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Padrões de Mudança Técnica nas Economias Latino Americanas: 1963-2008 Adalmir Antonio Marquetti – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Melody de Campos Soares Porsse – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar a direção do progresso técnico dos países da América Latina no período 1963-2008, empregando a relação de distribuição- crescimento desenvolvida por Foley e Michl (1999). A análise revelou uma desigualdade nos padrões de mudança técnica experimentados pelos países da região, prevalecendo padrões de progresso técnico Marx-viesado e Hicks-neutro. No entanto, tais padrões não estiveram presentes de maneira uniforme ao longo do período como um todo nas economias latino americanas, sendo evidenciadas fases distintas nessa evolução. Palavras-chave: Progresso técnico, América Latina, relação de distribuição-crescimento. Abstract: The aim of this paper is to analyze the direction of technical progress in the Latin American countries over the period 1963-2008, using the growth-distribution schedule developed by Foley and Michl (1999). The analysis allows identifying different patterns of technical change experienced by Latin American countries, where prevails the Marx-biased and Hicks-neutral technical progress. However, it seems these patterns are not uniform along the period as revealed by an analysis carried out for distinct phases. Keywords: Technical progress, Latin American, growth-distribution schedule. 1

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Padrões de Mudança Técnica nas Economias Latino Americanas: 1963-2008

Adalmir Antonio Marquetti – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

Melody de Campos Soares Porsse – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar a direção do progresso técnico dos países da América Latina no período 1963-2008, empregando a relação de distribuição- crescimento desenvolvida por Foley e Michl (1999). A análise revelou uma desigualdade nos padrões de mudança técnica experimentados pelos países da região, prevalecendo padrões de progresso técnico Marx-viesado e Hicks-neutro. No entanto, tais padrões não estiveram presentes de maneira uniforme ao longo do período como um todo nas economias latino americanas, sendo evidenciadas fases distintas nessa evolução.

Palavras-chave: Progresso técnico, América Latina, relação de distribuição-crescimento.

Abstract: The aim of this paper is to analyze the direction of technical progress in the Latin American countries over the period 1963-2008, using the growth-distribution schedule developed by Foley and Michl (1999). The analysis allows identifying different patterns of technical change experienced by Latin American countries, where prevails the Marx-biased and Hicks-neutral technical progress. However, it seems these patterns are not uniform along the period as revealed by an analysis carried out for distinct phases.

Keywords: Technical progress, Latin American, growth-distribution schedule.

Área ANPEC: Área 5 - Crescimento, Desenvolvimento Econômico e Instituições.

Classificação JEL: O11

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Padrões de Mudança Técnica nas Economias Latino Americanas: 1963-20081

1. Introdução

Ao longo do período 1963-2008, o crescimento econômico dos países latino americanos pode ser caracterizado a partir de três fases distintas. Na primeira, entre 1963 e 1980, as taxas de crescimento desses países foram relativamente elevadas. Em contraste, a segunda fase, de 1980 a 2000, foi marcada por taxas de crescimento econômico reduzidas. Por fim, a partir de 2000, os países da região retomaram o ritmo de crescimento, apresentando taxas mais elevadas que as do período anterior.

De acordo com os dados da Extended Penn World Tables (EPWT 4.0), as setes maiores economias da América Latina apresentaram uma taxa de crescimento de 6,54% ao ano entre 1963 e 1980, enquanto no período 1980-2000 essa taxa foi de 2,13% ao ano. Já, entre 2000 e 2008, os sete maiores países da região em estudo cresceram 3,94% ao ano, representando a retomada do crescimento, porém, a taxas inferiores as observadas no primeiro período.

A despeito desse comportamento do crescimento econômico de longo prazo da América Latina, especialmente no que tange à redução desse crescimento no período 1980-2000 comparativamente à fase 1963-1980, nos anos 80 e 90 os países da região passaram por significativas reformas econômicas e políticas, as quais deveriam ter levado a uma aceleração do seu crescimento e não a sua redução. Em termos econômicos, dentre as reformas mais relevantes, a região adotou um novo modelo de crescimento econômico, uma nova forma de integração internacional, através da liberalização comercial e financeira, o processo de privatizações, a redução do papel do Estado na atividade econômica e a redução da taxa de inflação. Da perspectiva política, a década de 80 foi marcada pelo processo de redemocratização e de consolidação da democracia na América Latina.

Concomitantemente, também ocorreram importantes mudanças institucionais na economia internacional a partir de 1980, objetivando tornar o mercado o mecanismo fundamental de alocação de recursos e, consequentemente, reduzir o papel do Estado nesse processo. Além disso, na mesma década, as novas tecnologias de informação e comunicação abriram possibilidades de aumentos nas produtividades do trabalho e do capital, especialmente quando associadas a mudanças organizacionais nas empresas (Duménil; Lévy, 2004). Também, a maior abertura econômica permitiu o aumento do processo de globalização, o qual foi marcado por um crescente fluxo de capitais e mercadorias entre os países.

No entanto, tais mudanças não refletiram em termos de crescimento das economias latino americanas. Considerando as décadas de 80 e 90, na primeira, os sete maiores países da América Latina cresceram a uma taxa de 1% ao ano. Na segunda década, o crescimento desse mesmo conjunto de países foi maior do que o observado na década anterior (3,28% ao ano), mas ainda abaixo do verificado no período 1963-1980 (6,54% ao ano). Ademais, alguns países, tais como o Brasil e o México, maiores economias da região, que tiveram um desempenho elevado no período 1963-1980 apresentaram uma redução expressiva no crescimento na fase 1980-2000.

