o desenvolvimento do que entendemos por imperialismo, cuja melhor defi nição nos é dada por John Athkinson Hobson nos seguintes termos: “a superprodução, os excedentes de capital e o subconsumo dos países indus-

sas

a

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trializados levaram-nos a colocar uma parte de seus recursos econô-micos fora de sua esfera política atual e a aplicar ativamente uma es-tratégia de expansão política com vistas a se apossar de novos territó-rios” (apud UZOIGWE, Godfrey N.. “Partilha européia e conquista da África: apanhado geral”. In: BOAHEN, A. A-.. História Geral da África. vol. VII, (A África sob dominação colonial, 1880-1935) São Paulo, Ática/Unesco, 1991).

Em outras palavras, o capitalismo monopolista, cuja natureza é incompatível com o princípio da livre concorrência, vai levar as nações mais desenvolvidas às últimas conseqüências de um esforço voltado para a partilha do mundo. É o que vamos conferir nos pró-ximos tópicos.

O termo cartel, quando aplicado ao comércio de produtos legalmen-te permitidos, signifi ca a união de empresas concorrentes em torno de um acordo mediante o qual essas empresas passam a controlar o fl uxo de mer-cado de uma ou mais mercadorias especialmente a partir do nivelamento dos preços. Um holding é um conglomerado de empresas – que podem até mesmo não ser do mesmo ramo – unidas em torno do controle de uma determinada fatia do mercado de bens, serviços ou ambos, nessa for-ma de oligopólio uma nova empresa passa a possuir a maioria das ações das empresas componentes de determinado grupo, administrando-o; en-tretanto, as empresas participantes não são desprovidas de suas prerroga-tivas jurídicas, isto é, não perdem toda a autonomia. Isso não acontece no caso do truste; nessa forma avançada de oligopólio as empresas envolvidas – normalmente são empresas do mesmo ramo – têm de abrir mão de sua independência legal, subordinando-se a um conselho diretor geralmente composto por uma instituição fi nanceira. O truste tem em comum com o holding e o cartel o intuito de dominar determinada oferta de bens, ser-viços ou ambos.

Agora, é com você: faça uma pequena pesquisa sobre os cartéis, trus-tes, holdings e konzern do século XIX. Utilize manuais, enciclopédias e a web (e não esqueça de citar as fontes consultadas). Isso vai lhe ser bastan-te útil em determinados momentos do desenvolvimento de sua atividade docente.

Indo adiante...Indo adiante...

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“Hoje em dia, anexam-se continen-tes, partilha-se a imensidão”.

-Jules Ferry, Primeiro-Ministro francês entre 1880 e 1885

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A PARTILHA DA ÁFRICA

A história da invasão do continente africano pelas nações européias é velha, remonta a me-ados do século XV, quando os portugueses adiantando-se aos demais povos da Europa chegam aí, primeiro ocupando Ceuta em 1415 e depois – a partir de 1445 – marcando presença com seus comerciantes nas localidades banhadas pelo rio Senegal e chegando ao Congo em 1484. Desde então a infl uência européia no continente cresceu. Entretanto, nada se compara ao que acontece aí a partir do século XIX. Nesse século, e especialmente em suas duas últimas décadas, a invasão aprofunda-se em todos os sentidos. Agora os europeus se lançam à África interior, não mais se contentando com o domínio precário de faixas litorâneas. O último dos continentes subjugados pelos europeus foi literalmente repartido entre potências ávidas por novos mercados para seus produtos industrializados, fornecedores de matéria-prima e mão-de-obra a baixo custo, além de novas zonas de assentamento para suas indústrias. E essa nova dominação se deu em um ritmo vertiginoso. Em pouco mais de duas décadas, no fi nal do século, os territórios controlados por europeus passaram de 11% (em 1875) para 90% (em 1902). O próprio mapa do continente foi literalmente reconfi gurado no decurso das negociações ocasionadas na Conferência de Berlim (1884-1885), o ponto de partida - ofi cial - da nova “corrida colonial”. Tal reconfi guração pode ser percebida na profusão de linhas retas que marca os contornos das nações africanas.

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A despeito do anticolonialismo da maioria dos europeus, que quando não consideravam injustas as novas anexações consideravam-nas onerosas e sem utilidade, o impulso imperialista ganhou força e se fi rmou no século. Além disso, havia aqueles que recorrendo a várias teorias formulavam justifi cativas não só à partilha da África, mas à colonização em geral. Os darwinistas sociais baseavamse na teoria darwinista da sobrevivência do mais forte exposta em A origem das espécies por meio da seleção natural, ou a conservação das raças favorecidas na luta pela vida, segundo eles uma vez que na natureza o direito não se sobrepunha à força, as “raças inferiores” deveriam ser submetidas pelas “superiores”. Os missionários rejeitavam a obra darwinista, quali-fi cando-a como herética, mas não deixavam de compactuar com o racismo – que embora envolto em uma capa de zelo humanitário não deixava de ser racismo; segundo eles, a partilha da África proporcionaria a elevação espiritual do continente, retirá-lo-ia do lamaçal da superstição e do fetichismo.

Em 1844, os franceses ocuparam o Marrocos, entre 1883 e 1895 dominariam o Daomé, a Costa do Marfi m e a Guiné, em 1895 ocupariam Madagascar e em 1899 a região do Saara, conse-guindo estabelecer para si uma das maiores fatias da partilha – uma enorme faixa territorial con-tínua. Vale ressaltar que a investida colonial francesa no continente iniciou-se já em 1830, com a invasão da Argélia, cujo domínio seria estabelecido em 1857. Nesse mesmo ano a Bélgica se lança sobre o antigo Reino do Congo, dá-se, sob os auspícios de Leopoldo II, duque de Brabante, a criação do Grupo de Estudos do Alto Congo. Em 1876, Leopoldo patrocina a Conferência Geo-gráfi ca de Bruxelas, na qual surge a Associação Internacional Africana, com o objetivo de explo-rar o Congo. Para os belgas, entender era fundamental para dominar – e para entender é preciso estudar. E, neste caso, como em tantos outros dessa nova colonização, os antropólogos vão à frente das tropas. A legalização da posse do Congo veio na Conferência de Berlim, convocada pela coroa portuguesa receosa de perder seus domínios, diante da movimentação que começava a se tornar cada vez mais visível no continente. Antes disso, em 1880, os portugueses anexaram aos domínios da coroa as terras de Moçambique e os franceses iniciavam – junto com os ingleses – a investida sobre o Egito.

