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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS

Meu quintal é maior que o mundo...

Da configuração do espaço da creche à constituição

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Meu quintal é maior que o mundo...

a configuração do espaço da creche à constituição de um lugar dos bebês

Luciane Pandini Simiano

0

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

a configuração do espaço da creche à constituição

Luciane Pandini Simiano

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO

LUCIANE PANDINI SIMIANO

MEU QUINTAL É MAIOR QUE O MUNDO...

DA CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO DA CRECHE À CONSTITUIÇÃO

DE UM LUGAR DOS BEBÊS

Tubarão

2010

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LUCIANE PANDINI SIMIANO

MEU QUINTAL É MAIOR QUE O MUNDO...

DA CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO DA CRECHE À CONSTITUIÇÃO

DE UM LUGAR DOS BEBÊS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação

Orientador Christian Muleka Mwewa, Dr.

Tubarão

2010

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LUCIANE PANDINI SIMIANO

MEU QUINTAL É MAIOR QUE O MUNDO...

DA CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO DA CRECHE À CONSTITUIÇÃO

DE UM LUGAR DOS BEBÊS

Esta Dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Educação e aprovado em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, 16 de dezembro de 2010

_______________________________________

Orientador Christian Muleka Mwewa, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_______________________________________

Professora Maria Carmem Silveira Barbosa, Drª.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

_____________________________________________

Professora Vera Chacon Valença, Drª.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_____________________________________________

Professora Fátima Elizabeth Marcomin, Drª.

Universidade do Sul de Santa Catarina

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi construído entre vidas...

Vida solitária. Sentada em uma escrivaninha passando horas inteiras,

dias inteiros, fechada no quarto a “escovar palavras”. “Eu as escovava para escutar

seus sons e suas significâncias”. Hoje sei, “escovei palavras” por amor...

Vidas compartilhadas. Momentos únicos entrelaçados por afetos.

Pessoas especiais, “afagos de ternura que se abrem para os olhos”. Sem o auxílio

delas, nada teria sido possível. Por isso, quero agradecer:

À professora Carla Karnoppi Vasques, grande amiga, orientadora que

soube tão bem atender com sensibilidade minhas demandas. Integrando

conhecimento, afeto, comprometimento e generosidade, auxiliou, acreditou neste

trabalho, fazendo-me ver que “meu quintal” (percurso, trajetória) “é maior que o

mundo” (adversidades encontradas no caminho).

Ao professor Christian Muleka Mwewa, orientador que, gentilmente me

acolheu no final desta pesquisa, contribuindo, significativamente, com minha

possibilidade de “transver” caminhos e teorias.

À professora Maria Carmen Silveira Barbosa, pela disponibilidade de seu

olhar e pelas contribuições valiosas na qualificação deste trabalho. “O olhar segura a

palavra na gente...”

À professora Rosânia Campos pelas preciosas conversas sobre criança,

infância e educação infantil no inicio deste estudo. E às professoras Vera Chacon

Valença e Fátima Elizabeth Marcomin pela generosidade de suas palavras e pela

valorosa interlocução que incentivaram a delicadeza e a poesia neste trabalho. “O

olhar reforça a palavra...”.

Aos meus pais, Ivo Simiano (in memórian) e Lucia Pandini Simiano,

doutores nas coisas da vida. Eles que, mesmo sem “certezas científicas, ensinaram

coisas di-menor com a natureza”. Com vocês, aprendi mais do que sei: Aprendi o

que sou. “O melhor de mim sou eles”...

Ao meu marido, Carlos Eduardo dos Santos, amado companheiro, por

compreender, apoiar e estar ao meu lado disponível para sonhar. “O amor se explica

melhor por não haver razão nenhuma nele.”

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Aos meus irmãos, Marlene, Maricelma, Maristela, Fabiana e Samuel por

estarem sempre comigo, brincando e inventando “coisas que aumentassem o

nada”… Agradeço em especial a Maris, por tornar mais leve este percurso.

Aos meus sogros, Guido e Cléia, por me receberem como filha, pelo

carinho, boa vontade e colaboração para que eu seguisse meu caminho. “Se os

olhos veem com amor o que não é, tem ser,”

À querida amiga Léia, pela presença, por partilhar comigo este percurso e

sua amizade. Às amigas Teca, Rosa, Rose, Cris, Silvia, Malu, Márcia e Rô pelo

conforto e carinho doados ao longo do caminho. Obrigada por “renovarem homens

usando borboletas”.

Ao amigo Josuko (Josué Bittencourt) por dar forma, força e cor aos

poemas utilizados nas epígrafes deste trabalho.

A todas as professoras e profissionais do CEI Peixinho Dourado, em

especial à Adriana, pelas trocas de conhecimento, respeito e carinho com que fui

recebida.

E finalmente, às crianças, “que têm o dom de ser poesia”.... Agradeço, em

especial, aos bebês desta pesquisa que partilharam comigo suas brincadeiras, seus

olhares e seus lugares. Vocês com “desapetite em obedecer à arrumação das

coisas” me ensinaram a olhar com outros olhos...

A todos vocês, “doadores de suas fontes”, o meu muito obrigada!

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Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade [...] Se a gente cavar um buraco ao pé de goiabeira, lá estará um menino ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar um rabo de lagartixa.Sou hoje um caçador de achadouros da infância(BARROS, 2003).

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Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo

Se a gente cavar um buraco ao pé de goiabeira, lá estará um menino ensaiando subir na goiabeira.

ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar um rabo de lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros da infância [...]

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SIMIANO, Luciane Pandini. Meu quintal é maior que o mundo... Da configuração do espaço da creche à constituição de um lugar dos bebês. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2010.

RESUMO

A presente pesquisa tem por tema a educação infantil. Por foco, a configuração do

espaço da creche e o percurso constitutivo do espaço em lugar para os bebês.

Realizado em uma instituição pública do município de Tubarão, sul do estado de

Santa Catarina, o estudo tem como sujeitos um grupo de 10 bebês, com idade entre

quatro meses e 1 ano e 6 meses, e quatro adultos, duas professoras e duas

auxiliares. O estudo, de orientação etnográfica, tem por recursos investigativos

filmagens, fotografias e registros escritos diários, por um período de quatro meses.

Na análise, apostou-se no diálogo entre diferentes autores e perspectivas, como por

exemplo, Benjamin (1986), Tuan (1983), Wallon (1995), Winnicott (1975), Sarmento

(2004), Barbosa (2000) e Barros (2003). Como resultado, destaca-se a importância

de um espaço organizado para os bebês, porque o espaço educa, expõe ideias,

externaliza mensagens. O prédio, o mobiliário, os objetos e sua organização

potencializam ou limitam as aprendizagens dos bebês, pois correspondem a

padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende. No processo

de constituição social, psíquica, afetiva e cognitiva dos bebês, é necessário,

contudo, ir além do espaço físico, da materialidade, atentando para a ocupação e os

sentidos estabelecidos entre os bebês e adultos. Observou-se que o espaço da

creche se constitui (ou não) em lugar a partir das relações estabelecidas entre os

bebês e os adultos que ali convivem diariamente. Um lugar para ser, um lugar de

rastros e traços, um lugar de encontro, um lugar para brincar e para o encontro com

a narrativa do adulto. No presente estudo, esses são os lugares constituídos e

constitutivos dos bebês para ser, estar e viver a vida na creche.

Palavras chave: Educação Infantil. Bebê. Espaço. Lugar.

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Simiano, Luciane Pandini. My backyard is bigger than the world… From the nursery space configuration to the constitution of a place for babies. Dissertation (Master in Master´s Degree)-Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2010

ABSTRACT

This research is on the upbringing education. The focus is the nursery space

configuration and the constitution way from space into a place for babies. Performed

in public institutes in Tubarão, Santa Catarina, the study is about a group of 10

babies with age among one year and 6 months, and four adults, two teachers and

two assistants. This ethnography study, used investigative resources such as

movies, photos and diary written recorded for a period of four months. In the

analysis, dialogues between different writers and perspectives, for example,

Benjamin (1986), Tuan (1983), Wallon (1995), Winnicott (1975), Sarmento (2004),

Barbosa (2000) e Barros (2003) were the bet. As a result, stands the importance of

an organized space for babies because space educates, exposes ideas, externalized

messages. The building, furniture, objects and its organization, potentate or limit the

learning of babies, because it corresponds to cultural and pedagogical patterns that a

child internalizes and learn. In the social constitution project, mental, emotional and

cognitive of babies, is necessary to go beyond of physical space, materiality, paying

attention to the occupation and senses established between babies and adults. It

was observed that the space for nursery constitutes (or not) in a place from

relationships established between babies and adults that live there daily. A place to

be, a place with tracks and traces, a meeting place, a place to play and for the

encounter with the narrative of the adult. In the present study, this are the places

constituted and constitutive of babies to be, being and living life in the nursery.

Keywords: Upbringing. Baby. Space. Place.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Grupo dos bebês – Creche I .................................................................. 58

Fotografia 1 – A chegada da pesquisadora ............................................................... 63

Fotografia 2 – Parte vista aérea de um CAIC e Anfiteatro - Parte integrante

CAIC. ......................................................................................................................... 72

Fotografia 3 – Entrada: Prédio salas de aula e Pátio coberto e laboratórios. ............ 73

Fotografia 4 – Entrada: Anfiteatro e Entrada: Ginásio. .............................................. 74

Fotografia 5 – Pintura na entrada da creche e Cortina passagem para

instalações da creche. ............................................................................................... 75

Fotografia 6 – Corredor ............................................................................................. 75

Figura 1 – Recorte da planta baixa da sala do berçário encontrada na instituição ... 77

Figura 2 – Situação atual do espaço da sala dos bebês ........................................... 78

Fotografia 7 – Painel: Visão do adulto e Painel visão dos bebês .............................. 80

Fotografia 8 – Produção das crianças e Produção das crianças “Trânsito”.

“Primavera”. ............................................................................................................... 81

Fotografia 9 – Entrada sala dos bebês. ..................................................................... 83

Fotografia 10 – Momento alimentação. ..................................................................... 84

Fotografia 11 – Mesa adaptada para trocador de fraldas. ......................................... 86

Fotografia 12 – Pia e local de banho do banheiro dos bebês. .................................. 87

Fotografia 13 – Cesta de brinquedos e os brinquedos da sala. ................................ 87

Fotografia 14 – Área externa sala dos e Os brinquedos da área bebês externa ...... 88

Fotografia 15 – Pedro curioso frente ao espelho ....................................................... 89

Fotografia 16 – Maicon em frente ao espelho ........................................................... 92

Fotografia 17 – Maria Eduarda frente ao espelho ..................................................... 93

Fotografia 18 – Pedro aconchegando-se ao bichinho de pelúcia .............................. 95

Fotografia 19 – Augusto com sua bolsa .................................................................... 97

Fotografia 20 – Lívia nega mamadeira que não é sua .............................................. 99

Fotografia 21 – Augusto a sós com a camisola de sua mãe ................................... 101

Fotografia 22 – Maria Eduarda e sua mochila ......................................................... 102

Fotografia 23 – Vitor contemplando a vida além da cerca... ................................... 103

Fotografia 24 – Interação entre crianças na cerquinha .......................................... 104

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Fotografia 25 – Augusto e Maicon na cerquinha ..................................................... 106

Fotografia 26 – O olhar de Carolina e Elisa ............................................................ 108

Fotografia 27 - Pedro “escrevendo” uma carta ........................................................ 112

Fotografia 28 – Contextos de brincadeiras ............................................................. 115

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO OU SOBRE AS RAÍZES CRIANCEIRAS ..................................... 13

2 SÓ USO PALAVRAS PARA COMPOR MEUS SILÊNCIOS: UMA B USCA

PARA COMPREENDER A INFÂNCIA, AS CRIANÇAS E OS BEBÊS .................... 20

2.1 A INFÂNCIA E AS CRIANÇAS ............................................................................ 20

2.2 BEBÊS: QUEM SÃO? COMO SE CONSTITUEM? ............................................. 24

2.3 OS BEBÊS: UMA BUSCA PARA COMPREENDÊ-LOS ..................................... 28

2.4 A FUNÇÃO CONSTITUTIVA DA EDUCAÇÃO E CUIDADO COM CRIANÇAS

PEQUENAS .............................................................................................................. 30

3 A IMPORTÂNCIA DE UMA COISA HÁ QUE SER MEDIDA PELO

ENCANTAMENTO QUE A COISA PRODUZA EM NÓS: ESPAÇO E L UGAR,

DEFININDO CONCEITOS, AMPLIANDO CONCEPÇÕES ..................................... 37

3.1 A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: IMPORTÂNCIA DE UMA COISA... ............... 37

3.2 A CONSTITUIÇÃO DO LUGAR: MEDIDA PELO ENCANTAMENTO... .............. 45

3.3 “NOTAS SOBRE A EXPERIÊNCIA”: O ENCANTAMENTO EM NÓS ................. 48

4 EU ANDO POR AQUI DESDE PEQUENO: PERCURSOS INVESTI GATIVOS .... 54

4.1 SOBRE O ESTUDO EXPLORATÓRIO: UMA PLURALIDADE DE

CAMINHOS .............................................................................................................. 54

4.2 CAMINHOS METODOLÓGICOS: DÁ ESCOLHA AOS CAMINHOS

PERCORRIDOS... ..................................................................................................... 59

4.3 SELEÇÃO E ANÁLISES: REVENDO O VIVIDO ................................................. 66

5 TRANSVENDO O MUNDO: DO ESPAÇO À CONSTITUIÇÂO DO L UGAR ......... 69

5.1 UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DO ESPAÇO DE QUE ESTAMOS

FALANDO... .............................................................................................................. 70

5.2 (RE) CONSTRUINDO MEMÓRIAS: A CRECHE PEIXINHO DOURADO ........... 72

5.3 VER ALÉM: O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO EM LUGAR .... 89

5.3.1 Espelho: um lugar para ser .......................................................................... 89

5.3.2 Bolsas, mochilas e sacolas: um lugar de rastr os e traços ......................... 95

5.3.3 Cerquinha... um lugar na e para além da sala ............................................ 103

5.3.4 Sala: espaço de vivências e narrativas ...................................................... 107

5.3.4.1 Um lugar de encontro entre bebês .............................................................. 107

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5.3.4.2 Um lugar de narrativas ............................................................................... 111

6 EU NÃO CAMINHO PARA O FIM... CONSIDERAÇÕES PARA E STE TEMPO

DE ESTUDO ........................................................................................................... 118

REFERENCIAS ....................................................................................................... 124

APÊNDICE .............................................................................................................. 133

APÊNDICE A - Termo de consentimento ............................................................. 134

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1 INTRODUÇÃO OU SOBRE AS RAÍZES CRIANCEIRAS

Cavalinhos saltam dos tecidos. Correm pela imaginação. Bolas de gude

se transmutam em seres de uma comunidade própria. Bifes de folha despertam o

apetite pelo experimentar. Brincar. Fazer de conta. Um mundo que desconhece

limites e se reinventa a cada inst

caminhos.

Ao longo da minha trajetória de vida, deparei

instigaram a realizar esta pesquisa. Vivi minha infância em uma casa simples, com

terreno grande, cercado por gramado e quintal. Neste l

e mais cinco irmãos tínhamos poucas possibilidades materiais, porém elas não

limitavam as ricas experiências que fazíamos.

Recordo-me das brincadeiras de “cozinhadinho” realizadas entre os

lençóis que minha mãe pendurava no var

com privacidade. Das manhãs frias de inverno, quando

gramado onde batia sol e

acompanhado de pão caseiro com manteiga, picado em pedaç

nos alimentássemos pela manhã de um jeito diferente. Guardo na memória, o

cheiro, a textura macia e as figuras de cava

estendido no chão da cozinha para proteger

as bolinhas de gude do meu irmão. Possuindo cores distintas, surgindo em misturas

únicas, essas bolinhas eram facilmente transformadas por meu olhar em homens,

1 INTRODUÇÃO OU SOBRE AS RAÍZES CRIANCEIRAS

Cresci brincando no chão entre infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porse a gente fala a partir da experiência de criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássEntão eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e obliqua das coisas. Eu sei dizerpudor, que o escuro me ilumina [...

Cavalinhos saltam dos tecidos. Correm pela imaginação. Bolas de gude

se transmutam em seres de uma comunidade própria. Bifes de folha despertam o

apetite pelo experimentar. Brincar. Fazer de conta. Um mundo que desconhece

limites e se reinventa a cada instante. Um brincar de aprender que semeia

minha trajetória de vida, deparei-me com questões que me

a realizar esta pesquisa. Vivi minha infância em uma casa simples, com

terreno grande, cercado por gramado e quintal. Neste lugar minha mãe, meu pai, eu

e mais cinco irmãos tínhamos poucas possibilidades materiais, porém elas não

limitavam as ricas experiências que fazíamos.

me das brincadeiras de “cozinhadinho” realizadas entre os

e pendurava no varal do quintal para que pudéssemos brincar

as manhãs frias de inverno, quando uma manta era esticada no

gramado onde batia sol e sentávamos eu e meus irmãos para tomar café com leite

acompanhado de pão caseiro com manteiga, picado em pedaços miúdos para que

nos alimentássemos pela manhã de um jeito diferente. Guardo na memória, o

cheiro, a textura macia e as figuras de cavalinhos que ilustravam o edredom

estendido no chão da cozinha para proteger-me do piso frio enquanto brincava com

inhas de gude do meu irmão. Possuindo cores distintas, surgindo em misturas

únicas, essas bolinhas eram facilmente transformadas por meu olhar em homens,

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Cresci brincando no chão entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais

s coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir da experiência de criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e obliqua das coisas. Eu sei dizer, sem

...]. (BARROS, 2003).

Cavalinhos saltam dos tecidos. Correm pela imaginação. Bolas de gude

se transmutam em seres de uma comunidade própria. Bifes de folha despertam o

apetite pelo experimentar. Brincar. Fazer de conta. Um mundo que desconhece

ante. Um brincar de aprender que semeia

me com questões que me

a realizar esta pesquisa. Vivi minha infância em uma casa simples, com

ugar minha mãe, meu pai, eu

e mais cinco irmãos tínhamos poucas possibilidades materiais, porém elas não

me das brincadeiras de “cozinhadinho” realizadas entre os

para que pudéssemos brincar

anta era esticada no

sentávamos eu e meus irmãos para tomar café com leite

os miúdos para que

nos alimentássemos pela manhã de um jeito diferente. Guardo na memória, o

linhos que ilustravam o edredom

me do piso frio enquanto brincava com

inhas de gude do meu irmão. Possuindo cores distintas, surgindo em misturas

únicas, essas bolinhas eram facilmente transformadas por meu olhar em homens,

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mulheres e crianças, povoando um mundo criado em minha imaginação.

Patrimônio simbólico e afetivo construído por experiências únicas que

enriqueceram minha infância. Um lugar que sinto prazer de revisitar na memória. Ao

recordar-me destas cenas, sinto-me invadida por uma enorme sensação de

aconchego, segurança e lar, capazes de transformar o espaço do gramado, do

quintal e da cozinha daquela pequena casa, em lugares únicos, especiais.

Tais experiências, associadas às idéias de criança, infância e educação

infantil, que fui construindo ao longo de quinze anos de vida profissional e formação

acadêmica, acabaram me conduzindo ao Mestrado em Educação.

Retomo o passado. Quero compreender melhor esta trajetória. É

necessário acompanhar as reflexões e desdobramentos que marcaram a minha

caminhada como educadora, bem como das alternativas de trabalhos referentes à

educação infantil que se fundam ao longo do tempo. O ontem é a lanterna que

ilumina o hoje [...].

Em 1994, optei por cursar o ensino médio com habilitação no magistério

em Educação Infantil a séries iniciais do ensino fundamental. Ao tomar essa

decisão, logo saí em busca de um estágio na área. Minha primeira experiência

profissional, ao contrário de muitos, não se consolidou em um estágio, mas,

diretamente como professora de Educação Infantil. Naquela época, na rede

municipal de Tubarão, situada no extremo Sul do estado de Santa Catarina, a

formação exigida para ser professora desse nível de ensino, era o magistério do

ensino médio. Embora estivesse apenas iniciado esse curso, recebi uma

oportunidade para ser professora de uma instituição filantrópica mantida pela

prefeitura e igreja católica. Nas palavras da diretora da instituição, ela me deu esta

oportunidade porque parecia que eu “tinha um dom e que por isso levava jeito para a

coisa”. Hoje, parece absurdo contratar uma professora de apenas quatorze anos,

finalizando a oitava série do ensino fundamental, para trabalhar com um grupo de

trinta e duas crianças entre três e quatro anos na educação infantil. Porém, esse fato

não está dissociado das questões históricas de formação dos professores da

educação infantil. Apenas em 1996, com a Lei das Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, Lei 9.394/96 que a educação infantil -creches e pré escolas - foi integrada

ao sistema de ensino e se constituiu como primeira etapa da Educação Básica, por

isso, nessa época, as discussões em busca da qualificação do atendimento á

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qualidade na educação infantil estavam apenas iniciando.

Nesta primeira experiência, era professora de crianças que permaneciam

o dia todo na instituição. As crianças entravam às 7 da manhã e saiam às 19 h da

noite. Meu horário de trabalho era das 12h ás 17h perpassando aquilo que se

chamava de período intermediário. No período das 12h às 15h, as crianças

“deveriam” dormir. Colchões eram espalhados nas salas e todos deveriam ficar

durante três horas “dormindo”, independente de estarem com sono ou não. Lembro-

me do som de flauta doce colocado em volume alto e da voz autoritária da

professora que me “ensinava” como deveria agir para que todas as crianças

“descansassem”. Essa situação me causava, na época, certo incomodo, pois as

crianças não aceitavam passivamente as orientações dos adultos e transgrediam

constantemente aquilo que era imposto por eles. O momento do sono, que tinha

como proposta promover o descanso era um espaço de tensões e conflitos entre

crianças e professores. Mas, por estar apenas iniciando na profissão, tratei de

desenvolver o que me ensinavam e reproduzia o que era colocado pelos

“professores experientes”. O curso de magistério que frequentava paralelamente

servia para reforçar a concepção de criança passiva e submissa que era expressa.

Lembro-me das pastas de atividades, com desenhos e técnicas de “educação

artística” que eram organizadas com modelos de “trabalhinhos”. Essas pastas eram

repletas de atividades estéreis e modelos estereotipados. Nessas atividades, o

conhecimento era tido como algo pronto e o cotidiano se constituía em situações de

repetição e absorção de conteúdos que serviam para ensinar “coisas” as crianças

que, nessa perspectiva, haviam nascido incompletas.

Ao ingressar no curso de Pedagogia – em 1998, encontrei uma formação

bastante voltada à psicologia e às questões desenvolvimentistas1 Nessa formação,

as crianças geralmente eram consideradas como possuidoras de uma essência

comum cujos padrões de conhecimentos eram tomados como referências únicas.

Nessa abordagem, a intenção dirigia-se, quase sempre, à adequação das crianças

aos padrões de normalidade.

A maioria das orientações que recebíamos, naquela época, consistia no

conhecimento, análise e avaliação das aptidões. Em nome da normatização,

aprendíamos a agrupar e dividir as crianças de acordo com suas capacidades

1 Embora saibamos a importância das teorias clássicas da psicologia tiveram historicamente para o estudo, esta abordagem deixava de considerar a multiplicidade das relações e a sua interferência na constituição.

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cognitivas, como aqueles que “estão bem desenvolvidos, pois acompanham os

padrões estabelecidos para sua faixa etária” ou aqueles “que não apresentam o

desenvolvimento esperado e por isso estão atrasados”, necessitando de uma maior

“estimulação”. Isso fazia com que a criança fosse vista como alguém que apenas

estava capacitando-se para o ingresso na escolarização e a uma vida adulta e

produtiva. Uma vida entre parênteses.

Embora minha formação inicial apontasse para essas concepções,

minhas experiências com as crianças mostravam o contrário. As crianças

transgrediam toda a lógica normalizadora e mostravam que não cabiam em

“gavetas”, pois eram críticas, criativas e inventivas. Porém, naquele momento,

sonegava informações e tentava agir como uma “boa aluna” relacionando a ação

delas sempre a um determinado comportamento atribuído a uma faixa etária

específica.

Apesar da criticidade com a qual analiso minha experiência, relembro-a

como marca da minha iniciação profissional. Essa marca, por sua vez, foi

produzida/articulada com o momento histórico que vivenciávamos. Além disso, são

experiências que me possibilitaram repensar determinadas concepções teóricas e

pedagógicas que permearam meu percurso profissional e acadêmico. Em particular,

fui me incomodando e passei a questionar abordagens que reduziam e

simplificavam as crianças apenas à dimensão biológica dissociando-a de sua classe

social e cultural. Acredito que não existe uma única infância e nem uma única forma

de ser criança. É preciso assim, lançar olhares investigativos para a educação e a

diversidade cultural existentes nos espaços coletivos de educação. Esses são os

desafios deste projeto de pesquisa.

Segundo Sarmento e Gouvea (2008, p. 22), “as crianças são atores

sociais nos seus mundos de vida, e a infância se constitui em uma categoria

geracional, socialmente construída.”

Fundamento-me, assim, no reconhecimento da criança como sujeito de

direitos, ativo no processo de construção histórica. Essa concepção implica pensar

outra forma de pesquisar e construir conhecimento. Não cabendo compreender as

crianças e suas infâncias sob um ângulo de análise adultocêntrico, mas a partir da

lógica infantil.

O desafio que nos é colocado é aprender a olhar para as crianças e

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particularmente os bebês, sob uma nova perspectiva, não reduzindo a sua

capacidade de comunicação e expressão somente à fala, mas de estar atentos a

movimentos, olhares, gestos, sons, silêncios e várias outras linguagens. Ouvir, dar

voz e vez implica compreendê-los para:

[...] além das figuras retóricas, com intenção de falar dela consentindo a resposta, permitindo uma comunicação não só no verbo, mas também no gesto e no signo, no movimento e no caminho, no silêncio e no sintoma, e dando espaço e direito a tais linguagens. Para tanto é necessário abandonar uma técnica da palavra aculturante na qual se enreda a infância, e passar ao exercício de um ouvido refinado, uma perspectiva de mútua construção - adultos e não adultos - de competências expressivas e comunicativas em que o registro não seja o da vigilância e da captura, mas o da recíproca distribuição e da troca, do reconhecimento das mensagens e indícios expressivos em códigos muito variados, da legitimação dos sons e das pausas porque dotados de qualidade informativa. (BECCHI; BONDIOLI, 1994, p. 83).

Nessa perspectiva, é necessário desenvolver novas relações entre

adultos e crianças pequenas. Não a reconhecendo mais como um “vir a ser”, mas

como alguém que precisa ser valorado. Nesse processo, uma escuta sensível e

refinada é fundamental. Não apenas escuta de verbo, mas de diferentes linguagens

para conseguirmos substituir o “monólogo” pelo “diálogo” com os bebês. É preciso

compreendê-lo como “ser competente em sua inteireza, capaz de sofisticadas

formas de comunicação, mesmo quando bebê, estabelecendo trocas sociais com

coetâneos e adultos através de uma rede complexa de vínculos afetivos.” (FARIA,

1994, p. 213).

“Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e

oblíqua das coisas.” Retomo a metáfora de Manoel de Barros na epígrafe deste

texto. As raízes crianceiras do poeta parecem traduzir a necessidade de fazermos

mais “comunhão” do que “comparação” entre crianças, bebês e adultos. Entendo

que esta se coaduna muito bem com a busca de “dar a palavra à infância’ ou “vozes

às crianças pequenas”, deixar nossas certezas, verdades absolutas de lado e

construir estudos e pesquisas que falem dos bebês, com bebês e não somente

sobre eles. Para mim, esta memória nos faz o convite de retomar nossas próprias

raízes crianceiras. Deixar que o “escuro nos ilumine” e, só assim, sermos capazes

de conhecer um pouco mais a respeito dos bebês e de suas infâncias.

Além desse desafio, é necessário pensar também nos espaços coletivos

de educação e cuidado destinado às crianças de 0 a 3 anos, pois são neles que

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vivem grande parte de sua infância. Esses espaços geralmente são organizados,

exclusivamente, pelos adultos, não levando muitas vezes, em consideração os

sentimentos, ideias, gostos, preferências e sentidos produzidos pelos bebês que o

habitam. Assim, eles têm poucas oportunidades de constituir um lugar onde se

reconheçam e se sintam parte dele.

Dessa forma, esse espaço torna-se, muitas vezes, frio, distante e estático,

mesmo que esteja de acordo com os parâmetros legais de infraestrutura. O que

diferencia uma sala de bebês de uma sala das crianças de 3 anos? Será que

móbiles, espelhos e brinquedos sensório-motor dão conta de expressar um espaço

dos bebês? O que diferencia uma sala de bebês para outra sala de bebês? É levado

em consideração o que os bebês indicam para a organização dos espaços e

constituição dos lugares?

Espaços. Lugares. A presente pesquisa em educação atenta e observa os

brinquedos, o mobiliário, a arquitetura. Mas olha além e foca as relações, as

singularidades, as experiências. O delicado e sutil movimento do espaço se

constituindo em um lugar...

A instituição de educação infantil precisa contar a história do grupo de

crianças que o habita, expressando as singularidades dos meninos e meninas que

vivem cerca de doze horas por dia durante, cinco dias por semana de sua vida.

Nesse sentido, acredito que as instituições precisam ser para além de um espaço

que circunda o corpo. Elas precisam constituir-se para as crianças em um “lugar”

seguro e acolhedor que expresse sentido de identidade e pertença ao grupo que as

habita. Esse lugar, se assim for, será propício para o desenvolvimento de

aprendizagens significativas.

Parto do pressuposto de que o espaço das instituições de educação

infantil precisa ser entendido para além da dimensão física que o compõe, mas ser

também discutido sob a perspectiva de lugar, pois esse é produto da experiência

humana. Neste trabalho, a experiência é entendida como aquilo que nos passa, o

que nos acontece, o que nos toca. (LARROSA, 2001). O lugar é entendido como

um centro de significado, uma construção simbólica e subjetiva constituída pelas

pessoas que o habitam. O espaço vai configurando-se em lugar, à medida que

adquire uma pessoalidade.

Mobilizada por essas idéias e partindo da concepção dos bebês enquanto

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sujeitos ativos e competentes em seu processo de constituição, busco conhecer os

espaços de uma instituição pública de educação infantil do município de Tubarão,

sua organização, disposição, planejamento. Perceber como os bebês ocupam e se

relacionam nesses espaços. E como esse espaço se constitui ou não em lugares

para os sujeitos que o habitam. Tais questões, necessárias no contexto da

Educação Infantil, instigam-me a investigar e refletir.

Assim, a presente pesquisa possui as seguintes questões: Quais as

configurações físicas do espaço da creche? De que f orma os bebês e adultos

ocupam e se relacionam nesses espaços? Como a ocup ação e relações

estabelecidas no espaço constituem-se em lugares do s/para bebês?

