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As ambições e a ambivalência da política de direitos humanos da União Europeia Programa de 10 Pontos da Amnistia Internacional para a Presidência Portuguesa da União Europeia Junho 2007

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Junho 2007

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As ambições e a ambivalência da política de direitos humanos da União EuropeiaPrograma da Amnistia Internacional para a Presidência Portuguesa da União Europeia

“Na União Europeia, estamos a realizar os nossos ideais comuns: para a UE, o indivíduo é o mais

importante. A sua dignidade é inviolável. Os seus direitos são inalienáveis.”

Declaração de Berlim, na celebração do 50º aniversário do Tratado de Roma, Março de 2007.

Ao assumir a Presidência da UE, Portugal herda um contraste que dificilmente poderá ser maior entre os valores da UE e as ambições globais de direitos humanos, com um recorde de falhas da UE em defender os direitos humanos, enquanto luta contra o terrorismo.

Em Outubro de 2006, a Europa expressou indignação pelo assassinato da jornalista russa Anna Politkovskaya. O Presidente da Comissão Europeia afirmou que a credibilidade de Moscovo “estava em risco no que concerne à sua capacidade de julgar os responsáveis”. O Parlamento Europeu pediu uma investigação e recomendou que o Conselho da UE “tomasse em consideração o futuro das relações com a Federação Russa.”

O governo russo negou qualquer envolvimento e não foi produzida nenhuma prova consistente que o ligasse ao assassinato. Mas a UE reagiu em força, e com razão, uma vez que tem consciência da diferença entre envolvimento real e responsabilidade política.

Muito diferente foi a história dos primeiros casos de rendição da CIA que vieram a lume, em Novembro de 2005. Os líderes europeus não deram importância ao assunto. Muito poucos países abriram investigações e a maior parte respondeu com o silêncio, apesar das provas crescentes de que os aeroportos europeus serviram de escala para Guantánamo e que pessoas com nomes e cor de pele “errados” foram raptadas na Europa e enviadas para países onde foram torturadas.

Em Fevereiro de 2007, o Conselho da UE ainda não tinha respondido à acusação do Parlamento Europeu por este triste incidente, quando em Junho um novo relatório do Conselho da Europa confirmou que a CIA efectuou detenções secretas, em vários Estados Membros da UE. Com a exigência da procura de provas absolutas, permanece uma negação da responsabilidade política por um facto que denotou a total falácia do estado de direito no coração da Europa. O Presidente da Comissão Europeia tem ainda que tomar consciência que é dever da UE eliminar e prevenir o rapto, a tortura e os desaparecimentos dentro das suas próprias fronteiras e no seu espaço aéreo.

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Segundo a Declaração de Berlim, aquando da celebração do 50º aniversário do Tratado de Roma, “na União Europeia, estamos a realizar os nossos ideais comuns: para a UE, o indivíduo é o mais importante. A sua dignidade é inviolável. Os seus direitos são inalienáveis.” Esta é uma fraca consolação para aqueles que acabaram em celas de tortura, em países desconhecidos e num buraco negro legal em Guantánamo. Dizer que a UE apenas apoia os direitos humanos não faria justiça aos esforços positivos feitos noutros domínios. O constante e crescente empenhamento directo da UE, na prevenção de conflitos e actividades de gestão de crises em diferentes partes do mundo, é significante. A UE apoia o Tribunal Penal Internacional e o Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos, como também novas instituições que são indispensáveis para uma governação global mais efectiva, e envidou esforços que culminaram na resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 2006, para começar os trabalhos do Tratado Internacional de Controlo de Comércio de Armas. E lentamente, mas com confiança, a UE iniciou a difícil tarefa de pôr em prática os instrumentos relativos aos direitos humanos – as cláusulas de direitos humanos nos acordos com países terceiros e as várias directrizes de direitos humanos.

Estes são desenvolvimentos positivos a serem capitalizados. Requer confiança colectiva e determinação para se resolverem os principais problemas externos, quer seja a confrontação das crises humanitárias do Sudão ou do Médio Oriente, directamente ou através da ONU, ou a lidar com parceiros-chave como a China, a Rússia e os EUA. Cada uma destas potências mundiais tem sérios problemas de direitos humanos e forçam a UE a “equilibrar” estas preocupações com os interesses óbvios a nível de comércio, energia e segurança. Ao mesmo tempo exigem aos Estados Membros que apostem na força colectiva, em vez de perseguirem os interesses nacionais.

Os direitos humanos constituem um ponto de referência comum que pode e deve ser usado não só para opor tendências divisórias, mas também para apelar a uma maior continuidade no meio de constantes mudanças de prioridades. Enquanto o enfoque da Presidência Alemã nos vizinhos de leste da UE e na Ásia Central tem ainda que ser ancorada num quadro mais firme de direitos humanos, a Presidência Portuguesa está voltada para o sul para relançar as relações da UE com África e fazer face aos desafios da segurança humana naquele continente.

A promessa de Portugal de relançar questões de direitos humanos em cada encontro da UE com países terceiros durante a sua Presidência é encorajante, especialmente na perspectiva de uma Cimeira UE–África e importantes conferências bilaterais. Contudo, a UE está a facilitar o processo de confrontação da UE com as suas próprias deficiências, por parte dos seus parceiros estratégicos.

Ambicioso mas ambivalente. Vimos a UE e os seus Estados Membros debaixo de um forte escrutínio, não só devido a métodos duvidosos usados no combate ao terrorismo, mas também devido às práticas abusivas no combate à imigração irregular. Isto é particularmente aparente na crescente crise de imigração entre África e a Europa. A discriminação nas suas múltiplas manifestações é transversal a estas e a outras formas de abuso dos direitos

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humanos. O actual clima de ansiedade domina as agendas políticas, encoraja a estigmatização dos estrangeiros e a suspeita sobre os muçulmanos. Ao mesmo tempo só prova as situações de contínua discriminação sofridas pelo povo Roma e não estagna a corrente de homofobia que, em certos países, está presente ao mais alto nível.

A Amnistia Internacional considera que os problemas de direitos humanos internos são um desafio chave para a UE, por duas razões simples. Em primeiro lugar, há sérios problemas de direitos humanos dentro da UE, e esses não devem ser negligenciados ou deliberadamente ignorados. Em segundo lugar, se os problemas internos não são adequadamente resolvidos, irão afectar a credibilidade da UE, e através disso a eficácia quando a UE confronta países terceiros sobre a sua conduta em termos de direitos humanos.

A atitude prevalecente de complacência e negação pôs em risco o esforço de defesa de direitos humanos a nível global, e a sua louvável ambição de maior liderança efectiva. A sua credibilidade assenta na qualidade das suas próprias capacidades de correcção. O mais importante teste a isto é a resposta das autoridades públicas quando confrontadas com os seus próprios falhanços na área dos direitos humanos.

