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A cervos

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Acervos

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IP A R T E

Iconográficos

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A PROPÓSITOD'O BRASILDOS VIAJANTES

A N A M A R I A B E L L U Z Z O

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O tema editado pela Revista USPé derivado de um encontro rea-lizado com o objetivo de deba-ter sob prisma interdisciplinar a

construção de imagens do Brasil e da Améri-ca por artistas, cronistas e cientistas estran-geiros, que percorreram o continente desde oséculo XVI.

Esse encontro aconteceu no mesmo mo-mento em que uma seleção de obras artísticasera apresentada ao público através da exposi-ção “O Brasil dos Viajantes”, no Museu deArte de São Paulo. Nada mais oportuno econveniente do que evidenciar, na ocasião, ateia de operações subjacentes às obras deestrangeiros sobre o Brasil e o estado dosestudos sobre o assunto. Refiro-me às opera-ções simbólicas e às significações culturais,engendradas no curso das relações políticasentre o Velho e o Novo Mundo, assim comoàs práticas mais específicas, provenientes detradições artísticas que presidem a elabora-ção das representações.

O interesse contemporâneo no reexameda contribuição dos viajantes que passarampelo Brasil é um reconhecimento de que elesescreveram páginas fundamentais de umahistória que nos diz respeito. O legadoiconográfico e a literatura de viagem dos cro-nistas europeus trazem sempre a possibili-dade de novas aproximações com a históriado Brasil. No entanto, essas obras só podemdar a ver um Brasil pensado por outros. Oolhar dos viajantes espelha, também, a con-dição de nos vermos pelos olhos deles.

As obras configu-radas pelos viajantesengendram uma histó-ria de pontos de vista,de distâncias entremodos de observação,de triangulações doolhar. Mais do que avida e a paisagem ame-ricana, exigem que sefocalize a espessa ca-mada da representa-ção. Evidenciam ver-sões mais do que fatos.

Na sua origem, asimagens elaboradas

pelos viajantes participam da construção daidentidade européia. Apontam modos comoas culturas se olham e olham as outras, comoestabelecem igualdades e desigualdades,como imaginam semelhanças e diferenças,como conformam o mesmo e o outro.

A questão dos diferentes pontos de vistapermanece atual, na medida em que persisteo discurso sobre o aqui e o lá, revestido dodebate entre o centro e as margens, e na me-dida em que se reafirma a condiçãointercultural, como qualidade inerente aoconjunto estudado.

ZÊNITE NOSSO E ZÊNITE DELES

Apelando às próprias imagens, para evi-tar que o pensamento siga em vão, tomo porexemplo a imaginação do continente desco-nhecido, na época das descobertas.

Enquanto Amerigo Vespucci conta haveratingido um mundo novo, Cristóbal Colónpensa ter chegado a um paraíso bíblico. Já acarta de Caminha, primeira resenha da Terrade Vera Cruz, não tem a chance de agir sobrea imaginação européia do século do desco-brimento. O texto do cronista que acompanhaCabral só será publicado em 1817. A visãoocultada é condizente com o sigilo potuguêse contrasta com a visibilidade dada à Améri-ca por outros conquistadores.

As primeiras imagens sobre a Américacirculam, no início do século XVI, atravésdas gravuras que acompanham as cartas deAmerigo Vespucci, difundidas em forma de

folhetim. O interessedespertado pelas notí-cias é reconfirmadopelo aparecimento devárias edições das car-tas em diferentes cida-des européias. Cadanova versão, enrique-cida por ilustrações en-comendadas pelos edi-tores, alarga o universode sentido. O imaginá-rio visual nasce datranscrição dos textospara o mundo das figu-ras, talhadas para avi-

O

Xilogravura

aquarelada,

atribuída a Johann

Froschauer,

publicada com

trecho de Mundus

Novus, de Vespucci,

(Augsburg, 1505c.)

