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INSTITUTO ÁGORA DE EDUCAÇÃO PROFICIÊNCIA FILOSÓFICA Vanderlan Cardoso da Silva RECONCILIAÇÃO DE FÉ E RAZÃO NA CARTA ENCÍCLICA FIDES ET RATIO DE JOÃO PAULO II

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INSTITUTO ÁGORA DE EDUCAÇÃOPROFICIÊNCIA FILOSÓFICA

Vanderlan Cardoso da Silva

RECONCILIAÇÃO DE FÉ E RAZÃO NA CARTA ENCÍCLICA FIDES ET RATIO DE JOÃO PAULO II

PARACATU – MG

2015

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Vanderlan Cardoso da Silva

RECONCILIAÇÃO DE FÉ E RAZÃO NA CARTA ENCÍCLICA FIDES ET RATIO DE JOÃO PAULO II

Monografia de conclusão apresentada

à Instituto Ágora como requisito parcial

para obtenção de licenciatura plena em

Filosofia

Orientador:

PARACATU – MG

2015

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Vanderlan Cardoso da Silva

RECONCLIAÇÃO DE FÉ E RAZÃO NA CARTA ENCÍCLICA FIDES ET RATIO DE JOÃO PAULO II

Monografia de conclusão apresentada

à Instituto Ágora como requisito parcial

para obtenção de licenciatura plena em

Filosofia

Aprovado em _____ de __________ de 2015

BANCA EXAMINADORA

Nome do primeiro componente - Instituição

Nome do segundo componente – Instituição

Nome do terceiro componente – Instituição

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Dedico esta monografia à minha família,

meu pai Sebastião por ter me ensinado

que a fé em Deus é algo de crescimento e

que constitui a virtude para a vida, à

minha mãe Josina que não mede esforços

para ajudar-me na formação rumo ao

sacerdócio, à minha avó Florência que

sempre possui o desejo que eu

permaneça ao seu lado, e meus irmãos:

Divina (in memoriam),Adonel, Juracy,

Cleverson, Jociel, Domingos, Jocília,

Antônio e Antônia e meus sobrinhos pelo

apoio e colaboração para que vocação

seja um bom fruto em meio aos filhos de

Deus.

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AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus pelo dom da minha vida, pela minha vocação por ter me

concedido a graça da inteligência da perseverança e da humildade para conseguir

realizar este trabalho.

Àquelas pessoas que dedicam suas orações a mim e confiam na minha

entrega aos projetos de Deus, como minhas madrinhas Dra. Marly, D. Dulcimar

pelas orações e empenho pelas vocações, D. Raimunda e suas irmãs pelas

orações, e demais colaborações, à D. Elda pela confiança, orações e apoio, às

minhas madrinhas de batismo e de crisma Maria Ribeiro e Cilene por estarem

sempre orando e confiando na minha vocação. Agradeço as comunidades por onde

fiz pastoral nesses quatro anos de seminário, ao povo da catedral Nossa Senhora

das Mercês na cidade de Porto Nacional Tocantins na pessoa do Pe. Leomar Souza,

à paróquia de São João Batista especialmente às comunidades de Santo Antônio e

São Sebastião nas pessoas do Pe. Alexandro Bento pároco atual da paróquia e por

toda a comunidade de Porto Alegre pelo incentivo que sempre tiveram comigo em

todo tempo de seminário.

Ao Excelentíssimo Reverendíssimo Sr. Bispo dom Romualdo Matias

Kujaswiski por me acolher como seminarista, pelo incentivo e pela confiança. Aos

reverendíssimos padres da diocese de Porto Nacional Tocantins, especialmente ao

orientador deste trabalho Pe. Edmilson Costa Benício pelo esforço inteligência e

cooperação, ao pároco de minha paróquia Pe. Luiz Cláudio por sempre está

ajudando-me com incentivo e perseverança.

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“A fé e a razão constituem as duas asas

pelas quais o espírito humano se eleva para

a contemplação da verdade”.

(João Paulo II)

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RESUMO

Neste estudo procurou-se salientar a reconciliação de fé e razão na carta

encíclica Fides et Ratio de João Paulo II. Inicialmente, pretende-se apresentar a

relação existente entre ambas. Faz-se um percurso histórico de Santo Agostinho até

o seu auge, precisamente com Santo Tomás de Aquino. Depois aborda a separação

dada com Guilherme de Ockham e a radicalização dessa separação na Idade

Moderna na extrema posição do racionalismo. João Paulo II retoma o tema,

repropondo a unidade entre fé e razão. O presente estudo foi através da utilização

de pesquisas bibliográficas em livros de autores como: Aquino, Boehner; Gilson,

Chauí, Marcondes, Mondin, Reale; Antiseri, Vaz, Zilles e outros, mas, sobretudo

fundamentado na obra de João Paulo IIlançada no dia 14 de setembro de 1998.

Palavras-chave: relação; homem; fé; razão; distinção.

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RESUMEN

En este estudio se intento resaltarlareconciliación de lafe y de larazónenla

carta encíclica Fides et Ratio de Juan Pablo II. Inicialmente, laintención es presentar

larelación existente entre ambas. Se hizo una recorrido histórico desde San Agustín

hasta su auge, precisamente con Santo Tomas de Aquino. Después se aborda

laseparación dada por Guillermo de Ockham y laradicalización de esta separación

em laedad moderna enlaposicióndel racionalismo. Juan Pablo II retoma el tema,

proponiendolaunidad entre fe y razón. El presente estudiofue realizado atreves de

lautilización de uma investigacíon bibliográfica enloslibros de autores como Aquino,

Boehner; Gilson, Chauí, Marcondes, Mondin, Reale; Antiseri, Vaz, Zilles y otros,

pero sobretodo, fundamentado enla obra de Juan Pablo II lanzadaeneldía 14 de

septiembre de 1998.

Palavra claves: relación; hombre; fe; razón; distinción.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..................................................................................................10

2. CONTEXTO HISTÓRICO DE FÉ E RAZÃO.....................................................12

2.1 O que se entende por fé e razão....................................................................................................122.2 Compreensão da fé........................................................................................................................ 122.3 Compreensão da razão.................................................................................................................. 16

3. RELAÇÃO ENTRE FÉ E RAZÃO: HARMONIA E ROMPIMENTO..................20

3.1 Causas do rompimento entre fé e razão.........................................................................................203.2 Fé e razão são modos diferentes de conhecer...............................................................................243.3 A crise da fé e da razão.................................................................................................................. 27

4. PROPOSTAS DE JOÃO PAULO II PARA A RECONCILIAÇÃO DE FÉ E RAZÃO NA CARTA ENCÍCLICA FIDES ET RATIO.................................................32

4.1 Argumentos em vista da reconciliação de fé e razão.....................................................................324.2 Argumentos filosóficos e antropológicos da reconciliação de fé e razão em João Paulo II............344.3 As Concepções credo ut intellegam e intellego ut credam na carta encíclica Fides etRatio..........39

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................43

REFERÊNCIAS.........................................................................................................45

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INTRODUÇÃO

Desde muitos séculos, pensadores têm-se lançado sobre o tema fé e

razão, tentando justificar sua conciliação e outros ao mesmo tempo procurando

justificativas para o distanciamento das mesmas, sendo que ainda hoje essa

questão ainda implica uma atenta observação, pois dúvidas aparecem sobre a

importância das duas unidas para o desenvolvimento da humanidade.