Um forte papel da UE a nível externo para proteger a segurança humana em esferas de prevenção de conflito, gestão de crises e erradicação da pobreza, requer uma política de direitos humanos que seja consistente nas suas dimensões interna e externa. Segurança genuína deve basear-se na completa observância dos direitos humanos, e a UE tem ainda de demonstrar que não é apenas retórica quando é confrontada com sérios desafios à sua segurança, com as reais pressões da imigração, e com o racismo, discriminação e xenofobia crescentes.

A UE precisa de uma política efectiva de direitos humanos, mais do que nunca. Pode servir como um poderoso exemplo para o resto do mundo, se ultrapassar as suas ambivalências. A liderança que é requerida para isso não pode ser apenas esperada pelos grandes Estados Membros. Esperamos que as Presidências Portuguesa e Eslovena, em particular, lancem o seu próprio estilo de liderança, gerando um ímpeto renovado. Os direitos humanos devem separar o “trigo do joio”.

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Dez pontos de acção para que a Presidência Portuguesa possa definir uma política coerente e credível de Direitos Humanos na UE

1. Definir parâmetros para a política interna de Direitos Humanos da UE, de forma a estabelecer um papel efectivo para a Agência Fundamental de Direitos Humanos, em complementaridade com o Conselho da Europa, e coerente com o esforço externo da UE, a nível dos Direitos Humanos.

2. Fornecer relatórios complementares concretos aos inquéritos relativos ao envolvimento europeu na actividade ilegal dos EUA na Europa e manter a luta da UE contra o terrorismo estritamente dentro dos padrões de direitos humanos do direito internacional.

3. Agir no sentido de melhorar o quadro legislativo da UE, de forma a eliminar todas as formas de discriminação.

4. Preencher as lacunas de protecção existentes nos actuais de instrumentos de asilo e melhorar a qualidade do processo de tomada de decisões.

5. Garantir os Direitos Humanos na gestão da imigração irregular e assegurar salvaguardas para o retorno em segurança e dignidade das pessoas que não têm direito a permanecer no território da UE.

6. Assegurar uma dimensão de Direitos Humanos forte e consistente nos processos de alargamento da UE e num âmbito mais abrangente das políticas de vizinhança.

7. Continuar a pressionar os parceiros-chave estratégicos, no sentido de colmatar as suas deficiências a nível dos Direitos Humanos e assumir as suas responsabilidades como actores internacionais.

8. Colocar os Direitos Humanos no centro das relações e da cooperação UE-África.

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9. Fortalecer a implementação das directrizes da UE sobre os defensores de direitos humanos e sobre a tortura, e iniciar uma revisão das directivas relativas aos diálogos sobre os direitos humanos.

10. Realçar o papel central dos direitos humanos na prevenção de conflitos e nas operações de gestão das crises da UE.

1. Direitos Humanos na União Europeia

Relatos relacionados com problemas de Direitos Humanos persistem por toda a Europa, alimentados principalmente pelas políticas dos Estados Membros no âmbito do combate ao terrorismo e à imigração irregular, com a discriminação nas suas mais variadas manifestações a atravessar todos os níveis da actividade política e social. A ausência de reflexão por parte das instituições da UE e dos Estados Membros, sobre como lidar com as deficiências estruturais a nível de direitos humanos na Europa e a sua responsabilidade interna ou mecanismos de pressão colectivos para tomar acções correctivas, só poderá encorajar um clima de impunidade, ao mesmo tempo que deteriora a credibilidade da União Europeia, em termos externos.

É necessária uma resposta colectiva, coerente e com princípios por parte da União Europeia, por forma a combater as presentes tendências de violações dos direitos humanos na Europa. O início de uma nova Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia poderia servir como uma referência para futuras acções da UE. No entanto, isso só poderá acontecer se as suas actividades recaírem dentro do âmbito de um compromisso sério por parte do Conselho da UE, de forma a desenvolver uma política interna relevante de direitos humanos na UE.

Agência de Direitos Fundamentais

A Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia foi formalmente inaugurada no dia 1 de Março de 2007, após uma fase de negociação, marcada pela falta de visão e pela ausência de um debate público em torno do estado da protecção dos direitos humanos na União Europeia. É essencial que a Presidência crie agora as condições necessárias para que a nova agência seja uma mais-valia no sistema de protecção dos direitos humanos na Europa.

Isto implica que a agência proceda a uma revisão da estrutura institucional, legal e de soluções arquitectais de direitos humanos na Europa, apostando na complementaridade entre a União Europeia e o Conselho da Europa. Isto requer ainda que o trabalho da Agência seja baseado numa extensa avaliação da situação dos direitos humanos dentro das fronteiras da União Europeia, e não tanto numa mera catalogação dos problemas que são da competência do “Primeiro Pilar” da UE. O programa da Agência não se deve limitar à actual

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agenda e estrutura da União Europeia, mas sim procurar influenciar essa mesma agenda, de forma a confrontar os problemas-chave de direitos humanos na União Europeia, desenvolvendo as suas capacidades institucionais, legais e políticas para lidar com estes mesmos problemas a todos os níveis.

A Agência deverá capitalizar sobre a lei comunitária – especialmente nas áreas do racismo e discriminação e nas do asilo e imigração. No entanto, é igualmente importante que a Agência esteja envolvida desde o início nos desafios maiores, tais como o combate do terrorismo, o tráfico de seres humanos, e ainda, a responsabilização policial, por forma a auxiliar as instituições da UE no desenvolvimento de políticas que se encontrem em linha com as obrigações internacionais relativas aos direitos humanos dos Estados Membros.

Cooperação judicial e policial em matérias criminais

O desenvolvimento de uma cooperação a nível judicial e policial, relativamente a matérias criminais, concede à União Europeia uma oportunidade única para estabelecer regras e mecanismos, que possam estar em conformidade com os padrões de direitos humanos. Contudo, a maioria das iniciativas no sentido de conceber um padrão comum de direitos na União Europeia continuam bloqueadas.

Apesar dos esforços das sucessivas presidências, a União Europeia não conseguiu ainda chegar a um acordo relativamente a um instrumento vinculativo que proteja os direitos a um julgamento justo em processos criminais. Ao mesmo tempo, o facto da legislação anti-terrorismo continuar a minar princípios de direitos fundamentais em alguns Estados Membros, aparece como um sério aviso de que o respeito pelos padrões de direitos humanos nunca podem ser tomados como garantidos.

A Presidência Portuguesa deverá continuar a pressionar no sentido da adopção da Decisão-Quadro proposta relativa aos direitos processuais, e promover posteriores instrumentos de forma a garantir o acesso à justiça e os direitos dos acusados em toda a União Europeia. Do mesmo modo, o seu trabalho deverá ainda incidir sobre os direitos a um julgamento justo e incluir crimes graves onde as salvaguardas são absolutamente essenciais, tendo em conta a gravidade dos problemas envolvidos, assim como as consequências da injustiça para ambos os lados.