ANA MARIABELLUZZO éprofessora de Históriada Arte da Faculdadede Arquitetura eUrbanismo da USP eautora de, entreoutros livrosModernidade e asVanguardas Artísticasna América Latina.

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var notícias de viagem, à maneira artísticalocal. Faço notar aqui, o caráter intertextual eintercultural do processo de elaboração daiconografia dos viajantes.

Uma xilogravura que acompanha trechosda carta Mundus Novus de autoria deVespucci, cuja edição aparece em Augsburge é atribuída a Johann Froschauer, dá conta deque os germânicos valorizam o caráter teste-munhal da narrativa visual, contada a partirde um ponto de vista do novo continente,dando relevo aos hábitos canibais dos homensamericanos. A representação admite o senti-mento em relação ao observado, colocandoem cena dimensões da interioridade do ob-servador. A imagem inquieta, impede umaserena contemplação.

Por outro lado, a concepção humanísticaemergente afirma a existência de um mundo novo,com fundamento em textos da Antigüidade e ou-tros mais recentes de seus intérpretes, desdizen-do certa mitologia antiga. Chama a atenção quea idéia de Antigüidade e Mundo Novo se to-quem, passando a propiciar jogos de sentido apartir de analogias, semelhanças e diferenças.

As idéias a propósito do Zenit Nostro eZenit di Quelli são destacadas da Lettera deVespucci, na edição de Giovanni BattistaRamusio para a coletânea Delle Navegationeet Viaggi, publicada em Veneza entre 1550 e1559. Ramusio pretende corrigir as “imper-feições” da Geografia de Ptolomeu com a pu-blicação de narrativas de escritores con-temporâneos que haviam estado na África,Ásia e América. A rica imagem de Vespuccicompreende a relatividade dos pontos de vis-ta, a geometria perfeita a meio caminho entrea ordem divina e a ordem racional. Ele rela-ciona um lugar da terra com a esfera celeste,numa imagem em que coexistem magia eciência, pois tanto evoca a determinação dosastros sobre o homem quanto aponta paranovas possibilidades da construção de umespaço humano de teor projetivo, pelo qual ohomem poderia estender os seus limites.

As imagens do livro de Ramusio são con-ceitos sobre a posição humana, no espaço ili-mitado do universo, enraizados no modo pe-culiar como o século XVI constitui o seu sa-ber. São marcos e parâmetros da busca de

Ilustração da

Lettera, de

Vespucci, editada

por Giovanni

Battista Ramusio

em Delle

Navigationi et

Viaggi... (Veneza,

1563), Biblioteca

do IEB-USP

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ordem e coerência na relação do homem como universo. Os fios condutores para se venceras distâncias – a astronomia e o cálculo –podiam motivar especulações dos poetas, masnão impulsionar as artes figurativas, entre oQuinhentos e o Seiscentos.

A escola quinhentista portuguesa revela ainscrição religiosa do índio brasileiro sobsólidas tradições de pintura. Através de umaversão pintada poucos anos após o descobri-mento do Brasil, o índio brasileiro ingressano cenário europeu, na personagem de umdos representantes dos povos de além-mar,

que vem presentear e adorar o filho de Deus.A Adoração dos Magos pertence à série exe-cutada por vários autores para o altar da cape-la-mor da Sé de Viseu, por volta de 1505,sendo atribuída a Vasco Fernandes, o GrãoVasco. A figura indígena, com cocar e flechatupinambá, está vestida de modo a respeitarconvenções da pintura e a se comportar deacordo com o decoro religioso.

A alteração na iconografia religiosa por-tuguesa comporta várias hipótesesinterpretativas, especialmente com referên-cia à composição do grupo de figuras. Res-trinjo-me ao índio que encarna um rei magoque vem de longe, emissário que traz seu tes-temunho de fé na verdade cristã. A introdu-ção do índio americano na narrativa religiosae a construção de seu “retrato” em consonân-cia com convenções da arte sacra expressampor si sós a contradição gerada através doprocesso figurativo.

