003_pessoarobertofreitas_pamplonafilhorodolfo

13
Rev. TST, Brasília, vol. 76, n o 2, abr/jun 2010 43 A NOVA VELHA QUESTÃO DA ULTRA-ATIVIDADE DAS NORMAS COLETIVAS E A SÚMULA Nº 277 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO Roberto Freitas Pessoa * Rodolfo Pamplona Filho ** 1 – INTRODUÇÃO U m dos temas que mais frequentemente verificamos divergência entre a jurisprudência consolidada e o que se propugna na doutrina especializada é a velha questão da ultra-atividade das normas coletivas. Denomina-se a questão de “velha” não por estar superada, mas sim por ser objeto de reflexão há muitos anos na dogmática jurídica trabalhista nacional e estrangeira. E esta “velha questão” ganhou nova roupagem e, no nosso entender, nova solução com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004. É o enfrentamento desta “nova velha questão” o objetivo deste artigo. Vamos a ela! 2 – ULTRA-ATIVIDADE OU ULTRATIVIDADE? EVITANDO UMA CRÍTICA DESNECESSÁRIA... Antes de enfrentarmos a questão propriamente dita, uma dúvida terminológica nos assalta: ultra-atividade ou ultratividade? * Desembargador Ex-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região convocado para o Tribunal Superior do Trabalho; membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho e do Instituto dos Advogados da Bahia. ** Juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador (Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região); professor Titular de Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador (UNIFACS); professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Professor da Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da UFBA; coordenador do Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho do JusPodivm/BA; mestre e doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.

description

ULTRATIVIDADE DAS NORMAS COLETIVAS

Transcript of 003_pessoarobertofreitas_pamplonafilhorodolfo

  • Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010 43

    A NOVA VELHA QUESTO DAULTRA-ATIVIDADE DAS NORMAS COLETIVASE A SMULA N 277 DO TRIBUNAL SUPERIOR

    DO TRABALHO

    Roberto Freitas Pessoa*Rodolfo Pamplona Filho**

    1 INTRODUO

    Um dos temas que mais frequentemente verificamos divergncia entrea jurisprudncia consolidada e o que se propugna na doutrinaespecializada a velha questo da ultra-atividade das normas coletivas.Denomina-se a questo de velha no por estar superada, mas sim por

    ser objeto de reflexo h muitos anos na dogmtica jurdica trabalhista nacionale estrangeira.

    E esta velha questo ganhou nova roupagem e, no nosso entender,nova soluo com o advento da Emenda Constitucional n 45/2004.

    o enfrentamento desta nova velha questo o objetivo deste artigo.

    Vamos a ela!

    2 ULTRA-ATIVIDADE OU ULTRATIVIDADE? EVITANDO UMACRTICA DESNECESSRIA...

    Antes de enfrentarmos a questo propriamente dita, uma dvidaterminolgica nos assalta: ultra-atividade ou ultratividade?

    * Desembargador Ex-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 5 Regio convocado para oTribunal Superior do Trabalho; membro do Instituto Baiano de Direito do Trabalho e do Instituto dosAdvogados da Bahia.

    ** Juiz titular da 1 Vara do Trabalho de Salvador (Tribunal Regional do Trabalho da 5 Regio); professorTitular de Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador (UNIFACS); professor adjuntoda Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Professor da Ps-Graduao emDireito (Mestrado e Doutorado) da UFBA; coordenador do Curso de Especializao em Direito eProcesso do Trabalho do JusPodivm/BA; mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo; membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e daAcademia de Letras Jurdicas da Bahia.

  • D O U T R I N A

    44 Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010

    A pergunta aqui lanada apenas para explicitar que ambas as formasdevem ser aceitas no uso pragmtico dos Tribunais.

    Com efeito, em que pese o fato de que nenhuma das duas expressesesteja dicionarizada expressamente1, ambas esto consagradas pelo uso, nosomente na rea trabalhista, mas, tambm, na rea civil stricto sensu e criminal.

    No nosso entender, porm, a expresso ultra-atividade parece ser maisadequada, com a explicitao do prefixo ultra, para a demonstrao de setratar de uma hiptese de produo de efeitos alm do originalmente previsto.

