01326205 Condenação Direta No Cível Punk Rock

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO ............... , ..................... *01326205* Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n e 189.703-4/3-00, da Comarca de SANTO ANDRÉ, em que são apelantes GILVAN MARQUES DA SILVA (POR SEU CURADOR ESPECIAL) E OUTRO sendo apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO: ACORDAM, em Oitava Câmara "A" de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO EM PARTE AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOAQUIM GARCIA (Presidente, sem voto), RAMON MATEO JÚNIOR e FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ. São Paulo, 14 de março de 2007. RANDOLFO FERRAZ DE CAMPOS Relator

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA

REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO ...............,.....................

*01326205*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de

APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO ne 189.703-4/3-00, da Comarca de

SANTO ANDRÉ, em que são apelantes GILVAN MARQUES DA SILVA

(POR SEU CURADOR ESPECIAL) E OUTRO sendo apelado o MINISTÉRIO

PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO:

ACORDAM, em Oitava Câmara "A" de Direito Privado

do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a

seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO EM PARTE AO RECURSO,

V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra

este acórdão.

O julgamento teve a participação dos

Desembargadores JOAQUIM GARCIA (Presidente, sem voto), RAMON

MATEO JÚNIOR e FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ.

São Paulo, 14 de março de 2007.

RANDOLFO FERRAZ DE CAMPOS Relator

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

8a Câmara 'A' - Seção de Direito Privado

Apelação c/ Revisão n° 189.703.4/3-00 Comarca: Santo André Apte(s).: Gilvan Marques da Silva e Vinicius Gaiotto Mauro Apdo(a) (s) .: Ministério Público do Estado de São Paulo

Voto n° 645

PROCESSUAL CIVIL. Inépcia da petição inicial e ilegitimidade ad causam do Ministério Público para ajuizar ação civil ex dellcto. Arguições que não procedem ante o prescrito pelo art. 68, c.c. art. 32, § Io, ambos do C.P.P., anotando-se que se presume ter ocorrido a respeito a insuficiência dos serviços públicos de assistência judiciária oferecidos pelo Estado ou por entidades a ele conveniadas para seu ajuizamento por advogado ou defensor público.

RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos materiais e morais. Vitima de disparos de arma de fogo. Provas produzidas no bojo do inquérito e do processo criminais que aqui podem ser utilizadas como provas emprestadas na categoria de provas documentais já que produzidas foram sob o crivo do contraditório e da ampla defesa no que tange ao processo criminal que contou com a atuação da defesa de ambos os apelantes. Acolhimento da ação para responsabilizar civilmente os apelantes, por corolário, correto, ainda que tenha o Juízo a quo adotado para tanto premissa equivocada. Aplicação dos princípios iura novlt cúria e da mihi factwn, dabo fcibi ius. Indenização devida, exceto quanto a despesas de tratamento médico e hospitalar supostamente realizadas por não comprovadas, adotando-se como base de cálculo da pensão um salário mínimo. Recurso de apelação provido em parte.

Trata-se de apelação interposta pelos réus

contra respeitável sentença (fls .̂ -̂ 57/4 60) que julgou procedente ação de

Apelação c/ Revisão n° 189.703.4/3-00 - Santo André - Voto n. 645

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conhecimento para condená-los a pagar a Antônio Marcos de Souza Silva,

representado pelo autor, verbas indenizatórias diversas (despesas

decorrentes de tratamento médico "... bem como por lucros cessantes";

pensão mensal "... correspondente ao valor médio dos últimos 24

rendimentos mensais do autor, devidamente corrigidos, até a data em que

completar 65 anos"; e quantia equivalente a cem salários mínimos

pertinente ao dano moral).

Asseveram os apelantes, após resumir o

conteúdo da petição inicial e da contestação e repisar preliminares

argüidas nesta última peça acerca da ilegitimidade ad causam ativa do

Ministério Público do Estado de São Paulo e de inépcia da petição inicial

pelo motivo mesmo da ilegitimidade arguida, que: "... inexiste nesses

autos quaisquer comprovações eficazes do delito criminal atribuído aos

apelantes"; as indenizações pleiteadas e acolhidas pelo Juizo a quo são

excessivas para pessoas pobres pagarem; e não foram condenados

definitivamente pelo crime que lhes foi imputado em que teria sido vitima

Antônio Marcos de Souza Silva, tendo-se equivocado o Juízo a quo ao dar

por proferida sentença criminal condenatoria quando apenas se proferiu

sentença de pronúncia, o que torna nulo o decisum apelado. Pede,

destarte, a declaração de nulidade da sentença e, caso assim não se

entenda, sua reforma para julgar-se improcedente a ação.

