006 PPP considerações iniciais

6
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS 25ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GOIÂNIA Ministério Público do Estado de Goiás – 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia Rua 23, Qd. A 06, Lts. 15/24, sala 324, Jardim Goiás Goiânia - Goiás - CEP: 74.805-100 Fone: (62) 3243-8428 – 3243-8429 1 Ofício nº 006/2013. Goiânia, 4 de fevereiro de 2013. ILMO. SR. EVANDRO ARANTES ABIB PRESIDENTE DA GOIÁS PARCERIAS COMPANHIA DE INVESTIMENTO E PARCERIAS DO ESTADO DE GOIÁS Assunto: PPP PARA CONSTRUÇÃO DE PRESÍDIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS Senhor Presidente, Em resposta ao ofício nº 008/2013/GP, venho à presença de Vossa Senhoria para apresentar algumas considerações iniciais quanto à proposta de Parceria Público-Privada (PPP) para a construção de uma nova penitenciária no complexo prisional de Aparecida de Goiânia. Dada à complexidade do assunto e das profundas implicações da proposta na política e na gestão penitenciária, faço neste primeiro momento apenas uma abordagem preliminar, nos tópicos abaixo, de alguns aspectos a serem considerados pelo Governo do Estado de Goiás no encaminhamento desse projeto. a) Da ausência de base legal e constitucional para a PPP No exercício de suas atribuições e competências, o Estado, aqui considerado em sentido amplo, tem funções que não podem ser delegadas ao particular. Dentre elas sobressai o jus puniendi. A

Transcript of 006 PPP considerações iniciais

Page 1: 006 PPP considerações iniciais

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

25ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GOIÂNIA

Ministério Público do Estado de Goiás – 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia

Rua 23, Qd. A 06, Lts. 15/24, sala 324, Jardim Goiás Goiânia - Goiás - CEP: 74.805-100 Fone: (62) 3243-8428 – 3243-8429

1

Ofício nº 006/2013. Goiânia, 4 de fevereiro de 2013. ILMO.

SR. EVANDRO ARANTES ABIB

PRESIDENTE DA GOIÁS PARCERIAS – COMPANHIA DE INVESTIMENTO E PARCERIAS DO

ESTADO DE GOIÁS

Assunto: PPP PARA CONSTRUÇÃO DE PRESÍDIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Senhor Presidente,

Em resposta ao ofício nº 008/2013/GP, venho à presença de

Vossa Senhoria para apresentar algumas considerações iniciais quanto

à proposta de Parceria Público-Privada (PPP) para a construção de

uma nova penitenciária no complexo prisional de Aparecida de

Goiânia.

Dada à complexidade do assunto e das profundas

implicações da proposta na política e na gestão penitenciária, faço

neste primeiro momento apenas uma abordagem preliminar, nos

tópicos abaixo, de alguns aspectos a serem considerados pelo Governo

do Estado de Goiás no encaminhamento desse projeto.

a) Da ausência de base legal e constitucional para a PPP

No exercício de suas atribuições e competências, o Estado,

aqui considerado em sentido amplo, tem funções que não podem ser

delegadas ao particular. Dentre elas sobressai o jus puniendi. A

Page 2: 006 PPP considerações iniciais

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

25ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GOIÂNIA

Ministério Público do Estado de Goiás – 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia

Rua 23, Qd. A 06, Lts. 15/24, sala 324, Jardim Goiás Goiânia - Goiás - CEP: 74.805-100 Fone: (62) 3243-8428 – 3243-8429

2

assunção do direito de punir pelo Estado constitui-se, aliás, em marco no

processo civilizatório e um dos principais fundamentos que justificam a

existência do próprio Estado.

A proposta de PPP trazida ao conhecimento deste Órgão

pretende que a execução da pena privativa de liberdade, no plano

administrativo, seja gerida por uma empresa privada, responsável por

todo o funcionamento, direção, segurança interna, assistência e

manejo dos presidiários. O Estado não participaria diretamente da

execução da pena de prisão, resumindo-se a atuação do Poder

Público às competências do juiz da execução penal, distante, portanto,

do ambiente carcerário.

A permanência do homem no cárcere é tarefa exclusiva do

Estado, inclusive com previsão expressa da responsabilidade objetiva

deste pela prisão ilegal (CF, art. 5º, LXXV).

Outro aspecto importante é a delegação do poder

disciplinar ao particular. O cenário da PPP traz a possibilidade da

imposição da sanção disciplinar ao preso faltoso por empregado da

empresa gestora (LEP, art. 47). Tal possibilidade dificilmente se

harmonizaria com o caráter eminentemente público que deve ter a

administração da execução penal.

Não é sem razão, aliás, que a própria Lei nº 11.079/2004,

que regula as PPP’s no Brasil, dispõe textualmente:

Art. 4º. Na contratação de parceria público-privada serão

observadas as seguintes diretrizes:

Page 3: 006 PPP considerações iniciais

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

25ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GOIÂNIA

Ministério Público do Estado de Goiás – 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia

Rua 23, Qd. A 06, Lts. 15/24, sala 324, Jardim Goiás Goiânia - Goiás - CEP: 74.805-100 Fone: (62) 3243-8428 – 3243-8429

3

...

III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do

exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do

Estado.

A execução da pena privativa de liberdade é, sim,

exclusiva do Estado. Não poderia, portanto, ser delegada ao particular.

b) Os valores fabulosos previstos para a PPP

A proposta de PPP não atende ao interesse público!

R$2.603.328.000,00 (dois bilhões, seiscentos e três milhões,

trezentos e vinte e oito mil reais). Este é o valor a ser desembolsado pelo

Estado de Goiás, em 28 anos, em favor da empresa que irá administrar

o presídio em PPP. Na média, o gasto será de R$7.748.000,00 por mês, o

que equivale a R$4.842,50 por preso/mês.