No quadro dessas reflexões iniciais, elegi como objetivo geral:

compreender como se configura o espaço da creche e o percurso constitutivo

do espaço em lugar para os bebês. Os objetivos específicos do trabalho são:

descrever os espaços da creche considerando a sua e strutura física; observar

a ocupação e relação dos bebês e adultos com os esp aços; analisar como esta

ocupação e relação constituem lugares para/dos bebê s na creche.

Como estrutura deste trabalho, apresento no capítulo dois, “Só uso

palavras para compor meus silêncios: uma busca para compreender a infância, as

crianças e os bebês”, uma revisão teórica destacando aspectos relacionados à

concepção de infância, criança e constituição humana.

Já o terceiro capitulo, intitulado: “A importância de uma coisa há que ser

medida pelo encantamento que a coisa produza em nós: Espaço e Lugar, definindo

conceitos, ampliando concepções”. Busca conceituar o espaço e o lugar, categorias

fundamentais deste estudo.

No capítulo quatro, “Eu ando por aqui desde pequeno: percursos

investigativos”, apresento o processo de investigação, as trajetórias e implicações

metodológicas da presente pesquisa.

O quinto capítulo “Transvendo o mundo: análises do espaço e

constituição do lugar” apresenta recortes relacionados ao espaço e o processo de

constituição do espaço em lugar.

No último capítulo “Eu não caminho para o fim...” Considerações para

este tempo de estudo há um esforço de síntese que busca registrar a imagem do

que foi edificado ao longo do trabalho.

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2 SÓ USO PALAVRAS PARA COMPOR MEUS SILÊNCIOS

COMPREENDER A INFÂNCIA, AS CRIANÇAS E OS

O que é ser criança? Como vivem e pensam? O que significa

infância?São perguntas complexas para responder, pois não existem respostas

prontas.

Larrosa (2000

um olhar interrogador relativo à infância afirmando que “a infância é um outro

Pensar a infância como um outro é, justamente, pensar essa inquietação, esse

questionamento e esse vazio.”

Questionar. Indagar. Buscar esclarecimento.

da infância, da criança e do bebê. Dar importância, voz e vez aos seres tidos ao

longo da história como menores, incapazes, “desimportantes” é um exercício que se

fará presente, neste capítulo através da historicidade de conceitos e pesquisas.

2.1 A INFÂNCIA E AS CRIANÇAS

A discussão sobre a importância e o surgimento do conceito de

está presente em pesquisas nos campos de História, Sociologia, Antrop

Filosofia, Psicologia e Pedagogia sendo possível o entrelaçamento de diferentes

olhares e autores, entre eles, Árie

SÓ USO PALAVRAS PARA COMPOR MEUS SILÊNCIOS : UMA BUSCA PARA

COMPREENDER A INFÂNCIA, AS CRIANÇAS E OS BEBÊS

Só uso palavras para compor meus silêncios. Não

gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que dos mísseis. Tenho em mim um atraso de nascença. para compor meus silêncios [...]. (BARROS, 2003

O que é ser criança? Como vivem e pensam? O que significa

?São perguntas complexas para responder, pois não existem respostas

2000, p. 120) no texto intitulado “O enigma da infância”, constrói

um olhar interrogador relativo à infância afirmando que “a infância é um outro

infância como um outro é, justamente, pensar essa inquietação, esse

amento e esse vazio.”

Questionar. Indagar. Buscar esclarecimento. Procurar saber a respeito

da infância, da criança e do bebê. Dar importância, voz e vez aos seres tidos ao

da história como menores, incapazes, “desimportantes” é um exercício que se

neste capítulo através da historicidade de conceitos e pesquisas.

2.1 A INFÂNCIA E AS CRIANÇAS

A discussão sobre a importância e o surgimento do conceito de

está presente em pesquisas nos campos de História, Sociologia, Antrop

Pedagogia sendo possível o entrelaçamento de diferentes

, entre eles, Áries (1981), Benjamim (1984), Kuhlmann Jr. (1998)

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UMA BUSCA PARA

para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres

tos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que dos mísseis. Tenho em mim um atraso de nascença. [...] Só uso palavras

]. (BARROS, 2003).

O que é ser criança? Como vivem e pensam? O que significa

?São perguntas complexas para responder, pois não existem respostas

) no texto intitulado “O enigma da infância”, constrói

um olhar interrogador relativo à infância afirmando que “a infância é um outro [...].

infância como um outro é, justamente, pensar essa inquietação, esse

Procurar saber a respeito

da infância, da criança e do bebê. Dar importância, voz e vez aos seres tidos ao

da história como menores, incapazes, “desimportantes” é um exercício que se

neste capítulo através da historicidade de conceitos e pesquisas.

A discussão sobre a importância e o surgimento do conceito de infância

está presente em pesquisas nos campos de História, Sociologia, Antropologia,

Pedagogia sendo possível o entrelaçamento de diferentes

, Kuhlmann Jr. (1998) e

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Sarmento (2004). No Brasil, destacam-se as pesquisas de Rocha (1999), Barbosa

(2000), Kramer (2003), Cerisara (2004), Kohan (2007) e tantos outros que

contribuem para o enriquecimento desta discussão.

O termo infância deriva de uma palavra latina que nasceu pela primeira

vez há mais de vinte séculos. De acordo com Kohan (2007):

Um indivíduo de pouca idade é denominado infans. Este termo está formado por um prefixoprivativo in efari, “falar”, daí seu sentido de “que não fala”, incapaz de falar. Tão forte é o seu sentido originário que Lucrécio emprega ainda o substantivo derivado infantia, com sentido de incapacidade de falar”. Porém, logo infans – substantivado- e infantiasão empregados no sentido de” infante”, “criança” e “infância”, respectivamente.. De fato é esse sentido que se geram os derivados e compostos, todos de época imperial, como infantilis, “infantil” infanticidium”infanticídio” etc. (CASTELO; MARISCO, 2007 apud KOHAN, 2007, p. 100).

Os termos infância e criança no sentido semântico da palavra estão

relacionados a um estatuto de menoridade2. Esse estatuto remete à dependência e

à inferioridade das crianças com relação ao adulto, reunindo as crianças aos

incapacitados, a aqueles “que não tem” associando a concepção de “infância” ao

sentido de “falta”. Não tendo a intenção de dissertar sobre o surgimento da infância3,

mas de introduzir uma discussão a respeito da maneira como a infância e as

crianças, historicamente, são vistas, chamo atenção ao fato de que a própria palavra

infância vem carregada de sentidos e valores que reúnem as crianças aos não

habilitados, àqueles que são incompletos, pois são “incapazes de falar”.

As condições de ser criança e os modos de viver a infância não são e

nem sempre foram iguais. Para Áries (1981), durante a Idade Média, as crianças

não possuíam autonomia nem estatuto social próprio, sendo consideradas apenas

como seres biológicos agregados ao universo feminino até serem integrados

precocemente à vida adulta. Assim que pudessem ser menos dependentes dos

cuidados de uma pessoa mais velha e que adquirissem habilidade de andar e falar

as crianças, já eram integradas ao mundo dos adultos, participando de seus

afazeres, diversões, dos acontecimentos do grupo ao qual pertenciam. Isso ocorria

por volta dos três anos de idade.

Segundo esse autor, o sentimento de infância é um sentimento moderno, 2De acordo com Ferreira (2000b, p. 22), “O termo criança e infância entram em nossa língua carregados de uma polissemia, em que se encontra uma referência à arte da palavra e uma referencia ao estatuto Jurídico de inferioridade e de submissão” 3Para estudos mais aprofundados desse tema sugerimos ver Àries (1981), Kuhlmann Jr. (1998), Ferreira (2000), Kohan (2007).

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localizado por volta do século XVII e se caracteriza por duas atitudes dos adultos. A

primeira considera a criança como inocente, ingênua e pura e é traduzido pelo que

ele denomina de “paparicação”. A segunda, surge simultaneamente, e coloca a

criança como ser incompleto, imperfeito. Nesse contexto, a criança era representada

como adulto em miniatura, caracterizando esse período da vida humana como um

dado biológico marcado pela carência, imaturidade e dependência. A criança era

concebida a partir do que não era, ou seja, um adulto que já possui todas as

características, esperando apenas serem desenvolvidas. (ÁRIES, 1981).

Ao ser diferenciado do adulto, a criança sai do anonimato em que vivia e

passa a adquirir uma posição central na família. A família lança um olhar afetuoso

sobre a graça e ingenuidade da criança, mas sente a necessidade de controlar e

educá-la na nova organização do trabalho e no convívio da família.

A escola surge neste contexto da Modernidade tendo como intuito, dividir

com a família a responsabilidade de socializar as crianças e transmitir valores e

conhecimento. Tendo por berço os ideais libertários e igualitários advindos da

Revolução Francesa (1789), a escola se configura, como uma instituição das

sociedades burguesas para normatizar as crianças.

A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida a distância numa espécie de quarentena antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi o colégio. Começou então, um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres, das prostitutas) que se estenderia até os nossos dias, e ao qual se dá o nome de escolarização. (ÁRIES, 1981, p. 11).

Sabe-se que alguns autores, entre eles, Kuhlmann Jr (1998), contestam a

tese de Ariès referente ao surgimento do sentimento de infância. As criticas

consistem, de modo geral, para o fato de ele ter uma pré-concepção de criança, e a

partir dela, ter selecionado em suas representações iconográficas aquilo que a

ilustrasse. Em outras palavras, entende-se que Ariès, analisou em suas fontes uma

criança burguesa, representada sob os moldes europeus estabelecendo uma

sequencia única e linear ao desenvolvimento histórico. Segundo Kuhlmann Jr (1998)

além de este fato universalizar a infância, universaliza a história e coloca em

evidência uma linearidade na emergência do sentimento de infância no mundo.

Outro aspecto apontado pela critica, é que a interpretação de Àries, supõe um

sentido unidirecional para o sentimento de infância, ou seja, esse sentimento

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emerge das classes mais altas, da nobreza ou burguesia para as classes populares.

Este fato, “estabelece um preconceito às classes subalternas, desconsiderando sua

presença no interior das relações sociais.” (KUHLMANN JR, 1998, p.23). Essas e

ainda outras problematizações a respeito da tese de Ariès, colocam em evidência

sua importância no campo de definição da infância, enquanto sentimento e enquanto

construção social.

Nesse sentido, é “preciso considerar a infância como uma condição da

criança. O conjunto das experiências vividas por elas em diferentes lugares

históricos, geográficos e sociais”. (KUHLMANN JR, 1998, p.31). A infância não pode

ser vista apenas como um ciclo vital dos seres humanos, um dado biológico, um

período homogêneo, mas sim, como uma construção histórica, cultural e social ao

longo do tempo e do espaço.

A busca por estudos e teóricos que concebam a polissemia do conceito

de infância possibilitou-me conhecer os escritos de Walter Benjamim4. Em seu texto

“Infância em Berlin”, o autor escreve sobre a passagem de sua infância, por volta de

1900, tentando apresentar as impressões que tinha do mundo adulto e como

aprendia a realidade, e revela um profundo e sensível conhecimento sobre a criança

como sujeito social que constrói, vive a sua história, a de sua família, de sua

comunidade e da humanidade. “As crianças não constituem nenhuma comunidade

isolada, mas sim uma parte do povo e da classe de que provêm.” (BENJAMIN, 1984,

p. 94).

Ao rememorar sua infância, o autor tece relações entre espaço-tempo-

cultura focalizando, não apenas suas lembranças pessoais, mas uma memória

pessoal e coletiva. Desta forma, coloca a criança na relação com os outros

“imbricando figuras diversas, espaços diversos e tempos diferentes numa lógica

temporal, nada linear, não etapista, não progressista que vai do presente ao

passado e do passado ao presente”. (GALZERANI, 2005, p. 59).

Ao enfocar a criança em seus textos, Benjamim a toma não de maneira

romântica ou ingênua, mas a entende inserida numa classe social, produzida e

produtora de cultura. Assim como em a “Criança desordeira”:

4 Com a certeza de que sua teoria não fornece o único nem o melhor meio de compreender a criança (KRAMER, 2003b), mas com a clareza de que sua teoria é foi/é fundamental no percurso desta pesquisa, proponho-me a buscar as contribuições deste autor no campo da infância mesmo sabendo que as “ruas”, como ele bem diz, não têm “mão única”.

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Cada pedra que ela encontra, cada flor colhida, cada borboleta capturada já é para ela princípio de uma coleção, e tudo que ela possui em geral, constitui para ela uma coleção única. Nela essa paixão mostra sua verdadeira face, o rigoroso olhar índio, que, nos antiquários, pesquisadores, bibilômanos, só continua ainda a arder turvado e maníaco. Mal entra na vida ela é caçador. Caça os espíritos cujo rastro fareja nas coisas ela gasta anos, no qual seu campo de visão permanece livre de seres humanos. Para ela tudo se passa como em sonhos: ela não conhece nada de permanente; tudo lhe acontece pensa ela, vailhe de encontro, atopela-a. Seus sonhos de nômade são horas na floresta do sonho. De lá ela arrasta a presa para casa, para limpá-la, fixá-la, desenfeitiçá-la. Suas gavetas têm de tornar-se casa de armas e zoológico, museu criminal e cripta. “Arrumar” seria aniquilar [...]. (BENJAMIM, 1994, p. 39).

No texto acima Benjamin trabalha com a representação da “criança

desordeira”, diferenciando-se da ideia “criança linear”. Mais do que uma

circunstância, criança desordeira é uma configuração do ser criança. É quando a

visão homogênea de criança dá lugar à visão de sujeito único, criador de cultura,

colecionador, rastreador, inventivo e transformador, contribuindo, assim, para a

construção de um outro olhar para a criança e a infância.

Pinto e Sarmento (1997, p. 19) consideram a criança como “ator social de

suas ações, um ser ativo dotado de sentido de competência, produtor de saberes e

sujeito constituinte de culturas infantis.” Ao considerá-las como sujeito de direitos,

buscam conhecer a infância a partir do ponto de vista das crianças, lançando um

olhar investigativo para a educação e a diversidade cultural existentes nos espaços

coletivos de aprendizagem. Isto é:

A consideração das crianças como actores sociais, pleno de direito, e não como menores ou como componentes acessórios ou meio das sociedades dos adultos, implica no reconhecimento da capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a construção de suas representações e crenças em sistemas organizados, isto, é em culturas. (PINTO; SARMENTO, 1997, p. 20).

Nesta pesquisa, as crianças são compreendidas enquanto sujeito

competente, protagonista e não acessório ou apêndice na sociedade dos adultos.

Assim, escutar o que nos dizem é respeitá-las como sujeitos de direitos e

reconhecer sua alteridade5.

Essa concepção contrapõe-se com a concepção de criança como In-fans

sem linguagem. Em nossa cultura ocidental, não ter linguagem significa não ter

pensamento, conhecimento ou racionalidade. Tal perspectiva nos remete a pensar o 5Segundo Larrosa (1998, p. 70) reconhecer a alteridade da criança é algo radical que deve ser compreendido: nada mais nada menos do que a sua absoluta heterogeneidade no que diz respeito a nós e a nosso mundo, sua absoluta diferença.

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quanto subestimamos a capacidade das crianças de expressarem-se, sendo vistas

como incapazes e incompletas. Essas questões são mais marcantes com os bebês,

já que os mesmos não dominam a língua. Deixar falar aquele que não tem voz e

ouvir a quem não fala é um desafio instigante, pois nos permite inverter nosso olhar

e pensar a partir de uma lógica benjaminiana, que vê os bebês a partir do que eles

têm e não do que lhes “falta”. Pensar neles como presença e não como falta, como

força e não como incapacidade.

Todas essas reflexões nos levam a pensar sobre a necessidade de

superar os conceitos de bebê passivo, frágil que segue etapas rígidas de maturação

e por isso necessita de estimulação sistemática. Essas discussões ampliam nosso

olhar, nos aproximando de outras formas de compreensão deste sujeito.

2.2 BEBÊS: QUEM SÃO? COMO SE CONSTITUEM?

Bebê é uma palavra simples, conhecida por todos. Ao escutarmos, nos

sentimos tentados a logo responder as perguntas acima, pois acreditamos que

entendemos e sabemos a seu respeito. Larrosa (2000, p. 184) nos instiga a pensar

de modo diferente a palavra bebê quando afirma que “as palavras simples são as

mais difíceis de escutar.”

Segundo o mesmo autor, o nascimento de um bebê é um acontecimento

que nos parece completamente habitual e normal, mas envolve questões

complexas. Antes mesmo de nascer, o bebê é previsto, antecipado e referido no

discurso de seus pais. Eles o desejam, imaginam, pensam, projetam e antecipam-

lhe um lugar determinado segundo suas expectativas. Assim, podemos dizer que o

psiquismo do bebê já está em constituição. Mesmo antes de se fazer presença

física, ele se faz presença simbólica.

Ao nascer, o bebê é extremamente vulnerável, desprovido dos atributos

necessários a sua sobrevivência. Sua possibilidade de viver sem a ajuda de um

outro é nula. Para Crespin (2004), a possibilidade de um bebê humano abandonado,

sem auxílio viver é, em média, de quatro a cinco horas em condições ambientais

favoráveis. A fragilidade coloca o bebê numa condição de dependência. Essa

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condição nos chama, convocando-nos a oferecer-lhe o que é necessário a sua

sobrevivência.

Wallon (1979, p. 151) diz que o recém-nascido é “um ser incapaz de nada

efectuar por si só, é manipulado por outrem, e é nos movimentos de outrem que

tomarão formas suas primeiras atitudes.” Ao nascer, o bebê humano encontra-se

numa posição cujas suas necessidades e reações precisam ser atendidas, faladas e

interpretadas pelo outro. Vestimos o bebê de acordo com nossas cores, o

alimentamos de acordo com nossos gostos, cuidamos de sua higiene de acordo com

nossa cultura e o acolhemos em um lugar, tecido com palavras e imagens que nos

são próximas e familiares.

Nas palavras de Larrosa (2000, p. 187) ao nascer:

[...] a criança expõe-se completamente ao nosso olhar, se oferece absolutamente a nossas mãos e se submete sem resistência, para que a cubramos com nossas idéias, nossos sonhos e delírios. Dir-se-ia que o recém-nascido não é outra coisa senão aquilo que nós colocamos nele.

O bebê é, assim, envolvido em uma complexa rede de desejos e

significações em que o outro é que atribui sentido aos seus movimentos e

expressões. É no outro, representado inicialmente pela figura materna, que vão

sendo encontradas as primeiras marcas simbólicas para o surgimento do sujeito.

Wallon (1979) e Winiccott (2006, p. 200) atribuem um importante papel à

figura da mãe, pois é dela que o bebê desde o ventre recebe a alimentação, o

oxigênio e os hormônios necessários a sua evolução somática. Ao nascer, o bebê

ainda necessita estar subordinado ao outro. Sua dependência não é apenas física,

mas humana.

Os primeiros gestos, gritos, gesticulações do bebê são interpretados pela

mãe como pedidos dirigidos a ela e, por isso são configurados expressões de

comunicação. A aposta da mãe a respeito da existência de um sujeito no bebê é que

possibilitará as trocas e relações estabelecidas entre eles. A relação da participação

do outro (mãe, pai, outros familiares) na consciência de si (bebê) Wallon chama de

simbiose afetiva.

O fator emocional é fundamental na constituição da simbiose afetiva. Para

Wallon (1986), a emoção pode ser considerada como a primeira manifestação

pisicogenética da afetividade, ou seja, é o elo entre o bebê e o outro. O impacto

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afetivo causado pelas emoções (inicialmente caracterizadas por manifestações

espontâneas) da criança provoca um contágio emocional nas pessoas, que,

consequentemente, passam a imprimir uma significação para elas. Nessa

perspectiva, a emoção passa a ser, então, o ponto de partida do psiquismo, da

consciência e da vida social, uma vez que é através dela que vão se estabelecer as

primeiras trocas entre criança e adulto.

Como exemplo, podemos citar o choro, uma das primeiras reações do

bebê. O choro é desencadeado por uma emoção que vem acompanhada de

alterações orgânicas (aceleração dos batimentos cardíacos, da respiração, do tônus

etc). Elas provocam alterações na mímica facial, na postura, nos sons emitidos e na

forma como os gestos são executados pelo bebê. Ao ouvir o choro do bebê, o outro

sente-se afetado por ele e busca satisfazer suas supostas necessidades. Ao chorar

e, por exemplo, ser alimentado, é inscrito no bebê um significado para este choro.

Podemos dizer então que, no início, há só sons, resmungos e gestos que

precisam ser traduzidos pelo outro. Quando o outro responsável pelos cuidados do

bebê reage a este choro lhe atribuindo um significado, ele deixa de ser uma ação

reflexa para se constituir em uma ação intencional que passará a ser utilizada pelo

bebê como um elemento de comunicação.

Nesse sentido, Wallon (1981, p. 157) afirma que o recém-nascido “é um

ser cuja totalidade de relações necessita ser completada, compensada, interpretada.

Essas complementações constituintes do sujeito humano aparecem por meio de

processos comunicativos e expressivos que ocorrem em trocas sociais. Ao ser,

falado, olhado, tocado, alimentado e atendido pelo outro, o bebê se apropria de

significações simbólicas.

Quando o bebê sorri, e a mãe sorri de volta como validação ou quando o

bebê fica úmido e chora, e a mãe responde trocando a fralda, estabelece-se um

circuito de trocas e relações, que vai contribuindo para a constituição de um ser

humano singular. Logo, podemos dizer que mesmo aquilo que possuímos de mais

singular e subjetivo se constrói na relação com o outro.

Wallon (1981) em seu estudo sobre a gênese da constituição humana

defende a indissociabilidade entre biológico e social. Segundo esse autor, o

psiquismo é uma síntese entre o orgânico e o social, ou seja, ao nascer, o bebê

possui um corpo com uma organização neuropsicológica humana que lhe permite

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perceber e reagir às situações exteriores que formam o meio. É nesse sentido que o

autor afirma que o ser humano é biologicamente social, pois “concebe o social, a

necessidade do outro, da interação com ele como algo que se inscreve no orgânico.

É da natureza do organismo humano ser social e a sociabilidade é compreendida

também como um fator biológico”. (CAMERA, 2006).

Nesse sentido, os estudos do psiquismo na teoria walloniana se situam,

portanto, entre os campos das ciências naturais e sociais. É por levar em conta essa

dimensão integradora, entre o natural e o social que a teoria de Wallon é

considerada como a “psicogênese da pessoa completa”.

Em sua obra As origens do caráter na criança, Wallon (1995) descreve o

desenvolvimento dos processos psíquicos. Segundo ele esse processo é

descontínuo e marcado por contradições e conflitos, resultado da maturação

orgânica e do meio em que o sujeito está inserido.

O meio é considerado pelo autor como o contexto em que vive a criança,

sendo “composto não apenas por suas condições físicas e naturais, mas pelas

relações, técnicas e usos do grupo humano correspondente”. (WALLON, 1979, p.

163). Devido à grande importância do meio no processo de constituição da criança,

pois é na interação com o meio cultural a partir da relação estabelecida com o outro

(humano) que o bebê se desenvolve e se constitui, cabe-nos pensar a respeito do

meio a eles destinados.

Assim, torna-se fundamental construir conceitos, alicerçar argumentos,

conhecer pesquisas que versam sobre o estudo dos bebês em seu meio social.

2.3 OS BEBÊS: UMA BUSCA PARA COMPREENDÊ-LOS

Até recentemente, os estudos sobre bebês não atribuíam qualidades

autenticamente psíquicas a estes sujeitos. Por ser um filhote humano e necessitar

de mais cuidados do que qualquer outro animal devido a sua dependência, o bebê

era considerado como objeto de cuidado dos adultos, um ser passivo em todos os

sentidos.

Nas últimas décadas, foram desenvolvidos estudos mostrando que

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embora dependente de cuidados, o bebê humano possui uma série de

competências auditivas, visuais, olfativas e psíquicas que favorecem a sua interação

e comunicação com outras pessoas. Assim, o bebê apresenta uma interessante

contradição: grande imaturidade motora, mas competência social única.

(ROSSETTI-FERREIRA, 2008). E é essa capacidade social que vai possibilitar que

ele interaja com outras pessoas.

Embora seja possível verificar um avanço em relação às pesquisas que

tomam o bebê como sujeito ativo e competente, é pertinente ainda observar que no

Brasil há uma carência significativa de estudos que investiguem as crianças

pequenas, entre 0 e 3 anos de idade, mais especificamente as que envolvem os

bebês com menos de 1 ano.

Schmitt (2009), em sua dissertação de mestrado faz um levantamento das

produções nacionais a respeito das pesquisas que envolvem os bebês. A autora

revela que existe uma lacuna nesse campo, especialmente no que se refere às

crianças menores de 1 ano. Coloca que, embora se observe na descrição das

metodologias de pesquisas um anúncio de investigação com crianças de 0 a 3 anos,

é possível verificar que elas focalizam as maiores de um ano e seis meses.

Como exceção desse cenário, podemos citar as pesquisas de Rossetti-

Ferreira (1988), Prado (1998), Coutinho (2002), Camera (2006) e Schmitt (2009) que

buscam dar visibilidade aos bebês destacando sua interação no processo de

hominização. Tais estudos revelam que os bebês, mesmo ainda na condição de

infans “incapaz de falar”, se utilizam de diferentes modos de comunicação para

interagirem com crianças, adultos e com o meio em que vivem.

Amorim, Vitória e Rossetti-Ferreira (2000), observando crianças menores

de 3 anos verificaram que os bebês agem e se comunicam culturalmente, apesar de

não terem ainda adquirido linguagem e pensamento verbais.

Prado (1998), em seu estudo, destaca que o bebê apropria-se ativamente

do mundo, isso o constitui como um ser social, interativo, sujeito competente,

protagonista nas relações.

Coutinho (2002) defende que as crianças ressignificam o mundo social

em que vivem, constituindo uma cultura infantil com lógicas, decorrentes da relação

com a cultura que as cercam e as definem como seres humanos não apenas

capazes, mas pensantes e agentes no mundo.

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Camera (2006) considera os bebês como seres sociais que estabelecem

relações ativas na relação com o outro. A pesquisadora destaca que a partir de três

ou quatro meses já começam a aparecer os primeiros gestos sociais nos bebês.

Também Schmitt (2009) buscou conhecer as relações sociais de crianças

com idade entre 4 meses a 1 ano no contexto da educação infantil, atentando para

os modos e manifestações próprios dessa idade, revelando a presença ativa dos

bebês nesse contexto. A pesquisa demonstra que os bebês interagem com o próprio

corpo, com os objetos, com o corpo do outro. De acordo com a pesquisadora:

A observação das relações entre os bebês nos possibilita visualizar essa ação ativa, pela manifestação de outras linguagens que se constituem nas interações. O olhar e o corpo estão fortemente presentes nessas relações como formas de comunicação e aproximação com o outro. (SCHMITT, 2009, p. 110).

O movimento, o olhar, o choro, o sorriso, os gestos e expressões nos

revelam que os bebês se comunicam intensamente nos mostrando que são

presentes e capazes, pois interagem ativamente na relação com o outro. Através da

observação dos bebês em seu contexto social, essas pesquisas redimensionam

nosso olhar e nos lançam para a busca de estabelecer um conhecimento mais

pontual sobre as instituições coletivas destinadas à educação e cuidado dos bebês.

2.4 A FUNÇÃO CONSTITUTIVA DA EDUCAÇÃO E CUIDADO COM CRIANÇAS

PEQUENAS

Historicamente, as creches foram tidas como espaço de guarda e cuidado

das crianças pequenas enquanto suas mães trabalhavam. Nas últimas décadas,

esse papel foi sendo questionado, revisado à medida que a educação infantil passa

a ser direito das crianças a terem uma educação de qualidade.

Nesse contexto, a creche se configura atualmente como o primeiro

espaço de educação coletiva do ser humano. Esse fato abre um campo de estudos

e pesquisas que buscam compreender a base teórica para construir uma “pedagogia

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da educação infantil”.6Quais são as funções de uma creche que atende bebês? O

que esperamos destes espaços? Quem educa as crianças? Qual o papel do outro

na sua educação e cuidado?

A educação ocorre em todos os momentos e espaços sociais, nas

práticas humanas desde o nascimento. Larrosa (2000) coloca que o nascimento é o

princípio de um processo em que a criança entra no mundo e passa a ser um de

nós. Esse processo é complexo, incerto e imprevisível. Ao nascer, a criança entra

em continuidade conosco, se constituindo humano a partir de nós mesmos. Nas

palavras de Charlot (2002, p. 53), ”nascer é entrar em um conjunto de relações e

interações com outros”. Mas o que a educação tem haver com aqueles que

nascem? O que significa para ela recebê-los? Como a educação vem respondendo

a essa chegada?

Pensando a relação entre a educação escolar e subjetividade,

Lajonquiére (2000) a respeito da função constitutiva da educação salienta:

Educar é transmitir marcas simbólicas que possibilitem a criança o usufruto de um lugar, a partir do qual o desejo seja possível. Essa transmissão possibilita a conquista de um lugar de enunciação. A aprendizagem de conhecimentos específicos, mais sobre tudo, de conhecimentos existenciais que são veiculados em todo ato educativo submete ou aprendentes ás marcas comum ao humano na medida em que transmitem a história e filiam a cultura. (LAJONQUIÉRE, 2000, p. 63).

Assim, educar seria permitir o ingresso no mundo humano. Receber, criar

um lugar para aquele que vem. Pôr-se à disposição e estabelecer vínculos de

filiação e de pertença entre os sujeitos. Educar é subjetivar.

Pensando na educação de criança pequena, Barbosa (2009) afirma como

sendo função da educação infantil:

Possibilitar a vivência em comunidade, aprendendo a respeitar, a acolher, a celebrar a diversidade dos demais, a sair da percepção exclusiva de seu universo pessoal, assim como ver o mundo a partir do olhar do outro e da compreensão de outros mundos sociais. (BARBOSA, 2009, p. 12).

Por ser um ambiente diverso do familiar, a creche se configura em um

espaço de educação rico em possibilidades de interações, experiências corporais,

cognitivas, afetivas e emocionais. Segundo Wallon (1981), a afetividade, a

6Esta expressão é utilizada por Eloisa A. Candal Rocha em seus textos e refere-se a uma pedagogia para crianças pequenas.

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inteligência e ato motor são campos integrados que, a partir da relação com o outro,

se desenvolvem e possibilitam a constituição do psiquismo humano. Nesse sentido,

podemos admitir que a função principal da creche é possibilitar o convívio e o

estabelecimento de relações com o outro.

Guimarães e Leite (1999), ao destacarem a contribuição dos autores

italianos para a educação dos pequenos, apontam a socialização, as interações e as

aprendizagens entre adultos e crianças como pilares que sustentam esta pedagogia.

As autoras concebem adultos e crianças como co- protagonistas do processo

educativo e buscam discutir não a barra que “separa” adultos /não adultos, as

interconexões, as relações estabelecidas entre eles, promovendo um “encontro”

entre crianças e adultos sob uma nova perspectiva.