Os sinais da religião mostram-se o eloque congrega o habitante das terras distan-tes nos valores da cultura européia. Se orecurso utilizado parecia aos portuguesesprocedimento dignificante, era a mais com-pleta negação da cultura indígena, prenún-cio do domínio pela catequese dos selva-gens e de sua introdução em valores do cris-tianismo. A acolhida e a assimilação do novopersonagem internacional, nos termos deuma relação de identidade pela qual o índioé considerado igual, têm contraditoriamenteo efeito de descaracterizá-lo.

As implicações do enredo bíblico valemtambém para as hipóteses que admitem a pre-sença de Pedro Álvares Cabral no primeiroplano da cena, como se usava na época. Nocaso, não se estaria aludindo somente à che-gada dos três reis, vindos do Oriente distantepara trazer oferendas ao menino que acabavade nascer. O descobridor de novos mundos,ajoelhado em agradecimento, traria o teste-munho do representante das terras america-nas, desígnio de conversão das almas dessanação.

A obra intitulada O Inferno, de autor ig-norado e provavelmente datada da primeirametade do século, aponta conflitos latentesno Quinhentos. Na cena sobre o pecado car-nal e o castigo corporal, pode-se adivinhar a

“Adoração dos

Magos”, atribuída a

Vasco Fernandes,

óleo sobre madeira,

proveniente do

Retábulo da Capela-

Mor da Sé de Viseu,

(1505c.), Museu de

Grão Vasco

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condenação arbitrada pela ética cristã. Doscorpos amarrados e atormentados por práti-cas diabólicas, os cabelos queimados são demulheres vaidosas, a língua arrancada é demaledicentes, a pena de engolir osexcrementos de animais lançados goela abai-xo é infligida ao guloso, o açoitamento aocorpo feminino é uma possível punição à lu-xúria. Os episódios são argumentos contraprazeres do corpo, ainda que a plasticidadedo tratamento dado ao nu possa se revelar emcontradição com isso.

Aos espectadores do castigo não passarádespercebida uma figura demoníaca comcocar indígena ocupando o trono do Inferno,da mesma maneira que notamos a tanga depenas de outro capeta que carrega o corpo deum religioso pecador.

A mescla do demônio com o índio – ambasfiguras do medo – sugere que o temor dodesconhecido também se misturou com acondenação dos costumes indígenas, de acor-do com as pregações dos missionários portu-gueses. Ao apresentar o demônio com atribu-tos do indígena americano, a pintura provocauma inversão de sentido, pela qual o índiopassa a ter os atributos do demônio. Da mes-ma forma, não se pode deixar de assinalaroutras áreas de contaminação, aderências,

transferências de sentido e empréstimos queecoam no quadro. É o caso do paralelo entrea punição dos corpos no inferno e as práticascanibais dos índios brasileiros.

Na representação do Inferno, o demôniose parece com o índio brasileiro. Na Adora-ção, o índio é um príncipe que vem de longee constitui um modelo de fé cristã. As figu-ras de semelhança e dessemelhança – o mes-mo e o outro – tiveram um papel construtivoe orientaram a interpretação no pensamentoeuropeu até os fins do século XVI. As con-figurações de índios com fé cristã, à seme-lhança dos europeus e de índios diabólicosdiante de europeus pecadores, estabelecemrelações sociais de igualdade e diferença. Nãose pode pressupor que sejam derivadas des-sas relações.

O jogo de sentido proposto através daspinturas supõe ainda que a representação pos-sa se dissolver para exibir todo seu teorficcional. Desse modo, presencia-se a cons-trução do índio, que se assemelha ao diabo(assemelha-se, mas não é), e o teor fictício doretrato indígena em indumentária de ReiMago. Trata-se aqui de afirmar o teor emi-nentemente simbólico desses processos, umavez que nem de longe se pretende uma novaversão religiosa e sabe-se que os índios não

“O Inferno”, óleo

sobre madeira

(1a metade do século

XVI), Museu

Nacional de Arte

Antiga, Lisboa

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figuram nos textos sagrados, e, nos dois ca-sos mencionados, os pintores fazem ver poranalogia imagens constituídas no seio do pro-jeto missionário colonial.