    Destaca-se, inclusive, que, segundo os lexiclogos, separam-se por hfenos prefixos antes das palavras seguidas de vogal e das letras h, r e s,como, por exemplo, auto-nibus, ultra-sensvel e, justamente, o termoultra-atividade2.

    Na jurisprudncia regional, inclusive, encontramos referncia expressaao termo, destacando-se, no particular, o Enunciado da Smula n 2 do TRT da5 Regio, que estabelece:

    Smula n 2. Ultratividade de Normas Coletivas.

    As clusulas normativas, ou seja, aquelas relativas s condiesde trabalho, constantes dos instrumentos decorrentes da autocomposi-o (Acordo Coletivo de Trabalho e Conveno Coletiva de Trabalho),gozam do efeito ultra-ativo, em face do quanto dispe o art. 114, 2, daConstituio Federal de 1988, incorporando-se aos contratos individuaisde trabalho, at que venham a ser modificadas ou excludas por outroinstrumento da mesma natureza. (Resoluo Administrativa n 19/2002 Publicada no Dirio Oficial do TRT da 5 R., edies de 03, 04 e05.06.2002)

    Aqui, temos uma prova inequvoca da utilizao das duas formaspossveis do vocbulo (ultratividade e ultra-ativo), alm de uma previsojurisprudencial consolidada da sua aceitao.

    Mas, ainda que em breves palavras, em que consiste esse instituto?

    o que enfrentaremos no prximo tpico!

    1 Consulte-se, a ttulo exemplificativo: FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio Aurlioda Lngua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986; HOUAISS, Antnio; VILLAR,Mauro de Salles. Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

    2 Sobre o tema, confiram-se os ensinamentos da Professora Maria de Lurdes Siqueira, mestra em LnguaPortuguesa, publicados no Jornal A Tarde, de maio de 2004.

  • D O U T R I N A

    Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010 45

    3 EM QUE CONSISTE A ULTRA-ATIVIDADE DAS NORMASCOLETIVAS TRABALHISTAS?

    A ideia bsica da ultra-atividade das normas coletivas trabalhistas consisteno reconhecimento de situaes em que esgotado o prazo previsto de vignciada norma, esta deve continuar a produzir efeitos at que outra posteriordetermine sua cessao.

    Para alguns, pode soar como uma ideia aparentemente revolucionria,uma vez que a concepo natural de uma norma temporria o esgotamentode seus efeitos nas situaes consolidadas durante sua vigncia.

    Todavia, a questo muito mais profunda do que se possa imaginar.

    De fato, o processo de negociao coletiva importa sempre avanos econcesses, em que cada conquista consolida um posicionamento e uma garantiada categoria.

    Ser razovel que, a cada negociao coletiva, se tenha que reinventara roda, com a negociao partindo do zero, de cada ponto que a categoriatradicionalmente j tinha se diferenciado em relao aos demais trabalhadores?

    Lana-se esta pergunta para se responder a posteriori...

    Isto porque, em que pese a j demonstrada existncia de divergnciajurisprudencial (vide a j citada Smula n 2 do Tribunal Regional do Trabalhoda 5 Regio), o fato que a jurisprudncia consolidada no Tribunal Superiordo Trabalho, embora reconhea a existncia do instituto, rechaa a sua aplicaoatual.

    4 A SMULA N 277 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

    Estabelece a Smula n 277 do Tribunal Superior do Trabalho:

    Smula n 277. Sentena normativa. Conveno ou acordocoletivos. Vigncia. Repercusso nos contratos de trabalho (Redaoalterada na sesso do Tribunal Pleno, em 16.11.2009 Resoluo n161/2009, DJe divulgado em 23, 24 e 25.11.2009)

    I As condies de trabalho alcanadas por fora de sentenanormativa, conveno ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado,no integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.

    II Ressalva-se da regra enunciada no item I o perodocompreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei n

  • D O U T R I N A

    46 Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010

    8.542, revogada pela Medida Provisria n 1.709, convertida na Lei n10.192, de 14.02.2001.