Entendendo desenvolvimento humano como um processo sócio-histórico,

que ocorre em ambientes culturalmente organizados e socialmente regulados,

mediante as interações estabelecidas com parceiros, nas quais cada pessoa (adulto

ou criança) desempenha um papel ativo. (VALSINER, 1987 apud AMORIM;

VITÓRIA; ROSSETTI-FERREIRA, 2000). Podemos afirmar que os bebês se

desenvolvem em situações vivenciadas cotidianamente. É a partir das interações

diárias com coetâneos, adultos e o ambiente físico, que ele vai constituindo-se como

sujeito.

Segundo essa perspectiva teórica, particularmente nos primeiros meses

de vida, o contato da criança com o mundo físico, social e cultural é mediado pelo

“outro”, em particular, pelos membros da família ou pelas pessoas de sua

convivência diária. Segundo Pino (2005, p. 167), é a partir do outro que “as coisas

que rodeiam as crianças (objetos, pessoas, situações) e suas próprias ações

naturais começam a adquirir significação para ela.”

É importante destacar que este processo de significação não é algo

passivo em que o outro significa e a criança se apropria das significações tal qual foi

colocada pelo outro. Vigostsky (1998) destaca que aquilo que é apropriado pela

criança, vem a não ser a realidade em si, mas sim aquilo que significa para o sujeito

na relação. Então, podemos dizer que o movimento de significação- apropriação não

é algo direto, nem passivo, pois a criança re-elabora os sentidos e imprime

significados particulares. Assim, não se trata de uma simples assimilação de

significados, mas de uma apropriação ativa por parte dos bebês.

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Loris Malaguzzi (2001 apud CAMERA, 2006), pedagogo italiano, ao

conceber a criança como protagonista de suas relações, em especial na relação

com seus coetâneos coloca que:

Os significados de valor implícitos no fazer das crianças entre si extrapolam por si só. Porém, somente em parte. A outra parte dita três condições: A primeira é que exista a convicção de que as criança s já nascem equipadas e intencionadas a fazer e pensar ativamente com seus coetâneos. Geneticamente pré-adaptadas à sua socialização, à comunicação, á percepção; a memorizar, retroagir, transformar, aprender, a compreender, elas se tornam competentes, interagindo com as pessoas, as coisas e as idéias.A segunda é que as crianças p ossuam provas de que os adultos estão convencidos disso . A terceira é que os adultos, como conseqüência saibam movimentar-se coerentement e, conhecendo a arte do apoio, da intervenção, da abst enção, sobretudo dos empréstimos de consciência e de conhecimento . (MALAGUZZI, 2001 apud CAMERA, 2006, p. 38 grifos meus).

Conforme vimos anteriormente, as crianças são seres geneticamente

sociais, já nascem organicamente pré-adaptadas à socialização, mas seu

desenvolvimento não emerge unicamente de sua maturação biológica, antes surge

como resultado da interação social com outros sujeitos. Sendo o educador o

organizador do cotidiano da creche, é fundamental que ele acredite que a criança,

mesmo as menores, são sujeitos ativos na relação com as pessoas, as coisas e as

ideias. Por ser o parceiro mais experiente do bebê nesse espaço, o adulto precisa

“emprestar a sua consciência e conhecimento” marcando, significando, dando

sentido aos objetos, ações e experiências neste espaço.

Procurando discutir a educação das crianças pequenas, Barbosa (2009)

enfatiza em seu texto alguns aspectos necessários no trabalho pedagógico com os

bebês. Segundo a mesma autora, as relações interpessoais, a linguagem e a

brincadeira se constituem em eixos fundamentais para iniciar uma proposta

pedagógica no berçário.

As relações interpessoais são fundamentais para o bebê. Além de

necessitar do outro na sua sobrevivência física ele precisa do olhar, do toque, do

gesto e do afeto de um adulto para sua sobrevivência mental.

O olhar é entendido de forma diferente da visão. A visão é referente ao

funcionamento de um órgão, já o olhar simbólico é constitutivo, pois corresponde ao

ser visto. Constitui-se em uma forma singular de expressão e comunicação com os

bebês.

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Winnicott (1975, p. 152), ao destacar o olhar da mãe como uma forma de

identidade primária questiona: “O que vê o bebê enquanto olha para o rosto da

mãe? Sugiro que normalmente o que bebê vê é ele mesmo”. O que transparece no

olhar da mãe não é uma visão do bebê em si, mas o olhar e rosto da mãe refletem a

imagem simbólica do que o bebê representa para ela. O olhar ausente ou a recusa

do olhar do adulto podem levar à falta de reconhecimento da imagem de si, pois ele

olha e não vê a si mesmo.

Assim, ser visto é uma das bases fundamentais do sentimento de existir.

“Quando olho, sou visto, logo existo.” (WINNICOTT, 1975, p. 157). O educador

precisa olhar para as crianças, sustentar o seu olhar e reconhecer o bebê enquanto

presença.

O toque se configura como forma de demonstrar a aceitação pelo outro. O

bebê, desde pequeno, expressa com seu comportamento o que experimenta quando

o adulto se ocupa dele. O bem estar do bebê depende da maneira como ele é

tocado; gestos bruscos ou demasiadamente fortes são para o bebê, uma fonte de

sensações desagradáveis; já mãos que o acolhem e seguram-no com delicadeza

fazem com que ele sinta-se aceito e acolhido. Dessa forma, podemos dizer que a

maneira de tocar o bebê transmite para ele numerosas informações.

Winnicott utiliza a expressão holding the baby (segurar o bebê) para

referir-se ao conjunto de cuidados dispensados ao bebê por sua mãe. Para ele,

“segurar bem o lactente e manejá-lo é uma forma de amar e, possivelmente, a única

forma pela qual a mãe pode demonstrar-lhe seu amor”. (WINNICOTT, 2006, p. 48).

Embora esse conceito utilizado pelo autor tenha por fundamento os

princípios maternos, será utilizado por nós não com a intenção de imitar ou substituir

a mãe, pois sabemos do papel insubstituível que ela ocupa na constituição psíquica

do bebê, mas para demonstrar o quanto o bebê é sensível às diferenças no modo de

segurá-lo.

Tardos (2008) em seu artigo “A mão de educadora ”, coloca que a mão

do adulto é para o bebê uma fonte rica de experiência. A ternura do toque exerce um

papel muito importante, semelhante aos movimentos que comunicam segurança, o

que permite aos pequenos uma melhor relação com os adultos.

Na relação com os bebês, a linguagem é fundamental. Para o educador

italiano Loris Malaguzzi, a criança tem cem linguagens e por isso cem formas de se

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comunicar. O movimento, o choro, o sorriso, o grito são elementos de comunicação

que precisam ser interpretados pelo outro. Se essa interpretação não acontece, as

manifestações das crianças não serão transformadas em palavras. Ou seja, para

que a palavra tenha sentido, ela precisa ser significada por meio da relação.

Estando a linguagem oral relacionada diretamente à palavra e à voz,

considera-se necessário conversar com os bebês.

Não apenas dar ordens, proibições, respostas impessoais, mas conversas com conteúdo, com vocabulário rico, com informações, explicações, opiniões, felicitações. Conversar e não apenas falar mecanicamente. Escutar, falar, ouvir a resposta, responder. Explicar os fatos que afetam a vida das crianças e a vida do grupo. (BARBOSA, 2009).

Dessa forma, aos poucos os bebês irão se utilizando de vocalizações,

balbucios como forma de expressão. Nesse contexto, a valorização da prosódia7

como linguagem comunicativa, o olhar e a sintonia de estados mentais

compartilhados com o bebê são aspectos a serem privilegiados pela educadora.

Rossetti-Ferreira, Amorim e Oliveira (2009) apontam a apreciação dos

bebês em brincar com as pessoas com quem convivem. Em sua pesquisa, as

autoras relatam que foi possível perceber que as crianças pequenas, através da

curiosidade e desejo de conhecer o mundo social e físico que as rodeia, vão em

busca de parceiros para realizar suas brincadeiras.

Zanella e Andrada (2002) têm demonstrado que, por meio da brincadeira

entre bebê – adulto, é possível ressaltar a importância do outro no processo de

significação e na constituição do sujeito, sem deixar de lado a ativa participação do

bebê que é tido como sujeito social e historicamente produzido. Como exemplo,

podemos citar a brincadeira de esconde-esconde. Através do outro, um pedaço de

pano ganha um novo significado. No movimento de esconder e ser escondido,

procurar e ser procurado, os bebês vão apreendendo significações de seu universo

cultural.

O ato desta brincadeira que intercala presença - ausência é importante

para o bebê, pois lhe dá confiança de que o objeto de desejo pode ser encontrado. A

criança tem a ilusão que pode controlar a ida e a volta de seu objeto de desejo

(mãe), compensando assim a angústia de perceber que ele não é mais parte dela,

7A prosódia caracteriza a organização melódica e rítmica da cadeia falada. As variações da altura da voz dão lugar a entonação, enquanto as variações de duração marcam o ritmo.

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que é um sujeito próprio. É nesse momento de ilusão que o bebê cria os objetos

transicionais. A descrição da transicionalidade pode ser considerada uma das

contribuições mais difundidas de Winnicot.

O mesmo autor coloca que os objetos transacionais são importantes não

tanto pelo objeto em si, mas pelo que eles representam. Ao sentir a falta da mãe, o

bebê se apega a certos objetos que ele, por assim dizer, elege. A função desse

objeto é substituir a mãe em sua ausência. Isso o faz tolerar e suportar a ausência

dela pois encontra segurança nesse objeto. Caracterizando-se inicialmente apenas

pelo apego, o objeto transacional é fundamental para o início da capacidade de

simbolização e evolui, posteriormente para a brincadeira e ingresso no mundo da

cultura.

Assim, podemos concluir que a educação dos bebês acontece em todas

as atividades do cotidiano, em momentos que, muitas vezes, passam

despercebidos. Educamos não somente pela fala, mas pelo olhar, toque, postura e

relações. O trabalho com bebês implica em colocar-se junto às crianças para fazer a

vida acontecer, apresentando o mundo a ela. A função da educação com crianças

pequenas transcende os cuidados orgânicos ou atividades pedagógicas

estimulatórias, assumindo um lugar relevante no desenvolvimento social, cultural e

subjetivo da criança.

Considerando que a educação coletiva dos bebês efetiva-se na

materialidade de um espaço, considero fundamental que ele seja rico, diverso em

materiais, brinquedos, mobiliário. O espaço potencializa a educação. Mas, é o olhar,

a conversa, o toque, o sorriso, a brincadeira, as experiências que transformam o

espaço da creche em lugar, ou seja, em lócus de sentido, de construção de

identidades.

Nessa mesma linha, na busca de compreender como o espaço da creche

se constitui em lugares das crianças, busco olhar as relações estabelecidas entre o

bebê e o outro. Parto da compreensão de que o bebê é ativo, interativo, que

expressa competências perceptivas, comunicativas, sociais e cognitivas. Entendo o

educador como parceiro, aprendiz, agenciador de relações, mediador na

constituição subjetiva da criança e da sua inserção no mundo da cultura. Minha

premissa é que é a capacidade interativa do bebê que lançará luz sobre o caráter de

mediação do adulto no seu desenvolvimento. Sob esse enfoque, é que me proponho

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a pensar os espaços da creche.

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3 A IMPORTÂNCIA DE UMA COISA HÁ QUE SER MEDIDA PELO

ENCANTAMENTO QUE A COISA PRODUZA EM NÓS: ESPAÇO E L UGAR,

DEFININDO CONCEITOS, AMPLIANDO CONCEPÇÕES

Até onde vai o quintal de nossa infância? A sombra da árvore é imensa o

suficiente para abrigar toda a família. O arco

floresta de folhas. Infinitos castelos são erguidos e derrubados no rearranjar

constante e diligente das pedrinhas do pátio. A experiência com o espaço o

redimensiona, o amplia, filtra e constitui o lugar.

A intenção deste capítulo é, a partir do diálogo interdisciplinar, abordar os

conceitos espaço e lugar. Alvos de diversas interpretações em difere

do conhecimento são, por vezes

perspectivas, contudo, remetem a significados e contextos distintos, como por

exemplo, na geografia, filosofia, sociologia, educação e política. Partindo da

concepção de que é importante estabelecer um diálogo entre as áreas, busco

organizar referenciais teóricos capazes de contribuir com os estudos deste tema na

infância.

3.1 A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO:

Ao buscar definições do conceito de espa

A IMPORTÂNCIA DE UMA COISA HÁ QUE SER MEDIDA PELO

ENCANTAMENTO QUE A COISA PRODUZA EM NÓS: ESPAÇO E L UGAR,

DEFININDO CONCEITOS, AMPLIANDO CONCEPÇÕES

Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Qimportância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. (BARROS, 2006).

Até onde vai o quintal de nossa infância? A sombra da árvore é imensa o

suficiente para abrigar toda a família. O arco-íris nas asas da borboleta viaja pela

floresta de folhas. Infinitos castelos são erguidos e derrubados no rearranjar

e das pedrinhas do pátio. A experiência com o espaço o

redimensiona, o amplia, filtra e constitui o lugar.

A intenção deste capítulo é, a partir do diálogo interdisciplinar, abordar os

conceitos espaço e lugar. Alvos de diversas interpretações em difere

do conhecimento são, por vezes, compreendidos como sinônimos. Para outras

perspectivas, contudo, remetem a significados e contextos distintos, como por

exemplo, na geografia, filosofia, sociologia, educação e política. Partindo da

que é importante estabelecer um diálogo entre as áreas, busco

organizar referenciais teóricos capazes de contribuir com os estudos deste tema na

A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: IMPORTÂNCIA DE UMA COISA...

Ao buscar definições do conceito de espaço, pesquisei seu significado

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A IMPORTÂNCIA DE UMA COISA HÁ QUE SER MEDIDA PELO

ENCANTAMENTO QUE A COISA PRODUZA EM NÓS: ESPAÇO E L UGAR,

Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. (BARROS,

Até onde vai o quintal de nossa infância? A sombra da árvore é imensa o

íris nas asas da borboleta viaja pela

floresta de folhas. Infinitos castelos são erguidos e derrubados no rearranjar

e das pedrinhas do pátio. A experiência com o espaço o

A intenção deste capítulo é, a partir do diálogo interdisciplinar, abordar os

conceitos espaço e lugar. Alvos de diversas interpretações em diferentes campos

, compreendidos como sinônimos. Para outras

perspectivas, contudo, remetem a significados e contextos distintos, como por

exemplo, na geografia, filosofia, sociologia, educação e política. Partindo da

que é importante estabelecer um diálogo entre as áreas, busco

organizar referenciais teóricos capazes de contribuir com os estudos deste tema na

IMPORTÂNCIA DE UMA COISA...

ço, pesquisei seu significado

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léxico e percebi que este apresenta uma polissemia de sentidos, embora haja

concordância em relação ao aspecto material que o envolve. Segundo o Novo

Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o espaço é definido como:

1. Distância entre dois pontos; área ou volume entre limites determinados. 2. Lugar mais ou menos bem delimitado que pode ser ocupado por algo ou por alguém ou ser usado para certo fim. 3 Extensão contínua e indefinida na qual as coisas existem e se movem. 4. O universo; a extensão onde existem o sistema solar, as estrelas e as galáxias. 5 Período ou intervalo de tempo. (FERREIRA, 2008, p. 368).

Espaço: Distância. Limite delimitado. Extensão. Área e volume. A busca

pela compreensão do significado desse termo não se dá apenas ao emprego

gramatical correto. Essa compreensão encaminha para reflexões que envolvem os

significados na relação do homem com o espaço que o cerca.

De acordo com o dicionário, são sinônimas as palavras espaço e lugar,

porém as definições para a palavra espaço estão relacionadas ao físico e à

materialidade.

Na área da geografia, que tem como objeto de estudo as relações dos

seres humanos com o seu espaço de vivência, o conceito de espaço pode ser

definido “enquanto unidade geométrica (área e volume) é uma quantidade

mensurável e precisa.” (TUAN, 1983, p. 58). O conceito de espaço está relacionado

assim, à estrutura física e material àquilo que pode ser medido, ocupado, pensado e

projetado para certo fim.

Milton Santos (2002, p. 45) amplia esse conceito colocando que espaço é

“um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações.” Nesse

sentido, pode ser compreendido como algo físico, porém não pode ser naturalizado,

pois ele é construído na relação do homem com o espaço. Para o autor, não se

pode pensar o espaço e os objetos que o compõe sem levar em consideração os

processos que ocasionaram sua forma. Podemos dizer que o homem é quem dá

sentido ao espaço, e é ele quem anima as formas espaciais atribuindo-lhes um

conteúdo.

O espaço não pode ser estudado como se os objetos materiais que formam a paisagem tivessem vida própria, podendo assim, explicarem por si mesmos. [...] Só por sua presença, os objetos técnicos não têm outro significado senão o paisagístico. Mas eles aí estão em disponibilidade, à espera de um conteúdo social. (SANTOS, 2002, p. 105).

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Nesta perspectiva, o espaço pode ser considerado como síntese, sempre

provisória, entre o conteúdo social e as formas espaciais. Provisória porque ele não

é algo dado, pronto, acabado, mas algo que pode ser modificado ao longo da

relação que o homem estabelece com ele. O espaço, assim, por possuir

materialidade, veicula conteúdos socialmente construídos através dele.

A obra pioneira da arquiteta Mayumi Souza Lima, A criança e a cidade

(1981, p. 13), corrobora com a discussão acima. Ao destacar os conteúdos e as

relações de poder veiculadas nos espaços das instituições públicas de São Paulo

nas décadas de 50 e 60, a autora afirma “não há espaço vazio, nem de matéria nem

de significado; nem há espaço imutável.”

Lima (1981) descreve em seu trabalho o quanto o espaço físico das

escolas, padronizado na planta arquitetônica e na forma de organização das salas é

revelador. A autora cita exemplos de como a forma como de se colocarem as

carteiras em fila revela a indicação de um único centro de poder: o professor. A

largura dos corredores e escadas demonstra e favorece a entrada e saída das

crianças em filas; as pequenas aberturas para o espaço externo da escola revelam o

desejo de impedir que as crianças se “distraiam” com o mundo externo; os visores

retangulares de vidro nas portas das salas à altura dos olhos dos adultos favorecem

a vigília; entre outras formas de organização do espaço que comunicam as relações

de poder estabelecidas.

Viñao Frago e Escolano (1998, p. 26) apresentam o espaço como um

elemento significativo do currículo, uma forma silenciosa de ensino.

O espaço escolar é também por si mesmo um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem, sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos.

Podemos afirmar que os elementos que constituem o espaço escolar tais

como: localização, traçado arquitetônico, os objetos, organização, a decoração

interior e exterior não são neutros. Sua materialidade expressa um conjunto de

padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende.

A discussão do espaço da sala enquanto um elemento curricular que

configura um determinado tipo de pedagogia e que condiciona a determinadas

dinâmicas de trabalho vem sendo bastante discutida também no âmbito da

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educação infantil, por exemplo, a disseminação da idéia de que as salas devem ser

organizadas por cantos temáticos para uma melhor organização dos espaços nas

salas. Cantinhos como o da boneca, da biblioteca, do supermercado, do consultório

médico, dentre outros, buscam possibilitar escolhas individuais e grupais que

favorecem a autonomia das crianças que já não dependem constantemente da

intervenção direta do educador8. Essa forma de organização busca quebrar o

paradigma inspirado no modelo escolarizante de classes alinhadas, umas atrás das

outras, de móveis fixos, de armários chaveados pelo(a) professor(a).

Na Itália, em especial a Região de Régio Emillia, hoje considerada no

cenário mundial como referência na educação infantil, é pioneira na forma de

conceber a organização dos espaços como fundamentais, constituindo-se em um

dos princípios de sua proposta. Para Gallardini (1996 apud GUIMARÃES; LEITE,

1999, p. 13) “o espaço voltado para as crianças traduz a cultura da infância, a

imagem da criança, dos adultos que o organizaram; é uma mensagem do projeto

educativo concebido para aquele grupo de crianças”.

Para Loris Malaguzzi, um dos idealizadores da experiência em Reggio

Emilia, o espaço reflete a cultura das pessoas que nele vivem seus hábitos, valores,

costumes e tradições. Ele nos coloca que:

Valorizamos o espaço devido ao seu poder de organizar, de promover relacionamentos agradáveis entre pessoas de diferentes idades, de criar ambientes atraentes, de oferecer mudanças, de promover escolhas e atividades, e o seu potencial para iniciar toda a espécie de aprendizagem social, afetiva e cognitiva. Tudo isso contribui para uma sensação de bem-estar e segurança nas crianças. Também pensamos que o espaço deve ser uma espécie de aquário que espelhe as idéias, atitudes e valores das pessoas que vivem nele. (MALAGUZZI, 1984 apud GANDINI, 1999 p. 157).

Essas observações sobre a organização dos espaços na educação

infantil não são únicas. Alguns pesquisadores brasileiros têm destacado a

importância de observar esse aspecto. Pesquisas de Carvalho e Rubiano (1994),

Forneiro (1998), Barbosa e Horn (2001) apontam a necessidade de se pensar o

espaço das instituições de educação infantil, não como pano de fundo e sim como

parte integrante da ação pedagógica. Acredito ser fundamental pensar o espaço

enquanto parte integrante do currículo na educação e cuidado de crianças na 8 A organização das salas por “cantinhos” é um termo bastante discutido e defendido pelos pesquisadores na área de educação infantil. A intenção deste tipo de organização não é a “adaptação das crianças ao mundo dos adultos” para “reproduzir” seus comportamentos, pois partimos da concepção de uma criança que é competente e ativa e que por isso não apenas “reproduz” a cultura dos adultos, mas também é produtora de cultura.

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educação infantil, pois eles são uma “forma silenciosa de ensino” (VIÑAO FRAGO;

ESCOLANO, 1998). É preciso considerar o número de crianças, a faixa etária, as

características do grupo e sobre tudo “o entendimento de que a sala de aula não é

propriedade do educador e que portanto deverá ser pensada e organizada em

parceria com o grupo de alunos e com os educadores” (BARBOSA; HORN, 2001, p.

76).

Carvalho e Rubiano (1994) também colocam que todos os espaços que

compõem a educação infantil precisam pautar sua organização nas crianças e nos

indicam cinco funções que consideram essenciais ao pensar a organização desses

espaços:

1. promover identidade pessoal: os espaços são objetos importantes para o

desenvolvimento da identidade das crianças. a identidade pessoal está

intimamente ligada à noção de identidade de lugar, construída através de

relações humanas que compartilham memórias, crenças, valores, idéias,

preferências e significados partilhados pelas pessoas que o habitam.

2. promover o desenvolvimento de competência: o ambiente deve ser

planejado para dar oportunidade de as crianças exercerem autonomia para a

satisfação de suas necessidades.

3. promover oportunidade de crescimento: oportunizar às crianças a vivência

de situações em ambientes ricos e variados que possibilitem explorações e

descobertas variadas, auxiliando no seu desenvolvimento social, cognitivo e

motor.

4. promover a sensação de segurança e confiança: sentir-se segura e confiante

são aspectos essenciais que permitem à criança explorar o ambiente.

5. promover oportunidades de contato social e privacidade: os ambientes

precisam oportunizar às crianças momentos de escolhas, em que possa

explorar seus sentimentos, descansar e ficar só. E outros que privilegiem o

contato social e os encontros com grupos de crianças e adultos.

O espaço da educação infantil, neste trabalho, é entendido como o físico,

o material, que pode ser pensado, projetado e planejado pelos sujeitos que o

habitam. Contudo, compreendo que o espaço não é, a priori, cindido do tempo e das

pessoas, pois “é formado por um conjunto indissociável, solidário e também

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contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados

isoladamente, mas como um quadro único no qual a história se dá.” (SANTOS,

1982, p. 47). Assim, o espaço da educação infantil é resultado da relação entre

sujeitos (adultos e crianças) que o animam e transformam e a materialidade dos

objetos que o compõe.

Dessa forma, partimos do pressuposto de que a forma como planejamos

e organizamos os espaços na instituição não são neutras, pois revelam uma

intenção pedagógica e, ao mesmo tempo, podem nos relevar as concepções que os

adultos têm sobre as crianças, e no caso específico deste estudo, sobre os bebês.

Deve-se ampliar e prever o planejamento do espaço na prática pedagógica com

bebês.

Em relação a legislação educacional brasileira, observamos um conjunto

de documentos9 que orientam os padrões de infraestrutura nas instituições de

educação infantil. Para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN),

Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), parte dos recursos públicos deve ser utilizado na

“aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos

necessários ao ensino” (alínea IV do artigo 70). Nesse documento, observa-se

apenas uma preocupação com os espaços físicos no que diz respeito à manutenção

e construção de instalações.

Nos Subsídios para Credenciamento e Funcionamento de Instituições de

Educação Infantil (BRASIL, 1998a, p. 83), houve uma mobilização para que se

considerassem, para além da construção do espaço arquitetônico, os “usos” que

adultos e crianças fazem desses espaços “Sejam creches, pré-escolas, parques

infantis etc., em todas as diferentes instituições de educação infantil [...], o espaço

físico expressará a pedagogia adotada.” (BRASIL, 1998a) Assim pode-se notar que

houve uma intenção para que se começasse a pensar na não neutralidade dos

espaços educacionais.

O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (BRASIL, 1998b,

p. 83), define como fundamental que o “ambiente físico deva ser arranjado de

acordo com as necessidades e as características dos grupos de criança”. Tal

preocupação é justificada, pois “a qualidade e a quantidade da relação criança–

criança, adulto-criança, dos objetos, dos brinquedos e dos móveis presentes no

9A organização dos documentos que são mencionados abaixo foi retirada do documento Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil. (BRASIL, 2006a).

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ambiente dependem do tamanho das crianças e podem se transformar em

“poderosos instrumentos de aprendizagem .” (grifos meus). Cerisara (1999, p. 19)

faz uma crítica a esse documento, colocando que ele se contradiz com as

perspectivas de educação anteriormente trabalhadas. Segundo a autora

Este documento pode significar um retrocesso para a Educação Infantil no Brasil, pois não só apresenta uma proposta escolarizante para as crianças de 4 a 6 anos, como estende esta proposta para crianças de 0 a 3 anos. A intenção era pensar espaços, objetos, materiais que favorecessem única e exclusivamente a criação de instrumentos de aprendizagens.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL,

1999), o espaço físico aparece junto às propostas pedagógicas como um dos

elementos que possibilitam a implantação e melhoramento das diretrizes. (art. 3o,

VII).

Já as Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2000)

enfatizam aspectos referentes à: localização, acesso, segurança, meio ambiente,

salubridade, saneamento, higiene, tamanho, luminosidade, ventilação e temperatura,

de acordo com a diversidade climática regional, afirmando ainda que os espaços

internos e externos deverão atender às diversas funções da instituição de Educação

Infantil.

Em 2001, com a aprovação do Plano Nacional de Educação – PNE

(BRASIL, 2001) colocam-se critérios e parâmetros de qualidade para os espaços

físicos da educação infantil. Nesse Plano, destacam-se dez itens que estão

relacionados à questão do espaço. Interessante observar que esse documento está

em consonância com as diretrizes.

A Meta nº 2 destaca:

padrões mínimos de infraestrutura para o funcionamento adequado das instituições (creches e pré-escolas) públicas e privadas, que, respeitando as diversidades regionais assegurem o atendimento das distintas faixas etárias e das necessidades do processo educativo quanto a: (a) espaço interno, com iluminação, insolação, ventilação, visão para o espaço externo, rede elétrica e segurança, água potável, esgotamento sanitário; (b) instalações sanitárias e para a higiene pessoal das crianças; (c) instalações para preparo e/ou serviços de alimentação; (d) ambiente interno e externo para o desenvolvimento das atividades, conforme as diretrizes curriculares e a metodologia da Educação Infantil, incluindo repouso, expressão livre, movimento e brinquedo; (e) mobiliário, equipamentos e materiais pedagógicos; (f) adequação às características das crianças especiais. (BRASIL, 2001, p. 61).

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A Meta nº 3 estabelece que as instituições públicas e privadas de

Educação Infantil, para funcionarem precisam atender aos requisitos de

infraestrutura da segunda meta. A Meta nº 4 diz que as instituições em

funcionamento deverão fazer uma adaptação em seus prédios, de modo que, até

2006, “todos [deveriam estar] conformes aos padrões de infraestrutura

estabelecidos.” (BRASIL, 2001, p. 62).

Já a Meta nº 18 estabelece “adotar, progressivamente, o atendimento em

tempo integral para as crianças de 0 a 6 anos”. Por isso torna-se necessário

repensar a organização do espaço considerando-se as várias atividades de cuidado

e educação e a variedade de situações e atividades a serem oferecidas às crianças

tendo em vista o tempo de permanência delas na instituição.

O Documento Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de

Educação Infantil propõe “incorporar metodologias participativas que incluam as

necessidades e os desejos dos usuários, a proposta pedagógica e a interação com

as características ambientais” (BRASIL, 2006a). Dentre as necessidades dos

usuários, destaca-se, também, uma preocupação com ambientes planejados para

assegurar acessibilidade às pessoas com necessidades especiais, sejam elas

crianças, professores, funcionários ou membros da comunidade.

Esse documento valoriza também a participação do/a professor/a, junto

com as crianças na organização dos espaços na educação infantil. O professor é

concebido como o organizador dos espaços, devendo incorporar suas propostas

pedagógicas nessas organizações e, em certa medida, “os valores culturais das

famílias, fazendo-o de modo que as crianças possam resignificá-los e transformá-

los.” (BRASIL 2006b).

O documento mais recente que temos na área, são as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. (BRASIL, 2009). Nesse documento:

As instituições de Educação Infantil devem tanto oferecer espaço limpo, seguro e voltado para garantir a saúde infantil quanto se organizar como ambientes acolhedores, desafiadores e inclusivos, plenos de interações, explorações e descobertas partilhadas com outras crianças e com o professor. Elas ainda devem criar contextos que articulem diferentes linguagens e que permitam a participação, expressão, criação, manifestação e consideração de seus interesses.

Pode-se perceber, nos dois últimos documentos (BRASIL, 2006;

BRASIL, 2009), uma preocupação para além dos pressupostos arquitetônicos e

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higienistas. Esses documentos apontam para a criação de contextos, relações que

possibilitem a acolhida, o desafio, a exploração, a participação e expressão de

crianças e adultos que partilham e comungam o mesmo espaço. Essas idéias

aproximam-se com a de lugar.

Na presente pesquisa, atribui-se fundamental importância à

infraestrutura das instituições de educação infantil. As crianças têm direito a “um

espaço físico adequado, à conservação, acessibilidade, estética, ventilação,

insolação, luminosidade, acústica, higiene, segurança e dimensões em relação ao

tamanho dos grupos e ao tipo de atividades realizadas.” (BRASIL, 2009).

Mas o espaço (projetado, planejado) não garante, ele potencializa o

lugar. O espaço pode agradar aos olhos dos adultos, mas, muitas vezes, pode

carecer da personalidade das crianças que o habitam. Há instituições que parecem

limpas, ávidas e com estruturas modernas, porém sente-se falta de marcas

pessoais, simbólicas e singulares do grupo que por elas é habitado.