A Conferência, que não tinha o objetivo inicial de efetuar a partilha, terminou por fazê-lo, instaurando uma nova e complexa situação. Nessa ocasião surgiu adoutrina das esferas de infl u-ência, segundo a qual toda e qualquer nação – européia - que no futuro tomasse posse de um território africano, ou assumisse aí um protetorado, deveria informar o fato às nações reunidas naquele evento, sob pena de não obter o reconhecimento do domínio, tendo ainda a obrigação de provar que tinha condições de exercer autoridade efetiva nesse domínio – e que o fazia -, esta é a doutrina da ocupação efetiva. A partir daí transformam-se as relações entre o continente europeu e o continente africano. Agora se pode mesmo falar em dominação do continente, ao contrário da situação anterior, na qual os europeus marcavam presença – especialmente em regiões litorâ-neas – mediante a instalação de umas poucas colônias, alguns entrepostos comerciais – por meio dos quais se operava o tráfi co de cativos –, ocupação de zonas estratégicas, estabelecimento de missões religiosas e efetuação de tratados com governantes locais. Entretanto, a dominação teve que ser construída também na base da conquista militar, que se estende basicamente de 1855 a 1902.

Os ingleses, que desde 1875 controlavam o Canal de Suez – construído com capital anglo-francês –, estabeleceram-se na parte sul do continente, onde criaram em 1910 a União Sul-Africa-na, mais tarde África do Sul. Ainda em princípios do século XIX, os ingleses iniciavam a investida

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colonialista naquela região, ocupando as províncias de Cabo (Capetown) e Natal. Nessa mesma região estouraria entre 1899-1902 a Guerra dos Böers, entre ingleses e colonos de origem holan-desa. Por saldo, o império britânico obteve as ambicionadas anexações das repúblicas do Trans-vaal, rica em ouro, e Orange, rica em diamantes. Os ingleses atuariam também no Egito, onde, depois de algumas disputas com os franceses, instauraram em 1882 – após suprimir a revolta de Arabi Paxá – um regime de protetorado. Dominaram quase toda a parte leste da zona intertropical - Uganda, Quênia, Zanzibar, Somália Britânica e Sudão -, e uma boa parte da faixa oeste - Gâm-bia, Serra Leoa, Costa do Ouro e Nigéria. No tocante à resistência nativa um fato interessante é a ocorrência de movimentos encampados por grupos religiosos islâmicos, baseada no mahdismo - a crença em líderes enviados diretamente por Alá, os Mahdis (que literalmente signifi ca “guiados por Deus no bom caminho”), equivalentes islâmicos do messias judaicocristão.

Esses movimentos foram importantes sobretudo no Sudão e no Egito. No campo das re-lações diplomáticas, acentuam-se as diferenças com a Alemanha, especialmente a partir de 1885, quando os alemães ocupam Tanganica – atual Tanzânia -, interpondo-se no caminho do projeto inglês de formar uma faixa contínua de domínio na banda oriental, que seria interligada por uma ferrovia que passaria por todo o comprimento do domínio desde o Cabo ao Cairo. Os choques também se verifi cariam em relação aos franceses, com quem os ingleses disputaram o domínio do Egito – ainda em 1898 franceses e ingleses se enfrentariam no incidente de Fashoda –, endivi-dado com ambos, de onde derivou um mal-estar que só foi superado pela necessidade de união preventiva contra os alemães.

Estes – que além de Tanganica dominariam Ruanda-Burundi, Camarões, Togo e Namíbia –, na condução de sua weltpolitik, agora preocupada com a corrida colonial, alimentariam, além da oposição aos ingleses, o revanchismo francês sobretudo na questão marroquina. O território do Marrocos, ocupado desde 1844 pela França, será reivindicado pelos alemães sob o argumen-to da justa divisão das terras africanas, isto é, uma redistribuição, condizente com o seu poder. Consideravam que não haviam sido devidamente contemplados na partilha e esperavam mudar a situação. Além do mais, sustentavam uma política de pressão que, em 1904, se vira ameaçada pela aliança entre ingleses e franceses (a Entente Cordial), isolados e mesmo rivalizando até então. As-sim, os alemães resolveram se apoderar do Marrocos, a mais desenvolvida das regiões ocupadas e um excelente ponto estratégico cuja posse atenderia aos interesses de sua política internacional, cada vez mais imperialista. Mas, e aí está o problema, tratava-se de um domínio francês anterior à partilha. Tentando impedir o confl ito as potências apelaram para o arbitramento internacional da questão – possibilitado desde a criação da Corte Permanente de Arbitramento na primeira Con-ferência de Haia (1898) -, reunindo-se em 1906 na Conferência de Algeciras, que confi rmou o domínio francês na região. Derrota diplomática que os alemães não aceitaram, provocando uma segunda crise. Assim, em 1909 conseguiram que a França assinasse o Acordo de Haia, que dividia com a Alemanha o domínio econômico do Marrocos. Mas a coexistência francogermânica, es-pecialmente quando havia questões econômicas em jogo, não era possível. Em 1911 acontece o Incidente de Agadir, que quase precipita as potências à guerra. Nesta ocasião, sob o argumento de que a França estava violando os acordos e colocava os comerciantes alemães em perigo junto aos marroquinos, o kaiser chegou mesmo a enviar uma canhoneira armada à cidade de Agadir. Mais uma vez o arbitramento, sobretudo inglês, evitou o choque armado. Reunidas na Conferência de Fez (1912), as potências conseguiram da Alemanha uma renúncia ao domínio do Marrocos em troca de uma parte do Congo Francês, ao passo que os franceses fi cavam com o protetorado do Marrocos. Mais uma derrota alemã.

Os italianos conseguiram apenas a posse das terras da Tripolitânia (atual Líbia), Eritréia e

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de parte da atual Somália. Perderam a Tunísia para os franceses, que assumiram o protetorado em 1881. Foram derrotados na Abissínia, atual Etiópia, em 1896, pelas forças nativas comandadas pelo negus (“rei”) Menelic, rãs (“chefe”) do Choa, que, após assumir o comando da Etiópia, esta-belece aquele que, à exceção da Libéria, durante um longo período seria o único Estado africano independente.