Possivelmente1 seja mais dinheiro do que tudo o que se

gastou com todo o sistema prisional goiano desde a construção do

antigo Cepaigo, há mais de 40 anos. Frisa-se: mais do que se gastou

com todo o sistema prisional goiano por 40 anos, não apenas com o

Cepaigo.

A PPP comprometerá, pois, uma considerável fatia do

orçamento público. Nos primeiros 14 anos, inclusive, o desembolso anual

de recursos do Tesouro para essa única prisão será de R$105.350.400,00,

1 Com um pouco mais de tempo os dados poderiam ser confirmados em pesquisa.

Page 4: 006 PPP considerações iniciais

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

25ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GOIÂNIA

Ministério Público do Estado de Goiás – 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia

Rua 23, Qd. A 06, Lts. 15/24, sala 324, Jardim Goiás Goiânia - Goiás - CEP: 74.805-100 Fone: (62) 3243-8428 – 3243-8429

4

muito próximo ao que hoje se desembolsa para o custeio de todo o

sistema prisional goiano2.

Com a perspectiva que se abre a partir da destinação

desses volumosos recursos para uma única prisão, o panorama passa a

ser ainda mais tenebroso para o restante do sistema prisional, que

deverá enfrentar mais dificuldades orçamentárias para investimentos e

custeio.

Observe-se que a prisão em PPP projeta 1.600 vagas, sendo

que o Estado de Goiás conta hoje com aproximadamente 12.000

presos. Na PPP proposta, o Estado gastará nos 14 primeiros anos cerca

de R$105.350.400,00/ano com uma única prisão que abrigará cerca 13%

da população carcerária. Para os 87% restantes seria gasto pouco mais

do que aquele valor.

c) A falta de planejamento do sistema prisional goiano

Merece registro, ainda, que a proposta de PPP não se

enquadra em planejamento coerente de ações para o sistema prisional

goiano.

O complexo prisional de Aparecida de Goiânia conta hoje

com quase 4.000 pessoas (homens e mulheres) presas. Com o novo

presídio, essa população saltará para quase 6.000 presos. Uma

2 No ano de 2012, a AGSEP teve despesas empenhadas no valor total de R$142.738.093,65. Informação

colhida no Portal da Transparência do Governo de Goiás.

Page 5: 006 PPP considerações iniciais

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

25ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GOIÂNIA

Ministério Público do Estado de Goiás – 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia

Rua 23, Qd. A 06, Lts. 15/24, sala 324, Jardim Goiás Goiânia - Goiás - CEP: 74.805-100 Fone: (62) 3243-8428 – 3243-8429

5

verdadeira cidade-prisão, em descompasso com a Ciência

Penitenciária, que postula por prisões menores e pela não

concentração de presidiários em um único local.

Não obstante venha sendo divulgado pela imprensa que o

antigo Cepaigo será implodido, a proposta da PPP não traz essa

possibilidade. Pelo contrário, apresenta-se apenas como ampliação do

número de vagas, visando atender à demanda crescente do sistema

prisional goiano.

Um mínimo planejamento (observadas as necessidades de

cada região do Estado de Goiás, assim como demandas específicas

por cadeias públicas, penitenciárias, colônias do semiaberto, unidades

masculinas ou femininas) poderia melhor embasar os investimentos do

Estado no sistema prisional. E a PPP compromete uma cifra bilionária

para os próximos anos, o que fatalmente inviabilizará o atendimento a

outras importantes demandas do setor.

A verba prevista para a PPP seria mais do que suficiente

para a reorganização de todo o sistema prisional em todas as regiões

do Estado de Goiás. Concentrar vultuosa soma de recursos públicos em

uma única proposta de PPP não seria algo em sintonia com o princípio

republicano.

d) O necessário diálogo com a sociedade e com as instituições

Não poderia deixar de constar destas considerações

preliminares uma crítica ao açodamento com que esse tema – PPP

para novo presídio – vem sendo tratado no âmbito do Governo.

Page 6: 006 PPP considerações iniciais

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

25ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE GOIÂNIA

Ministério Público do Estado de Goiás – 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia

Rua 23, Qd. A 06, Lts. 15/24, sala 324, Jardim Goiás Goiânia - Goiás - CEP: 74.805-100 Fone: (62) 3243-8428 – 3243-8429

6

A natureza pública e indelegável da execução da pena

privativa de liberdade, as cifras bilionárias envolvidas, a gravidade dos

problemas por que passa o sistema prisional goiano, dentre outros

fatores, são mais do que suficientes a exigir responsabilidade e zelo na

condução dessa matéria.

A alteração legislativa casuística como a promovida ao

final do ano de 2012 (Lei nº 17.919, de 27/dezembro/2012), que passou a

permitir a construção de unidades prisionais de grande porte,

nitidamente voltada a preparar o terreno para a implementação da

proposta de PPP em andamento, deveria ter sido precedida de debate

com as instituições ligadas à execução penal. Grave erro e sinal de que

a decisão política talvez não atenda – se é que já não foi tomada – às

reais necessidades do setor.

Nesta primeira análise, Senhor Presidente, o Ministério

Público do Estado de Goiás observa que a proposta de PPP em questão

não encontra base constitucional nem legal, não atende ao princípio

republicano, ao interesse público, tampouco contempla soluções

efetivas e duradouras para as demandas do sistema prisional goiano.

Restrito ao assunto, subscrevo-me.

HAROLDO CAETANO DA SILVA

PROMOTOR DE JUSTIÇA