    Trata-se da vigente redao do referido extrato da jurisprudnciaconsolidada, explicitando o que a redao original (Sentena normativa.Vigncia. Repercusso nos contratos de trabalho. As condies de trabalhoalcanadas por fora de sentena normativa vigoram no prazo assinado, nointegrando, de forma definitiva, os contratos), editada pela Resoluo n 10/1988 (DJ 01, 02 e 03.03.1988), no podia dispor, em funo da Lei n 8.542lhe ser posterior, ou seja, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu apossibilidade jurdica de incorporao das clusulas normativas ao contrato detrabalho, mas a limitou ao perodo de 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigoroua Lei n 8.542, revogada pela Medida Provisria n 1.709, convertida na Lei n10.192, de 14.02.2001.

    Isso porque, efetivamente, no campo do direito positivo infraconstitu-cional, o art. 1, 1, da Lei n 8.542/1992 consagrou, de forma expressa, oprincpio ultra-ativo.

    Confira-se a redao do mencionado dispositivo:

    Art. 1 A poltica nacional de salrios, respeitado o princpio dairredutibilidade, tem por fundamento a livre negociao coletiva e reger-se- pelas normas estabelecidas nesta lei.

    1 As clusulas dos acordos, convenes ou contratos coletivosde trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somentepodero ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenoou contrato coletivo de trabalho.

    2 As condies de trabalho, bem como as clusulas salariais,inclusive os aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisossalariais proporcionais extenso e complexidade do trabalho, serofixadas em contrato, conveno ou acordo coletivo de trabalho, laudoarbitral ou sentena normativa, observadas, dentre outros fatores, aprodutividade e a lucratividade do setor ou da empresa. (grifos nossos)

    Esse dispositivo teve sua vigncia revigorada, em um fenmeno muitosemelhante repristinao (no se reconhece como tal, pela sua vedao peloartigo da Lei de Introduo ao Cdigo Civil brasileiro), pela Lei n 8.880/1994(Plano de Estabilidade Econmica, denominado Plano Real), cujo art. 26 assimpreceituou:

    Art. 26. Aps a converso dos salrios para URV, de conformi-dade com os arts. 19 e 27 desta lei, continuam asseguradas a livre

  • D O U T R I N A

    Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010 47

    negociao e a negociao coletiva dos salrios, observado o dispostonos 1 e 2 do art. 1 da Lei n 8.542, de 1992.

    Vale destacar que o sobredito dispositivo foi evidente preparatrio parauma nova concepo daquilo que se convencionou chamar de Contrato Coletivode Trabalho3, tendo sobrevivido inclume at a 37 edio da Medida Provisria,convertida na Lei n 10.192/2001, editada em complementao ao referidoPlano de Estabilizao.

    Contudo, se a explicitao referente ao perodo em que a normainfraconstitucional reconheceu expressamente a ultra-atividade foi de bom tom,a extenso da restrio eficcia ps-vigncia das normas coletivas autnomasparece estar fora da vontade do legislador constituinte derivado.

    o que se pretende provar no prximo tpico.

    5 O PODER NORMATIVO DA JUSTIA DO TRABALHO APS AEMENDA CONSTITUCIONAL N 45/2004

    A Emenda Constitucional n 45, de 31 de dezembro de 2004, modificousubstancialmente as regras bsicas de competncia da Justia do Trabalho.

    Com efeito, destrinchou o prolixo caput do art. 114, enxugando-o edeixando para nove incisos a tarefa de especificar qual a nova competnciatrabalhista.

    claro que, at mesmo pelo nmero e extenso dos incisos, no se podenegar que a atuao da Justia do Trabalho foi visivelmente ampliada.

    Lembremos como ficou a nova redao do art. 114 da ConstituioFederal:

    Art. 114. Compete Justia do Trabalho processar e julgar:

    I as aes oriundas da relao de trabalho, abrangidos os entesde direito pblico externo e da administrao pblica direta e indiretada Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios;

    3 No Brasil, os instrumentos jurdicos geram efeitos apenas no perodo de vigncia. O ideal que osefeitos sejam permanentes at que um novo instrumento revogue o antigo, ou a demonstrao deonerosidade seja declarada em processo de renncia, movido pelo interessado. Esta a tendncia maismarcante nos pases com experincias trabalhistas mais democrticas e perenes. (NETO, Jos FranciscoSiqueira. Trabalhadores: a modernizao necessria. Teoria e Debate n 23, dez./jan./fev. 1994.Disponvel em: .Acesso em: 10 jun. 2010)

  • D O U T R I N A

    48 Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010

    II as aes que envolvam exerccio do direito de greve;