Nesse contexto, o artigo emprega a relação de distribuição-crescimento desenvolvida por Foley e Michl (1999), baseada na curva salário-lucro de Sraffa (1960), a qual possibilita a visualização de mudanças temporais nos padrões de crescimento e mudança técnica, para examinar o comportamento do crescimento econômico dos países da América Latina. Mais especificamente, o principal propósito desse artigo é analisar a direção do progresso técnico dos países da região no período 1963-2008. Com base nesse instrumento, será possível identificar se houve uma quebra estrutural na evolução das produtividades do trabalho e do capital após os anos 80, bem como na intensidade do capital, e qual o padrão de mudança técnica observado a partir de então. Além disso, será examinado se houve retomada do dinamismo tecnológico nos países em estudo nos anos 2000 e as diferenças nos padrões de progresso técnico entre os países e ao longo do período em estudo.

Para tanto, além dessa introdução, o artigo está dividido em cinco seções. Na segunda, descreve-se a relação de distribuição-crescimento e apresenta-se como a mudança técnica se classifica. A terceira

1 O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES, entidade do Governo Brasileiro voltada para a formação de recursos humanos.

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seção define as variáveis empregadas na análise e suas origens. A seção seguinte mostra a evolução da relação distribuição-crescimento nas economias latino americanas no período 1963-2008, identificando-se, para cada país, os padrões de progresso técnico. Na quinta seção, o período 1963-2008 é dividido em três fases distintas: 1963-1980, 1980-2000 e 2000-2008, para as quais, e para cada país da América latina, são documentadas a evolução da mudança técnica. Por fim, na sexta seção são elaboradas as considerações finais.

2. Mudança Técnica: Representação e Classificação

O instrumento utilizado para analisar mudança técnica no curso do crescimento econômico dos países latino americanos é a relação de distribuição-crescimento, baseada na curva salário-lucro de Sraffa (1960).

Para construir essa relação como um modelo de análise, Foley e Michl (1999) definiram um modelo para uma economia hipotética, fechada e sem governo, que produz um único bem, empregado para consumo ou investimento. Assim, para essa economia e para um dado ano, X representa o produto agregado bruto, K o estoque de capital acumulado e N o número de trabalhadores empregados. O consumo agregado, o investimento bruto, a compensação total dos trabalhadores, o lucro bruto e o lucro líquido são definidos, respectivamente, como C, I, W, Z e R. D simboliza a depreciação. Dessa forma, tem-se:

X=C+ I (1)X=W +Z (2)Z=X−W (3)R=Z−D (4)

Ao comparar a evolução de países e tamanhos diferentes ao longo do tempo é conveniente expressar as variáveis em termos de razões: por trabalhador empregado e por estoque de capital. Desse modo, pode-se definir x = X/N como o produto agregado bruto por trabalhador, ou ainda, produtividade do trabalho; k = K/N como o capital por trabalhador (relação capital-trabalho) ou a intensidade do capital; w = W/N como o salário médio real (salário por trabalhador); c = C/N como o consumo social por trabalhador, i = I/N como o investimento por trabalhador e z = Z/N como o lucro por trabalhador. Em termos de estoque de capital, as variáveis são descritas como: p = X/K = x/k é o produto por unidade de capital (relação produto-capital) ou a produtividade do capital; v = Z/K = z/k é a taxa bruta de lucro; d = D/K é a taxa de depreciação. A taxa líquida de lucro é dada por r = v – d. A relação capital trabalho também pode ser escrita como k = x/p. A participação dos lucros na renda nacional é dada por π = Z/X = z/x e a dos salários é dada por 1 – π. Então, v = Z/K = (Z/X)/(K/X) = πp. Por fim, g K = ∆K/K é a taxa de crescimento do estoque de capital e gX = ∆X/X é a taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Portanto, gk + d = I/K é a taxa de acumulação (razão entre investimento bruto e o estoque de capital).

Dividindo as equações (1) e (2) pelo número de trabalhadores empregados e as rearranjando, as mesmas se transformam em:

c=x−i=x−( gK+d ) k=x [1−( gK+dp )] (5)

w=x−z=x−vk=x (1− vp ) (6)

A equação (5) representa a relação consumo-crescimento, que pode ser visualizada na Figura 1. Para uma dada tecnologia, essa relação é uma linha reta com inclinação – k, o negativo da relação capital-trabalho e expressa o trade-off entre o consumo e a acumulação de capital, ou seja, quando todo o produto bruto da economia é consumido, c = x e a taxa de acumulação de capital (gk + d) é igual a zero. Quando o consumo social é zero, o investimento é igual ao produto (i = x) e a taxa máxima de acumulação de capital é igual à produtividade do capital (gK + d = p). No ponto gk + d a produtividade do trabalho é alocada entre investimento por trabalhador (i) e consumo por trabalhador (c).

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Figura 1 – Relação Distribuição-Crescimentoc,w

x

y

c

w

gk + dd v= r + d

dK dK

gk K i

c c

w w

rkz

gk + d, v

p

Inclinação= -k

Fonte: Foley e Michl (1999, p. 30).