Sobre o tema fé e razão o papa João Paulo II lança sua carta encíclica

Fides et Ratio, que tem como finalidade exortar os formadores de opiniões

principalmente os (cientistas, filósofos e teólogos), para que não percam a meta que

é investigar os diversos aspectos da verdade, e ainda a procura de respostas capaz

de comunicar algumas reflexões sobre o caminho que conduz à verdadeira

sabedoria.

Tendo como obra base de estudo a carta encíclica Fides et Ratio, vê-se

livre em fazer um percurso histórico tratando de como eram concebidas fé e razão

nos demais âmbitos da história da humanidade, desde Xenofonte até a atualidade

com João Paulo II, onde nesse percurso observará que fé era tida como confiança

na palavra do outro, principalmente por conta das relações de mercado, visão da

Idade Antiga. Depois analisaremos que a fé para alguns pensadores estava

completamente baseada no acreditar se realmente era possível a existência de

Deus chegando ao ponto de criarem provas para comprovar sua existência. Outros

já implicará que a fé é a aceitação de ideias ou princípios que não cabem às

demonstrações teóricas e nem empíricas, e veremos que demais filósofos também

discutirão a questão da fé ao longo deste trabalho.

Da mesma maneira ocorrerá em relação à razão, buscando sua

etimologia analisaremos que ela é concebida como a faculdade do pensamento

discursivo e do juízo e ainda como fundamento real e inteligível das coisas. Veremos

o seu cume principalmente na Idade Moderna que razão é aquela que conduz o ser

humano por diversos caminhos procurando a distinção do verdadeiro e do falso. E

fará como fechamento a concepção de João Paulo II sobre a razão que é aquela

que interroga sobre o porquê das coisas.

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Tendo elencado o contexto histórico de fé e razão fará necessário um

salto onde analisaremos como será a relação fé-razão com Santo Agostinho, João

Escoto Eriúgena, Santo Anselmo, Pedro Abelardo, Santo Alberto Magno, Tomás de

Aquino o qual essa relação teve grande relevância, e Boaventura de Bagnoregio.

Apresentaremos os dois modos de conhecer, um peculiar a fé e o outro

peculiar a razão. E depois de expor a relação existente entre fé e razão passaremos

a analisar a crise entre ambas, precisamente com Guilherme de Ockham que propõe

o seu rompimento, não esquecendo aqui precisamente das consequências que o

homem está sujeito a passar por conta dessa crise como o crescente ateísmo e

diversos fatores como o caso das bombas atômicas, a destruição por conta da

primeira guerra mundial, ou seja, uma razão que se volta contra o próprio homem

como refletia João Paulo II.

Por fim, o nosso trabalho apresentará as devidas propostas de João

Paulo II para a reconciliação de fé e razão na carta encíclica fides etratio,

entendendo que serão apresentados dois argumentos um filosófico e o outro

antropológico que visará a reconciliação de fé e razão, aqui estaremos mais

diretamente focalizando o objetivo de João Paulo II, que é fazer a reconciliação. E

acrescentará neste mesmo enfoque a compreensão das duas concepções Credo

utIntellegam e Intellego ut Credam, visando da mesma forma a reconciliação.

O intuito desse trabalho é de mostrar que para além da questão fé-razão

encontra-se o homem, muitas das vezes inseguro em relação a Deus ao mundo e

até a si mesmo, sua própria existência. Perguntas surgem como: “quem sou eu? De

onde venho e para onde vou? Por que existe o mal? O que é que existirá depois

desta vida?” (JOÃO PAULO II, 1998, p. 6). Percebendo que durante épocas a sede

de aprofundar em seu próprio conhecimento é muito grande, visto que por meio de

fé e razão juntas devem, pois, ajudá-lo a encontrar o sentido necessário de sua

existência e chegar à verdade que é seu objetivo.

Assim o motivo da escolha do tema se deu devido os diversos

questionamentos do homem como já citados a cima e a necessidade de trazer uma

compreensão mais profunda dessa relação fé-razão.

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CONTEXTO HISTÓRICO DE FÉ E RAZÃO

2.1 O que se entende por fé e razão

2.2 Compreensão da fé

A fé muito importante em todo o tempo da história ocupa um lugar na

tradição greco-latina, ou seja, nas duplas colunas de nossa cultura ocidental. No

mundo clássico antigo, a fé era considerada de primeiro valor para a vida das

pessoas, isso porque era necessária a confiança na palavra do outro, visto que em

Atenas e em Roma foram erguidos templos e neles era exaltada a fé com cultos

próprios. A fé naquela época consistia como um fundamento das relações

comerciais, sociais e políticas. E além de confiança nos outros ela era sinal de uma

vida verdadeiramente humana (VILLA, 2000).

Desde muito tempo via-se como a fé era presente na vida do homem

como deixa bem claro Xenofonte discípulo de Sócrates: “O homem que não goza de

fé, como não será um pobre no mais valioso dos bens, que relação agradável pode

existir sem a confiança mútua? E que trato regozijante pode haver entre homem e

mulher sem a fé?” (XENOFONTE apud VILLA, 2000, p. 310). Percebe-se aí que ter

confiança é a palavra chave para poder entender o que significa fé, certo que já ter

confiança é o mesmo que ter fé nesse contexto conforme propõe Xenofonte.

Por outro lado, desde os pré-socráticos, mas mais precisamente desde

Platão a fé vem perdendo ou deslocando seu significado semântico, sendo

associada com categorias como crenças, conhecimento, opinião ou até verdade,

esses são sentidos que encontramos na linguagem comum.

Com o passar do tempo a fé foi ganhando um significado muito próprio

devido ao teocentrismo difundido na história, por isso, filósofos tentaram

compreender melhor aquilo que se chama de fé indo direto ao seu objeto que é

Deus, visando uma compreensão através de especulações como: se é possível à

existência de Deus? Sobre esse assunto vários pensadores se debruçaram tentando

explicar sua existência, entre eles Santo Tomás de Aquino (1225-1274), o chamado

doutor angélico o mais importante e reconhecido da Filosofia Escolástica, Tomás

formula cinco vias por onde possa chegar à conclusão que é possível sim a

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existência de Deus, lembrando que suas vias são todas a partir da observância da

natureza.