A colonização consistiu em ações voltadas para o enquadramento dos domínios coloniais nos moldes europeus de regime de propriedade e trabalho, expropriando as populações nativas e submetendo-as, inclusive à força armada, ao regime de trabalho pertinente à ordem capitalista. Esta se integrou aqueles foi muito mais na medida da exploração, como força de trabalho, como fornecedores de matérias-primas – borracha, por exemplo. “Tratai-o mal [o negro] e ele acredi-tará na vossa superioridade” é o lema que geralmente orienta as relações, e especialmente as de trabalho. Os portugueses, dos quais se louvou a facilidade de integrar as populações coloniais, não deixaram de utilizar o chicote. Alemães e belgas utilizam-se dos mais vis expedientes, chegan-do a manter mulheres e crianças como reféns em campos fechados, obrigando os homens a não abandonar o trabalho – que com certa freqüência implicava na reabilitação da escravidão. Além das ações situadas no âmbito das instituições, não se deve esquecer das ações desenvolvidas à margem, por agentes coloniais – clandestinos – como os caçadores de elefantes e outros “aven-tureiros” que não raro invadiam e dizimavam aldeias, cometendo todo o tipo de atrocidades que se possa imaginar.

Enquadrou o mundo colonizado também em seus termos culturais. Falamos da submissão ao regime de trabalho, devemos lembrar que isso implica na submissão aos critérios ocidentais, e sobretudo capitalistas, que informam a experiência do homem em relação ao tempo. “Tempo é dinheiro” apregoa-se, daí a contagem do tempo em horas de relógio, em minutos. Isso traz impli-cações difíceis de calcular sobre a vivência de homens e mulheres acostumados a contar o tempo a partir de outros parâmetros – o movimento do sol no fi rmamento, por exemplo. À medida que desintegra tradições a colonização desintegra também os meios que elas, as tradições, sustentam ao mesmo tempo em que se sustentam neles, os meios, isto é os laços que unem homens e mulhe-res em grupo dando-lhes identidade. O avanço do cristianismo com as missões, a despeito de em muitos casos ter fornecido um elemento de contraposição à ordem colonial, foi inegavelmente um destes fatores de desagregação. Ignorou as particularidades culturais e reforçou a ignorância européia acerca das culturas locais, acirrando a proscrição de manifestações religiosas autóctones, demonizando a “feitiçaria” – noção, que de resto, é européia – e as divindades ancestrais, atacan-do o culto dos mortos – e com isso quase soterrando a noção de ancestralidade. A introdução do ensino europeu, às vezes também no âmbito das missões, é mais um dado a ser considerado, pois reforça a dominação na medida que contribui para a instituição de caracteres culturais europeus como as novas línguas ofi ciais, que a princípio serão apanágio dos nativos inseridos nas elites administrativas, aprofundando as desigualdades e os atritos no interior das sociedades coloniais. Quando o novo colonialismo integrou o nativo à rede de consumo não deixou de semear o mal; as armas de fogo – que se proporcionaram a resistência emalguns casos, tornaram as lutas inter-nas extremamente mais mortíferas – e o álcool são os mais destacados exemplos de integração negativa das populações ao mundo das compras. E como se não bastasse, mais tarde, ao desatar os nós da dominação, contribuiriam para piorar a situação com a instalação de crises políticas duradouras, como nos casos de Angola e Sudão.

E como os europeus conquistaram com relativa – e impressionante – facilidade o conti-nente africano? Primeiro é de se destacar o desnível tecnológico entre uns e outros. Mesmo nas situações em que os europeus tiveram que enfrentar africanos armados o desnível ainda era muito

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grande, uma vez que as armas portadas pelos nativos eram em muito inferiores às empunhadas pelos europeus – e a luta era desigual mesmo quando não era de fuzis contra metralhadoras. E nisso, um outro desnível merece registro: é o das trocas efetuadas entre os mercadores africanos e os europeus até então, o que podia ser percebido na qualidade inferior dos produtos disponi-bilizados pelos europeus no comércio com os africanos, daí a diferença de armamento – que era fornecido aos africanos por mercadores europeus. Um outro fato que nos ajuda a entender a rápida expansão colonial neste período é o avanço dos conhecimentos em Química, que aplica-dos à medicina – na formulação de remédios – proporcionaram o avanço para o interior, antes muito mais complicado pelo risco das doenças tropicais. Além disso, outro fator importante é o conhecimento que acumularam, graças aos exploradores – muitos dos quais eram clandestinos – e missionários; graças a esses homens, seus relatórios e memórias, o europeu médio sabia muito mais a respeito do africano (e seu continente) do que este sabia daquele, o que não quer dizer que se tratava de conhecimentos absolutos – o preconceito continuaria, ainda hoje, a informar as visões a respeito da África.

Um outro fator é a ausência de redes de solidariedade entre os Estados africanos, envolvi-dos, antes, em redes de rivalidades e confl itos; se a união faz a força, a desunião é sinônimo de fragilização. Como se explica essa falta de coesão interestadual? Ora, para além das diferenças entre os diferentes Estados africanos, um fato deve ser notado: ainda não havia se desenvolvido o que chamamos de africanidade, o senso de pertencimento a uma unidade africana e daí a soli-dariedade proporcionada por essa unidade. A própria idéia de África era muito mais presente para o europeu do que para o africano médio. É só no desenvolvimento das lutas anti-colonais que se desenvolve o que conhecemos por pan-africanismo. Mas isso é assunto para outra ocasião.

A INVESTIDA IMPERIALISTA NA ÁSIA

Em 1815, os ingleses instauram o protetorado sobre a Índia, onde já se faziam presentes desde o século XVII, por meio da atuação da Companhia das Índias Orientais, que superou a concorrência francesa, dominando a região por meio das estruturas mercantilistas. Àquela altura a Índia ainda era basicamente um mosaico de Estados – cerca de 700 – nominalmente subordi-nados aos imperadores mongóis, residentes em Nova Délhi, a sede do poder político. A estrutura econômica era predominantemente agrícola, baseada em comunidades aldeãs. Com o protetora-do, o controle da administração passa a ser compartilhado pela Coroa com a Companhia, sobre-pondo-se ambas a um governador geral nomeado pela primeira. O domínio é impreciso, aliás os domínios são imprecisos. A Índia não existe ainda senão no imaginário mongol. De modo lento,

Não há poder na Índia, mas o poder da espada, e esta é a espada britânica, e não outra.