Contra-razões foram apresentadas a fls.

474/477, pugnando-se nelas pela mantença da sentença.

O recurso é tempestivo e foi o seu preparo

dispensado por serem os apelantes representados por curador especial.

A Procuradoria de Justiça opinou, nesta Corte,

pelo não provimento do recurso.

A fls. 4 92, foi exarado despacho pelo qual se

determinou a juntada de documentos com ciência ao senhor Curador Especial

dos apelantes e à Procuradoria de Justiça.

Apelação c/ Revisão n° 189.703.4/3-00 - Santo André - Voto n. 645

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É o r e l a t ó r i o que s e a c r e s c e n t a ao da

r e s p e i t á v e l s e n t e n ç a a p e l a d a .

I

1. Ab initio, faço observar que preparo não se

há exigir in casu, porquanto foi a apelação interposta por curador

especial nomeado nos termos do art. 9o, II, do C.P.C., e, conforme

alhures se decidiu, "o preparo não é exigível no caso de recurso

interposto por curador especial, nomeado de acordo com o art. 9o, II do

CPC, já que em exercício de função institucional da Defensoria Pública,

defende pessoa considerada necessitada, nos termos de tal dispositivo"

(STJ, REsp. 511.805/MG, Ia T., Rei. Min. Teori Albino Zavascki, v.u., j.

17.8.2006, DJU 31.8.2006, pág. 198).

2. Bem assim, acerca da alegada ilegitimidade ad

causam ativa do Ministério Público (e, por conseguinte, também a respeito

da inépcia da petição inicial arguida pelo mesmo motivo), razão não

assiste aos apelantes, porquanto agiu aquele escudado no art. 68, c.c.

art. 32, § Io, ambos do C.P.P., sendo que o documento de fls. 15, datado

de 29 de outubro de 1998, atesta a condição de pobreza da genitora do seu

filho Antônio Marcos de Souza Silva, então com dezesseis anos de idade,

condição que, por certo, a ele se estendia.

3. A respeito, pondere-se, é pacifica a

jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de

admitir-se a legitimidade ad causam ativa do Ministério Público para

ajuizar ação civil ex delicto, presumindo-se ter ocorrido a respeito a

insuficiência dos serviços públicos de assistência judiciária oferecidos

pelo Estado ou por entidades a ele conveniadas, de que dá exemplo o

seguinte precedente, m verbis:

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO 'EX DELICTO'. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFENSORIA PÚBLICA. INSUFICIÊNCIA DOS SERVIÇOS PRESTADOS À COMUNIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA. A jurisprudência desta Cprte é pacífica quanto à legitimação

Apelação c/ Revisão n° 189.703.4/3^80 - Santo Anote - Voto n. 645

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extraordinária do Ministério Público para promover, como substituto processual, a ação de indenização 'ex delicto' em favor do necessitado quando, embora existente no Estado, os serviços da Defensoria Pública não se mostram suficientes para a efetiva defesa da vítima carente. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no Ag 509.967/GO, 4 a T., Rei. Min. Barros Monteiro, v.u., j. 12.12.2005, DJU 20.3.005, pág. 2761) .