Convém concluir o conjunto de exemplos,citando obras perspectivadas pela descobertafrancesa do Novo Mundo pelos navegadoresnormandos, entre as mais antigas sobre oBrasil. São conhecidas algumas remanescen-tes da época em que exploravam a costa ecomerciavam pau-brasil com os índios quehabitavam o litoral. Os índios brasileiros fi-guram nos baixos-relevos da Igreja de Saint-Jacques, em Dieppe, e encontravam-se emum conjunto de obras na cidade de Rouen, doqual restam hoje os baixos-relevos em ma-deira esculpida e pintada da suntuosa hospe-daria L’Isle du Brésil, demolida em 1837, hojena coleção do Museu de Antigüidades daque-la cidade. Mas o acontecimento central einstigante dessa epopéia francesa seria aTriunfal Entrada do Rei Henrique II e daRainha Catarina de Medici em Rouen, emoutubro de 1550, quando é encenado um“agradável e magnífico espetáculo”, com aparticipação de índios tupinambás, talvezalguns tabajaras, ao lado de marujosnormandos. Desse quadro vivo em espaçopúblico, com a presença de índios encenandoa própria saga diante da corte, derivam al-guns registros.

Requer atenção a recepção dos soberanospela municipalidade de Rouen, assuntoreconstituído por Ferdinand Denis no livroUne Fête Brésilienne Celebrée a Rouen, pu-blicado no século XIX.

A França havia buscado o modelo italia-no de Lorenzo, o Magnífico, coadunando odesenvolvimento da recente sociedade mer-cantil, cujo poder se expressava nas cidades,com as antigas tradições. As alegorias dostempos modernos se valiam de mitologiapagã, dita humanista, e demonstravam o apre-ço do Renascimento clássico francês do sé-culo XVI pelos gregos, cujas tradições apare-ciam misturadas aos triunfos dos imperado-res romanos. Sabe-se que, na ocasião, a cida-de de Rouen presenteava o rei com estátuasde ouro, demonstrando a pujança daquelepovoado, e é possível que tenham tambémentregue a ele um livro manuscrito contendo

dez miniaturas coloridas, entre as quais seencontrava Le Bal des Brésiliens. O livro te-ria tido a função de roteiro durante o cerimo-nial, que incluía o desfile do soberano, tor-nando-se posteriormente uma lembrança darecepção.

• • •A iluminura Le Bal des Brésiliens repre-

senta a cidade teatralizada pela decoraçãocenográfica, preparada para o cortejo solenepor ocasião da visita dos reis. Heróis e deida-des nos arcos triunfais – Apolo e Netuno, nocaso –, o desfile, os tableau vivant e asdramatizações conjugam a concepção de umespetáculo contemporâneo e a imaginaçãoarcaizante de teor alegórico. O teatro operasimbolicamente: avizinha, espacializa e fun-de imagens. Ao longo da margem do Senasurge a costa marítima brasileira povoada por“cinqüenta naturais recentemente importa-dos”, misturando-se a eles 250 normandosbronzeados e simulados com ornamentaçãoindígena. O grande conjunto de personagensindígenas representava nu diante da corte. Ainterpretação pagã do nu na festa de Rouen,na época em que estava em voga a nudezmitológica da Escola de Fontainebleau, pare-ce excluir toda significação moral. No espe-táculo, franceses e brasileiros, identificadospela nudez, apresentam a mesma performancecorporal. Igualam-se no trato direto com anatureza, na vida perigosa e na coragem, natravessia dos mares. Confrontados em luta,opõem-se: as nações indígenas tupinambás etabajaras, em terra; as galeras portuguesas quepatrulham as costas brasileiras e as galeras decorsários franceses, no mar.