Tráfico de Seres Humanos

A União Europeia tem expresso inúmeras vezes o seu comprometimento relativamente ao combate do tráfico de seres humanos, que se assume como uma prioridade para a concepção da Europa como zona de liberdade, segurança e justiça. Para além das declarações e dos planos de acção, os parâmetros devem ser traçados no sentido de uma política mais coerente e baseada nos direitos humanos, abrangendo todos as fases do “ciclo do tráfico”. Isto implica medidas com vista a prevenir melhor o tráfico de seres humanos e providenciar uma protecção apropriada e efectiva, assim como assistência para todas as

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pessoas traficadas. Isto deverá ser conduzido sem qualquer tipo de discriminação, ou condicionamento na sua cooperação com as autoridades competentes, actuando como testemunhas nos processos criminais levantados a suspeitos traficantes. Um passo prático consistiria na União Europeia proceder à revisão da sua legislação com o intuito de assegurar que todas as medidas da União Europeia são pelo menos consistentes com os padrões mínimos acordados na Convenção sobre a Acção contra o Tráfico de Seres Humanos do Conselho da Europa.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

Delinear o papel da Agência de Direitos Fundamentais, enquanto parte de uma política interna europeia de direitos humanos coerente;

Concluir as negociações relativas à Decisão-Quadro sobre os Direitos Processuais;

Promover a ratificação da Convenção Europeia sobre a Acção contra o Tráfico de Seres Humanos de 2005;

Designar uma estrutura própria no Conselho com vista a lidar com os direitos humanos na União Europeia;

Assegurar que quaisquer futuras reformas de tratados incluam a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como um instrumento obrigatório e viabilizem a acessão da União Europeia à Convenção Europeia de Direitos Humanos.

3. Contra-terrorismo e direitos humanos

Enquanto continuam a surgir relatórios de Estados Membros da UE envolvidos nos voos de rendição, a falta de provas já não pode servir de desculpa para negar a cumplicidade dos Estados europeus, envolvidos na violação abusiva dos direitos humanos gerada por tais práticas ilegais. Enquanto as sucessivas Presidências têm ignorado o assunto, a pressão continua a ser exercida no sentido de que se acabe com este vergonhoso silêncio e apatia do Conselho da UE.

Em Fevereiro de 2007, o Parlamento Europeu adoptou, com clara maioria, a resolução final do Comité Temporário para a averiguação do alegado uso de países europeus pela CIA para a detenção e transporte ilegal de prisioneiros. É crucial que seja dada sequência ao trabalho do Parlamento Europeu e que as suas recomendações aos Estados Membros e às instituições europeias sejam reforçadas para que possa existir uma maior responsabilização e prevenir abusos futuros. A par da resolução do Parlamento Europeu, a UE devia considerar a adopção de regras para a gestão do espaço aéreo europeu e iniciativas para estabelecer a

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monitorização e a supervisão de actividades conjuntas e coordenadas dos serviços secretos a nível da UE.

Em Junho de 2007, a nova informação documentando o sistema liderado pelos EUA de detenções secretas no âmbito da “guerra ao terror”, incluía outro relatório do Comité do Conselho da Europa sobre Assuntos Legais e Direitos Humanos, confirmando que a CIA operou centros de detenções secretos na Polónia e na Roménia. Além da grave violação dos direitos humanos, o relatório realça a falta de garantias adequadas, assim como a ausência ou as dificuldades das investigações independentes dentro dos Estados Membros da UE.

É difícil de entender como é que a UE pôde ignorar estes factos, expondo novamente as deficiências estruturais a nível dos direitos humanos, e as implicações na credibilidade da UE nessa área. As medidas a tomar são óbvias:

pôr termo a qualquer violação que ainda decorra;

assegurar reparações às vítimas;

julgar os responsáveis pela violação dos direitos humanos;

prevenir a repetição no futuro de tão graves violações dos direitos humanos.

Isto implica que a UE e os seus Estados Membros reconheçam responsabilidade individual e colectiva, revelando todo o envolvimento passado e actual da CIA em actividades ilegais na Europa, e reafirmando o seu compromisso com os padrões dos direitos humanos, tomando todas as medidas para garantir que esses valores são inteiramente respeitados e postos em prática. Uma medida deste tipo seria a UE declarar uma proibição total do uso de garantias diplomáticas para permitir a transferência de indivíduos para países onde estes correm o

risco de serem vítimas de tortura ou outro tratamento cruel, desumano ou degradante.

Se por outro lado os Estados Membros persistirem em negar a sua responsabilidade e se os governos tentarem obstruir as investigações judiciais e parlamentares, para averiguar a responsabilidade do executivo pelas graves violações dos direitos humanos, isto constituirá um tipo de violações estruturais e persistentes dos princípios fundamentais dos direitos humanos, que apela ao escrutínio ao abrigo do artigo 7º do Tratado da UE.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

Fornecer relatórios complementares aos inquéritos referentes ao envolvimento europeu nas actividades ilegais dos EUA e continuar a luta da UE contra o terrorismo, cumprindo o direito internacional de direitos humanos;

Reafirmar a proibição absoluta da tortura, declarando que o uso de garantias diplomáticas para a transferência de pessoas para países onde possam ser torturadas, é inaceitável.

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3. Racismo e Discriminação

Ao mesmo tempo que a Presidência Portuguesa da União Europeia inicia as suas funções durante a vigência da Campanha de 2007 do “Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades para Todos”, o racismo e a discriminação continuam em alta, afectando todos os Estados Membros sem excepção. Esta realidade é confirmada pelos dados do Eurobarómetro apresentados em Janeiro de 2007, que sublinham que mais de três quartos dos Europeus sentem que tanto a deficiência, como a pertença à comunidade Roma, podem ser factores de discriminação na sua sociedade.

São ainda necessários esforços substanciais da UE, de forma a assegurar que o direito à não-discriminação esteja efectivamente implementado em todos os Estados Membros, como um direito humano fundamental. O cancelamento de um evento de anti-discriminação na Lituânia, patrocinado pela União Europeia, aliado aos cancelamentos de outros eventos públicos, organizados por grupos LBGT (lésbicas, bissexuais, gays e transgenders) noutros países da União Europeia, tais como a Polónia e a Letónia, ilustram a diferença entre os compromissos e intenções da União Europeia e a prática.

De facto, isto mostra que a União Europeia ainda necessita de se posicionar de uma forma mais efectiva enquanto actor importante na luta contra a discriminação. A União Europeia deverá não só pressionar a favor da implementação da Decisão-Quadro de anti-discriminação existente a nível europeu, como também reforçar a sua monitorização e prática. Por outro lado, a legislação da União Europeia deverá ser actualizada com vista a englobar todos os tipos e actos de discriminação. Todos os padrões e recomendações relevantes internacionais e europeias de direitos humanos deverão ser tidos em conta.

A União Europeia não poderá ignorar as graves discriminações relacionadas com as questões de cidadania, direitos das minorias e apátridas. Neste sentido, o “apagamento” de mais de 18.000 pessoas do registro de residentes permanentes da Eslovénia em 1992, das quais milhares ainda continuam nesta situação, é outro exemplo de um problema sério que continua ainda sem resposta a nível europeu. O facto da Eslovénia não ter conseguido cumprir com as decisões do seu próprio tribunal constitucional, assim como enfrentar as críticas por parte do Conselho da Europa e das Nações Unidas, ensombra a sua futura Presidência em 2008.