    III as aes sobre representao sindical, entre sindicatos, entresindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

    IV os mandados de segurana, habeas corpus e habeas data,quando o ato questionado envolver matria sujeita sua jurisdio;

    V os conflitos de competncia entre rgos com jurisdiotrabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

    VI as aes de indenizao por dano moral ou patrimonial,decorrentes da relao de trabalho;

    VII as aes relativas s penalidades administrativas impostasaos empregadores pelos rgos de fiscalizao das relaes de trabalho;

    VIII a execuo, de ofcio, das contribuies sociais previstasno art. 195, I, a, e II, e seus acrscimos legais, decorrentes das sentenasque proferir;

    IX outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho, naforma da lei.

    1 Frustrada a negociao coletiva, as partes podero elegerrbitros.

    2 Recusando-se qualquer das partes negociao coletiva ou arbitragem, facultado s mesmas, de comum acordo, ajuizar dissdiocoletivo de natureza econmica, podendo a Justia do Trabalho decidiro conflito, respeitadas as disposies mnimas legais de proteo aotrabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

    3 Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidadede leso do interesse pblico, o Ministrio Pblico do Trabalho poderajuizar dissdio coletivo, competindo Justia do Trabalho decidir oconflito.

    Ora, o art. 114, 2, da Constituio Federal de 1988 j contemplava opoder normativo da Justia do Trabalho na sua redao original.

    Naquele momento, a redao ressalvava as condies legais ouconvencionais mnimas de proteo ao trabalho.

    Contudo, a EC 45 deu nova conformao aos Dissdios Coletivos,enfatizando, porm, que a atuao do Poder Judicirio Trabalhista, na espcie,dever respeitar as disposies mnimas legais de proteo ao trabalho, bemcomo as convencionadas anteriormente (grifos nossos).

  • D O U T R I N A

    Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010 49

    A insero procedida pelo reformador constituinte de uma contundnciaque no pode ser desprezada.

    O Poder Judicial-Normativo no pode reduzir as clusulas de naturezaeconmica, estejam ou no em vigor as disposies convencionais que ascontm.

    Assim, se o que for decidido pelo Poder Judicirio, no exerccio do seupoder normativo, ter sempre eficcia temporal limitada, o mesmo no deveser dito das normas pactuadas no exerccio da autonomia coletiva da vontade.

    E assim porque h, efetivamente, a ultra-atividade dessas clusulas,enquanto no sobrevier negociao coletiva que resulte em sua supresso.

    A regra constitucional se concilia, no plano lgico, com o princpio daautodeterminao coletiva (art. 7, inciso XXVI, CF/88), dado que o eventualinteresse de rever conquistas obreiras motivar o empregador a iniciar anegociao coletiva de trabalho, expondo-se visceralmente a outras eventuaisdemandas.

    Registre-se, inclusive, que h categorias profissionais e econmicas (aexemplo dos Rodovirios e Empresas de Transporte Rodovirio do Estado daBahia) que, tradicionalmente, consagram na data-base o princpio ultra-ativodas clusulas normativas, reduzindo ou revisando aquelas destinadas correosalarial ou mesmo percentual de horas extras, intervalo intrajornada etc.

    6 A RAZOABILIDADE DA NECESSIDADE DE REVISO DASMULA N 277

    Para que o tema aqui defendido no soe simplesmente como um discursode um voto vencido, mas sim como uma ponderada sugesto de reviso doentendimento at aqui consolidado realizado em premissas constitucionaisanteriores parece-nos razovel demonstrar que o prprio Tribunal Superiordo Trabalho tem flexibilizado esse entendimento, admitindo a ultra-atividadeem casos em que a vantagem foi mantida aps a extino do convnio.

    o caso, apenas a ttulo exemplificativo, da Orientao Jurisprudencialn 41 da SBDI-1 Subseo I Especializada em Dissdios Individuais, quepreceitua:

    OJ SDI-1 41. ESTABILIDADE. INSTRUMENTO NORMATI-VO. VIGNCIA. EFICCIA (Inserida em 25.11.1996). Preenchidostodos os pressupostos para a aquisio de estabilidade decorrente deacidente ou doena profissional, ainda durante a vigncia do instrumen-

  • D O U T R I N A

    50 Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010

    to normativo, goza o empregado de estabilidade mesmo aps o trminoda vigncia deste.