O estabelecimento de aproximações es-paciais e parentescos humanos anula distân-cias e diferenças. A arte é esse lugar simbó-lico em que se desenham paisagens deseja-das. A imaginação do Renascimento clássicofrancês contempla um novo concerto geográ-fico, de acordo com suas aspirações de con-quista. Nesse imaginário, a França aparececomo a base para a reorganização da carto-grafia mundial, como atestam também ascartas náuticas encomendadas por Henri II.

• • •A construção heteronômica da imagem

do índio e da terra americana a partir da ins-

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crição do fato novo nos contextos culturaiseuropeus constitui uma das questões centraisdo projeto “O Brasil dos Viajantes”. Com adescoberta do novo continente – novo, paraeuropeus –, eles vêem-se obrigados a repen-sar a própria cultura e rever as bases sobre asquais erguiam sua visão de mundo.

De uma maneira geral, as primeiras ima-gens das terras brasileiras correspondem a doisimpulsos. De um lado, a projeção sobre odesconhecido, os símbolos e mitos, os con-tos maravilhosos e as fábulas. De outro, aobservação direta e o cálculo, que proporci-onam descrições geográficas na formacartográfica, de cartas náuticas a roteiros deconquista, pelos quais se definem domíniose limites entre terra e mar, e nas quais a re-presentação é um meio de orientar a ação.De um lado, a construção simbólica maisvaga. De outro, a precisão do desenho que de-fende o navegador da geografia fantástica. Con-tudo, forma poética e ação política sempre estão

combinadas nesse amálgama, que é a imagem.O que apresentam em comum imagens

constituídas de modo tão diversificado, se-não o fato de revelarem aspectos do país soba forma de fragmentos, que por sua vez com-põem outras histórias? É o que indicam ín-dios introduzidos na pintura religiosa qui-nhentista portuguesa ou os cajus presentesnas naturezas mortas pintadas em residênciasholandesas do século XVII. Ou, ainda, pássa-ros brasileiros que figuram decorativamenteem tetos palacianos. É o que se pode pensarda mistura de ícones do Brasil, da África, doMéxico e do Peru em composições sob a óticade domínio holandês. Fomos introduzidos aogosto e na medida dos europeus, inventariadospouco a pouco, e não estou certa se adquiri-mos alguma vez completa visibilidade.

Na iconografia e na crônica de autoresviajantes nem sempre chegamos a protago-nistas. Somos vistos, sem nos termos feitovisíveis. Fomos pensados. Ainda assim, es-

Uma das

miniaturas que

ilustram o

manuscrito

anônimo

“L’Entrée du Très

Magnanime, Très

Puissant et Très

Victorieux Roy

de France Henry

Deuxième de ce

Nom” (Rouen,

1550c.),

Bibliothèque

Principale de Rouen

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sas visões alimentam lembranças do passadoe povoam o nosso inconsciente.

As imagens dos viajantes têm o dom de evo-car ausências. Promovem jogos entre o que épossível lembrar e o que se esquece, entre o queestá presente e o que desapareceu. Provocamtambém tensões entre o visto e o enunciado.

Por tudo, é preferível deixar que essasimagens surjam como fosforescências, signi-ficações em pulsão, sem pretender que alcan-cem a estabilidade das formas visuais pensa-das pela lógica da arte. Não há vantagem emtrazer à tona eventual coerência entre registrosresultantes de intencionalidades e tradições tãodíspares. Para não subordinar tais resultadosartísticos à camisa-de-força de um raciocínio,que, desejando dominar os fatos, possa intro-duzir enganos, convém dar evidência à inten-ção contida em cada obra e indagar sobre a suasignificação, usando como espelho e eco ou-tras obras que, com ela, possam vir a formaruma série conexa e deixar à mostra os modoscomo as culturas se olham umas às outras.Contudo, sem impedir que cada obra faísque ebrilhe, como uma voz singular.