A equação (6) é a relação salário-lucro, igualmente representada na Figura 1, que mostra o trade-off entre salários e lucros. Também é uma linha reta com inclinação – k e tem como pontos extremos v = 0, se salário real máximo igual a x, e taxa de lucro máxima correspondente à p, se w = 0. No ponto v = r + d a produtividade do trabalho é alocada entre salário por trabalhador (w) e lucro por trabalhador (z).

A combinação de ambas relações, matematicamente idênticas, é denominada por Foley e Michl (1999) de relação distribuição-crescimento para a economia. Da mesma maneira ilustrada na Figura 1, tal relação é uma linha reta com intercepto vertical igual a x, intercepto horizontal igual a p e inclinação –k, que fornece uma visão completa do processo de crescimento da economia capitalista. Como a relação descreve tanto a distribuição do produto entre consumo e investimento e a distribuição do valor do produto entre salários e lucros, ela expressa de forma consistente as contas nacionais.

Conforme os autores citados, assumindo que a taxa de depreciação é constante através de todas as técnicas, uma técnica de produção pode ser representada pela produtividade do trabalho (x) e pela relação capital-trabalho (k) ou pelas produtividades do trabalho (x) e do capital (p). Assim, o padrão de mudança técnica que uma economia experimenta ao longo do tempo é revelado pelas comparações das suas relações de distribuição-crescimento. Autores como Foley e Marquetti (1997, 1999), Marquetti (2002, 2003), Marquetti, Ourique, Muller (2009), Pichardo (2007), Felipe e Kumar (2010) e Oliveira (2009) empregaram a relação de distribuição-crescimento para estudar o comportamento das produtividades do trabalho e do capital.

Nesse contexto, quatro movimentos da relação de distribuição-crescimento são relevantes. No primeiro movimento (visualizar Figura 2), da técnica A para a técnica B, a mudança técnica gira a relação de distribuição-crescimento no sentido horário em torno do seu intercepto horizontal, aumentando assim a intensidade do capital. Essa mudança corresponde ao padrão técnico Harrod-neutro ou puramente poupador de trabalho, ocorrendo aumento da produtividade do trabalho, mantida constante a produtividade do capital. Da técnica B para a técnica C, o progresso técnico gira a relação de distribuição-crescimento no sentido horário em torno do seu intercepto vertical, havendo um aumento da produtividade do capital, com a produtividade do trabalho constante e redução da intensidade do capital. Essa mudança técnica é denominada de Solow-neutra ou puramente poupadora de capital. Do ponto A para o ponto C, a mudança técnica desloca paralelamente para fora a relação de distribuição-crescimento, cujas produtividades do trabalho e do capital crescem na mesma proporção, mantendo a mesma intensidade do capital. Esse padrão técnico é igualmente poupador de trabalho e de capital e equivale ao progresso técnico Hicks-neutro.

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Figura 2 – Classificação da Mudança Técnica

Fonte: Foley e Marquetti (1999, p. 282).

O último movimento relevante é apresentado na Figura 3, na qual pode ser evidenciada a combinação de mudança técnica poupadora de trabalho e consumidora de capital, chamada por Foley e Michl (1999) de padrão Marx-viesado. Conforme esse padrão, comumente observado nas economias capitalistas (Foley; Marquetti, 1999), a relação de distribuição-crescimento se desloca para a esquerda no eixo p e para cima no eixo x, aumentando, dessa forma, a produtividade do trabalho e declinando a produtividade do capital.

Em geral, através da análise da representação gráfica da relação distribuição-crescimento e de suas mudanças entre o tempo t e o tempo t+n (Figura 1) é possível detectar e classificar qualquer forma de progresso técnico que uma economia experimenta (Ferretti, 2008). Sendo assim, podem ser classificados outras três mudanças da relação distribuição-crescimento. A primeira delas pode ser visualizada na Figura 2 no movimento do ponto C para o ponto A, contrário ao padrão Hicks-neutro, cuja mudança técnica desloca paralelamente para dentro a relação de distribuição-crescimento, reduzindo tanto a produtividade do trabalho como a do capital. Esse padrão de progresso técnico, consumidor de trabalho e de capital, será denominado neste trabalho de “retrocesso do progresso técnico”.

Figura 3 – Progresso Técnico Marx-viesado

Fonte: Marquetti (2002, p. 111).

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A outra mudança da relação distribuição-crescimento que pode ser classificada é o deslocamento para baixo no eixo x e para a direita no eixo p na Figura 3, o qual reduz a produtividade do trabalho e aumenta a produtividade do capital. Tal movimento será tratado neste artigo como padrão de “desmecanização”. Por fim, a terceira mudança, ilustrada na Figura 2 através do movimento do ponto B para o ponto A, caracteriza-se como padrão de “estagnação técnica”, no qual a produtividade do capital se mantém constante, enquanto a produtividade do trabalho declina.

3. Definição das Variáveis

Para construir as relações de distribuição-crescimento das economias latino-americanas no período 1963-2008, a fim de identificar o padrão de progresso técnico das mesmas, foram utilizados dados da EPWT 4.0. A EPWT 4.0 contempla um conjunto de informações referentes às contas nacionais, crescimento econômico, distribuição de renda, demografia e meio ambiente para 176 países para o período 1963-2008. Contudo, considerando o período como um todo, alguns países não possuem informações disponíveis para todas as variáveis.

No presente estudo, a amostra é composta por 20 países que compõem a América Latina, cujos dados cobrem o período 1963-2008, com exceção do Chile, Cuba e Haiti, com início das observações em 1964, 1983 e 1973, respectivamente. As variáveis empregadas na análise e sua descrição são apresentadas a seguir.