(Philip Francis, citado em MUKERJHEE, Rundragshu. “Sa-tan let loose upon Earth”: The Kampur massacres in India in the

Revolt of 1857. Past and Present, n° 128, ago. 1990, p. 93)

espada, e

hu. “Sa-n the 93)

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“De fato, o peculiar agravamento dos massacres de Cawnpore [Kanpur] é este, a ação foi consumada por uma raça submetida – por homens negros que ousaram derra-mar o sangue de seus senhores e o de suas pobres mulheres e crianças indefesas. Aqui não temos apenas, combinadas, uma guerra de servos e uma espécie de Jacquerie4, mas uma guerra de religião, uma guerra de raça e uma guerra de vingança, esperança e preparação nacional para livrar-se da dominação estrangeira e restabelecer o pleno poder dos chefes nativos, bem como o pleno domínio das religiões nativas... Sejam quais forem as causas dolevante e da revolta, é sufi cientemente claro que um dos modos pelos dos líderes, como se por instinto comum, determinaram que se atinja seu fi m foi a destruição de cada homem, mulher ou criança brancos que caia em suas mãos”.

(RUSSEL, W. H.. My Indian Mutiny Diary, New York, ed. M. Edwards, 1970, pp. 29-30)

e

e sem qualquer planejamento mais elaborado, os britânicos vão estendendo os domínios na re-gião. Só depois da Revolta dos Cipaios (1857-1859) a situação se modifi caria. A revolta teria sido iniciada em Bengala na noite do dia 4 de junho de 1857 por soldados nativos do exército colonial – os cipaios – que abandonaram seus postos atirando contra cidadãos britânicos e queimando suas residências. A razão imediata estava nos rumores de que os cartuchos dos rifl es Enfi eld, recentemente incorporados a seu armamento, eram lubrifi cados com gordura animal – e o que é pior, gordura de vaca. Como se sabe, trata-se de um animal sagrado para os hindus. Portanto, estava posta uma das justifi cativas para a rebelião contra o governo britânico, especialmente contra a Companhia, e contra todo e qualquer europeu, prontamente identifi cado com o poder colonial. Mas, outras razões estão nas raízes do confl ito. Uma delas é a crescente anglicização do modo de vida indiano, com a qual os britânicos violaram tudo o que havia de mais caro e sagrado para os hindus, com medidas como a introdução do Plano Macaulay de instrução pública, que ao mesmo tempo em que proscrevia os ensinamentos dos brâmanes3 implicava no avanço dos missionários – e do cristianismo anglicano – sobre o campo da educação, a proibição dos sacri-fícios, inclusive humanos, e dos suicídios religiosos – os satis –, paralelamente à introdução de inventos considerados maléfi cos pelos hindus, a exemplo do telégrafo. E isso explica porque a rebelião não se restringiu a um motim militar, isto é não parou no levante dos cipaios, alastrou-se por todo o Norte e as margens do Ganges, unindo toda a sorte de indianos contra os soldados da Companhia das Índias Orientais. Outra razão reside na política de colonização permanente adotada por James Andrew Broun-Ramsay, o Lord Dalhousie, governador-geral a partir de 1848. As taxas e impostos foram elevadas a tal ponto que a situação econômica de muitos camponeses e Zamindares – pequenos e médios proprietários – se degradou. A invasão dos produtos britâ-nicos colocava uma competição desigual, empurrando os produtos artesanais e os artesãos para a margem do mercado indiano. A fome tornava-se companheira de muitos. Junte-se o ódio que os britânicos lançavam contra si ao adotarem expedientes brutais de punição dos desviantes; um desses expedientes consistia em pôr o condenado em um canhão e atirá-lo como se fosse uma bala, destroçando-o por sobre as testemunhas. O próprio modo como os ofi ciais britânicos tra-tavam os cipaios – “como se estes fossem animais”, registrou uma testemunha ocular –, já é uma razão. Temos então um conjunto sufi cientemente forte de razões para o descontentamento com as autoridades coloniais e com os britânicos em geral. Veja, abaixo, um pouco mais do que nossa testemunha ocular da Revolta dos Cipaios anotou em seu diário:

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Contudo, se foi relativamente generalizada, a revolta não foi organizada, bem planejada. Trata-se de um conjunto não coordenado de manifestações de muitos e dispares grupos que por diversas razões, dentre as citadas acima, se chocaram com o poder britânico. Esses grupos con-seguiram algumas vitórias no início da luta, mas terminaram derrotados. O episódio e o subse-qüente restabelecimento do poder britânico foram marcados por cenas de violência sem qualquer paralelo na história do domínio britânico sobre a Índia. E a situação desse domínio mudou con-sideravelmente. Primeiro, a Coroa assumiu o completo controle da administração, suprimindo a Companhia ainda em 1858 e transformando, três anos mais tarde, o governador-geral em vice-rei, subordinando-o a um secretário de Estado encarregado dos assuntos indianos, que tem o poder de nomear independentemente do Parlamento os governadores de Bombaim e Madrasta. Os principais postos da estrutura administrativa passam defi nitivamente para o controle inglês, restando aos indianos os postos subalternos e a possibilidade de ocupar os cargos de direção no Civil Service, o que só era possível mediante aprovação em exames realizados na Grã-Bretanha. De onde se infere um aumento do fosso cultural entre as elites administrativas indianas – educa-das nas universidades – e o campesinato, predominantemente iletrado – e não somente quanto ao inglês. E é sobre este setor que recai o peso do fi sco colonial, que serve, dentre outras coisas, para pagar a educação daquele outro setor. Reduz-se o número de nativos no exército indiano – embora continuem a perfazer a maioria dos contingentes. Mantêm-se os príncipes nativos – os rajás – sob obediência, que se fosse violada daria lugar ao direito de intervenção da Coroa britâ-nica, queimpõe ao conjunto as diretrizes que informam a política e regulamentam a sociedade, como as tenancy acts, pelas quais se tentou impedir a voracidade com que os grandes e médios proprietários avançavam sobre as terras dos pequenos.