A nova Decisão-Quadro relativa ao racismo e à xenofobia, negociada com sucesso sob os auspícios da Presidência Alemã, deverá agora levar a acções concretas que incluam a formação e a consciencialização sobre discursos de ódio e violência racista entre os agentes de autoridade e toda a sociedade civil.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

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Tomar medidas no sentido de actualizar a legislação, de forma a conseguir providenciar protecção igual e efectiva contra todos os tipos e actos de discriminação;

Assegurar que a implementação da legislação da União Europeia é monitorizada de uma forma mais estreita, de modo que se possa agir sobre os abusos cometidos em alguns Estados Membros.

4. Asilo

O Sistema Europeu Comum de Asilo não tem sido uma prioridade de acção para a Presidência Alemã da UE. Assim, não se verificou qualquer progresso substancial uma vez que: os Estados Membros ainda estão num processo de transposição da legislação de base da UE e a Comissão ainda se encontra numa fase de avaliação da implementação da primeira fase de regulamentação. Entretanto, a necessidade de iniciativas concretas para uma política europeia orientada para a protecção na área do asilo, nunca foi tão evidente como no primeiro semestre de 2007.Crise dos refugiados iraquianos

A crise humanitária no Iraque evidenciou, de uma forma dolorosa, as consequências das dimensões quer interna quer externa, da política europeia de asilo. Em simultâneo com a grave crise de refugiados que atinge os países vizinhos do Iraque, os Estados Membros divergem bastante na sua abordagem ao número relativamente baixo de requerentes de asilo iraquianos que conseguem chegar ao território da UE. Ao mesmo tempo, responderam de forma limitada às necessidades de realojamento dos refugiados iraquianos, como expressão tangível da partilha de responsabilidade a nível internacional. A concessão do estatuto de refugiado aos requerentes de asilo tem sido bastante baixo na maioria dos Estados Membros, enquanto outros têm estado envolvidos até no retorno forçado para o Iraque dos requerentes de asilo que foram rejeitados. Deste modo, o tratamento incoerente dos requerentes de asilo iraquianos permitiu clarificar que a UE está longe de atingir um sistema europeu comum, capaz de oferecer uma protecção efectiva aos que dela necessitam. A Presidência Portuguesa deverá reconhecê-lo e exercer um esforço conjunto com a Comissão, de modo a que sejam medidas concretas para identificar e preencher as lacunas de protecção existentes na política de asilo da UE.

Qualidade do processo de decisão

As discussões contínuas sobre o fortalecimento da cooperação prática sobre asilo têm-se focado, até ao momento, no uso conjunto de recursos no que se refere às informações sobre os países de origem, com o estabelecimento de um portal comum. Estabelecer padrões comuns de qualidade da informação sobre o país de origem, que irá ser usada pelos organismos que lidam com o fenómeno do asilo nos Estados Membros, é essencial para o

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desenvolvimento do Sistema Comum. Ao mesmo tempo, os Estados Membros deverão analisar as dificuldades de interpretação e de aplicação dos conceitos essenciais da Directiva de Qualificação.

Apesar de a avaliação das necessidades de protecção ser obviamente casuística e as diferenças entre os Estados Membros se manterem até determinado ponto, será óbvio que o conjunto actual de padrões mínimos estabelecidos na primeira fase do Sistema Comum não servirão para garantir uma protecção efectiva para todos os que se encontram nesta situação precária no território da UE. A abordagem sobre a implementação da regulamentação da UE não deverá ser limitada à conformidade ou não conformidade legislativa, devendo também ser tomada em consideração a prática administrativa e judicial no acesso à protecção efectiva.

Revisão do Regulamento de Dublin

A Presidência Portuguesa terá a tarefa importante de dar início ao debate sobre o futuro do sistema de Dublin, com o objectivo de determinar como é que os Estados Membros irão assumir responsabilidades na aceitação dos pedidos de asilo. O regulamento Dublin é criticado por perpetuar o sistema de protecção incoerente e causar dificuldades injustificadas aos requerentes de asilo. Persiste, assim, a necessidade de um ajustamento substancial das suas provisões. Ao mesmo tempo, deverão ser tomadas medidas, de forma a que seja atingida uma partilha efectiva de responsabilidade entre os Estados Membros.

O relatório da Comissão sobre a regulamento de Dublin, assim como o Livro Verde relativo ao lançamento da segunda fase do sistema europeu comum de asilo, deverão ser usados como uma oportunidade para repensar a abordagem exercida até ao presente. As alternativas ao sistema actual deverão ser cuidadosamente examinadas e nenhuma opção deverá ser excluída logo à partida.

Reinstalação

A reinstalação tem sido promovida de forma consistente pelo ACNUR como uma das três soluções duráveis para a situação dos refugiados. Assim, o Sistema Comum de asilo deverá incluir uma componente de reinstalação. A actual crise no Iraque e nos países vizinhos demonstra que, até nas situações de emergência, os Estados Membros não estão habilitados ou direccionados no sentido de se envolverem num programa de reinstalação para os refugiados mais vulneráveis e assumir uma solidariedade concreta, relativamente aos países mais afectados pelos fluxos de refugiados.

Embora se reconheça que o impacto da reinstalação numa crise de refugiados de larga escala será sempre limitado, permanece, no entanto, como uma ferramenta útil na garantia de protecção de necessidades específicas, enquanto a sua função como uma expressão tangível de uma solidariedade concreta não deverá ser subestimada. Uma abordagem comum é necessária no sentido de permitir que um número superior de refugiados seja

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reinstalado em mais Estados Membros da UE. Deste modo, a Presidência Portuguesa deverá continuar este debate a nível do Conselho, de forma a que seja definida uma estratégia comum de reinstalação.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

Eliminar as falhas da primeira fase de regulamentação actualmente em vigor e, em simultâneo, desenvolver padrões elevados de forma a melhorar substancialmente a qualidade do sistema de tomada de decisões;

Dar início a um debate sobre os princípios fundamentais consagrados na regulamentação de Dublin;

Promover uma cooperação concreta entre os Estados Membros no desenvolvimento de um esforço comum de reinstalação.

5. Imigração

A luta contra a imigração irregular continua a ser o principal enfoque das políticas da UE sobre imigração. À medida que as temperaturas começam a elevar-se, o Mediterrâneo transforma-se, mais uma vez, numa zona de alto risco, onde pessoas morrem afogadas na tentativa de travessia e de entrada no território da UE, enquanto os Estados Membros discutem entre si quem deverá assumir as responsabilidades pelo salvamento. Um regulamento sobre as Equipas de Intervenção Rápida nas Fronteiras (regulamento RABIT) foi adoptado a uma velocidade nunca antes vista, pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. Entretanto, a Frontex, a agência de controlo de fronteiras da UE, encarregada de coordenar as operações específicas dos Estados Membros na luta contra a imigração irregular, luta para tentar lidar com o crescimento deste fenómeno e luta também contra o falhanço dos Estados Membros em cumprir o apoio prometido.