O Produto Interno Bruto real (X) é um índice em cadeia expresso em 2005 paridade de poder de compra (PPP), obtido multiplicando-se as variáveis população e o PIB real per capita em 2005 PPP, coletados da Penn World Table 7.0 (PWT 7.0). O resultado foi multiplicado por 1.000. A variável N foi mensurada dividindo-se a variável X pelo PIB real por trabalhador, igualmente obtidos da PWT 7.0.

A produtividade do trabalho (x) é a variável PIB real por trabalhador-ano na PWT 7.0, expressa, portanto, em PIB real em 2005 PPP por trabalhador. Já, a produtividade do capital (p) foi calculada dividindo-se X pelo estoque de capital estimado (K). Por sua vez, o estoque de capital foi obtido a partir das séries de investimento computadas da variável participação real do investimento no PIB da PWT 7.0. Empregando-se o Perpetual Inventory Method (PIM) e considerando uma vida útil do ativo de 14 anos e uma taxa de depreciação de 7,5 %, o estoque de capital foi estimado como a soma acumulada, depreciada do investimento agregado passado e expresso em 2005 PPP.

O estoque de capital estimado serviu de base para calcular a variável k em 2005 PPP, ou seja, a razão entre o estoque de capital e a variável N; D, mensurada como Dt = Kt-1 + It - Kt, onde I é obtido multiplicando-se o PIB real em 2005 PPP pela variável participação real do investimento no PIB da PWT 7.0 dividida por 100; e a taxa de depreciação (d), que é a razão entre a depreciação e o estoque de capital.

Finalmente, a variável w, expressa em 2005 PPP, foi mensurada multiplicando-se a participação dos salários no PIB (obtida a partir de dados das Nações Unidas) e então dividindo por N. A taxa de lucro bruta foi calculada com base na equação v = 100*(1 - ws)*p, onde ws é a participação dos salários no PIB. A variável i foi obtida dividindo-se I pela variável N. A variável c, que inclui o consumo líquido do governo e o saldo externo líquido, corresponde a x menos i. Ressalta-se que essas duas últimas variáveis apresentam a mesma unidade da variável w.

4. Padrões de Mudança Técnica na América Latina: 1963-2008

Analisando-se os dados da EPWT 4.0 por meio da relação de distribuição-crescimento, a Figura 4 revela uma desigualdade na evolução da mudança técnica experimentada pelas economias da América Latina no período 1963-2008. Nesse período, o padrão de progresso técnico da Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Peru e Uruguai é consistente com o padrão Hicks-neutro, igualmente poupador de trabalho e de capital. Ressalta-se que para o Chile o padrão de mudança técnica Hicks-neutro foi dominante no período 1964-2008. Por outro lado, Haiti e Nicarágua experimentam um “retrocesso do progresso técnico” no período em estudo, apresentando uma redução nas produtividades do trabalho e do capital. É importante destacar que esse tipo de mudança técnica predominou no Haiti no período 1973-2008.

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Na Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e República Dominicana o padrão de mudança técnica de longo prazo corresponde ao Marx-viesado, poupador de trabalho e consumidor de capital. Já, em Cuba e na Venezuela evidencia-se um movimento de “desmecanização”, com uma queda na produtividade do trabalho e um aumento na produtividade do capital. Enfatiza-se que em Cuba esse movimento ocorreu no período 1983-2008.

Conforme a Figura 4 ilustra, os casos do Brasil e Colômbia são exceções as classificações do progresso técnico descritas acima. Para o Brasil, embora tenha ocorrido um aumento da produtividade do trabalho em 2008 em relação à 1963, a produtividade do capital se manteve relativamente constante ao longo desse período (verificar Tabela 1), indicando um padrão de progresso técnico Harrod-neutro. No caso da Colômbia, é possível observar um aumento na produtividade do trabalho e a manutenção relativa da produtividade do capital ao longo do período mencionado (Tabela 1), implicando também em um padrão Harrod-neutro.

Portanto, a experiência dos países latino americanos demonstra que a tendência de longo prazo da mudança técnica é seguir os padrões Marx-viesado, poupador de trabalho e consumidor de capital (em oito economias), e Hicks-neutro (em seis economias), igualmente poupador de trabalho e de capital.

Quando se examinam as taxas de crescimento econômico anual média das economias da América Latina diante dessa evolução de longo prazo da mudança técnica (Tabela 1), pode-se perceber que taxas de crescimento mais elevadas estão associadas com os padrões Marx-viesado e Hicks-neutro, assim como ao padrão Harrod-neutro. De outro lado, taxas mais baixas estão relacionadas com os padrões “desmecanização” e “retrocesso do progresso técnico”.

5. Fases do Progresso Técnico nos Países Latino Americanos

A fim de explorar de uma forma mais aprofundada os padrões de progresso técnico experimentados pelos países da América Latina, o período 1963-2008 é considerado a seguir a partir de três fases distintas: (1) 1963-1980; (2) 1980-2000; (3) 2000-2008. Para tanto, as Tabelas 2, 3 e 4 mostram a evolução das produtividades do trabalho e do capital, o tipo de mudança técnica e a taxa de crescimento econômico anual média em cada país latino americano e fase, respectivamente.