Mas os privilégios conferidos aos rajás, bem como a inoperância de certas imposições bri-tânicas – como o consent act (1890) que impedia o casamento antes dos 12 anos - faz com que pelo menos eles não se interessem pelo caminho dos desviantes, preferem a obediência à Rainha Vitória e à Grã-Bretanha. A mão armada da autoridade colonial bem como alguma popularidade que esta angariou com medidas com a introdução de algumas melhorias – como a criação de can-tinas públicas e hospitais – cuidariam do resto. Algum tempo mais se passaria até que tudo mudasse, mas esse já é um daqueles assuntos que fi carão para uma outra ocasião.

A China do início do século XIX é go-vernada pela dinastia manchu, instalada no poder desde a queda dos mongóis, no século anterior. O Ta Tsing Chuo (“Grande e Puro Império”), Tchung Cuo (“Terra do Meio”), é o maior de todos os Estados asiáticos, englo-bando, além da China em si, as terras da Mon-gólia, do Sin-Kiang e do Tibet. O imperador – o Huang Ti (“Aquele que conhece o Bem”) – é o portador e controlador das prescrições, algumas das quais são milenares, é o maior dos guardiões da tradição; mora na Cidade Proibida, recanto hermeticamente fechado5 de Pequim, relativamente protegido e convenientemente vi-giado pelas Bandeiras, guarnições militares que respondem pela ordem provincial e, conseqüen-temente, imperial, ocupando e dominando o território de alto a baixo de modo a se constituir no maior dos poderes – ofi ciais – dentro do Império Celeste. Mas não estão sozinhas em termos

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de poder. Inúmeros grupos, como a Tiandihui (“Sociedade do Céu e da Terra”), constituem-se em focos de poder que escapam ao controle imperial, ameaçando – os mandarins são escolhidos mediante provas escritas cujas exigências dirigemse à memória dos candidatos, a ela tem que se resumir a inteligência; daí se entende o formalismo que, de resto, está completamente de acordo com o valor da tradição para o Estado e a sociedade imperial. Qualquer pessoa letrada pode se submeter aos exames, podendo até mesmo chegar a vice-rei. Ocupar esse ou qualquer outro pos-to da burocracia equivale a estar mais perto das honrarias, privilégios, e, sobretudo, do dinheiro que a venalidade trazia. Ser um grande proprietário era um outro modo de ter poder, um poder que poderia ser ampliado a cada expropriação, a cada família de pequenos proprietários expulsa oumassacrada. E esse era o destino dos pequenos proprietários.

Xenófobos, os habitantes do Império Celeste expressavam verdadeiro desprezo pelos es-trangeiros, os “diabos brancos”. Desconfi ados, e com razão, mantinham intensa vigilância na fronteira com a Rússia, sempre ambiciosa, principalmente no que concerne às férteis planícies da Manchúria. Contudo, mesmo xenófobos, permitiram uma brecha para os estrangeiros em seu mercado, uma brecha pequena e bastante restrita. O comércio com o exterior era feito apenas pelo porto de Guangzhou (Cantão) era monopólio do Co-Hong, uma espécie de companhia de comércio, os ocidentais não tinham liberdade de trânsito no território chinês, existiam locais re-servados à sua permanência, permanência esta que além de restrita geografi camente também era onerada com interdições como a que recaia sobre os europeus de levarem consigo suas esposas – ou qualquer outra mulher que não as prostitutas extra-ofi cialmente liberadas por autoridades locais. Entretanto, a partir desta, outras brechas – e essas eram quase invisíveis – se abriram. E por elas se instituiu o contrabando de prata, cujos principais benefi ciários eram os britânicos, e ao qual as autoridades imperiais responderam com a destruição de caixas de ópio, droga que, a despeito da ilegalidade, os súditos da Rainha Vitória vendiam em grandes quantidades aos súditos do Huang Ti.

Os ingleses contra-atacaram bloqueando Cantão e bombardeando Pequim, penetrando à força a China após a Guerra do Ópio (1839-1842, ver box abaixo), dando ao povo chinês algu-mas amostra de seu poderio com a imposição dos Tratados Desiguais, dentre os quais o Tra-tado de Nanquim (1842), que impunha ao Império a abertura de 5 portos, o fi m do monopólio do Co-Hong e o pagamento de uma indenização de guerra. Em 1856 e 1858 ocorreriam outras guerras, conhecidas como conti-nuações da primeira. Em 1860 os britânicos impuseram o Tratado de Pequim determinava a aber-tura de mais 11 portos, o paga-mento de indenizações de guerra, a instituição da extraterritorialidade (leis chinesas não se aplicavam a ingleses) e a livre circulação de missionários e comerciantes. Acatados pela dinastia Tsing esses tratados abriram as portas da mais promissora reserva comercial do planeta a uma nação cheia da mais pura ética protes-tante, do mais puro espírito do capitalismo, e, dentre outros produtos, muito ópio para vender. Abriam-se novas e profundas feridas no grande corpo social chinês. Graças à penetração forçada

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dos ocidentais, tornara-se evidente que o poderio dos soberanos manchus já não era tão grande. Não só os ingleses impuseram aos chineses as receitas da política imperialista, como também os franceses, através do Tratado de Wampoa, e os Estados Unidos, com o Tratado de Wanghia, am-bos impostos aos chineses em 1844. Entretanto tal evidência – no plano da política internacional – da fraqueza manchu contrastava com a continuada opressão exercida sobre o povo chinês. Tal opressão passaria agora a ser enxergada não apenas nos termos habituais mas também em ter-mos de opressão européia, uma vez que a manutenção da ordem agora não era simplesmente a manutenção de uma ordem manchu, e sim, a de uma ordem manchu e inglesa, marcada pela con-

cessão de privilégios - desonrosos - a estes últimos. Daí a ocorrência de movimentos como o Taiping, que durou de 1850 a 1864 e a Revolta dos

Boxers, entre 1900 e 1901 (ver material AVA). A Guerra do Ópio está intimamente ligada ao processo de subor-dinação do comércio e da política chinesa à órbita dos

interesses ingleses. Tudo começou quando o imperador chinês Daoguang mandou Lin Zexu, um de seus comissários imperiais, à cidade de Cantão com o intuito de reprimir o tráfi co de ópio, feito pelos ingleses a despeito da proibição imperial (3 de 9 milhões delibras esterlinas arrecadadas pelo comércio inglês no ExtremoOriente, incluindo o comércio com a Índia, provinham do tráfi co de ópio para a China).

