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Múltiplos saberes:

ensaios, conferências ecomunicações

VI Seminário de Iniciação Científica e

Tecnológica da Unigranrio (SINCTEC 2012)

Virgínia Genelhu de Abreu(Organização)

Salvador / Duque de CaxiasEditora Pontocom / Unigranrio

2013

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Copyright © 2013 UnigranrioDireitos adquiridos para a publicação emformato eletrônico pela Editora Pontocom

Projeto gráfico, preparação dos originaise editoração eletrônica: Editora Pontocom

Coordenação Editorial: André Gattaz

Capa: montagem sobre estudos deLeonardo da Vinci (1452-1519)

Também disponível em formato ePubno site www.editorapontocom.com.br

Catalogação na Fonte / Núcleo de

Coordenação de Bibliotecas – Unigranrio

M961 Múltiplos saberes: ensaios, conferências e comunicações/

Organização Virgínia Genelhu de Abreu. – Salvador :

Pontocom; Duque de Caxias : UNIGRANRIO, 2013.

176 p. : il. graf.col.; 21 cm

“VI Seminário de Iniciação Científica e Tecnológica da

Unigranrio (SINCTEC 2012)”.

ISBN: 978-85-66048-25-4

1. Pesquisa. 2. Pesquisa – Seminários I. Abreu, Virgínia

II. Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza

Herdy”. III. Título.

CDD - 001.4

CDU - 001.1

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Universidade do Grande RioUNIGRANRIO

ReitorArody Cordeiro Herdy

Pró-Reitor de Administração AcadêmicaCarlos de Oliveira Varella

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoEmilio Antônio Francischetti

Pró-Reitor AdministrativoJosé Luiz Rosa Lordello

Pró-Reitora Comunitária e de ExtensãoSônia Regina Mendes

DIRETORES DE UNIDADES ACADÊMICAS

Escola de Ciências Sociais e AplicadasBenjamin Salgado Quintans

Escola de Educação, Ciências, Letras,Artes e Humanidades

Haydéa Maria Marino de Sant’Anna Reis

Escola de Ciência e TecnologiaHerbert Gomes Martins

Escola de Ciências da SaúdeHulda Cordeiro Herdy Ramin

Assessoria de Desenvolvimento AcadêmicoIla Kemp

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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoEmilio Antônio Francischetti

Diretora do Núcleo de Pesquisa e Iniciação CientíficaVirgínia Genelhu de Abreu

Diretora do Núcleo de Pós-Graduação Lato SensuNara Pires

VI Seminário de Iniciação Científica e TVI Seminário de Iniciação Científica e TVI Seminário de Iniciação Científica e TVI Seminário de Iniciação Científica e TVI Seminário de Iniciação Científica e Tecnológicaecnológicaecnológicaecnológicaecnológica

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Realização:

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

Núcleo de Pesquisa e Iniciação Científica

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Sumário

Nota editorialVIRGÍNIA GENELHU DE ABREU

Cerimônia de outorga do título de Doutor Honoris Causada Unigranrio ao Prof. Dr. Ruy Garcia Marques

Discurso de SaudaçãoEMILIO ANTONIO FRANCISCHETTI

Discurso do HomenageadoRUY GARCIA MARQUES

Conferência de abertura: O uso de células-tronco emmedicina regenerativa: onde estamos e para onde vamos

ApresentaçãoVIRGÍNIA GENELHU DE ABREU

O uso de células-tronco em medicina regenerativa:onde estamos e para onde vamosANTÔNIO CARLOS CAMPOS DE CARVALHO

E BRUNO PAREDES

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88888 Múltiplos saberesMúlt iplos saberesMúlt iplos saberesMúlt iplos saberesMúlt iplos saberes

ensaios, conferências e comunicações

Diálogos: Abordagem humanística em Saúde

Literatura e formação humanística em Medicina: oexperimento do Laboratório de Humanidades da EPM

DANTE MARCELLO CLARAMONTE GALLIAN

Narrativas pessoais em processos de tratamento dasaúde: o que fazemos com o que nos contam?HELIANA DE BARROS CONDE RODRIGUES

Conferência: Os desafios da Iniciação Científica com focona inovação tecnológica

ApresentaçãoWILLIAN FERNANDO ZAMBUZZI

Os desafios da Iniciação Científica com foco nainovação tecnológicaJOSÉ MAURO GRANJEIRO

Diálogos: Incubadoras sociais e empresariais

Incubadoras sociais e programas universitáriosANDREA PAULA DOS SANTOS

Moedas criativas: incubadoras de negócios além do beme do malGILSON SCHWARTZ

Documentário comentado: Encontro com Milton Santosou o Mundo Global visto do lado de cá

Comentários do DiretorSILVIO TENDLER

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SINCTEC 2012

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Conferência Magna: Desafios da Democracia no Brasil:a questão do Estado, da Sociedade

ApresentaçãoJACQUELINE DE CÁSSIA PINHEIRO LIMA

Ritual de apresentação: Roberto DaMatta e a BaixadaFluminenseJOSÉ CARLOS SEBE BOM MEIHY

Desafios da Democracia no Brasil: a questão do Estado,da SociedadeROBERTO DAMATTA

Trabalhos premiados no SINCTEC 2012

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Nota editorial

Virgínia Genelhu de AbreuDiretora do Núcleo de Pesquisa e Iniciação Científica

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UNIGRANRIO

A ideia de preparar este livro surgiu desde as primeiras reu-niões da comissão organizadora do VI Seminário de IniciaçãoCientífica e Tecnológica (SINCTEC), que a Unigranrio realizouem Duque de Caxias, de 23 a 25 de outubro de 2012. Foium período muito rico em que se compartilharam ideias, su-gestões de temas a serem abordados e nomes que comporiam oprograma. A característica do Seminário de reunir jovens bol-sistas de Iniciação Científica, de todas as áreas do conheci-mento, respaldou nossa intenção de ter um evento que, aomesmo tempo, traria para a comunidade acadêmica um elencode ensaios, de múltiplos saberes, na expressão das mais emble-máticas figuras do nosso cotidiano enquanto sociedade: convi-damos, assim, renomados professores, ícones da ciência e dacultura. Além disso, e não menos importante, havia o anseio deanunciar para o meio acadêmico o momento virtuoso por quepassa a instituição, pensando-se como uma universidade aberta,pronta a assumir o peso invisível de sua responsabilidade social,incentivar a investigação científica e apresentar aos estudanteshorizontes progressivamente mais amplos a serem explorados.

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ensaios, conferências e comunicações

Começo com o antropólogo Roberto DaMatta, que nosmostrou de forma brilhante, bem humorada e em perfeita sin-tonia com o público, Os desafios da Democracia no Brasil. Para aconferência do professor DaMatta, dois textos – robustos in-dividualmente e, ao mesmo tempo, complementares, são apre-sentados: o do professor José Carlos Sebe Bom Meihy e o tex-to da professora Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima.

Refiro-me em seguida ao cineasta Sílvio Tendler, diretor dodocumentário Encontro com Milton Santos ou O mundo globalvisto do lado de cá. Embora tenha visto mais de uma vez estebelíssimo trabalho, não me ocorreu que tivesse um dia o privi-légio de assisti-lo comentado pelo seu próprio diretor. A bele-za do documentário e a força de comunicação do diretor pro-porcionaram momentos de especial emoção entre alunos eprofessores.

O professor Antônio Carlos Campos de Carvalho, na suaplenitude como pesquisador, transmitiu para professores e es-tudantes de diversas áreas de conhecimento o caminho até omomento percorrido e as perspectivas sobre o que é hoje consi-derado um paradigma em medicina, pelo caráter não invasivoe altamente promissor da terapia regenerativa com células-tronco.

O professor José Mauro Granjeiro, ao iniciar a sua confe-rência Os desafios da Iniciação Científica com foco na inovação tecno-lógica, colocou de imediato três perguntas que conquistaram oalunado: Quem tem medo do lobo mau? Beijo na boca engravida?Partículas com dimensões nanométricas são tóxicas? O fato lhe per-mitiu abordar com grande fluência um assunto que nos pare-cia extremamente árduo.

Na programação, os Diálogos proporcionaram momentosmuito ricos de abordagem de um tema central, em circuns-tâncias e ações distintas, sem que isto significasse, simplesmente,a polarização entre pró e contra. Assim, no primeiro dia osprofessores Dante Marcello Claramonte Gallian e Heliana de

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Barros Conde Rodrigues apresentaram, respectivamente,Humanização e conhecimento em cuidados da saúde e Narrativaspessoais em processos de tratamento da saúde como parte do temacentral, Abordagem humanística em saúde. No segundo dia, osDiálogos trataram do tema Incubadoras: projetos sociais e empresa-riais. As apresentações foram feitas pelos professores AndreaPaula dos Santos – Incubadoras sociais: programas universitários eGilson Schwartz – Incubadoras empresariais: moedas criativas. Tal-vez estes tenham sido os momentos das discussões mais acir-radas do evento, pela defesa contundente da Profª. Andrea so-bre os programas solidários e as colocações instigantes eprovocativas do Prof. Gilson sobre os princípios que regem omercado de capital.

A coletânea inclui ainda um momento muito especial doSeminário, no qual a Unigranrio, na pessoa do Reitor, profes-sor Arody Cordeiro Herdy, outorgou ao professor Ruy GarciaMarques, presidente da FAPERJ, o título de Doutor HonorisCausa. O professor Ruy foi saudado pelo Pró-Reitor de Pes-quisa e Pós-Graduação da Unigranrio, professor Emilio Anto-nio Francischetti, que contou a trajetória de vida do professorRuy e a forma como ele mudou a história da FAPERJ pelogrande incentivo e apoio financeiro concedido para o desen-volvimento da pesquisa no Estado do Rio de Janeiro. Por fim,com todos os paramentos acadêmicos, o professor Ruy profe-riu o seu Discurso de Homenageado.

A última sessão deste livro refere-se à solenidade de entregado prêmio Melhores Projetos da Iniciação Científica e Tecnológica daUnigranrio, com a lista dos alunos premiados, seus respectivosorientadores e os títulos dos projetos. Embora a cerimônia te-nha ocorrido no dia 7 de março de 2013, procedemos assimpor considerarmos que a premiação se refere à avaliação dos92 trabalhos de iniciação científica e tecnológica desenvolvi-dos por estudantes do ensino médio e graduação da Unigranrio

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que participaram das Sessões de Apresentações Orais e Pôste-res no SINCTEC 2012.

Por fim, a edição de Múltiplos saberes: ensaios, conferências e co-municações surgiu graças ao reconhecimento de sua relevânciapela Reitoria da Unigranrio, que deseja que esta reunião deensaios estimule a comunidade acadêmica para a pesquisa cri-ativa e inovadora e a divulgação incessante do conhecimentogerado na instituição

A Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação agradece aparticipação dos ilustres professores e pesquisadores convida-dos, que além de proferirem as conferências no SINCTEC 2012,generosamente cederam seus textos, permitindo assim o regis-tro histórico ao reuni-los nesta edição.

Agradecemos ainda à Editora Pontocom pelos esforços deeditoração para publicação e distribuição eletrônica da coletâ-nea e geração dos arquivos para impressão.

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ensaios, conferências e comunicações

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1. CERIMÔNIA DE OUTORGA

Cerimônia de outorga do título deDoutor Honoris Causa da UNIGRANRIO

ao Prof. Dr. Ruy Garcia Marques

Discurso de Saudação

Emilio Antonio Francischetti

Outorga Oficial do Título

Arody Cordeiro Herdy

Discurso do Homenageado

Ruy Garcia Marques

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Discurso de Saudação

Emilio Antonio FrancischettiPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação – UNIGRANRIO

Quando se decidiu, por iniciativa do Magnífico Reitor destaUniversidade, que Ruy Garcia Marques receberia o título deDoutor Honoris Causa, antecipei-me, quase instintivamente,aos meus ilustres pares e me dei o direito de saudá-lo. Explico:em 1980, quando começava minhas atividades como Profes-sor Titular de Clínica Médica da UERJ, ele, Rui, pouco maisque um adolescente na aparência, também iniciava, no HospitalUniversitário Pedro Ernesto, sua Residência Médica no De-partamento de Cirurgia. Fiquei gratamente surpreso quandome procurou para expor seu grande interesse pelos complexosmecanismos fisiopatológicos que explicam a doença e nos aju-dam a melhor controlá-la. Era um interesse pouco comum, naépoca, aos cirurgiões, pois a fisiopatologia importava mais aogrupo restrito de clínicos que trabalhava em parceria com pes-quisadores da área básica. Pelo inusitado, e principalmente pelafraterna amizade que logo nasceria entre nós, acompanhei, apartir daí, com extremo interesse, sua brilhante carreira.

Admiti, então, que saudá-lo seria fácil e honroso. Falar bem des-te que é uma referência nacional em sua profissão e um exem-plo como pesquisador, não me causaria grandes dificuldades.

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ensaios, conferências e comunicações

Percorro de memória o longo, nunca acidental caminho denossa amizade. Consulto seu recente Memorial. Concluo queme enganei. A trajetória acadêmica de Rui, sua produção inte-lectual e, mais recentemente, suas atividades como um dos maisbrilhantes gestores da pesquisa e do saber deste país, tornouminha tarefa muito difícil. Pela fartura e não pela escassez.

Não sabia como começar.Então me perguntei: iniciaria falando sobre sua infância em

Bom Jesus de Itabapoana, onde nasceu e foi influenciado pelopai Sebastião, farmacêutico, e pelos tios Ruy e Walter, ambosmédicos, a seguir o Curso de Medicina?

Diria que recebeu de seu ambiente familiar, particularmen-te da mãe Leda, o conjunto de valores que apontavam que oconhecimento, o preparo profissional e intelectual sempre exi-gem grande esforço, insistência e disciplina? Na convivênciada pequenina cidade de interior, Ruy aprendeu os valores daliberdade, da igualdade e da fraternidade que o marcaram inde-levelmente e, hoje, o distinguem pelo seu perfil de homempúblico, com transparente pensar republicano, sobrepondo opensamento coletivo à individualidade.

Ou então, lembraria de seus sonhos de estudante de Medi-cina, da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, onde ingres-sou em 1973, aliás nossa alma mater comum? Ou de seu preco-ce despertar pela cirurgia, pela técnica cirúrgica e cirurgiaexperimental?

Ser médico é buscar uma identidade e sem dúvida a institui-ção formadora tem um pronunciado peso inicial (SALGADO,2009). Neste particular, o que a Faculdade de Ciências Médicase seu Hospital Universitário, o Pedro Ernesto, representaram eainda representam para aqueles que desejam ser clínicos e ci-rurgiões, tem ultrapassado várias gerações pela contribuiçãoque muitos de seus professores deram aos seus alunos de gradua-ção e da Residência Médica, moldando-os, com seus exemplos,

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a se devotarem à causa do paciente. É a maior vocação dessainstituição e seu legado mais legítimo – que acabou por fazerum generoso imprint em Ruy.

Ou continuaria narrando o que se passou com Ruy, emmeados dos anos 1980, quando inicia suas atividades de Cirur-gião Geral da Casa de Saúde Santa Helena, aqui em Duque deCaxias?

Nesse mister teve desempenho exemplar, intervindo comsua precisão de cirurgião em centenas de situações, amenizan-do sofrimentos, fornecendo esperanças, salvando vidas, aquina Baixada Fluminense. Como ele próprio menciona em seuMemorial: “À medida que passavam os anos, mais eu vibravacom a profissão e com a especialidade que havia escolhido”, oque explicaria seu vitorioso sucesso em sua clínica de consul-tório. Já dizia Ortega y Gasset muito bem: “Herói é o que querser quem é” (ORTEGA Y GASSET, 1967). Mais de trinta anosse passaram e aqui, hoje, Ruy recebe, por feliz coincidência, omais elevado galardão acadêmico desta instituição, sediada emDuque de Caxias.

Agora me pergunto: como continuar?Poderia traçar sua precoce iniciativa, também em meados

dos anos 1980, em recriar a Disciplina de Cirurgia Experimen-tal, em ambiente rudimentar, improvisado e desfavorável comoera na época o da Faculdade de Ciências Médicas. Prefiro, po-rém, por razões estratégicas, falar um pouco mais de Ruy comoMestrando da Universidade Federal Fluminense e depois comoDoutorando em Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental,da Universidade Federal de Minas Gerais, agora sob a orienta-ção de quem seria seu grande mentor para a pesquisa, o Pro-fessor Andy Petroianu.

Essas experiências foram decisivas para a sua formação comopesquisador e ouso dizer para sua trajetória de vida. Inaugura-ram seu amadurecimento intelectual e lhe deram um fôlego

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ensaios, conferências e comunicações

novo, mas crítico, na modelagem de sua consciência de pesqui-sador. Apontaram para a necessidade de ir além da endogenialocal e o impulsionaram para o pós-doutorado na MedicalUniversity of South Carolina, onde se familiarizou com a téc-nica e manuseio do transplante de pâncreas.

Volta dos Estados Unidos cheio de ideias e planos, mas sa-bendo que teria grandes desafios. Os enfrenta com ações pon-tuais. Recria, agora, com a dimensão devida, a Disciplina deTécnica Operatória e Cirurgia Experimental. Passa a fazer par-te do Núcleo Docente Permanente do Programa de Pós-gra-duação em Fisiopatologia Cirúrgica da Faculdade de CiênciasMédicas e inicia suas atividades como orientador de Mestradoe Doutorado. E, em todas as iniciativas, é movido pelos traçosmais marcantes de sua personalidade – a temperança e o bomsenso. Em muitos momentos, inclusive diante de frequentesdificuldades da ambiência acadêmica. Toma, então, a decisãode cortar os laços com a clínica privada. Dedica-se integral-mente à Universidade, mas em momento algum deixa de sermédico. Ao contrário, propõe-se a missão de ser professor emédico. Tem imensa vocação para exercer ambas – “salvandovidas como médico, construindo-as como mestre”, parafrase-ando o próprio Ruy. Dei-me conta desta profusão há muitosanos, quando iniciava, também, minha carreira de médico epesquisador. Hoje, quero saudar as duas qualidades na figurade Ruy: a do professor e a do médico!

O bom professor é aquele que diz “faça comigo” e não“faça como eu” já afirmava Merleau-Ponty (1984). Assim fazRuy, como professor de medicina da graduação, praticando comseus alunos a arte da sutura cirúrgica e o nó do cirurgião. Masnão deixa de lado o ensinar dos intricados mecanismos de do-ença e exalta aos discípulos a importância do modelo experi-mental e dos pressupostos metodológicos. Contudo, não es-quece o código que norteia as relações entre o médico e o

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paciente e que provê toda a base ética e moral da prática médi-ca. Ruy exerce sua profissão com aguda consciência social esabe “ talvez por conta de suas lembranças como estudanteestagiário plantonista, aqui em Duque de Caxias, notável mel-ting pot urbano de etnias e classes sociais “ que a Medicina, nodizer de Ivan ILLICH (1975), sempre integrou funções mági-cas, religiosas, políticas e éticas.

Tento, agora, por ordem às minhas lembranças. Não queroescrever uma biografia, mas apenas tecer a tapeçaria que possarefletir flashes da vida de um amigo que admiro, com cores ematizes que ressaltem com justeza seus ângulos mais fiéis. As-sim, não poderia omitir o Ruy pesquisador e professor de pós-graduação. Neste particular, é ele hoje entre os cirurgiões de-votados à pesquisa um dos mais legítimos representantes daassim denominada Medicina Translacional em que a pesquisarealizada na bancada dos laboratórios de investigação básica étransferida, tentativamente, para a prática clínica, e os resulta-dos de soluções empíricas da prática clínica ou cirúrgica testa-dos na bancada. Esta postura tem se traduzido em fecundaprodução intelectual publicada nos melhores periódicos de suaespecialidade.

Ensino e pesquisa são atividades indissociáveis, andam jun-tas em um movimento de mão dupla. Mas esta sinergia se fazmais presente na Iniciação Científica e na Pós-graduação. Li-dar com jovens é um privilégio! Registrar o brilho nos olhos dequem pela primeira vez traz um resultado da pesquisa que par-ticipa em experimento por ele próprio conduzido, é um indis-farçável prazer para nós orientadores. Compartilhar do cresci-mento intelectual de alunos de Iniciação Científica ou dePós-graduação, vê-los contestar uma metodologia ou um re-sultado na apresentação de um artigo no Clube de Revista ou,simplesmente, não saber responder a pergunta inteligente so-bre a qual não havíamos sequer atinado, é a maior satisfação

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ensaios, conferências e comunicações

que se pode ter na rotina de nossa atividade profissional. Revi-gora a convicção de que em ciência não existe onipotência,nem fé. Reflete o ambiente de criação sem o qual não vinga apesquisa e não floresce a pós-graduação. O Laboratório deCirurgia Experimental, criado e coordenado por Ruy, é um tí-pico cenário do que acabo de descrever. Hoje, é um dos sus-tentáculos do conceituado Programa de Pós-Graduação emFisiopatologia Cirúrgica da Faculdade de Ciências Médicas.

Na tentativa de obstar a minha própria fala, vou lhes apre-sentar, brevemente, a trajetória de Ruy como Presidente da Fun-dação Carlos Chagas Filho de Amparo a Pesquisa, a FAPERJ.Embora a Constituição do Estado do Rio de Janeiro previa,desde 1989, repassar à FAPERJ 2% de sua arrecadação tribu-tária líquida, a clausula só foi cumprida nos dois primeiros anosde existência da agência de fomento fluminense. Depois, sub-traiu-se simplesmente, por mais de 15 anos, uma boa partedesses subsídios previstos por lei.

Em 2007, Ruy foi convidado para assumir a presidência daFAPERJ pelo então Secretário de Ciência e Tecnologia, Dr.Alexandre Cardoso. Ambos entenderam e defenderam quefomentar a C,T&I seria a única forma de resgatar a liderançacientífica e cultural do Estado do Rio de Janeiro, há anos per-dida para o Estado de São Paulo. Ao aumento do orçamento,seguiu-se a prática de pagar os auxílios rigorosamente em dia.E entre 2007 e agosto de 2012, mais de 150 Editais/Progra-mas, em todas as áreas do conhecimento e setores profissio-nais, foram oferecidos à comunidade científica do nosso Esta-do. Inaugurou-se, também, a política de investir na formaçãode recursos humanos para a pesquisa e fixar o recém-doutorem universidades e empresas. Fez-se uma verdadeira revolu-ção. E Ruy foi além: jamais descriminou as instituições nãopúblicas, fazendo com que prevalecesse, sempre, o mérito daproposta e não sua origem institucional. Em relação à nossa

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instituição, dou o meu testemunho pessoal do quanto essa de-cisão vem sendo seguida.

E agora, em poucas palavras, com o concurso da paciênciade todos, cumpro o dever de ofício de apresentar ao Ruy umaimagem condensada da pós-graduação e da pesquisa da Insti-tuição que lhe outorgará, daqui a instantes, o título de DoutorHonoris Causa.

A Unigranrio vive hoje um momento virtuoso em sua traje-tória histórica como instituição de ensino. Passou por diferen-tes fases de crescimento, relacionadas à sua estrutura física,administrativa e qualidade de ensino. Duas gerações de lide-rança foram capazes de garantir a continuidade dos valoreseducacionais de alto nível, alem de criarem um ambiente deconfiança institucional. Esse binômio foi condição sine quanon para o próximo passo – a pesquisa e, como decorrênciadesta, a pós-graduação. Ao mesmo tempo, reincorpora o es-paço da Baixada Fluminense e particularmente o de Duque deCaxias, com esse novo olhar e como elemento indissociávelde sua proposta inicial – a ascensão social e cultural de quemaqui reside, pela educação. Mantém, assim, seus legítimos pro-pósitos de gênese, agora acrescidos da realidade da pesquisa edos programas de pós-graduação ao nível de Mestrado e deDoutorado.

Esta luta pela construção de sua identidade, incorporando àmesma funcionários, professores e gestores, permitiu que seconstituísse o Modelo Unigranrio, que não é rígido em seuspropósitos, mas permanentemente mutável em relação à reali-dade. Isto tem permitido a geração de meios para a formaçãode novos grupos de pesquisa e a consolidação dos já existen-tes. Ademais, tornou possível a atração de pesquisadores dealto nível, de acordo com critérios em que predominam não sóa qualificação dos mesmos, mas e principalmente, a capacida-de em recrutar recursos da agencias de fomento e a iniciativa

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em estabelecer relações de parceria com pesquisadores do Paíse do exterior – sem falar que metas de produtividade têm sidorigorosamente avaliadas. Os resultados aparecem. A IniciaçãoCientífica, incluindo alunos de graduação e os de ensino mé-dio de nosso Colégio de Aplicação, deu um salto exponencial.A produção intelectual dos docentes da pós-graduação seguiuna mesma direção. Há um clima de entusiasmo, mas não deeuforia. Observa-se o esforço de muitos para o existir de umaconsciência coletiva em relação ao estatuto universitário. Re-conhece-se, pela memória das universidades hegemônicas, queeste é o único caminho.

Esclareço, Ruy, que não me disponho a louvações institucio-nais gratuitas. Se as registro é para que você saiba quão orgulho-sos e honrados nos sentimos com a sua incorporação comoum dos nossos, compartilhando da procura incessante paramelhorar cada vez mais nossa Instituição. Irmanados damos-lhe, todos, as calorosas boas vindas ao nosso fraterno convívio.

RRRRReferênciaseferênciaseferênciaseferênciaseferências

ILLICH, I. A expropriação da saúde: nêmesis da medicina. 3. ed. Riode Janeiro: Nova Fronteira, 1975

MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspecti-va, 1984.

ORTEGA Y GASSET, J. Meditações de Quixote. São Paulo: LivrariaIbero-Americana, 1967.

SALGADO, S.L.R. Ser médico da EPM: em busca de uma Identi-dade. In: GALLIÁN, D.M.C. et al. Recortes da Memória. São Pau-lo: Editora Unifesp, 2009, p. 151-171.

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ensaios, conferências e comunicações

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Discurso do Homenageado

Ruy Garcia MarquesPresidente da Fundação Carlos Chagas Filho de

Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ

Magnífico Reitor da Unigranrio – Prof. Arody Cordeiro Herdy;Senhor Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia –

Luiz Edmundo Horta Barbosa Costa Leite;Digníssimo Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da

Unigranrio – Prof. Emilio Antonio Francischetti, em nome dequem eu cumprimento os demais Pró-reitores da Unigranrio;

Digníssima Sub-reitora de Extensão da UERJ – Prof.ª Re-gina Henriques, neste ato representando o reitor, Prof. Ricar-do Vieira Alves, e em nome de quem eu cumprimento todosos demais Pró-reitores de outras instituições aqui presentes;

Magnífico Reitor eleito do Centro Universitário da ZonaOeste (UEZO) – Prof. Alex Sirqueira;

Senhor Presidente da Academia Brasileira de Ciências –Jacob Palis;

Acadêmico Pietro Novellino, da Academia Nacional deMedicina;

Vereador Luciano Nunes, da minha terra natal, Bom Jesusdo Itabapoana;

Demais autoridades presentes;

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ensaios, conferências e comunicações

Colegas, pesquisadores, amigos e alunos da Unigranrio e deoutras instituições;

Senhor Presidente do Conselho Superior da FAPERJ – Prof.Sérgio Neves Monteiro;

Amigos diretores e funcionários da Fundação Carlos Cha-gas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro –FAPERJ;

Meus familiares aqui presentes – meus filhos Ruy Junior eRoberta; meu irmão, Ricardo Augusto e minha cunhada, Sandra;meu primo, Josimar Garcia; e minha mulher, Suellen Moraes;

Senhoras e senhores:

É uma grande honra receber o título de Doutor Honoris Causada Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy –Unigranrio. Quero dizer que estou muitíssimo feliz, lisonjeadoe agradecido por esta singular homenagem.

Inicio reverenciando o meu pai, Sebastião Pimentel Mar-ques. Tenho certeza de que ele estaria sentado na primeira filadeste auditório para compartilhar comigo este momento ines-quecível. Papai era uma pessoa muito simples e amigo de to-dos. Apesar de tê-lo perdido tão cedo, aos 10 anos de idade,dele guardo grandes e ótimas recordações, tantas que pareceque o tenho sempre ao meu lado. Papai deu nomes de médicosa mim e a meus dois irmãos homens, tamanha era a admiraçãoque ele tinha pela Medicina. A mim, particularmente, deu onome de seu irmão médico, Ruy, com quem nasci e que foimeu padrinho e, certamente, também, um dos grandes res-ponsáveis pelo direcionamento da minha vida profissional paraa Medicina e para a Cirurgia.

Reverencio também minha mãe, Leda Garcia Marques, quenão pôde estar presente aqui hoje. Minha mãe, apesar de setornar viúva aos 28 anos de idade e com quatro filhos por cri-ar, soube orientar-me e a meus três irmãos, Ricardo Augusto

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(aqui presente), Paulo Roberto (já falecido) e Eliane. Certa-mente, não foi uma missão fácil para ela e, também por isso,quero lhe agradecer, uma vez mais.

Tenho três filhos maravilhosos, Ruy Junior e Roberta, aquipresentes, e Lucas, com 11 anos de idade. Tenho dois netos,Manuela, filha do Junior e da Paula, e André, que nasceu no diado meu aniversário no ano passado, filho da Roberta e do Alexan-dre. Somos uma família unida, simples e com muitos amigos.

Nasci em Bom Jesus do Itabapoana, na divisa dos Estadosdo Rio de Janeiro e Espírito Santo. Aos 15 anos, saí de minhaterra natal, e fui morar em Niterói, com o objetivo de cursar oentão Científico e me preparar para o Vestibular para Medicina.