Na Tabela 2 constata-se, com algumas exceções (Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela), a prevalência de dois tipos de mudança técnica na primeira fase em análise: Marx-viesado, poupador de trabalho e consumidor de capital, que aumenta a produtividade do trabalho e reduz a produtividade do capital, e Hicks-neutro, igualmente poupador de trabalho e capital, aumentando ambas as produtividades. Salienta-se que treze dos vinte países da América Latina seguiram o padrão Marx-viesado na fase 1963-1980. Durante esta fase, na Bolívia, Equador e Venezuela a produtividade do capital permaneceu relativamente constante, enquanto a produtividade do trabalho se elevou, caracterizando o padrão Harrod-neutro. Por sua vez, na Nicarágua ocorreu um “retrocesso do progresso técnico”, reduzindo ambas as produtividades.

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Figura 4 – Padrões de Progresso Técnico nas Economias Latino Americanas: 1963-2008

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

0 0,5 1

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p

Argentina

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trab

.

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Bolívia

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2000

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14000

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Brasil

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25000

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Chile *

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4000

6000

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p

Colômbia

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10000

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p

Costa Rica

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5000

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25000

30000

0 2 4 6

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p

Cuba **

0

2000

4000

6000

8000

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14000

16000

0 0,2 0,4 0,6

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Equador

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2000

4000

6000

8000

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16000

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El Salvador

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2000

4000

6000

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16000

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Guatemala

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1500

2000

2500

3000

3500

4000

4500

0 1 2 3

x, 2

005

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Haiti ***

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2000

4000

6000

8000

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12000

0 0,5 1

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Honduras

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25000

30000

35000

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p

México

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2000

4000

6000

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10000

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0 0,5 1

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Nicarágua

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15000

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p

Panamá

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1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

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p

Paraguai

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2000

4000

6000

8000

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x, 2

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Peru

0

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p

RepúblicaDominicana

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5000

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25000

0 0,5 1

x, 2

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.

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Uruguai

0

5000

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20000

25000

30000

0 0,5 1

x, 2

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PPP/

trab

.

p

Venezuela

1963

2008

Fonte: EPWT 4.0.* No Chile os dados de 1963 correspondem ao ano de 1964.** Em Cuba os dados de 1963 correspondem ao ano de 1983.*** No Haiti os dados de 1963 correspondem ao ano de 1973.

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Tabela 1 – Evolução das Variáveis nas Economias Latino Americanas: 1963-2008

x p Tipo de mudança técnica Taxa de crescimento econômico

anual média

1963 2008 1963 2008

Argentina 14225,40 24783,73 0,62 0,72 Hicks-neutro 2,96Bolívia 7123,63 8231,26 0,92 1,19 Hicks-neutro 2,73Brasil 10013,41 17896,53 0,77 0,78 Harrod-neutro 4,40Chile* 12614,64 27531,70 0,44 0,58 Hicks-neutro 4,21Colômbia 9199,74 18549,39 0,69 0,65 Harrod-neutro 4,52Costa Rica 16751,88 24420,33 1,17 0,65 Marx-viesado 4,41Cuba** 26660,18 24552,93 2,90 5,66 Desmecanização 0,87Equador 8185,48 14816,23 0,38 0,56 Hicks-neutro 4,32El Salvador 11374,71 16343,57 1,35 0,90 Marx-viesado 3,07Guatemala 9096,82 15819,57 0,91 0,77 Marx-viesado 3,89Haiti*** 3845,64 3164,85 2,59 1,22 Retrocesso do progresso técnico 1,53Honduras 6160,76 9601,65 0,89 0,55 Marx-viesado 4,13México 19088,50 30156,02 0,81 0,66 Marx-viesado 4,35Nicarágua 10239,88 5368,46 0,77 0,47 Retrocesso do progresso técnico 1,95Panamá 8128,88 21504,05 0,90 0,77 Marx-viesado 5,35Paraguai 5267,45 8274,76 1,29 0,76 Marx-viesado 4,17Peru 12347,43 15985,90 0,36 0,64 Hicks-neutro 3,38República Dominicana 8611,67 22005,01 1,40 0,82 Marx-viesado 5,19Uruguai 10162,59 22076,76 0,63 0,77 Hicks-neutro 2,46Venezuela 25062,73 21439,46 0,48 0,70 Desmecanização 3,27

Fonte: EPWT 4.0.x = Produtividade do trabalho expressa em PIB real em 2000 PPP (paridade de poder de compra) por trabalhador em 2005 PPP.p = Produtividade do capital (razão produto-capital).* No Chile os dados de 1963 correspondem ao ano de 1964.** Em Cuba os dados de 1963 correspondem ao ano de 1983.*** No Haiti os dados de 1963 correspondem ao ano de 1973.

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Tabela 2 – Evolução das Variáveis nas Economias Latino Americanas: 1963-1980