Em Cantão, Lin Zexu ordenou a apreensão e queima de mais de 20 mil caixotes da droga, o que equivale a mais de um milhão de quilos. A isso o governo britânico, alegando o direito à “justa compensação” pelas atroci-

dades e perdas, respondeu com a declaração de guerra e o envio em 1839 de uma força expedicionária contra a China. A guerra terminou

em 1842 com a vitória britânica da qual derivam os tratados desiguais, que além de abrirem o comércio chinês aos britânicos – e depois a outras nações– colocaram a China no raio de infl u-ência política inglesa, daí deriva, por exemplo, a questão de Hong Kong, que permaneceu sob a jurisdição do governo britânico até o dia 1° de julho de 1997, quandovoltou, em termos relativos, ao âmbito do controle da China.

Unifi cado em 1603 por Ieyasu, primeiro imperador e fundador da dinastia (e da Era) Toku-gawa, o Japão era, até sua abertura forçada, um outro canto do continente asiático bem pouco suscetível ao contato com o Ocidente. No alto da estrutura política, o imperador exercia o mika-do, expressão máxima do poder político no arquipélago. Abaixo se situavam os nobres (daimiôs), proprietários de grandes extensões de terras cultiváveis, que não podiam, entretanto, ser vendi-das. Estes, por vezes, ancoravam sua atuação na força dos samurais (bushis); esses guerreiros, que tanto fascinam os estudantes, sobretudo os maisjovens, eram temidos pela perícia no uso das armas de metal, especialmente os dois sabres recurvos, cujo uso era privilégio exclusivo. E no meio, mas em termosde poder acima tanto do mikado quanto dos daimiôs, estava o xogum ou bakufu. A ele competiam poderes sufi cientes à manutenção de uma severa regulamentação social, que se garantia a coesão impedia o desenvolvimento. Garantia a coesão na medida que manti-nha o camponeses e os daimiôs, com seus bushis, sob controle; aqueles pela garantia do direito à subsistência – concretizada na manutenção de celeiros públicos responsáveis pela distribuição de arroz aos mais necessitados, por exemplo – e os últimos pelas restrições ao uso da terra e a restrição da mobilidade dos samurais, que eram obrigados a permanecer na cidade de Iedo (atual

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Tóquio), sede do xogunato, um em cada dois anos, com a obrigação adicional de deixar pelo me-nos um refém nos anos de ausência.

Entretanto, os xoguns não são absolutos; há brechas no poder. E nelas se assentam ele-mentos como os xonins, comerciantes privilegiados e cambistas que crescem com a especulação fi nanceira e comercial – proporcionada pelo controle do mercado do arroz.

Em 1854, quando os Estados Unidos, à força das armas da esquadra do Comodoro Perry, impõem o Tratado de Kanagawa - que abre os portos de Shimoda e Hakodate -, o xogunato está mais do que nunca em crise. E a alta do custo de vida é um acelerador. O êxodo rural aumenta as difi culdades de abastecimento. Revoltados com a situação de crescente desigualdade, o povo e os samurais vinham investindo desde a década de 1830 contra os xonins, que para além do exercício pernicioso da especulação comercial e do contrabando – que desafi ava a autoridade xogunal – há algum tempo vinham se tornando também proprietários rurais – mediante o endividamento de daimiôs e pequenos camponeses. Por outro lado, os daimiôs não se cansam de resistir ao poder do bakufu. Há quem, como os senhores dos clãs Mito, Chiochiu e Satsuma, apregoe a restauração de um Japão verdadeiramente imperial. E a traumática chegada dos ocidentais só contribuiu para apressar a última hora do velho regime.

Logo após os estadunidenses vieram os ingleses e os russos, que com seus consecutivos tratados desiguais agravaram a condição econômica que já não era boa, uma vez que não só puse-ram em jogo uma concorrência que a maioria dos comerciantes e artesãos japoneses não poderia enfrentar, como também implicou na evasão de divisas sob o peso das importações. Como se não bastasse, um outro problema é criado a partir da abertura aos ocidentais: um processo infl acio-nário gerado pelo aumento do ouro no meio circulante japonês. Isso porque no Japão a relação entre o ouro e a prata no câmbio era de 8 porções de ouro para 1 de prata,bem abaixo da média global que era de 15 para 1, assim trocar ouro por prata no Japão era extremamente lucrativo para os estrangeiros. A infl ação aurífera gerou uma série de falências, além da carestia. Um dos resultados complicadores foi a ampliação do banditismo, inclusive entre os samurais. Enfi m, se, por um lado, os tratados desiguais e seus resultados contribuem para aumentar a já acentuada xenofobia japonesa, por outro contribuem para a queda do xogunato à medida que engrossam o coro dos descontentes.

Entretanto, se a presença ocidental elevou a xenofobia, na inicial ausência de forças sufi -cientes a reação se deu justamente a partir da assimilação japonesade elementos da cultura e da política ocidentais. Em 1868 encerra-se a Era Tempô e, até 1912, desenrola-se a Era Meiji, na qual ocorre uma série de mudanças que caracterizam o que se costuma chamar de Revolução Meiji. Umprimeiro fato a ser levado em consideração é a abertura cultural do Japão ao Ocidente: além dos estudantes que vão por conta de seus pais para as universidades estadunidenses e européias, há também as missões de estudo enviadas à Europa e aos Estados Unidos, pelo governo, para se instruir em toda a sorte de assuntos, daí derivam não só implicações culturais como também mudanças fundamentais na organização do poder. Uma primeira é a supressão da distinção de castas. Outra é a transformação da casta dos daimiôs em uma espécie de nobreza cujos cabeças encontram-se a serviço do Estado através do genrô – espécie de conselho administrativo –, em paralelo à transformação da pequena nobreza em uma classe de comerciantes, os xizobu, inse-ridos em companhias sob o controle do Estado. Com isso, desaparece, em 1867, também, uma outra estrutura política tradicional: o xogunato. A proscrição dos samurais implica na destruição de um poder particularista e a outorga do monopólio da violência ao Estado japonês. Em 1872 institui-se a liberdade religiosa e o xintoísmo deixa de ser a religião do Estado. O sentimento

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Eis o conteúdo da Carta dos Cinco Artigos:

“I – Será convocada uma Assembléia, em bases bem am-plas, dando assim importância à opinião pública;

II – O bem-estar de toda a Nação será objeto dos esforços in-cessantes ao mesmo tempo dos governantes e dos governados;

III – Todos os súditos, funcionários civis e militares, bem como o resto do povo, darão o melhor de si e jamais se cansarão de perseguir seus objetivos legítimos;

IV – Todos os usos absurdos serão abandonados; a justiça e a retidão regularão todas as ações;

V – O conhecimento será buscado por todo o mundo e as-sim se reforçará o fundamento de nosso Império.”