Naquela época, como muitos dos presentes se lembram, oVestibular era uma etapa muito difícil na vida dos estudantes.Tive a sorte de ser aprovado logo na primeira vez e, em 1973,iniciava o curso de Medicina na Faculdade de Ciências Médi-cas da UERJ. Desde essa época, eu já sabia que a minha carrei-ra se direcionava a uma especialidade cirúrgica, sem ainda sa-ber, exatamente, para qual delas.

Além de meu tio e padrinho Ruy Pimentel Marques, comquem nasci e a quem já me referi, também quero fazer mençãoa outro tio médico, Walter Garcia Borges, irmão da minha mãe.Ao padrinho Ruy e ao tio Walter devo as primeiras orientaçõesprofissionais e os primeiros ensinamentos práticos na Medici-na. Eles jamais serão esquecidos!

Tio Walter era uma dos proprietários da Casa de Saúde eMaternidade Santa Helena, aqui em Duque de Caxias, depoisadquirida pela Unigranrio. Desde o terceiro ano do curso demedicina, em 1975, passei a frequentar a Casa de Saúde SantaHelena. Lá, tive a oportunidade de começar a auxiliar procedi-mentos cirúrgicos realizados por excelentes cirurgiões, que fo-ram de extrema relevância na minha formação. Mas, além dosprocedimentos cirúrgicos, também tive grandes orientações em

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ensaios, conferências e comunicações

outras especialidades, notadamente em Anestesiologia, ClínicaMédica e em Pediatria.

Após a formatura, em 1978, comecei a trabalhar como mé-dico da Casa de Saúde Santa Helena e montei meu consultóriona Praça do Pacificador, junto com tio Walter, Herzen BastosNovaes e Sigefrido Botelho Almeida. Aqui em Duque de Ca-xias permaneci trabalhando por mais de 20 anos e fiz grandesamigos, que conservo até hoje.

Durante o tempo em que trabalhei aqui, não cheguei a teruma ligação direta com a Unigranrio, mas pude acompanhar oseu crescimento, quase que desde o seu início. Tio Walter sem-pre comentava comigo sobre um grande amigo seu, a quemele admirava muito, e com quem tive a oportunidade e a honrade estar algumas vezes – o professor José de Souza Herdy.

Em 1970, o professor Herdy criou a Associação Fluminen-se de Educação (a AFE), a entidade que mantinha as entãodenominadas Faculdades Unidas Grande Rio, cujos primeiroscursos superiores foram os de Ciências Contábeis e Adminis-tração, logo seguidos pelos de Pedagogia e Letras. Já na décadade 1980, houve a criação dos primeiros cursos na área de Saú-de – Odontologia, Enfermagem e Farmácia –, e logo após, doscursos de Ciências Biológicas, Matemática e Química.

Em 1989, com o falecimento do professor Herdy, o profes-sor Arody Cordeiro Herdy assumiu a direção da instituição.Dando continuidade ao grande senso empreendedor do pai, oprofessor Arody continuou o processo para reconhecimentodas Faculdades Unidas Grande Rio como Universidade doGrande Rio Prof. José de Souza Herdy, a Unigranrio, o queocorreu em 17 de junho de 1994. Posteriormente, vieram mui-tos novos cursos de graduação e quatro robustos programasde pós-graduação stricto sensu credenciados pela CAPES:mestrado acadêmico e doutorado em Administração; mestra-do profissional em Ensino de Ciências na Educação Básica;

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mestrado profissional em Odontologia; e mestrado acadêmicointerdisciplinar em Letras e Ciências Humanas. Estou certo deque novos cursos deverão ser incorporados brevemente, coma mesma marca do empreendedorismo e da missão de formarprofissionais-cidadãos que rege esta instituição.

Fui rever a página da Unigranrio na Internet e de lá retireialgumas palavras do Reitor Arody: “A Unigranrio promove aintegração do ser humano, da sociedade e do meio ambiente.Através de um projeto educacional interdisciplinar, procuraagregar recursos e talentos para formar profissionais-cidadãoscapazes de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dapopulação. A Unigranrio acredita que a educação faz a dife-rença. E educar é muito mais que preparar para o mercado detrabalho. É conscientizar os alunos de seu papel de agentestransformadores da sociedade. É ir além da sala de aula”.

Professor Arody: parabéns por essas suas palavras tão atu-ais, tão indispensáveis e tão altruísticas, com as quais concordoplenamente.

E tomo a liberdade de transpor essas suas palavras tão rele-vantes para a importante área da Pesquisa: Produzir é essenci-al, mas “produzir por produzir” é inaceitável. O que estamosproduzindo? É relevante para o bem-estar do ser humano?Estamos, realmente, pensando nele quando produzimos? Poroutro lado, a inércia na pesquisa deve ser radicalmente combati-da. Particularmente nós, professores de medicina, não podemoscontemporizar com a comodidade de que retratemos somentea nossa prática assistencial e de ensino. Isso é, irrefutavelmente,de enorme valor, mas tem que reverter para todos os cidadãos,empregando a nossa experiência no bem-estar completo doser humano, pela pesquisa e divulgação da atividade científica.Daí, o papel essencial da universidade e do professor. Oprofessor tem a responsabilidade não de apenas transmitir oconhecimento, mas, acima de tudo, de inspirar e preparar os

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ensaios, conferências e comunicações

jovens para o enfrentamento dos desafios do futuro, com co-ragem, determinação e sabedoria.

Ao mesmo tempo em que iniciava a vida profissional aquiem Duque de Caxias, continuei no Hospital Universitário Pe-dro Ernesto da UERJ, onde fiz a Residência Médica em Cirur-gia Geral, entre 1979 e 1981. Após a Residência Médica, nãome desliguei inteiramente do Hospital Pedro Ernesto e, em1985, fui contratado como médico do Serviço de Cirurgia Geral.

Ainda que médico, e não professor, algumas aulas me eramdelegadas e comecei a ter contato com alunos da graduaçãoem Medicina. Àquela época, eu já não tinha mais qualquer dú-vida de que queria ser professor universitário, era esse o meugrande desejo.

Paralelamente à minha atuação como médico do HospitalPedro Ernesto, também comecei a praticar a Pesquisa em Ci-rurgia Experimental, em um local improvisado, mas que levouao desenvolvimento dos meus primeiros trabalhos de pesqui-sa, o que me serviu, sobretudo, de motivação e encorajamento.Era, contudo, indispensável que dispuséssemos de uma estru-tura melhor e mais adequada.

Em 1988, a FAPERJ, começava a financiar o desenvolvi-mento de atividades de pesquisa como as que queríamos reali-zar. Fui orientado por meus professores a escrever um projetode pesquisa e apresentá-lo à FAPERJ, visando à aquisição deinstrumentos, equipamentos e insumos para a realização denovas pesquisas. E assim eu fiz, ainda que não soubesse exata-mente como fazê-lo... E o resultado não poderia ser outro: asolicitação foi negada, como certamente teria que ser. Foi nes-se momento que, ao procurar aconselhamento com o Profes-sor Emilio Antonio Francischetti, então coordenador da áreade medicina da FAPERJ, acerca de como eu deveria procederpara fazer um recurso ao indeferimento do projeto, ele, comogrande Mestre, soube me incentivar, definitivamente, a me

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capacitar para a docência e para a pesquisa, me mostrando aimportância da pós-graduação.

Não me canso de agradecer ao Professor Francischetti! Sãomuitas as situações em minha vida profissional em que ele foide influência definitiva. Além dessa que acabei de citar, ele foifundamental para que eu fosse conduzido à Presidência daFAPERJ e, agora, mais um agradecimento eu lhe devo, comessa honrosa outorga que hoje recebo aqui na Unigranrio.

Veio o mestrado em Cirurgia Gastroenterológica na Uni-versidade Federal Fluminense, concluído em 1990, e, em 1994,fui aprovado para Professor Assistente do Departamento deCirurgia Geral da UERJ. A possibilidade de me tornar profes-sor da faculdade onde estudei, sempre foi uma grande aspira-ção, e, cada vez mais, tem me dado grande satisfação. Acredito,hoje, que outro não poderia ter sido o meu caminho.

Em 2001, concluí o doutorado em Técnica Cirúrgica e Ci-rurgia Experimental na Universidade Federal de Minas Gerais,sob a orientação do Professor Andy Petroianu que, certamen-te, foi a pessoa que mais me influenciou em minha trajetóriaacadêmica, por seu perfil de pesquisador e educador, e a quemsempre procuro seguir. Com o doutorado, capacitei-me para adocência e para a pesquisa e, a partir daí, não parei mais depesquisar. Foi na pesquisa que entendi o que realmente é abusca pela universalidade, não só do conhecimento, mas tam-bém do aperfeiçoamento do que significa “ser humano”.

No ano de 2000, ainda cursando o doutorado, tive a opor-tunidade de ser um dos criadores do Laboratório de CirurgiaExperimental da Faculdade de Ciências Médicas. Esse laborató-rio de ensino e de pesquisa se tornou um dos grandes pilaresda Faculdade e ajudou a viabilizar, alguns anos mais tarde, ocredenciamento pela CAPES do Programa de Pós-graduaçãoem Fisiopatologia e Ciências Cirúrgicas, ligado ao Departa-mento de Cirurgia Geral.

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Na vida, também sempre temos que contar com um poucode sorte. Foi assim que eu me encontrava, no momento certo,já como Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas,quando, em 2002, propus ao Departamento de Cirurgia Gerala recriação da Disciplina de Técnica Operatória e CirurgiaExperimental. Em 2003, a Disciplina foi recriada e passei acoordená-la.

Foi, justamente nesse período entre a proposição e a recria-ção da Disciplina que tive a oportunidade de realizar um perí-odo de pós-doutorado na Universidade Médica da Carolina doSul, em Charleston, nos Estados Unidos, o que possibilitougrande ampliação do meu horizonte profissional.

A carreira de Professor, ainda que árdua, é altamente grati-ficante. No passado, pela grande dificuldade do registro e dadifusão do conhecimento, lhe cabia, primordialmente, dentremuitas outras funções, a aquisição e a propagação do conheci-mento mais recente.

Ainda que persista essa atribuição, absolutamente indis-pensável, ela já não lhe é mais exclusiva, haja vista a grande esurpreendente evolução da comunicação e da tecnologia, quenos permite, em tempo real, dispor do conhecimento maisincipiente. Contudo, a primazia da transmissão ordenada e me-todizada do conhecimento é o papel que cabe ao Professor ese constitui na atribuição a que nós, educadores, devemosestar contínua e sistematicamente arraigados. Sinto-me parti-cularmente recompensado por poder contribuir para a for-mação de futuros médicos. Essa sempre foi e continua sendoa minha grande motivação e que, apesar de, momentaneamen-te, ter assumido novas atribuições fora da universidade, nãoabandonei.

Tive a sorte de ter escolhido bem as minhas duas profis-sões: médico e professor. Nós, médicos, temos a missão desalvar vidas! Nós, professores, temos a missão de construí-las!

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E continuei tendo sorte em ter escolhido a Pesquisa em Cirur-gia, como uma forte área para minha atuação.

Gostaria de citar o eminente pesquisador Acadêmico Car-los Chagas Filho, patrono da FAPERJ. São de Carlos ChagasFilho os conselhos que retirei de escritos intitulados “Carta aum Jovem”, dirigidos a um jovem imaginário, e que me forampassados pelo professor titular da UFRJ Adalberto Vieyra, aquipresente e a quem também agradeço muito. O Professor Adal-berto, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ,foi o primeiro, externo à UERJ, a aceitar e a estimular a minhaindicação para a Presidência da FAPERJ, ainda no final de 2006,e isso foi de fundamental importância para que isso se concre-tizasse. Disse Carlos Chagas Filho:

[...] não se enveredar pela atividade científica selhe faltar esse desejo (DE ENGRANDECER OSEU PAÍS OU A NAÇÃO QUE SEJA A SUA).A ciência, com todas as suas grandezas é, na ver-dade, uma servidão. Servidão ao ideal que, bus-cando na aventura científica a verdade e odescortínio de novos caminhos, quer dar ao ho-mem as condições de vida que devem serimanentes à sua dignidade.

Também gostaria de citar os pensamentos de outros doisgrandes nomes: do filósofo Confúcio, que viveu entre 551 e479 a.C., e do empreendedor contemporâneo Steve Jobs, re-centemente falecido.

Disse Confúcio:

Escolhe um trabalho de que gostes, e não terásque trabalhar nem um dia na sua vida.

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E disse Steve Jobs, sendo até possível que ele tenha lido esido influenciado pelas palavras de Confúcio:

Seu trabalho vai ocupar uma grande parte da suavida e a única maneira de estar verdadeiramentesatisfeito é fazendo aquilo que você acredita serum ótimo trabalho. E a única maneira de fazerum ótimo trabalho é fazendo o que você amafazer.

Neste momento, quero reverenciar uma pessoa que, embo-ra meu conhecido de longa data, na minha vida recente veiodesempenhar papel de grande relevância. Refiro-me ao depu-tado federal Alexandre Cardoso, ex-Secretário de Ciência eTecnologia do Estado do Rio de Janeiro, a quem conheci nofinal da década de 1970 e início da década de 1980, ocasião emque ambos trabalhávamos como médicos aqui em Duque deCaxias. No final de 2006, Alexandre me convidou para presidira FAPERJ durante a sua gestão como Secretário e para auxiliarna formulação e execução da política de fomento à Ciência,Tecnologia e Inovação em nosso Estado.

Ao Alexandre, tenho muitíssimo a agradecer, pela grandeoportunidade que me propiciou e pela confiança em mim de-positada. Isso significou, sem dúvida, uma grande honra paramim e para a instituição a que sou vinculado, a UERJ.

Ao tomar posse, em janeiro de 2007, havia somente a von-tade de se fazer algo de bom pela C,T&I no Estado do Rio deJaneiro. Eu jamais poderia imaginar o que estava por vir!

E o que veio, a partir de alguns poucos meses após, se deveà sensibilidade e determinação do deputado Alexandre Cardo-so e do governador Sérgio Cabral, que entenderam e defende-ram que fomentar a C,T&I é fomentar o futuro do Estado doRio de Janeiro. Com isso, possibilitaram uma mudança radical

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no fomento à pesquisa no nosso Estado, a partir de uma eleva-ção sem precedentes no orçamento da FAPERJ.

À frente da FAPERJ, tenho tido um aprendizado contínuoe de enorme utilidade para toda a minha vida. A necessáriainteração com colegas pesquisadores que atuam em todas asáreas do conhecimento e nas diversas instituições científicas etecnológicas sediadas no Estado vem propiciando um alarga-mento no meu modo de pensar, de falar e de agir.

O atual panorama político tem sido favorável à ciência, tec-nologia e inovação, nas diversas esferas de poder. O Estado doRio de Janeiro e as instituições de ensino e pesquisa aqui sedi-adas têm sabido responder ao momento que vivemos.

Na Unigranrio, não tem sido diferente! Ela tem se firmado,cada vez mais, como referência no ensino superior, pesquisa eextensão, não somente em Duque de Caxias (com suas sedesnos bairros 25 de Agosto, Centro e Santa Cruz da Serra), mastambém em Nova Iguaçu, Silva Jardim, Magé, São João deMeriti, Macaé, e em suas várias sedes na cidade do Rio de Ja-neiro.

Tenho acompanhado, com grande satisfação, a evolução eo crescimento dos programas de pós-graduação da Unigran-rio, e também é nítida a melhoria da infraestrutura para a pes-quisa aqui instalada. Diversos e variados são os seus grupos depesquisadores, que têm chamado a atenção do mundo acadê-mico para o trabalho aqui desenvolvido.

Por tudo isso, estar hoje recebendo esta grande homena-gem da Unigranrio, instituição com tantas relevantes credenci-ais, é para mim uma grande honra e muito me orgulha.

Quero agradecer a todos que me prestigiam com a sua pre-sença nesta solenidade. Meu muito obrigado pelo abraço ami-go que vieram me dar e que realça a importância desta investi-dura.

Muito obrigado, Unigranrio!

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1. CONFERÊNCIA DE ABERTURA

O uso de células-troncoem medicina regenerativa:

onde estamos e para onde vamos

Co-Presidentes:

Edson Jorge Lima MoreiraVirgínia Genelhu de Abreu

Apresentação:

Virgínia Genelhu de Abreu

O uso de células-tronco em medicina regenerativa:

onde estamos e para onde vamos

Antônio Carlos Campos de Carvalho

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Apresentação

Virgínia Genelhu de AbreuDiretora do Núcleo de Pesquisa e Iniciação Científica –

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UNIGRANRIO

Prezados Professores e Alunos,Tenho a satisfação de dividir a presidência desta mesa com

o Prof. Edson Jorge Lima Moreira, coordenador do Mestradoem Odontologia da Unigranrio.

A Conferência de Abertura do Seminário de Iniciação Cientí-fica e Tecnológica 2012, da Unigranrio, versa sobre o uso de célu-las-tronco em medicina regenerativa. O tema é instigante epercorreu uma trajetória que se avizinhava, no seu começo, daficção científica, para tornar-se, ao longo das duas últimas dé-cadas, um campo promissor da medicina, considerado pormuitos como um novo paradigma no tratamento de muitasdoenças. O assunto suscita, ainda, questões ético-religiosas. Éatual – dois pesquisadores na área, um inglês e um japonês(Sir John Bertrand Gurdon e Shinya Yamanaka), este mês (nodia 8 de outubro de 2012) foram contemplados com o PrêmioNobel de Medicina. Eles demonstraram que células adultas,maduras, são flexíveis e passíveis de reprogramação – por meiode manipulação genética perdem as características de célulasdiferenciadas para expressar o perfil de células pluripotenciais,capazes de gerar células de diferentes órgãos.

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O conferencista, professor Antônio Carlos Campos de Car-valho, tem vínculo de longa data com a Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ), onde se formou em Medicina em1976, concluiu mestrado (1979) e doutorado (1983) em Ciên-cias Biológicas (Biofísica) e, desde 1996, é Professor Titular doInstituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. Atualmente encon-tra-se cedido ao Instituto Nacional de Cardiologia (INC), ondeexerce o cargo de Coordenador de Ensino e Pesquisa. Alémdisso, é Professor Titular Visitante do Albert Einstein Collegeof Medicine, em Nova York, em decorrência de importantecooperação internacional no desenvolvimento dos trabalhosde pesquisa relacionados, particularmente, à fisiologia e biofí-sica da comunicação intercelular por meio de junções comuni-cantes. Tem experiência na área de Fisiologia e Biofísica, comênfase em Fisiologia Cardiovascular, atuando principalmentenos seguintes temas: comunicação intercelular, células-troncoe terapias celulares em cardiopatias e auto-anticorpos e eletro-gênese cardíaca.

Publicou mais de 140 artigos plenos em revistas indexadas,editou 3 livros e escreveu 24 capítulos de livros. Na formaçãode recursos humanos qualificados, orientou 8 pós-doutores,26 doutores e 20 mestres. É membro da Academia Brasileirade Ciências e da Academia de Ciências do Mundo em Desen-volvimento (TWAS). Atualmente é Membro do Conselho Di-retor da International Union of Physiological Sciences, Dire-tor da Academia Brasileira de Ciências e Diretor Regional daTWAS para America Latina e Caribe. Em 2008 foi agraciadocom a Ordem Nacional do Mérito Científico e em 2010 com aOrdem Nacional de Mérito Médico. É Bolsista de Produtivi-dade em Pesquisa do CNPq – Nível 1A.

A presença do professor Antônio Carlos Campos de Carva-lho na Unigranrio é motivo de honra, satisfação e alegria paratodos nós. Muito obrigada por nos conceder este privilégio.

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ensaios, conferências e comunicações

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O uso de células-tronco emmedicina regenerativa:

onde estamos e para onde vamos

Antônio Carlos Campos de CarvalhoCoordenador de Ensino e Pesquisa – Instituto Nacional

de Cardiologia (INC)

Bruno ParedesPesquisador do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho

Células-tronco são células que apresentam as seguintes caracte-rísticas básicas: são indiferenciadas, podem se dividir indefini-damente, e quando se dividem, cada célula filha formada podemanter-se indiferenciada ou pode se tornar uma célula especi-alizada. Portanto, células-tronco são células com capacidadeautorrenovação e diferenciação em distintos tipos celulares.

Elas podem ser classificadas, de acordo com seu potencialde diferenciação, em totipotentes, pluripotentes e multipotentes.As totipotentes geram todas as células necessárias ao desenvol-vimento de um novo ser vivo, inclusive as dos anexos embrio-nários. As pluripotentes geram as células que compõem todosos tecidos e órgãos de um ser adulto, mas não são capazes deproduzir células dos anexos embrionários. As multipotentes

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4242424242 Múltiplos saberesMúlt iplos saberesMúlt iplos saberesMúlt iplos saberesMúlt iplos saberes

ensaios, conferências e comunicações

geram células apenas dos tecidos ou órgãos de onde foramretiradas.

A célula-tronco totipotente prototípica é o óvulo fertiliza-do, ou zigoto. Esta única célula é capaz de gerar todas as de-mais células de um organismo adulto, inclusive os gametas (óvu-los e espermatozoides) que darão origem a novos zigotos. Ascélulas-tronco pluripotentes são as células-tronco embrionári-as, retiradas da massa interna do embrião no estágio de blasto-cisto. Elas podem proliferar indefinidamente e dar origem atodas as células de um organismo adulto quando se diferenci-am. As multipotentes são células encontradas nos tecidos eórgãos de seres vivos adultos e podem gerar apenas as célulasdo tecido de origem.

A incrível capacidade de gerar um organismo adulto com-pleto a partir de uma única célula tem fascinado os biólogos. Jáno início do século passado, diversos embriologistas começa-ram a decifrar os segredos das células-tronco através de expe-rimentos engenhosos em que manipulavam as células de em-briões. Esses experimentos permitiram concluir que as duasprimeiras células de um embrião de anfíbio, se separadas, eramcapazes de gerar dois girinos normais, e que o núcleo de célu-las embrionárias de anfíbios após as quatro primeiras divisõescelulares ainda era capaz de transmitir todas as informaçõesnecessárias à formação de girinos completos quando transplan-tado para uma bolsa de citoplasma do qual o núcleo havia sidoexcluído (célula enucleada) (1). A originalidade destes experi-mentos permitiu que se formulasse já em 1938 uma questãofundamental para a moderna biologia do desenvolvimento: teriao núcleo de uma célula totalmente diferenciada a capacidadede gerar um individuo adulto normal quando transplantadopara um óvulo enucleado? A resposta a esta pergunta foi dadapor John Gurdon (2) (prêmio Nobel de Fisiologia e Medicinaneste ano) na década de 1960, quando ele transferiu o núcleo

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de uma célula do epitélio intestinal de um sapo adulto para umóvulo enucleado e conseguiu demonstrar que esse óvulo eracapaz de gerar um girino. Na década de 1990, o nascimento deDolly (3), a partir da transferência do núcleo de uma célulaepitelial de glândula mamária para o óvulo enucleado, mostrouque isso era também possível em mamíferos.

Figura 1 – Transferência nuclear de célula somática.Neste processo o núcleo de uma célula somática éretirado (através de uma biopsia de pele, de onde seobtêm células epiteliais, por exemplo) e transferidopara um óvulo que teve seu núcleo removido. Fatorescitoplasmáticos do óvulo são capazes de reprogramaro núcleo da célula adulta para um estágio embrioná-rio, permitindo assim que a partir deste óvulo se gereum embrião até o estágio de blastocisto. Desteblastocisto podem se retirar as células-tronco embri-onárias, que podem então ser diferenciadas nos maisdiversos tipos de células adultas, e que neste caso se-rão idênticas às do individuo que cedeu a biopsia depele de onde foram retiradas as células doadoras dosnúcleos.

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Células-tronco embrionárias

Em 1981, dois grupos independentes conseguiram imorta-lizar células derivadas da massa celular interna de blastocistosde embriões de camundongos (4). Estas células, denominadasde células ES – do inglês “embryonic stem cells” (células-tron-co embrionárias) –, são denominadas de pluripotentes, poispodem proliferar indefinidamente in vitro sem se diferenciar,mas também podem se diferenciar se as condições de cultivodas células forem modificadas. Outra característica especialdestas células é que elas podem ser reintroduzidas em embri-ões de camundongos, dando origem a células em todos os te-cidos do animal adulto, inclusive a células germinativas (óvu-los e espermatozoides, que constituem a chamada linhagemgerminal). Entretanto as células ES não são capazes de sozi-nhas gerarem um embrião; isto é, elas não são totipotentescomo o zigoto.

A disponibilidade de células ES de camundongos tornoucorriqueira a manipulação genética destes animais. A possibili-dade de introduzir genes exógenos ou deletar genes endóge-nos nas células ES in vitro e depois reimplantá-las nos embri-ões, dando inclusive origem a células germinativas nos animaisadultos, tornou possível a geração de camundongos transgêni-cos expressando novos genes ou desprovidos de genes nor-malmente presentes no animal normal (os animais knockouts).Estes camundongos transgênicos têm possibilitado a caracte-rização de muitas doenças humanas resultantes de alteraçõesgenéticas.

Diversos laboratórios obtiveram sucesso no cultivo e diferen-ciação das células ES de camundongos em tipos celulares tãodistintos quanto as células hematopoiéticas (produtoras de sangue)(5) e células do sistema nervoso (neurônios, astrócitos e oligo-dendrócitos) (6, 7), dentre outras. A capacidade de direcionar

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este processo de diferenciação permite que a partir das células-tronco embrionárias possamos cultivar os mais diferentes ti-pos celulares, abrindo a possibilidade de construir in vitro, naplaca de cultura, tecidos e órgãos.

Mas foi apenas em 1998, que James Thomson e colabora-dores (8) conseguiram imortalizar células ES de embriões hu-manos. No mesmo ano, células embrionárias germinativas hu-manas (EG do inglês “embryonic germ cells”), derivadas das célulasreprodutivas primordiais de fetos, foram imortalizadas por JohnGearhart e colaboradores (9). Estas células, como as célulasES, são pluripotentes, podendo se diferenciar em qualquer cé-lula do organismo adulto.

A disponibilidade de células ES e EG humanas abriu novoshorizontes para a medicina regenerativa, mas também trouxecomplexos problemas ético-religiosos. Ao mesmo tempo, adisponibilidade de células ES humanas e os experimentos detransferência nuclear tornaram a clonagem de seres humanosuma possibilidade cada vez mais real, embora até hoje não rea-lizada. De fato, as Sociedades e Academias de Ciência apoiama chamada clonagem terapêutica, mas condenam a clonagemreprodutiva. Mas como veremos adiante, estas questões foramsuperadas pelo próprio desenvolvimento científico.

Células-tronco adultas

Desde a década de 1960 sabe-se que organismos adultostêm a capacidade de autorregenerar determinados tecidos comoa pele, o epitélio intestinal e principalmente o sangue, que temsuas células constantemente destruídas e renovadas, num com-plexo processo de proliferação e diferenciação celular. O pro-cesso de renovação celular é tão intenso que diariamente 213novas células sanguíneas entram na circulação.

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A noção de que praticamente todos tecidos e órgãos docorpo humano, como pâncreas, coração e sistema nervoso, têmum estoque de células-tronco, com uma capacidade limitadade regeneração tecidual após injúria, é razoavelmente recente.Esse novo conhecimento representou uma quebra importantede paradigma, pois órgãos como cérebro e coração foram con-siderados, por quase um século, como pós-mitóticos, ou seja,incapazes de regeneração. A presença de células-tronco órgãoespecificas é que tem justificado o uso de células-tronco deri-vadas de medula óssea em ensaios clínicos experimentais deterapia celular para os mais diversos tipos de doenças intratá-veis. É que, embora em um curto período de tempo, entre 1998e 2002, vários trabalhos na literatura sugeriram que as célulasde medula óssea pudessem se diferenciar em quase todos ostipos celulares do organismo adulto (10, 11, 12) (dando-lhes,portanto, um caráter pluripotente), esse conceito foi abando-nado a partir de 2002, quando experimentos mais cuidadosos(13, 14, 15) revelaram que a diferenciação de uma célula-tron-co de medula óssea só gerava células sanguíneas (a hipótese datransdiferenciação – transformação de uma célula-tronco he-matopoiética em qualquer célula de um organismo adulto – foiabandonada). Atualmente, o uso de células de medula ósseaem ensaios clínicos experimentais de doenças não hematológi-cas só se justifica pelo fato de que essas células são capazes desecretar uma série de fatores (angiogênicos, anti-apoptóticos ede crescimento celular), que através desse efeito parácrino esti-mulam as células-tronco residentes em cada órgão específico aproliferar e diferenciar nos tipos celulares característicos da-quele órgão.

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Células-tronco de pluripotência induzida

Embora a pluripotencialidade das células-tronco de medulaóssea tenha sido descartada no início do milênio, experimen-tos conduzidos por Shinya Yamanaka demonstraram que erapossível transformar, através de manipulação gênica, uma cé-lula adulta em pluripotente (16). De fato, para operar essa trans-formação não era nem necessário que a célula adulta fosse umacélula-tronco; podia-se fazer isso com a expressão forçada deapenas quatro genes em células como fibroblastos da pele.