A primeira é o sentido do motor imóvel, ou seja, a causa primeira àquele

que move tudo sem ser movido e esse primeiro motor chama-se Deus. A segunda

via trata da causa eficiente, onde não é possível que uma coisa seja causa de si

mesma. Terceira via trata do possível e do necessário, onde o ser não possui em si

mesmo a causa de sua própria necessidade. Quarta via procede dos graus que se

encontra nas coisas, como perfeição, bondade e beleza. A quinta via procede

através do governo das coisas, como os corpos natural sendo assim esse governo

cabe a Deus executar e também todas as coisas tende a um fim (MONDIN, 2005).

Também o moderno René Descartes apoia seu pensamento sobre Deus

através da ideia inata de Deus que está impressa no homem, sendo assim para

encontra-lo e ter a certeza de sua existência ele não parte do mundo, mas de si

mesmo, e depois para determinar sua existência é necessário saber o que ele é,

conhecemos clara e simplesmente que ele é o ser mais perfeito e sua perfeição já

implica sua existência. Na terceira das meditações escreve:

E certamente não se deve achar estranho que Deus, ao me criar, haja posto em mim esta ideia para ser como que marca do operário impressa em sua obra: e não é tampouco necessário que essa marca seja algo diferente da própria obra. Mas pelo simples fato de Deus me ter criado, é bastante crível que ele, de algum modo, me tenha produzido à sua imagem e semelhança e que eu conceba essa semelhança (na qual a ideia de Deus se acha contida) por meio da mesma faculdade pela qual me concebo a mim próprio (...) Esse mesmo Deus, digo eu, do qual existe uma ideia em mim, isto é, que possui todas essas altas perfeições de que nosso espirito pode possuir alguma ideia, sem, no entanto, compreendê-las a todas, que não é sujeito a carência alguma e que nada tem de todas as coisas que assinalam alguma imperfeição (ZILLES, 2002, p. 27).

Dessa maneira, Descartes chega a algumas das conclusões tiradas a

respeito da existência de Deus, visto que a dúvida por excelência faz parte do seu

processo para conceber as verdades sobre algo. Ele prossegue na quarta

meditação:

E quando considero que duvido, isto é, que sou uma coisa incompleta e dependente, a ideia de um ser completo e independente, ou seja, de Deus apresenta-se a meu espírito com igual distinção e clareza; e do simples fato de que essa ideia se encontra em mim, ou que sou ou existo, eu que possuo esta ideia, concluo tão evidentemente a existência de Deus e que a minha depende inteiramente dele em todos os momentos de minha vida,

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que não penso que o espírito humano possa conhecer algo com maior evidência e clareza (idem).

Descartes assim como Tomás apresenta maneiras ou provas para que

possa chegar a concluir de maneira mais segura e mais clara que é possível a

existência de Deus, são três provas na qual a primeira é a priori, ou seja, não

necessita do auxílio da experiência, ela consiste na simples consideração de ser

perfeito, então logo já traz em si a ideia da existência, se esse ser perfeito não

existisse não seria perfeito, por que faltaria um elemento essencial de perfeição que

é a existência. A segunda prova é a posteriori, pois necessita do auxílio da

experiência, trata da ideia de Deus que é ser perfeito e que possui tanta imensidade

que seria posta em nós por um ser que exista e que também fosse perfeito, isso por

que um ser imperfeito seria incapaz de colocar em nós algo perfeito. A terceira prova

também a posteriori, Descartes irá provar a existência de Deus pelo fato de não

conseguirmos conservar a nós próprios, ou seja, garantir a nossa própria existência

se existimos é por que algo maior está garantindo essa existência.

A fé para esses filósofos está praticamente baseada no fato se é possível

ou não a existência de Deus, chegando até ao ponto de a sociedade perguntar até

aonde vai às especulações humanas a respeito de Deus. Sabendo que essas

especulações ainda não foram findadas resta a sociedade continuar questionando

sobre aquilo que se atualiza a cada tempo em relação ao próprio homem, ao tempo

e ao próprio Deus, questões essas que talvez jamais chegará a uma resposta pronta

e acabada.

A definição da palavra fé é complicada devido a sua ambiguidade que não

nos favorece meios para restringirmos o bastante e assim chegarmos ao foco de seu

significado. O filósofo Immanuel Kant relata algo em relação à fé, que ela “é a

aceitação de ideias ou de princípios regulatórios, os quais não podem ser

demonstrados teórica ou empiricamente. No entanto, são necessários e úteis para a

elaboração de teorias científicas, práticas e morais” (ZILLES, 2008, p. 26). Muitos

outros filósofos também concederam seus pareceres em relação à fé, o que eles

têm a nos transmitir a respeito daquilo que é necessária para todos os tempos da

humanidade. Um deles é um pensador do Séc. XX, chamado Karl Jasperes que diz

que “a fé é a expressão máxima da liberdade humana. É certeza de ser e do ser, é

certeza existencial e ato instituidor da existência que numa ação interior descobre a

presença da transcendência. Jasperes, é claro fala da fé filosófica” (ibid., p. 27).

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Em meio a esse novo jeito de pensar de ter fé e conceber Deus, surge o

Filosofo Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900). Um impositor do ateísmo, novo

confronto com a nova cultura da época, com a negação de Deus destacando assim

que o inimigo da vida do homem é aquele que conhecemos por Deus. Nietzsche

destaca em seu pensamento que aquilo que o homem conhece e ao mesmo tempo

tem por criador está morto, nesse ponto percebemos a distorção que o homem já

coloca em seu pensamento, a negação total de Deus, e dizer que ele está morto é

declarar que o homem está de espírito livre, e a morte justamente liberta esse

espírito para que não se tenha mais um conhecimento aprisionado encarcerado

principalmente na moral cristã (VASCONCELOS, 2010).

Para ele, Deus morto representa a ruptura que pretende fazer com a metafísica e sua ideia tradicional a respeito da religião. Assim, para Nietzsche, o conhecimento deve ser expresso por pessoas de espíritos livres, e a morte de Deus representa justamente isso (ibid., p. 169).

A preocupação em relação a fé desde a idade média até os dias atuais é

marcada também pelo relativismo, uma sociedade que vive sempre em procura de

novos caminhos a percorrer as vezes com pensamentos distorcidos, mas sempre

em procura de novas descobertas.

Depois de percorrer o sentido primeiro da palavra fé, depois na idade

média com Tomás, moderna com Descartes e contemporânea com Nietzsche,

cheguemos agora ao ponto de destacar aquilo que João Paulo II entende por fé,

considerada como o sentido e o fundamento no qual nós seres humanos nos

relacionamos com Deus, “a fé, que se fundamenta no testemunho de Deus e conta

com a ajuda sobrenatural da graça, pertence efetivamente a uma ordem de

conhecimento diversa da do conhecimento filosófico” (JOÃO PAULO II, 1998, p.17).