Temos, portanto, que os espaços são designados pela infraestrutura,

arquitetura, mobiliário, acessibilidade, estética, higiene dentre outros. Por outro lado

os lugares podem ser pensados como as relações, a singularidade e as

experiências. A intenção é enxergar, focar, para além daquilo que é possível ver

com os olhos, mas possibilitado pelos lugares. Ou seja, movimento do espaço se

constituindo em um lugar.

3.2 A CONSTITUIÇÃO DO LUGAR: MEDIDA PELO ENCANTAMENTO...

A casa onde passei minha infância era pequena tinha três cômodos. Situava-se em um morro, onde havia apenas, ela o resto era um pasto enorme. Aquele morro era o lugar de que eu mais gostava. Aos domingos, com a visita das primas íamos atrás das folhas de coqueiro para abrigar nosso corpo e escorregar lá de cima. Fazíamos essa brincadeira repetida vezes... Lembro-me como se fosse hoje, do vento que balançava nossos cabelos e do cheiro gostoso de pasto molhado. Ai, minha filha como era bom [...] (Relato da infância de minha mãe, Lucia).

Um brilho especial no olhar. Um sorriso nos lábios. Aos 70 anos, essa

senhora volta no tempo, se torna menina outra vez ao relembrar o passado, fazendo

um “achadouro” de sua infância. Relembra um lugar que, para outros, poderia ser

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apenas mais um morro entre tantos que existem na paisagem serrana, mas, para

ela, ergue uma montanha de significados.

A experiência direta em determinados espaços é o que caracteriza a

presença de um lugar. Desta forma:

O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. As idéias espaço e lugar não podem ser definidas uma sem a outra. A partir da segurança e estabilidade do lugar, estamos cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço, e vice-versa. (TUAN, 1980, p. 6).

O lugar possui um significado para além do sentido físico e geográfico,

está relacionado à experiência. “O lugar é um centro de significados construído pela

experiência” (TUAN, 1980, p. 22). A partir da relação afetiva que os sujeitos

desenvolvem ao longo de sua vida na convivência com o lugar e com o outro, é que

se estabelecem os lugares de ser e estar. Essa relação é carregada de emoções

que fazem com que os sujeitos sintam-se protegidos e seguros, uma sensação de

lar. (TUAN, 1983).

Viñao Frago e Escolano (1998, p. 61) afirmam que o lugar está contido no

espaço. Para eles:

O “salto qualitativo” que leva o espaço ao lugar é uma construção. O espaço se projeta ou se imagina; o lugar se constrói. Constrói-se a partir do fluir da vida e a partir do espaço como suporte; o espaço, portanto, está sempre disponível e disposto, para converte-se em lugar, para ser construído.

Todo lugar é constituído a partir de um espaço, mas o espaço é apenas

potencialmente um lugar. Os espaços ganham uma nova configuração à medida que

as pessoas vão ocupando, atribuindo sentidos e significados. Nesse processo, que é

tocado, como já apresentamos acima, pelos afetos, os espaços geográficos vão

ganhando uma configuração que ultrapassa seu aspecto material.

Podemos afirmar que o espaço é, assim, suporte na construção do lugar.

A existência de um espaço do ponto de vista arquitetônico, funcional e estético

possibilita a construção de lugares, mas não garante a sua concretização. Pois o

espaço é sempre potencial e por isso abriga possibilidades, mas, não garante a

efetivação de lugares.

Nessa linha, cabe-nos pensar o espaço coletivo de educação de crianças

de 0 a 5 anos. Como vimos anteriormente, existem documentos legais que orientam

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sua estruturação e construção. Esses documentos se consolidam em importantes

orientações que indicam o que seria um espaço de qualidade para as crianças que

freqüentam as instituições de Educação Infantil. Contudo, o fato de esses espaços

estarem estruturados de acordo com os documentos legais, não garante que eles se

constituam em um lugar para as crianças.

Assim, a instituição de educação infantil pensada e projetada para ser

espaço de educação e cuidado das crianças pode ou não se constituir em um lugar

da/para infância. Pois o lugar representa a ocupação do espaço pelas crianças que

ali habitam e lhe atribuem significado, legitimando a sua condição. De acordo com

Buttimer (1985, p. 98) “os lugares só adquirem identidade e significado através da

intenção humana e da relação existente entre aquelas intenções e os atributos

objetivos do lugar.” Assim, entendemos que é a relação entre o espaço físico, os

sujeitos e as atividades ali desenvolvidas que conferem ou não identidade e

significado ao lugar.

É a dimensão humana que transforma o espaço em lugar. O lugar se

constitui quando atribuímos sentido aos espaços, ou seja, quando reconhecemos a

sua legitimidade. Nas palavras de Tuan (1983, p. 151) “o espaço transforma-se em

lugar à medida que adquire definição e significado.” Quando se diz “esse é um lugar

de”, extrapolamos a sua condição de espaço e atribuímos um sentido cultural,

simbólico e subjetivo a sua localização. Muitas vezes, ao pensar em determinadas

experiências que tivemos ocorre mencionarmos “aquele foi o lugar certo para” ou ao

contrário dizer “aquele não era lugar de”. Expressões como essas demonstram uma

dimensão simbólica aos lugares que vão além do físico e espacial, assumem uma

condição humana e subjetiva. Na construção de lugares, entram em jogo a

representação e o sentido que os sujeitos atribuem aos mesmos.

O espaço se projeta e o lugar se constitui à medida que as pessoas o

habitam, estabelecem relações, sentidos e o reconhecem como tal. O lugar é o

espaço preenchido a partir dos significados de quem o ocupa.

O lugar não é uma realidade pronta ou apenas externa ao indivíduo. É uma realidade psicológica viva. Algo que não está lá fora, mas sim aqui dentro na forma de signo carregado de valor. Essa condição cria um mútuo pertencimento entre os indivíduos, grupos e lugar. Constituímos o lugar e somos por ele constituídos. (VASCONCELLOS, 2004, p. 79-80).

Seguindo essa perspectiva, pensamos ser possível afirmar que o lugar é

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um elemento determinante na constituição dos sujeitos. Consideramos que o lugar

da educação infantil não é apenas constituidor das crianças, mas também

constituídos por essas e, nesse sentido, entendemos que é fundamental oportunizar

que os bebês infrinjam suas marcas e estabeleçam sentidos a este lugar. Não

apenas por uma questão desses espaços serem potencialmente “instrumentos”

mediadores de aprendizagem, mas por considerarmos que ele é fundamental na

constituição dos sujeitos. Como possibilitar que o espaço da educação infantil se

constitua em um lugar para os sujeitos? Para Relph (1980 apud FERREIRA, 2000a,

p. 48) o espaço transforma-se em lugar através de “uma profunda e imediata

experiência do mundo que é ocupado com significados e, como tal, é a própria base

da existência humana.” Para que o lugar se constitua, é preciso que ele empreenda

significados para os bebês que o estão habitando (vivenciando) e esse significado

só pode ser construído através da experiência mediada pelos elementos e sujeitos

que constituem o lugar.

3.3 “NOTAS SOBRE A EXPERIÊNCIA” 10: O ENCANTAMENTO EM NÓS

O termo experiência, atualmente, se faz bastante presente nas

discussões que envolvem a educação de crianças de 0 a 5 anos, em especial, a

educação de bebês. Várias pesquisas e documentos apontam a necessidade de

valorizar a experiência como forma privilegiada de viver a infância. Seria impossível

enumerarmos o número de vezes em que a palavra experiência é citada nas

pesquisas, estudos e documentos recentes na área da educação infantil. Dentre as

várias possibilidades, optei por focar apenas alguns trechos das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Trago essa referência por se tratar

de um documento mandatório na área, ou seja, todas as instituições no âmbito

nacional submetem à organização de sua proposta pedagógica a este documento.

Veremos alguns trechos em que palavra experiência aparece (BRASIL, 2009):

É necessário pensar um currículo sustentado nas relações, nas interações e em práticas educativas intencionalmente voltada para as experiências

10Este subtítulo está baseado no texto: Nota sobre a experiência e o saber da experiência de Larrosa (2001).

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concretas da vida cotidiana [...]. (p. 13). As propostas curriculares da Educação Infantil devem garantir que as crianças tenham experiências variadas com as diversas linguagens [...]. (p. 15). Experiências que promovam o envolvimento da criança com o meio ambiente e a conservação da natureza e a ajudem elaborar conhecimentos [...]. (p. 18). (grifos meus)

O conceito de experiência não está claro e por vezes acaba se

confundindo com outros termos. Uma das interpretações possíveis é conceber a

experiência como sinônimo de vivência. No próprio dicionário encontramos tal

significado “Experiência: 1 conhecimento que se obtém na prática. 2. Prática da

vida . 3. Habilidade ou perícia resultante do exercício contínuo de uma profissão, arte

ou ofício. 4. Experimento.” (FERREIRA, 2008, p. 389, grifos meus ).

Tratando-se de um conceito importante nesta pesquisa já que “o lugar é

compreendido como um centro de significados construído pela experiência” (TUAN,

1980) ou ainda “o lugar se refere a tipos de experiência e envolvimento com o

mundo” (RELPH, 1980 apud FERREIRA, 2000a), torna-se fundamental evidenciar o

que se entende por experiência, pois é ela que irá conferir o sentido ao lugar. Para

tanto, busco alguns autores afim de compreender os conteúdos e significados que

deles provêm.

No texto de Larrosa (2001) denominado “Nota sobre a experiência e o

saber da experiência”, o autor afirma que experiência “é o que nos passa, o que nos

acontece, o que nos toca. Não o que passam, o que acontece ou o que toca. A cada

dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece.”

(LARROSA, p. 21). Na visão do autor, no dia-a-dia vivenciamos diversos

acontecimentos, muitas vezes, de forma automática. Poucas situações, no cotidiano

atribulado, marcado pela pressa, pela lógica temporal do relógio, realmente nos

passam, nos tocam e nos marcam sensivelmente, ou seja, nos possibilitam viver

experiências.

Larrosa, inspirado em Walter Benjamin, ao apresentar essa definição de

experiência me levou a estabelecer relações entre espaço e vivência e lugar e

experiência. Essa relação, faço a partir do conceito benjaminiano que propõe pensar

à palavra experiência em oposição a palavra vivência. Nessa acepção, o termo

vivência que se origina do verbo alemão “erleben” e significa estar em vida quando

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um fato acontece , pressupõe presenciar um evento. Já o termo experiência seria

mais amplo, pois deriva do verbo “erlebinis” que significa impressão forte, aquilo

que produz efeitos no ser humano . Dessa forma, poderíamos associar a palavra

vivência ao espaço, pois nele vivenciamos muitos acontecimentos e fatos, mas se

no espaço “vivenciamos” situações que nos tocam, que nos fazem sentido, esse

espaço poderá transcender seu sentido físico e material e se constituirá em lugar

simbólico e, portanto, passível de possibilitar experiências aos que nele convivem.

Proponho neste trabalho pensarmos em outros possíveis sentidos do

termo vivencia. Nos escritos de Benjamin, vivencia está associado a uma vida

cotidiana limitada, ordinária, vazia, fechada à novidade, ou seja, pobre em

experiência. Por outro lado, nos escritos do mesmo autor experiência está

relacionada a impressão forte, marcas repletas de sentidos e significados

entranhados no sujeito que viajou no tempo ou no espaço. Sendo o espaço físico

potencialmente um lugar, sugiro pensarmos a vivencia enquanto possibilidade ou

não de experiência uma vez que esta é mediada pelo tempo cronológico do sujeito e

pelos espaços que os sujeitos viajantes, em especial, circulam. Para possuirmos

experiências é necessário, presenciar um evento, estar em vida quando um fato

acontece. Ler um livro, ouvir uma música, fazer uma viagem são vivencias que

podem se constituir em experiência ou não. Logo podemos dizer que se a vivencia

for significativa e constitutiva da subjetividade do sujeito ao longo do tempo, se

acontecer de ela, a vivencia, nos tocar e nos marcar sensivelmente, ela poderá se

constituir em experiência do sujeito que se deslocou no tempo. Assim, neste

trabalho entendemos que um espaço de vivencias abriga possibilidades de vir a se

constituir em lugares de experiência.

Em uma das memórias de sua infância, Benjamin relembra, a profunda

experiência que teve com “o jogo das letras” em seus primeiros anos de vida. A

partir do significado subjetivo e da relação impar que o autor estabeleceu com esse

objeto, ele deixa de ser apenas um “jogo de letras” e nas palavras do autor, “passa a

ser parte integrante de sua infância”.

De todas as coisas com que me envolvi em meus primeiros anos de vida, nada desperta em mim mais saudades que o jogo das letras. A saudade que em mim desperta o jogo das letras prova como foi parte integrante da minha infância. O que busco nele na verdade, é, ela mesma: a infância por inteiro, tal qual a sabia manipular a mão que empurrava as letras no filete, onde se ordenava como uma palavra. A mão pode ainda sonhar com essa

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manipulação, mas nunca mais poderá despertar para realizá-la de fato. Assim, posso sonhar como no passado aprendi a andar. Mas isso de nada adianta. Hoje sei andar; porém nunca mais poderei tornar a aprendê-lo. (BENJAMIN, 1994, p. 105).

A experiência é única, singular, simbólica e repleta de sentidos.

Benjamim, voltando a sua meninice, ajuda-me a compreender e valorizar a

experiência como marca que constitui o humano. Mesmo que vivamos em épocas

difíceis de acumular experiências. Marcas essas que ficam impregnadas em nós

para sempre. Tais marcas tornam-se passíveis de serem narradas para, assim,

configurarem-se em experiências. Benjamin acredita que é na arte de narrar que

recuperamos nossa memória, nossa cultura. São elas que nos reconduzirão à tarefa

histórica e cultural de ser humano. Tarefa esta impossibilitada pela pobreza da

nossa experiência suplantada, na modernidade, pelo acúmulo de vivencias sem

sentidos.

Walter Benjamin (1993) no texto “Experiência e Pobreza” diz que a

pobreza da experiência aparece como soma ou característica da Modernidade,

juntamente com a decadência da arte de narrar e compartilhar. Esse texto faz uma

alusão a impossibilidade das experiências ocorrerem no contexto atual devido à

pressa da humanidade e rapidez com que as informações são difundidas no mundo.

Para o autor, esse fato ocasiona a pobreza de experiência na humanidade e pode

conduz o ser humano à barbárie. (BENJAMIM, 1986, p. 115).

Analisando criticamente a Modernidade, o autor relaciona a pobreza de

experiências à ânsia pelo progresso e desenvolvimento do mundo moderno. A

construção desta relação advém da crítica à compressão do tempo no mundo

moderno que caminha velozmente para o futuro. E não necessariamente no sentido

de melhorar as condições de existência. Nessa perspectiva, o passado seria o velho

(em oposição ao sempre igual), o antigo, o sem valor, aquele que precisa ser

substituído pelo progresso marcado pelo olhar vigilante do anjo. Sendo o futuro, o

único tempo que interessa num bárbaro processo triunfante do progresso. O

presente, nesse contexto, é tomado apenas como um “obscuro ontem, a promessa

de um amanhã mais iluminado” (OSWALD, 1989 apud KRAMER, 2003b, p. 66). A

obsessão pelo futuro acaba impossibilitando o homem de fazer experiências, pois

imprimi a si mesmo um ritmo que a impossibilita.

Para Benjamin (1993), as condições de produção e as transformações de

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técnicas na sociedade capitalista também interferem na pobreza de experiência.

Apoiado em análises de Marx, ao abordar a questão das relações de produção neste

sistema, denuncia a degradação das experiências. Coloca que a organização do

trabalho pré–capitalista, especialmente a atividade artesanal em virtude de seu ritmo

lento e do caráter de totalidade em que era produzido possibilitava ao homem o

fazer e o sentir. Porém, a institucionalização da produção em série, seu ritmo

acelerado, fragmentado, os gestos repetitivos e carentes de sentido impossibilitam o

homem de experienciar, fazendo dele um objeto sem memória e sem história. Em

suas palavras:

Podemos agora tomar distância para avaliar o conjunto. Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las, muitas vezes, a um centésimo do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do “atual” (BENJAMIM, 1993, p. 119).

A sociedade moderna capitalista é também criticada por Benjamim por

suas visões. Visões essas que privilegiam o acúmulo de riqueza, legitimam um único

tipo de conhecimento e valorizam a dimensão do ter e não do ser. Uma sociedade

em que não há mais uma relação de pessoas inteiras em que predominam as

“vivências” e não as “experiências”.

Seguindo as ideias de Benjamin, Larrosa (2001, p. 21) anuncia que

“nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara” e

aponta quatro razões que impossibilitam a experiência no mundo contemporâneo:

excesso de informação, excesso de opinião, falta de tempo e excesso de trabalho.

Argumenta que o funcionamento perverso do par informação/opinião associado à

falta de tempo e excesso de trabalho anulam as possibilidades de experiência, ou

seja, faz com que “nada nos aconteça”.

Nós não só somos sujeitos ultra-informados, transbordantes de opiniões e superestimulados, mas também sujeitos cheios de vontade e hiperativos. E por isso, porque sempre estamos querendo o que não é, porque estamos sempre em atividade, porque estamos sempre mobilizados, não podemos parar. E, por não podermos parar, nada nos acontece. (LARROSA, 2001, p. 19).

Em outra perspectiva teórica, Tuan (1983, p. 9) ao referir-se à importância

da experiência direta dos sujeitos na construção de lugares, diz que “na experiência,

o significado de espaço se funde com o de lugar. [...] Se pensamos o espaço como

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algo que permite o movimento, então o lugar é a pausa; cada pausa no movimento

torna possível que a localização se transforme em lugar.”

Assim, a existência de um lugar só se fez possível porque o espaço não

foi apenas um espaço de passagem, mas um espaço onde foi possível fazer uma

ocupação simbólica. Essa ocupação simbólica que se constitui a partir da

experiência é que vai elevar qualitativamente o espaço à condição de lugar. Nas

palavras de Larrosa (2001, p. 20):

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Para que as crianças reconheçam a instituição de educação infantil como

um lugar, é preciso oportunizar espaços de vivencias que possam vir a se constituir

em experiência para elas, possibilitar que algo aconteça e toque os meninos e

meninas que ali vivem grande parte de sua infância. Isso requer a atitude de

desacelerar, olhar, escutar e sentir. Na correria do dia-a-dia, no automatismo de

nossas ações em função de uma rotina rígida e linear, muitas vezes, não temos

tempo para ver, reparar o outro. Sequer paramos para abrir nossos olhos e ouvidos,

sequer paramos para ir ao encontro do outro ou nos deixarmos ser encontrados.

Portanto, para as professoras da educação infantil, em especial, torna-se

primordial ver, ouvir, sentir e perceber os bebês. Porém o ato de ver, ouvir e sentir

não são naturais. Precisam ser aprendidos. Nietzsche sabia disso e afirmou que a

tarefa da educação é ensinar a ver. Isso me leva a querer olhar: Quais as

configurações físicas do espaço da creche? De que forma os bebês e adultos

ocupam e se relacionam nesses espaços? Como a ocupação e relações

estabelecidas no espaço constituem-se em lugares dos/para os bebês?

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4 EU ANDO POR AQUI DESDE PEQUENO: PERCURSOS INVESTI GATIVOS

A trajetória que constrói o objeto desta pesquisa se configura na estrada

em que caminho desde minha infância. O percurso trilhado, na “escola” da v

academia, levou-me por labirintos, trilhas e, muitas vezes, armadilhas, por isso foi

preciso abandonar rumos e reconstruir novos trajetos para conseguir chegar até

aqui. Hoje, revisito as trajetórias

ofereça visibilidades, espaços e lugares

Como forma de

exploratório, da pesquisa de inspiração etnográfica e das estratégias metodológicas

utilizadas neste trabalho.

4.1 SOBRE O ESTUDO EXPLORATÓRIO: UMA PLURALIDADE DE CAMINHOS

Onde pesquisar? Como esc

foram as dúvidas [...]. S

pesquisa, precisava estabelecer alguns critérios. O primeiro foi o fato de a creche

ser uma instituição pública. Sendo a educação i

necessário investigá-la e realizar reflexões no âmbito do atendimento público, para

que seja garantido o direito a toda criança entre 0 e 5 anos a uma educação de

qualidade.

4 EU ANDO POR AQUI DESDE PEQUENO: PERCURSOS INVESTI GATIVOS

Eu ando por aqui desde pequeno. E sinto que ela bota sentido em mim. Eu acho que ela manja que fui para a escola e estou voltando agora para revêindiferença pelo meu passado. Eu sinto mesmo que ela me reconhece agora, tantos anos depois [...]. (BARROS, 2003).

A trajetória que constrói o objeto desta pesquisa se configura na estrada

em que caminho desde minha infância. O percurso trilhado, na “escola” da v

me por labirintos, trilhas e, muitas vezes, armadilhas, por isso foi

abandonar rumos e reconstruir novos trajetos para conseguir chegar até

. Hoje, revisito as trajetórias e procuro construir um percurso investigativo que

s, espaços e lugares à infância, sobretudo em educação i

Como forma de conduzir tal processo, apresento elementos do estudo

exploratório, da pesquisa de inspiração etnográfica e das estratégias metodológicas

utilizadas neste trabalho.

4.1 SOBRE O ESTUDO EXPLORATÓRIO: UMA PLURALIDADE DE CAMINHOS

Onde pesquisar? Como escolher uma entre tantas instituições? Muitas

foram as dúvidas [...]. Sabia que, para a escolha da instituição como

precisava estabelecer alguns critérios. O primeiro foi o fato de a creche

a instituição pública. Sendo a educação infantil um direito da criança, torna

la e realizar reflexões no âmbito do atendimento público, para

que seja garantido o direito a toda criança entre 0 e 5 anos a uma educação de

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4 EU ANDO POR AQUI DESDE PEQUENO: PERCURSOS INVESTI GATIVOS

pequeno. E sinto que ela bota sentido em mim. Eu acho que ela manja que fui para a escola e estou voltando agora para revê-la. Ela não tem indiferença pelo meu passado. Eu sinto mesmo que ela me reconhece agora, tantos anos depois [...]. (BARROS,

A trajetória que constrói o objeto desta pesquisa se configura na estrada

em que caminho desde minha infância. O percurso trilhado, na “escola” da vida e da

me por labirintos, trilhas e, muitas vezes, armadilhas, por isso foi

abandonar rumos e reconstruir novos trajetos para conseguir chegar até

e procuro construir um percurso investigativo que

sobretudo em educação infantil.

conduzir tal processo, apresento elementos do estudo

exploratório, da pesquisa de inspiração etnográfica e das estratégias metodológicas

4.1 SOBRE O ESTUDO EXPLORATÓRIO: UMA PLURALIDADE DE CAMINHOS

olher uma entre tantas instituições? Muitas

para a escolha da instituição como locus da

precisava estabelecer alguns critérios. O primeiro foi o fato de a creche

antil um direito da criança, torna-se

la e realizar reflexões no âmbito do atendimento público, para

que seja garantido o direito a toda criança entre 0 e 5 anos a uma educação de

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O ensino público no município de Tubarão conta com 25 Centros de

Educação Infantil (CEI) com atendimento parcial e integral onde são atendidas 2.065

crianças com idade entre 0 a 5 anos11. A trajetória de pesquisa com crianças na

educação infantil do município é recente na rede12. Em um universo como esse, a

escolha da creche a ser investigada consistiu-se um grande desafio: como escolher

uma dentre tantas?

Optei por aquela com maior visibilidade no município, considerando o

número de crianças matriculadas. Foi assim que dei meus primeiros passos, na

direção de conhecer o Centro de Educação Infantil Peixinho Dourado - CAIC. Essa

instituição está localizada no bairro Humaitá de cima, próximo à BR 101. Embora a

creche esteja localizada longe de minha casa e da própria universidade, fiz esta

opção por querer contemplar a maior e mais conhecida instituição do município de

Tubarão. Essa creche atende crianças de 0 a 5 anos em período integral desde os

45 dias de vida. O fato de as crianças freqüentarem o espaço da instituição 12 horas

por dia durante os cinco dias da semana, colocou-se como outro critério, pois

considero necessário e urgente pensar os espaços/lugares em que elas vivenciam

sua infância.

Após a escolha da instituição, novas questões se fizeram presentes.

Quem pesquisar? Sabia que eu queria pesquisar as crianças, porque entendo que

para conhecê-las, é necessário ver e ouvir o que elas têm a nos dizer. Mas que

crianças contemplar? Todas as de 0 a 5 anos? Somente as maiores? As bem

pequenininhas?

A faixa etária então foi definida tendo em vista a minha experiência como

coordenadora do projeto de extensão universitária intitulado: “Brinquedoteca:

brincadeira levada a sério”. Esse projeto recebe visitas sistemáticas dos centros de

educação infantil e escolas do ensino fundamental I do município e embora conte

com um espaço estruturado para receber crianças de 0 a 10 anos, em cinco anos de

funcionamento, não há registros de nenhuma visita de bebês de 0 a 2 anos de

idade. Esse fato chamava-me atenção. Onde estão os bebês? Por que não

recebemos a visita deles? Qual o espaço a eles destinado? Como são os espaços 11Segundo informações do site da Secretaria Municipal de Educação de Tubarão, acessado em 28 de janeiro de 2010. 12Em pesquisa ao acervo do banco de Teses e Dissertações da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL encontram-se apenas dois estudos voltados para a Educação Infantil no município de Tubarão e região. (DOMINGUES, 2003; SHILICKMANN, 2002).

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dos CEIs que eles frequentam? Esses motivos, aliado a recente produção

bibliográfica nacional encontrada sobre os bebês e sua vida na creche, é que me

motivaram a pesquisar as crianças menores de 3 anos.

Definida a instituição e uma possível faixa etária, entrei em contato com a

creche. Fui muito bem recebida e pude notar um grande entusiasmo da

coordenadora pedagógica referente à produção do estudo com as crianças

pequenas. Em conversa, me colocou a respeito da carência que a instituição sentia

em relação a livros e materiais que falem sobre como podemos “estimular” mais os

bebês.

Tristão (2004), em sua dissertação de mestrado, faz uma discussão a

respeito da concepção de bebê nas creches enquanto “seres que se desenvolvem

de uma maneira pré-determinada seguindo uma sequência de estágios imutável e

universal”. Nessa concepção, o papel das instituições de educação infantil seria o

de “estimular” ao máximo os bebês para que eles possam passar por todos os

estágios de desenvolvimento. E essa era a concepção de criança e educação infantil

que me recebia na instituição.

Após essa conversa inicial, fui levada para conhecer os espaços da

instituição e as salas das crianças da creche. A divisão das crianças por turma dá-se

por idade:

− Creche I – crianças de 45 dias a 1 ano de idade.

− Creche II crianças de 1 a 2 anos de idade.

− Creche III crianças de 2 e 3 anos de idade.

− Pré I crianças de 3 e 4 anos de idade.

− Pré II crianças de 4 e 5 anos de idade.

A instituição contava com duas turmas de creche I, três turmas de creche

II e duas turmas de creche III, totalizando cinco turmas de crianças de 0 a 3 anos.

Os sujeitos da pesquisa constituíam-se em um universo muito amplo já que havia

optado por realizar um estudo de caso com inspiração etnográfica. Assim vi-me

obrigada a fazer mais escolhas. Qual a idade? Qual turma?

Confesso que, inicialmente, mesmo talvez sem dar-me conta, logo fiz

opção pelas crianças de 2 e 3 anos. Pensava que por elas serem maiores, eu

poderia dar maior visibilidade às suas falas, expressões, gostos e sentimentos..

Porém algo nessa decisão me incomodava e novas questões surgiam: Por que fiz a

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escolha pelos maiores? Não estaria eu sendo preconceituosa com os bebês?

Poderiam eles, mesmo sem ainda falar, me dizerem algo?

Lado a lado a essas questões, compreendendo e desejando uma

pesquisa de cunho formativo, senti a necessidade de realizar um estudo

exploratório. Esse “desvio” na pesquisa teve por intenção auxiliar a escolha dos

sujeitos e levantar questões e possibilidades que me auxiliassem na construção de

meu objeto.

Benjamin (1993) propõe o desvio como sendo metodologicamente um

caminho privilegiado - se não o mais fértil - pois ele guarda a infinidade dos

caminhos a seguir. O autor utiliza-se da alegoria do tapete para falar da riqueza do

inusitado:

Todo conhecimento, disse ele, deve conter um mínimo de contra-senso, como os antigos padrões de tapete ou de frisos ornamentais, onde sempre se pode descobrir, nalgum ponto, um desvio insignificante de seu curso normal. Em outras palavras: o decisivo não é o prosseguimento de conhecimento em conhecimento, mas o salto que se dá em cada um deles. É a marca imperceptível da autenticidade que os distingue de todos os objetos em série fabricados segundo um padrão. (BENJAMIN, 1993, p. 264).

No tapete, os fios são cruzados com perfeição, permitindo acompanhar o

percurso certo dos fios que o configuram. O desenho de seu curso já está definido,

até que nalgum ponto um fio escapa. Nisso, o olhar volta-se para o fio que se soltou

e passamos a observar o desenho do tapete com mais atenção. (BENJAMIN, 1993).

Foi isso que aconteceu, a pesquisa estava tecida em minha mente. Procurava

“ouvir”, no sentido literário da palavra, o que as crianças tinham para me falar a

respeito do espaço e do lugar na creche. Foi o fio solto, a incerteza que provocou

meu olhar, desafiando-me a observar e a talvez construir uma nova configuração da

pesquisa.

Nessa direção, voltei até a creche e propus realizar um estudo

exploratório para conhecer melhor as crianças. Passei uma manhã em cada turma,

iniciando pelos maiores e finalizando com os bebês. Utilizei apenas o diário de

bordo. Procurei registrar os movimentos dos grupos, suas ações/reações e as

minhas impressões. Ao chegar à sala dos bebês (creche I), fiquei afetada. Eram

tantas ações, cenas, movimentos, impressões que em um primeiro momento,

parecia ser impossível focar o olhar em determinadas situações. Muitas coisas

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aconteciam ao mesmo tempo na sala dos bebês!

O que diferencia o espaço da sala de bebês para uma sala de crianças de

5 anos? Será que móbiles, espelhos e brinquedos sensório-motor dão conta de

expressar um espaço dos bebês? O que diferencia uma sala de bebês para outra

sala de bebês? Como dá-se a construção de um espaço e um lugar atentos a tais

singularidades? Qual o papel dos adultos nestas construções?

Outro “fio na pesquisa se solta” e provoca meu olhar. Inicialmente

pensava em pesquisar somente os bebês. Ao realizar o estudo exploratório, percebi

que o fato de dar visibilidade às crianças não implica produzir a invisibilidade dos

adultos. (BARBOSA; KRAMER; SILVA, 2005, p. 48) afirmam:

É preciso superar o mito do protagonismo infantil e analisar criticamente as mudanças nos papéis e nas formas de interação entre crianças e adultos, compreendendo a infância como categoria e as crianças como sujeitos empíricos em interação constante com crianças, jovens e adultos. Por se constituir como um campo das ciências humanas e sociais, na pesquisa com crianças, pesquisamos sempre relações, o que torna fundamental ver e ouvir.