Figura 2 – Geração de células de pluripotênciainduzida (iPSC). Um fibroblasto adulto ou embrioná-rio é transduzido com um vetor que contém um genede seleção (? geo) acoplado ao promotor de um genesó expresso em células-tronco embrionárias (Fbx15).Em seguida são introduzidos no fibroblasto vírus con-tendo os genes dos quatro fatores de pluripotêncialistados (c-Myc; Klf4; Oct3/4, Sox2). Faz-se então aseleção das células com a neomicina. Apenas as célu-las que expressam o gene ? geo, que confere resistên-cia à neomicina, sobreviverão na cultura. Como essegene só é expresso se o promotor de Fbx15 for ativado,apenas as células reprogramadas para um estado decélulas-tronco embrionárias sobreviverão.

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Essa descoberta revolucionaria levou Yamanaka ao prêmioNobel de Fisiologia e Medicina em 2012 (partilhado com JohnGurdon). A geração das células-tronco de pluripotência indu-zida (iPSC), inicialmente em camundongos (2006), foi rapida-mente reproduzida em células humanas, já em 2007 (17). De lápara cá, inúmeros laboratórios vêm demonstrando que é possí-vel induzir iPSC a partir dos mais variados tipos de célulasadultas, através da expressão de um número cada vez menorde genes exógenos. Essas iPSC, como as células-tronco embrio-nárias, podem se diferenciar em qualquer tipo celular de umorganismo adulto, dependendo de como se manipulam as condi-ções de cultivo celular. Embora as iPSC representem a possibili-dade de uso de células do próprio paciente em terapias regenerati-vas no futuro, seu uso atualmente se restringe a modelar doençashumanas in vitro e testar os efeitos de drogas sobre as célulashumanas diferenciadas a partir de iPSC geradas do paciente.

Reprogramação Direta

A constatação de que a manipulação gênica podia transfor-mar uma célula adulta em pluripotente levou os pesquisadoresa se indagar se não seria possível eliminar o estágio de pluripo-tência, e, através da expressão forçada de alguns genes, trans-formar diretamente um tipo celular adulto em outro – um pro-cesso denominado de reprogramação direta. A grande vantagemdeste processo para a medicina regenerativa é que se evitamtodos os problemas associados à introdução de células pluri-potentes em um paciente – essencialmente a possibilidade deque alguma dessas células, que ainda retenha sua pluripotência,acabe por gerar tumores no paciente.

Os primeiros experimentos com a reprogramação diretausaram a introdução de genes exógenos para transformar células

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de mesma origem embrionária (ectoderma, mesoderma ouendoderma) de um tipo celular em outro. Assim, foi possíveltransformar linfócitos em macrófagos (18), células exócrinasem endócrinas no pâncreas (19) e glia em neurônios (20).

O sucesso nestes experimentos levou os pesquisadores aousar mais e em 2009 foi relatada a reprogramação de fibro-blastos em neurônios com a expressão forçada de apenas 3genes (21). Em 2010, foi descrita a reprogramação de fibro-blastos em cardiomiócitos (22) e mais recentemente, a repro-gramação de fibroblastos em hepatócitos (23).

A possibilidade de transformar tecido cicatricial (fibroblas-tos) em células residentes dos órgãos lesados abre possibilida-des inimagináveis para a medicina regenerativa. Entretanto, ain-da há muitos obstáculos a vencer antes que essa tecnologiapossa ser aplicada a pacientes.

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Referências

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Derivation of pluripotent stem cells from cultured human pri-mordial germ cells. Proc Natl Acad Sci USA. 1998 Nov 10;95(23):13726-31.

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2. DIÁLOGOS

Abordagem humanística em Saúde

Coordenadores:

Jerson LaksFrancisco Barbosa Neto

Literatura e formação humanística em Medicina

Dante Marcello Claramonte Gallian

Narrativas pessoais em processos de tratamento da saúde

Heliana de Barros Conde Rodrigues

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Literatura e formação humanística emMedicina: o experimento do Laboratório

de Humanidades da EPM/UNIFESP

Dante Marcello Claramonte GallianCentro de História e Filosofia das Ciências da Saúde (CeHFi) –

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Em uma de suas obras mais recentes, que repercutiu de manei-ra contundente no meio acadêmico e cultural, Tzevtan Todo-rov, fazendo uma espécie de mea culpa intelectual, pondera comoo desenvolvimento prodigioso da crítica e da teoria literária aolongo do último século acabou “sequestrando” a grande litera-tura do público comum, tornando-a quase inacessível (TO-DOROV, 2007). A partir das leituras e interpretações autoriza-das e autoritárias da crítica especializada, oficializadas e impostaspelos aparelhos ideológicos nas esferas educacionais e cultu-rais, as grandes obras, os clássicos da literatura universal, pas-saram a ser território de especialistas e iniciados. Tal empode-ramento determinou, segundo o critico búlgaro, umafastamento de uma das mais importantes e poderosas fontesde humanização do homem moderno, o que vem contribuin-do fortemente para o radical empobrecimento cultural e éticoque se verifica em nossos tempos.

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Libertar a literatura do “espartilho asfixiante” das criticasformalistas é, portanto, segundo Todorov, o caminho para de-volver-lhe seu caráter humanista, resgatando o seu papel defornecer às pessoas “uma verdade e uma capacidade de estarno mundo.” É preciso lembrar as pessoas de que os grandesescritores escreveram suas obras para serem lidas não por crí-ticos e especialistas acadêmicos, mas para todos os homens emulheres que buscam na literatura uma luz, um consolo, umcaminho de encontro e compreensão de si mesmos.

Há pouco mais de oito anos, de maneira absolutamente es-pontânea, começamos, na Escola Paulista de Medicina daUNIFESP, a promover uma atividade que vem possibilitandoa realização dessa experiência libertadora e humanizadora rei-vindicada por Todorov.

Com uma pequena turma de estudantes que haviam cursa-do conosco a disciplina eletiva de História da Medicina e comos quais havíamos lido e discutido textos clássicos da arte mé-dica, iniciamos um grupo de leitura e discussão de obras literá-rias, num horário extra-classes. Começando com contos ou li-vros pequenos, aos poucos o grupo cresceu em número eambição, passando a “enfrentar” obras clássicas de grande porte,como Dom Quixote de Cervantes, A Tempestade de Shakespeare,ou O Idiota de Dostoievski. Foi assim que nasceu o Laborató-rio de Humanidades do Centro de História e Filosofia das Ci-ências da Saúde (CeHFI) da EPM-UNIFESP.

A descoberta de que “qualquer um”, ou seja, de que alguémque não fosse um especialista ou iniciado, ou nem mesmo es-tudante da área de Letras ou Ciências Humanas, pudesse ler,entender e, mais do que tudo, vibrar com os clássicos da litera-tura universal, foi fonte de grande admiração e alegria. Mais doque isso, entretanto, aquele novo “experimento”, realizado emnosso peculiar laboratório, acabou por se revelar um inusitadoe poderoso meio de formação, de humanização – elemento

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tão necessário quanto discutido e almejado no âmbito da me-dicina e das ciências da saúde em geral.

Verificou-se que a experiência desencadeada pela leitura e,mais ainda, pelo compartilhamento das leituras nas reuniõessemanais do Laboratório de Humanidades, não apenas atendi-am ao desejo e necessidade de contato com aquelas obras, comotambém os estimulava, suscitando a elaboração e expressão deafetos, sentimentos, ideias, por parte de cada participante. Umautêntico processo de transformação, de “ampliação da esferado ser”, para usar uma expressão tomada de empréstimo deMontesquieu por Teixeira Coelho (2001), é testemunhado pormuitos do que participam dessa experiência laboratorial comos clássicos da literatura.

O “experimento” laboratorial nos ensina: a literatura, anarrativa literária, nos interpela primeiramente como aconteci-mento estético, no sentido original da palavra grega aestesis(despertar, inverso de anestesis, anestesiar) mobilizando-nos afeti-vamente – gostamos de ouvir e ler histórias porque elas nosafetam; trazem-nos prazer, alegria, comoção, ódio, terror... Ouseja, a literatura nos “pega” porque nos lembra que estamosvivos e que temos um coração e um corpo para sentir.

Em segundo lugar, a experiência laboratorial mostra queeste despertar afetivo produzido pelo acontecimento estéticoque a leitura proporciona desencadeia um poderoso movimentoreflexivo; ou seja, a tempestade de afetos, sentimentos, ideiassuscitadas pela leitura exige um espaço de escape, de expres-são. A forma e a dinâmica do Laboratório de Humanidades, aoproporcionar este espaço, através de seus encontros presenciaissemanais e virtuais permanentes, permitem não apenas queesses conteúdos, impressões e opiniões sejam expressos, mastambém elaborados, confrontados, reestruturados, enfim, traba-lhados. Assim, sem deixar de ser um espaço de comunicaçãode sensações e afetos, o Laboratório se constitui, naturalmente,

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ensaios, conferências e comunicações

num espaço de trabalho do pensamento, de reflexão, de ela-boração filosófica no sentido mais radical e primitivo destaexpressão, ou seja, de mergulho e encontro com as questõesessenciais da existência humana.

Tal acontecimento não é mérito exclusivo da dinâmica la-boratorial. Na verdade, o LabHum (como é familiarmentechamado o Laboratório de Humanidades) apenas propicia epotencializa uma virtude que é da própria literatura. Comoapontava Todorov, a literatura caracterizou-se historicamentepor proporcionar sempre o acesso “a uma certa verdade sobreo mundo e sobre o homem.” “Que melhor introdução à com-preensão das paixões e dos comportamentos humanos do queuma imersão na obra dos grandes escritores que se dedicam aessa tarefa há milênios?” – pergunta-nos o autor de A literaturaem perigo (TODOROV, 2007, p.36).

Corroborando as considerações de Todorov, outro críticocontemporâneo, membro do Collège de France, para quemtambém “é tempo de se fazer novamente o elogio da literatura,de protegê-la da depreciação na escola e no mundo”, AntoineCompagnon, em sugestivo ensaio intitulado Literatura para quê?(2009), seguindo a trilha já palmilhada por Ítalo Calvino, lem-bra que as coisas que a literatura pode procurar e ensinar sãopouco numerosas mas insubstituíveis: a maneira de ver o pró-ximo e si mesmo, de atribuir valor às coisas pequenas ou gran-des, de encontrar as proporções da vida, e o lugar do amornela, e sua força e seu ritmo, e o lugar da morte, a maneira depensar e de não pensar nela, e outras coisas necessárias e difí-ceis, como a rudeza, a piedade, a tristeza, a ironia, o humor.

Pouco numerosas, mas insubstituíveis: as questões essenciaisda existência humana, enfim. Questões inevitáveis e que seimpõem a todo aquele se vê inquieto diante da experiência doser. Questões que vêm sendo formuladas e enfrentadas des-de tempos imemoriais na história da humanidade e que na

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tradição ocidental foram sendo abarcadas e reivindicadas pelafilosofia. Questões essenciais que, na medida em que foramsendo “aprisionadas” primeiramente pela filosofia e posterior-mente “desqualificadas” ou “requalificadas” pelas ciências, fo-ram ficando, paulatinamente, distantes, exotéricas, abstratas e,tal como o ocorreu com a própria literatura, “proibidas” paraas pessoas comuns.

Desta forma, o “resgate da literatura” defendido por Todo-rov e Compagnon representa também o resgate da capacidadede pensar, de refletir sobre essas grandes questões de uma for-ma muito mais real, concreta, “interna”, enfim, humanizada.Isso porque, como afirma Compagnon (2009, p. 33):

Com a literatura, o concreto se substitui aoabstrato e o exemplo à experiência para inspiraras máximas gerais ou, ao menos, uma condutaem conformidade com tais máximas.

Possibilitando acessar uma experiência sensível e um co-nhecimento moral que seria difícil, até mesmo impossível dese adquirir através da leitura dos tratados filosóficos e científi-cos, a literatura contribui de forma insubstituível não apenaspara nossa “educação sentimental”, como também para nossaformação ética, tanto prática como especulativa.

Citando Zola, Compagnon afirma:

A verdade é que as obras-primas do romancecontemporâneo dizem muito mais sobre o ho-mem e sobre a natureza do que graves obras deFilosofia, de História e de Crítica. (Idem, p.26)

E complementa:

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ensaios, conferências e comunicações

Exercício de reflexão e experiência de escrita, aliteratura responde a um projeto de conhecimentodo homem e do mundo. Um ensaio de Montaigne,uma tragédia de Racine, um poema de Baudelaire,o romance de Proust nos ensinam mais sobre avida do que longos tratados científicos. Tal foipor muito tempo a justificativa da leitura ordiná-ria e a premissa da erudição literária. A ciência asdesqualificou? É o que parece (Id. ibid.).

Fundamentado e lastreado por essa “virtude filosófica” pró-pria da literatura, a experiência do Laboratório de Humanida-des nada mais faz, portanto, do que dinamizar e potencializaressa qualidade ontológica dos grandes clássicos, gerando umespaço de autêntica reflexão, descoberta e humanização. As-sim, da experiência estética da leitura compartilhada nasce, noâmbito da dinâmica laboratorial, um movimento amplificadode reflexão e interpretação que, sem se estruturar numa teseou conclusão fechada, permite a elaboração de um conheci-mento; um conhecimento que é ao mesmo tempo individual ecoletivo, subjetivo e objetivo, e que se estabelece como umanova visão sobre “a verdade do mundo e do homem”. Visãoesta que não apenas responde à dimensão dos anseios de umaética especulativa, mas também de uma ética prática, pois comotem sido possível observar também, a experiência com a litera-tura no Laboratório acaba por afetar não apenas o plano dossentimentos e da inteligência, mas também da vontade. Diantede toda essa mobilização gerada pela experiência estética, nãoé possível evitar um novo posicionamento no âmbito ético.

E aqui se confirma mais uma vez a constatação não só teó-rica mas também histórica de Compagnon (2009, p. 45):

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Seu poder emancipador [da literatura] continuaintacto, o que nos conduzirá por vezes a quererderrubar os ídolos e a mudar o mundo, mas qua-se sempre nos tornará simplesmente mais sensí-veis e mais sábios, em uma palavra, melhores.

Tal é o resultado do experimento que se tem verificado noLaboratório de Humanidades ao longo desses últimos anos.Movimento de sensibilização e de mobilização no plano inte-lectual e ético; humanização efetiva, com efetivo impacto noâmbito educacional e profissional no campo da saúde, comovêm atestando os estudos que estão sendo realizados .

Referências

COMPAGNON, A. Literatura para Quê? Belo Horizonte: EditoraUFMG, 2009.

TEIXERA COELHO, “A Cultura como Experiência”, in RIBEI-RO, Renato Janine (org.), Humanidades; um novo curso na USP.São Paulo: Edusp, 2001, p. 65- 101.

TODOROV, T. A Literatura em Perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2007.

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Narrativas pessoais em processosde tratamento da saúde: o que

fazemos com o que nos contam?

Heliana de Barros Conde RodriguesProfessora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –

UERJ

Certos títulos e resumos anteriormente propostos para estaapresentação parecem ter provocado inquietações. Conhecen-do pouco meus futuros interlocutores, talvez eu tenha usadoum estilo excessivamente acadêmico para me referir às coisassimples que desejo abordar – vícios do ofício de professorauniversitária, certamente!

Esses acontecimentos não são alheios à temática desta mesa,como pretendo que fique claro no decorrer de minha breveexposição. A escrita – refiro-me aos títulos e resumos previa-mente enviados1 – atua fixando e, talvez principalmente, ar-rancando de seu contexto, palavras que, no campo da oralida-de, estão ligadas a uma arena de lutas e de polêmicas – palavras

1 Os títulos anteriormente propostos foram “Para a Filosofia, toda boa matériadeve ser alheia - Normatividade e normalização na História Oral da Saúde” e“Abordagem Humanística em Saúde - O que fazemos com o que nos contam?”.

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ensaios, conferências e comunicações

sempre prontas, nesse sentido, a se modificar e, até mesmo, ainverter seu sentido inicial, quando faladas/trocadas.

Sendo assim, sinto-me muito mais livre agora que falo comvocês – por mais que o pânico que sempre me assedia às vés-peras de eventos me tenha levado a escrever previamente mi-nha comunicação. Vale acrescentar que uma futura publicaçãotambém o justifica – para o bem e para o mal.

Mas, já que me sinto mais livre, ouso combinar termos edestacar expressões. Primeiramente, que o título permaneçacomo “Narrativas pessoais em processos de tratamento de saú-de”, mas que se lhe acrescente o subtítulo “O que fazemoscom o que nos contam?”.

Além disso, destaco as narrativas pessoais: a apresentaçãoserá composta de três delas. E, também, o tratamento da saú-de: profissionais do campo da saúde tratam de pessoas; porminha parte, tratarei, na medida do possível, do problema saú-de. Nesse processo, contarei algumas histórias, na intenção deque elas afetem, por pouco que seja, a maneira como vocêslidam com aquilo que as pessoas de que tratam lhes contam.

Passemos, pois, às narrativas.

1. Segunda Guerra Mundial, a França ocupada pelos nazistas.Georges, um filósofo de trinta e poucos anos, até então umpacifista radical, percebe, na situação vivida, a exigência de instau-ração de novas normas de vida. Decide-se a estudar medicinae, quase ao mesmo tempo, torna-se Lafont – pseudônimo sobo qual colabora com o movimento Liberação-Sul da Resistên-cia. Este foi, por sinal, o único momento em que Georges exer-ceu a prática médica: nunca mais voltou a fazê-lo e jamais seinscreveu nos conselhos da profissão. “Foi médico apenas naguerra e pela guerra: um médico (...) do presente e do instante,do acontecimento e do trauma” (ROUDINESCO, 2007, p. 28).

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Paradoxalmente, em 1943 – ainda, portanto, durante essaguerra em que cria normas e arrisca a vida –, Georges CAN-GUILHEM (este é seu nome de autor) defende sua tese demedicina intitulada “Ensaio sobre alguns problemas relativosao normal e ao patológico” – texto que até hoje nos perturba,pois, sem dizer uma única palavra sobre o ocupante nazista,decerto o tem em mira como condição de produção crítica:

Se a entrada na medicina permitiu ao filósofoCanguilhem transformar-se em Lafont, foi por-que a Resistência, como rebelião singular, funcio-nou para ele como o paradigma de uma descon-tinuidade na ordem da normatividade, isto é,como momento da adoção de uma nova norma,com raízes na vida (...). Nunca será o bastanteenfatizar quanto a coincidência vivida entre duasmodalidades da filosofia da ação – ato de resistir,ato de cuidar – inspirou a Canguilhem sua refle-xão sobre a natureza da normalidade. (ROUDI-NESCO, 2007, p. 29)

Pois onde estarão a norma e o normal nesse momento? Dolado da submissão prudente, da adaptação à égide nazista, dasobrevivência às custas de uma obediência? Ou, ao contrário,do lado da invenção de uma outra norma – arriscada, móvel,ruptural, experimentante –, por mais que ela possa conduziraté mesmo à morte?

Tanto Canguilhem quanto sua tese de medicina engajam-sena segunda dessas direções. Voltaremos à tese mais tarde. Nomomento, guardemos apenas duas afirmações nela contidas, àmaneira de aforismos: “Viver é, mesmo para uma ameba, pre-ferir e excluir” (CANGUILHEM, 2002, p. 126); “A vida não é(...), para o ser vivo, uma dedução monótona, um movimento

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ensaios, conferências e comunicações

retilíneo; ela ignora a rigidez geométrica, ela é debate ou expli-cação (...) com um meio em que há fugas, vazios, esquivas eresistências inesperadas” (CANGUILHEM, 2002, p.160).

2. Estados Unidos, 1945, fim da Segunda Guerra Mundial. Ojornalista e historiador Allan tem um grande projeto: antes quemorram certos “grandes homens” (da economia, da política,das armas, da cultura) – a guerra sinalizara fortemente essaeventualidade –, pretende gravar suas palavras sobre a passa-gem do tempo e com elas montar, em uma grande universida-de – a de Columbia –, um acervo de documentos orais. Paratanto, conta com uma tecnologia criada pelos alemães – o gra-vador de fita – e com doações feitas por um recentemente fa-lecido milionário. Porém Allan NEVINS (eis seu nome de au-tor) não consegue sucesso imediato: ele grava e arquiva, é certo;mas seus pares, os historiadores, embora digam que não se fazHistória sem documentos, consideram que o último termo ésinônimo de “documento escrito”. Assim, os poucos interes-sados pelo acervo que começa a ser montado em Columbianão têm paciência para escutar narrativas longas e hesitantes,cheias de pausas e de ensaios preparatórios, antes que o temaem pauta adquira consistência. Quando as admitem como fon-tes históricas, preferem que estejam escritas – ou melhor, trans-critas –, preto no branco, acrescidas de índices e páginas nu-meradas para facilitar as citações.

Nem assim Allan Nevins desiste. Empenha-se, junto a ini-cialmente poucos companheiros, na criação de uma Associa-ção Nacional de História Oral. Acabará por ser bem sucedido,mas, como poderia dizer Canguilhem, sob novas normas. Osjovens, de idade ou de espírito, estão pouco interessados emindustriais, governantes e generais. Preferem gravar as vozesde homens até então silenciados, de homens infames – negros,

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índios, trabalhadores braçais, imigrantes, serviçais e, até mes-mo, mulheres! Sendo assim, nos anos 1960 e 1970, a HistóriaOral norte-americana se terá afirmado não tanto como um“arquivismo” voltado à História das Elites, mas como um “ati-vismo” disposto a fazer ressoar as palavras das pessoas co-muns.

Este brevíssimo relato decerto não faz justiça às batalhaspolíticas, acadêmicas, éticas e estéticas que levaram a substituiruma indignação cientificista inicial – “Mas como? Você pre-tende trabalhar, no campo da História, com a oralidade?” –por uma aceitação, ou mesmo convite, em sentido oposto –“Por que você não utiliza, em sua pesquisa, narrativas orais?”.Nesse segundo momento, confluências internacionais já havi-am feito, da História Oral, um campo polifônico: a partir dasegunda metade dos anos 1970, congressos e encontros en-gendram uma Babel de idiomas e nações que, além de valori-zarem a oralidade, sobre ela refletem criticamente, em especialno que tange à sua singularidade, ao que a faz diferente deoutros procedimentos e produtos (PORTELLI, 1998).

No Brasil, essa explosão de vozes será mais tardia: a Dita-dura Civil-Militar mais se fazia de silenciamentos que de taga-relices. Sem que entremos em detalhes sobre a conquista decertas liberdades, cumpre assinalar apenas que a ênfase nosDireitos Humanos favoreceu a expansão da escuta e a cora-gem do narrar, inclusive no campo da saúde. Este passa, emparte com isso e por isso, a ser dito “humanizado”. Começa-sea demandar atenção às narrativas, cotidianas ou deliberadamentesolicitadas, de todos os envolvidos, sejam como agentes, sejamcomo pacientes. Em tais circunstâncias, principalmente estesúltimos teriam assim a oportunidade de escapar ao lugar passi-vo sugerido pelo termo e passariam a exercer seu “direito àsaúde”. Não nos apressemos, contudo, em concluir.

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3. França, década de 1960. Michel, um filósofo de trinta e pou-cos anos, filho de cirurgião e que fora aluno de Georges naEscola Normal parisiense, gosta de voltar-se, como seu mes-tre, para matérias em princípio estranhas á Filosofia instituída.Após defender, em 1961, uma tese em que a loucura prevalecesobre a Psiquiatria – segundo ele, a primeira, em lugar de liber-tada, teria sido silenciada pela segunda –, volta-se para a práti-ca da medicina através de novo trabalho histórico, intitulado“O nascimento da clínica”, datado de 1963.

Tal qual Georges Canguilhem, Michel FOUCAULT (este éseu nome de autor) tem por alvo crítico a versão positivista dasuposta ciência médica, bem como de sua história. Mas ao pas-so que Canguilhem tentara fazê-lo mediante uma defesa daespecificidade da vida, segundo ele irredutível à distribuiçãoquantitativa de índices físico-químicos, Foucault fala não deum “vitalismo”, mas de um “mortalismo” como condição deexistência da clínica e da medicina modernas. Estas teriam nas-cido não em virtude do abandono dos antigos mitos e figurasda imaginação, substituídos, na linha de um progresso da ra-zão, pela observação empírica até então supostamente inexis-tente, e sim da constituição de um novo olhar médico, associ-ado a uma nova formação médica e a um novo estatuto damedicina no seio das sociedades.

O novo olhar penetra na profundidade do corpo morto – aclínica moderna é produto de uma anatomopatologia – paraidentificar, nos órgãos e nos tecidos – mais tarde nas células eem sua bioquímica – uma multiplicidade de lesões (pequenasmortes) que explicariam simultaneamente as doenças (que aelas sucumbem) e a própria vida (que a elas resiste). Para tanto,esta nova medicina tem a seu dispor corpos hospitalizados –de hospedaria-morredouro, o hospital se transforma em “má-quina de curar” e “máquina de ensinar” –, bem como o corpoda população, que ela agora esquadrinha, a princípio sob a égide

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do combate às epidemias e a seguir da produção da higiene eda saúde públicas – funções para as quais, a partir dos séculosXVIII e XIX, se vê convocada e legitimada. A respeito, Fou-cault afirma: “A medicina não deve mais ser apenas o corpusdas técnicas da cura e do saber que estas requerem; envolverá,também, um conhecimento do homem saudável, isto é, aomesmo tempo uma experiência do homem não doente e umadefinição do homem modelo. Na gestão da existência huma-na, ela assume uma postura normativa, que não só a autoriza adistribuir conselhos de vida equilibrada, mas a reger as rela-ções físicas e morais do indivíduo e da sociedade em que elevive” (FOUCAULT, 1987, p. 39).

Concluídas as três pequenas narrativas, podemos passar anossa pergunta-subtítulo: o que fazemos com o que nos con-tam quando se trata de saúde, ou, melhor dizendo, com o tan-to que nos contam, na medida em que as narrativas orais (e aHistória Oral) são hoje vistas como instrumentos de humani-zação no campo da saúde?

Na companhia de Canguilhem e de Foucault, pudemos apre-ender críticas radicais à pretensa objetividade do positivismobiológico. A tese de Canguilhem se opõe frontalmente à pers-pectiva representada, em especial, por Claude Bernard, paraquem o patológico nada mais seria do que uma variação quan-titativa das funções normais que o cientista – no caso, fisiolo-gista – estuda, fixa e determina em seu laboratório experimen-tal. Para Canguilhem, a medicina não é uma ciência, mas umaarte da vida. O “vivo”, por sua vez, é o sujeito de uma experi-ência de sofrimento, de mal viver, de vida contrariada, irredutí-vel a índices objetivos. A esse respeito, ele adverte:

O médico tem tendência a esquecer que são os doen-tes que chamam o médico (...). O fisiologista temtendência a esquecer que a fisiologia foi precedida

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por uma medicina clínica e terapêutica (...); emmatéria de biologia, é o pathos que condiciona ologos (...). A vida só se eleva à consciência e à ciên-cia de si mesma pela inadaptação, pelo fracasso epela dor. (CANGUILHEM, 2002, p. 169).

Além disso, essa singularidade existencial, essa consciênciado sofrimento – sem a qual não há qualquer ciência da vida –deve ser considerada em relação ao que se pode denominar “ovivo do vivo” (MACHEREY, 2009, p. 100). Trata-se, no caso,não tanto de uma vivência consciente do doente – ponto devista prioritariamente verdadeiro, sem dúvida –, mas de algomenos explícito que, em acréscimo, torna a vida irredutível aqualquer objetivismo e/ou quantitativismo. Canguilhem assimo expressa:

Ser sadio significa não apenas ser normal numasituação determinada, mas ser, também, norma-tivo (...). O que caracteriza a saúde é a possibili-dade de ultrapassar a norma que define o normalmomentâneo, a possibilidade de tolerar infraçõesà norma habitual e de instituir novas normas emsituações novas. (CANGUILHEM, 2002, p. 158)

A vida não está submetida, portanto, como que do exterior,às normas; pois estas, como potência imanente do vivo, são oproduto de seu próprio movimento. Por esse motivo, concluiCanguilhem:

Ao contrário de certos médicos sempre dispos-tos a considerar as doenças como crimes, porqueos interessados são de certa forma responsáveis,por excesso ou omissão, achamos que o poder e

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a tentação de se tornar doente são uma caracte-rística essencial da fisiologia humana (...); a pos-sibilidade de abusar da saúde faz parte da saúde.(...) A saúde é uma maneira de abordar a existên-cia com uma sensação não apenas de possuidorou portador, mas também, se necessário, de cria-dor de valor, de instaurador de normas vitais(Idem, p. 162-163).

Tão crítico quanto seu mestre das pretensões de objetivida-de do positivismo biológico, Foucault fala de outro tipo denormas. Estas não remetem à experiência vivida consciente,tampouco à potência imanente do vivo de criar novas normasvitais, mas às normas de saber que definem o solo da medicinae da clínica modernas, bem como àquelas que tal medicina etal clínica distribuem sobre indivíduos e populações, que setornam, com isso, seus pontos de aplicação. Normas episte-mológicas, por um lado; por outro, em necessária correlaçãocom as primeiras, normas políticas. Melhor seria falar, aqui, denormalização médica da vida que de normatividade inerenteao vivo. As normas de que fala Foucault configuram uma ex-periência anônima e coletiva a que todos estamos vinculados:são experiências históricas de seres vivos – humanos, no caso–, no presente, e não experiências do ser vivo na qualidade denível singular de real, irredutível à matéria (MACHEREY, 2009,p. 104).