Não é difícil compreender que, nessascondições, a exposição surge como formaprivilegiada de reunião de registros originaissobre o Brasil, procedentes de acervosdispersos. A recuperação de fragmentos damemória do país – hoje guardados em cole-ções espalhadas no país e no exterior – impõepercurso inverso ao dos viajantes, e a buscada memória faz reviver o mito de todas asviagens: a experiência do viajante que se perdeem terra estranha e procura encontrar refe-rências que indiquem o caminho de casa, ossinais da identidade.

Não posso me furtar à consideração dossentidos simbólicos que vêm, por sua vez, seagregar ao projeto da exposição. Esta encon-tra momento de síntese na configuração, ten-do por fio condutor a história do país, revela-da através da multiplicidade de visões queformam o tecido cultural brasileiro. A expo-sição de originais pode ademais revelar queprojetos de memória e reconhecimento sãotambém fonte de prazer.

A atualidade das obras estudadas está menosnas formas do que nas significações trazidas àtona. Reside, portanto, no entrelaçamento da arte

com os conteúdos culturais pelos quais é consti-tuída, sem que se deixe confundir com eles.

A IDÉIA DE NATUREZA

Um tema tão extenso como a contribui-ção dos viajantes não poderia ser proposto àdiscussão sem demarcação mais precisa.

Outro partido adotado de início para en-frentar tão amplo universo de representaçõesvisuais foi restringi-las, na medida do possí-vel, a uma seleção de obras que apontassempara a construção da idéia de natureza. Nasdescrições do país encontrado tardiamentepelos europeus, não faltam ícones da “natu-reza” e é grande a freqüência com que os vi-ajantes observadores da quarta parte do mun-do, ainda desconhecido, mencionam as “coi-sas da natureza” e se sentem atraídos pelosanimais e vegetação estranha e exótica.

Como um sentido não se explicita sem oseu oposto, essa vertente naturalista, predomi-nante, não pode induzir a enganos. Lembroque os processos simbólicos em uso no Seis-centos não estão balizados por conteúdos na-turalistas. Vários exemplos atestam que a fi-guração de índigenas é valorizada por conven-ções clássicas emprestadas dos antigos e reve-lam a esperança de um Novo Mundo, pelorenascimento dos antigos nas imagens dosíndios americanos. Trata-se sobretudo de cren-ça nas formas de civilização e não em conteú-dos primordiais do universo. Ainda assim, nãofaltam idealizações da vida na floresta e dobom selvagem, em perfeita harmonia com ouniverso. No século XIX, as idealizaçõesparadisíacas, visões da floresta freqüentadapelo homem “natural”, são novamenterevividas por artistas românticos, em reediçõesdos mitos de origem. No curso de quatro sécu-los, a visão territorial e a paisagem impõem-secomo representações privilegiadas.

O assunto não se restringe à sua dimensãosimbólica. O prestígio do tema natural se deve,principalmente, à reconstrução da idéia denatureza a partir do século XVI, através daarte e da ciência, quando tem início o projetoenciclopédico. Ao longo dos séculos XVII eXVIII, os viajantes buscam agrupar os seresda natureza, em ordens científicas de conhe-cimento do universo. O domínio natural é

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constituído com ajuda de um inventário defiguras recortadas dos três reinos naturais,desenhadas de modo a serem discernidas porsuas formas matematicamente proporciona-das e passíveis de comparação, uma com aoutra, num grande quadro cumulativo.

A importância que adquirem as informa-ções sobre espécies naturais, território e pai-sagem pode ser estimada pela sua valoriza-ção artística, traduzindo-se em preceitos ecuidados na prática de desenhos sobre o tema,assim como na qualidade da impressão dosresultados obtidos em viagens exploratórias.Álbuns que eram, sobretudo, evidências dopoder das nações que patrocinavam as mis-sões e possuíam conhecimento de recursosdas terras americanas, ainda mal conhecidas.Atrás do interesse pelo assunto estava, semdúvida, o interesse econômico na exploraçãodos recursos da terra visitada.