    E mais recentemente, a sobredita Subseo de Dissdios Individuais,em acrdo da lavra do Ministro Augusto Csar de Brito, firmou teseproclamando o efeito ultra-ativo de uma clusula normativa, assecuratria deindenizao na resilio contratual, mesmo aps expirado o prazo de vignciada conveno coletiva que a instituiu, citando, o eminente Relator, precedentesda pr-citada Subseo, nos seguintes termos:

    RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI N 11.496/2007. INDENIZAO POR TEMPO DE SERVIO. INCORPORA-O AO CONTRATO DE TRABALHO DE VANTAGEM PREVISTAEM NORMA COLETIVA. ENERSUL. A existncia de clusula norma-tiva criando a indenizao por tempo de servio e incorporao dessavantagem aos contratos de trabalho em curso no perodo de vigncia doacordo coletivo, mesmo que a resilio contratual tenha se verificadoaps a vigncia da norma coletiva, impe a observncia do pactuadocoletivamente em razo do disposto no art. 7, XXVI, porquanto as par-tes decidiram incorporar aos contratos individuais de trabalho de formadefinitiva a indenizao por tempo de servio em face de dispensa semjusta causa. Recurso de embargos conhecido e provido. (Ac. SDI-1RR-4924900-11.2002.5.24.0900)

    Alm disso, diante da possibilidade do reconhecimento constitucionalda ps-eficcia das normas coletivas, vale relembrar que esse posicionamento perfeitamente constitucional com a concepo doutrinria assentada sobre oprazo de validade dos instrumentos normativos trabalhistas, como se observano entendimento do Ministro Augusto Csar, pronunciado em ateno a nossasolicitao para elaborao desse trabalho.

    Diz o douto Augusto Csar de Brito:

    O art. 114, 2, da CRFB, contemplava o poder normativo daJustia do Trabalho j antes da EC 45/2004 e ressalva as condies legaisou convencionais mnimas de proteo ao trabalho. A EC 45 deu novaconformao aos dissdios coletivos, mas enfatizou que o conflitocoletivo decidir o conflito respeitando as disposies legais mnimasde proteo ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.O lxico constitucional contundente: o poder judicial-normativo nopode reduzir as clusulas de natureza econmica, estejam ou no emvigor as convenes coletivas que as contm. E assim porque h aultra-atividade dessas clusulas enquanto no sobreviver negociao

  • D O U T R I N A

    Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010 51

    coletiva que resulte em sua supresso. A regra constitucional se concilia,no plano lgico, com o princpio da autodeterminao coletiva (art. 7,XXVI, CRFB), dado que o eventual interesse de rever conquistas obreirasmotivar o empregador a iniciar a negociao coletiva de trabalho,expondo-se visceralmente a outras eventuais demandas. Por taispremissas, ressalvo entendimento aluso que o item I da Smula n277 do TST faz aos acordos coletivos e convenes coletivas, pois asobrevigncia do contedo normativo dessas fontes jurdicas garantiaconstitucional.

    Com efeito, os opositores corrente doutrinria que proclama o efeitoultratemporal das clusulas estatudas em instrumentos normativos provocamo debate, acenando para a disposio contida no 3 do art. 614 da CLT, pois,segundo essa linha de raciocnio, o legislador fixou, por esse dispositivo, olimite de durao das normas coletivas, vedando uma transposio para oscontratos de trabalho pactuados individualmente durante a sua vigncia portempo indeterminado.

    Argumentam, em sntese, que, se assim no fosse, inconsistente seria aobrigao de se estipular, no instrumento normativo, a validade de, no mximo,dois anos, pois vedado se fixar prazo superior.

    Para elucidar a controvrsia, impe-se o estudo inicial sobre a naturezajurdica das clusulas inseridas nos instrumentos normativos, a fim de severificar a sua identidade com o tempo de durao. A fonte doutrinria resolvea questo apontando as diferenas existentes entre as clusulas institudas nosrespectivos instrumentos, mediante a classificao de obrigacionais ounormativas.

    Nessa linha classificatria, lecionava Octvio Bueno Magano que asclusulas normativas so aquelas que correspondem ao conceito de condiesde trabalho, aptas a se tornarem parte integrante de contratos individuais,conceito esse que se reflete no art. 611 da CLT.