II

4. Razão assiste aos apelantes ao aduzirem ter-

se equivocado o Juizo a quo ao acolher a ação proposta sob a premissa de

haver "... no caso vertente sentença judicial transita em julgado na

esfera criminal, o que constitui prova suficiente para prolação de

sentença favorável às pretensões do autor" (fls. 459), porquanto,

conforme demonstra o documento de fls. 455, até 15 de março de 2000

(cabendo anotar que a sentença ora em apreciação foi proferida em 3 de

1 Do voto proferido pelo senhor Relator colhem-se, ainda, os precedentes adiante arrolados: "Diversamente do alegado pela ora agravante, a jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à legitimidade extraordinária do Ministério Público para promover, como substituto processual, a ação de indenização ex delicto em favor do necessitado quando, embora existente no Estado, os serviços da Defensoria Pública não se mostram suficientes para a efetiva defesa da vítima carente. Nesse sentido, acórdão de minha relatoria, assim ementado: 'AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EX DELICTO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. INSUFICIÊNCIA DOS SERVIÇOS. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação de indenização de dano causado por ato ilícito, tratando-se de vítima pobre e inexistindo serviço de assistência judiciária com organização suficiente para atender à demanda. Precedentes: REsps n°s. 134.736-MG e 68.275-MG. Recurso especial não conhecido' (REsp 94.822MG). Confiram-se ainda os seguintes julgados: 'MINISTÉRIO PUBLICO. AÇÃO EX DELICTO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. SUBSTITUTO PROCESSUAL. O MINISTÉRIO PUBLICO TEM LEGITIMIDADE PARA PROMOVER, COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL DO NECESSITADO, A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EX DELICTO, PRESUMINDO-SE QUE A SUA INTERVENÇÃO DECORRA DA INSUFICIÊNCIA DOS SERVIÇOS DE DEFENSORIA PUBLICA. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. ART. 68 DO CPP. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO' (REsp 134.73&MG, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar) 'Constitucional. Processual Civil e Penal. Ação Civil Ex Delicto. Legitimidade ativa do Ministério Público. Substituição processual do hipossuficiente. Processo de inconstitucionalidade progressiva da norma. Precedentes. Em face da inconstitucionalidade progressiva da norma estatuída no art. 68 do CPP, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público, com supedáneo na redação atual do inciso IX do art. 129 da CF, ainda detém legitimidade ativa extraordinária e concorrente para propor ação civil ex delicto em prol de vitima carente' (AgREsp 289.03OMG, relatora Ministra. Nancy Andnghi). 'MINISTÉRIO PÚBLICO. Legitimidade ativa. Substituição processual. Ação de indenização ex-delicto. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação de indenização de dano causado por ato ilícito, sendo a vitima pobre e inexistindo serviço de assistênefièjurídica com organização suficiente para atender à demanda. Preliminares rejeitadas. Recurso conheciqofc provido' (REsp 68.275MG, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar)" jf ^ \

Apelação c/ Revisão n° 189.703.4/3-00 - Santo André - Voto n. 645

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abril de 2000), sequer sentença criminal de pronúncia proferida havia

sido contra os apelantes no processo criminal instaurado em que se lhes

imputou a prática de homicidio doloso qualificado tentado (autos n.

3.038/98, Vara do Júri e de Execuções Criminais da Comarca de Santo

André; cópia de denúncia a fls. 20/22) e, de fato, as certidões judiciais

emanadas daquele processo criminal juntadas por cópia a fls. 503 e 504,

datadas de 26 de maio de 2006, demonstram que a pronúncia somente foi

proferida em 26 de junho de 2000 ao passo que, dos apelantes, apenas um

(Vinicius Gaiotto Mauro) foi submetido a julgamento pelo Tribunal do

Júri, nele vindo a ser absolvido, absolvição esta que, contudo, anulada

foi em grau de apelação (conforme, ainda, cópia do Venerando Acórdão de

fls. 495/502 proferido pela Colenda 4a Câmara Criminal deste Tribunal de

que foi relator o eminente Desembargador Hélio de Freitas).

5. Ocorre que, embora por fundamentação

equivocada, não comporta a respeitável sentença questionamento (salvo as

ressalvas adiante especificadas) quanto ao co-apelante Gilvan Marques da

Silva, pois, ainda que não tenha sido condenado na esfera criminal

definitivamente, é ele confesso quanto a ter realmente perpetrado o crime

que lhe foi imputado na denúncia ofertada pelo Ministério Público e do

qual foi vitima, além de outros dois, Antônio Marcos de Souza Silva,

confissão esta que fez ele em juizo no processo criminal instaurado (fls.

213 verso), _m verbis: "os fatos descritos na denúncia são verdadeiros.

Confesso que matei a vítima Jorge Augusto Pereira da Silva e que tentei

matar outras duas pessoas cujos nomes eu não me recordo".