Isso por que a fé constitui aqui como o acreditar efetivamente na graça e no

testemunho vivo de que Deus atua através do tempo e também na história,

revelando que não há condição do homem separar seu próprio ser do ser de Deus,

conforme coloca algumas correntes filosóficas que o homem não tem vínculo algum

com o criador. João Paulo II também identifica a fé como aquela que adentra o

obscuro das coisas onde a razão não pode alcançar, assim como o rosto do pai

(Deus), “e contudo, o conhecimento que possuímos daquele rosto, está marcado

sempre pelo caráter parcial e limitado da nossa compreensão. Somente a fé permite

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entrar dentro do mistério, proporcionando uma sua compreensão coerente” ( ibid.,p.

20). O acreditar verdadeiramente nesse rosto divino é que consiste a fé em João

Paulo II, onde o crer é dizer sim a sua existência e sua intervenção em toda obra

que abarca os nossos sentidos e até além deles.

2.3 Compreensão da razão

A razão termo que exige em si um prolongado discurso sobre seu

significado, traz também diversas indagações sobre vários percursos da história da

humanidade, procurando mostrar qual o lugar que se ocupa um pensamento, ou um

discurso racional na vida do homem, por isso é necessário captarmos aquilo que se

entende por razão.

Na cultura da chamada sociedade ocidental, a palavra razão origina-se de duas fontes: a palavra latina ratioe a palavra grega logos. Essas duas palavras são substantivos derivados de dois verbos que têm um sentido muito parecido em latim e em grego.Logos vem do verbo legein, que quer dizer: contar, reunir, juntar, calcular. Ratio vem do verbo reor, que quer dizer: contar, reunir, medir, juntar, separar, calcular.Que fazemos quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado. [...] por isso logos, ratio ou razão significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para outros. Assim, origem, razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são (CHAUI, 1997, p. 59).

O termo razão é muito vasto ou de múltiplos sentidos para podermos

chegar a sua compreensão, porém podem ser articuladas em dois níveis, visto que

são conectados entre si, razão como faculdade do pensamento discursivo e do juízo,

e razão como fundamento real e inteligível das coisas.

A razão como faculdade leva-nos a origem do vocábulo latino ratioque

significa cálculo e proporção, sendo tomado por Cícero para traduzir o termo grego

logos que quer dizer contar, reunir, e seguindo a direção da trajetória ou evolução do

pensamento humano predominou a ideia de razão como faculdade ou capacidade

de conhecer a realidade, não mais apenas sensível, mas sim de modo discursivo

tornando assim segundo essa definição de razão que o homem possui essa

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peculiaridade que o distingue dos demais seres, pois, é através da razão que o torna

capaz de compreender e julgar como são as coisas (VILLA, 2000).

O outro nível é a razão como fundamento das coisas, aqui a razão é

concebida como aquela que é capaz de assumir aquilo que são realmente as coisas,

ou seja, a realidade em si da coisa e seus fundamentos, nesse sentido entender

algo é conhecer os seus princípios e suas causas reais, e o próprio entender e

fundamento das coisas também são chamadas de razão (ibid).

Elencar esses dois assuntos sobre a razão requer ao mesmo tempo um

esclarecimento sobre o discurso do homem, em dizer que nem todo discurso pode

ser chamado racional, mas só aquele que é dotado de universalidade, objetividade e

compreensão de perguntas como: do quê, como e por que são as coisas, só a partir

daí podemos concebe-se uma definição de um discurso racional.

Sobre a conexão dos dois sentidos de razão citado acima:

Podemos rastrear as suas origens no logos de Heráclito ou nousde Anaxágoras; mas é muito especialmente na identificação de Parmênides entre pensar e ser, que começa a despontar a ideia de que o homem possui uma capacidade especial, distinta dos sentidos e das demais faculdades animais, com a qual é capaz de apreender o real. Daí a necessária vinculação entre razão-conhecimento e razão-fundamento. A filosofia ocidental nunca perderia este ganho de Parmênides: somente através do pensamento se capta o real; somente o real é o verdadeiramente pensável: “Esse é o pensamento principal. O pensar se produz; e o que se produz é um pensamento; pensar é idêntico a ser, pois nada há fora do ser desta grande afirmação” (ibid, p. 635).

Na Idade Média a razão praticamente sede lugar a fé perdendo assim a

sua autonomia. Tomás de Aquino a define como, “cumpre saber que há dois

gêneros de ciências. Umas partem de princípios conhecidos à luz natural do

intelecto, como a aritmética, a geometria e semelhantes. [...]” (TOMÁS apud

MONDIN, 2005, p. 187). São Tomás assim diferencia esses dois princípios de

conhecimentos, como foi dito acima uma por parte do intelecto e a outra é de parte

superior como a teologia. Visto que a do princípio do intelecto está sujeita a

equívocos como é relatado, “as pesquisas da razão humana estariam na maioria dos

casos, eivadas de erros, em razão da fraqueza conatural da nossa inteligência, em

razão também da mistura das imagens” (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 138). Desse

modo, razão em Tomás é caracterizada como aquela que apenas se preocupa em

conhecer as verdades de ordem naturais ou sensíveis.

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Na Idade Moderna com René Descartes, a razão não é vista como aquela

que apenas visa mais um determinado método como o matemático, mas sim aquela

que conduz o ser humano por diversos percursos procurando uma distinção do

verdadeiro e do falso, “aquilo ao qual esse método e no qual se fundamenta é a

“razão humana” ou aquela reta razão (bona mens) que pertence a todos os homens

e que, como diz Descartes no discurso sobre o método, “é a coisa mais bem

distribuída do mundo” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 370).

A razão em Descartes é tida como a faculdade como a faculdade de

julgar e distinguir o verdadeiro daquilo que é falso ou obscuro, essa é a que se

chama de razão que para Descartes é igual em todos os homens, onde aquilo que

unifica o homem é justamente uma razão bem desenvolvida, assim também como o

homem é unificado pela razão as ciências nada mais são do que a soberba humana,

que faz com que essa unificação permaneça mais autentica em se tratando de algo

de comum em todos os homens (REALE; ANTISERI, 1990).

Chega-se ao ponto de destacarmos o que um filósofo do tempo

contemporâneo diz em relação à razão, e esse é Edmund Husserl, criador da

fenomenologia1, nela a razão é considerada como uma estrutura da consciência,

tanto que aquilo que nós chamamos de mundo ou até mesmo realidade não deve

ser visto nesse contexto como junções de seres, de pessoas, animais e vegetais,

mas sim o mundo é uma junção de significações ou de sentidos que são criados

pela consciência ou pela razão, o papel que é dado a razão nesse contexto

fenomenológico é o de fazer um mundo com sentido objetivo porque a mesma razão

lhe dá significação e também sentido ( CHAUI, 1997).