    Tendo-as presente, pode-se afirmar que constituem condies de trabalhoas clusulas concernentes remunerao, s horas de trabalho, aos perodosde repouso etc. Enquanto as clusulas obrigacionais dos instrumentosnormativos (Acordo Conveno) so definidas como aquelas que geramdireitos e obrigaes entre as partes convenentes, e dividem-se em clusulastpicas e atpicas. As primeiras correspondem aos deveres de paz e de influncia;as ltimas, dizem respeito aos mecanismos de administrao da convenocoletiva, como a instituio de comisso encarregada de dirimir controvrsiasdela emergentes. As clusulas atpicas podem ser instrumentais, como na

  • D O U T R I N A

    52 Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010

    hiptese acima figurada, ou no instrumentais, quando se referem no satisfao de interesses dos trabalhadores ou empregadores, mas aos interessesdos prprios sindicatos convenentes4.

    Para o professor baiano e magistrado Washington da Trindade, essaclassificao se impe como meio para se decidir sobre a ultra-atividade dasclusulas dos precitados instrumentos, nos seguintes termos:

    preciso distinguir, todavia, entre durao de Acordo e projeode suas normas. As obrigaes para as partes signatrias e que constituemcontedo obrigacional de acordo extinguir-se-o com o trmino de suavigncia. J as disposies que so estabelecidas para as relaesindividuais de trabalho e que constituem o contedo normativo do Acordono desaparecem com o trmino da durao; projetam-se sobre oscontratos de trabalho em curso, neles se inserem, passam a ser, da pordiante, normas de cada um em dois contratos individuais, nelesencontrando o fundamento de sua perdurabilidade, mesmo aps o termofinal do Acordo Coletivo.5

    Este , tambm, o magistrio do mestre Pinho Pedreira:

    Clusulas obrigacionais so as que criam deveres para as prpri-as partes (por exemplo, os sindicatos, na conveno), como as sanespor seu inadimplemento, a criao de comisses paritrias para dirimi-rem divergncias quanto sua interpretao, as que impem o dever depaz ou de influncia junto aos membros da categoria, no sentido daobservncia das obrigaes que lhes imponha o acordo ou a sentena, ainstituio de processos de recurso e de mecanismos de conciliao earbitragem criao de obras sociais, como colnias de frias e creches. indubitvel que as clusulas dessa natureza no gozam de ultra-ativi-dade. A sua vigncia cessa com a do instrumento normativo que asencerre.

    Muito diferente o que se passa com as clusulas normativas,aquelas que predeterminam o contedo dos contratos individuais dotrabalho, salvo quando estes estipulam condies mais favorveis doque as nelas consignadas.6

    4 MAGANO, Otvio Bueno. Conveno coletiva de trabalho. Curso de Direito do Trabalho emhomenagem a Mozar Victor Russomano. So Paulo: Saraiva, 1985. p. 503.

    5 TRINDADE, Washington da. O superdireito nas relaes de trabalho. Salvador: Distribuidora deLivros de Salvador, 1982. p. 87.

    6 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. Salvador: Contraste, 1996.p. 134.

  • D O U T R I N A

    Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010 53

    Do entendimento sobredito, pode-se concluir neste tpico que apenasas clusulas obrigacionais perdem eficcia aps o prazo de vigncia estipuladona conveno diante da sua natureza contratual, enquanto as demais, decontedo normativo, ganham corpo reflexivo sobre os contratos individuaispor fora atrativa advinda da sua projeo.

    E, resumindo o pensamento da corrente doutrinria favorvel incorporao, reside a lio do insigne professor Washington da Trindade:

    H uma funo receptcia do contrato individual e uma funooutorgante do Acordo Coletivo, acasalando-se para a transposio dodireito que sai da esfera do Acordo Coletivo para penetrar no mbito docontrato individual, como norma que por si se manter, no necessitandomais do Acordo Coletivo para se fundamentar. esse o efeitoultratemporal dos Acordos Coletivos, no expressos em nossas leis, masconsubstanciando uma frmula aceita como prpria do instituto.7

    Ao lado disso, este estudo nos obriga a uma pesquisa no Direitoestrangeiro, a fim de observarmos a posio adotada pelos pases maisrepresentativos e cuja doutrina tem repercusso no Brasil.