Embora sucinto, este estudo exploratório foi fundamental para educar meu

olhar e auxiliar na escolha do grupo a ser pesquisado. Nele, os bebês revelaram-me

que tinham muito a dizer pelos gestos, sorrisos, choro, movimentos e tantas outras

formas sofisticadas de comunicação. Esses seres de pouca idade mostraram-me

que era preciso construir um olhar e uma escuta sensível a eles, aos espaços, aos

adultos e às interações.

A presente pesquisa tem como lócus uma creche pública municipal

da cidade de Tubarão, o CEI Peixinho Dourado CAIC. Como sujeitos, um grupo

de 10 bebês e quatro adultos, duas professoras e du as auxiliares . Denominado

como Creche I a turma dos bebês é formada por 6 meninas e 4 meninos com as

seguintes idades, no início deste estudo13:

(continua)

NOME DO BEBÊ IDADE

Augusto 9 meses

Carolina 14 meses

13 Através do Termo de Consentimento Esclarecido estabeleceu-se com a instituição, professoras e familiares a autorização das imagens. Optou-se pela utilização dos nomes fictícios dos bebês e das professoras. (ver termo em anexo).

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(conclusão) NOME DO BEBÊ IDADE

Elisa 4 meses

Giovana 12 meses

Livia 18 meses

Maria Eduarda 13 meses

Maicon 13 meses

Pedro 16 meses

Vanessa 11 meses

Vitor 15 meses

Quadro 1 – Grupo dos bebês – Creche I Fonte: C.E.I. Peixinho Dourado

O grupo de educadoras é composto por duas professoras e duas

auxiliares, disponibilizadas nos dois turnos perfazendo o horário das 7 às 19horas.

As crianças ingressam às 7horas, ficando sob a atenção de uma equipe que é

distribuída da seguinte forma:

Primeiro turno (7h às 15h): Ana (professora) e Graziela (auxiliar)

Segundo turno (15h às 19h): Silvia (professora) e Sabrina (auxiliar)

Por foco desta pesquisa, miro os bebês em relação com outros bebês e

com adultos no espaço da creche. Portanto, a tentativa de observar e compreender

como tais espaços constituem-se em lugares. E são esses alguns desafios

investigativos da presente pesquisa.

4.2 CAMINHOS METODOLÓGICOS: DÁ ESCOLHA AOS CAMINHOS

PERCORRIDOS...

Em termos metodológicos, optei por realizar este trabalho em uma

perspectiva de pesquisa qualitativa. Segundo Sarmento (2003, p. 152): “As

investigações qualitativas se caracterizam pela descrição e análise intensiva e

holística de uma dada realidade social e singular de um acontecimento ou de uma

sequência de fatos”.

A partir dessa ideia, busquei construir os movimentos da pesquisa e

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formular maneiras que possibilitassem compreender bebês, adultos e suas relações

no espaço da educação infantil. Assim, desenvolvi este estudo a partir dos

pressupostos referendados pela etnografia. André (2000, p. 32) destaca que na

pesquisa etnográfica “a preocupação principal é com os significados que as ações e

eventos têm para o grupo estudado.” Para a autora, esses significados podem ser

transmitidos diretamente pela linguagem ou indiretamente pelas ações.

Schmitt (2009, p. 57) diz que compreender as diversas formas de

expressões que compõem o ser humano em suas relações não é apenas uma

exigência de pesquisas com as crianças pequenas. “Contudo, fazem-se mais

prementes nos estudos com os bebês, por serem estas as formas privilegiadas

pelas quais se comunicam e se expressam.”

Uma prática de pesquisa que busque dar visibilidade, voz e vez aos

bebês implica necessariamente em: “abrir os ouvidos, apurar o olfato, educar seu

gosto, sensibilizar seu tato, dar tempo, ter caráter livre e intrépido, para então fazer

da [pesquisa] uma aventura, uma experiência.” (LARROSA, 2002, p. 17).

A pesquisa etnográfica por meio da inserção no grupo possibilita

entender as situações de modo ampliado, para além das questões que dizem

respeito a determinados sujeitos, configurando-se em uma forma dinâmica de

compreender as relações e os contextos pesquisados. “Neste caso, ganha

importância não só a ação da criança, mas, particularmente, sua relação com outras

crianças e com outros adultos.” (ROCHA, 2003). Desenvolver uma pesquisa nesta

perspectiva significa pensar e tratar os sujeitos como “preciosidades”, pois são

produtoras e produzidas por significados. Portanto:

É fundamental ver e ouvir. Ver: observar, construir o olhar, captar e procurar entender, reeducar o olho e a técnica. Ouvir: captar e procurar entender; escutar o que foi dito e o não dito, valorizar a narrativa, entender a história. Ver e ouvir são cruciais para que se possam compreender gestos, discursos e ações. Este aprender de novo a ver e ouvir (a estar lá e estar afastado; a participar e anotar; a interagir enquanto observa a interação) se alicerça na sensibilidade e na teoria e é produzido na investigação, mas é também um exercício que se enraíza na trajetória vivida no cotidiano. (BARBOSA; KRAMER; SILVA, 2005, p. 48).

O ato de ver e ouvir são exercícios fundamentais nesta pesquisa.

Enxergar além do que se vê. Ouvir para além da fala oral. Perceber relações que se

fazem presentes por diversas formas de expressões comunicativas. Expressões

estas que adquirem significados e sentidos através do outro. Compreender o choro,

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o olhar, as expressões faciais, os gestos, os movimentos partilhados na/pela relação

dos bebês com outros bebês e adultos requer diferentes procedimentos

metodológicos. Trata-se de reeducar olhos e ouvidos para a sutileza e delicadeza

que envolvem o cotidiano da creche.

Nesta pesquisa, optou-se pelos seguintes instrumentos: Levantamento

bibliográfico, observação participante, registro fotográfico e em vídeo.

Larrosa (2000, p. 197) nos coloca que “escrever é em boa medida, um ir e

vir incessante e, em certas ocasiões, agitado entre o escritório e as estantes da

biblioteca.” Nesse ir e vir, realizei um levantamento bibliográfico por intermédio de

livros, revistas, dissertações, teses, artigos de periódicos em educação relacionados

aos conceitos de: infância, criança, bebê, educação, espaço, lugar e experiência,

além de estudos de documentos referentes ao sistema educativo da Educação

Infantil e à história e organização da instituição onde ocorreu o estudo.

Na tentativa de estabelecer um diálogo interdisciplinar com outros

campos de conhecimento, os autores que ocuparam meu escritório durante a escrita

deste trabalho são: Arquitetura, Lima (1981); Geografia, Tuan (1980; 1983), Relph

(1980), Buttimer (1985) e Santos (1982; 2002); História, Viñao Frago e Escolano

(1998); Psicologia, Wallon (1986; 1979; 1981; 1995), Vigotsky (1998) e Winnicott

(1975; 2006); Sociologia, Sarmento e Pinto (2008, 2004), Filosofia, Benjamin (1984;

1986; 1993; 1994) e Larrosa (2000; 2002) Pedagogia, Barbosa (2000), Rocha (1999)

entre outros.

Esse levantamento contribuiu para a construção de um olhar e escuta que

considera os bebês e adultos envolvidos nesse contexto como sujeitos ativos na

pesquisa.

André (2000) afirma que a observação participante associada a outros

instrumentos como: diário de campo, registro em vídeo e fotográfico possibilitam que

o pesquisador partilhe significações intrínsecas ampliando o olhar para o grupo

pesquisado.

Por meio da observação participante e outras técnicas etnográficas, é possível documentar o não documentado. Isto é, desvelar os encontros e desencontros que permeiam o dia-a-dia da prática escolar, descrever ações e representações dos seus atores sociais, reconstruir a sua linguagem, sua forma de comunicação e os significados que são recriados no cotidiano. (ANDRÉ, 2000, p. 41).

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Também para Coutinho (2002, p. 55), a observação participante consiste

em um instrumento metodológico privilegiado para desenvolver uma investigação na

convivência com crianças. De acordo com a autora, para conhecê-las é preciso

observar, estar junto delas e participar de seu cotidiano.

Assim, durante quatro meses, de agosto a dezembro de 2009, inseri-me

no grupo de bebês da creche, acompanhei e participei de diversos momentos da

vida coletiva deles e dos adultos nesse espaço. O tempo de permanência junto ao

grupo variava entre duas e quatro horas, de três a quatro dias na semana

perfazendo o total de cinquenta e quatro visitas à instituição. Não foi estipulado um

horário fixo de entrada e saída no grupo, pois desejava realizar um

acompanhamento mais amplo do período em que as crianças permaneciam na

creche. O maior tempo de permanência se deu no período matutino já que esse era

o período em que as crianças permaneciam mais tempo acordadas14.

Os instrumentos de coleta dos dados foram o diário de campo,

enriquecido inicialmente pela fotografia e, após dois meses de permanência na

instituição, também pelas filmagens. Minhas observações focaram, inicialmente, as

configurações dos espaços físicos, tais como: arquitetura do prédio, mobiliário,

brinquedos, bem como os aspectos estéticos e funcionais que os envolviam. Após,

meu olhar focou-se nas formas de ocupação, relação e experiências dos bebês, em

suas ações individuais com o espaço e nas ações partilhadas com outros bebês,

com os adultos da sala e da creche e com outras crianças das turmas maiores. As

observações deram-se, em sua grande maioria, no espaço da sala15. Durante todo

tempo no campo de pesquisa, foi possível vivenciar a interação dos bebês com o

espaço externo (pátio) da instituição apenas uma única vez.

Nesse processo, busquei traçar um planejamento de observação, ou seja,

buscava prever “o quê” e “o como” observar. Nem sempre o roteiro de observação

era seguido, pois observar uma turma de crianças pequenas e não interagir é uma

tarefa praticamente impossível. Em vários momentos, fui chamada a escutar, ajudar,

participar de uma brincadeira ou dar um colo.

14As crianças costumavam chegar na creche entre 7h e 8h. Por volta das 9h era servida a mamadeira. Até as 11h elas permaneciam acordadas em alguma atividade. Neste horário geralmente havia uma troca de fralda. Às 11h 15min era servido o almoço. Após o almoço, as crianças eram incentivadas a dormir até por volta das 15h 30min. Ao acordar tomavam outra mamadeira. Às 17h servia-se uma fruta. Às 17h30min havia uma troca de fralda para as crianças irem para casa. A rotina era organizada de acordo com os horários de alimentação e higiene das crianças. 15 Esse fato deu-se devido ao grande tempo de permanência dos bebês neste espaço. Aspecto já apontado em outros estudos que envolvem bebês, como por exemplo, Coutinho (2002), Camera (2006) e Schmitt (2009).

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Em minha primeira aproximação, ao chegar à porta da sala dos bebês, foi

possível ouvir risos, choros, gritinhos e também cheiros particulares que davam vida

ao espaço da sala. Ao adentrar, passar pela “cerquinha”, foi possível ver alguns

olhinhos curiosos que se voltaram para mim. Sou apresentada pela professora Ana

que diz ser eu “Tia Lu” que vim para conhecê-los.

Eu, tomada pela emoção “das primeiras vezes”, devolvo o olhar

acompanhado de um “Oi turminha” em busca de obter algum sinal de aceitação.

Dirigindo-me a um canto da sala, sento em uma almofada e logo percebo a

curiosidade de Carolina e Maicon com minha presença. Carolina veio em minha

direção com sorriso largo e ao receber meu sorriso e cumprimento, toca meu diário

de campo, lápis, capa da máquina fotográfica e relógio. Maicon apenas observa com

olhar desconfiado...

Fotografia 1 – A chegada da pesquisadora Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Aos poucos, fui reconhecendo e sendo reconhecida. Cada um se

aproximava ao seu tempo. Estabelecíamos relações que iam do conhecido ao

desconhecido, do familiar ao estranho.

Submersa neste “mundo novo e inesperado”, num concreto desafio de

pesquisa, surgiam apontamentos e questionamentos que possibilitaram reflexões e

ideias, determinantes para a organização deste estudo. Foram nos pequenos

gestos, nos olhares, no toque, nas falas a partir da sensibilidade, parte constituinte

do sujeito pesquisador, que encontrei os elementos mais preciosos de reflexão.

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O registro fotográfico me ajudou muito a organizar as cenas vivenciadas

na creche. Segundo Oliveira (2001) trata-se de outro meio de apreender a realidade

investigada, apresentando-a através de imagens. As fotografias, registram a

configuração do espaço da creche, destacam aspectos e situações do grupo

pesquisado, criam visibilidades...

Destaco que minha opção pela fotografia não foi para utilizá-la como

caráter complementar ou ilustrativo, mas sim como texto. A utilização da fotografia

como instrumento de pesquisa tem sido uma indicação de pesquisas como

Agostinho (2003), Coutinho (2002), Schmitt (2009) que buscam desenvolver estudos

que utilizem outras formas de linguagens para além das formas verbal e escrita.

Tendo em vista as diferentes e ricas formas de comunicação e expressão dos

bebês, a fotografia contribui para ampliação de instrumentos metodológicos que

facilitem a apreensão das mesmas.

De acordo com Pietee (1996 apud GURAN, 2000, p. 157), “A fotografia é

o meio ideal para se descobrir detalhes e estimular um novo olhar sobre a vida

social”. Ela se configura em um recorte, “uma pegada da realidade”, fonte de

conhecimento. Recortando o tempo e o espaço a partir de uma sequência de

imagens/textos que contam detalhes da vida na creche, optei pela utilização de uma

sequência de imagens fotográficas. Quando possível, realizo também uma

articulação entre duas linguagens, a escrita (diário de campo) e a visual (fotografia)

de modo que uma contemple a outra.

Kramer (2002) faz uma reflexão sobre o uso da fotografia como

metodologia de pesquisa qualitativa. A autora partilha suas preocupações quanto ao

uso de imagens em pesquisas com criança. Quem autoriza a pesquisa com as

crianças, o uso de suas imagens, a identificação de seus nomes? Os adultos. Mas

onde ficam as crianças, já que as consideramos como sujeitos sociais de direitos?

Na presente pesquisa, procedi da seguinte maneira: Pedi autorização aos familiares

para o uso de imagens através do Termo de Consentimento Livre Esclarecido16. Na

entrega do referido termo, conversei com cada pai ou responsável pela criança de

acordo com suas disponibilidades de horários. No encontro, relatei os objetivos da

pesquisa bem como os procedimentos metodológicos para este estudo. Todos

concordaram em participar.

16Este termo encontra-se em anexo deste trabalho.

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No que se refere à utilização das fotos, respeitaram-se os momentos em

que as crianças estavam em situações mais íntimas, por exemplo, troca de fraldas,

banho e quando demonstravam desconforto, chorando ou manifestando irritação.

Essa preocupação, já apontada por Tristão (2004) e Schmitt (2009) em estudo com

grupos de bebês, é necessária se quisermos, de fato, “compreender os bebês como

pessoas que sentem e que não são indiferentes às ações dos outros, nesse caso, as

desta pesquisadora”. (SCHMITT, 2009).

Quanto à identificação, optei por utilizar nomes fictícios em respeito ao

que a maioria dos responsáveis pelos bebês e os adultos que participaram da

pesquisa me apontaram.

O diário de campo e a fotografia possibilitaram-me bons registros, mas

ainda não estava satisfeita. No cotidiano de uma sala de bebês é difícil compreender

a diversidade de ações, olhares, movimentos e encontros [...] Tudo era tão vivo e

dinâmico que senti a necessidade de fazer também registros em vídeo.

O recurso da filmagem é referenciado em outras pesquisas, como a de

Batista (1998), Coutinho (2002) e Oliveira (2001) que o consideram indispensável.

Para Batista (1998, p. 2), o registro em vídeo permite captar a dinâmica vivida por

adultos e crianças no cotidiano,

[...] pela possibilidade de poder registrar através da filmagem a organização e ocupação do tempo e do espaço, situações e vivências entre crianças e adultos, entre crianças e objetos no contexto educacional pedagógico da creche sem a perda de detalhes que outras metodologias poderiam deixar de registrar.

As filmagens foram realizadas em cinco dias e totalizaram seis horas de

gravação que registram a relação e ocupação dos bebês no espaço da creche em

diferentes momentos que compõem a rotina ao longo do dia: a chegada; o momento

de brincadeira; a mamadeira; as trocas de fralda; o almoço; a higiene; o descanso; o

lanche da tarde; a atividade livre e a espera pelos pais. Ao início de cada gravação,

procurei realizar uma cena aberta do espaço da sala registrando a organização dos

objetos e materiais. Após seguia-se a dinâmica do grupo, captando suas relações e

ocupações no espaço, em especial nos momentos em que os bebês circulavam

livremente. Por isso, optei pela utilização manual da câmera, tendo em vista a

necessidade de deslocamento e a possibilidade de ir até onde os bebês estavam.

Ao tornar visível aquilo que nem sempre é visto em um cotidiano tão dinâmico,

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prolonguei meu olhar como pesquisadora sobre a realidade investigada.

Quando levei a filmadora, em meados de novembro, foi aquela novidade

para mim, para os profissionais e para os bebês. Todos os pequenos queriam tocar,

pegar e ver pelo visor a movimentação do grupo. Vinham em minha direção e

apontavam, puxavam e alguns pediam “neném”. Mostrando para eles as imagens

gravadas, deixava que vissem o visor, que hora voltava-se para os colegas e hora

voltava para eles próprios o que causava sempre curiosidade no grupo. Alguns

adultos, pais e educadores também se mostravam curiosos e brincavam com as

imagens...

Foi assim que comecei a trilhar meu caminho na presente pesquisa.

Dentre tantas possibilidades, estes foram os instrumentos que escolhi para colocar

na “mala”, auxiliando-me a documentar o vivido. Agora é necessário (re)ver todo o

percurso. Selecionar, pensar e analisar o vivido.

4.3 SELEÇÃO E ANÁLISES: REVENDO O VIVIDO

Seguir o caminho rumo a analisar o vivido. Tecer fios que dessem vida ao

rico material de que dispunha. Os textos/imagens são somados ao meu olhar que

não é neutro, mas guiado pela cultura da qual faço parte e também pelas minhas

impressões enquanto pesquisadora que se inseriu na vida coletiva, compartilhando-

a com os adultos e bebês. Wallon (1979, p. 104) afirma que:

Não há observação sem escolha [...]. A escolha é determinada pelas relações que podem existir entre o objeto ou o fato e nossas expectativas, em outros termos, nosso desejo, nossa hipótese ou mesmo nossos simples hábitos mentais. As razões da escolha podem ser conscientes ou intencionais, mas podem também nos escapar, porque se confundem, antes de mais nada, com nosso poder de formulação mental.

Acredito que o registro e a leitura do vivido não são feitos de forma

separada do pesquisador, pois é ele quem elege, por meio de sua observação,

reflexão, sensibilidade e interação, o que será analisado. Acreditando na não

neutralidade do pesquisador, porque antes de mais nada elas emergem da nossa

“formulação mental” ou subjetividade busco não esquecer do necessário rigor teórico

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para o desenvolvimento de uma pesquisa séria e formativa.

Foi preciso coragem para arriscar-me, aventurar-me a olhar o

espaço/lugar da creche a partir dos bebês, de suas ocupações e relações entre

outros bebês e adultos. Este exercício só foi possível, pois estava pautada: na

descrição dos espaços da creche considerando a sua estrutura física; na

observação da ocupação e relação dos bebês e adultos com os espaços; e na

análise de como esta ocupação e relação se constituem lugares para/dos bebês na

creche.

Foi acreditando na capacidade dos bebês, acreditando que eles têm

muito a nos dizer e nos ensinar que mergulhei no cotidiano. Desafiando minha

sensibilidade para trazer à tona suas ideias e sentimentos, suas formas de ocupar e

se relacionar com o espaço/lugar, sem perder de vista os limites, a delicadeza e a

sutileza de tal tarefa. Tomo assim as indicações que os bebês nos dão para que

possamos efetivamente tornar esses espaços em lugares onde eles usufruam de

sua infância.

Inicio este percurso com um mergulho nos textos/imagens de modo a

contemplar os aspectos que pretendia analisar. Como estratégia de análise, no

primeiro momento, li e classifiquei as anotações do diário de campo estabelecendo

uma legenda de cores para os diferentes espaços/lugares. Destaquei como critério

organizador: os mais procurados pelos bebês, o tempo de permanência, os tipos de

ocupações e relações estabelecidas entre bebês e adultos.

Utilizando-me dos mesmos critérios, categorizei as cenas e fotos. A

primeira etapa do procedimento de recorte dos materiais em vídeo para análise foi a

identificação da cena em episódios. De acordo com Pedrosa e Carvalho (2005, p.

435) um episódio “é uma seqüência interativa clara e conspícua, ou trechos do

registro em que se pode circunscrever um grupo de crianças a partir do arranjo que

formam ou da atividade que realizam em conjunto. Como roteiro:

1. Assisti às cenas dos vídeos, as transcrevi atentando às diferentes formas de

interação entre bebês – bebês, bebês - adulto no espaço da creche..

2. Selecionei as cenas e fotos que permitiam observar as experiências

constituidoras (ou não) de lugares.

3. Analisei as cenas e fotos para me auxiliarem na reflexão desta pesquisa.

A partir do entrecruzamento dos textos/imagens categorizados, foi

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possível estabelecer os seguintes eixos de análises:

− Espelho: um lugar para ser...

− Bolsas, mochilas e sacolas: um lugar de rastros...

− Cerquinha: um lugar na e para além da sala...

− Sala: Espaço de vivências...

Um lugar de encontro entre bebês

Um lugar de narrativas

Esses são os eixos que sustentam o caminho percorrido nesta pesquisa.

Busca-se com eles, oferecer visibilidade ao sutil processo de constituição dos

lugares, através das diferentes ocupações e, sobretudo, das interações entre

espaços e sujeitos.

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5 TRANSVENDO O MUNDO: DO ESPAÇO À CON

O olho vê. C

restringe ao órgão responsável pela visão. Olhar é difer

pesquisa, em um primeiro tempo

história, sua configuração e organização.

A memória revê.

capaz de armazenar tudo que acontece. Ressignifico a memória da instituição

partir de seu contexto, suas marcas, suas imagens.

A imaginação transvê.

sensibilidade, atento-me ao sutil e delicado movimento do espaço

em lugar. Relações, ocupações, experiências.

romper com a obviedade e estabeleço

A marca das análises é a sutile

bebês: sorrisos de contentamento, olhares curiosos, tempo de permanência,

repetida busca por determinados

com/nos espaços. São tais movimentos

dos bebês nesta pesquisa.

TRANSVENDO O MUNDO: DO ESPAÇO À CON STITUIÇÂO DO

O olho vê. A memória revê. A imaginação transvê. É preciso transver o mundo!. (BARROS, 1999).

O olho vê. Capta as informações vindas do espaço, m

restringe ao órgão responsável pela visão. Olhar é diferente de enxergar. E

em um primeiro tempo, propõe olhar para o espaço da creche

, sua configuração e organização.

A memória revê. Constrói histórias, lembranças significados... N

tudo que acontece. Ressignifico a memória da instituição

suas marcas, suas imagens.

A imaginação transvê. Transver significa ver além. Por meio da

me ao sutil e delicado movimento do espaço

lugar. Relações, ocupações, experiências. Nada é preestabelecido.

m a obviedade e estabeleço outras prioridades e importâncias

A marca das análises é a sutileza de um olhar atento aos sinais d

contentamento, olhares curiosos, tempo de permanência,

repetida busca por determinados espaços, ações/relações dos bebês e adultos

tais movimentos que circunscrevem e identificam os lugares

dos bebês nesta pesquisa.

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TITUIÇÂO DO LUGAR

informações vindas do espaço, mas ele não se

ente de enxergar. Esta

propõe olhar para o espaço da creche, sua

, lembranças significados... Não é

tudo que acontece. Ressignifico a memória da instituição a

Transver significa ver além. Por meio da

me ao sutil e delicado movimento do espaço constituindo-se

ada é preestabelecido. Busco

prioridades e importâncias.

um olhar atento aos sinais dos

contentamento, olhares curiosos, tempo de permanência,

, ações/relações dos bebês e adultos

que circunscrevem e identificam os lugares

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5.1 UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DO ESPAÇO DE QUE ESTAMOS

FALANDO...

Esta pesquisa é realizada no Centro de Educação Infantil Peixinho

Dourado. Por estar inserida no espaço do CAIC (Centro de Atendimento Integral à

Criança e ao Adolescente), sinto necessidade de resgatar um pouco da história

desse espaço já que o espaço físico não é neutro, ao contrário é revelador; ao

expressar concepções, materializa tempos e opções pedagógicas. (VIÑAO FRAGO;

ESCOLANO, 1998). Ao fazer este resgate, busco caracterizar a instituição que

abriga a história das crianças e adultos que nele habitam.

A referida instituição localiza-se no bairro Humaitá de Cima. Esse bairro

foi fundado em 1945, segundo o historiador e atual diretor do arquivo de histórico de

Tubarão, Amádio Vitoretti17. Desde a década de 60, esse bairro, abriga o presídio de

Tubarão. Concomitantemente à transferência do presídio para o bairro Humaitá de

cima, um empresário da região instaurou uma das primeiras grandes indústrias da

cidade. Esse fato foi marcante para o povoamento e crescimento desta localidade,

com a construção de casas populares.

Com o aumento populacional, houve a necessidade de uma escola. Em

1982, foi fundado o grupo escolar João Paulo I. O prédio construído era composto

das seguintes dependências: três salas de aula, secretaria, sala da direção, cozinha,

sanitários e uma área coberta. Mais tarde, a escola foi ampliada e constituíram-se

mais 6 salas de aula. Em 27/05/1986, através do Decreto nº 962/82, o governo

municipal transforma o Grupo Escolar João Paulo I em Escola Básica.

Por volta de 1989, devido ao aumento populacional do bairro e

consequentemente do número de alunos, ampliou-se o prédio novamente, pois o

espaço físico era insuficiente. Nesse período, o poder público solicita ao Governo

Federal a implantação de um CAIC (Centro de Atenção Integral à Criança e ao

Adolescente) na região. A opção pelo bairro deu-se pela demanda sempre crescente

de alunos na região.

O CAIC (Centro de Atendimento Integral à Criança e ao Adolescente) é

uma instituição educativa relacionada à Legião Brasileira de Assistência (LBA), ao 17Em entrevista realizada com a pesquisadora em 25 de janeiro de 2010.

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Projeto “Minha Gente”.

O objetivo básico do Projeto é o de "desenvolver ações integradas de

educação, saúde, assistência e promoção social, relativas à criança e ao

adolescente” (BRASIL, 1991, p. 22). Esse projeto é dirigido à parcela empobrecida

da população. Segundo Ferretti (1992, p. 66), a educação escolar não é o foco

central do Projeto, mas apenas um dos nove Programas Setoriais que compõem o

conteúdo programático. A escola é entendida, nesse programa, apenas como um

dos agentes educativos. Os nove Programas Setoriais são os que se seguem

(BRASIL, 1991, p. 27): 1 Núcleo de Proteção à Criança e à Família ; 2. Saúde e

Cuidados Básicos da Criança; 3. Educação Escolar; 4. Esporte; 5. Cultura; 6. Creche

e Pré-Escola; 7. Iniciação ao Trabalho; 8. Teleducação; 9. Desenvolvimento

Comunitário; os projetos são descritos nesse programa de forma rápida, bastante

genérica.

Os CAICs, enquanto expressão física constitui um retrato do governo

Collor, que dura até o final de 1991. Projeto e prédio são grandiosos e ambiciosos e

se propõem como modernos e inovadores enquanto expressão de políticas sociais

integradas. O espaço físico se configura em uma diferença marcante de todos os

outros projetos sociais de outros governos, pois prevê a construção de um local

específico - os CAICs- atribuindo um caráter físico ao projeto. Essas estruturas

previam um alto custo para a sua construção, o que representou, segundo Ferretti

(1992), no orçamento da União para 1992, mais de 4/5 da contribuição do Ministério

da Educação para esse mesmo Projeto.

Cabe ressaltarmos que, segundo o IPA (Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada), foram construídos, no Brasil, 423 CAICs, 31 no estado de Santa Catarina.

Todos os prédios foram construídos com os mesmos materiais pré-fabricados e

possuem as mesmas configurações arquitetônicas. Não considerando as diferenças

climáticas, tipo de terreno, a posição solar, entre outros, havendo assim uma planta

padrão independente das necessidades reais da região em que se localizam.

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Fotografia 2 – Parte vista aérea de um CAIC e Anfiteatro - Parte integrante CAIC. Fonte: http://www.google.com.br, 2009.

Em 6 de março de 1994, foi inaugurado o CAIC – Leoclide Zandavalle na

cidade de Tubarão. O CAIC recebeu este nome, escolhido e aprovado pelos

vereadores, para homenagear o cidadão e o propulsor da Indústria Tubaronense.

Nesse contexto, a Escola Básica João Paulo I passou a funcionar integrada as

dependências deste CAIC.

Devido à extinção do PRONAICA (Programa Nacional de Atenção Integral

à Criança e ao Adolescente) em 1997 o CAIC – Leoclide Zandavalle passou a ser

mantido pela Prefeitura Municipal de Tubarão. Conforme seu projeto de origem, o

CAIC contava com uma unidade de saúde em sua dependência, porém a mesma foi

desativada após ser construído um posto de saúde no bairro para atender a

população que havia crescido.

O espaço deixado no CAIC com a saída da Unidade de Saúde, aliado às

necessidades da comunidade de ter uma instituição que atendesse crianças de 0 a 6

anos possibilitou a fundação do Centro de Educação Infantil Peixinho Dourado.

Após lançar um olhar sobre a história e configuração do espaço da creche

pesquisada, proponho (re)construir memórias, lembranças e significados a partir de

imagens e contextos...

5.2 (RE) CONSTRUINDO MEMÓRIAS: A CRECHE PEIXINHO DOURADO

O Centro de Educação Infantil Peixinho Dourado iniciou suas atividades

em abril de 2004, com 113 crianças matriculadas no período integral. A instituição

utilizou a mesma estrutura física do posto de saúde, passando apenas por uma

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reforma que redimensionava o espaço a partir de divisórias, por isso, o espaço que

abriga a instituição não foi pensado, projetado e planejado para ser uma instituição

de Educação Infantil.

Para se ter acesso à creche é necessário cruzar a BR 101, que passa

pela cidade de Tubarão e acessar a SC 438. Essa rodovia dá acesso a uma longa

rua asfaltada, onde bem no meio, se localiza a creche. A creche está situada em

uma comunidade com poder econômico de nível médio, com bom saneamento e

condições de moradia.

Ao chegar, é possível observar de um lado da rua pequenas empresas e

do outro avistamos o Presídio Municipal de Tubarão. Embora a comunidade tenha

organizado movimentos para a transferência do presídio alegando a preocupação

com a segurança da comunidade e das crianças, esta instituição permanece neste

local.

Na entrada da creche, uma grande árvore faz sombra e traz um pouco de

vida a um cenário de cores desbotadas. Verde, amarelo, azul e branco são as cores

que pintam as estruturas do CAIC.