No campo das artes, notadamente da pin-tura, a representação da natureza fica sujeita ademarcações de gênero, a poéticas, a técnicase a outras convenções artísticas. O motivoimpõe o modo e exclui outros tantos assuntose maneiras. Desenhos e pinturas de costumes,retratos, pinturas históricas também pratica-dos pelos artistas viajantes não seriam con-templados nos limites deste trabalho.

Compreendendo imagens da era das des-cobertas àquelas geradas pelas atitudes ro-mânticas do século XIX, “O Brasil dos Via-jantes” foi uma tentativa de dar tratamentogeral às representações visuais. A extensãode seus limites, maior do que se poderia de-sejar, propiciou o contato com os momentosfundantes e significações recorrentes, alémde colaborar para o discernimento de obrasde maior interesse para a história da cultura,para a história da ciência ou para a história daarte. Ou, se possível, que conjugassem rele-vâncias, sob vários ângulos.

Para dar conta de tal amplitude de assun-tos e da variedade de aspectos envolvidospelas obras foram estabelecidos quatro eixos,em torno dos quais as representações pudes-sem vir a ser reunidas. Não se deve supor queeles configurem modos de visualidade pro-priamente. Esboçam diferentes complexosculturais, com relação aos quais a arte ou avisibilidade podem ser definidas. O primeiro

conjunto engloba o imaginário europeu ou aimaginação do desconhecido na época dasdescobertas. O segundo flagra o olhar volta-do para o mundo e o despertar dos sentidos.O terceiro se desenvolve em torno de umanova ordem visual derivada do encontro en-tre arte e ciência, contando com a aliança entresensibilidade e razão. O quarto momentobusca os artifícios utilizados para a constru-ção de uma “natureza” brasileira, focalizan-do a “construção” da paisagem.

As imagens do século XVI têm seu funda-mento em analogias elaboradas pelos viajan-tes: comparações entre o que viam e o quediziam os textos, semelhanças entre aparên-cias contemporâneas e lições da Antigüida-de. São procedimentos por aproximação, emcuja linguagem simbólica predomina o exer-cício substitutivo das metáforas.

O legado pré-científico deixado pelosholandeses que estiveram no Brasil forneceas primeiras evidências do momento de cons-trução histórica do observador, ocorrido noséculo XVII, quando se busca apreender aestrutura visível dos seres, conhecendo-os uma um, em sua singularidade a partir da dimen-são visível.

A relação que os holandeses estabelecemcom a natureza denota regras de uma obser-vação puramente física ou científica, comose poderia dizer de acordo com o entendi-mento moderno. A nova abordagem da ciên-cia da natureza desenvolve-se em oposição àcrença religiosa e sem preocupações morais.A natureza não é mais entendida como frutoda ação providencial, nem transmite mensa-gens divinas aos homens. Não resultatampouco da fatalidade dos astros, como en-tendiam concepções da física finalista dosfilósofos antigos. Não havendo uma intençãona natureza a ser lida pelos homens, eles po-dem passar a apreender o mundo sensível,que se apresenta como a imagem da realida-de. O caminho do conhecimento que conduzà natureza é reduzido aos sentidos.

A pintura holandesa feita no Brasil pelosartistas e cientistas que acompanharam JohanMaurits de Nassau introduz os novosparâmetros de visualidade. Não se trata maisda imagem difusa, configurada pela ativida-de da imaginação, nem de adivinhar os sinais

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da escrita divina na natureza. A nova noçãode imagem diz respeito aos simulacros visí-veis dos corpos, às emanações luminosas dascoisas no espaço, ao vazio que torna possívela construção do volume dos corpos.