Proteger os direitos dos migrantes

Mantêm-se preocupações profundas sobre o impacto deste género de operações na protecção dos requerentes de asilo, assim como o respeito pelos direitos fundamentais dos migrantes integrados nos fluxos migratórios mistos. Foram levantadas dúvidas que incluem a questão da responsabilização pelas violações de Direitos Humanos ocorridas durante essas operações, as quais deverão ser resolvidas a nível da UE. Uma vez que o Regulamento RABIT poderá vir a ser posto em prática pela primeira vez durante a Presidência Portuguesa, este assunto ganha importância e deverão ser desenvolvidas políticas de modo a assegurar o respeito pelos direitos fundamentais dos migrantes e dos requerentes de asilo, enquanto são levadas a cabo as operações de controlo externo das fronteiras.

Abordagem global à migração

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Na área da gestão das migrações, a comunicação recente da Comissão, que vem alargar a abordagem global à migração para as fronteiras do leste e do sudeste da UE, definiu as várias iniciativas e estruturas nas quais foram abordados vários pontos relacionados com a migração ao nível da UE. As parcerias de mobilidade esboçadas pela Comissão poderão ser um contributo para o debate sobre a criação de canais legais para a migração. No entanto, mantêm-se questões importantes no que diz respeito à definição dos conceitos e, também, do balanço entre compromissos assumidos pelos países terceiros e alguns Estados Membros. Estas aberturas legais de canais de migração são claramente negociadas com a exigência de esforços adicionais dos países terceiros em controlar as suas fronteiras e com a readmissão dos seus nacionais.

A Presidência Portuguesa deverá estimular o debate sobre a migração circular e assegurar a consulta de todos as partes interessadas. A Conferência Ministerial sobre a migração, que ocorrerá em Novembro, com base na estruturação definida pela EuroMed, será uma oportunidade importante para discutir estes assuntos com os parceiros mediterrânicos. Em simultâneo, a criação de competências na área do asilo, assim como o respeito pelos direitos fundamentais dos refugiados e migrantes nos países de acolhimento, deverão ser incluídos na agenda da conferência.

Retorno

O retorno de nacionais de países terceiros que estão a residir de forma irregular na UE deverá manter-se na agenda da UE. Dentro do Conselho, as negociações sobre a proposta da Comissão, relativas à definição de padrões e de procedimentos comuns nos Estados Membros para o retorno dos que residem ilegalmente no território da UE, não têm avançado e, no âmbito da Presidência Alemã, uma nova abordagem “minimalista” tem sido defendida como forma de avançar com este processo.

No estabelecimento de padrões vinculativos da UE sobre o retorno, dever-se-á dar prioridade ao retorno voluntário sobre o retorno forçado e, também à conformidade destes com padrões internacionais relevantes, tais como o princípio do non-refoulement, da proporcionalidade, da não-discriminação e da proibição de expulsões colectivas. Ao mesmo tempo, deverão ser incluídas garantias segundo as quais as pessoas não deverão ser deixadas num limbo, sem acesso a serviços básicos a nível social ou económico nos Estados Membros.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

Assegurar que as medidas operacionais e os instrumentos que servem para lidar com a chegada em grande número de migrantes e de requerentes de asilo às fronteiras externas da UE, são compatíveis com as obrigações assumidas pelos Estados Membros sobre direitos humanos e, em concreto, dos refugiados, consagrados no Direito Internacional;

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Defender os direitos humanos nas relações com os países terceiros na gestão da imigração irregular e assegurar garantias para o retorno em segurança e em dignidade de nacionais de países terceiros que não têm o direito de residir no território da UE;

Assegurar que a conferência Euromed sobre migrações reflicta uma abordagem abrangente, incluindo os canais legais de migração, assim como a protecção dos refugiados e o respeito pelos direitos dos migrantes.

6. Alargamento e Políticas de Vizinhança

Alargamento

Os critérios de Copenhaga vêm estabelecer indicadores claros no que diz respeito aos padrões de direitos humanos. Embora a AI não tome uma posição sobre os méritos de adesão dos países candidatos à UE, a Amnistia Internacional irá continuar a partilhar com a Presidência e com a Comissão Europeia a informação e a avaliação relativas aos direitos humanos nos países em causa, e as medidas necessárias para melhorar as situações.

Prevê-se que o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) irá cessar funções em 2011 sendo, deste modo, urgente que todos os processos de crimes de guerra sejam entregues em Haia o mais depressa possível. A Amnistia Internacional congratula-se com os pedidos feitos pela UE aos países dos balcãs para que tomem acções decisivas para prender e entregar fugitivos ao tribunal. A Presidência Portuguesa deverá redobrar estes esforços e condicionar todas as discussões com os países ocidentais dos balcãs à captura e transferência para Haia dos suspeitos.

A principal área de preocupação em relação a todos os países de acessão e candidatos à UE é a fragilidade dos sistemas de justiça. A Amnistia Internacional encoraja a Presidência Portuguesa a instruir a Comissão no sentido de analisar e definir a forma como a UE poderá contribuir positivamente para o fortalecimento destes sistemas.

Política Europeia de Vizinhança

Quando a Política Europeia de Vizinhança (PEV) foi lançada, o seu objectivo principal terá sido a estabilização das relações com os países vizinhos através do estabelecimento de um sistema de valores comum baseado nos direitos humanos e na democracia, promovendo a prosperidade através de incentivos económicos e do acesso aos mercados europeus e fornecendo segurança para todos.

Dois anos após o seu início, os acordos bilaterais e os planos de acção negociados com cada vizinho variam ao nível ao nível da ênfase que é atribuída aos direitos humanos. A estrutura institucional não inclui sempre um fórum específico para a discussão dos direitos humanos.

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Apesar de poder não ser intencional ou ser resultado de ausência de coordenação nesse sentido, o resultado não é satisfatório. A Presidência Portuguesa deverá assegurar que o espírito e os objectivos contidos no PEV serão atingidos, através de um convite dirigido à Comissão para criar sub-comités de direitos humanos dependentes de todas os Conselhos de Associação e requerer que uma ferramenta de diagnósticos comum seja desenvolvida, de forma a que sejam definidas com os vizinhos as suas necessidades individuais.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

Continuar a promover os direitos humanos nos países candidatos e nos países de acessão, dando especial relevância ao fortalecimento dos sistemas judiciais;

Manter a pressão nos países ocidentais dos balcãs, de forma a que entreguem os criminosos de guerra ao Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia;

Incluir o tema dos direitos humanos nos trabalhos de todas os Conselhos de Associação e de Cooperação com os países vizinhos;

Incentivar a Comissão Europeia no sentido de nivelar as estruturas institucionais de todos os acordos de associação, e de estabelecer de uma ferramenta comum de avaliação dos desafios e das necessidades a nível dos direitos humanos nos países vizinhos.