Com apoio em Canguilhem e Foucault, podemos, nestemomento, multiplicar nossa indagação-subtítulo: usamos asnarrativas orais no campo da saúde simplesmente para ilustrar, naforma de “casos-exemplo”, esquemas de saber-ação previamen-te estabelecidos pelos cânones fisiológicos de normalidade?Qualquer anomalia anatômica ou fisiológica, independentementeda experiência narrada pelos sujeitos, é por nós diagnosticada,

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cientificamente, como anormalidade? Apesar de ouvir as nar-rativas de nossos pacientes, pois devemos ter um sistema desaúde humanizado, ignoramos ativamente suas possibilidadesde instaurar novas normas e os queremos dóceis e obedientesàs normalizações médicas instituídas?

Ou, ao contrário, essas narrativas são efetivamente dotadasda potência de nos transformar, de ser a ocasião para um ques-tionamento do instituído no âmbito da saúde, de reinventarnossa formação e nossas práticas, de avivar nossa crítica daquiloque, como aspecto da normalização médica da vida, produzsujeitos – sejam eles agentes de saúde ou pacientes – tão dóceise tão obedientemente normais, que os torna quase incapazes deexperimentação, de criação, de risco e de normatividade?

Se algo dessa segunda série de eventualidades parecer pos-sível aos aqui presentes – e vale lembrar só se tem o possível,produzindo-o –, esse “tratamento discursivo da saúde” aquiensaiado terá, decerto, valido a pena...

Referências

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 2002.

FOUCAULT, M. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1987.

MACHEREY, P. De Canguilhem à Foucault. La force des normes. Pa-ris: La Fabrique, 2009.

PORTELLI, A. What makes oral history different. In: PERKS, R.;THOMSON, A. (eds.) The oral history reader. London andNew York: Routledge, 1998.

ROUDINESCO, E. Filósofos na tormenta. Canguilhem, Sartre, Fou-cault, Althusser, Deleuze e Derrida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

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ensaios, conferências e comunicações

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3. CONFERÊNCIA

Os desafios da Iniciação Científicacom foco na inovação tecnológica

Apresentação

Willian Fernando Zambuzzi

Os desafios da Iniciação Científica com foco na

inovação tecnológica

José Mauro Granjeiro

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Apresentação

Willian Fernando ZambuzziProfessor de Pós-Graduação – UNIGRANRIO

O professor José Mauro Granjeiro possui graduação em Odonto-logia pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Bio-logia Funcional e doutorado em Química pela UniversidadeEstadual de Campinas (1998). Realizou estágio pós-doutor emBiologia Celular e Molecular no Instituto de Química da USP(1999-2000), sob supervisão da Profª. Drª. Mari Cleide Sogayar.

Sua experiência docente iniciou-se em 1990 na Faculdadede Odontologia de Bauru, USP, onde exerceu atividade de Au-xiliar de Ensino. Após, conclusão da pós-graduação tornou-seadjunto na mesma instituição. Foi responsável pela disciplinade Bioquímica, oferecida para os cursos de Odontologia e Fono-audiologia, chefe do laboratório de Bioquímica e do Departa-mento de Ciências Biológicas e editor da Revista Journal Appli-ed of Oral Sciences, a qual ganhou considerável incremento decredibilidade e visibilidade internacional, sendo indexada embases como MEDLINE e Scielo. Mais tarde, foi um dos idea-lizadores da pós-graduação em Biologia Oral. Sua carreira naFOB-USP encerrou-se em 2004, quando iniciou atividades naUniversidade Federal Fluminense (UFF), como Professor Ad-junto no Departamento de Biologia Celular e Molecular.

Na UFF, credenciou-se no Programa de Pós-Graduação emCiências Médicas, oferecido no Hospital Universitário Antônio

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Pedro. Atualmente é Especialista Sênior em Metrologia e Quali-dade do Instituto Nacional de Metrologia Normalização e Quali-dade Industrial-RJ, Professor Adjunto da Universidade Fede-ral Fluminense e Professor Colaborador do Instituto AlbertoLuiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia(COPPE/UFRJ).

Na pesquisa, seus artigos, palestras e conferências apontamexperiência na área de Biomateriais e Biologia Óssea, com ên-fase em Bioengenharia, desenvolvendo estudos sobre a toxici-dade de biomateriais, terapia celular, fatores de indução e mo-dulação do reparo tecidual, desenvolvimento de tecidosequivalentes, métodos alternativos ao uso de animais e investi-gação de ensaios e novos biomarcadores da toxicidade de par-tículas nanométricas e materiais nanoestruturados. É membrodo corpo editorial de 5 revistas especializadas na área de Bio-materiais e Odontologia e possui 228 artigos científicos publi-cados em revistas de estimada política editorial. Seus trabalhostêm sido citados 726 vezes, conferindo-o um fator H=15. Prof.Granjeiro é, ainda, autor do livro Biomateriais em Odontologia:princípios, métodos investigativos e aplicações, publicado pela editoraVM, em 2011. Até o momento, Prof. Granjeiro orientou 51alunos de Iniciação Científica, 33 dissertações de Mestrado, 23teses de doutorado e 2 pós-doutoramentos. Atualmente coor-dena a Rede Nanotox e a projeto do CNPQ/MCTI para im-plantação da Rede Nacional de Métodos Alternativos. É mem-bro do Conselho Nacional de Biotecnologia (CNB) e doConselho Nacional de Controle de Experimentação Animal(CONCEA). Palestrante convidado pelo comitê organizadordo SINCTEC, apresentou suas experiências na orientação dealunos de iniciação científica, ponderando aspectos positivos enegativos. Destacou a importância da aliança entre a ciência ea busca por novos produtos tecnológicos, capazes de revertermelhores condições sociais à população.

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ensaios, conferências e comunicações

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Os desafios da Iniciação Científica comfoco na inovação tecnológica

José Mauro GranjeiroProfessor Adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Quem tem medo do lobo mau?Beijo na boca engravida?Partículas com dimensões nanométricas são tóxicas?

O desconhecimento está na gênese do medo e, a partir dessemedo, surge o misticismo. O desenvolvimento da inteligênciahumana ocorreu com a evolução da ciência, na tentativa deexplicar as crenças e superstições. Em seguida, passou-se paraa busca de respostas utilizando estratégias baseadas em evi-dências, que pudessem ser comprovadas. O ser humano, comoanimal pensante, apresenta a capacidade de refletir sobre a pró-pria existência, construindo e incrementando progressiva-mente o conhecimento humano legado aos seus descendentes(FILHO, 1996).

Considerando a duração da história humana, há até bempouco tempo, o conhecimento era passado oralmente de gera-ção em geração. O advento da escrita concentrou o conheci-mento e tornou-o perene ao mesmo tempo que diminuía oviés da informação por parte de quem o transmitia. O código

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de Hamurabi, os hieróglifos egípcios, são exemplos primáriosda evolução do registro da informação humana. A invenção daprensa por Gutemberg no século XV (~1430) tornou possívela disseminação do conhecimento por meio dos livros, liber-tando esse conhecimento do controle de poucos.

Até a virada para o século XX, era possível que uma boabiblioteca abrigasse todo o conhecimento humano. Hoje, onúmero de documentos em cada área do conhecimento é sim-plesmente gigantesco. É impossível aplicar o ensino clássicoexclusivamente baseado na transmissão oral de informação. Oprofessor, frequentemente, vê-se impossibilitado de transmitirtodo o conteúdo relevante de uma disciplina na carga horáriaexistente. Por outro lado, é irreal aumentar essa carga horária,pois o crescimento do conhecimento tem obedecido a equa-ções exponenciais. Fato desafiador é que o conhecimento nãoé finito em si. Está em constantemente transformação, evolu-ção. A verdade de hoje pode ser o absurdo de amanha.

A formação dos profissionais deve contemplar a capacida-de destes de estar em constante aprendizado e, mais importan-te, ser capaz de separar falácias/mitos de fatos com base emevidências científicas e não em achismos. Para o profissionalda atualidade são imperativas as capacidades de buscar, avaliare aplicar o conhecimento à solução de problemas.

José Reis, em seus comentários na tradução do livro deAndrade e Huxley (1962), afirmava “menos que o simples pro-pagar de um corpo estático de conhecimentos científicos –que é o que entre nós se costuma fazer, e ainda assim mal –interessa incutir no aluno, pela experiência, a ideia da ciênciacomo processo”. Ele defendia a redução do volume de infor-mação dos cursos de ciências que deve ser transmitida aos alu-nos, por haver muito mais sentido em familiarizar o aluno como hábito de pensar cientificamente do que sobrecarregá-lo comideias inertes.

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O filósofo e educador John Dewey defendia que a cons-trução de uma sociedade democrática só era possível por meioda educação. Ainda, que a educação deve valorizar o métodocientífico de maneira a se construir uma certeza e não se teruma opinião. Dewey (1959, p. 96) defendia que o método ex-perimental, através de ativa técnica de pesquisa, era a ferra-menta para se chegar à descoberta de princípios e leis ocultasna natureza.

Maria Margareth Naves (1998) resumiu de forma bastanteclara o impacto do método científico:

A prática da ciência desenvolve o raciocínio lógi-co, a capacidade de criar, analisar, relacionar,elaborar, contribuindo para a formação do indi-víduo capaz de fazer juízo próprio da realidade ede agir com eficácia para mudá-la, transformá-la.Favorece portanto, a formação de um profissio-nal diferenciado e de um cidadão que participaefetivamente da sua história, não apenas telegui-ado por dogmas, paradigmas, ceticismos, símbo-los e informações massificantes.

O brasileiro Anísio Teixeira foi o mais importante seguidordas ideias deweyanas no Brasil. Ele entendia a escola comomeio de inserir na sociedade pessoas aptas a colocar em práti-ca os princípios da própria liberdade e da responsabilidade di-ante do coletivo. Ele questionava o processo de memorizaçãodizendo que este era insuficiente, sendo necessário compreen-der o que era decorado.

Uma análise retrospectiva permite verificar a intensa mu-dança na história humana, cujas etapas são cada vez mais cur-tas. Pode-se identificar a Era da Agricultura, até os anos 1700,tendo como principal valor a terra; a Era do Artesanato, até os

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anos 1860 focada no trabalho do indivíduo; a Era Industrial,até os anos 1970, focada no capital; a Era do Conhecimento,até os anos 2000, com ênfase na comunicação. Nos dias atuaisvive-se a Era das Conexões – a partir dos anos 2000, alavanca-da por toda tecnologia proporcionada pelos meios de comuni-cação, sobretudo a telefonia e internet. Hoje, ter a informaçãojá não é mais o diferencial, pois ela está disponível a todos. Oprincipal valor está associado a pessoas que possuem relaciona-mentos e habilidades para conectar pessoas e prover soluções.

Neste cenário, profissionais capazes de trafegar em diversasáreas do conhecimento e que tenham profundidade em deter-minado tema (profissional “T”), associados à inteligência emo-cional e habilidade para trabalho em equipe e solução de pro-blemas, têm sido francamente requisitados pelo setor produtivo.A formação de profissionais com tal perfil é, ainda, um desa-fio. Contudo, é consenso que a vivência da metodologia cientí-fica desde o ensino médio, complementada pelas atividades deiniciação cientifica na graduação, contribuem sobremaneira paraformação de profissionais diferenciados.

A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior) e o Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPQ) têm fomentado fortementea formação de pessoal no Brasil. Particularmente o CNPQ vemdisponibilizando recursos para bolsas de iniciação científicadesde o curso médio, passando pela graduação e pós-gradua-ção, recém-doutores e pesquisadores. Especificamente na gra-duação, o CNPQ disponibiliza as seguintes bolsas: IniciaçãoCientífica Júnior - ICJ, Iniciação Científica - IC, Iniciação Tec-nológica e Industrial - ITI, está última voltada para formaçãode pessoal ligado à pequena e média indústria.

Entre 1996 e 2011 os investimentos em bolsas de IC+PIBICsaltaram de R$ 54.426.000,00 para R$ 123.475.000,00, ou seja,mais que dobraram. Especificamente em 2011, a distribuição

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de bolsas de IC, ITI e PIBIT para as grandes áreas do conheci-mento está descrita na Figura 1.

Distribuição das bolsas de IC, ITI e PIBIT em 2011,segundo as grandes áreas do conhecimento.

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em De-senvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI) é um aspec-to de destaque dentre as possibilidades de apoio à formação dejovens cientistas. O programa tem por objetivo estimular osjovens do ensino superior nas atividades, metodologias, conhe-cimentos e práticas próprias ao desenvolvimento tecnológicoe processos de inovação. Entre 2007 e 2011 houve um aumen-to de cerca de 17 vezes no número de bolsas oferecidas. Osobjetivos específicos do programa são:

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• contribuir para a formação e inserção de estudantesem atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnoló-gico e inovação;

• contribuir para a formação de recursos humanos quese dedicarão ao fortalecimento da capacidade inova-dora das empresas no País;

• contribuir para a formação do cidadão pleno, comcondições de participar de forma criativa e empreen-dedora na sua comunidade.

Quando se analisa o crescimento da participação brasileirana ciência mundial, duas percepções paradoxais ficam eviden-tes. O crescimento em número de artigos científicos publica-dos em revistas indexadas aumentou significativamente, colo-cando o país na 13ª posição. Por outro lado, o Brasil piorou suaposição, de 24º colocado para 25º, no ranking internacional depaíses com pedidos de patentes de validade internacional, em-bora entre 2001 e 2010 o número de patentes tenha crescidocerca de 60%.

O grande crescimento dos países conhecidos como tigresasiáticos está fortemente associado ao investimento maciço emeducação de qualidade em todos os níveis (Fundamental, Mé-dio e Superior), incentivando seus pesquisadores na procurade bens de consumo que, uma vez no mercado, geram royaltiesque, por sua vez, sustentam as pesquisas que se seguem. Lá ofoco é a criação de patentes que, além de ofertarem novos produ-tos ao mercado, geram dividendos na balança de pagamentos.

A carência brasileira quanto à qualidade do ensino é eviden-ciada no Pisa, sigla em inglês para Programa Internacional deAvaliação de Estudantes, exame que testa, a cada três anos, onível de competência de adolescentes de 15 anos em leitura,matemática e ciências e é aplicado em mais de 60 países. Em2009 o Brasil somou 405 pontos, superando os 390 obtidos

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em 2006, enquanto a China atingiu 575 pontos (MARQUES,2012).

Em 2012 comemoram-se 100 anos da publicação do livroTeoria do desenvolvimento econômico, de Joseph Schumpeter, um dosmais importantes economistas do século XX, que definiu asbases da inovação. Schumpeter dizia que inovação, no seu sen-tido mais puro, referia-se à geração de produtos capazes deromper o estado de equilíbrio do mercado, promovendo suaexpansão.

Destarte, é evidente que o crescimento de nosso país noseu sentido mais amplo, envolve significativo avanço na educa-ção em toda sua estrutura, construída de modo a formar cida-dãos capacitados a resolver problemas, atuar em equipe, com-prometidos com a coletividade e capaz de fazer juízo próprioda realidade e de agir com eficácia para mudá-la, transformá-la. Uma etapa desse processo é, sem dúvida, o desenvolvimen-to da metodologia científica e holística de nossos estudantesdo ensino médio e graduação.

Referências

DEWEY, J. Reconstrução em filosofia. 2ª ed. São Paulo: Nacional. 1959.

FILHO, A.M. Teoria sobre o Método Científico. Integração ensino-pesquisa-extensão, II(7):255-62, 1996.

NAVES, M.M.V., Introdução à pesquisa e informação científica apli-cada à nutrição. Rev. Nut., 11(1):15-36, 1998.

MARQUES, F. Gargalo na sala de aula. Revista Fapesp, 200:33, outu-bro 2012.

REIS, J. Notas do Tradutor. Iniciação à Ciência de E. N. da C. Andreadee J. Huxley, Livro 1, Ministério da Educação e Cultura.

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4. DIÁLOGOS

Incubadoras sociais e empresariais

Coordenadores:

Nara PiresJosé Francisco Carvalho Rezende

Incubadoras sociais e programas universitários

Andrea Paula dos Santos

Incubadores empresariais: moedas criativas

Gilson Schwartz

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Incubadoras sociais eprogramas universitários

Andrea Paula dos SantosProfessora adjunta da Universidade Federal do ABC – UFABC

No início do século XXI, tratar da temática “Incubadoras So-ciais e Programas Universitários” traz para reflexão um pontocrucial sobre o que significa pertencer a uma comunidade acadê-mica no contexto contemporâneo, pois permite problematizarnossa percepção do papel importante da educação e, sobretu-do, do necessário protagonismo da universidade brasileira frenteàs históricas desigualdades socioeconômicas e culturais quevivenciamos. Há muito tempo, debates acadêmicos vêm pon-tuando a relevância da produção de conhecimento interdisci-plinar e das relações estreitas entre ensino-pesquisa-extensão.Nesse sentido, posicionamos essa temática frente a frente como desafio de repensar pressupostos histórico-filosóficos acercade práticas de mudança social e solidariedade, tentando rein-ventar noções conceituais consagradas de tecnologia, políticaseducacionais e culturais, sintonizadas com preocupações deintervenção, mediação e transformação de velhos e novos con-flitos sociais.1

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1 Uma primeira versão dessas reflexões está no prelo, como capítulo do livroorganizado por ZIMERMAN & DIETRICH, 2012.

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ensaios, conferências e comunicações

É sabido que práticas de pesquisa e de extensão universitá-rias formuladas e desenvolvidas no Brasil – especialmente des-de a década de 1990, no campo dos estudos sobre educação,mundo do trabalho e economia solidária – problematizaram edesnaturalizaram uma noção de tecnologia estritamente comoreferente a objetos e máquinas ligados aos processos de desen-volvimento capitalista industrial moderno (CARRION, VA-LENTIM, HELLWIG, 2006; SANTOS, 2012). Por demandasde movimentos sociais, surgiram novas propostas de políticaspúblicas locais, regionais e nacionais, abrangendo projetos deeducação popular e profissional, de apoio e de incubação deempreendimentos solidários, tais como cooperativas e associa-ções, além de novas políticas públicas de economia solidária,em meio ao contexto de crise do mundo do trabalho e reestru-turação produtiva nos processos de globalização.

Em que pese o debate relevante acerca do papel dessas po-líticas públicas de economia solidária como integradas ou nãoà lógica capitalista – e se cumprem ou não a função de políticascompensatórias em vez de críticas do mundo do trabalho – éimpossível negar a importância das inúmeras ações de ensino-pesquisa-extensão nas incubadoras sociais que levaram à cons-trução de novos conhecimentos sobre sentidos do trabalho,solidariedade, formas de organização e de sobrevivência degrupos e comunidades que lutam cotidianamente por sobrevi-vência, reconhecimento social e cidadania cultural (BARBO-SA, 2007; GOHN, 2003; OLIVEIRA, 2006; PINTO, 2006;SANTOS, 2007a, 2007b; 2007c, 2007d, 2008, 2012; SINGER,2000, 2002, 2003). Talvez ainda seja cedo demais para tentaravaliar o quanto a comunidade universitária parece ser umadas maiores beneficiárias desses conhecimentos, que têm per-passado a formação de novos profissionais, com perspectivase implicações sobre sua atuação na sociedade...

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Um fato é que, com o mapeamento2 e o incentivo de for-mas de trabalho e geração de renda alternativas, houve o reco-nhecimento e a visibilidade de práticas culturais e econômicasantes mais marginalizadas, consideradas tradicionais ou artesa-nais, protagonizadas por pessoas e comunidades que agrega-vam valores históricos, simbólicos, culturais ao que produziam– fosse um alimento, uma roupa, um objeto utilitário ou deco-rativo. Pesquisadores e extensionistas de áreas variadas obser-varam que a produção feita por muitas comunidades visavaatender mais do que as necessidades econômicas consideradasbásicas, de alimentação e moradia, posto que estavam carrega-das de significações mais amplas sobre as formas de convívio ede sociabilidades entre sujeitos, famílias e grupos. Foi possívelobservar e registrar muitos desses processos produtivos e en-tender seus sentidos performáticos, ou seja, como comporta-mentos expressivos, algumas vezes ritualizados, que buscavam,além de garantir a segurança alimentar ou o território, fazer amanutenção e a reinvenção constante de noções de pertenci-mento ao tempo e ao espaço, forjando continuidades e des-continuidades identitárias das comunidades (SILVA, 2000;BAUMAN, 2005; HALL, 2006; CARLSON, 2010). Outras ati-vidades econômicas marginalizadas, carregadas de sentido pe-jorativo e automaticamente vinculadas a uma condição de ex-clusão social e miséria, como a dos catadores de materiaisrecicláveis, passaram a ser ressignificadas, enfatizando a im-portância dessas atividades numa outra concepção de desen-volvimento econômico sustentável, socialmente justo. Desen-volvimento este que busca uma mudança cultural quanto à

2 Maiores informações sobre o mapeamento de economia solidária no Brasilencontram-se no Sistema Nacional de Informações sobre Economia Solidária– SIES, disponível em: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies.asp Acessoem: 24/10/2012.

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condução do modo de vida numa sociedade que se vê frenteao dilema da exploração desenfreada dos recursos naturais eda proliferação de dejetos, resíduos e poluentes decorrentes depráticas de consumo e descarte que precisam ser criticadas ereformuladas.

Assim, constroem-se definições de tecnologias culturais, ali-nhadas com as de tecnologias sociais, para mapear, reconhecere valorizar procedimentos e técnicas na busca de garantir aqualidade de vida de sujeitos e grupos, de alguma forma, orga-nizando, dando visibilidade e reunindo saberes produzidos nascomunidades por pessoas comuns (CARRION, VALENTIM,HELLWIG, 2006; SANTOS, 2007a, 2012). Ao considerar umaperspectiva de trabalho de ensino, pesquisa e de extensão uni-versitária transdisciplinar – isto é, entrelaçadora de várias áreasde conhecimento para criar novos campos de saber – valoriza-mos a troca de experiências, transformadas em registros docu-mentais, mediadas por algumas tecnologias de informação ecomunicação em espaços privados e públicos, sejam as resi-dências, as ruas, as praças, os lugares públicos da comunidade,a universidade. Nas universidades, atuando nas incubadorassociais e em outros programas e projetos, pesquisadores e ex-tensionistas no Brasil e mundo afora criam e analisam docu-mentos produzidos em conjunto com sujeitos de comunida-des e grupos diversos, a partir de histórias pessoais, de narrativas,do registro audiovisual de modos e trajetórias de vida. Taisdocumentos dão ênfase a temas abrangentes com vistas a com-preender a construção do que são agora adjetivadas como tec-nologias sociais e culturais, definidas como um conjunto deprocedimentos, metodologias e técnicas desenvolvidas e trans-mitidas pelos sujeitos em torno de suas práticas cotidianas paragarantir sobrevivência material e imaterial, simultaneamenteeconômica, social, artística e cultural, afirmando e transfor-mando identidades em busca permanente por cidadania.

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Incubadoras sociais, programas universitários e asdisputas em torno do conceito de tecnologia

Um primeiro esboço sobre como incubadoras sociais e outrosprogramas e projetos universitários disputam os termos e ossentidos do que podemos denominar de tecnologias na con-temporaneidade necessita afirmar, de saída, que nunca há neu-tralidade ou imparcialidade na produção, na adoção, na defesa,no desenvolvimento, na utilização de qualquer tecnologia, sejacientífica, cultural, social, de comunicação e informação. To-das as tecnologias são produtos das relações sociais, econômi-cas, culturais e políticas de seu tempo histórico, e atendem in-teresses de grupos específicos. Portanto, é possível dizer quequaisquer tecnologias são sociais e, certamente, podem ser cri-ticadas e substituídas, conforme as disputas de poder e a forçaque cada grupo possui para fazer a sua tecnologia ser maisrelevante que a de outro grupo. Por que então adjetivar, enfati-zar o cunho social e cultural das tecnologias, criando noçõesconceituais de tecnologias sociais e tecnologias culturais? Semdúvida, é preciso compreender que a afirmação desses termospossui a clara intenção de explicitar as disputas pelo que são epara quem são as tecnologias, retirando-as de um campo su-postamente neutro, de naturalizações e de senso-comum queimpõem práticas e verdades de certos grupos que tentam uni-versalizar suas concepções e ideias como as únicas possíveis.

É nesse contexto que apresentamos abaixo noções concei-tuais que disputam o termo tecnologia, fruto de reflexões fei-tas junto a pesquisas e projetos de extensão em universidadesbrasileiras, sobretudo em incubadoras de empreendimentossolidários, em projetos de educação popular e profissional eem formação continuada de educadores e agentes de movi-mentos sociais. Atualmente, essas noções conceituais de tec-nologias sociais e culturais estão em circulação e, por meio

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delas, produziram-se documentos, análises, ações econômicas,educativas, culturais, levando à formulação de políticas públi-cas. Tornou-se um fato a ser analisado que ideias de tecnologi-as sociais e culturais foram criadas e/ou desenvolvidas em par-ceria com grupos e movimentos sociais e culturais nas lutaspor garantias de direitos básicos para segmentos historicamen-te excluídos e marginalizados na sociedade.

Desse modo, estabelecemos uma noção de tecnologias cul-turais ao fazer referência às práticas nas áreas e especialidadesdas mais variadas culturas aqui entendidas, no mínimo em seusentido mais tradicional, como:

1) modos de vida de grupos humanos;2) produção constante de significados sobre o

mundo;3) atividades condizentes ao campo das artes e das ma-

nifestações culturais.

Tais práticas levam à construção de procedimentos, meto-dologias, técnicas, materiais e processos para resolver proble-mas, produzir significados, criar modos de vida, inventar for-mas de se expressar em múltiplas linguagens, de acordo comos interesses da produção de saberes, seus sujeitos. Estes po-dem ser trabalhadores, profissionais, artistas, pesquisadores ouqualquer pessoa comum, vistos como sujeitos, atores, idealiza-dores, financiadores ou envolvidos em todos esses aspectossimultaneamente.

Ao utilizar a noção conceitual de tecnologia cultural podemosafirmar que sujeitos como, por exemplo, os que compõemgrupos étnicos tradicionais e nativos, criam e recriam tecnolo-gias culturais com seus modos de vida. E, quando fazemosessa afirmação, problematizamos diretamente a ideia de quequem produz tecnologia são apenas os sujeitos das sociedadesocidentais, supostamente mais desenvolvidos do que, por exemplo,

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os pertencentes aos grupos indígenas. Fica evidente que oemprego do termo “tecnologias culturais” quer romper comparâmetros de avaliação preconceituosos, que giram em tornoda superioridade de alguns sujeitos, grupos e formas de orga-nização social sobre outros. Criamos assim uma outra percep-ção, pela qual qualquer agrupamento humano torna-se deten-tor e criador do que denominamos de tecnologias ou tecnolo-gias culturais e sociais ao se valer de procedimentos, métodose técnicas em processos para resolver problemas e garantir qua-lidade de vida a partir de parâmetros próprios, não necessaria-mente impostos por grupos dominantes. Talvez de forma utó-pica, questionamos, sobretudo, um certo sentido de inevita-bilidade e irreversibilidade e a centralidade das tecnologiasconsagradas nos processos industriais, mesmo que estas se apre-sentem como hegemônicas na sociedade capitalista.

Caminhamos na mesma direção, quando estabelecemos umanoção de tecnologias sociais ao nos referimos às práticas nasáreas e especialidades que se preocupam com questões socioe-conômicas e políticas, aqui entendidas, no mínimo, como pro-blemas relacionados às:

1) desigualdades econômicas, políticas, culturais e sociais;2) apropriação desigual da produção resultante do

trabalho;3) formas capitalistas ou não de organização da pro-

dução e do trabalho humanos.

Caracterizamos assim práticas que levam à construção deprocedimentos, métodos, técnicas, materiais, imateriais e pro-cessos para:

a) resolver problemas relacionados à garantia de sub-sistência e sobrevivência das pessoas em condiçõesde atendimento de direitos básicos;

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b) produzir significados críticos e/ou alternativos so-bre o trabalho, a economia, a política e a cultura, quenão sejam apenas aqueles adotados hegemonicamen-te na sociedade capitalista;

c) promover modos de vida alternativos que conside-rem tecnologias culturais e garantam qualidade devida não necessariamente vinculadas à capacidadede consumo de produtos industrializados, proveni-entes, em sua maioria, da aplicação em escala indus-trial de tecnologias científicas;

d) inventar formas, consideradas por seus sujeitos, comojustas, solidárias, associativas e cooperativas de reor-ganizar o trabalho e a vida social, política e cultural;

Ao adjetivar a palavra tecnologia e criar novos sentidos eusos para a mesma, torna-se evidente porque noções de tecno-logias culturais e sociais se diferenciam do que podemos esta-belecer como uma noção de tecnologias científicas, quandonos referimos às práticas nas áreas e especialidades das maisvariadas ciências, aplicadas ou não em escala industrial. Tecno-logias científicas existem e levam à construção de métodos,técnicas, materiais e processos para resolver problemas, de acor-do com os interesses da produção do conhecimento, seus pes-quisadores, idealizadores e financiadores, no âmbito do mode-lo de desenvolvimento vigente do capitalismo industrial,denominados por alguns como inovação tecnológica. As tec-nologias científicas dialogam diretamente com as tecnologiasindustriais e – mesmo construídas de acordo com pressupos-tos e interesses historicamente específicos de alguns grupossocioeconômicos e político-culturais – conseguiram, ao longode séculos sob o Estado moderno capitalista, criar uma visãonaturalizadora de um significado que se pretende neutro, ver-dadeiro e único aceitável. Paradoxalmente, na virada do milênio,

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a própria instituição universitária é responsável por descons-truir e reinventar noções de tecnologias, vivendo o contraditó-rio papel de abrigar disputas e assim sempre jogar para adiantenovas possibilidades de entendimento e análise das estruturase das dinâmicas sociais, bem como os conflitos que lhe sãoinerentes.