(PANIKKAR, K. M.. A dominação ocidental na Ásia. Rio de Janeiro, Edi-tora Saga, 1965, p. 221)

nacional é incentivado, especialmente através do ensino elementar, que agora visa, antes de tudo, formar japoneses. A partir de 1889 o mikado promulga uma carta constitucional (que sucede a Carta das Cinco Artigos de 1868) que sustenta o parlamentarismo, sem deixar de submetê-lo ao mikado, ainda sagrado e inviolável, reconhece as liberdades individuais e institui o direito de voto a 500 mil eleitores – um número ainda muito tímido (e composto de um seleto grupo de contribuintes).

A modernização e ampliação da infra-estrutura vão possibilitar não só o vertiginoso cres-cimento urbano – a população urbana passou do ¼ registrado na década de 1890 para mais de 1/3 no início da década seguinte -, criarão condições para o fl orescimento de conglomerados industriais (zaibatsu) como o dos Mitsubishi. Nisso os investimentos em avanço tecnológico, e especialmente no desenvolvimento científi co, têm um papel que não deve ser desprezado. Com eles vem também o fortalecimento do exército que passava agora a contar com armamento simi-lar ao utilizado pelos ocidentais, de onde se instaura uma hegemonia japonesa na região – imedia-tamente visível nas vitórias contra China e Rússia.

Resultado: ainda em julho de 1894, o governo japonês assina uma convenção comercial com os ingleses, iniciando a derrubada dos tratados desiguais. Descontando-se a postura alta-mente preconceituosa que lhe era peculiar, foi certamente pensando na impressionante capaci-dade nipônica de recepção e apropriação do que havia de mais forte nos ocidentais que Rudyard Kipling, autor de O Livro da Jângal (leia e indique a leitura a seus estudantes), registrou a respeito dos japoneses a seguinte impressão: “São homenzinhos maus que são muito espertos”.

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OS CHOQUES INTERNACIONAIS E A POLÍTICA DAS ALIANÇAS

A irrupção da Alemanha no campo de forças da política internacional européia é, em rela-ção a esse aspecto da história, o fato com maiores implicações no período que estamos estudan-do. Como vimos, no decorrer do tema anterior, o processo de unifi cação alemã se fez “a ferro e sangue” bem ao gosto da aristocracia latifundiária daquele país. E o toque fi nal desse processo foi a vitória, em condições humilhantes, sobre a França. Com ela, os alemães concluíram uma impressionante série de demonstrações de força, que deixou até mesmo as nações mais podero-sas “com as barbas de molho”. Daí se fortaleceria uma tendência que marcaria profundamente o destino dos anos que ainda viriam.

Trata-se da política de alianças. Graças a esta, os confl itos travados desde então tinham chances muito maiores de serem coletivos, e com isso abria-se a possibilidade de um confl ito de dimensões globais. Como se um fosse pouco, vieram dois. Mas estes serão abordados em outra ocasião. Vamos nos concentrar agora na conjuntura que os antecedeu.

Já em 1873, os dirigentes de Áustria, Prússia e Rússia reuniram-se na Convenção de São Petersburgo, na qual acertaram uma aliança que previa o esforço conjunto em prol do combate ao socialismo, ao anarquismo e ao republicanismo. Além disso, a aliança implicava na defesa mú-tua, o que quer dizer que se um desses países fosse atacado por um outro qualquer os outros dois sairiam em seu auxílio com homens e armas. Em 1877, Sérvia e Montenegro, Bulgária e Romênia se tornam independentes do Império Turco Otomano (Tratado de Santo Estéfano), o processo contou com o apoio da intervenção russa, desconfi ados e preocupados com a atuação dos russos, os austríacos e os alemães assinam em 1879 um acordo secreto que prevê cooperação dos dois países em caso de invasão russa. Percebendo o estremecimento das relações, os russos provocam em 1881 a assinatura do Tratado dos Três Imperadores, com o qual visava além de restabelecer as garantias do primeiro acordo manter-se a salvo de seus poderosos vizinhos. Em tempo, ex-pliquemos um fato: o império russo era talvez a força mais temida do continente, entretanto os temores não tinham outro fundamento que não o desconhecimento que as demais nações tinham da real força militar russa; em termos simples podemos afi rmar que o império russo era o típico “cão que ladra demais”, amedrontava muito mais pelo tamanho e pela pressão que, graças a isso, exercia sempre sobre adversários mais frágeis ainda, a exemplo da Polônia e do Império Turco Otomano. Daí, a “força” dos russos.

Em 1882, os alemães, junto com os austríacos e os italianos, acertam o Tratado da Tríplice Aliança. Este previa quatro de situações de confl ito, determinando diferentes reações para cada uma delas. Primeiro, se a França atacasse a Itália, partiriam em socorro desta os alemães e os austríacos; depois, se a França atacasse a Alemanha, a Itália deveria socorrer essa última, ao passo que a Áustria não interferiria; se qualquer dos aliados fosse atacado por mais de uma potência, os outros dois interviriam, e se algum dos aliados declarasse guerra a qualquer país, lutaria por conta própria. Esse tratado tem em especial, além do fato de demonstrar o quanto a política internacio-nal se tornara complexa, a entrada da Itália no jogo das potências. O governo italiano, preocupa-do com a fi delidade dos franceses ao papado, temia que estes invadissem seu território a fi m de restituir ao pontífi ce o controle dos Estados papais, subtraído exatamente quando a proteção que as forças de Napoleão III lhe davam foi retirada devido à guerra com os alemães.