7. Parceiros estratégicos

Os encontros regulares ao mais alto nível da União Europeia com parceiros estratégicos globais, incluindo os membros permanentes não-europeus do Conselho de Segurança das Nações Unidas, China, Rússia e os EUA, tratam-se de ocasiões de grande importância para sublinhar as preocupações relacionadas com os direitos humanos. Todos estes países têm sérios problemas de direitos humanos, sendo que a Presidência Portuguesa através destes encontros, deverá tomar uma posição consistente e abordar estes problemas.

EUA

As três presidências dão especial importância à intensificação da cooperação transantlântica nas áreas da prevenção de conflitos, gestão de crises e manutenção da paz, algo que é muito bem-vindo mas que de forma alguma poderá tornar-se num substituto para o presente diálogo sobre as violações dos direitos humanos a nível interno. O prometido enfoque sobre o estado de direito neste diálogo carece de credibilidade, principalmente após a Presidência

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Alemã ter deixado passar, durante o quinto aniversário de Guantánamo em Janeiro e a cimeira União Europeia-Estados Unidos em Maio, a oportunidade de se manifestar contra este símbolo de abuso e injustiça. O actual fracasso em levar os altos funcionários governamentais a ter em linha de conta a tortura e outros tipos de tratamentos semelhantes sobre os detidos da “guerra ao terror”, sabendo que estes actos abusivos são sistemáticos, não pode continuar a acontecer.

O silêncio dos governos, em ambos os lados do Atlântico, em relação aos abusos dos direitos humanos cometidos a nível doméstico em nome da “guerra ao terror”, compromete os líderes europeus e norte-americanos a confrontarem este tipo de violações noutros países e a dar o exemplo à restante comunidade internacional. A AI espera que a Presidência Portuguesa aproveite a cimeira União Europeia-Estados Unidos de forma a enviar uma mensagem clara sobre a importância de lidar com os assuntos internos, de forma a aumentar a influência dos direitos humanos em países terceiros, e também confrontar outras preocupações domésticas. O uso da pena de morte nos Estados Unidos, em particular, continua a caracterizar-se pela arbitrariedade e discriminação, sendo ainda aplicada a condenados portadores de sérias doenças mentais.

CHINA

Antes da eleição da China para o novo Conselho para os Direitos Humanos das Nações Unidas, foi elaborada uma série de garantias relacionadas com os direitos humanos, incluindo a ratificação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e uma cooperação activa com as Nações Unidas sobre direitos humanos. Todas estas garantias continuam a não ser implementadas. No âmbito da sua política externa, a China continua a ignorar as suas responsabilidades, que devem estar intimamente relacionadas com a sua crescente influência no mundo. A necessidade do petróleo para alimentar o rápido crescimento económico chinês, serve como um motor, extremamente perigoso, para a venda de equipamento militar para o Sudão, contribuindo para a escalada da violência na região.

Na China, as violações dos direitos humanos continuam a acontecer numa escala maciça, alimentando o descontentamento e a instabilidade. As promessas voluntárias para a melhoria interna dos direitos humanos, feitas aquando da eleição de Pequim para os Jogos Olímpicos de 2008, provaram ser nulas até ao momento. As Presidências Portuguesa e Eslovena continuam a ter a oportunidade de usar a União Europeia para exigir que haja genuíno progresso em relação aos compromissos anteriormente assumidos, aquando da eleição para os Jogos Olímpicos. É premente aproveitar esta oportunidade. Dessa forma, a União Europeia deve insistir no facto de que qualquer progresso deve ser duradouro, ao contrário das mudanças limitadas no tempo que actualmente estão a ser postas em prática pelo governo chinês, nomeadamente através dos seus novos regulamentos para os jornalistas estrangeiros, aumentando a sua liberdade apenas nos períodos antes e durante os Jogos Olímpicos.

RÚSSIA

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As relações entre a União Europeia e a Rússia têm vindo a tornar-se particularmente difíceis devido às crescentes tensões relativamente a uma série de questões, sendo que as preocupações ligadas aos direitos humanos também assumem importância. A população russa passa por uma fase dramática de deterioração da liberdade de expressão e de reunião, e há uma pressão crescente sobre as organizações da sociedade civil em geral e, em especial, sobre as organizações de direitos humanos. A União Europeia, através da Presidência Alemã, demonstrou uma determinação de saudar nos seus empreendimentos com o maior vizinho europeu, cooperando nos âmbitos da energia e segurança, e alertando para o défice da Rússia no que concerne aos direitos humanos.

A Presidência Portuguesa deve manter esta linha de acção. Uma parceria séria, em pé de igualdade, requer a procura de uma base comum sobre o sistema de valores básicos salvaguardados pelas convenções internacionais dos direitos humanos, dos quais tanto a Rússia como os Estados Membros são signatários. Enquanto nesta fase delicada da relação é importante que Portugal contribua activamente para o aliviar da actual tensão, tem igualmente de se tornar num interlocutor credível, pois os problemas reais entre os dois parceiros devem ser atendidos. A União Europeia precisa de manter-se firme relativamente a elementos centrais ligados ao seu sistema de valores e mostrar um sentimento de unidade e de continuidade. É importante que Portugal esteja numa posição que assegure que a União Europeia fale a uma só voz e previna os Estados Membros de pôr em causa o restabelecimento de uma forte parceria, devido às suas agendas domésticas. ÍNDIA

O plano das três Presidências identifica o aprofundamento das relações económicas com a Índia como a sua prioridade principal. Mas os Estados Membros não podem ignorar os abusos de direitos humanos nesta fase de crescimento económico indiano, nomeadamente a impunidade por violações passadas, a detenção arbitrária e a tortura em nome da segurança, e a privação económica, social e cultural em grande escala das comunidades marginalizadas. A informação sobre o uso da pena de morte na Índia continua em segredo, mas a AI estima que pelo menos 40 pessoas tenham sido sentenciadas à morte em 2006.

A cimeira União Europeia-Índia, planeada para Novembro, dá à Presidência Portuguesa uma oportunidade para encarar estes assuntos de uma maneira séria e tendo em vista o progresso. A União Europeia deve igualmente assegurar que a parceria, tendo em vista o incremento do crescimento económico, envolve um investimento responsável de ambos os lados: não só a União Europeia tem de estabelecer padrões ligados à responsabilidade social das empresas, como a Índia deve respeitar os direitos das comunidades afectadas, através de uma consulta e compensação adequadas.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

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Aproveitar todas as discussões ao mais alto nível para pressionar a China, Rússia, Índia e os EUA a confrontarem as suas deficiências internas de direitos humanos e assumirem as suas responsabilidades enquanto actores internacionais.

8. A União Europeia e África

A África irá ser um ponto nuclear da Presidência Portuguesa, com o acordo de uma nova estratégia conjunta entre a União Europeia e África a constituir a matéria fulcral nas suas relações. Alguns passos positivos foram alcançados no ano transacto pela União Africana, nomeadamente na aplicação de princípios ligados aos direitos humanos e à boa governação, se bem que sérias violações – normalmente consequência dos conflitos armados, que incluem o rapto, tortura e mortes ilegais – continuam a ser usuais em boa parte do continente africano.