6. Mencionada confissão, é mister acrescentar,

foi corroborada também pelo reconhecimento do co-apelante Gilvan Marques

da Silva como autor dos disparos que mataram uma e feriram outras duas

pessoas (dentre elas, Antônio Marcos de Souza Silva a favor de quem se

ajuizou a ação civil ex delicto acolhida por sentença que impugnada foi

pela apelação ora em apreciação), o qual fizeram tanto dita vitima

Antônio como a outra vitima sobrevivente, Carlos Alberto dos Santos

Apelação c/ Revisão n° 189.703.4/3-00 - SantoÃrrdré - Voto n. 645

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(conforme documentos de fls. 114, 115, 167 e 169 - reconhecimentos

fotográficos feitos por Antônio e Carlos Alberto perante a autoridade

policial por duas vezes cada um -, 195 - reconhecimentos pessoais feitos

pelas mesmas vitimas perante a autoridade policial -, 278 e 290

depoimentos judiciais das vitimas aludidas confirmando ter sido Gilvan o

autor dos disparos de arma de fogo).

7. Descabe, portanto, falar-se em ausência ou em

insuficiência de provas que pudesse alicerçar o acolhimento da ação

decretado pelo Juizo a quo no tocante ao co-apelante Gilvan Marques da

Silva.

8. Já em relação ao co-apelante igualmente não

se podia ter deixado de acolher a ação (com as ressalvas que também se

irá fazer adiante), mesmo que igualmente por fundamentação diversa da

expendida pelo Juizo a quo, pois as provas produzidas no processo

criminal - corroborando as colhidas, por sua vez, no inquérito policial e

a cujo respeito se juntaram as cópias dos autos respectivos a fls. 95

usque 450 - eram para tanto suficientes, conforme análise que se fez de

maneira profunda e a esgotar toda e qualquer discussão a este respeito no

julgamento da apelação criminal, in verbis:

"Afo mérito, consoante já se adiantou, o apelo procede, porque a decisão dos jurados, de fato, contrariou, de modo manifesto, a prova dos autos, como, aliás, bem expôs a nobre Procuradoria de Justiça em seu judicioso parecer.

Tratam os autos de três crimes de homicídio qualificado, sendo um consumado e dois tentados, figurando como vítimas os adolescentes Jorge Augusto Pereira da Silva, Antônio Marcos de Souza Silva e Carlos Alberto dos Santos, garotos de rua, que freqüentavam as imediações da Panificadora Nova Renascer, de propriedade do pai do apelado e administrada por este. Jorge Augusto foi morto com dois tiros, um deles, na cabeça, enquanto que Antônio Marcos e Carlos Alberto foram alvejados, o primeiro, por dois tiros e, o segundo, por um disparo conforme mostram os Laudos de Exame de Corpo de Delito de fls. 62/63,/flk. 58, 105 e 516/511 e fls. 69.

( 6

Apelação c/ Revisão n° 189.703.473-00 - Santo André - Voto n. 645

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Ao ser interrogado no inquérito policial, o co-réu, sem se inocentar, delatou o apelado, contando que este lhe pedira para 'dar um jeito' nos garotos, que estariam importunando o seu estabelecimento comercial, oferecendo a quantia de R$ 50,00 'por garoto'. Na oportunidade, o co-réu esclareceu que, depois da execução dos crimes, sabendo que a Polícia estava atrás dele, co-réu, o apelado o aconselhou a dar uma viajada, o que ele, realmente, fez, indo para Jeribá, no Estado da Bahia, e, quando retomou, recebeu de Vinícius a quantia de R$ 100,00 (fls. 102/103).

Antes dessa confissão reduzida a termo, o co-réu havia delatado o apelado em confissão informal feita aos Investigadores de Polícia Ilson Roberto Alves e Vanderlei Lopes Borges, delação essa que foi presenciada pela testemunha Rafael Tadeu Gamarano, que, ocasionalmente, se encontrava na Delegacia de Polícia e foi chamada pelos dois policiais para presenciar a confissão. Essa delação informal foi comunicada à Autoridade Policial pelos referidos Investigadores através do Relatório de fls. 114. Em Juízo, o co-réu foi interrogado na presença de seu advogado e, novamente, sem se eximir de responsabilidade, voltou a repetir a delação contra o apelado, apontando-o como o mentor intelectual dos delitos (fls. 127 v.).