Por suposto, o ver não é uma ocorrên-cia natural e sim um fato histórico, inter-ligado aos critérios de valoração e aosmodos operativos de que o homem dispõe.Foi de acordo com o pensamento clássicoque o desenho se tornou um modo de expe-rimentar a “verdade exterior” pelos senti-dos, ajustando-a por meio do raciocínio, queera capaz de valorizar o visto, segundo re-gras constantes e lógicas. A imagem, comseu peculiar procedimento aproximativo, erasubstituída pela forma, representação dota-da de capacidade de análise e discernimentodos entes naturais.

A visão intelectual e reflexiva engendra-da por uma cultura simultaneamente artísti-ca e científica, anunciada no século XVI, sóse desenvolve plenamente com o projeto en-ciclopédico, vigorando até as primeiras dé-cadas do século XIX. A formação dos cien-tistas europeus que se deslocaram em expe-dições científicas pelo território brasileiro,desde o século XVIII, é, em linhas gerais,sustentada por, no mínimo, dois modeloscientíficos baseados em dados da observa-ção visual, com correspondentes concepçõesde desenho e pintura.

O modelo de representação artística pre-conizado pela ciência clássica coincide comum modelo de conhecimento exercido a par-tir do sentido da visão. A História Natural deLineu constitui o primeiro parâmetro e, noseu interior, o reino da botânica oferece oexemplo mais logrado desse modelo de co-nhecimento e ordenação do universo. O de-senho matemático dá fundamento à ciênciaclássica. Recorta os seres do universo, com-para e classifica, introduzindo-os num gran-de quadro, que estabelece a ordem contínuado universo, na suposição de que gêneros eespécies reproduzem outros à sua própriasemelhança.

No tocante à iconografia realizada no ci-clo das expedições científicas que percor-rem o Brasil, os preceitos de Lineu incidemsobre a mentalidade da geração de brasilei-

ros formada em Portugal, que responde àsencomendas de Portugal: desenhistas daViagem Filosófica, nas expedições do freiVeloso e de Arruda Câmara. Imprimem-setambém em desenhos realizados a partir daexpedição Cook, viagem de circunavegação,patrocinada pela coroa inglesa.

Outra marca no conhecimento científicosobre o Brasil, que tira proveito da observa-ção visual, foi deixada pela concepçãopaisagística de Alexander von Humboldt, oautor da Geografia das Plantas. Neste caso avisão pictórica pretende abraçar o todo, con-siderando a interdependência das formas devida, diferentemente do recurso gráfico pre-conizado no modelo de Lineu, que individu-aliza e recorta figuras da natureza. A geogra-fia botânica de Von Humboldt foi praticadapela Missão Austríaca, notadamente por vonMartius e outros tantos viajantes de formaçãoalemã e relacionados à Academia de Ciên-cias Francesa.

Finalmente, o tema indissociável da ex-periência do viajante do século XIX é a pai-sagem. Com a vinda da corte portuguesa parao Brasil, especialmente após a independên-cia, chegam ao país artistas profissionais,diletantes com domínio do desenho. Anco-ram no Rio de Janeiro passageiros de viagensturísticas pelo mundo. Possuem uma visãoeducada na estética do pitoresco e buscamdesfrutar paisagens características.

Mais do que a descrição naturalista, pre-dominam entre eles a abordagem românticado passeio pelos arredores e pelos jardins, avisão do homem “original” na floresta vir-gem ou a forte sensação da grandiosidade douniverso.

Não se pode portanto adotar um conceitoa priori de paisagem. Seria melhor indagaro que o Brasil do século XIX pode dar a vere quais modelos apreciativos teriam possi-bilitado o recorte do mundo sensível e a con-figuração daquilo a que se convencionou cha-mar paisagem. Em outras palavras, pergun-tar como é que determinados modos de apre-ciação dos europeus do século XIX se junta-ram com estímulos da topografia, da geo-grafia, da vegetação e da vida humana noBrasil, passando a tipificar uma paisagembrasileira.

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