O portão de acesso principal é grande e possibilita o acesso dos

funcionários e alunos da Escola João Paulo I - CAIC e aos professores, pais e

crianças do CEI Peixinho Dourado, já que dividem a mesma estrutura física. Quando

chegamos em frente a esse portão, é possível avistar duas áreas: de um lado ficam

as salas de aula, biblioteca, sala dos professores e laboratórios da escola; do outro,

visualizamos um anfiteatro, um ginásio e um espaço coberto, geralmente utilizado

para eventos como reunião de pais e formatura.

Fotografia 3 - Entrada: Prédio salas de aula e Pátio coberto e laboratórios. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

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Fotografia 4 - Entrada: Anfiteatro e Entrada: Ginásio. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Analisando o conjunto arquitetônico, é possível ver uma estrutura

diferente de todas as creches que compõem o município. As paredes pintadas de

branco em blocos de concreto, as esquadrias metálicas de cor verde, a cobertura de

laje e o toldo metálico em amarelo fazem a composição do prédio que abriga as

salas. O enorme pátio coberto com laje, vigas e chão de concreto forma o cenário

cinzento que liga salas ao ginásio. Com uma estrutura ímpar, o ginásio e o anfiteatro

compõem o caráter físico imponente, amplo e altivo, típico das estruturas dos CAICs.

Circundando o edifício, uma calçada de concreto, reta e cinza constrói o cenário que

os meninos e meninas encontram todos os dias ao chegar à creche.

Para Viñao Frago e Escolano (1998), o traçado arquitetônico do edifício é

uma poderosa mensagem da ideia de educação que se tem, pois corresponde a

padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende. O espaço

educa, expõe ideias, externaliza mensagens. Esse fato é ainda mais marcante

quando a estrutura física remete a um plano de governo como o do “Projeto Minha

Gente” que era destinado às classes populares e que buscava “redimir a grande

parcela empobrecida, ignorante e passiva da população.” (BRASIL, 1991, p. 22).

Assim, “a arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma

espécie de discurso que institui à sua materialidade um sistema de valores (...) que

cobre diferentes símbolos estéticos culturais e também ideológicos.” (VIÑAO

FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 26). Enquanto expressão física, esse espaço retrata

a ideologia de superação de carências esportivas, educativas e culturais das

crianças e adolescentes marginalizados, segundo determinada concepção teórica e

política.

Portão adentro, sigo em direção às instalações que abrigam a creche.

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Elas se encontram no último corredor à esquerda do prédio. De longe, não temos

dúvidas de que estamos chegando, pois avistamos, na parede, uma pintura colorida,

que ilustra duas crianças, um menino e uma menina, sorridentes, brincando. Sol,

água, plantas, peixes configuram o cenário dessa ilustração que tentam diferenciar

aquele espaço como de criança.

Logo na entrada do corredor, encontramos também uma cortina que faz a

passagem para o espaço da creche. Tiras se movimentam ao vento e causam uma

boa sensação quando por lá passamos. Tentativas de humanizar o espaço,

tornando-o mais convidativo e desejando as boas vindas.

Fotografia 5 - Pintura na entrada da creche e Cortina passagem para instalações da creche. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Ao atravessarmos a cortina, deparamo-nos com o enorme corredor. Ali é

difícil não sentir um vazio.

Fotografia 6 – Corredor Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

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Chão de concreto, paredes brancas, portas retas e retangulares com

marcos pintados de verde-escuro. O branco predominante, a limpeza e a linearidade

das paredes nos fazem pensar no antigo posto de saúde que ocupava anteriormente

aquele espaço. Um corredor, escuro, frio, sem vida é a única passagem para os 17

grupos de crianças que ali permanecem em período integral e parcial.

A distribuição das turmas se dá de acordo com a idade das crianças

formando: duas turmas de creche I (crianças de 4 meses a 1 ano) três turmas de

creche II (1 a 2 anos); duas turmas de creche III (2 a 3 anos);três turmas de pré I (3

a 4 anos); três turmas de pré II parcial (4 a 5 anos); duas turmas de pré III parcial (5

anos). Ao todo passam por esse corredor 184 crianças, seus pais e os 42

professores e auxiliares que atuam todos os dias na instituição. Ao passar por esse

corredor, sinto falta das marcas das crianças e adultos que vivem nesse espaço.

Algo que expresse quem são eles, que práticas vivem ali, que contem um pouco

sobre sua história.

Ao chegar à sala, deparamo-nos com uma composição física constituída

por chão de material emborrachado cinza, teto de cimento queimado sem forro. As

paredes são compostas por blocos de cimento pintados de branco e divisórias que

servem como parede para separar o banheiro da sala. Em uma das paredes, é

possível observar duas janelas basculantes. Concebendo a arquitetura da sala como

“um programa invisível e silencioso” (VIÑAO FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 47),

considero importante fazer algumas considerações sobre esse aspecto.

De acordo com os Parâmetros Básicos de Infraestrutura para as

Instituições de Educação Infantil, os espaços para crianças de 0 a 1 ano devem ser

concebidos “como local voltado para o cuidar e o educar dessas crianças,

favorecendo seu desenvolvimento.” (BRASIL, 2006b, p. 10). Para isso, este

documento propõe que os espaços dos bebês sejam compostos pela seguinte

estrutura: uma sala de repouso, uma sala de atividades, um fraldário, um lactário e

um solário. Ao observamos a planta baixa da instituição e fazermos um recorte da

sala dos bebês, é possível verificar que os aspectos contemplados no referido

documento foram previstos.

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Figura 1 - Recorte da planta baixa da sala do berçário encontrada na instituição Fonte: Centro de Educação Infantil Peixinho Dourado, 2009.

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Figura 2 - Situação atual do espaço da sala dos bebês Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Embora os espaços estejam previstos na planta baixa da instituição, eles

não foram executados. Na planta, observamos a previsão de sala de atividades,

dormitório, fraldário e cozinha que serviria como lactário para a higienização,

preparo e distribuição de mamadeiras. Mas, ao adentrarmos à sala, observamos

uma única sala para as atividades, repouso, alimentação, trocas de fraldas e um

pequeno banheiro com apenas uma pia e um tanque de lavar roupa. Ao questionar à

coordenação da instituição sobre as condições previstas no projeto e a real situação

da estrutura da sala dos bebês, a coordenadora não soube explicar, dizendo que

esta planta havia sido pensada há muito tempo. As professoras, da mesma forma,

desconheciam a planta baixa e se mostraram surpresas ao saber que, na planta, tais

espaços para os bebês estavam contemplados.

O documento do MEC-COEDI (1995), “Critérios para um Atendimento em

Creches e Pré-Escolas que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças”, de

autoria de Maria Malta Campos e Fulvia Rosemberg, foi re editado em 2009 e

contém princípios relacionados às dimensões físicas e culturais que devem ser

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considerados nas instituições de educação infantil, quais sejam:

Nossas crianças têm direito à brincadeira; Nossas crianças têm direito à atenção individual; Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante ; Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza; Nossas crianças têm direito à higiene e à saúde; Nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia; Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão; Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos; Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade; Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos; Nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante o seu período de adaptação à creche; Nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa. (grifos meus).

Nesse documento, encontramos indicações de como deve ser o espaço

da creche, um lugar de vivência dos direitos das crianças. Kramer (2000, p. 2) diz

que desde a Constituinte de 1988, as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas

dos Municípios, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional asseguram o direito de todas as crianças a creches e

pré-escolas de qualidade. “Mas tanto em termos quantitativo quanto qualitativo esse

direito legal está longe de ser realidade, embora haja consenso quanto à sua

importância.”

No caso estudado, podemos perceber que é reconhecido no ‘papel’ o

direito dos bebês a um espaço físico de qualidade, no entanto para que este direito

se efetue, ele necessita ser traduzido em ações concretas.

Na sala do berçário, é possível observar na parede a predominância do

branco, com exceção de três painéis. O primeiro, localizado na parede à direita da

sala, retrata três patinhos e algumas flores feitos de EVA. O segundo, localizado na

mesma parede, é um painel com as mesmas figuras acompanhadas de plaquinhas

que indicam a data de nascimento das crianças. E há ainda um terceiro painel na

porta de entrada, sem figuras, apenas contendo horários de parque, vídeo e café

das professoras, assim como algumas dicas para alimentação das crianças, tal

documento enviado pela prefeitura.

Os dois primeiros painéis parecem ser destinados às crianças. Ao me

apresentar à sala, a professora A fala a respeito deles:

Estes painéis foi eu que fiz durante minhas férias para receber os bebês. Me deu um trabalhão! (Diário de campo).

Pode-se notar que há um esforço da professora em configurar aquele

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espaço em um espaço de bebê, pois coloca alguns personagens confeccionados por

ela. Embora haja intenção, os painéis foram fixados na altura dos adultos, não

permitindo o acesso ao bebê.

Fotografia 7 - Painel: Visão do adulto e Painel visão dos bebês Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Nenhuma marca dos bebês nas paredes da sala foram registradas. Assim

como Agostinho (2003, p. 53), acredito que “as paredes falam, pulsam, revelam o

que está sendo vivido na creche.” Então me pergunto: Que mensagens estas

paredes estão comunicando aos bebês? O que elas contam sobre suas experiências

nesses espaços?

Olhando para as paredes, senti um imenso vazio representado pela

brancura. Lima (1989, p. 62) coloca que “se persiste a ideia de que a escola para ser

considerada limpa tem de ostentar paredes, janelas e portas sem marcas das

crianças. O branco parece ainda fazer parte do modo de relações com os bebês

marcado por um viés higienista da puericultura. Cria-se uma creche onde suas

instalações internas se assemelham muito mais a um hospital do que a uma

instituição para crianças sadias. (BARBOSA, 2000).

Em nome da limpeza, da higiene e da ordem da sala, as paredes deixam

de documentar e socializar a história dos sujeitos que habitam este espaço. Na

instituição pesquisada, não foi possível encontrar nenhum tipo de marca física ou

algo que imprimisse a pessoalidade dos bebês que ali vivem.

As professoras, bem intencionadas, preparam painéis com flores e

desenhos com traços infantis, mas não convidam as crianças para desenhar,

imprimir marcas no espaço que também é delas. Sob a alegação de que “os bebês

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rasgam e sujam os painéis” tira-se a oportunidade do bebê “de ele mesmo se

manifestar, colocando em seu lugar a interpretação do adulto sobre o que seria tal

manifestação.” (LIMA, 1989, p. 63).

A instituição de educação infantil é um espaço concebido pelos adultos

para uso das crianças, por isso contém uma visão adulta sobre o que seriam as

necessidades das crianças. (LIMA, 1989). Portanto, antes de ser um espaço de

criança, é um espaço pensado para ela.

Interessante colocar que no cotidiano da creche havia momentos

definidos como “hora do trabalhinho”. Neles, os bebês recebiam papéis com seus

nomes e eram convidados a marcar seus dedinhos com tinta. Isso era sempre feito

individualmente, criança por criança e de forma rápida, pois visava ao produto final -

o trabalho acabado para ser colocado no mural externo à sala.

Fotografia 8 - Produção dos bebês “Trânsito” e Produção dos bebês “Primavera”. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

De acordo com Foucault (1987 apud GUIMARÃES, 2008), historicamente

o controle sobre os indivíduos não se faz somente pela ideologia, mas pelo corpo.

Ao longo da história, o corpo humano foi reconhecido como força de trabalho e

produção de valor. Esta ideia também está presente nas creches onde valorizam as

crianças pela quantidade de produção e pelo trabalho que realizam. Nesses

“trabalhinhos”, as crianças são dirigidas individualmente. O adulto dirige seu olhar e

seus dedos buscando contornar seus gestos para garantir com eficiência o produto

final. Este fato pode ser claramente evidenciado na situação descrita abaixo:

As crianças estão acordando. A professora Silvia comenta com a auxiliar Sabrina: Temos de fazer o trabalhinho da higiene, vamos preparar as tintas? A Sabrina prontamente vai até o armário, pega três potes, um de cor azul, outro vermelha e outro amarelo. Após pegar, despeja um pouco de

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tinta nas tampas de suas respectivas cores. Enquanto isso, a Professora Silvia estica cuidadosamente uma cartolina branca que contém figuras de materiais de higiene, tais como sabonete, pente, pasta de dente, torneira com água entre outros. Após o preparo dos materiais, a auxiliar Sabrina chama Pedro, o segura no colo e o leva até a mesa dos adultos onde está esticada a cartolina. A professora Sonia, olha para Pedro e diz: Vamos pintar? Dá o dedinho para a tia? Pedro oferece-lhe o dedo indicador. A professora molha com tinta a ponta do dedo dele e faz movimentos dirigidos de forma que pinte sem borrar as figuras do cartaz. O bebê Maicon observa de longe a situação. Ao perceber as tintas e a movimentação em torno da mesa, vem engatinhando em direção à professora e lhe mostra seu dedo indicador emitindo o som óóóó. A professora olha para ele e comenta: Olha que esperto! Ele olhou a tinta e já está me dando o dedinho para pintar. (Diário de campo).

Mesmo sendo seu primeiro ano na instituição, os bebês já sabem o

procedimento de utilizar a tinta na creche. De acordo com as produções expostas,

molhar a ponta dos dedos com tinta e carimbá-los era a forma mais frequente nos

momentos de pintura. Larrosa (2001), ao propor pensar a educação a partir do par

experiência/sentido, nos leva a refletir a respeito do processo de experimentar

materiais como papéis, tintas, palitos. Para que ocorram experiências com esses

materiais é necessário tocar, sentir, olhar, manipular, explorar com tempo, sem

pressa. Colocar a importância no processo e não no produto final. Isso possibilitará

que as produções façam sentido aos bebês e aos adultos.

Ainda com relação às produções das crianças, podemos perceber um

esforço por parte dos educadores em relacioná-las a um “conteúdo” determinado

pelo Plano da creche, sendo geralmente associadas às datas comemorativas do

calendário escolar. Como exemplo: dia da saúde e higiene, dia do trânsito, entrada

da primavera etc. Seguindo uma lógica de currículo escolarizante e um

planejamento direcionado a partir de algumas datas consideradas relevantes, a

relação com conhecimento é fragmentada e empobrecida pela repetição de

atividades ano a ano.

Voltando para a composição das salas dos bebês, podemos fazer uma

análise do mobiliário. Os móveis da sala são: um armário verde com portas, onde as

professoras guardam as tintas, papéis e outros “materiais pedagógicos.” Somente o

adulto tem acesso a esse armário. Ao lado, há outro armário de ferro sem portas

onde são guardados os travesseiros e cobertores dos bebês. Ainda temos uma

mesa grande, na altura dos adultos, improvisada como fraldário. A mesma mesa

também é utilizada para alimentação das crianças. Todos os móveis estão

encostados na parede. Há um vazio no espaço central da sala.

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Não há mesas, nem cadeiras. No chão, constam quatro colchonetes

grandes que são utilizados para dormir, tomar mamadeira e brincar. Assim como

apontam Carvalho e Rubiano (1994) as salas das creches geralmente se

apresentam vazias de mobiliários e equipamentos, com poucos objetos disponíveis

para as crianças, especialmente as menores de três anos. Possivelmente, a falta de

materiais e forma de organização dos móveis está relacionada à concepção de que

os bebês necessitam de um espaço amplo, aberto e vazio para desenvolver

atividades corporais, físicas ou então, pela tentativa de diminuir possíveis riscos

físicos aos bebês de se machucarem. (CARVALHO; RUBIANO, 1994, p. 112).

Fotografia 9 - Entrada sala dos bebês. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Autores da perspectiva sócio histórica, tais como Wallon e Vigotsk

afirmam que o desenvolvimento humano ocorre em contextos sociais pela interação

com o outro. Considerando que a creche é um lugar privilegiado para o

estabelecimento de relações com adultos e com outras crianças, os espaços

precisam estar organizados de modo a favorecer estas interações.

Carvalho e Rubiano (1994) destacam que o arranjo espacial, no que diz

respeito à maneira como móveis e equipamentos estão dispostos, na creche, podem

influenciar na forma de as crianças se relacionarem entre si. De acordo com as

autoras, a criança tem apontado preferência por zonas circunscritas18 que

privilegiam o estabelecimento de relação entre as crianças. As autoras salientam

18Zonas circusncritas são “áreas espaciais claramente delimitadas pelo menos em ter lados por barreiras formadas por mobiliário, paredes, desnível do solo etc.” (CARVALHO; RUBIANO, 1994, p. 118).

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ainda que os elementos utilizados para montagem de zonas circunscritas devem

permitir fácil contato visual das crianças com os adultos, devido à dependência física

e psicológica dos bebês com eles.

Considerando que o mobiliário e sua organização potencializam ou

limitam as práticas sociais e culturais, podemos dizer que elas também interferem

nos hábitos de comer, dormir, banhar-se, cuidar e ser cuidado.

A forma como as crianças são alimentadas, trocadas e cuidadas

contribuem para constituí-los como pessoa. Esses momentos são ocasiões

extremamente ricas para a aprendizagem e o desenvolvimento de hábitos e

costumes.

No espaço pesquisado, pode-se afirmar que os mobiliários não

favorecem as experiências e aprendizagem de práticas culturais e hábitos de

alimentação, banho e higiene.

Para os professores, a alimentação é vista apenas como um momento

privilegiado para o cuidado biológico. O ritmo da alimentação é marcado e regulado

pelo ritmo do adulto. Quatro ou cinco crianças são sentadas em uma mesa e o

adulto alimenta-as de forma rápida e automática consolidando em uma rotina

cansativa.

Fotografia 10 - Momento alimentação. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

As crianças permanecem sentadas, aguardando o momento de receber

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uma colher do alimento na boca. Pouca ou nenhuma oportunidade era propiciada a

elas a ter alguma autonomia. De acordo com Rossetti-Ferreira (2003, p. 12), a

identidade da criança está sendo formada durante as atividades de vida diária:

Ao colocá-la em uma posição mais ativa, de parceria e co-autoria do que ocorre e de seu próprio processo de cuidado e aprendizagem, o educador estará dando oportunidades para as crianças construírem uma identidade positiva a respeito de si mesmas, de pessoa capaz de se cuidar e ser cuidada, de interagir com outros e dominar diferentes habilidades e conteúdos.

Na creche, não há um conteúdo educativo desvinculado dos gestos de

cuidar. Toda aprendizagem passa necessariamente “pela via da atenção afetuosa,

alegre, disponível e promotora progressiva da autonomia da criança.” (DIDONET,

2003, p. 9).

A prática alimentar é uma importante oportunidade de as crianças

vivenciarem e aprenderem a respeito dos objetos culturalmente criados pela

humanidade para a alimentação. Sentamos em cadeiras e não em mesas,

alimentamo-nos com talheres e pratos individuais e não coletivamente, utilizamos

guardanapo quando estamos com a boca suja e não permanecemos com ela suja

até o final da refeição para que seja lavada. Assim podemos dizer que o preparo da

comida e o momento da refeição constituem ocasiões extremamente ricas de

aprendizagem individual, social e cultural e constituição de subjetividade.

Entendo que essa prática de o adulto alimentar os bebês em cima da

mesa, de forma rápida, está também muito relacionada a questões de precariedade

física das instituições. Se na sala houvesse espaços e mobiliários adequados, tais

como refeitório, mesa e cadeiras para os bebês, isso potencializaria um trabalho

completamente diferente. Com mesas e cadeiras adequadas, os bebês poderiam se

alimentar de forma mais lenta, respeitar seu ritmo de alimentação, fazer tentativas

de levar o alimento à boca, apreender a utilizar os talheres e guardanapo. Isso

possibilitaria que eles desenvolvessem uma série de habilidades e aprendessem a

autonomia. Se assim fosse, estaríamos exercendo um cuidado e uma educação que

coloca os bebês numa posição ativa de alguém competente para aprender.

Ainda, conforme podemos ver abaixo, a mesma mesa que é utilizada para

alimentar, também é adaptada para trocar fraldas.

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Fotografia 11 - Mesa adaptada para trocador de fraldas. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Embora a professora tenha todo o cuidado de envolver o lençol em um

colchão e o colocar sobre a mesa para trocar as crianças, aquela continua sendo a

mesma e única mesa. Em conversa, a professora Ana relata:

Temos muita coisa para melhorar no espaço [...] a começar pela mesa. Alimentamos e trocamos as crianças na mesma mesa, não está certo. Isso não é nada higiênico. (Diário de campo).

A professora se sensibiliza com a situação, sabe que não é correto. Mas

afirma que é apenas falta de higiene, dando ênfase apenas ao ponto de vista

sanitário, não mencionando nada referente à formação de hábitos culturais.

Gostaria de destacar que em diversos momentos foi possível observar

uma preocupação da professora no que se referia aos cuidados com as crianças.

Em alguns momentos, ela pedia que o prato voltasse à cozinha, pois não tinha carne

ou frango. Ela se negava a alimentá-las se a comida não estive bem preparada ou

se por “esquecimento” fosse colocado algo a menos no prato dos bebês do que

estivesse no cardápio do dia. Ainda se preocupava se os lençóis e cobertores

estavam limpos e cheirosos. Acredito ser de extrema importância para as crianças

essas atitudes da professora. Nas palavras da professora Ana, “as pessoas fazem

isso só porque os bebês não falam, mas eu falo por eles”. Considerando que a

constituição humana se dá a partir do outro, o ato de a professora falar por eles e

com eles é extremamente significativo.

Analisando o espaço físico da sala e seus objetos, podemos observar que

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a injusta estrutura social brasileira espelha-se sobremaneira nas instituições

educacionais onde há uma precariedade de mobiliários, equipamentos e brinquedos

adequados para educar e cuidar das crianças.

No banheiro, a banheira e chuveiro foram substituídos por um tanque de

lavar roupa. Os bebês tomam banho de pé não tendo lugar para se segurarem.

Fotografia 12 - Pia e local de banho do banheiro dos bebês. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Os brinquedos resumem-se a uma cesta de brinquedos sensório motor,

duas motocas, um cavalo de balanço de plástico e uma pequena cabana. Esta cesta

está sempre disposta da mesma maneira e contem sempre os mesmos objetos. As

professoras reclamam da falta de brinquedos para os bebês, algumas vezes pedem

doações ou trazem esses materiais de suas casas.

Fotografia 13 - Cesta de brinquedos e os brinquedos da sala. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Na área externa, localizada atrás da sala que é destinada aos bebês,

encontramos apenas três cavalinhos de balanço de vime sucateados e gramado

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cercado por muro alto de tijolos que isolam essa área dos outros espaços da

instituição.

Fotografia 14 - Área externa sala dos e Os brinquedos da área bebês externa Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Barbosa (2000, p. 146) ao fazer uma análise dos pátios e muros nas

instituições de educação infantil, coloca que os materiais utilizados na construção do

muro representam um tipo de relação das crianças com o mundo externo. Os muros

de tijolos, por exemplo, impedem a visão e a relação com o espaço externo. Já as

cercas de metal “possibilitam uma relação de visibilidade, deixando um pouco mais

próximos os dois universos já que as crianças podem olhar e se comunicar com o

mundo de fora”. Com relação ao pátio, a autora levanta alguns questionamentos.

Para ela:

A localização dos pátios também revela sua pedagogia. Localiza-se nos fundos, no meio ou atrás da área construída? Está dividido entre pátio dos pequenos e dos grandes? Existem ambientes diversificados para a exploração e a imaginação das crianças? Que tipos de paisagem estão presentes? Há elementos naturais, como área de gramado, de areia, de lajota, área com árvores, gramado, água etc. Que tipo de plantas e animais estão pelo pátio? Com que brinquedos se brinca no pátio? (BARBOSA, 2000, p. 146-147).

Na instituição observada, predomina no pátio externo um vazio. O

pequeno gramado cercado por muros altos de concreto impossibilitam a visão e o

contato das crianças com o mundo externo. A falta de brinquedos e elementos da

natureza como árvores, areia e plantas dificultam a criação, diversão e ampliação do

repertório dos bebês.

Porém, mesmo diante de um espaço tão limitador, as crianças e os

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adultos não o aceitam passivamente. Há transgressões, os sujeitos mostravam a

sua capacidade de ir além do tempo/espaço geográfico em que estão inseridos.

Entendendo o espaço como ”um conjunto indissociável de sistemas de

objetos e sistemas de ações” (SANTOS, 2002), podemos dizer que são os bebês e

adultos que lhe atribuem um conteúdo. O espaço não está pronto, acabado, mas

algo que pode ser modificado ao longo da relação que os sujeitos estabelecem com

ele.

À medida que os bebês e adultos ocupam os espaços da creche, eles

ganham novos sentidos e significados. A partir das experiências, das relações

constrói-se uma configuração que ultrapassa o aspecto material e constitui-se em

lugares únicos e especiais.

Para Viñao Frago e Escolano (1998), “o salto qualitativo que leva o

espaço ao lugar é uma construção. O espaço se projeta ou se imagina; o lugar se

constrói.” É esse sutil movimento do espaço se constituindo em lugar que abordam

os próximos tópicos.

5.3 VER ALÉM: O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO EM LUGAR

5.3.1 Espelho: um lugar para ser

Fotografia 15 – Pedro curioso frente ao espelho Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Espelho. Por que o espelho é colocado na sala dos bebês? Qual a

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intenção? Por que o espelho é o único objeto na “altura dos olhos” dos bebês? Para

a professora Silvia:

Ah! Os bebês gostam muito de espelho. Na outra escola, eu também percebo isso. Quem colocou eu não sei, quando cheguei ele já estava ali embaixo. Acho que foi colocado embaixo porque o espelho é para os bebês, eles gostam de ficar na frente do espelho e se verem. Nas outras salas, também é tudo assim. (Diário de campo).

Na maioria das salas da Educação Infantil, em especial naquelas salas

de crianças menores de 3 anos, é muito comum encontrarmos um espelho. De

acordo com o relato da professora, podemos dizer que o espelho faz parte da cultura

de objetos materiais das instituições de educação infantil, pois ela destaca que nas

outras salas da instituição, tal com na outra “escola” em que ela trabalha, também

existem espelhos. A presença do espelho na sala e a sua disposição na altura dos

bebês parece ser natural, pois está ali porque “os bebês gostam de se ver”.

Reconhecer-se na imagem do espelho, para a professora, indica um gesto cotidiano.

Embora o espelho estivesse na altura dos bebês, a reflexão que envolve o ato do

reconhecimento da própria imagem dos bebês no espelho, não se fazia presente

para as professoras.

Segundo Wallon (1981) e Winnicott (2006), ao nascer, o recém nascido

tem com a mãe uma relação de fusão total. Além de ser dependente de seus

cuidados físicos para sobreviver, ele ainda não consegue perceber-se como sujeito

diferenciado, separado do mundo. A distinção entre o eu e o outro acontece durante

os três primeiros anos de vida, um delicado processo de construção de identidade.

Espelho... Um reflexo especial. De acordo com Molina (1998), o decurso

que leva a identificação e reconhecimento do bebê à sua própria imagem é paralelo

àquele que a leva a construir sua identidade, processo que “vai da ilusão de

realidade ao reconhecimento de si, e da confusão com o outro à consciência da

própria identidade”. (BOULANGER-BRALLEYGUIER, 1967 apud MOLINA, 1998, p.

111).

Aproximadamente no terceiro mês de vida, o bebê se interessa pela

imagem do espelho e responde, de forma compatível, à reação que apresenta diante

dos rostos humanos (fixação do olhar, agitação motora, vocalizações...).

Por estar no estado inicial da consciência, no qual se confunde o próprio

sujeito com a realidade exterior, o bebê sente-se como uma massa difusa.

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Inicialmente, não distingue o rosto da mãe do rosto das outras pessoas, mas reage

de forma diferenciada a sua presença. Wallon (1995) afirma que, neste estágio,

impulsivo-emocional, a afetividade orienta as primeiras reações do bebê com as

pessoas. O bebê assim, reage ao afastamento do adulto chorando, como se esse

afastamento o “tornasse incompleto”. “O outro é parte de si, e o bebê se perde

quando perde o adulto”. (MOLINA, 1998).

Nesse sentido, podemos compreender melhor as afirmações de Winnicott

(1975, p. 149) que identificam o espelho com o rosto materno. Para esse autor, a

mãe é o primeiro espelho da criança. O rosto da mãe e o olhar que ela direciona ao

bebê funcionam como um espelho, um lugar a partir do qual se iniciam as primeiras

trocas significativas com o mundo, se o rosto da mãe não cumpre essa função de

espelhamento, “[...] o espelho será algo que se enxerga e não algo dentro do qual se

enxerga”.

Essa consideração de Winnicott nos faz pensar na importância de olhar e

ser olhado pelo outro. Os primeiros reconhecimentos do sujeito são constituídos a

partir do olhar do outro em relação ao bebê. Durante a pesquisa, muitas vezes, foi

possível identificar tal movimento, a presença da professora em frente ao espelho

dizendo: “Olha, este é você!” Ao fazer isso, a professora oferece e sustenta uma

imagem edificante para o bebê, um lugar para ser...

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Fotografia 16 – Maicon em frente ao espelho Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

As imagens acima refletem um processo de antecipação do sujeito na

relação com o outro. As leituras e tentativas de interpretação por parte do bebê, do

olhar do outro se configuram em possibilidades do reconhecimento de sua

existência.

No campo pesquisado, também presenciei algumas vezes a chegada dos

bebês. Logo no início da manhã, era comum ver os pais entregando-os à professora,

muitas vezes, sem lavar o rosto e com os cabelos despenteados. Ao recebê-los, a

professora Ana, convidava o bebê “vamos lavar o rostinho? Passar um perfume para

ficar cheiroso.” ou “vamos prender o cabelo para ficar bem bonito?” Ao fazer o

convite, ela os levava ao banheiro, lavava o rosto, penteava os cabelos e passava

uma loção perfumada. Então se aproximava do espelho e colocava o bebê frente a

ele dizendo: “Olha que lindo que tu estás! Humm e que cheiroso!” “Dá um cheiro

para a tia?”

O olhar atento, cuidadoso que a professora lança em relação às crianças

pequeninhas juntamente com os enunciados identificantes que ela dirige

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cotidianamente a elas, possibilitava a constituição subjetiva dos bebês. Esse ato,

embora aparentemente simples, auxilia a identificação do bebê com sua própria

imagem, potencializando a construção de uma autoimagem positiva. É preciso

sentir-se bem com a imagem, para assim poder agir e interagir com o mundo em que

se vive. O que o bebê vê quando se olha no espelho? Por que os bebês procuram e

permanecem tanto tempo em frente a ele?

Conhecer-se, descobrir-se, estar consigo mesmo. O ato de

reconhecimento de nossa própria imagem só se torna acessível através da

mediação do outro. Ao longo da pesquisa pude observar que o espelho era um

objeto de sedução, fascinação e encantamento para os bebês. Eles se aproximavam

frequentemente, olhavam, batiam, tocavam, beijavam, interagiam com sua própria

imagem. Para os bebês, o espaço onde se localizava o espelho era um lugar de

encontro, de procura, de pausa, de olhar, de tocar... Um lugar de encantamento e

descobertas sobre si mesmo.