As vítimas sobreviventes, em suas declarações, também levantam suspeitas no sentido de que o mandante dos crimes seria o apelado, pois o co-réu era visto, constantemente, conversando com Vinícius na padaria, criando nesses ofendidos a impressão de que fazia serviço de segurança para o estabelecimento comercial. Carlos Alberto, quando ouvido no Distrito Policial, faz referência à morte de outro garoto de rua, de nome Claudmei de Carvalho, conhecido por 'Ratoeira', que, juntamente com os irmãos Jorge e Antônio

Marcos, teriam tentado furtar a Panificadora Nova Renascer. Esse homicídio estaria também sendo atribuído ao co-réu (fls. 15/16).

Os Investigadores Ilson e Vanderlei, ouvidos em Juízo e em Plenário, confirmaram que ouviram, informalmente, a confissão do co-réu e a incriminação que ele fez do apelado como o mandante do crime, justificando a delação com a assertiva de que não pretendia responder pelos crimes sozinho, deixando o mentor intelectual impune (fls. 205, 212, 111 e 740/741).

Rafael, que presenciou a confissão e a delação informal do co-réu perante os Invedtíigadores de Polícia, também foi ouvido nas esferas policial e judicial e confirmou que, de

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fato, ouviu a confissão e a delação feita pelo co-réu, esclarecendo que este relatou os fatos com espontaneidade, sem nenhuma coação (fls. 139 e 223/224).

Some-se que o apelado e a esposa, esta, advogada da área civil, visitaram o co-réu na Cadeia Pública e, suspeitamente, lhe ofereceram ajuda financeira para a contratação de advogado para 'maneirar para o lado deles', conforme disse o co-réu em seu interrogatório judicial, na presença de seu defensor (fls. 127 v.). Esse fato foi também transmitido pelo co-réu, de dentro de sua cela, aos Investigadores Ilson e Vanderlei, que o reproduziram em seus depoimentos judiciais. Vanderlei esclareceu que, efetivamente, chegou a avistar uns três advogados estranhos conversando, na grade, com o co-réu (fls. 710).

A testemunha Ivete Marques da Silva, irmã do co-réu, inquirida na Policia e em Juízo, também declarou que foi procurada pelo apelado, sua esposa e pela funcionária da padaria, Ladjane, oferecendo assistência jurídica para o irmão, oportunidade em que o apelado dissera que dispunha de R$ 50.000,00 para gastar com advogados e 'com a Promotoria' (fls. 135/136 e 217/220). Segundo Ivete, Ladjane a procurou com o pretexto de que todos iriam à 'Corregedoria' tentar a transferência do co-réu para outro presídio, com o falso argumento de que ele estaria correndo perigo de vida (fls. 136 e 221) .

É de se ponderar que, não tivesse o apelado qualquer ligação com os fatos e fosse o co-réu um simples freguês comum de sua panificadora, não haveria tanto interesse em se gastar alta soma em dinheiro para calar esse co-réu ou, como foi dito por esteno interrogatório judicial, 'para maneirar para o lado deles'.

Como se vê, há elementos de prova apontando o apelado como o mentor intelectual dos crimes versados nestes autos, de sorte que o Conselho de Sentença, ao optar pelo veredicto absolutório, contrariou, de modo manifesto, esses subsídios incriminadores , Realce-se que não se cuida aqui de existência de duas correntes probatórias verossímeis, adotando os jurados uma delas. No caso, existe apenas uma vertente probatória, que é aquela que incrimina o apelado. Em favor do apelado, existe apenas a sua versão, negando a autoria e procurando atacar os policiais que trabalharam na apuração do caso, naturalmente, com o objetivo de desqualificar as investigações. Mas, não se pode esquecer que a incriminação do apelado não partiu dos policiais, mas da delação do co-

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réu, que ganha certa ênfase porque ele delatou o apelado sem se inocentar, delação que está corroborada pelas declarações das vítimas sobreviventes e pelos acontecimentos suspeitos que se seguiram. Os Investigadores Ilson e Vanderlei apenas reproduziram em Juízo aquilo que ouviram, viram e diligenciaram. Portanto, a mera versão do apelado, negando qualquer envolvimento nos fatos criminosos, não constitui corrente probatória verossímil, até porque o réu não tem compromisso com a verdade e pode mentir para não ser condenado com pesada pena" (Venerando Acórdão copiado a fls. 495/502 proferido pela Colenda 4a Câmara Criminal deste Tribunal de que foi relator o eminente Desembargador Hélio de Freitas).