    Dentro desse contexto, encontramos pases que admitem a supresso oua reduo de vantagens previstas em instrumentos anteriores, em geral acordose convenes, por ocasio da celebrao de um novo instrumento, a exemploda ustria, Chile, Colmbia, Espanha, Frana, Holanda, Itlia, Polnia,Alemanha e Sua.

    Por outro lado, h pases que inadmitem a modificao, salvo se maisbenfica para o trabalhador, nestes, se incluindo, a ttulo exemplificativo,Argentina, Blgica, Mxico, Paraguai, Venezuela e Uruguai, dentre outros.

    7 CONSIDERAES FINAIS

    Ante o exposto, a ttulo de consideraes finais, possvel sistematizaras seguintes concluses:

    1) A tese da ultra-atividade das normas coletivas oriundas da fonte deproduo autnoma teve previso legal especfica de aplicao no perodocompreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei n 8.542,revogada pela Medida Provisria n 1.709, convertida na Lei n 10.192, de14.02.2001;

    7 TRINDADE, Washington da. O superdireito nas relaes de trabalho. Salvador: Distribuidora deLivros Salvador, 1982. p. 87.

  • D O U T R I N A

    54 Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010

    2) A Smula n 277 do Tribunal Superior do Trabalho buscou uniformizara interpretao sobre o tema, adotando teoria negativa da aplicabilidade ante arevogao expressa da previso legal autorizadora;

    3) Com o advento da nova redao do art. 114 da Constituio Federal,por fora da Emenda Constitucional n 45/2004, a meno, no seu 2, de quedevem ser respeitadas as disposies mnimas legais de proteo ao trabalho,bem como as convencionadas anteriormente, traz, como novidade, a refernciaao respeito s disposies mnimas convencionadas anteriormente, o quesignifica nova fundamentao normativa para acolhimento da tese daultratividade das normas coletivas;

    4) Considerando o fato novo, decorrente do exerccio do poder constituintederivado, razovel reconhecer-se a necessidade de reviso da Smula n 277;

    5) A adoo da teoria da ultra-atividade das normas coletivas, alm deestimular a negociao coletiva e atuao sindical, mostra-se perfeitamentecompatvel com a legislao estrangeira, afinando-se o Brasil com outrossistemas normativos correlatos.

    8 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BRITO, Augusto Csar de Carvalho. Acrdo SBDI-1 n 4924900-11.2002.5.24.0900.

    FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

    GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. ParteGeral. 9. ed. So Paulo: Saraiva, 2007. v. I.

    HOUAISS, Antnio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa.Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

    MAGANO, Otvio Bueno. Conveno coletiva de trabalho. Curso de Direito do Trabalho emhomenagem a Mozar Victor Russomano. So Paulo: Saraiva, 1985.

    NETO, Jos Francisco Siqueira. Trabalhadores: a modernizao necessria. Teoria e Debate, n.23, dez. 1993/jan.-fev. 1994. Disponvel em: . Acesso em: 10 jun. 2010.

    PAMPLONA FILHO, Rodolfo. A nova competncia da Justia do Trabalho (uma contribuiopara a compreenso dos limites do novo art. 114 da Constituio Federal de 1988). Revista LTr,So Paulo, ano 70, jan. 2006, p. 38-49; Revista de Direito do Trabalho, n. 121, ano 32, SoPaulo, jan./mar. 2006, p. 233-258; Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, anoXIII, n. 13, So Paulo, 2005, p. 175-195.

    PESSOA, Roberto. A ultra-atividade das normas coletivas. In: RIBEIRO, Llia GuimaresCarvalho; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direito do Trabalho: estudos em homenagem ao Prof.Luiz de Pinho Pedreira da Silva. So Paulo: LTr, 1996. p. 470-481.

  • D O U T R I N A

    Rev. TST, Braslia, vol. 76, no 2, abr/jun 2010 55

    SILVA, Lus de Pinho Pedreira da. Principiologia do Direito do Trabalho. Salvador: Contraste,1996.

    SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Ler e escrever. Jornal A Tarde, Salvador, maio 2002.

    TRINDADE, Washington da. O superdireito nas relaes de trabalho. Salvador: Distribuidorade Livros de Salvador, 1982.