Fotografia 17 – Maria Eduarda frente ao espelho Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

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É início da manhã e as professoras aguardam a chegada da mamadeira para o primeiro momento de alimentação. Enquanto isso, os bebês transitam livremente pela sala. Maria Eduarda (1 ano e dois meses) encontra uma tira de pluma no chão da sala e se aproxima do espelho. Giovana (1 ano) está em frente ao espelho fazendo caretas e botando a língua para fora. Maria Eduarda a observa por um tempo. Após, coloca a pluma encontrada no chão da sala em seu pescoço. Se aproxima do espelho e observa sua imagem tocando o espelho com uma das mãos, e emitindo um som balbuciando contínuo ahahahah. Chega mais próximo, praticamente encosta seu rosto no espelho, sorri e beija o espelho. Logo após, contrai seu rosto. Se observa novamente e sorri, faz isso repetidas vezes até ser chamada para tomar a mamadeira. (Diário de campo).

Maria se aproxima do espelho, olha, toca, beija e inicia uma brincadeira

de sorrir e fazer careta. Ao realizar esta ação, vai percebendo que o corpo que sente

é o mesmo que a sustenta. Segundo Molina (1998, p. 241) “a observação do próprio

movimento com relação à imagem é realmente um dos principais caminhos que a

criança utiliza para identificar a própria imagem.

Reconhecer-se. Encontrar-se consigo. O espelho oferece à criança um

acesso ao simbolismo, pois organiza, unifica sua visão de corpo, auxiliando o bebê a

perceber-se como um eu diferenciado do outro. Para Wallon (1981, p. 155), a

imagem do corpo se constrói progressivamente e “o espelho representa uma ajuda

que facilita o aparecimento das identificações sucessivas, em que se distingue das

coisas e, por fim, do resto do mundo.” Assim, ao comparar seu corpo com as

posturas e gestos que ela vê no espelho, aos poucos, Maria percebe que o corpo

que sente é o mesmo que observa no espelho.

Dessa forma, o espelho representa um importante objeto para o processo

de identificação do bebê com sua própria imagem. O corpo é o meio que a criança

utiliza para se expressar, para se comunicar com o mundo que a rodeia, por isso

conhecer-se e identificar-se com ele é fundamental.

A relação da criança frente ao espelho é algo complexo e rico em vários

aspectos e não se pretende aqui realizar tal análise de forma minuciosa19 Gostaria

apenas de destacar e apontar o espaço onde se localiza esse objeto como um lugar

do bebê. É importante ressaltar que esse “lugar”, simbólico e repleto de sentido é um

lugar não apenas eleito por eles, mas, anteriormente, o adulto o elege como “lugar

de bebê”. Ao organizar e posicionar o espelho na altura dos bebês, os adultos da

creche estão dizendo a quem o objeto/espaço é destinado. Os bebês, com toda sua

curiosidade, apropriam-se, ocupam este espaço que para eles foi organizado e o 19 Para estudos mais aprofundados desse tema sugerimos ver Lacan (1998) e Winicott (1975).

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constituem em lugar. Lugar de olhar, tocar, sentir, brincar, sorrir, descobrir, lugar

para ser...

5.3.2 Bolsas, mochilas e sacolas: um lugar de rastr os e traços

Entre bolsas, mochilas e sacolas. O que significa o espaço de guardar os

pertences para os bebês? De que forma eles o ocupam e utilizam?

No cotidiano da creche, na busca de ir ao encontro dos bebês para saber

mais sobre o processo que constitui o espaço em lugar, pude observar, muitas

vezes, os bebês se aconchegando em algum cantinho. Geralmente ficavam

acompanhados apenas de algum brinquedo, do bico ou de um paninho trazido de

sua casa.

Fotografia 18 - Pedro aconchegando-se ao bichinho de pelúcia Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Agostinho (2003) em sua pesquisa, aponta a necessidade de o espaço da

creche propiciar um “ninho seguro”, um lugar onde a criança possa estar consigo

mesma, num encontro íntimo com seus ritmos pulsações e sentimento. Herman

Hertzberg (1999, p. 28 apud AGOSTINHO, 2003, p. 139) diz:

Um “ninho seguro” _ um espaço conhecido à nossa volta, onde sabemos que nossas coisas estão seguras e onde podemos nos concentrar sem sermos perturbados pelos outros_ é algo de que cada indivíduo precisa

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tanto quanto o grupo. Sem isso, não pode haver colaboração com os outros. Se você não tem um lugar para chamar seu, você não sabe onde está! Não pode haver aventura sem uma base para onde retornar: todo mundo precisa de alguma espécie de ninho para pousar. (grifo no original)

O espaço da creche precisa estar organizado de forma que oportunize

aos bebês momentos de privacidade, intimidade, aconchego, respeitando, assim, a

sua singularidade. Os objetos trazidos de casa ajudam a criança a formar e constituir

“um ninho seguro”, pois estabelecem vínculos entre a casa e a creche.

Cristina Bondavali em entrevista a Lella Gandini (2002) nos fala que os

educadores italianos procuram organizar espaços em que a criança se sinta

acolhida na sua singularidade. Como exemplo, cita um espaço com gavetas

individuais das crianças nas quais os pais, professores e as próprias crianças podem

guardar coisas de casa. Essas gavetas são personalizadas com símbolos e

fotografias que as crianças reconhecem. Nas palavras da autora, busca-se “criar um

espaço que acolha a individualidade e o caráter único de cada criança, construindo

este senso de relação com outras crianças, com adultos e com o espaço da creche”.

(GANDINI, 2002, p. 86). Essa atitude auxilia a criança a se reconhecer como único e

ao mesmo tempo, como alguém que partilha sua vida com um grupo de amigos, em

um contexto diverso do familiar.

Na sala da creche pesquisada, não havia espaço para acolher e

disponibilizar os objetos que as crianças traziam de casa. Todos os pertences, com

exceção da chupeta e cheirinho, que eram pendurados em ganchos20 eram

guardados em bolsas que as crianças traziam de casa. Essas bolsas localizavam-se

na repartição abaixo da mesa que serve para alimentar e trocar as crianças. As

mochilas, embora estivessem na altura dos bebês, não podiam ser manipuladas por

eles, apenas pela professora. Nela estavam guardadas fraldas, roupas, sapatos,

meias e perfumes para higiene pessoal dos bebês.

Durante todo tempo da pesquisa, foi possível observar a procura e

permanência dos bebês nesse espaço.

20Estes objetos eram pendurados na altura dos adultos e entregue aos bebês nos momentos de choro, sono ou solicitação

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Fotografia 19 – Augusto com sua bolsa Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Augusto (9 meses) aproxima-se da repartição abaixo da mesa onde são guardadas as mochilas e olha para a auxiliar que está ocupada trocando a fralda de Carolina. Augusto, então, puxa sua bolsa toca o tecido e puxa o zíper colocando-o na boca. Após, começa a explorar seus pertences. Toca as fraldas, as roupas e encontra sua sandália. Ao encontrá-la, toca, cheira e a retira da bolsa. É interrompido pela auxiliar que percebe sua presença e retira a sandália de sua mão, coloca-a na bolsa e diz: “Não Augusto, aqui não pode. Não, não”. (Diário de campo).

Sentir-se parte, marcar, deixar rastros é fundamental na constituição dos

lugares. Reconhecer a sua identidade, imprimir sua singularidade na creche

possibilita aos bebês o sentido de pertencimento ao lugar. É preciso que eles se

reconheçam, pois só assim, a creche se constituirá como um lugar parte de sua

vida.

Embora não fosse permitido aos bebês estarem próximos às suas bolsas,

mochilas e sacolas, eles transvêm os limites e vão ao encontro de seus pertences,

apropriam-se daquele espaço e o constituem em um lugar. Muitas vezes, os

espaços coletivos de educação em função da padronização dos tempos, espaços e

materiais não permitem aos seus usuários um encontro com sua singularidade.

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Walter Benjamin, no ensaio Experiência e Pobreza, apresenta reflexões

acerca da primeira guerra e evoca a “cultura de vidro” que passa a marcar a época

apagando os traços pessoais e culturais das pessoas. Nesse ensaio, ele faz uma

crítica ao romancista Paul Scherbart por querer acomodar sua “gente” em casas de

vidro, modelando-os a sua própria imagem. O autor utiliza esta analogia porque,

segundo ele, “o vidro é um material tão duro e liso ao qual nada se fixa. É também

um material frio e sóbrio. As coisas de vidro não têm nenhuma áurea. O vidro é

inimigo da propriedade”. (BENJAMIN, 1986, p. 117).

A “cultura escolar” em nome da coletividade tenta apagar tudo que é de

marca singular das crianças, assemelhando-se, assim, à “cultura de vidro”. Todas as

crianças guardam as bolsas com seus pertences no mesmo espaço. Esses espaços

são pensados apenas para armazenar, guardar e organizar de forma a facilitar para

os adultos o cuidado e higiene do corpo dos bebês. Benjamim cita uma frase de um

poema que nos ajuda a comprender sobre o que estamos falando : “Apaguem os

rastros!”, diz o estribilho do poema de Brecht Cartilhas para citadinos. Essa atitude

nos remete a pensar, o quanto muitas vezes, os espaços coletivos de educação e

cuidado destinado às crianças, tentam apagar suas marcas, seus rastros, fazendo

destes espaços, espaços de vidro, pois são modelados à imagem da escola.

Na creche pesquisada, os bebês sinalizam que precisam de

tempo/espaço para estar com seus pertences reconhecendo-se nos objetos que

representam a sua singularidade. De acordo com Barbosa (2010, p. 07), quando as

crianças passam muitas horas em um espaço de vida coletiva, como é o caso dos

bebês da pesquisa, “é interessante que se institua um lugar para colocar as coisas

que vêm de casa, como, por exemplo, fotos da criança e da família, os brinquedos e

outros objetos que criam um “oásis” de singularidade na vida e espaço coletivo”. Os

bebês nos mostram, através de suas múltiplas linguagens, o tempo todo que

reconhecem seus objetos e que precisam ser reconhecidos em sua individualidade,

assim como nas imagens que seguem:

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Fotografia 20 - Lívia nega mamadeira que não é sua Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

As imagens acima revelam um momento de alimentação na creche. Os

bebês acomodam-se para tomar a mamadeira servida no meio da manhã. As

crianças trazem de casa mamadeiras individuais e nelas são fixados seus nomes. A

professora, ao distribuir as mamadeiras aos bebês, confunde-as. Entrega a Lívia a

mamadeira que é de Maria. Lívia, ao olhar para a mamadeira que não é sua, embora

se pareça com ela, se recusa a pegar. A professora insiste e a menina movimenta

seu corpo para o lado oposto à mamadeira e chora. Percebendo a situação, a

professora fala: “Desculpe, Lívia. Ai me enganei, esta não é mesmo sua

mamadeira”. Ao falar isso, pega a mamadeira de Lívia e coloca ao lado da

mamadeira da Maria e diz: “Mostra para a tia, qual é a sua mamadeira?“ Lívia estica

os braços na direção da mamadeira com seu nome e começa a mamar.

A recusa de Lívia pela mamadeira que não é sua nos mostra que, para

ela, a mamadeira não é apenas um objeto que serve para saciar a fome. Ela é um

objeto que representa rastro e traço de sua singularidade. Mesmo com fome, nega-

se a alimentar-se com um objeto que não é seu. Um lugar para minha

singularidade, um lugar de traços, um lugar de proximidade com aquilo que me é

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familiar é o que os bebês estão apontando para o espaço da creche.

Winnicott (1975) ao estudar a evolução psíquica da criança pequena,

coloca que, esquematicamente, depois de uma fase em que teve a ilusão de ser

onipotente e uma só com sua mãe, o bebê descobre pouco a pouco que ele e a mãe

são separados e que precisa dela para satisfazer suas necessidades. Para se

sustentar nesta fase difícil, geradora de angústia e, em particular, uma angustia

depressiva, o bebê desenvolve atividades denominadas pelo autor de fenômenos

transicionais.

Ao observar as crianças pequenas em sua vida cotidiana, Winnicott

descreve uma série de atividades diversas realizadas pelas crianças que incluem ou

não a presença de um objeto. Apesar de diferentes, apresentam uma característica

comum: a importância vital que a criança atribui a elas, em momentos em que surge

a angústia, em especial, pela ocasião da separação da mãe. As atividades

nomeadas por fenômenos transicionais, quando acompanhadas de um objeto,

recebem o nome de objeto transicional.

O adjetivo transicional indica o lugar e a função que esses fenômenos ou

objetos ocupam na vida psíquica da criança. Eles estão alojados entre a realidade

interna e externa e fazem uma espécie de transição servindo de defesa contra a

angústia da ausência da mãe. Quando existe um objeto transicional, ele é carregado

de significações para o bebê, pois representa a sua mãe. “Ele representa a transição

da criança pequena que passa do estado de união com a mãe para o estado em que

se relaciona com ela como coisa externa e separada.” (WINNICOTT, 1975, p. 67).

Na creche pesquisada, foi possível observar que alguns bebês possuíam

um objeto transicional. No início da pesquisa, Augusto recém chegado na creche,

não se separava da camisola de sua mãe. Por onde estivesse, engatinhando,

andando, ele a arrastava pela sala. Em alguns momentos, separava-se do grupo e

ficava a sós com esse objeto.

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Fotografia 21 - Augusto a sós com a camisola de sua mãe Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

De acordo com Winnicott (1975), para o bebê, essa área intermediária

que cria o objeto transicional é fundamental para a segurança no relacionamento

entre a criança e o mundo.

O ingresso da criança na creche, em especial no seu primeiro ano de vida

coletiva, é uma das discussões que faz a pedagogia italiana. Bove (2002) nos coloca

sobre o período de “ inserimento” na perspectiva italiana. Esse período, também

traduzido por inserção, transição ou adaptação, é o termo que denomina a estratégia

de dar início a uma série de relacionamentos e comunicação entre adultos e

crianças quando elas estão ingressando na creche pela primeira vez.

Sabemos que a relação da mãe com o filho pequeno, especialmente logo

após o nascimento, é intensa, profunda e exclusiva. Portanto, quando uma criança

muito pequena ingressa na creche, é fundamental que os adultos que a recebam

criem espaços que potencializem a constituição de um lugar onde a criança se

reconheça, “se sinta íntegra, mesmo quando a mãe ou a pessoa que mais se dedica

a ela não esteja presente”. (BOVE, 2002, p. 141).

Por isso me questiono: Não seria o espaço de guardar as bolsas um lugar

transicional para os bebês? Um lugar de encontro simbólico com sua mãe, sua

familia, sua casa? Um lugar que os auxiliaria a superar a angústia de permanecer

durante dez ou doze horas diárias na instituição?

Focando meu olhar nos bebês, pude perceber que, durante o tempo que

permaneciam na creche, eles buscavam várias vezes ficar próximos do lugar onde

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ficavam os objetos trazidos de casa. Ali eles se reconheciam, encontravam rastros

de casa, marcas/traços de sua singularidade.

Ao se apropriarem do espaço de guardar as bolsas, mochilas e

sacolas, os bebês me mostraram que aquele era um lugar de segurança onde eles

se reconheciam. A procura por sua própria bolsa, ou a curiosidade que tinham em

ver o que tinha na bolsa do outro colega fazia daquele lugar uma referência de

identidades de cada menino e menina que ali vivia.

Com isso, eles manifestam que é preciso pensar, planejar, organizar

lugares onde o bebê se sinta seguro, acolhido, familiarizado. Os bebês apontam que

necessitam estar ligados os objetos trazidos de casa que representam a sua

subjetividade. Aquele espaço não era apenas para guardar os obejtos pessoais, era

um lugar de relação com aquilo de mais singular que eles têm, era um lugar

transicional.

Fotografia 22 - Maria Eduarda e sua mochila Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

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5.3.3 Cerquinha... um lugar na e para além da sala

Fotografia 23 - Vitor contemplando a vida além da cerca... Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Cerquinha. O que representa uma cerca? Com que intenção a

colocamos? Marcar? Delimitar, circundar um espaço? Criar uma fronteira?

Curiosamente, outro objeto bastante presente na sala dos bebês é a

cerca colocada na porta. Passar pela cerca todos os dias durante a pesquisa e

perceber a permanência dos bebês nesse espaço, me fez pensar na

intencionalidade da presença daquele objeto.

Considerando a não neutralidade dos objetos nos espaços, a presença ou

ausência de determinados elementos e a forma como são organizados sempre

comunicam algo sobre e para as pessoas que ali convivem. Nessa perspectiva, o

espaço é um terceiro educador (GANDINI, 1999), pois expõe ideias, externaliza

mensagens.

Como pesquisadora, ao chegar à instituição, fiquei tentada em perceber

as mensagens que este espaço me oferecia. Inicialmente, realizei uma “leitura” dos

significados deste espaço com base em minhas próprias ideias. A cerca me parecia

algo extremamente limitador. Contudo, com o passar do tempo, fui aprendendo mais

sobre os espaços e sobre as formas de ocupação e relacionamento dos bebês. Com

isso, percebi que o espaço expressa mensagens, porém essas mensagens não são

imutáveis. Por meio da ação humana, de forma consciente ou não, os sujeitos vão

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circunscrevendo no espaço novos sentidos e significados.

“Tudo o que cerca as pessoas na escola e o que usam – os objetos, os

materiais, as estruturas- não são vistos como elementos passivos, mas ao contrário, como

elementos que condicionam e são condicionados pelas ações dos indivíduos que agem

nela.” (GANDINI, 1999, p. 157);

Nesse sentido, o espaço transforma-se em lugar a partir das marcas que

os sujeitos vão lhe conferindo nas relações. Na creche investigada, foi possível

observar que, desde cedo, os bebês circunscrevem sua presença no espaço e

constroem determinados lugares. A “cerquinha” se constituiu em um desses lugares.

Embora esse lugar passasse de forma silenciosa e invisível aos olhos dos adultos

que, por vezes, buscavam retirar os bebês com medo de eles se machucarem, a

cerquinha se configurava em um lugar extremamente rico para os bebês.

Fotografia 24 – Interação entre crianças na cerquinha Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Giovana (1 ano) caminha cambaleando até a cerquinha que dá acesso a porta de entrada principal da sala. Ao chegar para e fica observando as crianças maiores das turmas que por ali estão passando. Um menino se aproxima da cerca e diz “oi” a Giovana. Giovana emite um som de iiii. Após,

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levanta seu vestido em direção ao menino oferecendo-o para que o menino o admirasse. O menino fala: “Ai que bonito!” e sorri para mim. Após, chegam mais duas meninas na cerquinha e Giovana observa um pequeno brinquedo (secador de cabelo) que uma das meninas tem nas mãos. Giovana olha o objeto atentamente e diz: Dá. A cena é interrompida com a chegada da professora que chama as crianças maiores para a sala.

Os fragmentos acima indicam a cerquinha como lugar de chegada.

Encontro. Partilha. Um lugar de olhar e ser olhado... Observei várias situações nas

quais a cerquinha da sala significava para os bebês convites para encontrar o outro.

O outro, menino, menina, adulto ou criança , colega ou desconhecido que passava

pelo corredor. Percebi o movimento das crianças indo em busca do encontro com o

outro, com a novidade.

A partir das manifestações dos bebês, pude confirmar que eles

necessitam estabelecer relações não somente entre eles, mas também com

crianças mais experientes e diferentes adultos e gostam disso. Conhecer, interagir,

partilhar... A cerquinha era lugar de estar em relação com as crianças maiores e

diferentes adultos.

Segundo Wallon (1986), a interação com o outro é fundamental para que

a criança construa conhecimento sobre si mesma. Sendo a creche um espaço

privilegiado de convívio com adultos e crianças de diferentes idades, acredito ser

importante organizar, pensar e disponibilizar esse espaço de forma que se possam

potencializar encontros entre bebê-bebê, bebê-criança e bebê adulto.

Os bebês têm direito a espaços de uso coletivo, têm direito a viver para

além da sala. Observei na pesquisa que os bebês permanecem quase sempre na

sala, sendo raras as vezes em que transitam por outro espaço da creche. Esse fato

é justificado pelas profissionais por questões estruturais. Segundo a professora Ana:

Olha, ontem eu comprei uma briga com a diretora por causa disso. Ela veio com bilhetes de rifa para entregar aos pais. A rifa era para angariar dinheiro na melhora do parque da instituição. Achei positivo e fiquei feliz com a iniciativa já que não temos no parque um único brinquedo que os bebês possam usar. Perguntei a ela então quais brinquedos seriam comprados para o parque que os bebês poderiam usar. Ela me respondeu que não iria comprar brinquedos especificos para o bebê, que na verdade, estava pensando para as crianças maiores, porque eles aproveitam mais.... Ai vê se pode! Então me neguei a pedir aos pais para vender a rifa, pois ela não traria benefícios a eles. Aí a diretora me responde que logo logo eles iriam fazer 2 anos, aí poderiam usar, eles ainda são pequenos para parque. Aí eu achei um absurdo. (Diário de campo).

Para a diretora, os bebês não podem utilizar o parque pelas suas

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condições fisicas. A referência de que eles são pequenos é utilizada como

explicação para a não possibilidade de eles frequentarem o parque. Na concepção

da diretora, os bebês só poderão estar em contato com o parque, o pátio e a área

externa quando crescerem, quando estiverem prontos, completos e quando forem

“capazes”.

Barbosa (2010, p. 7) coloca que o parque é um espaço fundamental para

o bebê, portanto” precisa ser pensado e organizado na medida das crianças. Além

disso, as crianças pequenas precisam de contato diário com a luz do sol, ar fresco, e

com a observação e interação com a natureza”. Os bebês nos apontam isso.

Quando eles transvêm o espaço, permanecendo na cerca e enxergando nela

possibilidades de encontro com o outro e com tudo que o espaço externo oferece,

eles nos dizem que precisam, que necessitam viver a vida para além de uma cerca

que separa, divide, segmenta e limita seus encontros com a alteridade.

A cerquinha é um lugar de passagem, pausa, fronteira. Os bebês

imprimem marcas, e, assim, expressam o desejo de encontro com o outro, com o

sol, o ar fresco, a água, areia, com a vida que pulsa no espaço externo. Trata-se de

interpretar os sinais dos bebês e pensar o espaço da creche como um lugar de

interação com a vida que pulsa na e para além da sala.

Fotografia 25 - Augusto e Maicon na cerquinha Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

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5.3.4 Sala: espaço de vivências e narrativas

5.3.4.1 Um lugar de encontro entre bebês

O olhar, o sorriso, a aproximação, o movimento o toque... Tantas são as

formas de comunicação que marcam a vida na creche. Para conhecer o espaço e

interagir com o outro, os bebês se utilizam de muitas linguagens. Observar,

reconhecer e compreender estas formas de comunicação nos bebês significa

valorizá-los como sujeitos capazes, competentes e que têm algo a nos dizer sobre

eles.

Procurando dar visibilidade à capacidade de comunicação e expressão

dos bebês, Moyles (2010, p. 40), em seu estudo, nos fala sobre o conceito de

“comunicação primária”. A autora descreve esse tipo de comunicação como

interações íntimas e espontâneas que permitem aos bebês criar relacionamentos

mesmo antes da linguagem falada. Tal conceito “comunicação primária” é primário

“não apenas porque vem primeiro, mas também porque fornece a base essencial

para o que virá mais tarde’.

O início da comunicação primária acontece entre o recém-nascido e a

mãe e expande-se aos poucos aos familiares. Com a entrada do bebê na creche,

essa comunicação é ampliada a outros adultos e bebês que compartilham a vida

nessas instituições.

Ao adentrar na creche pesquisada, foi possível perceber inúmeras

interações entre bebês-adultos e bebês-bebês utilizando a comunicação primária.

No que se refere aos bebês, pude observar, muitas vezes, que mantinham um tipo

de comunicação sensível e sintonizada com seus pares. Geralmente essa

comunicação era iniciada pelo olhar atento que os bebês lançavam na direção do

outro.

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Fotografia 26 – O olhar de Carolina e Elisa Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Elisa (4 meses) está deitada no colchão. A professora e auxiliar estão envolvidas na troca de fralda de alguns bebês, enquanto os outros estão livres pela sala. Carolina (1 ano e 4 meses) olha Elisa e vem engatinhando em direção ao colchão. Carolina senta-se no colchão, mantendo distância de Elisa e a observa. Elisa percebe sua presença e lança um olhar em direção à Carolina. As duas fixam os olhares por algum tempo. Carolina engatinha em direção de Elisa e as duas ainda mantêm o olhar em direção uma da outra. Carolina chega mais próximo de Elisa e emite um som de ê ê ê ê e sorri para ela. Elisa responde ao sorriso de Carolina sorrindo. Carolina então se aproxima de Elisa e dá um beijo. Elisa toca os cabelos de Carolina” (Diário de campo)

No relato acima, podemos perceber que a comunicação de Carolina e

Elisa é iniciada e mantida pelo olhar. A sintonia do olhar entre elas estabeleceu um

tipo relação em que foi possível a utilização de diversas formas de expressão: o

movimento, a aproximação, o sorriso e o toque, fazendo com que elas partilhassem

um entendimento entre si. Carolina ao perceber Elisa no colchão, movimenta-se,

aproximando-se, mantendo certa distância e lança um olhar à colega. O olhar de

Elisa em sua direção faz com que ela perceba que está sendo vista. Isso faz com

que Carolina se aproxime ainda mais e sorria para Elisa. Ao receber o sorriso de

volta como um gesto de aprovação, Carolina beija a colega e Elisa toca seus

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cabelos. Nessa cena, tem-se a impressão de estarem compartilhando uma relação

em que entendiam o outro e se faziam entender por ele.

Os estudos de Wallon (1981) e Winnicott (2006) afirmam a capacidade

interativa do bebê em se relacionar com outro no primeiro ano de vida. Wallon

coloca que, antes da apropriação da palavra, “a criança, para se fazer entender, se

utiliza de gestos, ou seja, movimentos relacionados com as suas necessidades, ou o

seu humor, assim como com as situações que sejam suscetíveis de as exprimir.”

(WALLON, 1981, p. 75). O autor atribui fundamental importância ao movimento, pois

através dele a criança expressa seu humor, suas emoções comunicando-se. Já

Winnicott (2006) destaca o papel do olhar na interação do bebê com o outro. Para

ele, o olhar comunica e está relacionado ao sentimento de existir.

No contexto da pesquisa, observei várias situações nas quais o olhar

significava um convite para se movimentar ao encontro do outro. O olhar que

registrei, diferentemente da visão que apenas enxerga, requeria sintonia e

sensibilidade. Olhar o outro, movimentar-se em sua direção, sorrir e receber de volta

reações à sua resposta nos dá indícios de que os bebês se comunicam e

“constituem, nas relações em grupo, a capacidade dialógica, de responsividade e de

não-indiferença ao outro”. (SCHMITT, 2009, p.106).

No espaço da creche, a partir da manifestação dos bebês, pude perceber

que eles necessitam estabelecer relações, compartilhar significados e sentidos com

seus pares e gostam disso.

É final da manhã, as crianças acabaram de almoçar. A professora e auxiliar se dividem na higienização e troca de fraldas dos bebês para o momento do sono. Nesse momento, as crianças estão livres pela sala. Pedro (1 ano e 4 meses) entra em uma pequena cabana com uma bolinha e fica só manipulando a bolinha por alguns minutos... Logo após chega Maicon (1 ano 5 meses) que olha e sorri para Pedro que permanece dentro da cabana. Pedro retribui o olhar e o sorriso. Maicon então adentra a cabana e senta-se em frente a Pedro que continua sorrindo para ele e emite sons tipo óóóóó. Os dois trocam olhares e sorrisos e permanecem juntos por um tempo. Vitor aproxima-se da cabana, fica de cócoras e põe-se a observar os dois. Pedro percebe a presença de Vitor e emite um gritinho áááá. Vitor levanta-se e corre para traz da cabana. Pedro e Maicon se olham e sorriem. Vitor (1 ano e 4 meses) se aproxima da porta da cabana novamente e agora emite o som de uhuhuhuhu. Pedro e Maicon emitem o mesmo gritinho e sorriem. Vitor corre para traz da cabana se escondendo. A cena é repetida várias vezes. (Registro em vídeo- Tempo da cena 10 min).

A cena descrita acima nos mostra a capacidade dos bebês de iniciarem e

manterem uma brincadeira entre seus pares. A brincadeira de “esconder e achar” na

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cabana é um exemplo que ilustra a ideia de que os bebês realizam ações de

iniciativa, de comunicação com seus coetâneos e que respondem a elas.

Nos momentos em que a professora e auxiliar estavam envolvidas nas

ações pedagógicas de cuidado, na alimentação, na troca, no banho, no acalento, os

bebês transitam livremente pela sala, desfrutando, assim, de uma grande parcela de

tempo livre. No ato de deixar os bebês transitarem livremente pela sala,

disponibilizar brinquedos à sua altura e possibilitar tempos longos para suas

descobertas, a professora cria um contexto que incentiva e sustenta a interação

entre eles, assumindo, assim, um posicionamento de confiança na capacidade dos

bebês de viverem outras relações além das estabelecidas com os adultos.

Barbosa (2010) define o tempo como um elemento fundamental para a

especificidade que envolve a educação dos bebês. Nas palavras da autora, o bebê

precisa “ter tempo para brincar, fazer a mesma torre muitas vezes, derrubar,

reconstruir, derrubar novamente, isso permite aos bebês sedimentar suas

experiências” (p..) Nesse sentido, podemos afirmar que o espaço e o tempo são

categorias básicas e fundamentais para a constituição da creche em lugar. Lugar de

estar, brincar e viver uma infância inteira desfrutando da companhia de seus pares.

É importante destacar que o espaço da sala pesquisada apresentava uma

carência significativa de mobiliário, materiais e brinquedos. Porém, a organização

tempo permitia aos bebês observar, descobrir e estar junto de outros bebês.

Benjamin (1986) coloca que o tempo e o espaço são companheiros da

experiência. Em seu texto, “O narrador - Considerações sobre a obra de Nikolai

Leskov” o autor nos fala a respeito da impossibilidade das experiências ocorrerem

no contexto atual devido à pressa e à falta de tempo da humanidade. Para ele,

nossa sociedade em nome da produtividade tem sintetizado a vida e “já não se

cultiva o que não pode ser abreviado” (BENJAMIN, 1986, p. 206). Na correria do dia-

a-dia na creche, no automatismo de nossas ações em função de uma rotina rígida e

linear, muitas vezes, não temos tempo para ver, reparar o outro. Sequer paramos

para abrir nossos olhos e ouvidos, sequer paramos para ir ao encontro do outro ou

nos deixarmos ser encontrados.

Tuan (1983, p. 9) em uma outra perspectiva teórica, ao referir-se à

importância da experiência dos sujeitos na construção de lugares, diz “Se pensamos

o espaço como algo que permite o movimento, então o lugar é a pausa; cada pausa

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no movimento torna possível que a localização se transforme em lugar.” Dessa

forma, a creche só se constituirá em um lugar para os sujeitos que ali habitam se for

possível fazer uma pausa, uma ocupação simbólica atribuindo, assim, sentido e

significado ao lugar onde adultos e bebês vivem grande parte de sua vida.