As significações não são pessoais, psicológicas, sociais, mas universais e necessárias. Elas são as essências, isto é, o sentido impessoal, intemporal, universal e necessário de toda a realidade, que só existe para a consciência e pela consciência. [...] assim, por exemplo, a razão não estuda os conteúdos psicológicos de minha vida pessoal, mas pergunta o que é a vida psíquica? O que são e como são a memoria, a imaginação, a sensação, a percepção?A pergunta “o que é?” não se refere a uma descrição dos processos mentais e físicos que nos fazem lembrar, imaginar, sentir ou perceber. Essa pergunta se refere à descrição do sentido da memória, da sensação, da percepção isto é se refere à essência delas, independentemente de nossas experiências psicológicas pessoais (CHAUI, 1997, p. 82).

1 Fenômeno: o que aparece ou se manifesta para a consciência. Fenomenologia: conhecimento do que aparece ou se manifesta à consciência, em conformidade com a estrutura da própria consciência (CHAUI, 1997, p. 82).

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No nosso tempo atual destaca-se João Paulo II, que na sua carta

encíclica deixa claro que, variados são os modos de o homem chegar ao

conhecimento da verdade fazendo com que seja mais humana a sua própria

existência, visto que um desses modos ele coloca que é justamente a filosofia

devido ao fato de ela expor questionamentos e indagações a respeito do sentido da

vida e por excelência tentar dar respostas a tais questionamentos surgidos, aqui

aparece o serviço da razão que para o nosso filosofo é aquela que interroga sobre o

porquê das coisas conforme ele mesmo diz: “Interrogar-se sobre o porquê das

coisas é uma propriedade natural da sua razão, embora as respostas, que esta aos

poucos vai dando, se integrem num horizonte que evidencia a complementaridade

das diferentes culturas em que o homem vive” (JOÃO PAULO II, 1998, p. 7).

Não muito diferente do que aquilo que Tomás de Aquino destaca que a

razão se ocupa das coisas naturais enquanto a fé se ocupa das coisas superiores,

João Paulo II segue essa mesma linha e reafirma esse ponto de vista defendido

antes por Tomás:

Existem duas ordens de conhecimento, diversas não apenas pelo seu princípio, mas também pelo objeto. Pelo seu princípio, porque, se num conhecemos pela razão natural, no outro o fazemos por meio da fé divina; compreender, nos é proposto ver os mistérios escondidos em Deus, que só podem ser conhecidos se nos forem revelados do alto. A fé, que se pelo objeto, porque, além das verdades que a razão natural pode fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da graça, pertence afetivamente uma ordem de conhecimento diversa da do conhecimento filosófico. De fato, este assenta sobre a percepção dos sentidos, sobre a experiência, e move-se apenas com a luz do intelecto (idem).

Em sentido mais claro e concreto a razão é a capacidade reflexiva própria

do intelecto humano permitindo assim uma forma de pensamento com conteúdo

rigoroso, lógico, ordenado e coeso, ou seja, um conhecimento sistemático conforme

foi escrito acima de acordo com a própria origem da palavra razão.

Seguiremos ao próximo capítulo refletindo os vários percursos por onde

aconteceram os encontros e desencontros da relação da razão com a fé, e os

demais fatores contribuintes para tais causas.

Page 21:  · Web viewInicialmente, pretende-se apresentar a relação existente entre ambas. Faz-se um percurso histórico de Santo Agostinho até o seu auge, precisamente com Santo Tomás

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RELAÇÃO ENTRE FÉ E RAZÃO: HARMONIA E ROMPIMENTO

3.1 Causas do rompimento entre fé e razão

Neste capítulo propomos uma sintética exposição da relação fé-razão e a

sua dissolução. Também faremos um percurso histórico-sistemático da filosofia

cristã nascida com Santo Agostinho (354-430), preparada pelos gregos e que tem

seu auge com Santo Tomás e declínio com Guilherme de Ockham (1284-1349), nos

ocuparemos de alguns filósofos modernos e contemporâneos que contribuíram para

o rompimento da fé e da razão. Não pretendemos aqui expor de forma cabal as

teses e argumentos que justificaram a harmonia e separação entre fé e razão, mas

apenas citar a título de informação o status quaestionis.

Em Santo Agostinho, que através de sua conversão abriu-se novos

horizontes para seu pensamento, a fé tornou-se de certa forma substância de vida e

pensamento, sendo a grande condutora de sua vida e de seu pensar (REALE;

ANTISERI, 1990). Depois da sua conversão, aquilo que dominou em Agostinho foi o

pensamento racional, por excelência a dialética que era a disciplina das disciplinas.

Porém Agostinho percebe que a admiração pela filosofia como dialética posta em

patamar muito exagerado, sendo que agora por conta da conversão o reduz a uma

mera dialética dando máxima importância ao pensamento bíblico-teológico como a

única coisa essencial (ibid).

Para não corrermos o risco de imaginarmos que ele descarta o conteúdo

da razão, é necessário frisar que:

A fé não substitui nem elimina a inteligência; pelo contrário, [...] a fé estimula e promove a inteligência. A fé é “cogitare cum assensione”, modo de pensar assentindo; por isso, sem pensamento não haveria a fé. E analogamente, por seu turno, a inteligência não elimina a fé, mas a fortalece e, é de certo modo, a clarifica. Em suma: fé e razão são complementares. O “credo quiaabsurdum” é posição espiritual inteiramente estranho a Agostinho (ibid., p. 435).

Agostinho adere à forma de que é preciso crer para compreender, e que o

objeto da fé está colocado acima da razão, sendo a fé algo essencial, pois é através

dela que o ser humano compreende os fatos e situações que não poderiam ser

compreendidos só pela luz natural da razão (VASCONCELOS, 2010).

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E a forma dele obter o conhecimento através da razão é justamente

fazendo uso da iluminação divina fato esse que estreita mais a relação de fé com a

razão.

O conhecimento das verdades eternas obtém-se por meio da iluminação divina e não por meio da reminiscência. Agostinho, como Platão, está convencido de que as verdades eternas não podem vir da experiência, seja por causa da contingência do objeto conhecido, seja por causa da contingência do sujeito que conhece. Mas, como ele não admite a preexistência das almas no Hiperurânio, não lhe é possível explicar o conhecimento das verdades eternas pela doutrina da reminiscência como fizera Platão; recorre por isso, à doutrina da iluminação. A iluminação é quaedam lux sui generis incorpórea (uma luz especial, incorpórea), que nos torna visíveis e compreensíveis as “as verdades eternas”: uma luz mediante a qual Deus irradia na mente humana as verdades absolutas, imutáveis (MONDIN, 2005, p. 150).