x p Tipo de mudança técnica Taxa de crescimento econômico

anual média

1963 1980 1963 1980

Argentina 14225,40 21218,02 0,62 0,53 Marx-viesado 3,84Bolívia 7123,63 8476,46 0,92 0,90 Harrod-neutro 3,14Brasil 10013,41 21132,05 0,77 0,66 Marx-viesado 8,09Chile* 12614,64 15140,49 0,44 0,79 Hicks-neutro 3,29Colômbia 9199,74 14454,13 0,69 0,76 Hicks-neutro 5,51Costa Rica 16751,88 24264,64 1,17 0,85 Marx-viesado 6,02Cuba**Equador 8185,48 17277,07 0,38 0,41 Harrod-neutro 7,31El Salvador 11374,71 12918,22 1,35 0,84 Marx-viesado 4,06Guatemala 9096,82 16453,94 0,91 0,82 Marx-viesado 5,95Haiti*** 3845,64 5895,98 2,59 1,74 Marx-viesado 6,58Honduras 6160,76 9623,02 0,89 0,71 Marx-viesado 5,32México 19088,50 29667,82 0,81 0,73 Marx-viesado 6,90Nicarágua 10239,88 9895,33 0,77 0,51 Retrocesso do progresso técnico 3,30Panamá 8128,88 15994,50 0,90 0,68 Marx-viesado 7,12Paraguai 5267,45 10032,46 1,29 0,76 Marx-viesado 6,89Peru 12347,43 16041,79 0,36 0,63 Hicks-neutro 4,36República Dominicana 8611,67 11791,32 1,40 0,76 Marx-viesado 5,62Uruguai 10162,59 15087,45 0,63 0,73 Hicks-neutro 2,91Venezuela 25062,73 30046,39 0,48 0,46 Harrod-neutro 5,10

Fonte: EPWT 4.0.x = Produtividade do trabalho expressa em PIB real em 2000 PPP (paridade de poder de compra) por trabalhador em 2005 PPP.p = Produtividade do capital (razão produto-capital).* No Chile os dados de 1963 correspondem ao ano de 1964.** Em Cuba não existem dados disponíveis para o período 1963-1980.*** No Haiti os dados de 1963 correspondem ao ano de 1973.

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Por outro lado, a fase 1980-2000 (Tabela 3) é caracterizada, na maioria das economias latino americanas, por padrões de “desmecanização”, que reduz a produtividade do trabalho e eleva a produtividade do capital, “estagnação técnica”, que diminui a produtividade do trabalho, mantendo a produtividade do capital constante, e “retrocesso do progresso técnico”, havendo declínio nas produtividades do trabalho e do capital. Nessa segunda fase, a produtividade do capital ficou relativamente constante em seis países (Brasil, México, Nicarágua, Panamá, Peru e República Dominicana). Chile e Colômbia (Marx-viesado), El Salvador e Uruguai (Hicks-neutro) e Panamá e República Dominicana (Harrod-neutro) são exceções na segunda fase, enfatizando que o Uruguai manteve o mesmo padrão da fase anterior.

Na terceira fase em análise (Tabela 4), as mudanças técnicas Hicks-neutra (em sete países) e Marx-viesada (em cinco países) aparecem novamente como predominantes, juntamente com o padrão Harrod-neutro (em seis países), enquanto que os padrões “retrocesso do progresso técnico” e “estagnação técnica” são experimentados somente, respectivamente, pelo Haiti e Nicarágua. Na fase em questão, Argentina, Colômbia, México, Nicarágua, Peru, República Dominicana e Uruguai mantiveram a produtividade do trabalho relativamente constante.

Ainda com respeito a última fase, o Chile (Marx-viesado), o Haiti (Retrocesso do progresso técnico), a Nicarágua (Estagnação técnica) e a República Dominicana (Harrod-neutro) tiveram o mesmo tipo de mudança técnica verificado na fase anterior. Além disso, essa fase representa o retorno do padrão poupador de trabalho e consumidor de capital Marx-viesado da primeira fase para Costa Rica, El Salvador e Guatemala.

De acordo com essa evolução do progresso técnico nos países latino americanos, os dados revelam que ocorreu uma quebra estrutural no desenvolvimento das produtividades do trabalho e do capital após a década de 80 na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela. Apesar da Costa Rica, El Salvador e Guatemala terem apresentado uma mudança no padrão de mudança técnica na segunda fase, a mesma não representou uma ruptura definitiva com o padrão vigente na fase anterior, uma vez que esses países retomaram o padrão do primeiro estágio depois de 2000. No Uruguai, a mudança de padrão se deu apenas após os anos 2000.

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Tabela 3 – Evolução das Variáveis nas Economias Latino Americanas: 1980-2000

Fonte: EPWT 4.0.x = Produtividade do trabalho expressa em PIB real em 2000 PPP (paridade de poder de compra) por trabalhador em 2005 PPP.p = Produtividade do capital (razão produto-capital).* Em Cuba os dados de 1980 correspondem ao ano de 1983.

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x p Tipo de mudança técnica Taxa de crescimento econômico

anual média

1980 2000 1980 2000

Argentina 21218,02 20818,56 0,53 0,65 Desmecanização 1,69Bolívia 8476,46 7548,02 0,90 1,04 Desmecanização 1,90Brasil 21132,05 16273,99 0,66 0,67 Estagnação técnica 1,65Chile 15140,49 23955,51 0,79 0,67 Marx-viesado 4,75Colômbia 14454,13 15301,84 0,76 0,66 Marx-viesado 3,57Costa Rica 24264,64 21972,28 0,85 0,77 Retrocesso do progresso técnico 2,96Cuba* 26660,18 19472,58 2,90 4,39 Desmecanização -0,43Equador 17277,07 12285,79 0,41 0,51 Desmecanização 1,44El Salvador 12918,22 14212,58 0,84 0,95 Hicks-neutro 2,29Guatemala 16453,94 15468,62 0,82 0,87 Desmecanização 2,32Haiti 5895,98 3708,40 1,74 1,35 Retrocesso do progresso técnico 0,14Honduras 9623,02 7932,06 0,71 0,53 Retrocesso do progresso técnico 2,77México 29667,82 26970,58 0,73 0,73 Estagnação técnica 2,52Nicarágua 9895,33 5712,09 0,51 0,50 Estagnação técnica 0,80Panamá 15994,50 16076,86 0,68 0,67 Harrod-neutro 3,41Paraguai 10032,46 7973,25 0,76 0,53 Retrocesso do progresso técnico 2,18Peru 16041,79 11692,58 0,63 0,57 Estagnação técnica 1.48República Dominicana 11791,32 17335,50 0,76 0,77 Harrod-neutro 4,79Uruguai 15087,45 18234,44 0,73 0,79 Hicks-neutro 1,72Venezuela 30046,39 19946,52 0,46 0,76 Desmecanização 1,64