Por fim, cabe fazer uma pequena ressalva quanto ao estabe-lecimento uma noção atualmente com grande circulação: a detecnologias de informação e comunicação, quando nos referi-mos às práticas nas áreas e especialidades que se preocupamcom questões contemporâneas da comunicação e das lingua-gens; da produção, circulação e manipulação de informações edocumentos; da transformação das percepções, cognições edas formas de produção não apenas de significados, mas tam-bém de riquezas, por meio do trabalho e do conhecimentohumano em redes digitais. Tais tecnologias de informação ecomunicação imbricam-se com as tecnologias científicas e astecnologias industriais a tal ponto no capitalismo contemporâ-neo, tanto quanto estão ambígua e intimamente entrelaçadascom percepções de tecnologias culturais e sociais, multiplican-do facetas de um caleidoscópio complexo, plural e contraditó-rio de modos de vida e disputas por significados, direitos ecidadanias (CASTELLS, 2003; LEMOS, 2007; LÉVY, 2010;SANTAELLA, 2003, SANTOS, 2012). São esses alguns pon-tos sobre os quais programas e projetos universitários e incu-badoras sociais têm se debruçado, ampliando debates e favo-recendo formulações teóricas e práticas, preocupados e atuantesno âmbito de questões candentes acerca das relações entre tec-nologias, ciências e sociedades.

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ensaios, conferências e comunicações

Diversidades, políticas públicas ecidadanias culturais

A partir do exposto até agora, entendemos que programas eprojetos de pesquisa e extensão universitários, com destaquepara as incubadoras sociais, podem trabalhar na interface entreas diversas noções de tecnologias sociais e culturais, científicas,de informação e comunicação, em perspectivas inter e trans-disciplinares, considerando novas definições sobre políticaspúblicas e suas dimensões na esfera da cultura e educação. Emnosso caso, pautamo-nos pela reflexão sobre a questão da di-versidade, buscando estudar movimentos sociais e culturais queatuam em torno desta noção como a que permite abranger ejustapor as diferenças construídas pelos sujeitos e grupos nossentidos de pertencimento e localização no tempo e no espa-ço, ao afirmarem ou não características ligadas às etnias, gêne-ros, gerações, classes sociais, entre outras (SILVA, 2000; BU-TLER, 2003; CANCLINI, 2003, 2005; HALL, 2006; HARVEY,2008). Portanto, tratar das diversidades culturais, em nossa pers-pectiva, significa entender os processos de construção de dife-renças problematizando quando estas são transformadas emdesigualdades e em conflitos sociais por serem hierarquizadaspor grupos detentores de maior poder político, econômico,simbólico sobre outros grupos.

Algumas práticas de pesquisa e de extensão podem simmapear e apoiar o desenvolvimento de tecnologias culturais esociais, ligadas aos grupos marcados pela diversidade cultural.Sem dúvida, podem tentar ajudar a compreender limites e possi-bilidades de construções de uma nova cidadania, para além doatendimento de necessidades básicas de alimentação, saúde emoradia. Trazemos para o debate noções de cidadanias culturais,como as que abrangem direitos já citados e conquistados poruma noção de garantia de cidadania clássica, avançando para a

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firmação da legitimidade de direitos culturais, simbólicos, liga-dos às formas muitas vezes invisíveis que as relações de poderassumem no cotidiano e, especialmente, no corpo das pessoas(CANCLINI, 2003, 2005). O corpo é portador de direitosrelacionados à sobrevivência para mantê-lo vivo e saudável,porém almeja direitos culturais, simbólicos, que o insere emdeterminadas corporeidades, situações de alteridade e reconhe-cimento de diferenças como fator crucial para inserção na vidasociopolítica e cultural, não apenas nas dimensões econômicasdo mundo do trabalho. O filósofo e historiador Michel Fou-cault tratou de tecnologias do eu, do cuidado de si, ao trazerpara o conhecimento e o debate aspectos em torno de como asociedade contemporânea configura poder em termos de bio-poder, controlando e conformando como devem ser discipli-nados e configurados corpos e comportamentos expressivos,isto é, performances – como afirmou Judith Butler (FOU-CAULT, 2004; BUTLER, 2003). Pensar e atuar em torno decidadanias culturais pode empoderar grupos excluídos e mar-ginalizados para serem visibilizados e reconhecidos como su-jeitos de direitos básicos e também vistos como mais sofistica-dos, direitos às identidades e subjetividades em fluxo, direitode entrar e sair de classificações impostas, direito de reinventá-las conforme suas demandas e interesses.

Essas reflexões ganham relevo para imaginar novas políti-cas públicas de educação, cultura e economia solidária que, si-multaneamente, proporcionem reconhecimento e desenvolvi-mento de tecnologias sociais e culturais e que, igualmente,promovam o combate de preconceitos historicamente cons-truídos contra grupos marginalizados e excluídos. Práticas deensino, pesquisa e extensão em andamento podem tomar par-te desse contexto complexo de formulação de novas políticaseducacionais e culturais locais/regionais, em conexão diretapolíticas públicas federais de educação e cultura. Afinal, são as

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ensaios, conferências e comunicações

universidades, através das Pró-Reitorias de Pesquisa e Exten-são, com apoio do Ministério da Educação e de agências esta-duais e nacionais de financiamento, que organizam políticascientífico-tecnológicas e editais para apoio de ações de que te-mos participado há um certo tempo.3

Logo, é parte da própria concepção das ações de ensino,pesquisa e extensão, investigar a elaboração e a execução des-sas políticas, considerando a participação dos sujeitos que asformulam, executam e que estão envolvidos nelas, bem comoalgumas implicações destas nas discussões atuais a respeito doEstado, das políticas públicas, da ocupação dos espaços públi-cos, do enfrentamento de preconceitos e violências e de no-ções sobre o que pode significar cidadania no contexto atual.

Proliferam iniciativas de se fazer levantamentos sobre a plu-ralidade cultural da realidade local e regional – com destaquepara regiões metropolitanas de grandes cidades, tais como SãoPaulo e Rio de Janeiro – para construção de panoramas e deanálises de políticas públicas relacionadas à diversidade, emespecial às chamadas ações culturais e a outras formas de orga-nização do trabalho e da economia, em termos solidários. As-sim, estudamos como se processa a dinâmica social e culturallocal e regional de apropriação de algumas dessas políticas pú-blicas nos aspectos referentes à busca pela cidadania a partirda ação da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais

3 Destacamos aqui, como exemplo, algumas atividades acadêmicas que articulamensino-pesquisa-extensão e se constituem em projeto e em programa de extnsãona Universidade Federal do ABC (UFABC - SP): o projeto de extensão Diversi-dades em Performances (http://diversidadesem performances .wordpress .com/) e o Programa de Extensão Memória dos Paladares (http://memoria dospaladares.blogspot.com.br/, http://tecnologias eculturasalimentares. wordpress.com/), ambos interligados aos temas debatidos e estudados no grupo depesquisa ABC das Diversidades, cadastrado no CNPq (http://dgp.cnpq.br /buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo= IWU4705FPW6I RZ).

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e culturais em espaços que tem um rico histórico com perfil delutas em conflitos sociais.

Para tanto, com vistas ao debate, entrelaçamos aqui as no-ções de políticas públicas em economia solidária e as políticaspúblicas educacionais com uma noção de política cultural comoum conjunto de formulações e ações do Estado em parceriacom a sociedade, com foco em economia solidária, educação ecultura, por meio da interlocução e do apoio a sujeitos, grupos,movimentos sociais, culturais e artísticos. Estes podem buscara melhoria da qualidade de vida das pessoas e das comunida-des, favorecendo a criação e a gestão compartilhada de hábitose bens culturais e econômicos solidários, que constituem e pas-sam a ser reconhecidos como patrimônios culturais, materiaise imateriais, graças ao desenvolvimento de políticas públicas.

O exercício da política cultural, para alguns estudiosos, rela-ciona-se diretamente com as transformações na cultura políti-ca brasileira em seu processo de democratização e de protago-nismo de movimentos sociais, culturais e artísticos na conquistada chamada cidadania clássica, com sua luta por direitos bási-cos, caminhando para a busca da garantia de uma cidadaniaampliada. Uma cidadania cultural é uma cidadania ampliada,amparada no reconhecimento de diferenças, ao mesmo tempoque estas são criticadas como base para legitimar desigualda-des, confrontando identidades e subjetividades em disputa nabusca do estabelecimento de cidadanias culturais (FEIJÓ, 1992;CHAUÍ, 1995; CANCLINI, 2003, 2005; HALL, 2006; SAN-TOS, 2012).

Partimos da ideia de que quanto maior o alcance, a comple-xidade e a democratização do acesso à formulação e gestão depolíticas educacionais e culturais, maiores são as possibilidadesde reconfiguração do próprio universo socioeconômico, po-lítico, artístico e cultural, organizado em redes plurais na cultu-ra digital, colocando a questão das diversidades como aquelas

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vivenciadas, performatizadas, ritualizadas em espaços públicos,abrangendo novas práticas ou ainda as que historicamente so-freram preconceitos ou não foram aceitas pelas instituições tra-dicionais, para repensar as fronteiras entre modos e estilos devida, tecnologias, artes, culturas, identidades, subjetividades,performances (GIDDENS, 2002; GUATTARI, 2006; CAN-CLINI, 2003, 2005; JAMESON, 1996; HARVEY, 2008; SAN-TOS, 2012).

Ações de ensino, de pesquisa e de extensão compreendidastambém como políticas culturais e educacionais trazem à tonaexemplos que problematizam distinções fechadas entre práti-cas culturais, artísticas, educativas e de formulação e execuçãode política cultural e educacional. Surgem impasses e dificul-dades para se pensar a gestão compartilhada de ações e recur-sos públicos entre sujeitos ligados aos movimentos sociais, àsprefeituras, instituições educacionais e culturais e ao governofederal para garantir a existência e a continuidade de manifes-tações em torno de uma certa cidadania cultural.

É nessa direção que uma política pública de economia soli-dária, que compartilha ações com incubadoras sociais e outrosprojetos e programas universitários, pode ser entendida maiscomo política educacional e cultural do que como política eco-nômica. Talvez a política pública de economia solidária nãomude nem questione necessariamente o sentido da economiacapitalista – como imaginavam alguns de seus históricos de-fensores (SINGER, 2000). Porém, traz impactos e transfor-mações para a execução de políticas educacionais e culturais,ao problematizar para que e para quem são as tecnologias, cri-adas, reconhecidas e afirmadas pelas instituições acadêmicas.Problematiza que conhecimentos e saberes são historicamenteconstruídos e abarcados pelas instituições científicas, abrindonovas possibilidades de formação e atuação acadêmicas eprofissionais.

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Ensino, pesquisa e extensão contextualizados, problemati-zados e entrelaçados nessa direção se justificam pela necessi-dade do estudo da relação complexa entre Estado e organiza-ções da sociedade civil, que se reflete nas políticas públicasatuais, como as referentes às diversidades culturais, de gênero,sexuais e relações étnicas, entre outras. Emerge e urge, dessemodo, uma outra compreensão do contexto social e políticoem que se colocam as políticas públicas, problematizando con-cepções de Estado, de política social, política pública que fun-damentam essas ações e como essas concepções foram sendoconstruídas ao longo da história.

Cabe destacar que algumas práticas de ensino, pesquisa eextensão em andamento são tributárias de estudos referentesaos processos de globalização no qual o Brasil se encontra in-serido, em que ocorre a reelaboração de olhares para as ques-tões sociais e educacionais frente às novas relações de poderque são construídas nesse processo de mudanças. Partimos deuma perspectiva inter e transdisciplinar de compreensão dacomplexidade atual, da diversidade como característica funda-mental da realidade, com foco nos problemas sociais gerados apartir da globalização, do que é considerado desenvolvimentoeconômico, que amplia infraestruturas por meio de políticaspúblicas de educação – das quais a implantação de incubado-ras sociais e outros projetos e programas universitários sãoexemplares.

Alinhamo-nos, por exemplo, com as formulações deBoaventura de Souza Santos em torno de uma visão de globa-lização em termos plurais que inclua as dimensões sociais, po-líticas e culturais, os conjuntos de relações sociais que caracte-rizam diferentes fenômenos de globalização. Usamos a ideiade “globalizações”, não como processo homogêneo, posto quenão existe uma condição global em que não seja possível en-contrar uma raiz local, uma imersão cultural específica, pois

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todo processo de globalização leva à localização ou relocaliza-ção de práticas sociais, valores, relações, símbolos, sendo que oglobal muitas vezes acentua contradições e afirmações do lo-cal (SANTOS, 2000). Nestor Garcia Canclini levanta a ques-tão da mescla entre culturas em processos interculturais, quecriam e recriam incessantemente modos de vida e práticas cul-turais, com impactos sociais, políticos e econômicos insepará-veis, reconfigurando imaginários urbanos e cidadanias cultu-rais (CANCLINI, 2003, 2005). Diferentes formas de produçãodesses processos geram inúmeras assimetrias no mundo atual,assim como conflitos, desigualdades, resultando na (re)-organização dos sujeitos em movimentos sociais e culturaisque lutam por políticas públicas voltadas às diversidades e, dessemodo, proponham-se a enfrentar os preconceitos e os confli-tos existentes na contemporaneidade.

Os apontamentos de Canclini (2003, 2005) proporcionamrefletir sobre a especificidade dos países latino-americanos, quedeslocaram sua população do campo para a cidade, apostandono desenvolvimento industrial substitutivo, e em espaços deintermediação modernos, e assim sofrem a reordenação pro-vocada pela globalização que, em duas décadas, desmontouuma história de meio século. É o que também podemos obser-var em vários bairros das cidades de regiões metropolitanas,com destaque para as transformações aceleradas que progra-mas e projetos universitários tentam mapear e analisar.

Contraditoriamente, incubadoras sociais, entre outros pro-jetos e programas apoiados por políticas públicas culturais eeducacionais, em âmbito regional, estadual e federal, buscamolhar para questões culturais nas sociedades globalizadas, paraprocessos de interculturalidade, em que sujeitos e seus grupossociais estabelecem intercâmbios culturais, tornam-se híbridos,ao mesmo tempo em que lutam pelo reconhecimento das dife-renças e que estas não sejam transformadas em desigualdades.

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Evidentemente, não há consenso sobre como tais projetos,programas e políticas possam ser encaminhados – ao contrá-rio, a riqueza dos mesmos está na heterogeneidade dos seusprocessos de desenvolvimento.

Numa perspectiva mais comum, as transformações advin-das da globalização levam a repensar políticas educacionais eculturais, que devem ser concebidas a fim de assegurar a cons-trução de identidades, o respeito e a promoção das diversida-des e pluralidades do mundo contemporâneo, no sentido desuperação da alienação, destruição, homogeneização. Propõe-se que essa perspectiva de análise seja colocada como possibi-lidade para a compreensão do desafio de criticar e humanizaros processos de globalização e, através da revisão do papel doEstado com suas políticas, juntamente com a sociedade civil,favorecer o diálogo intercultural e os mecanismos de inclusãoe participação.

Em outra direção, LOURO (2001) afirma que é pelo viésde políticas educacionais e culturais pós-identitárias que have-rá possibilidade de compreensão da fluidez das identidadessempre performatizadas em comportamentos expressivos emconstante transformação e fluxo na contemporaneidade – ana-lisando o caso das políticas voltadas ao público LGBTTs e osimpactos das perspectivas críticas pós-estruturalistas, sobretu-do das contribuições da teoria queer. Esse debate faz pensar odesafio de que mal um pesquisador-extensionista crê contri-buir para mapear um grupo, suas características identitárias,suas tecnologias sociais e culturais já estão em fluxo contínuode transformação, tornando ainda mais difícil pensar e plane-jar ações, intervenções, mediações em prol de reconhecimen-tos, visibilidades, inclusões.

O antropólogo Nestor CANCLINI (2003, 2005) coloca que,para serem democráticas, a cultura política e a política culturaldevem não apenas aceitar as diferenças, mas também criar

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condições para que se possa vivê-las na ambiguidade, comoum exercício da cidadania, que possibilite compreender e apren-der com o outro, aceitá-lo na sua diferença como um ser dedireitos. Esses movimentos sociais e culturais, que traziam emsuas demandas a luta por melhores condições materiais de so-brevivência – e já incluíam em suas pautas a luta por direitosculturais – ajudaram a ampliar visões e perspectivas e imple-mentar projetos permanentes de construção democrática, detransformação social a partir de novos laços e ligações entrecultura e política. E, constantemente, têm feito repensar e re-formular como são feitos diagnósticos e metodologias de tra-balhos de pesquisa e extensão para realmente levar em contasaberes, procedimentos e dinâmicas dos grupos que são a ra-zão de ser de incubadoras, projetos e programas universitários.Nesse âmbito, ainda há muito o que se fazer, para além derepetir e tentar replicar considerações teóricas de autores emodelos de ações generalizados por incubadoras, projetos eprogramas implantados, repletos de boas intenções, porémcarentes de autocrítica e renovação teórica e metodológica. Emalgumas incubadoras, projetos e programas em diversas insti-tuições acadêmicas, observa-se ainda uma certa “reverência”aos que foram pioneiros nas ações de pesquisa e extensão des-se tipo, levando muitas vezes a adesão a fórmulas e metodolo-gias de contextos específicos, que necessariamente precisamser apropriados e reinventados para cada tipo de atuação. Tal-vez o maior equívoco do exercício de algumas políticas públi-cas seja tentar alcançar um padrão mais homogêneo de atua-ção e de critérios de avaliação, quando a realidade vivenciadacoloca o desafio de se atuar em meio às diferenças, às trans-formações constantes, aos fluxos multidirecionais dos com-plexos processos de inclusão e exclusão de sujeitos e grupos.

Como então incubadoras sociais, projetos e programas uni-versitários podem promover e simultaneamente analisar esses

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processos de mudança social e cultural em busca nova cidada-nia, a cidadania multiforme, seja metropolitana e/ou ainda bra-sileira, latino-americana? Há alguma possibilidade de constru-ção de algo assim a partir desse entendimento das temáticas equestões colocadas? Essa cidadania cultural pode atravessarpolíticas públicas locais e regionais sobre diversidades, consi-derando a existência ou não de união de cidadãos, de relaçõesde solidariedade, de respeito à diversidade cultural e espaçoscomunicativos para expressar essa diversidade? Incubadorassociais, projetos e programas universitários de pesquisa e ex-tensão podem levar em conta a pluralidade dentro da socieda-de como centrais na possibilidade de construção de ações, in-tervenções e mediações?

Nesse sentido, DAGNINO (2004) destaca alguns pontoscentrais que são constitutivos dessa concepção de nova cida-dania. O primeiro é que a nova cidadania amplia a visão dosdireitos que formalmente estão ligados à esfera institucional,formais, abstratos. Emerge a ideia do direito de ter direitos: anova cidadania compreende a invenção/criação de novos direi-tos, que surgem de lutas específicas da sociedade civil, na plura-lidade de seus sujeitos e de suas práticas concretas. Os direitospassam a ser entendidos como objetos de luta política, e sãopautas dessa redefinição do direito à igualdade ao direito à dife-rença. Dessa forma, a cidadania não é vista como vinculada auma estratégia dominante, ou das classes dominantes e do Es-tado, de incorporação política gradual dos setores excluídos.

Outro aspecto destacado pela autora é a ideia de que a novacidadania está para além da referência central no conceito libe-ral, ou seja, a reivindicação ao acesso, inclusão, participação epertencimento a um sistema político já dado. O que se destaca,de fato, é o direito de participar na própria definição do siste-ma político, contribuindo para a invenção de uma nova socie-dade e a superação da cultura política e das relações de poder

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conservadoras presentes na sociedade brasileira. Esta nova ci-dadania causa, portanto, mudanças nas relações de poder e nacultura política da sociedade brasileira, promovendo a possibi-lidade de criação de espaços públicos onde os interesses co-muns e privados, as especificidades e as diferenças, podem serexpostos, discutidos e negociados.

O entendimento dessa construção de uma nova cidadaniapassa pela possibilidade de olhar criticamente as práticas deorganizações da sociedade civil, de movimentos sociais e cul-turais locais que, no contexto atual, se propõem, a partir daspolíticas públicas ou de outros mecanismos conquistar algumacidadania, construí-la. Portanto, entendemos que a cidadanianão é apenas a garantia dos direitos pelo Estado: ela precisa serexercida, conquistada diariamente em programas, projetos,políticas educacionais e culturais. E, nesse processo, ela se rela-ciona com o local, o regional, com o cultural de forma com-plexa, contraditória, como no caso das políticas públicas quese redefinem e se reelaboram na participação dos sujeitos, nasações dos movimentos e organizações que ora limitam essaconstrução, ora a potencializam. Esses são alguns desafios quepodem ser colocados para incubadoras sociais, projetos e pro-gramas universitários, para que estes não se configurem comomeios arbitrários de relacionamento com a comunidade, comomera correia de transmissão de políticas públicas pensadas epraticadas de cima para baixo. São desafios de grande magni-tude, nem sempre encarados nas ações cotidianas; porém, es-tão aí, postos num horizonte de reflexões e questionamentosque podem fazer valer algum sentido crítico e emancipatóriode uma ampla e complexa formação educacional e cultural.

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Um pouco sobre metodologias nas fronteirasentre artes e humanidades

Nossas atividades de pesquisa e de extensão partem do fato deque no próprio cerne de algumas concepções atuais de políticaeducacional e cultural, que promovem e financiam incubado-ras sociais, projetos e programas de pesquisa e extensão, há abusca do reconhecimento da ação de grupos culturais e movi-mentos sociais. Partimos igualmente do pressuposto de que,com incubadoras sociais e outros projetos e programas univer-sitários, prioriza-se financiar e incentivar o desenvolvimento ea democratização de gestão e formulação de políticas educaci-onais e culturais, bem como processos e produtos econômi-cos, artísticos, culturais e educativos por meio de práticas depesquisa e extensão transdisciplinares. Nossa hipótese é de quetal financiamento e incentivo potencializam a gestão compar-tilhada da política educacional e cultural, assim como a própriaprodução cultural e educativa, favorecendo a organização, ointercâmbio e a colaboração de sujeitos e grupos em redes.Também partimos do pressuposto de que a utilização das tec-nologias de informação e comunicação em atividades econô-micas solidárias, culturais, educativas e artísticas desenvolve-seatualmente em processos complexos, com hibridização e in-tercâmbio identitário e subjetivo de sujeitos, grupos e lingua-gens (CANCLINI, 2003, 2005; SANTAELLA, 2003; SANTOS,2012), o que possibilita a criação e a reinvenção de produtos esignificados sobre o mundo, também para sua circulação emredes de compartilhamento na cultura digital.

Portanto, em nossas pesquisas e atuações extensionistas,também observamos que o financiamento e o apoio na estrutu-ração – expandindo e recriando gestão e política educacional ecultural – desencadeiam novos processos e produtos econô-micos, artísticos, culturais e educativos por parte de sujeitos e

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grupos que procuram hibridizar linguagens e desenvolver no-vos processos de criação, produção, edição, circulação, divul-gação de bens materiais e imateriais. Esses processos, que nospropusemos a estudar, podem levar sujeitos e grupos a cons-truírem tecnologias sociais e culturais como ferramentas decomunicação e cultura que necessitam ser criadas, desenvolvi-das, aprimoradas e acessadas em redes de compartilhamento,para que tanto a gestão cultural e as políticas culturais quanto aprodução artística, cultural e educativa ligada à economia soli-dária e às políticas de diversidades possam ter mais possibilida-des de criação e expressão, melhor qualidade, bem como deformas de acesso, circulação e divulgação em nível local, nacio-nal e global.

As políticas econômicas solidárias, culturais e educacionais,em torno de cidadanias culturais desenvolvidas por meio dasincubadoras sociais, programas e projetos de pesquisa e exten-são buscam, de forma ambiciosa e – por que não? – utópica,transformar e se apropriar, de alguma maneira, do próprio sen-tido do que é considerado como economia, política, arte, cul-tura, cultura política, educação, identidades, subjetividades,modos e estilos de vida, percepções e cidadanias culturais(CHAUÍ, 1995; HALL, 2006; GIDDENS, 2002; CASTELLS,2003; CANCLINI, 2003, 2005). Privilegiam o apoio e o desen-volvimento de uma cultura política e econômica solidária quevaloriza e promove a intersecção entre artes e humanidades,baseada em redes de compartilhamento no universo cibercultu-ral e na disseminação de práticas econômicas solidárias comoeducativas, culturais, artísticas e performáticas, em processosde construção de tecnologias sociais e culturais. Nesse sentido,nossa hipótese é de que tais programas e projetos, cientes des-se debate, podem permitir desde a valorização do patrimôniohistórico material e imaterial por meio do mapeamento e doapoio às tecnologias sociais e culturais, quanto o ativismo e a

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ação política que trazem corpos e subjetividades antes invisí-veis, recriados e pluralizados por novos movimentos sociais eculturais. Podem surgir ações entrelaçadas a favor da democra-tização da economia, do trabalho, da informação, da cultura eda educação, cada vez mais discutidas, propagadas e ampliadasem redes digitais, pela internet – vista como um novo espaçopúblico de discussões e definições políticas que ultrapassamvisões mais fechadas do que significa atualmente se fazer polí-tica educacional e cultural e/ou política no sentido mais amplo(CANCLINI, 2003, 2005; LÈVY, 2010; LEMOS, 2007; SAN-TAELLA, 2003). A cidadania cultural, a mudança do papel deconsumidores passivos para ativos produtores culturais, o cres-cimento da diversidade da produção cultural descentralizada, ainvenção e fluidez de novas linguagens estéticas, subjetivida-des e identidades culturais, são alguns dos aspectos dos pro-cessos de produção econômica solidária, artística, cultural eeducacional que parecem emergir com força nas novas políti-cas públicas, das quais programas e projetos de extensão e pes-quisa, financiados pelo Estado e também pela iniciativa priva-da, atuam como polos desenvolvedores.

A construção de metodologias abrange o desenvolvimentode trabalho de campo inter e transdisciplinar, considerandoigualmente algumas contribuições teóricas mais recentes docampo da gestão social que dão destaque para os pontos rela-cionados a metodologias não convencionais, não tecnicistas,que questionam práticas de investigação positivistas consagra-das, que não valorizam o papel dos sujeitos de pesquisa e dainteratividade na construção de novos conhecimentos (GIA-NELLA, 2008). Nesse sentido, tais metodologias visam co-nhecer as condições e as estratégias de formulação e gestãocompartilhada da política educacional e cultural, com sistema-tização e análise de desenvolvimento de práticas, processos,produtos econômicos solidários, culturais, artísticos e educativos,

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ensaios, conferências e comunicações

em conjunto com a avaliação qualitativa da própria políticadesenvolvida.

Uma ação que podemos citar foi o desenvolvimento do Pro-jeto “Banco de Histórias de Trabalhadoras e Trabalhadores e aEconomia Solidária: uma tecnologia social de valorização daexperiência humana”, que surgiu a partir do convênio firmadoentre o Ministério da Educação e a Universidade Estadual dePonta Grossa, desde o início de 2006. O convênio partiu deum projeto inicial contemplado no edital do ano de 2005 doPrograma de Apoio a Atividades de Extensão em Políticas Públicas –PROEXT. Esse projeto caracterizou-se como o desenvolvi-mento de uma tecnologia social e tornou-se, pelo tempo desua execução, parte da metodologia do Programa de ExtensãoIncubadora de Empreendimentos Solidários (IESOL-UEPG)(SANTOS, 2007a-d, 2008; MEIHY & RIBEIRO, 2011). Visou,sobretudo, contribuir com a valorização da experiência hu-mana4 e a elaboração de Diagnósticos Participativos dos gru-pos de trabalhadores a serem acompanhados por pesquisa-dores/extensionistas com o objetivo de criação e consolidaçãode cooperativas e associações como alternativa de geraçãode trabalho e renda no contexto da economia solidária.

Pesquisa e extensão universitárias como políticaspúblicas culturais e educacionais

Em suma, as pesquisas e ações extensionistas desenvolvem umagama de atividades educacionais e culturais (oficinas, debates,

4 O Programa de Extensão Memória dos Paladares (UFABC – SP), do qual par-ticipamos da coordenação, também foi financiado pelo Edital PROEXT/MEC – 2011, com proposta de construção de um acervo de narrativas oubanco de histórias, que atualmente conta com mais de cinquenta entrevistas.

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palestras, eventos, performances, feiras com pontos de vendae debate, clubes de trocas); estimulam processos de produçõessimbólicas em convergência de linguagens (fotográfica, audio-visual, musical, textual, oral); geram produtos econômicos so-lidários, educativos e culturais (bens materiais, como alimen-tos, artesanatos, prestação de serviços; e bens imateriais esimbólicos, como músicas; vídeos; fotos; blogs/sites; textos;livros; performances) com foco nas diferenças que conformamdiversidades culturais. Realizam assim a circulação, divulgaçãoe promoção de práticas, processos de produção de produtoseconômicos solidários, educativos, culturais e artísticos.

As manifestações, por definição, são interculturais, mistas,híbridas, plurais. É importante destacar que os produtos eco-nômicos solidários, culturais e educacionais já são pensadosinicialmente para circular para maior público além daquele queseria de abrangência tradicional desses grupos em suas comu-nidades de origem. Circulam na comunidade acadêmica, ga-nham espaço pela internet, com hibridização de tecnologiasde informação e comunicação, de linguagens artísticas e cultu-rais, e de formas de circulação e consumo. Em oficinas, feiras eeventos, a circulação é vista como uma forma de promoção decidadanias culturais de sujeitos e grupos antes invisíveis, mate-rializada em escritos e imagens impressas, mas também emprojeções audiovisuais e performances ao vivo. Fala-se em trocarbens e ser solidário em público, consumir de forma conscientee sustentável como ato performático, como comportamentoexpressivo que utopicamente problematiza nos espaços públi-cos e privados as esferas econômicas, culturais, educacionais,políticas.