De forma a contribuir decisivamente para fazer face aos desafios de África, e evitar simplesmente acrescentar algo mais na lista de iniciativas europeias na região, a nova estratégia deverá enfatizar e coordenar a interligação dos aspectos relacionados com a segurança, desenvolvimento e direitos humanos. Particularmente, a estratégia conjunta União Europeia-África, deve procurar o reforço dos mecanismos regionais ligados aos direitos humanos e apoiar a valorização dos direitos humanos em todos os órgãos da União Europeia. Deve igualmente identificar temas e projectos concretos, de forma a desenvolver a parceria União Europeia-África no âmbito internacional e assegurar que a reciprocidade relativa aos direitos dos trabalhadores migrantes e das suas famílias seja um aspecto central no debate sobre a migração.

Num âmbito mais geral, o diálogo entre a União Europeia e África deverá assentar numa abordagem que tenha em vista o desenvolvimento baseado nos direitos e ignorar a falsa dicotomia relativa aos direitos humanos como sendo algo distinto e um obstáculo ao desenvolvimento. Os mecanismos devem ser desenvolvidos e implementados para assegurar a responsabilidade dos que estão no poder; políticas e práticas devem ser estabelecidas de forma a assegurar o acesso aos direitos para os mais marginalizados e deve ser dado espaço que permita aos pobres construírem por eles próprios o seu futuro.

Claramente, o desenvolvimento de uma estratégia conjunta efectiva entre a União Europeia e África deve constituir um sério desafio para a Presidência Portuguesa, e não limitar-se ao evento de alto nível que assinala a nova estratégia. Mas se a planeada cimeira União Europeia-África tiver lugar em Dezembro de 2007, então os direitos humanos devem manter uma presença forte na agenda e toda a logística e diplomacia não devem ceder face aos abusos extremos dos direitos humanos, como por exemplo no Zimbabué e na região do Darfur.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

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Colocar os Direitos Humanos no centro da atenção da Presidência sobre África e usar o diálogo sobre o desenvolvimento de uma estratégia União Europeia-África, para acordar acções sobre áreas prioritárias de preocupação em África, nomeadamente no Zimbabué e na região do Darfur.

9. Direitos Humanos na política externa

Directrizes de Direitos Humanos

As directrizes da UE de direitos humanos são um importante instrumento para promover a declaração de princípios fundamentais da UE nas suas relações com os países terceiros. Se correctamente implementadas, o potencial das directrizes para trazer mudanças é significativa. Contudo, ainda há um grande abismo entre ambição e implementação das directrizes, particularmente as referentes à tortura e aos defensores de direitos humanos. As próximas presidências devem focar-se na implementação que foi apresentada por presidências anteriores, e colocá-la no centro do seu trabalho nesta área.

A Presidência Portuguesa deve, como ponto prioritário, pressionar para a conclusão das recomendações da Presidência Austríaca de 2006, para colocar em prática as directrizes sobre defensores de direitos humanos, com particular ênfase na consciencialização das missões e delegações. Desde a sua adopção em 2001, a implementação de directrizes sobre tortura mantém-se ilusória, e há uma forte pressão para assegurar que estas agora sejam tidas em consideração como base de um plano de acção concreto.

Os diálogos sobre directrizes nos diálogos de direitos humanos têm tido lugar desde 2001, tendo sido precedidos em cinco anos pelos diálogos UE-China. Diálogos oficiais tiveram início desde então com o Irão, Rússia e Uzbequistão, e mais irão seguir-se (ex. a nova estratégia para a Ásia Central prevê diálogos com todos os cinco países). Ao mesmo tempo práticas de diálogo-tipo a nível local e no contexto de acordos de associação, estão a despontar.

Embora pareça positivo, a relativa proliferação de diálogos combinados com problemas encontrados (ex. China, Irão) dão razão a uma reflexão profunda. As directrizes nunca foram sujeitas a uma revisão externa, e deve ser notado que o requerimento para estudos de referência, resultados esperados, indicadores de sucesso, assim como critérios para o início de diálogos, o seu término e recomeço, não é claro ou é inexistente. A Presidência Portuguesa deve tomar a iniciativa de um processo de revisão aberto, com o objectivo de reforçar as directrizes para este efeito.

Um novo conjunto de directrizes sobre protecção dos direitos das crianças foram propostas pela Presidência Alemã, e o seu desenvolvimento passará para o mandato português. A Eslovénia expressou a sua intenção em trabalhar num conjunto de directrizes sobre as

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mulheres. O objectivo e âmbito devem ser claros, e o seu desenvolvimento não deve ser, evidentemente, às custas da implementação das directrizes já existentes.

Os esforços continuados e persistentes da UE em promover a abolição da pena de morte são bem vindos. Os esforços redobrados sob a Presidência Alemã para a menção deste assunto nas Nações Unidas vão requerer um seguimento intensivo trans-regional pela Presidência Portuguesa, para assegurar um resultado de sucesso para este esforço. Deverão ser medidas cuidadosamente as possibilidades de sucesso antes de tomar a decisão final de apresentar uma resolução na 62ª Assembleia Geral das Nações Unidas.

Além dos esforços nas Nações Unidas, a Amnistia Internacional encoraja a Presidência Portuguesa a continuar a estratégia de sucesso iniciada em 2005, pela Presidência do Reino Unido e interagir pro-activamente com um número seleccionado de países, que consideram uma mudança positiva na sua política vis-à-vis a pena de morte. A Amnistia Internacional vai redobrar as suas campanhas. Ao mesmo tempo irá continuar a trabalhar com a Presidência Portuguesa no seus esforços para implementar as directrizes de pena de morte.

Promover os direitos humanos nas Nações Unidas

Desde o seu começo, as Nações Unidas têm sido o órgão designado para definir e incentivar os padrões internacionais de direitos humanos. O novo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas estabelecido em 2006, deverá completar a sua estrutura institucional em meados de 2007. Será agora importante pôr em prática os instrumentos deste novo órgão de monitorização.

As difíceis negociações sobre que autoridade e poderes deverá ter do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas não têm favoráveis à UE. Isto tem sido bastante desencorajador para os Estados Membros e vai estar nas mãos da Presidência Portuguesa interpretar quais as implicações da estrutura institucional para a UE.

A UE deve ultrapassar este tipo de desencorajamento e procurar contribuir para reforçar os mecanismos, através da promoção de melhores práticas e preparando precedentes positivos para este órgão enfrentar os problemas de direitos humanos. Isto vai requerer uma consideração cuidadosa pela Presidência e pelos seus parceiros em como contrariar o facto de muitos Estados Membros da ONU verem a reforma do órgão de direitos humanos da ONU como uma oportunidade para enfraquecer o seu âmbito e autoridade. É importante que a UE se mantenha como um oponente forte e vocal contra qualquer tentativa deste tipo. Vai requerer uma liderança forte e corajosa pela Presidência Portuguesa para formular claras posições para a UE e para as implementar vigorosamente.