Tabela 4 – Evolução das Variáveis nas Economias Latino Americanas: 2000-2008

x p Tipo de mudança técnica Taxa de crescimento econômico

anual média

2000 2008 2000 2008

Argentina 20818,56 24783,73 0,65 0,72 Harrod-neutro 4,31Bolívia 7548,02 8231,26 1,04 1,19 Hicks-neutro 3,92Brasil 16273,99 17896,53 0,67 0,78 Hicks-neutro 3,65Chile 23955,51 27531,70 0,67 0,58 Marx-viesado 4,72Colômbia 15301,84 18549,39 0,66 0,65 Harrod-neutro 4,82Costa Rica 21972,28 24420,33 0,77 0,65 Marx-viesado 4,70Cuba 19472,58 24552,93 4,39 5,66 Hicks-neutro 3,70Equador 12285,79 14816,23 0,51 0,56 Hicks-neutro 5,39El Salvador 14212,58 16343,57 0,95 0,90 Marx-viesado 2,92Guatemala 15468,62 15819,57 0,87 0,77 Marx-viesado 3,50Haiti 3708,40 3164,85 1,35 1,22 Retrocesso do progresso técnico 0,74Honduras 7932,06 9601,65 0,53 0,55 Hicks-neutro 5,05México 26970,58 30156,02 0,73 0,66 Harrod-neutro 3,60Nicarágua 5712,09 5368,46 0,50 0,47 Estagnação técnica 2,01Panamá 16076,86 21504,05 0,67 0,77 Hicks-neutro 6,52Paraguai 7973,25 8274,76 0,53 0,76 Hicks-neutro 3,46Peru 11692,58 15985,90 0,57 0,64 Harrod-neutro 6,16República Dominicana 17335,50 22005,01 0,77 0,82 Harrod-neutro 5,29Uruguai 18234,44 22076,76 0,79 0,77 Harrod-neutro 3,37Venezuela 19946,52 21439,46 0,76 0,70 Marx-viesado 3,54

Fonte: EPWT 4.0.x = Produtividade do trabalho expressa em PIB real em 2000 PPP (paridade de poder de compra) por trabalhador em 2005 PPP.p = Produtividade do capital (razão produto-capital).

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A relação capital-trabalho também mostra essa quebra estrutural no início de 1980 na maioria dos países latino americanos (Figura 5). Na Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Haiti, Honduras, México, Panamá, Uruguai e Venezuela observa-se que o aumento relativo da relação capital-trabalho claramente se reverteu em 1980. Na Costa Rica, El Salvador e Guatemala também se verifica o mesmo comportamento da intensidade do capital, retomando o aumento a partir de 2000, quando esses países voltam a seguir a mudança técnica Marx-viesada da primeira fase. Colômbia, Paraguai e República Dominicana, cuja intensidade do capital também aumentava antes de 1980, apresentaram certa estabilidade na relação capital-trabalho após esta data. Na Nicarágua, a quebra estrutural se deu em 1978. O Chile e Peru são exceções, apresentando uma tendência de queda da relação capital-trabalho até 1988 e 1993 e aumentando a partir de então, respectivamente.

Com referência as taxas de crescimento econômico médio dos países latino americanos nas três fases descritas anteriormente, observa-se que o período 1963-1980 (Tabela 2) foi o de maior crescimento para quatorze das vinte economias da região, sendo que em dez delas o padrão técnico seguido era do tipo Marx-viesado (Brasil, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Panamá, Paraguai e República Dominicana). Dentre as três fases, o período 1980-2000 foi o de menor crescimento econômico para esse conjunto de países citados e os padrões evidenciados foram dos tipos “estagnação técnica”, “retrocesso do progresso técnico” e “desmecanização” na mudança técnica, o que também confirma a ruptura com o padrão Marx-viesado experimentado na primeira fase, como descrito anteriormente. Nesses países, parece que a mecanização reflete o esforço para superar seu relativo atraso, cujo aumento na produtividade do trabalho é obtida mediante redução na produtividade do capital.

Na tabela 4, verifica-se que o Chile obteve a maior taxa de crescimento na segunda fase, seguindo um padrão poupador de trabalho e consumidor de capital. A Argentina, Bolívia, Peru e Uruguai tiveram um crescimento mais elevado na terceira fase, experimentando mudança técnica do tipo Hicks-neutro e Harrod-neutro.