João Escoto Eriúgena nascido por volta de 810, defensor da autonomia

da razão faz um apelo relatando que autoridade alguma deve substituir conteúdos

propostos pela reta razão, e de maneira nenhuma a autoridade deve afastar-nos

daquilo que a reta razão ensinou. Ele esclarece que a verdadeira autoridade não

opõe a reta razão, e nem a razão à autoridade, isso porque ambas derivam de uma

única fonte que é a sabedoria divina. João Escoto Eriúgena evidencia o papel

assumido pela razão colocando em destaque uma investigação lógica-filosófica em

contexto claramente teológico e ainda ele faz um apreço à dialética como aquela

que é entendida como a estrutura da realidade e antes de tudo como uma arte divina

(REALE; ANTISERI, 1990).

Escoto Eriúgena de modo mais objetivo expressa seu pensamento

através dessas palavras onde:

“A verdadeira filosofia outra coisa não é do que religião e, inversamente, a verdadeira religião outra coisa não é do que verdadeira filosofia.” E, nesse contexto religioso, ele chega a dizer que ninguém pode entrar no céu a não ser passando pela filosofia: “Nemo intrat in caelumnisi per philosophiam” (JOÃO ESCOTO ERIÚGINA apud REALE; ANTISERI, 1990, p. 493).

Assim, em Escoto não há nenhuma possibilidade de separação entre fé-

razão ambas se confundem.

Santo Anselmo (1033-1109), percebe-se como que a fé vai à procura da

inteligência, fazendo assim, uma contínua meditação racional sobre as razões da

fides, algo que caracteriza a forma como Anselmo concebe a interação existente

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entre fé e razão é justamente desarticulando com a razão os pressupostos da fé e

iluminando-as através de argumentações dialéticas, visto que daí surge a perfeita

concordância entre fé e razão, concordância essa que exige pressupostos

indubitáveis.

Sobre esses pressupostos indubitáveis Reale e Antiseri questionam

perguntando:

Mas, precisamente, qual é esse pressuposto fundamental? O primeiro, que condiciona todos os outros, é representado pela unidade e perfeita correspondência entre linguagem, pensamento e realidade ou mútua remitência entre lógica e mundo ou entre res e voces. A realidade corresponde aos conceitos e a remitência dos conceitos à realidade é fruto de um movimento objetivo (ibid., p. 501).

Santo Anselmo, portanto, trata da luminosidade que deve ser feita por

meio da razão ao colocar-se diante dos conteúdos da fé e o fazer uso do raciocínio

para esclarecer aquilo que era imposto com a autoridade da Escritura fazendo com

que a fé seja iluminada através das argumentações dialéticas.

Também Pedro Abelardo (1033-1109), figura extraordinária do século XII,

apoiou uma parte de seu pensar nas questões referentes ao modo de portar a razão

diante da fé. A exaltação da dialética fazia-se forte devido a uma fidelidade em

relação às normas da lógica porque é nela que se concretiza a própria ratio.

Abelardo pretende cultivar a ratio esta que era entendida como um instrumento,

sede da consciência critica de teses ou de afirmações. A razão dialética é

justamente a razão crítica, aquela que se interroga a respeito das coisas. Visto que a

sua aplicação a algumas áreas como as autoridades dos padres e da Escritura era

vista por parte dos contemporâneos como uma forma de dessacralização das

verdades cristãs (ibid).

Através da razão critica Abelardo desejava colocar mais compreensível o

mistério cristão tornando-o mais acessível à razão humana e não contradizer a

Sagrada Escritura.

Pois bem, mesmo tendo consciência dos limites da razão Abelardo considera necessária a investigação crítico-racional para subtrair os enunciados cristãos a qualquer acusação de absurdo e, o que é mais importante, torná-las de alguma forma acessíveis a inteligência humana (ibid., p. 516).

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A razão é importante para que a fé não se reduza a uma mera concepção

vazia desprovida de sentido e ao mesmo tempo algo mecânico, e que não se torne

uma aceitação acrítica e passiva das fórmulas sacrais. Sendo assim, a razão tem

em relação à fé uma tarefa de ligação que coloca o pensamento humano em união

com o logos revelado.

Diferentemente em relação aos demais filósofos citados até aqui neste

trabalho, Alberto Magno (1205-1280), posiciona-se de forma a compreender que:

“As coisas teológicas não se conjugam com as coisas filosóficas em seus princípios

devido ao fato de que a teologia se baseia na revelação e na inspiração, não na

razão” (ibid., p. 549). Santo Alberto Magno reforça que o filósofo diz tudo aquilo que

pode ser dito com base no raciocínio, porém quando se trata das questões de fé

como a Trindade, encarnação e a ressureição não pode basear-se apenas na

perspectiva natural da razão.

Santo Alberto Magno apresenta algumas diferenças entre o conhecimento

filosófico de Deus e o conhecimento teológico, algo que esclarece a maneira que se

distingue a fé e a razão.

1) a primeira é que, no conhecimento filosófico, se utiliza somente a razão, ao passo que, com a fé, se vai além da razão; 2) a filosofia parte de premissas que devem ser conhecidas por si mesmas, ou seja, imediatamente evidentes, ao passo que na fé há um lumeninfusum que reflui sobre a razão, abrindo-lhe perspectivas que, de outro modo, seriam impensáveis; 3) a filosofia parte da experiência das coisas criadas, enquanto a fé parte do Deus revelante; 4) a razão não nos diz o que é Deus (quid sit), mas a fé o diz, dentro de certos limites; 5) a filosofia é procedimento puramente teorético, ao passo que a fé comporta processo intelectivo-afetivo, porque envolve a existência do homem no amor de Deus (ibid., p. 547).

Tomás de Aquino também contribui para que seja notada a aproximação

da fé com a razão e não a separação. Ambas têm sua clara distinção sendo que a

razão contém toda a verdade e a fé é vista como inquestionável, não havendo assim

oposição entre as duas. Deus como a verdade única não dá motivo para conflito e

se caso surgir é devido ao fato de que a verdade dita racional está errada, também

devido ao fato de que a teologia vem primeiro que a filosofia, e, além disso, a fé é

inquestionável superando assim a ciência na qual se baseia a filosofia

(VASCONCELOS, 2010).

Algo caracterizador da relação de fé e razão em Tomás de Aquino está na

pergunta se existe uma razão autônoma, livre em relação à fé, ou seja, uma filosofia

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distinta da teologia: “A resposta a essa interrogação sempre presente é que em

Tomás há uma razão e uma filosofia como preambula fidei. A filosofia tem sua

configuração e sua autonomia, mas não exaure tudo o que se pode dizer ou

conhecer” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 554). Ter a filosofia como preambula fidei é

concebê-la como aquela que serve a fé, aquela que está a serviço em colaboração

mútua para que juntas cheguem ao objetivo comum.