Por fim, ressaltamos que incubadoras sociais, projetos e pro-gramas universitários podem problematizar os modos, os sen-tidos, os objetivos, os processos pelos quais podemos fazerpolíticas públicas, sejam estas econômicas solidárias, culturais

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ensaios, conferências e comunicações

ou educacionais. Podemos, assim, pensar práticas de gestãocompartilhada e manifestações artísticas, educativas e culturaisportadoras de tecnologias culturais e sociais, em sintonia comas próprias linguagens da política, da cultura, da educação ouda arte. Há, de fato, financiamento e incentivo das universida-des e de governos que bancam essas ações, potencializandointerculturalidades e transdisciplinaridades em âmbito digital,favorecendo organização e colaboração de sujeitos e gruposem redes de compartilhamento por meio da internet, em pro-cessos político-culturais complexos, com hibridização e inter-câmbio identitário e pós-identitário, subjetivo, de sujeitos, gru-pos e linguagens. Existe – com toda a complexidade do queessa existência pode implicar – promoção de um horizonteutópico e de uma possibilidade de avaliação crítica permanen-te da própria implantação e gestão compartilhada das políticaspúblicas, por conta do perfil dos sujeitos dos grupos, simulta-neamente, produtores e agentes, sujeitos protagonistas e orga-nizados nos movimentos sociais, culturais e artísticos. Estespodem talvez enxergar nos espaços da educação, da arte, dacultura, da economia, do trabalho, formas de reconhecimentode suas tecnologias culturais e sociais e de suas propostas demelhorias da qualidade de vida de suas comunidades.

Afinal, incubadoras sociais, projetos e programas universi-tários podem tentar se afirmar como locais de formação hu-mana, nos quais trabalho, economia, arte, cultura, lazer, patri-mônio histórico material e imaterial, promoção de cidadaniasculturais – entre outras dimensões da experiência humana – semesclam, se interpelam e, eventualmente, tentam assim re-fundar culturas políticas e políticas econômicas, culturais eeducacionais para garantia de direitos em outros termos, plu-rais, democráticos e complexos, no início do novo século, emque mudança social e solidariedade não sejam apenas mais quealgumas palavras...

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ensaios, conferências e comunicações

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Moedas criativas: incubadoras denegócios além do bem e do mal

Gilson SchwartzProfessor Adjunto da Escola de Comunicações e Artes – ECA-USP

Introdução

O projeto de pesquisa-programa-ação Cidade do Conhecimentoé inspirado em uma pedagogia de empoderamento e apropria-ção na área de comunicação e artes (BAR et al., 2007). A orien-tação volta-se a criar situações para que cada participante setorne um sujeito responsável da produção cultural em rede,conectando o local (seja uma escola em Jundiaí, Taubaté ouSão Paulo) a um “local global virtual” (a Cidade do Conheci-mento na USP alinhada à rede Games for Change). Busca-se as-sim, proporcionar envolvimento efetivo e afetivo de todos oselos comprometidos com a sustentabilidade das “cadeias deprodução e distribuição” de informação, comunicação e co-nhecimento nos diversos ambientes nos quais os atores têm acapacidade de mobilizar para um novo brincar eletrônico cole-tivo, lúdico e criativo.

Abrem-se desse modo novas possibilidades de representa-ção: os pesquisadores assumem também a condição etnográfica

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ensaios, conferências e comunicações

de pesquisadores-programadores-interatores em ambientesescolares formais e informais. A organização dessas redes cri-ativas tem como referência o uso de moedas complementaresou sociais, denominadas “moedas criativas”.

A evolução desse modelo foi lenta, gradual e permeada porsucessos, acidentes de percurso e dificuldades inerentes à ino-vação em qualquer área, mas que se tornam mais dramáticosno contexto de obstáculos estruturais à difusão de novas práti-cas pedagógicas agravadas pela instabilidade política e institu-cional das políticas de educação e cultura no Brasil.

O projeto de aproximação entre as redes digitais e a criaçãode moedas locais voltadas à ativação de circuitos, atividades econteúdos educacionais e culturais começa em 2002-2003,pouco depois da criação da “Cidade do Conhecimento” comoprojeto de Pesquisador Visitante no Instituto de Estudos Avan-ços, cujo Grupo de Estudos de Informação e Comunicação,liderado por Imre Simon, publicara concurso de projetos em1999. Entre 2000 e 2002 foram realizados estudos teóricos,uma revisão do estado da arte nas tecnologias de informação ecomunicação (TIC) e os primeiros projetos-piloto voltados àaproximação entre redes digitais e processos inovadores deprodução de conhecimento (o primeiro foi em parceria com aIBM, como parte das ações do Ano Internacional do Volunta-riado e com apoio do Instituto Ethos).

Em 2003, a expressão consagrada para essa área de estudose projetos era a “inclusão digital”. Na época, falava-se muitoem “telecentros” e ainda não existiam “pontos de cultura” (ter-minologia que seria consagrada pelo Ministério da Cultura aolongo das gestões Gilberto Gil e Juca Ferreira). O primeiroprojeto voltado à criação de moedas locais associadas a fluxosde atenção à educação, cultura e empreendedorismo criativofoi realizado pelo grupo de pesquisa Cidade do Conhecimentoem convênio com o Instituto Nacional de Tecnologia da

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Informação; eram os primórdios do programa “Casa Brasil”,entre outras iniciativas de “inclusão digital” do governo Lula.No governo estadual paulista, iniciativas análogas eram imple-mentadas como “infocentros” (Programa Acessa São Paulo).

Do projeto inicial, destacaram-se duas inovações cujo pio-neirismo rendeu vários prêmios ao grupo de pesquisa. A pri-meira foi olhar menos para telecentros e formas convencio-nais de inclusão digital (como o ensino de ferramentas básicasde software de escritório, proprietário e livre) para investir nainclusão social pela produção cultural para telefones celulares.

Fizemos o piloto em comunidades no Centro-Oeste, Nortee Nordeste, em parceria com índios xavantes, com o cineastaJorge Bodanzky no Pará e com a comunidade local na Praia daPipa, no Rio Grande do Norte (em 2005 e com apoio da FI-NEP em 2006). A segunda inovação foi a criação de uma mo-eda local emitida pelo “telecentro”. Instalada uma antena darede GESAC (Ministério das Comunicações) criou-se, junta-mente com artistas, empresários, professores, estudantes e tu-ristas, o “garatuí” na Praia da Pipa (RN). Transformamos otelecentro num banco central local e imprimimos as cédulas,que passaram a circular no setor de turismo e entre estudantesda rede pública municipal. Nessa mesma época, o Banco Pal-mas dava seus primeiros passos em Fortaleza. Em 2009, no IFórum de Inclusão Financeira, o Banco Central finalmente reco-nheceu essas iniciativas e hoje falar em moedas sociais, ou seja,meios de pagamento criados de baixo para cima, cujo lastro éo capital social local, deixou de ser tabu ou inovação exótica.

Moedas criativas são moedas cujo capital ou “lastro” é cul-tural. São as moedas da economia criativa. Podem ser vistasainda como uma forma tecnologicamente avançada de “vale-cultura”. Mais recentemente, o Ministério da Cultura criou umaSecretaria da Economia Criativa. Antes disso, o projeto “Moe-das Criativas” recebeu dois prêmios do MinC: o “Interações

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ensaios, conferências e comunicações

Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura” em2009 e o “Cultura e Pensamento”, em 2010. Nesses projetos,como já fazíamos de modo pioneiro em 2002-2003, as moedascriativas surgem como uma excelente oportunidade para a ino-vação e o desenvolvimento de formas tecnologicamente avan-çadas de gestão de espaços como pontos de cultura e escolas.

De modo geral, falar em moedas cujas funções estão inte-gradas à criação é pensar e desenvolver novos potenciais definanciamento, geração de renda e ocupação nos mercadosculturais, em especial os mercados da cultura digital. Trata-se em suma de projeto que segue a metodologia da pesquisa-ação em torno de novas formas do valor e práticas de merca-do na economia da cultura, do audiovisual e do conhecimen-to digital. Um novo capitalismo surge no século 21, animadopor uma redução radical nos custos de coordenação numa va-riedade impressionante de atividades humanas. A colabora-ção no mercado chegará a níveis inéditos, privilegiando o acessocompartilhado em detrimento da propriedade pura e simples.O capitalismo se reinventa valorizando uma nova forma decoletivismo. No entanto, em oposição ao coletivismo totalitá-rio que predominou até a queda do Muro de Berlim, trata-se apartir de agora de um novo modelo de relacionamento hu-mano que busca inspiração na cooperação livre e na criativi-dade responsável.

No centro dessa nova formação social e econômica está a“mesh”, ou seja, um tipo de colaboração em redes digitais quese torna viável e ganha potência por meio de infraestruturasaudiovisuais. A coordenação, privada ou pública, substitui demodo parcial e complementar a propriedade privada e as moe-das correntes, abrindo a perspectiva de produção e distribui-ção de um número enorme de ativos intangíveis por parte dosindivíduos, das famílias e das empresas. Ao “brincar” como dinheiro, essas redes revolucionam as atividades, gerando

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desafios inéditos praticamente em todos os setores da indús-tria e nas instituições, e não apenas na chamada indústria cul-tural ou economia criativa.

Para os empreendedores criativos (com ou sem fins lucrati-vos) abre-se uma oportunidade histórica sem precedentes paragerar valor reinventando práticas de aprendizagem, inovaçãoem projetos, produtos e processos, abrindo novas fronteirasde mercado. Do jovem que ainda está nos bancos da faculdadeaos dirigentes das grandes empresas globalizadas, quem ficarfora das novas formas de organização colaborativa é visto comoincapaz de competir, por não saber compartilhar.

Dez anos depois das primeiras experimentações, períodoem que houve erros e acertos, passa-se a nova etapa em 2010 e2011, quando o BNDES torna-se patrocinador de eventosvoltados a uma análise teórica e prática do potencial dessesnovos meios de pagamento alinhados às práticas colaborativasda sociedade do conhecimento.

Uma década depois dos primeiros passos, foram estabeleci-das pontes entre a pesquisa acadêmica e o diálogo tanto comas autoridades públicas quanto com empreendedores e investi-dores privados, lideranças do terceiro setor e artistas. A pró-pria Cidade do Conhecimento consolidou-se, portanto, comouma rede público-privada com foco no compartilhamento deconhecimento, tecnologia e potência de captação de recursosfinanceiros para a cultura audiovisual digital. A partir de 2005,o projeto foi ancorado no Departamento de Cinema, Rádio eTV da Escola de Comunicações e Artes da USP.

A criação de moedas

O objetivo maior da incubadora é colocar em circulação moedasda cultura e do conhecimento, emitidas por pontos de cultura,

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ensaios, conferências e comunicações

ONGs, escolas e universidades com o apoio da Cidade do Co-nhecimento da USP, de modo a amparar a incubação de con-teúdos e infra-estruturas de produção audiovisual.

Para quem se envolve em atividades caracterizadas como“Pensar”, definem-se unidades de conta para remunerar em“Saberes”. Iniciativas práticas no campo do “Fazer”, ou seja,da produção, da realização, do ativismo e da mudança social epolítica, são remuneradas com a moeda “Talento”. Finalmen-te, atividades no campo do “Brincar” (esporte, entretenimen-to, cultura) são remuneradas com “Alegrias”. A circulação dasnovas moedas estabelece um campo de provas onde aceitaresse tipo de remuneração equivale a subscrever um novo con-trato social e econômico, dispondo-se a compartilhar benefíci-os e riscos de investir em atividades ligadas a educação, cultu-ra, ciência e tecnologia para o desenvolvimento humano e local.Esse é um processo que sabemos lento, nunca linear, surpre-endente, ou seja, ele próprio criativo.

Estamos já na era da “iconomia”, ou seja, uma economia deícones digitais que tornam ultrapassadas as fronteiras habituaisdo valor econômico, seja na vertente materialista (custos, traba-lho ou energia gastos), seja na vertente instrumental-racionalista(escassez e autorregulação rumo ao equilíbrio dos mercados).Ou seja, as moedas criativas são objetos-rede que expressam eviabilizam avanços numa nova perspectiva teórica, permitindonovos conceitos de educação profissionalizante, uma nova prá-tica nas áreas de cultura e extensão na universidade, uma aproxi-mação não apenas entre áreas do conhecimento mas, também,entre práticas sociais no setor privado, no setor público, na aca-demia e no chamado terceiro setor.

Ainda estamos presos no maniqueísmo entre propriedadeprivada, de um lado, e aparelhamento ideológico do Estado,de outro. A mudança cultural e prática ocorre aos poucos e,sempre é bom lembrar, com recuos, fracassos e desvios. O

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anjo da História avança olhando para trás, o progresso se faza contrapelo.

Além da questão teórica e política, o Brasil está muito atra-sado no investimento em infraestrutura tecnológica e forma-ção profissionalizante voltadas para a emancipação digital (ouseja, a inclusão digital que gera riqueza, identidade e conheci-mento, não apenas oportunidade de consumo de máquinas ouserviços de massa). Os episódios se sucedem numa longuíssi-ma novela em que ora se fala do FUST, ora da banda larga,outrora foi o GESAC. Temos que superar a carnavalização dainclusão digital e crescer com políticas públicas de empreende-dorismo criativo no meio digital.

Dinheiro como experimentação criativa

O dinheiro que usamos, criado pelo Banco Central, é raro, es-casso. Você trabalha para ganhar, faz sacrifícios para poupar.Desde a mais remota história, as sociedades usam coisas (comosal ou conchas) e também inventam símbolos (estampados emmoedas e cédulas) para indicar o valor das coisas. Mas o queacontece ao dinheiro num mundo de tantas trocas virtuais, ondea imagem que representa valores pode ser criada, remixada edigitalizada?

Na sociedade do espetáculo digital, o valor pode ser amplia-do ou destruído rapidamente pela Internet, pelo telefone celu-lar, pelas compras coletivas e pelos projetos colaborativos. Amoeda estatal foi a primeira grande revolução na história do di-nheiro e data da antiguidade clássica. A segunda grande revolu-ção data do Renascimento e foi a invenção do dinheiro privado:títulos de dívida trocados entre bancos, governos e comercian-tes, que depois se tornaram o papel-dinheiro. O mundo digitalpode produzir a terceira grande revolução: o dinheiro criativo.

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ensaios, conferências e comunicações

O dinheiro fica tão eletrônico quanto o e-mail. Surgem no-vos modos de usar, compartilhar, distribuir e organizar a pro-dução e a distribuição de riquezas, materiais e imateriais. Moe-das digitais imaginárias são usadas em games, clubes defidelidade ou coletivos de compras. Novos mundos virtuaisintegram e redefinem as redes de cartões de crédito e as transa-ções pelo celular, sensores e códigos.

A mudança do dinheiro para a forma digital é o ponto departida para a criação de moedas que sirvam para trocar, com-partilhar, distribuir e organizar as artes, a cultura, a educação, aciência e a tecnologia, promovendo o empreendedorismo emtodos os campos em que se agigantam os desafios de promo-ver a cidadania.

A circulação desse dinheiro “criativo” totalmente digitalpoderá animar empresas, cidadãos, governos e associações,nacionais e internacionais, a mudar o mundo “brincando” devalorizar ações que se traduzem em aprendizagem, solução deproblemas e progressos no bem-estar social e na sustentabili-dade ambiental.

A moeda criativa é social, seu banco central é imaginário,mas pode colocar em circulação e dar novos destinos a mun-dos e fundos. A moeda criativa facilita as trocas de informaçãocom as quais podemos aumentar nossa produção de cultura,arte e conhecimento para a solução de problemas. Aceitarmoedas criativas é reconhecer que uma nova escala de valores,objetivos e resultados é necessária, ou seja, que um dinheirosustentável é possível desde que amparado em práticas peda-gógicas emancipatórias e numa apropriação sempre singulardesses valores e resultados.

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Conclusões

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciênciae a Cultura (UNESCO) no Brasil lançou o projeto +20 Ideiaspara girar o mundo como contribuição para os debates no âmbi-to da Conferência das Nações Unidas sobre DesenvolvimentoSustentável, Rio+20. O projeto Moedas Criativas foi um dosdestaques na agenda, levando a iniciativa a uma escala sem pre-cedentes de visibilidade e potencial.

O projeto de um fundo de moedas imaginárias, cujo capitalou “lastro” seja cultural e educacional, assumindo-se como re-presentação da economia criativa ou como uma forma tecno-logicamente avançada de “vale-cultura”, tem uma história depelo menos uma década de experimentações, aprendizados eavanços na constituição de uma rede híbrida de apoio, envol-vendo academia, governo, empresas e sociedade, em escalaslocais, regionais, nacionais e internacionais. Premiado peloMinistério da Cultura, patrocinado pelo BNDES, destacadopela UNESCO, a partir de 2012 associado à área de games doportal UOL, filiado à rede internacional Games for Change e aber-to à participação crescente de escolas públicas e particulares, oprojeto de uma ordem monetária inspirada e focada em gerarmaior adesão, compromisso e eficiência em processos de apren-dizagem e ensino segue avançando.

O espírito do projeto é inverter a determinação causal quesempre colocou a educação e a cultura a reboque de “fatoreseconômicos” para levar a cabo, numa rede global de experi-mentação sociotécnica, o poder criativo contido na liberaçãodo poder coletivo de criação monetária.

A crise econômica internacional é uma crise de ícones, acomeçar do ícone maior do sistema econômico global: a moe-da. Do euro que derrete ao dólar que estremece, o terremotofinanceiro põe a nu as engrenagens da própria representação

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ensaios, conferências e comunicações

da riqueza. A cultura, a arte, o mecenato, as leis de incentivo, aeconomia feita de capitais humanos, sociais e simbólicos nãopassam ao largo. E se além de vítima da crise, o mundo darepresentação tivesse em si a semente da reconstrução de umasociedade global mais harmônica, íntegra e sustentável?

Esse é o espírito do projeto transmídia Moedas Criativas: in-verter a determinação causal que sempre colocou a cultura areboque dos “fatores econômicos” para levar a cabo, numarede global de experimentação sócio-técnica, o poder criativocontido na liberação do poder coletivo de criação monetária.

Moeda é mídia. No planeta atravessado por novas tecnolo-gias de informação e comunicação, o poder, a técnica e o sen-tido que emanam da representação maior da riqueza, o fetichedo dinheiro, passam a atuar em sinal contrário, instaurandorelações de troca, acumulação, entesouramento, poupança einvestimento que aproximam Adam Smith de Georges Batail-le, John Maynard Keynes de Michel Foucault, Milton Fried-man de Jacques Lacan, o Banco Central de uma galeria de artee o sistema de crédito de uma poderosa e inovadora máquinade criação e inteligência coletivas.

Moedas Criativas é um jogo, uma rede, um pacto político,uma revolução local que muda o sinal da transformação globalnuma nova era pode ser caracterizada por transações entreobjetos interconectados e associados às redes sociais. Essessão os componentes essenciais da criação de valor. Trata-se deum universo multidimensional e interdisciplinar. As principaisdimensões são: tecnologia, processos de negócios, governan-ça, segurança e privacidade, padronizações e fatores humanosque atuam simultaneamente, por meio de relações complexase ainda desconhecidas, determinando o sucesso ou o fracassode aplicações e serviços na tarefa de oferecer benefícios à soci-edade. Esse universo tumultuado que tem recebido a denomi-nação de Internet das Coisas (Internet of Things) é objeto de

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pesquisa do iRIoT (Interdisciplinary Research for the Internet of Thin-gs), integrando pesquisadores da Escola Politécnica, da Cidadedo Conhecimento e da Faculdade de Direito da Universidadede São Paulo.

Afinal, a crise global trouxe para primeiro plano o imperati-vo de repensar e reconstruir o marco regulatório global para asatividades financeiras (direitos, governança, novas legitimida-des). Também ganhou prioridade a reconexão dos mecanis-mos e instituições de financiamento ao “mundo real”, ou seja,a atividades com resultados sustentáveis e relevantes para ageração de emprego, conhecimento e identidades locais. A es-peculação que se alimenta da euforia traduz-se na crise mone-tária em novas formas de medo, paranoia e mistificação, su-pressão de direitos e manipulação da intimidade.

O financiamento à cultura destaca-se entre as possíveis (enecessárias) novas “âncoras” da circulação monetária e finan-ceira. E o Brasil já ganha destaque nesse contexto, ao trazerpara o centro do debate a reforma das instituições de fomentoà cultura, da Lei Rouanet ao “vale cultura”. Fenômenos comobancos comunitários, formas colaborativas de produção, mi-crocrédito e moedas sociais também ganham destaque e se es-palham no país das reformas monetárias, financeiras e fiscais.

O projeto Moedas Criativas coloca em discussão as novasformas de representação do valor da cultura assim como a cul-tura dos que lideram a reconstrução do sistema produtivo glo-balizado.

As mais expressivas lideranças no ativismo digital e culturalhoje ampliam os horizontes da economia criativa gerando no-vas tendências e projetos em comunidades locais que já se lan-çam ao uso de “moedas criativas”, também conhecidas como“sociais” ou “complementares”. Essas moedas criam novaspossibilidades de produção e distribuição de bens e serviçosculturais; combinam inclusão digital, educação contínua, geração

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de renda e empoderamento de estudantes, professores e edu-cadores informais, abrindo uma nova era de interações (online eoffline) numa escala onde ganha densidade o hibridismo entre olocal e o global.

Referências

ALENCAR, B. Projeto de professor da ECA é destaque na Rio+20. 2012.Disponível em: http://www5.usp.br/12373/projeto-de-profes-sor-da-eca-e-destaque-na-rio20/>. Acesso em: out. 2012.

BAR, F. et al. Mobile technology appropriation in a distant mirror : baroqueinfiltration, creolization and cannibalism. [2007]. Disponível em:<http://arnic.info/Papers/Bar_Pisani_Weber_appropriation-April07.pdf>. Acesso em: out. 2012.

PALMEIRAS, R. Que tal pagar a entrada do teatro com moeda criati-va? 2012. Disponível em: <www.brasileconomico.ig.com.br/noticias/que-tal-pagar-a-entrada-do-teatro-com-moeda-criativa_116233.html>. Acesso em: 20 abr. 2012.

Projeto SEMEARA_CULTURA. Tecnologia em prol da cultura. 2012.Disponível em: <www.iotbrasil.com.br/projeto-semeara_cultura-tecnologia-em-prol-da-cultura-prof-gilson-schwartz/>. Acesso em: set. 2012.

Links

Cidade do Conhecimento: www.cidade.usp.br

Games for Change America Latina: www.gamesforchange.org.br

Moedas Criativas: www.culturadigital.br/schwartz/

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ensaios, conferências e comunicações

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5. DOCUMENTÁRIO COMENTADO

Encontro com Milton Santos ouo Mundo Global visto do lado de cá

Co-Presidentes:

Haydéa Maria Marino de Sant’Anna ReisMaria Rita Resende Martins

Comentários do Diretor

Silvio Tendler

Exibição do Documentário

Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global visto do lado de cá

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Comentários do Diretor

Silvio TendlerDocumentarista; Professor do Departamento de Comunicação

Social da PUC-RJ

Começo respondendo a três questões essenciais para um jor-nalista que elabora uma matéria: Como, quando e por quê? Nãocoloco o “onde” por que não houve uma materialidade local e,portanto prescinde reresposta.

Começo respondendo por quê? A primeira vez que ouvifalar do professor Milton Santos foi em 1995, quando estavafazendo um filme sobre Josué de Castro. A filha de Josué, AnnaMaria, que me balizava no filme, me disse que eu deveria en-trevistar o professor Milton Santos, brilhante geógrafo brasi-leiro que havia terminado de receber o Prêmio Vautrin Loud,o maior prêmio mundial de geografia. Milton Santos estava naFrança e como eu iria entrevistar o abade Pierre, amigo doprofessor, aproveitei minha viagem à França para entrevistar oProf. Milton.

Pouco conhecia dele, na medida em que não sou geógrafopor formação e no meu curso de graduação a geografia se re-sumia a uma decoreba insuportável de afluentes de rios. Entãome absolvo de minha ignorância e agradeço a geração do Prof.Milton o fato da Geografia ter se tornado política.

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ensaios, conferências e comunicações

Em Paris, em março de 1995, o professor Milton Santos merecebeu para responder questões sobre seu mestre e amigo Josuéde Castro. Acredito que tenha sido a entrevista mais difícil quefiz ao longo de minha carreira de cineasta para cortar. Aquelelargo sorriso e a rapidez de raciocínio esgrimiam uma lucidez einteligência fascinantes. Tudo o que dizia era importante. Aofalar da clarividência de Josué parecia estar falando de si pró-prio. Tanto assim que o filme Encontro com Milton Santos abrecom a definição de clarividência que deu para Josué de Castro.

Conversamos muito. Estávamos no auge do fascínio comoprocesso de globalização. Puxei o assunto e novamente a bor-do de seu largo pacífico o Milton Santos me explicou que aglobalização não daria certo. Apreensivo, insisti que as pessoasestavam adorando a possibilidade de consumir produtos ouviajar, etc., etc., etc. Ele abriu seu sorriso e foi taxativo: “Nãovai ter para todo mundo”. A farra da globalização logo se con-verteu na total liberdade para circulação de capitais e mercado-rias, e muros para os humanos. O professor tinha razão, logo,logo o ex-terceiro mundo converteu-se em “países emergen-tes”, excluídos do banquete e convidados a pagar a conta.

A partir deste momento passei a pensar em fazer uma en-trevista com Milton Santos. Entre 1995 e 1999 tivemos váriosencontros que sempre terminavam com a promessa recíprocade um trabalho conjunto. Soube então que o professor estavaseriamente doente e vi que o quando seria agora ou nunca.

Liguei no fim de 1999 para a assistente do Professor MiltonSantos para marcar a entrevista. O professor prontamente con-cordou. Logo nos primeiros dias de 2000 peguei um ônibuscom um assistente, Terêncio Porto, e duas câmeras no limitedo amador. Em São Paulo, o cineasta Marcelo Garcia nos aguar-dava. Fomos para a sala do professor na USP para ouvi-lo.

Fomos para ouvi-lo sobre o processo de globalização, masMilton Santos nos deu uma aula de mundo, mídia, filosofia,

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Estado e tudo o que queria falar. Na verdade quem pautou aentrevista foi ele. Com seu falar circunloquial traçava longoscaminhos até chegar à resposta ao que eu havia perguntado.Falava, falava; falava até me dizer: “então, quanto à...” e res-pondia a questão. Se no começo do texto disse que, por seubrilhantismo, a entrevista de Milton Santos foi a mais difícil deminha carreira e de cortar, agora acrescento que foi a maisdifícil de montar. Não foi fácil acompanhar os caminhos tor-tuosos, igualmente brilhantes , do seu raciocínio.

De repente fiquei angustiado de ver aquele gigante falandoe eu com aqueles equipamentos hipermodestos registrando asimagens. Perguntei: “Para quem o Sr. está falando tudo isso?”.Ele me olhou no olho através da minha câmera e falou: “paravocê”. E arrematou: “Com poucos meios também se fazemgrandes coisas”. Ali percebi que estava irreversivelmente com-prometido com esse filme.

Milton Santos mudou minha cabeça e minha fé em tudo oque acreditava. Virou meu cérebro pelo avesso e daí nasceuEncontro Com Milton Santos ou o Mundo global visto do lado de cá?.Nunca mais fui o mesmo;

E o título do filme? Convidei a professora Ana Clara Tor-res, Miltoniana de primeira hora, que ao assistir ao filme seempalideceu e disse “mas isso não é Milton Santos....”. Decidientão que seria um Encontro com Milton Santos respeitando a hi-erarquia existente entre o mestre e o cineasta.

Assim nasceu Encontro com Milton Santos ou o Mundo globalvisto do lado de cá.

Boa viagem.

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6. CONFERÊNCIA MAGNA

Desafios da Democracia no Brasil: a ques-tão do Estado, da Sociedade

Co-Presidentes:

Jacqueline de Cássia Pinheiro LimaJosé Carlos Sebe Bom Meihy

Apresentação

Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima

Ritual de apresentação: Roberto DaMatta e a Baixada Fluminense

José Carlos Sebe Bom Meihy

Desafios da Democracia no Brasil: a questão do Estado,

da Sociedade

Roberto Augusto DaMatta

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Apresentação

Jacqueline de Cássia Pinheiro LimaProfessora adjunta da UNIGRANRIO

A ética não é a lei. A lei está escrita no bronze ouno papel, mas a ética está inscrita na consciência ouno coração – quando há coração... Por isso, ela nãoprecisa de denúncias de jornais, nem de sermões, nemde demagogia, nem da polícia! A lei precisa da polí-cia, o moralismo religioso carece dos santarrões e asnormas, de fiscais. A ética, porém, requer o senso delimites que obriga à mais dura das coragens: a de dizernão a si mesmo...Roberto DaMatta. Eu não Aceito! Coluna Cultura.Estadão. São Paulo: 6 de fevereiro de 2013

Receber como convidado e apresentar o antropólogo e ensaís-ta Roberto DaMatta é um misto de satisfação e honra. É umasatisfação porque conseguimos ver que a trajetória da relaçãoEnsino/Pesquisa na Unigranrio vem se consolidando a pontode encerrarmos uma atividade, como foi o Seminário de Inici-ação Científica, com uma sensação de dever cumprido, porhora, mas com uma enorme vontade de continuar, pois o estudo,a pesquisa, a busca são sempre incansáveis – diria: um vício –

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ensaios, conferências e comunicações

e a terminamos de forma brilhante com a presença de nossoconvidado.