9. Em suma, ante as provas produzidas no bojo do

inquérito e do processo criminais que aqui podem ser utilizadas como

provas emprestadas" na categoria de provas documentais (aliás, sequer

adequadamente impugnadas pelos apelados) - já que produzidas foram sob o

crivo do contraditório e da ampla defesa no que tange ao processo

criminal que contou com a atuação da defesa de ambos os apelantesJ - a

respeitável sentença apresenta conclusão que se afigura acertada, ao

menos pelo prisma cível atinente à responsabilização dos apelados pelo

fato ocorrido e independentemente de se assim decidir por fundamento

diverso do adotado em primeiro grau de jurisdição, mesmo porque ".... as

questões de fato e de direito que foram solucionadas pelo juiz de

primeiro grau estão sujeitas ao reexame da corte de segundo grau. E após

resolver a 'quaestio facti', pode o tribunal de apelação efetuar

enquadramento jurídico diverso do indicado pelo juiz de primeiro grau,

2 Deveras, quanto a Gilvan, "sendo incontroversos os fatos desde o início do processo, não há como acolher vício quanto à produção ou juntada de provas emprestadas" (STJ, AgRg. no REsp. 625.106/RJ, 3a T , Rei Min. Carlos Alberto Menezes Direito, v.u., j . 24.8 2006, DJU 4.12.2006, pág. 297), e quanto a ambos os apelantes, "consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, não se pode negar valor probante à prova emprestada, coligida mediante a garantia do contraditório (RTJ 559/265)" (STJ, REsp. 81.094/MG, 2a

T., Rei. Min. Castro Meira, v.u., j . 5.8 2004, DJU 6.9.2004, pág. 187). 3 Daí porque descabe falar-se em violação a tais princípios de magnitude constitucional, pois não há aqui terceiros a respeito dos quais se produziram as provas ora consideradas no julgamento da apelação e sabido é que "a condição mais importante para queséliê validade e eficácia à prova emprestada é sua sujeição às pessoas dos litigantes, cuja conseqüê/fcia grimordial é a obediência ao contraditório. Vê-se, portanto, que a prova emprestada do processo léalizaJiogntEe-Jerceiros é 'res inter alios' e não produz

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bem como do sugerido pelo apelante. É que o julgamento em corte de

segundo grau também é regido pelos princípios 'iura novit cúria' e *da

mini factum, dabo tibi ius'" (Bernardo Pimentel, Introdução aos Recursos

Cíveis e à Ação Rescisória, Maza Edições, 2a ed., n. 11.7, pág. 2124)

III

10. Quanto à indenização fixada pelo Juizo a quo,

a pertinente ao dano moral devida é, pois Antônio Marcos de Souza Silva

vitima foi de disparos de arma de fogo em número de dois efetuados contra

ele dolosamente e que o levaram a ser internado em nosocômio por oito

dias, vindo, ainda, a ser submetido a intervenção cirúrgica de que

resultaram cicatrizes diversas (laudo de exame de corpo de delito de fls.

144) .

11. Impossível é, portanto, deixar de concluir

que tais fatos causaram a ele angústia e sofrimento, além de desconforto,

já que, pela própria forma como ocorreu, se viu tomado de pavor, medo e

angústia à vista de sombria perspectiva no tocante à sua incolumidade

fisica, incluindo a de sua própria morte. Drama que, podendo ter

perdurado por pouco tempo, gera conseqüências psicológicas consideráveis

ou de monta cuja ocorrência não se pode negar, até porque "... todo dano

à pessoa, qualquer que seja o aspecto do ser humano que se lesione, desde

que afete predominantemente a esfera do corpo ou a esfera psíquica, tem

como conseqüência imediata a afetação, em maior ou menor intensidade, da

saúde do sujeito agravado, entendendo-se por saúde (OMS) como 'um estado

de completo bem-estar psíquico, mental e social"' (Yussef Said Cahali,

Dano Moral, RT, 1998, 2a ed., pág. 187).

nenhum efeito senão para aquelas partes" (Nelson Nery Júnior e Rosa Mana de Andrade Nery, CPC Comentado e Legislação Extravagante, RT, 2003, nota 6 ao artigo 332, pág. 720). 4 E, de fato, "diante do efeito devolutivo da apelação, mais especificamente a 'profundidade' da apelação, o Tribunal ad quem não está limitado ao exame da controvérsia pelos fundamentos jurídicos adotados pela sentença, nem pelos suscitados pela parte. Ousêja, pode adotar enquadramento jurídico diverso para a controvérsia" (STJ, REsp. 336.996/MG, 4a T., Rei. IWin. Sálvio de Figueiredo Teixeira, v.u., j . 27.6.2002, DJU 7 10.2002, pág. 263). V - -I \