A graça não suplanta, mas aperfeiçoa a natureza. E isso significa duas coisas. Primeiro, que a teologia retifica a filosofia, não a substitui, assim como a fé orienta a razão, não a elimina, sendo portanto necessária uma correta filosofia para ser possível uma boa teologia. Segundo, a filosofia, como preambulumfidei, tem sua autonomia própria, porque é formulada com instrumentos e métodos não assimiláveis aos instrumentos e métodos da teologia (idem).

Outro filósofo de relevância nesse assunto foi Boaventura de Bagnoregio

(1221-1274), contemporâneo a Santo Tomás de Aquino. Boaventura apresenta uma

razão que deve ser subordinada a fé, a filosofia à teologia. Só que mesmo sem a fé,

a razão poderia conhecer as verdades mais importantes, ou seja, aquelas de ordem

natural, porém, histórica e realmente a razão jamais foi possível de chegar sozinha a

descobrir alguma verdade sobre Deus e sobre a alma. Segundo Boaventura, ela só

pode conseguir se estiver unida e guiada pela fé. Boaventura na sua obra De

reductioneartium ad tehologiam, mostra que todas as ciências, artes e, sobretudo, a

filosofia têm necessidade da teologia como seu complemento. Visto que somente na

teologia elas atingem a perfeição (MONDIN, 2005).

3.2 Fé e razão são modos diferentes de conhecer

João Paulo II, no primeiro capítulo da carta encíclica Fides etRatio,

sublinha de maneira clara e nos leva a perceber a existência de dois modos de

conhecimentos um peculiar a fé e outro peculiar a razão, sendo que o contexto

favorecedor para esse discernimento foi justamente a necessidade que surgiu no

primeiro concílio do Vaticano quando os padres tinham colocado em importância o

caráter sobrenatural da revelação de Deus, acontece que a crítica que se faziam por

parte dos racionalistas eram muito pesada mesmo estando baseada em

fundamentos errados e muito difusas, insistindo na negação de qualquer forma de

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conhecimento que não vinha através da razão. Esse fato obrigou o concílio a

reafirmar que além do conhecimento provindo da razão humana por sua natureza

também propícia a chegar ao criador, tem também um conhecimento que é próprio

da fé que se funda no fato de Deus que se revela (JOÃO PAULO II, 1998).

É importante destacarmos a concepção que Santo Agostinho possui a

respeito dessas duas formas diferentes de conhecer, visto que ele também o

concebia como o conhecimento que se dá através do sensível e aquele através do

plano divino ou da iluminação.

Santo Agostinho elaborou a Teoria da Iluminação Divina, por meio da qual afirmava que todo conhecimento verdadeiro é o resultado de uma iluminação proveniente de Deus. Para ele, existem dois tipos de conhecimento: o sensível e o divino. O conhecimento sensível se dá pelos sentidos ou raciocínio indutivo, e é acessível a qualquer ser humano. Exemplos: percepção de cores, tato, olfato, sons, paladar etc. por outro lado, as verdades eternas pertencem a um plano imaterial e só podem ser obtidas através da iluminação de Deus à razão e ao intelecto do ser humano; de acordo com essa teoria, Deus é o detentor das verdades absolutas (VASCONCELOS, 2010, p. 103).

Tomás de Aquino, portanto afirma as duas maneiras ou possiblidades de

obter o conhecimento, seja pela fé ou pela razão, tanto que nos mostra dois modos

de diferença da filosofia com a teologia a primeira a filosofia e a teologia diferem por

sua finalidade:

A teologia nos dá acesso às verdades necessárias à salvação; por isso Deus não nos revelou todas as verdades possíveis sobre as coisas. Por conseguinte, ao lado da ciência da revelação ou teologia, há lugar para uma ciência natural. Donde a possibilidade de uma filosofia, que investiga as coisas como objetos independentes de pesquisa. O teólogo, ao contrário considera as coisas de um ângulo inteiramente diverso. Por exemplo, o fogo não o interessa enquanto fenômeno físico, mas como manifestação da grandeza de Deus (TOMÁS apud BOEHNER; GILSON, 2003, p. 450).

Ainda apresenta a segunda maneira de como a filosofia diferencia da

teologia sendo que essa diferença se dá por seus respectivos modo. Que com

certeza influencia na diferença de conhecer:

Embora haja problemas que interessam igualmente ao filósofo e ao teólogo, cada qual os trata de maneira distinta. O filósofo tira seus argumentos das essências das coisas, ou seja, de suas causas próprias. O teólogo, ao contrario, parte sempre da primeira causa ou de Deus, servindo-se, principalmente, de três classes de argumentos: ora afirma uma verdade, baseando-se na autoridade da revelação divina; ora apela à gloria infinita de

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Deus, cuja perfeição se trata de salvaguardar; ora reporta-se ao poder infinito de Deus, que transcende os limites da ordem natural (idem).

São diferenças existentes nos dois campos o da filosofia e o da teologia,

que influencia o homem a chegar obter o conhecimento mediante as duas formas

pela fé, teologia ou pela razão por meio da teologia. Urbano Zilles apresenta como

Hegel concebe essa forma de conhecimento por meio dessas duas áreas que busca

um objetivo comum que é a verdade. O campo da fé sendo anterior ao campo da

razão ou da filosofia a reflexão filosófica se baseará sobre sua maneira de que é a

busca pelas essências das coisas, enquanto que a fé segundo Hegel se distingue da

razão enquanto exprime a verdade não em forma de conceito, mas sob

representação e sentimento onde o homem é capaz de chegar a um relacionamento

com o ser absoluto (ZILLES, 2002).

Refletindo sobre o primeiro capítulo da carta encíclica percebe-se a

distinção clara dos dois campos de conhecimento, mas ao mesmo tempo João

Paulo II deixa claro que esses dois campos não se confundem, nem uma torna a

outra supérflua:

Existem duas ordens de conhecimentos, diversas não apenas pelo seu princípio, mas também pelo objeto. Pelo seu princípio, porque, se num conhecemos pela razão natural, no outro o fazemos por meio da fé divina; pelo objeto, porque, além das verdades que a razão natural pode compreender, nos é proposto ver os mistérios escondidos em Deus, que só podem ser conhecidos se nos forem revelados do alto. A fé, que se fundamenta no testemunho de Deus e conta coma ajuda sobrenatural da graça, pertence efetivamente a uma ordem de conhecimento diversa da do conhecimento filosófico. De fato, este assenta sobre a percepção dos sentidos, sobre a experiência, e move-se apenas com a luz do intelecto. A filosofia e as ciências situam-se na ordem da razão natural, enquanto a fé, iluminada e guiada pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a “plenitude de graça e de verdade” (JOÃO PAULO II, 1998, p. 16).