É uma honra porque estou entre notáveis. Junto comigo naco-presidência da Mesa que recebe DaMatta, um dos maioresHistoriadores brasileiros, que faz da História, com a HistóriaOral, uma fonte inesgotável de prazer, o professor José CarlosSebe Bom Meihy. Como convidado, Roberto DaMatta: ler suasobras durante as aulas de Antropologia no curso de Históriana Universidade – levo Relativizando1 como livro de cabeceira –, aprofundá-las na construção do trabalho de tese de doutora-do em Sociologia Urbana e depois ter o encanto de repassá-laem sala de aula para os alunos de graduação e de mestrado.Ficaria eu divagando sobre a obra e a admiração que tenhopelo autor.

No entanto, vamos conhecer um pouco deste pesquisador:graduou-se e fez licenciatura em História na Universidade Fe-deral Fluminense, especializando-se depois em AntropologiaSocial no Museu Nacional. Fez seu mestrado e seu doutoradoem Harvard. Foi chefe do Departamento de Antropologia doMuseu Nacional e coordenador do seu Programa de Pós-Gra-duação em Antropologia Social na década de 1970. É Profes-sor Emérito da Universidade de Notre Dame, nos EstadosUnidos e atualmente é Professor Titular da PUC-RJ.

Suas pesquisas etnológicas entre os índios Gaviões e Api-nayé encantaram milhares de estudantes das Ciências Sociais eHumanas. Pesquisa feita no extremo norte do Estado de Goi-ás, Um Mundo Dividido: A Estrutura Social dos Índios Apinayé fez

1 DAMATTA, R. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social. Petró-polis: Editora Vozes, 1981. Este Livro não pretende ser um manual de Antro-pologia, como o próprio autor indica, mas reflete de maneira leve ao mesmotempo interpretativa o conceito da Antropologia Social. Nas palavras deDaMatta, “A Antropologia Social autêntica só pode acontecer quando esta-mos plenamente convencidos da nossa ignorância.”.

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com que DaMatta mostrasse como os Apinayé conseguiammanejar regras por meio de suas estruturas sociais, mostrandoa atuação nos grupos de cada indivíduo – indivíduos estes queem cada situação que aparece renovam suas escolhas. Inovoucom os estudos de rituais e festivais em sociedades industriais.Temas como carnaval, o futebol, a música, a comida, e o jogodo bicho são alguns dos exemplos de seus estudos com o pro-pósito de entender o homem brasileiro.

Em Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilemabrasileiro, Roberto DaMatta tenta responder à pergunta: o quefaz a sociedade brasileira uma sociedade diferente das outras?Por que o “jeitinho brasileiro” aparece como justificativa dehábitos comuns da cena brasileira? As festas populares, sobre-tudo o Carnaval, transformaram-se em objetos de estudo. Pro-cura entender a cultura da sociedade, o que a caracteriza, odilema entre autoridade, hierarquia e a democracia e harmoniaque tomam lugar na sociedade brasileira. Para isso, chama aten-ção para os mitos e ritos que explicam, mas não solucionamesta sociedade. Dentro do mundo da ordem e do mundo dafesta, da troca de cenários entre pobres e ricos, DaMatta inserea questão das escolhas dos indivíduos e do papel da sociedadedentro de uma sociedade do conflito.

Este conflito também aparece em O que faz o brasil, Brasil?,que trata da identidade brasileira e a sua dupla construção: ahistórica, quantitativa, que lembra dos fatos como inflação,escravidão e a qualitativa, dos costumes, como a boa comida, oabraço, uma relação mais humanizada. Mas que também tratadas relações sociais, raciais, de gênero, do mundo das festas edos prazeres, do Carnaval, novamente, como dando sentido àconstrução do homem brasileiro, do “jeitinho” como lugardos excessos. Estas questões também são discutidas em Con-ta de mentiroso: sete ensaios de antropologia brasileira, assim tambémquando discute o mundo do jogo do bicho em Águias, Burros e

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Borboletas: um ensaio antropológico sobre o Jogo do Bicho, em parceriacom Elena Soarez.

A Casa & a Rua, obra lançada em várias edições, é um livroessencial para se estabelecer uma relação entre a sociedadebrasileira e suas redes. Não somente por estas categorias Casae Rua representarem espaços geográficos, mas por serem lo-cais de ação da moral, das contradições e de qualquer tipo deação social.

DaMatta coordena hoje uma pesquisa sobre educação notrânsito de muita relevância no cenário da Antropologia Urba-na, lugar que hoje abriga os conflitos, os “jeitinhos” e as repre-sentações da sociedade brasileira, levando da casa para a rua ohomem que vai caracterizar a sociedade no dia-a-dia.

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ensaios, conferências e comunicações

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Ritual de apresentação: RobertoDaMatta e a Baixada Fluminense

José Carlos Sebe Bom MeihyProfessor titular da Universidade de São Paulo

Professor do Programa de Pós-Graduação da UNIGRANRIO

Prezadas Senhoras e SenhoresQualquer apresentação pública é sempre empreendimento

arriscado, sabe-se. Que dizer então quando se trata de RobertoDaMatta, em uma sessão acadêmica na Unigranrio, em Duquede Caxias, na Baixada Fluminense? A primeira imagem que meveio à mente quando fui destacado para esta delicada missão –não resisto registrar – remeteu à solenidade do mestre que sedispõe a visitar seus pupilos. Logo vi, porém que não se tratavadisso. Muito mais, reversamente, éramos nós seus alunos e lei-tores, desta amada e mal conhecida região que de nossa “esco-la” evocávamos o ilustre professor, antropólogo, explicadordas minúcias e esquisitices brasileiras. Seria uma convocaçãopara ajustes de contas? Cobrança na base de um “afinal, expli-que-se”? Ou, quiçá uma verificação cultural feita na base do“você sabe com quem está falando”? Qualquer que fosse odado diretor dessa equação, o jogo especular das duas partesimplicou definição de alteridades. E então de maneira intri-gante eu deveria mediar os desejáveis entendimentos. Falar,

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ensaios, conferências e comunicações

portanto, para o “respeitável público”, apresentando o formu-lador mais celebrizado de nossas bizarrices, acabou sendo umpasseio em nuvem branca de céu azul.

Mas, de que lugar dialógico eu estaria eu falando? Ora, res-pondi a mim mesmo: vou me valer das lições antropológicasditadas pelo ilustre visitante. Dizendo de outra forma, resolviapresentar o colega querido me baseando em seus própriosargumentos. Foi assim que adentrei, mata adentro, buscandorevelar o Roberto, cidadão comum, que se esconde no conhe-cido antropólogo. O desafio era sair da mata com um DaMattaconhecido pelos meus olhos de admirador dele mesmo. Assu-mi esta ousadia com zelo desafiante, mas o faço também comalegria de quem se nutriu sempre da inteligência propalada porum antropólogo cronista.

A crônica, como ele mesmo ensina, se escreve no calor dosfatos vulgares, no desenrolar do quotidiano das pessoas ditassimples, do comportamento de nossa cidadania tão mirada porele. Feita de miudezas do dia a dia, as análises destiladas porRoberto DaMatta ligam o pequeno ao enorme, o presente aopassado, o singular ao plural dilatado. É exatamente aí quereside seu feitiço: Roberto DaMatta confere justificativas aoreconhecer nossos dilemas, incapacidades de objetividades, ti-tubeios. Olhando com exagero o comportamento banal do nos-so coletivo, o que é ordinário se transforma em argumentocapaz de sobreviver aos fatos mínimos e se tornar explicaçãoeloquente da originalidade de seremos brasileiros. E sua poçãomais exercitada é a inversão da tediosa repetição dos fatos. É atransgressão do normativo, os contornos da regra imposta, avingança da rotina e, sobretudo a crítica à ordem vertical quenos fazem, aos seus olhos, únicos e originais.

Seu ponto de partida e de chegança é o mesmo: “a busca daigualdade como um valor essencial da sociedade brasileira”.Porque procura, apoiado em pesquisas sutis este ideal mais

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filosófico do que curioso, é que Roberto DaMatta executa atroca das complicadas teorias sociológicas, os fundamentos epis-temológicos mais intricados, com narrativas de alcance am-plíssimo. O jornal lhe é, pois, mais uma sala de aula e nós,leitores, alunos seus. Sim, devo dizer que momentos há emque, lendo DaMatta, me esqueço do antropólogo e me vêm àcabeça e aos afetos o ensaísta, contador de casos, amigo brasi-leiro e quase pessoa de nossa família.

Mas não nos iludamos com amenidades. Com leituras cons-tantes de textos derivados de DaMatta, aprendi a validade deusar de seus recursos para lê-lo como “provocador”, “audaci-oso” e “irreverente”. Assim, foi que enfrentei o clássico dile-ma de quantos se investem na função de mediador/apresenta-dor, ou seja, ficar entre indicações úteis para o público e asimpatia implícita no acolhimento institucional. Não há comonegar, pois desde o momento em que se aventou o nome doconferencista desta noite, me senti como que dando um balan-ço no papel antropológico de quem acolhe. E temas como “acasa” o “jeitinho”, “a cordialidade”, a “imprecisão” e até a “ir-racionalidade das relações pessoais brasileiras” se inscrevemem um quadro de afeto e paixão. Tudo, porém, buscando oequilibro capaz de corrigir desigualdades, intolerâncias e injus-tiças no tratamento entre seres humanos.

Depois de ressaltar o lado jornalístico do nosso queridoantropólogo devo também valorizar seu sentido pedagógicoou professoral. Diria então que DaMatta é sim professor e mais:daqueles formados no velho estilo: um tipo que se insinua en-sinando e fazendo de sua matéria a vida de seus pares, deriva-dos da cultura brasileira vista sempre em perspectiva histórica.Como professor de antropologia, Roberto DaMatta se tornoucidadão do mundo, mas jamais renunciou ao Brasil e à vidaordinária dos brasileiros perdidos em seu dia a dia, nos impulsossubterrâneos de um comportamento coletivo “essencializado”.

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ensaios, conferências e comunicações

Sua postura acadêmica – retraçada entre o cronista que escrevepara o público amplo e o professor – se move e comove. Porse dizer aprendiz vai ensinando mandingas explicativas sobrenós mesmos. É sim, a partir da retórica de contador de casosque ele fala se enunciando como diagnosticador do tempo pre-sente, mas de tal forma é sutil que nos ilude sugerindo que aose referir aos brasileiros em geral, ele fala de nós em particulare dele como igual. Roberto DaMatta é, sem dúvidas, o intelec-tual mais lido do Brasil. Suas colunas n’O Globo e n’O Estado deSão Paulo o qualificam como personagem atuante na formaçãoda opinião pública nacional.

Não se esgota aí, contudo, o mérito de seu trabalho, quesobretudo constrói a análise da cultura brasileira entre sofisti-cada triagem erudita e a esperta capacidade de comunicaçãonos quadros da sociedade de massa. Não esperem, porém, al-guém neutro ou distante. Avesso disso, temos um crítico feroz,de palavras inteiras, atrevido mesmo, eterno detrator dos po-deres estabelecidos. Clama atenção o fato de ser também umromântico e bem humorado, piadista capaz de contar casosnarrados com sabor de quem, como poucos, prende a atençãoe convoca atitudes. Aliás, aqui se situa uma das característicasmais surpreendente do caro amigo: sua capacidade expositiva.Leitor voraz de textos literários, sua escrita segreda mistériossempre revelados nas surpresas dos fins.

Apesar do nome DaMatta e de ter passado pela experiênciade trabalho com índios, nosso convidado de hoje se caracteri-za por ser antropólogo urbano. A constatação desta marca ofaz original, ainda que não solitário. Mas, pergunta-se, a que sedeve tal característica? As plurais respostas caminham pela agi-lidade em retraçar ligações entre o tradicional e o moderno, ooral e o escrito, fazendo que nossos Zés Pelintras e PedrosMalazartes, donas Flores, Gabrielas, se componham comreflexões sobre a Internet, novelas e cinema. Reinventor de

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nossas tradições, não seria errado dizer que o professor Da-Matta transita como ensaísta exímio em todos os territórios dachamada cultura brasileira. Também cabe supô-lo como cria-dor da moderna mitologia da brasileiridade e como divulgadormaior da reflexão sobre o Brasil fora do Brasil. Seus estudossobre o carnaval; malandros e heróis; sobre a ginga, o futebol ea capoeira; sobre relações de gênero e sexualidade, são de bri-lho consequente. Ele nos explica em complexidades esclarece-doras e para tanto deixo a palavra por sua conta a fim de faci-litar nosso debate sobre a atual política brasileira.

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Desafios da Democracia no Brasil:a questão do Estado, da Sociedade

Roberto DaMattaProfessor associado da Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro

É meu propósito discutir um assunto corrente, mas que surgeaqui e ali de modo não articulado, sempre como um problemalocalizado e dependente daquilo que chamamos, sem atentar-mos para o grau de voluntarismo contido na expressão, de “von-tade política”; ou de ausência de ética, sem – por seu turno –atentarmos para a enorme presença de moralismo negativo –esse moralismo que só vale para o adversário, lido como ini-migo – no nosso sistema.

Uma das maiores, senão a grande questão, quando se tentarealizar uma apreciação sociológica da ideologia brasileira e dopapel da democracia no Brasil, é o predomínio de uma pers-pectiva estatizante de todos os nossos problemas do próprioEstado...

Digo isso inspirado e informado pelas importantes obser-vações de Albert Hirschman, no primeiro capítulo de um es-quecido livro sobre o nosso continente, intitulado Latin Ameri-can issues: essas and comments (New York: The Twentieh CenturyFund, 1961).

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ensaios, conferências e comunicações

Nele, Hirschman observa que, na Europa, mais especifica-mente, na Alemanha e na Rússia, a percepção de atraso (ou doque entre nós convencionou-se chamar certamente pela proxi-midade com os Estados Unidos, de “subdesenvolvimento”) foiatacada com teorias nativas que eram tanto mais radicais, quantomais esse atraso era percebido pelas suas respectivas elites. NaAlemanha a reação veio na forma do romantismo, que enfatiza-va a impermeabilidade e a incomensurabilidade, bem como asingularidade dos valores e de cada “cultura”; no fundo, in-comparáveis entre si. Na Rússia, na forma de um “progressis-mo” ou evolucionismo social reducionista e ultradeterminadoque ultrapassava o melhor e mais ingênuo otimista Iluminista.

Na América Latina, entretanto, o foco dos ideólogos tem“se concentrado primeiramente no problema da organizaçãopolítica” (HIRSCHMAN, 1961, p. 5) e – digo eu – dentro des-ta organização, no seu lado mais formal: as leis e as instituiçõespúblicas ou estatais, tidas como panaceia para todos os malesporque elas eram certamente mais fáceis de formular.

A política do “como resolver” sem a discussão mínima eadequada “do modo pelo qual se vai resolver” e “com queinstrumentos vamos resolver” torna-se um refrão de todos es-ses sistemas, pois no primeiro caso, tudo o que é geral, é – emtese – correto e factível; mas, no outro, os obstáculos e dificul-dades locais têm que ser levados em consideração o que con-duz a um exame da sociedade.

Ora, é justo nessa visão de um Estado como sistema legalperfeito que tudo pode transformar por decreto ou com a cri-ação de um ministério devotado ao problema; e de uma socie-dade que guarda com as leis a distância respeitável, senão cau-telosa, que, temos a percepção de que tudo está errado ou nãotem jeito entre nós.

Essa ênfase no Estado como solução para tudo que é vistocomo problema leva a pensar qualquer questão social como

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um caso nacional, generalizando-o do local onde ocorre paratodo o país.

Eu chamo esse modo de ver as questões sociais ou políticasde “a recusa da linha amarela”. Refiro-me, evidentemente, àque-la visível e agressiva fita amarela, uma cor que, na cultura ame-ricana e no nosso mundo globalizado, representa atenção, cui-dado e alta carga de adrenalina, simbolizando covardia e fugacom a qual, entretanto, os investigadores cercam a cena docrime ou do acidente, de modo a isolar o lugar dos estranhos,seja para investigá-lo com detalhe e objetividade, seja para afastarquem não tem autoridade para assim proceder; seja, ainda, paraevitar vazamentos indesejáveis, pois no contexto de um siste-ma igualitário onde as repartições estatais (e seus funcionários)guardam certa distância entre si há aquilo que até hoje nãoaconteceu no sistema público brasileiro: a clara atribuição deresponsabilidade a chefes, diretores, ministros, reitores, dele-gados, etc... como administradores daquele pedaço do sistemasob sua jurisdição. Essa responsabilidade de ser obrigado a res-ponder pelo que ocorre com essas instituições sob seu coman-do, que é sem dúvida um dos desafios de nossa democracia. Enela eu incluo o direito da informação que faz parte de todacidadania democrática mas que jamais foi levada em conta noBrasil.

No Brasil, a ausência da linha amarela se caracteriza, entreoutros elementos, pela ausência de discussão de um lado cruci-al em qualquer sistema de autoridade democrático: o poder dediscrição (ou o poder discricional) dos agentes públicos que,nos países de tradição liberal, é uma figura legal tácita do seudireito ao exercício de sua autoridade com a devida legitimida-de e bom-senso, pois num estado governado por leis e nãohomens – ou “pessoas” (como ocorre no personalismo latinobrasileiro) –, a existência de uma consciência do recato, damodéstia, da prudência e, sobretudo do conflito de interesses

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na aplicação da lei que cabe ou está sob o controle de um agentedo Estado, denota a sua consciência dos limites do papel queele (ou ela) ocupa como um dado básico deste papel.

Uma consequência direta desta ausência é o absurdo de nãoresponsabilizarmos um diretor de presídio quando na carcera-gem sob sua administração são flagrados centenas de telefo-nes celulares! Ou quando um alto funcionário do Estado dizsimplesmente que não tem como controlar seus funcionáriosou agenda. Ou simplesmente diz que não pode saber devidoao tamanho do órgão que dirige.

Temos na ausência da delimitação da autoridade dos cargospúblicos um dos pontos mais importantes da intransparênciatípica do Estado brasileiro junto aos seus cidadãos. Pois se asautoridades estatais não tem senso de limites (de suas liberda-des e dos seus privilégios; dos seus deveres e obrigações en-quanto servidores da sociedade) não existe aquilo que se cha-ma de institucionalização.

Neste caso, são as pessoas que comandam o Estado e não oEstado que comanda as pessoas. Na primeira hipótese não hátransparência; ou melhor: toda busca de transparência gera umacrise de autoridade (como um Zé da Silva ousa interpelar umgovernador ou presidente da república?). E toda a solicitaçãodocumental de certidões de nascimento e documentos sobre oparadeiro de prisioneiros ou recursos é lida como uma ousa-dia. Quer dizer: se não soubermos como os funcionários públi-cos se enxergam a si mesmos neste sistema e se não investigar-mos a consciência do papel que desempenham, jamais teremospenetrado na zona escura que permeia a nossa ausência deuma cultura de transparência entre Estado e sociedade no Bra-sil. E a transparência é o ponto central da democracia liberal.

No Brasil e na América Latina recusamos, reitero, a linhaamarela. Se acontece um crime no Rio ou em La Paz, imediata-mente generalizamos o evento, tornando-o como um exemplo

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nacional de que algo vai mal não apenas no Rio ou em La Paz,mas em todo o país ou, às vezes, no mundo. Se, por outro lado,um funcionário deixar de atender a um cidadão num balcão deum posto de saúde ou de um banco estatal, o cliente-cidadãopode ser preso e indiciado por “desacato a autoridade”, con-forme advertem os avisos colocados nas paredes das nossasrepartições públicas.

É muito difícil, senão impossível, atribuir culpa a um funci-onário publico que pode ser alocado ou realocado em diferen-tes setores do governo e que, por lei, tem um elo vitalício como seu empregador. Eis um sujeito que não é uma pessoa físicaconcreta palpável, mas uma entidade abstrata, mas responsá-vel pelo mundo em que vivemos. Ademais, os “funcionáriospúblicos” não são meros empregados ou sócios do Estado,mas seus apêndices, já que têm com ele um vinculo vitalício efamilístico.

Neste sentido, os republicanos de 1889 ampliaram, com osseus sucessivos “estados” e “republicas” “novas”, os modelosdas velhas fazendas patriarcais, cujos empregados (ou escra-vos) pertenciam à família dos seus senhores e patrões na metá-fora e no eufemismo de serem “filhos” da “casa”.

Por isso estamos apontando como um desafio e um problematomar consciência da necessidade de discutir o papel dos empre-gados públicos e o empregado público como um papel social.

Tal atitude generalizadora que permeia a vida social brasi-leira justifica uma imediata responsabilização do Estado ou do“governo” (sobretudo do governo federal) pelo que assistimose interpretamos como uma dimensão palpável de seu descasopara com a cidade, o estado e a pátria. Para nós e raro, senãoimpensável, lidar com qualquer problema dentro de uma linhaamarela; como alguma coisa local, circunscrita a um bairro,uma categoria profissional, cidade, ou classe social. Como algoque sofreu um impedimento concreto quando foi aplicado ou

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implementado. Muito pelo contrário, sempre projetamos o lo-cal nacional e, assim, situamos todas as dificuldades (bem comotodas as soluções) no “Estado” que o representa (ou simboli-za) de modo exclusivo e, em seguida, no “mundo”.

Pela mesma lógica, jamais atribuímos responsabilidade jurí-dica e esses “funcionários-afilhados” do Estado que não sabe-mos bem se têm ou não consciência do seu papel não como“servidores públicos”, mas como “prestadores de serviços parao publico”.

Nossa tendência é generalizar ou universalizar os proble-mas, de modo que tanto o Estado quanto seus agentes fiquemisentos de responsabilidade. Sugerimos que essa ausência delimites e fronteiras entre estado e sociedade é um dos pontoscentrais do nosso processo de democratização. Em outras pa-lavras, o ponto central nesse desafio seria compreender pararedefinir os elos entre o estado (seus funcionários que o tor-nam como se fossem seus donos) e sociedade no Brasil.

Um dos traços mais evidentes da ideologia nacional latino-americana é essa visão certamente hegeliana e, talvez mais pre-cisamente, evolucionista, linear (e comteana) do “Estado” comoa unidade mais importante de nossos sistemas sociais. De fato,esse conjunto de crenças e praticas relativas às nossas coletivi-dades como “países” e “Estados-nacionais” é tão forte queinibe ao ponto de tornar invisível, o fato de que também somosmembros de sociedades e culturas fundadas na família e exten-sas e importantes redes de lealdade pessoas nascidas tanto nacasa quanto em algumas instituições publicas como escolas,grupos revolucionários, times esportivos, partidos políticos eassociações profissionais. Com isso, tendemos a situar o “Es-tado” como centro, resposta e solução definitiva para tudo oque entendemos como problema, certos de que responsabili-zando ou mudando o Estado, podemos continuar sem refor-mar – ou sequer criticar – as nossas redes de relações pessoais.

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Discuti e interpretei como essa dualidade entre “Estado” e“Sociedade”, uma dualidade não percebida pelos interpretes eestudiosos do Brasil, tem desdobramentos que impedem a vi-são de certos problemas, pois até hoje temos categorias sociaisque pertencem ao “Estado”, mas não à “Sociedade”, como osindígenas que se incluem no país por meio do território e nãopor costume ou cultura; como, no passado, tivemos categoriasincluídas na “Sociedade”, mas que eram marginais ao “Esta-do”, como os escravos.

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Penso que o estudo das identidades e das legitimidades cri-adas e engendradas pelo Estado é importante em qualquer exa-me de grupos territoriais que, como já faz tempo chamou nos-sa atenção Marcel Mauss, formam a “nação moderna” esoberana, governada por leis escritas e conscientes: essas enti-dades coletivas agenciadas pela ideia de que, além de seremindividualizadas, são também constituídas de indivíduos livrese autônomos.1

1 Essa dérmache, teórica que distingue “Estado” e “Sociedade”, país e cultura,cidadãos e parentes, indivíduos e pessoas, tem sido elaborada por mim aolongo de três décadas de pesquisas e reflexões. Ela é, obviamente, importantepara o desenho deste projeto. Devo essa perspectiva geral ao estruturalismode Claude Lévi-Strauss e a visão crítica sobre o individualismo moderno, bemcomo a desconstrução da noção de indivíduo como categoria sociopolítica, àobra Louis Dumont. Foi Dumont e o seu inigualável trabalho sobre a Índia e,por meio desta sociedade, sua crítica à modernidade ocidental que me for-neceu o modelo para o exame do Brasil como sociedade (mas também como“Estado-nacional”) realizado a partir de Carnavais, Malandros e Heróis: parauma sociologia do dilema brasileiro, publicado em 1979. Veja-se também o prefáciode A Casa & a Rua, publicado em 1985, para a minha percepção de que to-dos pais é mapa e conjunto de valores, com a sugestão de que alguns estudio-sos confundem a comunidade explicitada pelo território, moeda e Estadocomo nação como sendo mais importante e prioritária do que o seu outrolado, a comunidade social e cultural que ela, às vezes, engloba. O trabalho deMarcel Mauss sobre a nação (La Nación), provavelmente escrito em 1920 einacabado, encontra-se no tomo III de suas obras, publicadas pela Barral Edi-tores de Barcelona, Espanha, em 1972.

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Assim, enquanto a família nos faz, a nação moderna, aocontrário, é feita por nós – por nossas convicções e ações, pornosso trabalho e pelos tributos dele extraído.

Tomando parte em pelo menos duas coletividades, não dei-xa de ser curioso constatar que quando, falamos em “reforma”(esse termo de direita) ou “revolução” (essa boa nação de es-querda), a tendência é a de reduzir à comunidade nacional eseus problemas a apenas uma de suas dimensões. À dimensãodo Estado, com seus decretos, seus desenhos institucionais,seus ritos burocráticos e, sobretudo, a sua atribuição idealizadade “poder” que, na nossa paisagem ideológica, seria capaz detudo resolver, pondo em ordem a “realidade nacional”, caso –é claro! – o “Estado” fosse convenientemente tomado e/ougerenciado pelas forças políticas adequadas.

Tanto na América Latina, quanto no Brasil, discutir ques-tões nacionais para implementar a velha agenda positivistaou vitoriana do evolucionismo linear, essa agenda, alias,comum tanto à direita quanto à esquerda, cujas palavras deordem são progredir, crescer, diferenciar-se, modernizar-seou simplesmente cuidar e mudar, significa fundamental-mente transformar – e quase sempre transformar radical eimpiedosamente – o Estado, mas excluindo (esse é o pon-to) e freudianamente esquecendo a sociedade embora cer-tas categorias sociais privilegiadas sejam o seu foco e suaagência legitimadora.2

2 Nos anos 1960, falava-se num Estado reformista e nas “reformas de base”que iriam redimir o Brasil liquidando seus agentes “reacionários” e “alie-nados” como os grandes latifundiários, os coronéis e os tubarões da indústriae do comércio que, ao lado dos imperialistas ianques, espoliavam e exploraramo “povo” ingênuo a espera de uma agenda revolucionária, pois só o povocontava. Hoje o foco é o “pobre” como uma entidade generalizada, marcadapor uma inerente carência, pureza e santidade.

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É minha tese que esse englobamento da sociedade pelo“Estado” é o traço distintivo da ideologia nacional brasileira eda latino-americana, essa “estadofilia” (que certamente englo-ba uma, “estadomania” uma “estadolatria” e, eventualmenteuma “estadopatia”), é o elemento básico de nossas táticas eestratégias para lidar com o que percebemos como a grandeproblemática de nossos países, sempre estudados como tendocoletividades erradas, atrasadas, baseadas na ausência de nor-mas, rituais e regras bem marcadas.

Como se uma “casa” latino americana ou uma morada bra-sileira não fosse algo tão complexo quanto à ordem coletiva deuma França, Inglaterra ou Estados Unidos modernos e exem-plares. E, pior que isso, como se tais comunidades não tives-sem valores, culturas e, assim, conflitos entre os interesses danação e do Estado e os da sociedade e seus grupos. Ou, paraficarmos com o cotidiano, com qualquer coisa lida como cri-minosa, errada ou fora do lugar porque as normas idealizadasdo Estado ficam muito longe das rotinas socioculturais. As-sim, se entra um pedinte no restaurante onde comemos, a cul-pa é do neoliberalismo, adotado pelo Estado que nos empo-brece; se ocorre um acidente de transito, é porque o governonão providenciou a sinalização adequada; se os políticos no-meiam seus filhos, primos e mulheres para cargos públicos, éporque não temos leis adequadas para prever e coibir tais errosou abusos; se a corrupção é uma norma e ocorre em todos osgovernos, achamos que uma lei inteligente, promulgada peloEstado, poderia acabar com ela, colocando-a no seu devidolugar; se as pessoas não sabem o que existe contras elas numministério, é porque falta ao Estado a difusão da informaçãocomo um direito de cidadania.

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Em suma, diante de qualquer problema queremos uma leie, diante da lei, reclamamos ou chamamos por sua revogaçãoporque podemos cumpri-la ou honrá-la socialmente. Até hoje,não conseguimos escapar desta visão idealizada pelo Estado eda lei denunciada por Sérgio Buarque de Hollanda em Raízesdo Brasil e pelo Gilberto Freyre de Ordem e Progresso que obser-vava como a República de 1889 mudou tudo, mas sem se pre-ocupar com a preparação da sociedade para as mudanças queestava a promover, mudanças que obviamente afetavam e ge-ravam imprevistas e múltiplas reações na sociedade.