Apelação c/ Revisão n° 189.703.4/3-00 - SantoxAndré - Voto n. 645

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12. Existe, portanto, dano moral sofrido por

Antônio Marcos de Souza Silva que obriga solidariamente os apelantes a

indenizá-lo. Com efeito, "os danos morais podem ser das mais variadas

espécies. Os principais citados pela doutrina são os que trazem prejuízo:

à reputação, à integridade física, como o dano estético, ao direito moral

de autor, ao direito de uma pessoa ao nome, às convicções de alguém, às

pessoas que a vítima do dano tem afeto, como por exemplo a morte de um

filho, à integridade da inteligência, à segurança e tranqüilidade, à

honra, ao cônjuge por aquele que ocasionou o divórcio, à liberdade, aos

sentimentos afetivos de qualquer espécie, ao crédito, etc." (Teresa

Ancona Lopes de Magalhães, O Dano Estético, RT, 1980, pág. 8; destaque em

negrito nosso5) .

13. Quanto ao valor fixado pelo Juízo a quo, razão

não há para revê-lo, pois, conforme ponderou Caio Mário da Silva Pereira,

"na ausência de um padrão ou de uma contraprestação, que dê o

correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao juiz

o arbitramento da indenização" (Responsabilidade Civil, Forense, 1994, 5a

ed., n. 252, pág. 318), arbitramento este que há de atender dois fatores:

"... I) punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico

da vítima, posto que imaterial; II) pôr nas mãos do ofendido uma soma que

não é o 'pretium doloris', porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de

conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual

ou moral, seja mesmo de cunho material (Mazeud e Mazeud, ob. cit. , n.

419; Alfredo Minozzi, Danno non patrimoniale, n. 66) o que pode ser

obtido 'no fato' de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a

Ainda segundo escólio de Yussef Said Cahali, caracteriza-se o dano moral "... pelos seus próprios elementos, portanto, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos e se classificando, assim em dano que afeta a 'parte social do patrimônio moral' (honra, reputação etc.) e dano que molesta a 'parfe-afèfiVa do patrimônio moral' (dor, tristeza, saudade etc); e dano moral que provoca direta ou mdiretameote dano patrimonial (cicatriz deformante etc), e dano moral puro (dor, tristeza etc)" (Dano Moral, RT, 2a edsJJia8,-pág^20; destaques em negrito nossos).

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amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança" (obra

cit., pág. 317; destaque em negrito nosso).

14. Assim, dentro das balizas estabelecidas e

segundo as próprias peculiaridades do caso em exame (disparos de arma de

fogo dolosos que se efetuaram de modo a vitimar três pessoas com

característicos hediondos) e suas conseqüências, além da condição sócio-

econômica de um dos apelantes, Vinicius (gerente de padaria que pertence

aos seus genitores), mantém-se a indenização tal qual se a fixou em

primeiro grau de jurisdição.

15. Relativamente à pensão devida segundo o grau

de incapacidade para o trabalho, mister será aferi-lo em pericia a ser

realizada em liquidação por arbitramento, anotando-se, apenas, que a base

de cálculo da pensão deverá ser de apenas um salário mínimo, pois não se

produziu prova alguma acerca de ganhos efetivos mensais - ainda que pela

média - que superem aquele piso.

16. Por fim, de despesas médicas e

hospitalares já supostamente efetuadas não cabe falar para fins

indenizatórios, pois também quanto a elas não se produziram provas de sua

ocorrência. Não se exclui da indenização, contudo, as que se tiverem de

realizar ulteriormente para tratamento da vítima dos disparos de arma de

fogo, inclusive quanto ao aspecto estético

V

11. Pelo exposto, voto no sentido de ser provida

em parte a apelação para afastar a indenização quanto a despesas médicas

e hospitalares nos lindes anteriormente expostos e para fixar a base de

cálculo da pensão em um salário mínimo.

12

Apelação c/ Revisão n° 189.703.473-00 - Santo André - Voto n. 645