Retomo as palavras de Larrosa (2001, p. 20) sobre experiência. Segundo

o autor, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto

pausa e interrupção para:

abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Walter Benjamin já nos dizia que “o tempo das crianças não é um tempo

do relógio, guiado pelo capital, não é o tempo homogêneo, mas um tempo saturado

de “agoras” (BENJAMIN, 1984, p. 225). Saibamos nós, abrir nossos olhos, ouvidos e

aprender sobre o tempo com as crianças.

5.3.4.2 Um lugar de narrativas

Em minhas observações, registros escritos, fotográficos e filmíticos, os

bebês estão “dizendo” através das mais variadas formas que querem um lugar para

ser, um lugar de rastros e traços, um lugar na e para além da cerca, um lugar para

se relacionar e brincar sozinhos, acompanhados de outros bebês e dos adultos.

Na creche, os adultos são os responsáveis pela educação dos bebês. A

eles cabe a tarefa de mediar a constituição subjetiva do bebê e sua inserção no

mundo da cultura. No cotidiano da pesquisa, me dei conta de como a presença do

adulto/professor perpassava os lugares apontados pelos bebês. Em alguns

momentos, essa presença se dava de forma marcante, decisiva e extremamente

visível. Em outros, ela acontecia de forma sutil, silenciosa, discreta e indireta. Na

criação de contextos materiais, temporais e sociais, lá estava a presença do

professor permitindo, proibindo, incentivando e sustentando ou não as vivências, as

significações.

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Os bebês mostram que o lugar é algo constituído nas ocupações,

relações, e experiências que se estabelecem entre os sujeitos. O olhar que lancei à

“esfera do semelhante” foi fundamental para que eu, na situação de pesquisadora,

hóspede no contexto do berçário, estranha e familiar ao mesmo tempo, pudesse me

arriscar ao desafio de compreender os “saberes ocultos” que envolvem o processo

que leva o espaço a se constituir em lugar. (BENJAMIN, 1986, p.109).

Fotografia 27 - Pedro “escrevendo” uma carta Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Estou sentada no chão realizando registro escrito em meu caderno. Em um determinado momento sinto a necessidade de pegar a câmera de vídeo. Ligo o equipamento. Enquanto isso, Pedro se aproxima, pega meu caderno, abre e fecha. Segura o lápis e começa a fazer rabiscos. A professora olha e pergunta: - Tu ta escrevendo Pedro? Pedro olha para a professora, sorri e continua a rabiscar. A professora fala: - Isso Pedro, escreve. Escreve uma carta. (registro em vídeo).

Na cena acima, Pedro sente-se atraído pelo caderno e lápis, explora os

materiais e inicia rabiscos. Quando a professora olha para o menino, ela interpreta a

ação de Pedro como escrita, antecipando e significando os rabiscos em escrita de

uma carta. O ato de antecipar a ação do bebê requer da professora um olhar que

transvê a realidade; envolve ver rabiscos e olhar a escrita de uma carta.

Ao falar com o bebê, pedir que ele escreva uma carta, a professora

demonstra que o considera um sujeito falante e porque não dizer escritor. Ao

significar os rabiscos como carta, ela valoriza a produção do bebê como algo

potente. As manifestações das crianças pequenininhas precisam ser transformadas

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em palavras para ampliar seu universo simbólico. É na relação com os adultos,

ouvindo suas palavras, que o bebê vai atribuindo sentido e significado ao mundo que

o cerca. Traduzir as ações dos bebês em palavras, contar histórias, ler poemas,

cantar músicas possibilitam a sua interação com a linguagem oral e com o encontro

de narrativas.

Reconhecer, interpretar, tomar sinais como “textos a serem lidos”, narrar...

Em 1936, Walter Benjamin produziu uma das mais tocantes e profundas reflexões

sobre a arte de narrar. A narração, segundo esse filósofo, emerge de um sentido

prático. Ela traz ensinamentos, referências úteis à vida cotidiana. Nas palavras do

autor, a verdadeira narrativa “tem sempre em si, às vezes, de forma latente, uma

dimensão utilitária. Essa utilidade pode consistir num ensinamento moral, seja numa

sugestão prática, seja num projeto ou numa norma de vida - o narrador é um homem

que sabe dar conselhos”. (BENJAMIM, 1986, p. 201).

O professor, ao narrar a vida na creche, os fatos, os acontecimentos, está

possibilitando aos bebês uma produção de sentidos e significados que influenciam a

sua trajetória de vida. Considerando o senso prático e a dimensão utilitária que

surge da narrativa, questiono-me: Seria o professor um narrador para os bebês?

Afinal, não é ele que sugere, “dá conselhos”, possibilita a produção de sentidos no

dia-a-dia na creche?

Vasconcellos (2005) coloca que é possível estabelecer uma relação entre

a figura do narrador e do professor. Para a autora, o próprio Benjamin diz isso e o

faz com todas as letras quando localiza o narrador na figura entre os mestres e os

sábios. Apenas a autora faz uma reflexão com relação à palavra mestre, que para

ela é passível de interpretação:

Ser mestre está além da tarefa de ensinar. Aquele que exerce o ofício de ensinar a outros pode vir a ser um mestre. Mas o simples fato do exercício desse ofício não o torna um deles. Isso porque o mestre não ensina algo. O conteúdo de sua narrativa é a totalidade de sua experiência. É ele próprio. Sua vida que é entregue incondicionalmente ao banquete dos bárbaros – para que devorem tudo e que disso possa resultar algo de decente. (VASCONCELOS, 2005, p. 98).

Assim, podemos dizer que, quando o professor converte “a vida em

narrativa e a narrativa em vida”, ele retira atos de sua própria experiência. Para

Benjamin, a fonte dos narradores é a experiência passada de uma geração a outra

geração.

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Em vários momentos da pesquisa, foi possível identificar, através das

cantigas, das brincadeiras, das histórias e das falas das professoras e auxiliares que

muitas dessas narrativas, advinham da sua própria experiência pessoal. Como

exemplo, podemos citar a cena abaixo:

A auxiliar Grasiela senta-se e Carolina vem caminhando em sua direção. A menina para na frente da auxiliar, ajeita-se entre suas pernas, pega na sua mão e começa a se balançar para frente e para traz. Grasiela fala: “O que foi Carolina? Já sei, tu quer brincar né?” Após a pergunta começa a cantar: Serra que serra serrador, serra madeirinha na casinha do senhor.... Ao cantar, balança a menina para frente e para trás. Carolina sorri. Quando acaba a canção, Carolina começa a balançar seu corpo, como pedido de “novamente, de novo, outra vez. (Registro em vídeo).

No cotidiano, observei professoras e auxiliares brincando com bebês com

essa cantiga inúmeras vezes. Carolina, ao se aproximar da auxiliar, imita, faz gesto

“ir para frente para trás”, movimentos esses que caracterizam essa brincadeira. No

contexto da creche, era muito comum ver os bebês recorrerem a gestos para

expressar seus pensamentos. Gestos como apontar, puxar, empurrar, segurar

expressavam desejos e pedidos que eram dirigidos a outros bebês e adultos. Wallon

(1981) denomina esses movimentos como “mentalidade projetiva” é o ato mental

dos bebês projetando-se em atos motores. Para ele, essa é uma maneira

incontestável de localizar as origens motoras no ato mental. Ou seja, o movimento

realizado por Carolina de ir para frente e para trás não é um movimento qualquer,

mas um pedido que revela a intenção de cantar e brincar.

Quando a auxiliar observa o gesto de Carolina, aceita sua demanda e a

entende como um convite para brincar, ela está supondo a existência de um sujeito,

um sujeito, que é ativo, comunicativo, que tem um desejo e precisa ser atendido. Ao

tomar os sinais de Carolina, ela dá sentido e narra: “O que foi Carolina? Já sei, tu

quer brincar né?” E começa a cantar.

Por perceber diversas vezes as professoras cantarolarem esse canção,

perguntei à professora Silvia de onde tinha surgido. A professora me respondeu

dizendo: “Ah... Essa cantiga é antiga, desde que eu era criança. Eu adorava brincar

com o meu pai. Pode notar, os bebês também adoram”. Segundo Benjamin (1986) a

origem da narrativa é a experiência humana. É sobre ela que o narrador transforma

a sua própria experiência em algo útil para os outros. A canção fazia parte da

experiência da professora e era narrada por ela no cotidiano.

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[...] o narrador [...] Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira. O narrador é o homem que poderia deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida. [...] O narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo. (BENJAMIN, 1986, p. 221).

No ato de rememorar a sua experiência com a cantiga, a professora

encontra-se consigo mesma. Tal situação evidencia que, hoje, somos o que nos

constituiu o passado, por isso é importante voltar sobre aquilo que foi vivido. Repetir

as canções, as histórias, as brincadeiras significa, para a professora, reviver as

marcas que formaram o seu modo de ser, pensar, agir, sentir, resgatar seus traços e

rastros.

Ao entrecruzar o atual e antigo através da narração, a professora

rememora, e ao mesmo tempo, constrói uma história com seu grupo entrecruzando

com sua própria história. Logo, é possível afirmar que “ao gosto winnicottiano, a

narrativa acontece em um tempo transicional, em que passado e futuro se tocam no

presente e se transformam mutuamente.” (VASCONCELLOS, 2005, p. 186).

Fotografia 28 – Contextos de brincadeira Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

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Nas imagens acima, é possível perceber as educadoras criando contextos

de brincadeira que têm como fonte a sua própria experiência. As brincadeiras de

“cozinhadinho” ou “comidinha do nenê” conforme nomeadas pelas educadoras são

brincadeiras que fizeram parte de sua infância. Para Benjamin, é “comum a todos os

grandes narradores, é a facilidade com que se movem para cima e para baixo nos

degraus de sua experiência, como uma escada” (BENJAMIN, 1986, p. 215). Serra

que serra, serrador. Para baixo, para cima, para baixo, para cima, adultos e bebês

compartilhando signos, sentidos, significados, experiências tecidas entre as

lembranças de adultos que brincaram, e ao mesmo tempo, entre novas formas de

brincar ressignificadas na relação com bebês.

Sendo a creche o primeiro espaço de educação coletiva do ser humano,

ela precisa se configurar em um espaço de vivências significativas que

potencializem experiências, constituindo-se em lugares. A educação coletiva dos

bebês efetiva-se na materialidade de um espaço/tempo, por isso, considera-se

fundamental que ele seja rico, diverso em materiais, brinquedos, mobiliário. O

espaço potencializa a educação. Mas, é o olhar, a conversa, o toque, o sorriso, a

brincadeira, as relações e as experiências que transformam o espaço da creche em

lugar de viver a infância, não uma infância qualquer, mas uma infância inteira,

completa, uma infância em plenitude.

Conforme já afirmamos, é a dimensão humana que transforma o espaço

em lugar. O lugar se constitui quando atribuímos por meio da experiência, sentido

aos espaços. A experiência é única, singular, simbólica e repleta de sentidos.

Larrosa nos coloca que:

La experiência sería el modo de habitar el mundo de um ser que existe, de um ser que no tiene outro ser,outra essência, que su propia existência: corporal, finita, encarnada, en el tiempo y en el espacio, com otros. (LARROSA, 2003).

A experiência é sempre uma dimensão singular (um recorte subjetivo) e

por isso não podemos “criar” experiências para as crianças... Ouvir uma história,

aconchegar-se no colo, estar entre amigos, participar de uma brincadeira pode se

constituir em uma experiência para os bebês ou não... Mas o que pode a

pedagogia? O que pode o adulto/professor?

Sendo o professor o parceiro mais experiente do bebê no espaço da

creche acredito que ele pode “emprestar a sua consciência e conhecimento” marcar,

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significar, interpretar, narrar, atribuir sentidos, sustentar contextos materiais e

relacionais.

Quanto à pedagogia, acredito que ela pode oferecer, propor um percurso

de transformação do espaço em lugar, através de um tempo, construir uma vida

compartilhada, construir narrativas e memórias coletivas que possam ser recontadas

e, futuramente, constituídas em experiências. Benjaminianamente falando: Será que

poderia a pedagogia intercambiar experiências? Disso eu ainda não sei, mas

enquanto o futuro não vem.

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6 EU NÃO CAMINHO PA

ESTUDO

O presente trabalho partiu das questões suscitadas durante meus

dezesseis anos de trabalho na educação infantil. Frente à importância da creche

para a constituição dos sujeitos, da precariedade destes espaços e das poucas

pesquisas na área, apostei naquilo

transver, de reinventar, de ressignificar a materialidade dos espaços a eles

destinados, constituindo novas formas, sentidos

Para tanto, busquei conduzir a discussão relativa à temática dos espaços

e dos lugares para e dos bebês no campo da educação infantil. Através das

“raízes crianceiras” em diálogo com a ciência e alicerçados nos poemas de Manuel

de Barros, apresentei um conjunto de referê

aposta na capacidade dos bebês e nas suas diversas formas de comunicação; a

riqueza de suas relações com outros bebês e adultos; da educação infantil como

uma área de pesquisa, de reflexão e ação política; e, finalmente, na creche como um

lugar privilegiado para o bebê s

A partir desses recursos, procurei enfrentar um campo de estudo ainda

incipiente, questionando propostas que

sujeito competente nas relações, capaz de falar sobre si e o outro. As cria

neste estudo, são os protagonistas. Escutar o que dizem, é respeitar e valorar seus

direitos, sua alteridade.

A partir dessas premissas, percorri uma pluralidade de caminhos até

CAMINHO PARA O FIM... CONSIDERAÇÕES PARA ESTE TEMPO DE

Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens. (...) sei muito pouco sobre as grandes coisas do mundo, mas sobre as menores eu sei menos ainda. (2008).

O presente trabalho partiu das questões suscitadas durante meus

dezesseis anos de trabalho na educação infantil. Frente à importância da creche

para a constituição dos sujeitos, da precariedade destes espaços e das poucas

pesquisas na área, apostei naquilo que os bebês me diziam: a capacidade de

transver, de reinventar, de ressignificar a materialidade dos espaços a eles

destinados, constituindo novas formas, sentidos e lugares...

Para tanto, busquei conduzir a discussão relativa à temática dos espaços

s lugares para e dos bebês no campo da educação infantil. Através das

diálogo com a ciência e alicerçados nos poemas de Manuel

ntei um conjunto de referências que me auxiliaram

idade dos bebês e nas suas diversas formas de comunicação; a

riqueza de suas relações com outros bebês e adultos; da educação infantil como

uma área de pesquisa, de reflexão e ação política; e, finalmente, na creche como um

lugar privilegiado para o bebê ser, estar e viver sua infância.

A partir desses recursos, procurei enfrentar um campo de estudo ainda

incipiente, questionando propostas que não têm por concepção o bebê como um

sujeito competente nas relações, capaz de falar sobre si e o outro. As cria

neste estudo, são os protagonistas. Escutar o que dizem, é respeitar e valorar seus

A partir dessas premissas, percorri uma pluralidade de caminhos até

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PARA ESTE TEMPO DE

Eu não caminho para o fim, eu caminho para as origens. (...) sei muito pouco sobre as grandes coisas do mundo, mas sobre as menores eu sei menos ainda. (BARROS,

O presente trabalho partiu das questões suscitadas durante meus

dezesseis anos de trabalho na educação infantil. Frente à importância da creche

para a constituição dos sujeitos, da precariedade destes espaços e das poucas

que os bebês me diziam: a capacidade de

transver, de reinventar, de ressignificar a materialidade dos espaços a eles

Para tanto, busquei conduzir a discussão relativa à temática dos espaços

s lugares para e dos bebês no campo da educação infantil. Através das minhas

diálogo com a ciência e alicerçados nos poemas de Manuel

ncias que me auxiliaram nessa tarefa: a

idade dos bebês e nas suas diversas formas de comunicação; a

riqueza de suas relações com outros bebês e adultos; da educação infantil como

uma área de pesquisa, de reflexão e ação política; e, finalmente, na creche como um

A partir desses recursos, procurei enfrentar um campo de estudo ainda

têm por concepção o bebê como um

sujeito competente nas relações, capaz de falar sobre si e o outro. As crianças,

neste estudo, são os protagonistas. Escutar o que dizem, é respeitar e valorar seus

A partir dessas premissas, percorri uma pluralidade de caminhos até

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chegar ao Centro de Educação Infantil Peixinho Dourado– CAIC, a maior creche

pública do município de Tubarão. Nesse encontro, o encantamento com os bebês

Maicon, Pedro, Vitor, Livia, Elisa, Maria Eduarda, Giovana, Augusto e Carolina e

com as educadoras Ana, Grasiela, Silvia e Sabrina. Como bagagem, a intenção de

conhecer tais espaços e sujeitos, desvelando, lendo, interpretando palavras, olhares,

gestos, sons e silêncios capazes de, na processualidade dos encontros e narrativas,

constituir um lugar para e dos bebês.

A construção do espaço: a importância de uma coisa... Parti da

perspectiva de que o espaço não é neutro, pois ele expõe idéias e externaliza

mensagens. Apontei, na legislação educacional brasileira um conjunto de

documentos que visam orientar os padrões de infraestrutura na educação infantil.

Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009)

destaquei as questões referentes ao espaço físico associado às propostas

pedagógicas, enquanto potencializadores de “contextos que articulem diferentes

linguagens e que permitam a participação, expressão, criação, manifestação e

consideração dos interesses das crianças”. Acredito que o traçado arquitetônico, o

mobiliário, os equipamentos projetam uma idéia de educação, pois esta idéia

corresponde aos padrões culturais e pedagógicos que as crianças internalizam e

aprendem ao longo do processo educacional, ainda mais se pensarmos que elas

adentram este mundo desde a tenra idade, ou seja, bebês.

O prédio, o mobiliário e sua organização potencializam ou limitam a

educação e cuidado dos bebês. Por isso, ressaltei, ao longo do estudo, a

fundamental importância da infraestrutura das instituições de educação infantil. É

claro que isso pode ser estendido a qualquer outra instituição de diferente nível

educacional, porém, aqui, limitarmos esta afirmação ao nosso objeto de estudo. As

crianças têm direito a um espaço físico adequado e de qualidade. Enquanto

expressão física, a creche pesquisada refletiu a injusta estrutura social brasileira.

Retratou uma carência significativa de mobiliários, equipamentos e brinquedos

adequados para educar e cuidar de crianças pequenas, limitando assim, as práticas

sociais, culturais e os hábitos de alimentação, banho e higiene.

Considerando-se a não neutralidade dos objetos nos espaços, a presença

ou ausência de determinados elementos e a forma como são organizados, estes

sempre estão comunicando algo sobre e para as pessoas que ali convivem.

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Acredito que o espaço da creche comunica mensagens, porém essas mensagens

não são imutáveis. Mesmo diante de um espaço tão limitador, percebi que, à medida

que os bebês e adultos ocupavam os espaços da creche, eles os ressignificavam e

ultrapassavam seu aspecto material. Foi assim que comecei a buscar, a enxergar e

a focar, para além daquilo que era possível ver com os olhos. Ou seja, me atentei ao

movimento do espaço se constituindo em um lugar.

A constituição do lugar: medida pelo encantamento que a coisa produz

em nós... Ao observar a ocupação e relação dos bebês e adultos com esses

espaços, encontrei sujeitos que, mesmo diante de um espaço precário, não se

submetiam a aceitá-lo passivamente. Havia transgressões, os bebês e adultos

mostraram em diversos momentos, que iam além do tempo/espaço geográfico em

que estavam inseridos.

Os bebês me sensibilizaram ainda mais para a percepção de que o

espaço não é pronto, acabado, mas algo que pode ser modificado. A partir da

ocupação, podem-se estabelecer novos sentidos e significados aos espaços e

constituí-los em lugares únicos e especiais.

Foi acreditando na capacidade dos bebês, acreditando que eles têm

muito a nos dizer e a nos ensinar que mergulhei no cotidiano. Aliada a idéia de

Eizirik e Comerlato (1985, p. 12): “É preciso ser humilde diante do conhecimento, da

ignorância, do não saber. É preciso ter flexibilidade diante das incertezas e das

multiplicidades de possibilidades do saber”. Tendo em vista os limites a delicadeza e

a sutileza de tal tarefa, tomei as indicações que os bebês nos dão para pensar os

espaços/lugares onde eles vivem sua infância.

Apresento, a seguir, alguns espaços/lugares que surgiram durante os

movimentos da pesquisa, os quais penso serem merecedores de destaque para

ampliação das reflexões:

O espaço do espelho é parte da cultura de objetos materiais das

instituições de educação infantil. Ao longo da pesquisa, observei que o espelho para

os bebês era um objeto de sedução, fascinação e encantamento. Eles

aproximavam-se frequentemente, olhavam, batiam, tocavam, beijavam, interagiam

com sua própria imagem. Para os bebês, o espaço onde se localizava o espelho era

lugar de encontro, de procura, de pausa, de olhar, de tocar. Um lugar de

encantamento e descobertas sobre si mesmos. Reconhecer-se. Encontrar-se

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consigo. Perceber-se como um eu diferenciado do outro, mas semelhante do outro

que está no espelho. Aponto espaço onde se localiza o espelho como um lugar do

bebê. Lugar de olhar, tocar, sentir, brincar, sorrir, descobrir, lugar para ser...

No cotidiano da creche, outros lugares também foram constituídos pelos

bebês. O lugar de guardar seus pertences foi um deles. Com isso, os bebês nos

apontam que precisam de privacidade, intimidade e respeito à singularidade.

Observei que os objetos trazidos de casa ajudavam os bebês a constituir “um ninho

seguro”, pois estabelecem vínculos entre a casa e a creche.

Na sala da creche pesquisada, não havia espaço para acolher e

disponibilizar as coisas que as crianças traziam de casa. Os pertences dos bebês

eram guardados em bolsas, sacolas e mochilas onde os bebês não tinham acesso.

Em função da rotina rígida e linear, a padronização dos tempos, espaços e materiais

na creche não permitia aos bebês encontrarem-se com sua singularidade.

Embora não fosse permitido aos bebês estarem próximos a seus

pertences, eles transgrediam os limites e iam ao encontro deles, apropriando-se

daquele espaço e constituindo-o em um lugar. Aquele passou a não ser apenas um

espaço para guardar os objetos pessoais, era um lugar de relação com aquilo de

mais singular que eles têm. Sentir-se parte, marcar, deixar rastros, reconhecer a sua

identidade, imprimir sua singularidade na creche possibilita aos bebês o sentido de

pertencimento.

A partir das marcas impressas pelos bebês, pude constatar que a

“cerquinha” também se constituia em um lugar. Lugar de chegada. Encontro.

Partilha. Um lugar de olhar e ser olhado. Observei várias situações nas quais a

cerquinha da sala significava para os bebês convites para encontrar o outro.Os

bebês nos apontam isso. Eles nos dizem que precisam, necessitam viver a vida

para além de uma cerca, encontrarem-se com o outro, com o sol, o ar fresco, a

água, a areia, com a vida que pulsa no espaço externo. Trata-se de interpretar os

sinais dos bebês, suas diversas formas de comunicação e viver o espaço da creche

como um lugar de interação com a vida que pulsa na e para além da sala enquanto

limite que reflete, em alguma medida, os limites sociais.

No contexto da creche pesquisada, nos momentos em que a professora e

auxiliar estavam envolvidas nas ações pedagógicas de cuidados, os bebês transitam

livremente pela sala, desfrutando, assim, de uma grande parcela de tempo que se

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tornavam livre longe do olhar cuidadosamente vigilante das educadoras. Embora

esses momentos não fossem planejados e, na maioria das vezes, passassem

despercebidos pelas educadoras, eles se constituíam em ricas possibilidades dos

bebês viverem outras relações além das estabelecidas com os adultos. O espaço e

o tempo são categorias básicas e fundamentais para a constituição da creche em

lugar. Lugar de estar, brincar e viver uma infância inteira desfrutando da companhia

de seus pares.

Assim, os bebês me mostraram no desenvolvimento desta pesquisa, que

é preciso nos atentar às suas manifestações para conhecer mais sobre eles e sobre

o tempo e o espaço em que vivem. Apontam-nos que querem um lugar para ser, um

lugar que evidenciem seus rastros, seus traços, um lugar de encontro na e para

além da sala, querem um espaço de vivência para estar, brincar com seus

coetâneos e encontrar a narrativa do adulto.

Notas sobre a experiência: o encantamento em nós... Reconhecer,

interpretar, tomar sinais como “textos a serem lidos”, narrar... É na relação com os

adultos, ouvindo suas palavras, que o bebê atribui sentido e significado ao mundo

que o cerca. Traduzir as ações dos bebês em palavras, contar histórias, ler poemas,

cantar músicas possibilitam a sua interação com a linguagem oral e com o encontro

de narrativas. O professor, ao narrar a vida na creche, os fatos, os acontecimentos,

estará possibilitando aos bebês uma produção de sentidos e significados que podem

influenciar na sua trajetória de vida para o posterior acúmulo de experiência.

Em vários momentos da pesquisa, foi possível identificar, através das

cantigas, das brincadeiras, das histórias e das falas das professoras e auxiliares,

que muitas dessas narrativas advinham da sua própria experiência pessoal e eram

narradas por elas no cotidiano. O professor por ser a parceiro mais experiente do

bebê e o organizador do cotidiano, é quem cria e propicia contextos materiais e

relacionais.

Sendo a creche o primeiro espaço de educação coletiva do ser humano,

ela precisa se configurar em um espaço de vivências significativas que

potencializem experiências, constituindo-se em lugar. Lugar de viver uma infância

inteira, completa e em plenitude. Acredito que a pedagogia pode propor um

percurso de transformação do espaço em lugar, através de um tempo, construir uma

vida compartilhada, construir narrativas e memórias coletivas que possam ser

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recontadas e, futuramente, constituídas em experiências.

Estas considerações não são finais, pois sei da temporalidade e

provisoriedade deste estudo. Ciente de que “Eu não caminho para o fim...” penso

que não estou finalizando uma dissertação, mas sim buscando novos olhares para

aprofundamentos futuros...

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APÊNDICE

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APÊNDICE

Prezado (a) Senhor (a):

Solicito por meio deste a sua colaboração para que a criança sob sua responsabilidade possa participar da pesquisa intitulada “mundo... Da configuração do espaço da creche à cons tituição de um lugar dos bebês” o qual tem como objetivo geral:espaço da creche e como tal espaço se constitui em lugar para os bebês.objetivos específicos do trabalho são: considerando a sua estrutura física; observar a ocu pação e relação dos bebês e adultos com os espaços; analisar como esta ocupaç ão e relação constituem lugares dos/para bebês na creche.

O presente estudo será realizadoCentro de Educação infantil Peixinho Dourado pesquisa serão coletadas imagens das crianças em vídeo, fotografia e registro escrito pela pesquisadora que buscará regespaço durante todos os momentos das crianças na instituiçãosua saída). Você poderá desistir da participação da criança sob sua responsabilidade na pesquisa a qualquer momento que achar necessário ssofrer qualquer prejuízo ou constrangimentoparticipação neste estudo não trará nenhum benefício em dinheiro aos responsáveis que autorizarem sua participação.

O estudo não causará riscos para criança, tampouco presponsável. Ao final da pesquisa, a pesquisadora se coloca a disposição da instituição e dos pais/ou responsáveis para socializar os resultados obtidos na pesquisa, através de e-mail ou telefone abaixo.

Afirmo desde já que sua identidade e a doresponsabilidade serão mantidas em sigilo absoluto. Os resultados deste estudo poderão ser publicados e/ou apresentados somente nos meios científicos.

Obrigado pela ajuda! Luciane Pandini SimianoPesquisadora Responsá[email protected] ou91338851

PÊNDICE A - Termo de consentimento

TERMO DE CONSENTIMENTO

Prezado (a) Senhor (a):

Solicito por meio deste a sua colaboração para que a criança sob sua responsabilidade possa participar da pesquisa intitulada “Meu quintal é maior que o mundo... Da configuração do espaço da creche à cons tituição de um lugar dos

em como objetivo geral: compreender como se configura o espaço da creche e como tal espaço se constitui em lugar para os bebês.

s específicos do trabalho são: descrever os espaços da creche considerando a sua estrutura física; observar a ocu pação e relação dos bebês e adultos com os espaços; analisar como esta ocupaç ão e relação constituem lugares dos/para bebês na creche.

te estudo será realizado de 07/08/2009 a 07/12/2009Centro de Educação infantil Peixinho Dourado - CAIC. Para a realização da pesquisa serão coletadas imagens das crianças em vídeo, fotografia e registro escrito pela pesquisadora que buscará registrar a interação das crianças com o espaço durante todos os momentos das crianças na instituição

Você poderá desistir da participação da criança sob sua responsabilidade na pesquisa a qualquer momento que achar necessário ssofrer qualquer prejuízo ou constrangimento . Destaca-se também, que a participação neste estudo não trará nenhum benefício em dinheiro aos responsáveis que autorizarem sua participação.

O estudo não causará riscos para criança, tampouco presponsável. Ao final da pesquisa, a pesquisadora se coloca a disposição da instituição e dos pais/ou responsáveis para socializar os resultados obtidos na

mail ou telefone abaixo. Afirmo desde já que sua identidade e a do

responsabilidade serão mantidas em sigilo absoluto. Os resultados deste estudo poderão ser publicados e/ou apresentados somente nos meios científicos.

Obrigado pela ajuda!

Luciane Pandini Simiano Pesquisadora Responsável [email protected]

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Solicito por meio deste a sua colaboração para que a criança sob sua Meu quintal é maior que o

mundo... Da configuração do espaço da creche à cons tituição de um lugar dos compreender como se configura o

espaço da creche e como tal espaço se constitui em lugar para os bebês. Os descrever os espaços da creche

considerando a sua estrutura física; observar a ocu pação e relação dos bebês e adultos com os espaços; analisar como esta ocupaç ão e relação constituem

de 07/08/2009 a 07/12/2009, dentro do CAIC. Para a realização da

pesquisa serão coletadas imagens das crianças em vídeo, fotografia e registro istrar a interação das crianças com o

(desde a chegada a Você poderá desistir da participação da criança sob sua

responsabilidade na pesquisa a qualquer momento que achar necessário s em se também, que a

participação neste estudo não trará nenhum benefício em dinheiro às crianças ou

O estudo não causará riscos para criança, tampouco para o (a) responsável. Ao final da pesquisa, a pesquisadora se coloca a disposição da instituição e dos pais/ou responsáveis para socializar os resultados obtidos na

escolar sob sua responsabilidade serão mantidas em sigilo absoluto. Os resultados deste estudo poderão ser publicados e/ou apresentados somente nos meios científicos.

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TERMO DE CONSENTIMENTO Declaro que fui informado sobre todos os procedimentos da pesquisa “Meu quintal é maior que o mundo... Da configuração do espaço da creche à constituição de um lugar dos bebês”” e que recebi, de forma clara e objetiva, todas as explicações pertinentes ao projeto. Eu compreendo que neste estudo os procedimentos serão realizados com a criança sob minha responsabilidade. Declaro que fui informado que a participação no estudo é voluntária, que posso desistir da participação na pesquisa quando achar necessário, sem sofrer qualquer tipo de prejuízo ou constrangimento.

Nome por extenso : _______________________________________________________________

RG : _______________________________________________________________

Local e Data: ________________________________________________________________

Assinatura: ________________________________________________________________