Neste sentido preciso, a ser investigado como ponto capitalneste projeto, tudo se passa como se entre Sociedade e Estadonão existissem pontes, mediações ou alguma relação social-mente significativa. É como se entre Estado e Sociedade; apa-rato administrativo público com suas instituições, burocracias,funcionários e valores universalistas e igualitários; e valoressociais – as ideias implícitas, quase sempre essencializadas ounaturalizadas, que Rousseau dizia estarem inscritas não em bron-ze ou pergaminho, mas nos corações; essas normas que cons-tituem o que antropólogos chamam de estrutura ou de “cultu-ra”, não fossem entidades ou comunidades justapostas,entrelaçadas e implicadas uma na outra; como se não se refle-tissem mútua e sociologicamente. Como se não fossem as duasfaces de uma mesma moeda, que é a comunidade nacional re-velada (ou manifestada) em duas de suas dimensões básicas,mas de modo algum exclusivas.

Que, entre nós, latino-americanos e brasileiros, o Estado-nacional seja tomado como a única esperança, como o foco einstrumento exclusivo de mudança e de transformação, é umdesses axiomas culturais que, sugiro, devemos estudar, pesqui-sar e compreender.

Estaria isso ligado ao nosso passado de colônias rigidamen-te controladas por nossos países formadores, em constante luta

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contra os decretos emanados de Madri ou Lisboa? Ou seriaporque os nossos mitos de origem, apesar de suas diferenças,atribuem às agências coloniais um poder decisivo? Ou seriaporque tivemos elites poderosas e sagazes que, ao menos nocaso do Brasil, eram simultaneamente nobres, escravocratas ecapitalistas?

Eu não tenho elementos para uma resposta, mas adiantoque o fato de a América hispânica ser construída por meio demito de “conquista”, numa “libertação republicana bolivariana”;e o Brasil (a exceção à Espanha neste nosso cone sul) numa“descoberta”, deve ser algo simbolicamente importante, sobre-tudo quando essa “conquista”, “liberação” ou “descoberta”contrastam com a “fundação” dos Estados Unidos, feita porpais fundadores iluministas, doadores menos de leis que regulamcom precisão a vida social, e muito mais de princípios indica-dores de um novo modo de viver coletivo. Um estilo cívico devida, baseado no indivíduo-cidadão luteranamente condenadoà liberdade e à autonomia, princípios que para esses pais fun-dadores seriam, não custa repetir, universais e auto-evidentes.3

*****

3 A América Espanhola é fundada por uma “conquista”. Nela há um amalga-ma de missão civilizatória mais do que comercial; resistência nativa forte, poissuas populações locais tem uma extraordinária e inesperada sofisticação e sãodotadas de aristocracia, estado, ciência, calculo, cidades, etc... A Portuguesanão é nem uma América: é Brasil ou brasis, divididos em norte e centro-sul,mas fortemente centralizados. O mito de origem aqui é uma “descoberta” quevai se fazendo recorrentemente, na medida em que a sociedade portuguesa aliinstalada se auto-reconhece em suas coisas boas e ruins. Neste sentido, o Bra-sil não foi feito ou construído como ocorre com os Estados Unidos, cujo mitode origem é uma “fundação” por intelectuais-políticos, preocupados com obem-comum e não com uma aventura comercial como o que ocorria com asrepúblicas italianas e com a colonização portuguesa no Brasil como diz SergioBuarque de Hollanda.

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“Conquista” e “descoberta” não resolvem tudo, mas con-trastam radicalmente com uma “fundação”. Um desses contras-tes é que a “fundação” se baseia num contrato político entreiguais, o que inclui constituintes, gente elege representan-tes, não salvadores da pátria e, por isso os vigia; ao passo queconquista e descoberta excluem de modo contundente os nati-vos (lidos como negros, índios ou escravos, pobres, pré-huma-nos ou incivilizados e ignorantes – o “povo” em geral) e, comeles, a sociedade que até hoje situamos como coadjuvante denossos planos de transformação a serem atacados, incentiva-dos, inventados e gerenciados pelo Estado.

Do mesmo modo que os subordinados só tinham voz pelaboca dos seus patrões, esses patrões senhoriais de quem eramas pernas e os braços, o Estado é o lado forte, visível e concre-to da sociedade que, hoje, daria voz e olhos aos seus pobres ecarentes, governando para eles, pois somente eles precisam,como se afirma hoje em dia, de governo. Esse governo quecomo parte de um Estado onipotente, teria a missão de defla-grar a transformação da sociedade.

Excluída a sociedade local, lida como vítima (caso do mitofundacional da conquista) ou como um ator básico, mas passi-vo (caso do mito fundacional da descoberta), não surpreendeque todos os projetos de mudança – de direita, de centro ou deesquerda – tenham como foco invariável o Estado e a sua co-letividade visível, o “governo” que, pelo menos no caso brasi-leiro (e, suponho, de toda a América Latina), constitui a suafaceta pessoal íntima e mortal – a sua contrapartida manipulá-vel, expiatória e humana.4

4 Conforme sabemos, presidentes da República morrem, mas o Estado que elescomandam e mandam não. Esse paradoxo é sempre dramático na AméricaLatina em geral e a transmissão do cargo é lenta ou contestada porque há umaidentidade forte entre Estado e pessoa a seu serviço.

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Se o Estado é, pois, como o Deus-Pai, intocável na sua oni-potência e terrível no seu poder; o governo, como Deus-Filho,é uma comunidade humana e, muito embora, fruto do Estado-nacional e dele dependente, seria tanto quanto nós, sujeito asofrimento, morte, mentira, doença e engano. Se o Estado ater-roriza com suas leis pétreas e suas constituições feitas para durareternamente e para equacionar juridicamente todos os “pro-blemas sociais”, pois entre nós são as Constituições que são“cidadãs”; o governo personifica essas leis, podendo perseguirou simplesmente intimidar. Se o Estado é uma máquina impla-cável e anônima, com razões que a sociedade desconhece, ogoverno tem nome e cara: é de fulano ou sicrano, pode serforte ou frouxo; burro ou inteligente e até mesmo ladrão, cor-rupto, estúpido, tecnocrático e, quem sabe, eu já não digo ho-nesto porque minhas esperanças ficam cada vez menores, aomenos sincero.

Por definição, o Estado – e eu, é claro, estou pensando noEstado moderno, republicano, dotado de mercado e dessa com-petição eleitoral liberal que para muitos é uma imoralidade – éweberianamente universalista, impessoal, cívico e, entre nós,distante (no Brasil, ele foi significativamente isolado numacidade ideal: Brasília), constituído por leis conscientementeescritas e promulgadas, no mais das vezes, à revelia e a des-peito da sociedade. Nesse nível, então, o Estado se confundeou reifica na sua concretude territorial, em sua soberania e emsuas fontes de identidade, com a sua expressão simbólica: anação, que não se expressa mais no nome de família ou na corda pela, mas na bandeira, hino, moeda e vida pública em geral.

Já o governo é uma espécie de conta de chegar entre esseconjunto idealizado e externo de normas (que ninguémconhece e entende) que ficam entre um paraíso jurídico,onde tudo é formal e perfeito (como sabem bem os minis-tros do Supremo) e a realidade contraditória, concreta e vital

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ensaios, conferências e comunicações

decorrente da sua aplicação. Essa realidade que a todo mo-mento nos aponta para uma perturbadora distância entre oético e o legal, pois em nossos países, como já apontava em1936, Sérgio Buarque de Holanda, nem sempre a lei segue osenso comum ou até mesmo os costumes estabelecidos.

Para nós, portanto, apesar de todas as mudanças, o Estadocontinua tendo razões que a sociedade – sempre “atrasada”,mal formada, despreparada, reacionária ou explorada sem sa-ber – obviamente deve ignorar.

A resistência ao liberalismo na América latina está obvia-mente ligada aos limites econômicos e jurídico-políticos im-postos a uma ideia de Estado todo-poderoso (e a sua impo-nente “nação”), pelas regras triviais do não gastar mais do quese ganha, do equilíbrio entre meios e fins e, pior que isso, pelodireito à igualdade e à liberdade individual. Ora, é justamenteessa “racionalidade” que alguns estados da América Latina sómuito recentemente adotaram, mas não sem má vontade ouresistência. E já se pensa em reformá-los ao contrário. Mas seo Estado pode prosseguir relativamente inatacado e insuladoem suas leis, o governo é o seu calcanhar de Aquiles. Pois elesempre revela os seus parcos recursos, a sua pobre e, às vezes,desonesta estratégia de poder, e o seu pessoal não especializa-do ou qualificado e até mesmo uma estupenda humanidade,sempre envolta em contradições, pois, no poder e no Estado,tudo muda.5

5 A visão personalizada do estado enquanto governo de alguém surge com niti-dez na literatura. Ela vai dos coronéis rebelaisinanos de Jorge Amado, a roman-ces de Mario Vargas Llosa e do laureado Gabriel Márquez. Isso é muito clarono livro de García Márquez, O outono do patriarca. Talvez pela sua amizade efidelidade ao ditador Fidel Castro de quem, quando numa visita à Colômbia,Garcia Márquez foi guarda-costas. Os críticos americanos não entendem comose pode falar de um déspota com um algum senso de compaixão e humanidade.(cont.)

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O Estado é reiteradamente visto como infinito. Para nós,ele é o demiurgo daquilo que se convencionou chamar de “von-tade política”. Para ele, ainda se diz, tudo é possível. Já o go-verno sempre remete às limitações humanas que a perspectivaestatal (e nacional) tende a ignorar. Assim, o Estado com típicaonipotência e no seu tradicional dever de corrigir e educar asociedade, sempre diz “não pode!”. Mas o governo sendo, comosempre tem sido pelo menos no caso do Brasil, particularista,personalizado e pessoalmente alcançável pela nossa rede deelos pessoais, diz um amistoso e apologético “infelizmente nãopode” ou, mais frequentemente, “no seu caso, dá-se um jeito!”

Espremida entre essas concepções até hoje pouco percebi-das e sequer criticamente consideradas, a sociedade fica tãoinvisível como a mortadela de um sanduíche barato. E atuacom tanta indecisão quanto um adolescente diante das suaspossibilidades profissionais. O resultado é que ela fica semprede fora, como um hóspede obviamente importante, mas nãoconvidado, enquanto nós, com fúria elitista, propomos as taistransformações radicais do “sistema”. Essas mudanças que vãofinalmente transformar o Estado num instrumento destinadoa aperfeiçoar e a corrigir a sociedade, como faz prova a nossaconturbada história republicana.

É essa curiosa ausência da sociedade na discussão da pro-blemática nacional que produz a demanda ou apoia leis tãodistantes de suas práticas diárias, que o seu desenho aparececomo pérolas jurídicas belíssimas, mas impossíveis de seremseguidas.

(cont.) Essa humana e paradoxal compreensão que é um dos componentes maiscruciais das culturas e sociedades latino-americanas, frequentemente encapsu-la como “simpatia” e que, como a “saudade” brasileira, faz ponte entre todasas ideologias e não pode, por definição, estar presente no desenho do Estadomoderno e racionalista, iluminado pelos enciclopedistas do século XVIII, masque, obviamente, está presente no seu funcionamento.

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São as leis que a própria sociedade diz que quer mais quepor contrariarem práticas sociais rotineiras, “não pegam”, como,por exemplo, as que mandam ocupar cargos públicos somentepor concursos. Ou as que promulgam a igualdade de todos –um princípio constitucional que convive – esse é o caso doBrasil – com uma coleção vergonhosa e jamais discutida de“leis de prisão especial”, um grupo de prerrogativas que facul-tam a acusados, portadores do título de bacharel, membros deparlamentos locais e nacionais, ex-ministros, delegados de polí-cia etc., um tratamento diferenciado para os crimes que praticam.

Essa visão diferenciada do Estado e da sociedade; da naçãoe do governo; permite descobrir outro traço igualmente carac-terístico que deve ser discutido.

Refiro-me a crença, até hoje vigente no Brasil, segundo aqual seria suficiente mudar a lei, criar o estatuto jurídico pararesolver a realidade social ou cultural. Assim sendo, um dadorecorrente da nossa história política é a crença quase infantilde que podemos “solucionar” a sociedade juridicamente, ape-nas pela mudança do seu desenho institucional, criando den-tro de nós a França, a Inglaterra ou os Estados Unidos, masobviamente sem franceses, ingleses e americanos para seguir ehonrar as leis e as instituições. O problema é que, ao lado dasnormas impessoais e universais do Estado, existem inúmerasmanifestações da sociedade. A questão capital é que as normase códigos informais ou implícitos vigentes dentro do sistemanão são apreciados ou levados em conta quando abrimos osolhos para a vida nacional enquanto sistema político. Com isso,criamos leis que valem para a nação e para o Estado, mas quesão inválidas para e na sociedade.

Um dos melhores exemplos desse tipo de “legislação” é oque vigora no ilegalismo paradoxal do jogo do bicho, uma for-ma de jogo de azar aceita culturalmente no Brasil, forma dejogo ligada ao um simbolismo dos animais que, como mostrei

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num livro escrito com Elena Soárez, constitui um verdadeirotesouro ideológico.6

O caso oposto, de “regras sociais” aparentemente intrusi-vas, que não valem para o Estado e para a Nação, são as nor-mas que governam os elos amigos, no reinado da “casa”. Le-gislação tão importante e forte, que tem um caráter preciso,quase axiomático e que parecem operar também no universosério e consequente do estado.

Assim, no Brasil, sabemos que:a) Amigo de amigo é amigo;b) Inimigo de amigo é inimigo;c) Mulher de amigo é homem;No que resulta no aforismo ético de um liberal radical, Nu-

nes Machado, um dos líderes de uma “revolução” republicana,que dizia:

d) “tenho coragem para tudo, menos para resistir ao pedi-do de um amigo”, e no formidável e revelador:

e) Aos inimigos, a lei; aos amigos, tudo.Axiomas de uma “sócio-lógica relacional” que, por ligarem

igualdade e hierarquia; holismo e individualismo; particularis-mo e universalismo; o Estado, culto, legalista e nacional, e opovo ignorante, anarquista, bestializado e local; são até hojeuma fonte de embaraço entre nós, modernos e democratas,pois constituem como sugeri em alguns dos meus trabalhos, aargamassa do clientelismo e do nepotismo que singularizam onosso uso característico do espaço e da coisa pública, numhibridismo institucional que, mesmo lido com a mais abertarazão romântica e culturalista, pouco tem de esplendoroso epositivo.

6 Veja-se Águas, burros e borboletas: um estudo antropológico do jogo do bicho.Rio: Rocco, 1999.

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Um hibridismo que revela o lado cruel desse nosso pendorum tanto leviano de criticar apenas o Estado e o governo, dei-xando de lado o olhar crítico relativamente a sociedade e osseus valores.

Reitero, pois, que o sistema se caracteriza justamente poressa sistemática cegueira diante do papel e do poder da socie-dade junto ao aparato do Estado moderno.

*****

O fato é que temos sido sempre formalistas, pondo todas asnossas esperanças no Estado, sem levarmos em conta a socie-dade, com suas práticas humildes e sua força invisível – aquelepoder moral não escrito mas que permeia tanto quanto o Esta-do, com sua pompa e suas razões explícitas, quanto o nossocomportamento mais íntimo.

Aliás, esses elos entre Estado e sociedade engendram, comonão poderia deixar de ser, uma mestiçagem que decorre de umprocesso aculturativo bem conhecido, mas cujos resultados sãosempre e inevitavelmente diferenciados dependendo de ondeocorre. O processo tem uma simplicidade que lembra muito oviés econômico do utilitarismo e da racionalidade hobbesiananele contida.

A história, que uso aqui como mera ilustração, segue assim:Um centro de difusão localizado no Ocidente capitalista,

individualista e liberal espalha, como um tufão, valores e insti-tuições – por exemplo: progresso, civilização, igualdade, meri-tocracia, sinceridade política, eleições diretas, alternância nopoder, estabilidade monetária e crescimento econômico – comdois pressupostos. O primeiro é que nenhuma delas pertence aum mundo particular de significados e de implicações sociaisonde eles foram inventados; o segundo é a crença pueril deque todas essas coisas entram ou caem num espaço vazio derelações, valores e ideologias; ou, pior que isso, que elas estão

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prontas a serem entendidas onde quer que venham a ser ensi-nadas ou adotadas.

O caso brasileiro, conforme tenho insistido na minha obra,caracteriza-se pela combinação curiosa, criativa e, às vezes,perversa entre um igualitarismo individualista cívico adotadopelo Estado, combinado a uma organização social aristocráti-ca, personalista e hierárquica vigente na sociedade. É fácil criarno Estado e na Nação, instituições avançadas e igualitárias pordecreto. O complicado é honrar essas normas porque não sepreparou a sociedade para essas dádivas que nossos caudilhos,presidentes e ministros nos deram de todo o coração em nomeda democracia e do progresso.

O resultado desses amálgamas desemboca inevitavelmentenos vários personalismos (e nos conflitos por eles engendra-dos) tão nossos conhecidos. No plano social, no personalismoautoritário dos nepotismos e clientelismos, nas suas pequenase grandes perversões. Das corrupções corriqueiras, como nãoobedecer aos sinais de trânsito; às mais vulgares apropriaçõesda coisa pública.

No plano político, esses amálgamas surgem no eterno re-torno do “salvador da Pátria”, nesses surtos de messianismosegundo os quais existe realmente uma pessoa especial que fi-nalmente conseguiria conciliar esse Estado moderno tão siste-maticamente discutido e redesenhado como um ideal da Na-ção, com todas as práticas sociais a que nós obviamenteresistimos porque, em parte não entendemos; em parte nãoqueremos transformar.

Não deveria, então, surpreender que a nossa paisagem soci-al seja assolada por todo o tipo de corrupção política. De des-vios de uma norma igualitária que a sociedade não consegueseguir. Como hóspede não convidado, ela serve para desmora-lizar o liberalismo; por outro lado, ela confirma como o culpa-do tudo aquilo que chega pelas mãos impessoais e portanto

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impiedosas do Estado. Esse Estado nacional que pede que se-jamos cidadãos, quando o que queremos é continuar sendofilhos de boas famílias.

Chegamos, pois, a este milênio sem compreender bem queo Estado só tem razão de ser em função da sociedade do qualfaz parte. E que a sociedade só pode sentir-se legítima, com oaval da máquina estatal que administra sua segurança, suaeducação, sua justiça e seus conflitos e, assim, minora, suasdiferenças.

Exageros à parte, o fato concreto é que, até hoje, com todaa sofisticação que existe na esfera pública, pouco se fala dasociedade e muito, do Estado. Ou melhor, só se fala de socie-dade reduzindo-a à categoria de “povo”, de “pobre” ou de“oprimido”; e só se fala de Estado travestido de novos progra-mas e projetos que este “Estado” deverá consertar.

Não tenho dúvida de que as reformas do Estado são bási-cas. Mas também não tenho dúvida de que, por serem inspira-das na agenda Ocidental, que é igualitária e individualista, es-sas reformas tenham que romper com paradigmas hierárquicose pessoais vigentes e importantes em nossos sistemas, o que –a história recente dos nossos países é meu testemunho – não énada fácil.

Na minha obra, procurei mostrar como um ritual autoritá-rio, como o “você sabe com quem está falando?” tem sidouma reação aculturativa – um modo inevitavelmente local (ounativo) de integrar ideais divergentes: uma igualdade públicalegal, mas não habitual, imposta pelo Estado, com uma costu-meira hierarquia fundada e praticada no universo da “casa” eda família, vigente na sociedade.

Sociedade, aliás, que ainda é a fonte mais forte de identida-de social permanente e confiável num Estado nacional que jáfoi reino, monarquia absolutista e constitucional, RepúblicaVelha, Estado Novo, democracia liberal, regime parlamentar,

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autocracia militar com Congresso controlado, Nova Repúblicae hoje se consolida, parece, como um Estado liberal. Socieda-de que continua servindo o mesmo almoço de domingo, numEstado que foi ordenado por pelo menos seis constituições e,nos últimos 50 anos, por cinco moedas nacionais (mil-réis, cru-zeiro, cruzeiro novo, cruzado e real); e por uma burocracia quecorre tanto atrás do chamado trem da modernidade, que, umdia, inventou um Ministério da Desburocratização.

Como mostrei num livro escrito há exatamente três déca-das (Carnavais, malandros e heróis), esse “Você sabe com quemestá falando?” não é sinal de ignorância, subdesenvolvimento,ausência de limites ou de irracionalidade. Muito pelo contrá-rio, o personalismo é absolutamente racional nos quadros deum sistema que contempla mais a lealdade pessoal e a hierar-quia do que a igualdade e a obediência a normas impessoais eabstratas.

De fato, numa sociedade dinamizada por valores aristocrá-ticos, a adoção do igualitarismo pelo seu Estado é equivalentea uma traição. Ela é equivalente a mostrar a um governanteque ele deve seguir as regras, a um partido de oposição quenão se constrói uma nação moderna (feita de cidadãos), semum acordo básico sobre alguns princípios básicos; ou a todosos radicais que ser eleito não equivale a tomar despoticamenteo poder. E, por fim, mas não por último que o poder, tal comoele concebido pela ideologia latino-americana tem além de ca-pacidades, limites.

O “Você sabe com quem está falando?” obriga a lembraruma espécie de ética perdida no momento mesmo em que oEstado adota a igualdade como princípio exclusivo. No fundo,trata-se da sociedade lembrando à nação que ela é feita deamigos e parentes; e que a obediência cega a norma igualitá-ria conduziria a uma tragédia: a parda da lealdade dos amigose do amor dos parentes. Quem deve ter mais valor? A honra, o

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respeito, a confiança e o amor pelos amigos: ou a competição,a disputa e a competência baseada no mérito, no princípio doquem chega primeiro é atendido primeiro – que finalmenteestabeleceu a igualdade todos perante a moeda – e na liberda-de de escolher? Penso que, graças ao Plano Real e a sua conti-nuidade por mais de uma década, a igualdade pode estar pres-sionando para a eliminação desta duplicidade.

Meu segundo ponto, diz respeito a esse mesmo problemavisto, entretanto, por outro lado. Pois o que o meu estudo do“você sabe com quem está falando?” mostra não é simples-mente o poder de uma cultura imutável, mas o entrechoqueentre valores estabelecidos e ideais importados que entram nasociedade com o aval e a força do Estado.

É justamente por não darmos o devido valor à sociedade epor superestimarmos o poder de mudança do Estado, que aca-bamos ficando com nações com uma autoestima abalada. Pois,situando no Estado todo o peso da mudança, o que assistimosem todos os nossos países, é ao uso do Estado pelos gover-nantes que elegemos para mudar a sociedade, utilizando o pró-prio Estado como um meio de aristocratizar-se e, assim, aca-bar pertencendo àquelas aristocracias que eles tanto queriamliquidar ou subverter.

Uma das maiores fontes de decepção com o Estado-nacio-nal na América Latina é justamente essa ingenuidade relativa-mente ao poder dos valores. Ao papel intrusivo dos valoreslocais nos projetos de cunho universalista.

Seria, então, impossível mudar?Claro que não. O que essas instituições nos dizem, dei-

xem-me acrescentar como ponto final, é que não se podeconstruir um regime igualitário, dinamizado pela caótica ra-cionalidade de interesses individuais, por meio de um edifíciorígido como o de um Estado que a nossa sociedade destila eprojeta como ideal. Pois num certo sentido, um Estado feito

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por leis imutáveis, por estatutos jurídicos minuciosos e por umaautoridade indiscutível é um Estado engessado. É um aparelhoavesso ao dinamismo que o igualitarismo e a fraternidade re-querem e desejam. Tal Estado duro, rígido, centralizado, compoderes menos curativos do que preventivos seria no fundo,um modo de promover o fracasso do igualitarismo e pior queisso, seria um promotor crônico de ilegalidade.

Sendo assim, penso que o caminho a seguir seria discutirmenos regimes legais e desenhos instituições do Estado, e pen-sar com mais intensidade a operação da sociedade. Aquilo quesomos como sociedade deveria ser o condutor para as institui-ções do Estado. Essa é a razão e o centro deste ensaio que vemposicionar a nossa pesquisa.

Só assim, sugiro, criaremos nações autênticas. Autênticasno sentido preciso de que, nelas, Estado e sociedade, leis epráticas sociais, instituições tradicionais e modernas, caminhamjuntos. Cada qual reforçando e dando confiança à outra.

Se o desafio da nossa modernidade é passar de parente acidadão, de povo sobre as pessoas comuns, de predadores afilantropos, de patrões personalistas e representantes e diri-gentes preocupados com o bem comum, precisamos enxergara sociedade com suas etiquetas, seus valores e suas razões. Por-que, se o universalismo, o igualitarismo e o mercado vieram defora, a hierarquia e a lealdade aos amigos é nossa. Ignorá-lasapenas agenda o seu retorno nas roupagens autoritárias e nosconflitos e frustrações que conhecemos bem demais.

Muito Obrigado!

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Trabalhos premiados no SINCTEC 2012

PIBIC – Ensino Médio

Escola de Ciências da Saúde

1° Lugar

TÍTULO: Estratégias educativas direcionadas à prevenção econtrole da dengue em escolas públicas localizadasno Município de Belford Roxo, RJ

ORIENTADOR: Sergian ViannaALUNO: Maria Karolinae Nazareth SantosCURSO: Biologia2° Lugar

TÍTULO: Rearranjo do citoesqueleto como parâmetroORIENTADOR: Willian Fernando ZambuzziALUNO: Lucas Stumpf de AraújoCURSO: Odontologia

Escola de Educação, Ciências, Letras,Artes e Humanidades

1° Lugar

TÍTULO: O “olhar” do estudante secundarista sobre asRelações Internacionais

ORIENTADOR: Adjovanes Thadeu Silva de AlmeidaALUNO: Marcos Paulo Rangel da SilvaCURSO: História

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2° Lugar

TÍTULO: Letramento digital do professor de Língua Portuguesa:A web como espaço de ensino-aprendizagem

ORIENTADOR: Solimar Patriota SilvaALUNO: Higor Moura BocafoliCURSO: Letras

Escola de Ciências Sociais Aplicadas

1° Lugar

TÍTULO: Relações entre Moda, Arte e Design: analogias formaisORIENTADOR: Rita de Cássia Quintanilha MoucoALUNO: Clara dos Santos LopesCurso: Moda2° Lugar

TÍTULO: As instituições de ensino nas redes sociais:um estudo de caso do Facebook

ORIENTADOR: Fernanda Félix da SilvaALUNO: Larissa Carvalho da SilvaCURSO: Design Gráfico

PIBIC – Graduação

Escola de Ciências da Saúde1° Lugar

TÍTULO: Estudo da associação do número de StreptocopccusMutans com a presença de fatores de sco em umgrupo de crianças que participam de um programade atenção precoce à cárie dentária

ORIENTADOR: José Massao MiasatoALUNO: Amanda Rodrigues LimaCURSO: Enfermagem

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ensaios, conferências e comunicações

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2° Lugar

TÍTULO: Análise de MMP’s em lesões periapicaisORIENTADOR: Thais Accorsi MendonçaALUNO: Joelcio Francisco Teixeira RodriguesCURSO: Odontologia

Escola de Educação, Ciências, Letras,Artes e Humanidades

1° Lugar

TÍTULO: A proposta de uma nova moral na obra de DomingosRibeiro Filho

ORIENTADOR: Angela Maria Roberti MartinsALUNO: Leonice da Rocha SoaresCURSO: História2° Lugar

Título: Interatividade nos estudos da Antiguidade e doMedievo: Migrações, pilhagens, assentamentos eocuações godas

ORIENTADOR: Uiara Barros OteroALUNO: Carlos Fernando Vares RaposoCURSO:História

Escola de Ciências Sociais Aplicadas

1° Lugar

TÍTULO: Gestão internacional de pessoas: políticas nassubsidiárias de multinacionais brasileiras

ORIENTADOR: Patricia Asunción Loaiza CalderonALUNO: Hosana Maria de SouzaCURSO: Administração2° Lugar

TÍTULO: Análise dos impactos logísticos causados pelaimplantação do Arco Metropolitano nos munícipiosda Região Metropolitana

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ORIENTADOR: Alessandro de Santana Moreira de SouzaALUNO: Quésia da Costa GomesCURSO: Logística

Menções Honrosas

TÍTULO: Metodologia alternativa para síntese da acetanilidaverde

ORIENTADOR: Edson Ferreira da SilvaALUNO: Rodrigo Pierre Freire Araujo GouyESCOLA: Ciência e TecnologiaCURSO: Química

TÍTULO: Modelo matemático para estimar a resposta glicêmicados alimentos

ORIENTADOR: Emerson Moreira ReisALUNO: Carlos Jorge Correa LopesESCOLA: Ciências da SaúdeCURSO: Medicina

CDC e QCiência1° Lugar

TÍTULO: Linguagem audiovisual e literatura brasileira noensino médio: mediações e intertextualidades

ALUNO: Fabrinni Meireles2° Lugar

TÍTULO: Caracterização da atividade cineclubista em Duque deCaxias

ALUNO: Diego Soares3° Lugar

TÍTULO: João do Rio e suas histórias de carnaval durante asprimeiras décadas do século XX

ALUNO: Fábio Dias Pecly

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ensaios, conferências e comunicações

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