Em termos de dinamismo do progresso técnico, observa-se na Tabela 5 que a fase 1980-2000 foi marcada por taxas negativas ou baixas de crescimento anual média da produtividade do trabalho nos países da América Latina, com exceção do Chile e da República Dominicana que elevaram suas taxas em relação à primeira fase. Após essa fase de baixo dinamismo tecnológico, no último estágio é possível observar uma nova fase de crescimento da produtividade do trabalho, embora a taxas menores que as verificadas no primeiro estágio para a Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai e Venezuela. A Bolívia, Chile, El Salvador, Peru, República Dominicana e Uruguai alcançaram taxas de crescimento da produtividade do trabalho superiores as da primeira fase. Portanto, para esse último conjunto de países é possível afirmar que houve retomada do dinamismo tecnológico a partir do ano 2000.

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Figura 5 – Relação Capital-Trabalho para 17 países latinoamericanos: 1963-2009

0

10000

20000

30000

40000

50000

Argentina

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2000

4000

6000

8000

10000

12000

Bolívia

05000100001500020000250003000035000

Brasil

0

10000

20000

30000

40000

50000

Chile

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

Colômbia

0500010000150002000025000300003500040000

Costa Rica

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

Cuba

0

10000

20000

30000

40000

50000

Equador

0

5000

10000

15000

20000

El Salvador

0

5000

10000

15000

20000

25000

Guatemala

0

1000

2000

3000

4000

5000

19601970198019902000

Haiti

0

5000

10000

15000

20000

Honduras

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

México

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

Nicarágua

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

Panamá

0

5000

10000

15000

20000

Paraguai

0500010000150002000025000300003500040000

Peru

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

República Dominicana

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

Uruguai

01000020000300004000050000600007000080000

Venezuela

Fonte: EPWT 4.0.

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Tabela 5 – Taxa de Crescimento Anual Média da Produtividade do Trabalhodas Economias Latino Americanas: 1963-1980, 1980-2000 e 2000-2008

1963-19801980-2000 2000-2008

Argentina 2,38 -0,09 2,20Bolívia 1,03 -0,58 1,09Brasil 4,49 -1,30 1,20Chile* 1,15 2,32 1,75Colômbia 2,69 0,29 2,43Costa Rica 2,20 -0,49 1,33Cuba** -1,83 2,94Equador 4,49 -1,69 2,37El Salvador 0,75 0,48 1,76Guatemala 3,55 -0,31 0,28Haiti*** 6,29 -2,29 -1,96Honduras 2,66 -0,96 2,42México 2,63 -0,48 1,41Nicarágua -0,20 -2,71 -0,77Panamá 4,06 0,03 3,70Paraguai 3,86 -1,14 0,47Peru 1,55 -1,57 3,99República Dominicana 1,87 1,95 3,03Uruguai 2,35 0,95 2,42Venezuela 1,07 -2,03 0,91Fonte: EPWT 4.0.* No Chile o primeiro período corresponde a 1964-1980.** Em Cuba não existem dados disponíveis para o primeiro estágio e o segundo estágio corresponde a 1983-2000.*** No Haiti o primeiro estágio corresponde a 1973-1980.

5. Considerações FinaisEste artigo examinou a evolução do progresso técnico nas economias latino

americanas no período 1963-2008. A análise revelou uma desigualdade nos padrões de mudança técnica experimentados pelos países da região, prevalecendo tecnologias poupadora de trabalho e consumidora de capital (Marx-viesada) em oito economias e poupadora de trabalho e de capital (Hicks-neutra) em seis economias, as quais estão associadas com taxas de crescimento econômico mais elevadas.

Tais padrões não estiveram presentes de maneira uniforme ao longo do período como um todo nos países da América Latina, sendo evidenciadas fases distintas nessa evolução. A primeira fase (1963-1980) foi marcada pela predominância das mudanças técnicas Marx-viesada e Hicks-neutra, enquanto a segunda fase (1980-2000) caracterizou-se por padrões de “desmecanização”, “estagnação técnica” e “retrocesso do progresso técnico”. Na terceira fase (2000-2008), os padrões de progresso técnico Hicks-neutro e Marx-viesado voltaram a ser dominantes, juntamente com o padrão Harrod-neutro. Considerando as três fases, a primeira delas foi a de maior crescimento econômico para a maioria doas economias latino americanas, enfatizando que metade das mesmas seguiram nessa fase o padrão Marx-

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viesado. Por outro lado, o segundo período apresentou as menores taxas de crescimento para metade dos países da região, as quais estavam associadas com os padrões de “desmecanização”, “estagnação técnica” e “retrocesso do progresso técnico”.

Diante desses resultados, é possível afirmar que ocorreu uma ruptura do padrão Marx-viesado após os anos 80 na metade do conjunto de países da América Latina, cuja mecanização foi empregada como forma básica para a superação do relativo atraso dos mesmos, obtendo-se o aumento da produtividade do trabalho através da redução na produtividade do capital. Essa quebra estrutural na evolução das produtividades do trabalho e do capital após a década de 80 também pode ser constatada por meio da relação capital-trabalho, sendo demonstrado que, especialmente, na Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Haiti, Honduras, México, Panamá, Uruguai e Venezuela o aumento relativo da intensidade do capital claramente se reverteu em 1980.

Além disso, evidenciou-se baixo dinamismo tecnológico na fase 1980-2000 na maioria das economias da região e uma nova fase de crescimento da produtividade do trabalho na fase 2000-2008, embora a taxas menores que as verificadas no período 1963-2000. Somente Bolívia, Chile, El Salvador, Peru, República Dominicana e Uruguai alcançaram taxas de crescimento da produtividade do trabalho superiores as da primeira fase, o que revela a retomada do dinamismo tecnológico nesses países citados no ano 2000.

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