Os conflitos no Médio Oriente e Sudão têm dominado a agenda do primeiro ano do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, e o seu alcance deverá ser agora alargado. A deterioração da situação no Sri Lanka fornece um claro exemplo de como a UE pode e deve trabalhar mais efectivamente com a ONU, com o objectivo de trazer mudanças efectivas. A

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monitorização independente de direitos humanos no Sri Lanka tem carácter de urgência, para quebrar o ciclo de impunidade para as violações em curso. Antes das discussões de Setembro no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre este problema, a UE deverá desenvolver uma clara posição comum para conseguir uma resolução forte da ONU, dando a devida importância à monitorização.

Em linha com os conselhos prévios para as Presidências Finlandesas e Alemã, a Amnistia Internacional reitera à Presidência Portuguesa as suas cinco recomendações com o objectivo de reforçar um papel construtivo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas:

Abordagem política - a Presidência deverá estabelecer uma clara agenda política, delineando os seus objectivos para o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e instruir os seus serviços civis e diplomáticos em conformidade.

Abordagem Integrada - as mensagens-chave endereçadas ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas devem ser integradas como itens padronizados para as reuniões PESC da UE, assim como em encontros bilaterais promovidos pelos Estados Membros.

Abordagem inter-regional - a UE e os seus membros no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas devem comprometer-se a trabalhar activamente em alianças inter-regionais abrangentes.

Partilha de responsabilidades - partilha de responsabilidades sistemáticas e inteligentes com objectivos concretos utilizando as vantagens comparativas dos vários Estados Membros da UE.

Recursos - a UE deve actualizar urgentemente as suas capacidades a nível diplomático e institucional para assegurar que possa trabalhar consistente e efectivamente com o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

Pressionar para uma maior implementação das Directrizes de Direitos Humanos da UE, particularmente ao nível das missões e delegações, trabalhando em direcção a um completo entendimento das directrizes entre aqueles que as usam, e o completo impacto sobre aqueles que sejam afectados por elas;

Iniciar a revisão das directrizes da UE em diálogos de direitos humanos;

Implementar efectivamente as directrizes sobre pena de morte da UE;

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Reforçar o trabalho com países que estão a contemplar a abolição da pena de morte ou a introdução de uma moratória;

Apresentar uma resolução sobre a pena de morte na Assembleia Geral das Nações Unidas, quando um resultado positivo puder ser assegurado.

10. Prevenção de conflitos e gestão de crises

O aumento dramático das exigências para um papel mais preponderante da União Europeia como actor global na segurança mundial e a resposta a essas exigências, é um dos aspectos mais notáveis do papel que desempenha a UE na arena internacional. Requer uma resposta cuidada não só a nível militar mas também a nível político, no sentido de pôr os direitos humanos em primeiro plano nos desenvolvimentos actuais de política e de doutrina. Neste sentido, foram tomadas medidas iniciais no Conselho, e essas trocas deverão ser intensificadas, não só para negociar as situações específicas de cada país, mas também para construir os direitos humanos como componente estrutural da Política Europeia de Segurança e Defesa.

A lógica desta abordagem, a centralidade dos direitos humanos na prevenção de conflitos e na gestão de crises, começa a ser mais largamente aceite. Os direitos humanos podem ser um instrumento eficaz para aproximar as partes e encontrar uma solução para os conflitos, e para seguir uma direcção adequada nas situações de pós-conflito. Os mediadores e gestores de crise operam invariavelmente em condições politicamente contenciosas e sensíveis e, em tais condições, as normas internacionalmente aceites de direitos humanos podem fornecer às facções, que representam interesses opostos, uma língua comum que lhes permita adereçar a causa do conflito e lidar com as questões críticas de justiça transitória.

De forma a garantir que a protecção e a capacidade de implementação dos direitos humanos sejam incluídas em todas as missões da UE a países terceiros, deverá ser desenvolvido um esforço específico e adaptado para cada situação. No entanto, a UE identificou a polícia, o estado de direito, a administração e a protecção civil como áreas prioritárias na capacitação civil. Capacidades específicas nestas quatro áreas poderão ser usadas quer no contexto de missões independentes geridas pela UE, quer em operações organizadas por outras organizações especializadas em gestão de crises, tal como a ONU.

O conhecimento sobre os modos e meios possíveis de assegurar a implementação, e também sobre as melhores práticas, deverão ser partilhados e disseminados. Os Estados Membros deverão disponibilizar os seus especialistas e recursos e desenvolver procedimentos e programas de formação sobre direitos humanos. Cada missão da UE que é enviada cria mais oportunidades de assegurar que os termos de referência destas missões contêm uma legitimidade forte em termos de direitos humanos e que a sua implementação é baseada em experiências anteriores.

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Cada missão deverá ter uma pessoa de contacto com qualificação na área dos direitos humanos, e estar devidamente preparada no sentido de poder responder de forma eficiente a problemas relacionados com o género. Em 2005, as medidas operacionais da UE foram baseadas na Resolução n.º 1325 da ONU sobre as mulheres, paz e segurança, e conflitos armados. Em Novembro de 2006, o Conselho adoptou conclusões muito determinadas, relativas à igualdade de género e à gestão de crises relacionadas com o género, determinando que “a igualdade de género e os direitos humanos deverão ser completamente integrados no planeamento e na conduta de todas as missões e operações de segurança e defesa, incluindo missões de investigação”.

Numa fase posterior, a UE poderá desenvolver um plano de acção para a implementação da resolução 1325 da ONU que inclua as necessidades de formação em assuntos relativos ao género. Deverão ser tomadas em consideração as directrizes de 2003 para a protecção dos civis nas missões de gestão de crises lideradas pela UE, complementadas pelos padrões genéricos de comportamento nas missões de segurança e defesa de 2005, nas próximas missões da UE.

A Presidência Portuguesa deverá continuar a desenvolver o apoio dado pelas Presidências Finlandesa e Alemã aos esforços conjuntos das ONG, de forma a clarificar o papel desempenhado pela sociedade civil, desenvolvendo um quadro para um envolvimento da sociedade civil local e ONG internacionais nas operações da gestão de crise. Em particular, a comunidade das ONG pode contribuir com conhecimento especializado em matérias como os direitos humanos e género, que podem não estar tão acessíveis aos militares e funcionários civis.

A Amnistia Internacional apela à Presidência Portuguesa para:

Continuar a realçar o papel central dos direitos humanos na prevenção de conflitos e nas operações de gestão de crise da UE;

Desenvolver mecanismos de planeamento e monitorização, de forma a assegurar a completa implementação da resolução 1325 da ONU sobre mulheres e conflitos armados, e dos padrões de comportamento da UE e directrizes para a protecção de civis em operações de gestão de crise lideradas pela UE;

Desenvolver directrizes para o envolvimento da sociedade civil local e das ONG internacionais nas operações da gestão de crises.

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