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Em 1893, os russos, afastados dos alemães e dos austríacos, se aproximam dos franceses, acertando uma aliança até então impensável, dada a completa falta de afi nidade política entre ambas as nações. Na França os liberais tinham a mais alta voz, ao passo que o império russo mantinha-se aristocrático à moda do Antigo Regime. E isso o afastava não só dos franceses, mas também dos ingleses.

Esses, por sua vez, inimigos históricos dos franceses (lembrem-se, por exemplo, da Guer-ra dos Cem Anos), sentindo a necessidade que os novos tempos impunham –leia-se, diante da ascensão alemã –, deixaram de lado a velha rivalidade e uniram-se àqueles em 1904 na aliança conhecida como Entente Cordial. Essa aliança retira de vez a França do isolamento e representa uma ameaça à qual os alemães vão responder com uma demonstração de força no âmbito das disputas coloniais, com ações que acirrarão a Questão Marroquina. Em 1907, contando com o intermédio francês dá-se a aproximação, antes improvável, de ingleses e russos, concretizada no Tratado da Tríplice Entente, que origina o núcleo de um dos dois blocos que se baterão na Pri-meira Grande Guerra.

Um episódio ocorrido em 1911 quase levou as nações à luta coletiva. Trata-se do incidente de Agadir, evento que representa o ponto culminante da Questão Marroquina, que há algum tempo opunha franceses a alemães em torno da ocupação do Marrocos, que estes queriam no mínimo compartilhar com aqueles.

No referido episódio, os alemães, alegando reagir a danos impingidos pelos franceses, che-garam a enviar um navio armado ao porto de Agadir. Foi preciso o recurso ao arbitramento in-ternacional da questão, possibilitado desde 1899, quando as potências, entendendo que para além das alianças o arbitramento deveria ser também uma preocupação, criaram a Corte Permanente de Arbitramento, que retomava e sistematizava uma velha e positiva prática política, uma vez que o arbitramento de questões internacionais já era feito há muito tempo na Europa. Funcionava da seguinte maneira: uma nação neutra ou o papa era convidado a julgar uma questão entre duas, ou mais, nações e essas acatavam o que fosse decidido (lembremos que a formação territorial do Brasil, por exemplo, contou com alguns arbitramentos). Vale mencionar que desde 1889 se fortalece a preocupação em tornar o arbitramento o primeiro recurso. Nesse ano são criadas, na Exposição Universal – evento em que as nações apresentavam suas realizações culturais e técni-cas –, dois secretariados para fomentar a difusão da idéia. A intenção era tornar o recurso à guerra a última das opções. Assim, crescem os apelos pela limitação de um outro fato que marca esse período: a corrida armamentista.

Desde a unifi cação alemã, um dado passou a fazer parte do senso comum: qualquer nação que tivesse aspirações mais ou menos ligadas ao panorama internacional, mesmo que fosse a sim-ples aspiração de conduzir sua caminhada em direção ao futuro em estado de paz teria que “se armar até os dentes”. Iniciouse então um movimento coletivo no qual as nações, em simultâneo, protagonizaram o que fi cou conhecido como a Paz Armada. Se todo período histórico pudesse ser descrito em um lema, o dessa seria “descanse em armas”, como disse, com ironia refi nada, o jornalista Wickham Steed interpretando com precisão a situação que caracterizava o sistema internacional no fi m do século.

Mas se houvesse um espírito a animar aqueles tempos seria um espírito de enorme resis-tência à paz. O kaiser alemão argumentava que a limitação da política armamentista colocaria a

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Atividade Complementar

nação em risco interno, muito antes da ameaça externa, uma vez que, segundo ele, os anarquis-tas e os democratas estavam à espreita para tomar o poder. Apesar das intenções pacifi stas do presidente Theodor Roosevelt, estadunidenses como o general Homer Lea acreditavam que a arbitragem internacional e a oposição ao armamentismo iam de encontro à necessidade da guerra como meio de resolução dos confl itos entre nações, entendida como uma lei natural. Dizendo de outro modo, opunham-se ao arbitramento e ao desarmamento na medida em que esses feriam o princípio da soberania nacional.

Em 1914, dá-se o ápice da crise balcânica, que já se arrastava desde algum tempo, e fôra piorada com a anexação da Bósnia e da Herzegovina pela Áustria em 1908. Daí, desenrola-se uma série de episódios que culminaria com o assassinato do príncipe e arquiduque austríaco Franz Ferdinand em 28 de junho de 1914 por Gavrilo Princip, um ativista da Mão Negra, uma das múl-tiplas organizações para-militares de libertação nacional da Sérvia, que recorriam inclusive a um expediente muito conhecido em nosso tempo: o terrorismo. O que se assiste a partir daí é algo como um efeito dominó: um mês depois, aos 28 de julho, a Áustria declara guerra à Sérvia, dois dias depois a Rússia sai em defesa da Sérvia e declara guerra à Áustria, no dia 1° de agosto a Ale-manha sai em defesa da Áustria e declara guerra à Rússia, no dia 03 de agosto a França sai em defesa da Rússia e declara guerra à Ale-manha, no dia 04 de agosto a In-glaterra também declara guerra à Alemanha, o continente estava en-fi m em guerra. E as conseqüências desta se fariam sentir ainda por muito tempo – dando vez, inclusi-ve, a uma segunda grande confl a-gração. Mas, outra vez temos um assunto que deverá ser discutido em um futuro próximo.

Explique em que consiste o imperialismo, ressaltando uma das características do contex-1. to histórico em que esse fenômeno surgiu e se desenvolveu.

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A partilha da África é um dos eventos mais impressionantes e marcantes da história con-2. temporânea. Justifi que essa afi rmativa discutindo brevemente dois fatos relacionados ao evento em questão.

Faça uma pequena pesquisa sobre a questão de Hong Kong, procurando compreender, 3. especialmente, qual o seu atual status. Exponha seus achados de forma sucinta.

O que você sabe sobre Macau? Faça uma pesquisa sobre essa região administrativa da 4. China e resuma seus achados no espaço abaixo.

Faça uma pesquisa sobre a “Mão Negra” e exponha abaixo, de forma resumida, os re-5. sultados de sua pesquisa.

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ANOTAÇÕESANOTAÇÕES

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