Conforme é colocado por João Paulo II e também por outros autores que

foram citados neste trabalho fé e razão realmente são modos diferentes de

conhecer. Tomás de Aquino explica que: “Cumpre saber que há dois gêneros de

ciências. Umas partem de princípios conhecidos à luz natural do intelecto, como a

aritmética, a geometria e semelhantes. Outras provêm de princípios conhecidos por

ciência superior, como a teologia” (TOMÁS apud MONDIN, 2005, p. 187). Desse

modo, conclui-se que a fé conduz o homem em direção da verdade através de Deus

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que se revela, enquanto a razão conduz o homem através do intelecto, daquilo que

é sensível ou é captado pelos sentidos.

3.3 A crise da fé e da razão

Analisaremos aqui alguns indícios que foram de suma importância para o

rompimento da fé com a razão, sendo que antes analisamos de forma rápida os

pensamentos de variados filósofos sobre a harmonia da fé com a razão, agora

passamos ao ponto de destacar aquilo que se chama de rompimento ou crise de

ambas as áreas do saber.

João Paulo II (1998), relata que ao surgir às primeiras universidades a

teologia então começa a relacionar e dialogar com outras formas de pesquisa

científica, visando um conhecimento mais seguro e mais claro em direção da busca

da verdade. Santo Alberto Magno e Santo Tomás que admite uma união da filosofia

com a teologia percebem e reconhecem a merecida autonomia que a filosofia e as

outras ciências deveriam ter para especular sobre diversas áreas de investigações,

sendo que na baixa Idade Média essa autonomia ou distinção abarca uma profunda

separação da fé com a razão ou filosofia e teologia.

Sobressai um importante filósofo que trata do rompimento ou separação

da fé com a razão, Guilherme de Ockham mais do que ninguém possuía certeza da

fragilidade da harmonia entre razão e fé.

As tentativas de Tomás, Boaventura e Escoto no sentido de mediar a relação razão e fé com elementos aristotélicos ou agostinianos, através da elaboração de complexas construções metafísicas e gnosiológicas, pareciam-lhe inúteis e danosas. O plano do saber racional, baseado na clareza e evidência lógica, e o plano da doutrina teológica, orientado pela moral e baseado na luminosa certeza da fé, são planos assimétricos. E não se trata apenas de distinção, mas sim de separação (REALE; ANTISERI, 1990, p. 615).

Guilherme de Ockham ainda sustenta que os artigos de fé não são

princípios de demonstração de conclusões e nem mesmo prováveis, isso porque

parecem falsos para a maioria dos filósofos ou daqueles que usam de maneira

rigorosa o serviço da razão natural, sendo que “As verdades de fé não são evidentes

por si mesmas”, (idem). Temos em vista uma realidade que é exatamente uma

proposta de quebra ou de rompimento da afinidade ou ligação da razão com a fé

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que aos poucos será dissolvida por conta da exaltação do racionalismo. “A filosofia

não é serva da teologia, que não é mais considerada ciência, mas sim um complexo

de proposições mantidas em vinculação não pela coerência racional, mas sim pela

força de coesão da fé” (idem).

Percebe-se que os motivos ou fatos contributivos em prol da separação

de fé e razão já começaram a aparecer, o primeiro fato elencado foi à razão colocar-

se inteira a serviço da fé perdendo assim sua autonomia. O segundo caso ocorrido

conforme João Paulo II (1998), foi o fato de a teologia ter gerado uma abertura ou

diálogo com outras ciências para seu próprio esclarecimento e busca da verdade. O

terceiro motivo contribuinte relatado é o fato de grandes pensadores como Tomás de

Aquino e Santo Alberto Magno que lutaram pela conciliação de fé e razão ter

admitido ou reconhecido a autonomia que a filosofia e as demais ciências deveriam

ter para especularem diversos campos do saber.

Por outro lado, também entra em destaque uma forma de competição, de

um lado:

Teólogos como Taciano (séc.II), Tertuliano (155-222) e Lactâncio (240-320), advertem que a filosofia grega é pagã, e portanto, alheia a mensagem cristã e que seus métodos e discussões podem ser perniciosos. Chegaram inclusive a sustentar, como é o caso de Taciano, que os gregos tomaram suas ideias da tradição judaica, do que não há evidência histórica (MARCONDES, 2001, p. 108).

Ainda imergido nesse espírito de competição citado acima, percebe-se

que durante a história inúmeros fatores corresponderam para a cisão de fé e razão,

mais um fator acrescentado é a causa da dissolução ou também crise da

escolástica, onde antes havia um modelo característico de unificação entre as

verdades da razão campo da filosofia, e as verdades da fé, campo da teologia.

Começam então a enfrentar dificuldades, e nesse mesmo contexto está situado

Guilherme de Ockham o grande defensor da separação entre filosofia e teologia,

destacando que as verdades necessárias para a salvação pertencem apenas ao

campo da teologia (ibid).

Acrescenta-se ainda mais a causa do rompimento da harmonia entre a fé

e a razão pelo motivo de que o homem não consegue ou não pode conceder provas

em relação ao conhecimento de Deus e nem da imortalidade da alma.

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Com isso começa a romper aquela harmonia entre fé e razão, que fora a pilastra principal de toda a filosofia cristã, de Clemente a Tomás de Aquino. Para Ockham, entre fé e razão não existe mais colaboração, nem mútua correspondência, nem auxílio mútuo. A razão não conduz mais à fé. A fé não aperfeiçoa mais a razão. Entre os dois domínios não há mais comunicação, mas separação e ruptura. À fé racional sucede agora a fé cega (MONDIN, 2005, p. 219).

Com a sobressaída da excessiva racionalidade por parte de alguns

pensadores que influenciaram diretamente toda a história temos em vista uma causa

geradora de desconfiança ou negação da fé, sendo que essa desconfiança ou

negação influenciaria aquilo que conhecemos por ateísmo, onde o homem estaria no

obscurecimento ou na penumbra total da fé.

Em resumo, tudo o que o pensamento patrístico e medieval tinha concebido e atuado como uma unidade profunda, geradora de um conhecimento capaz de chegar às formas mais altas da especulação, foi realmente destruído pelos sistemas que abraçaram a causa de um conhecimento racional, separado e alternativo da fé (JOÃO PAULO II, 1998, p. 64).

Essa é uma característica bem própria e visível do pensamento moderno

que para se desenvolver ou sobressair com grande efervescência na história

descartou aquilo que tinha de ligação ao campo da fé, isso para que houvesse uma

razão autônoma desligada dos conteúdos da fé. Chegando até ao ponto de João

Paulo II (1998), afirmar que representantes do idealismo queriam transformar os

conteúdos da fé em estruturas dialéticas racionalmente compreensíveis.

Em meio a esses fatores, resta depois uma profunda sequela ou

consequência que será a crise tanto da fé como também será da própria razão. Na

carta encíclica é bem claro que devido à razão ter debruçada inteiramente sobre as

questões do estudo do homem como objeto, esqueceu-se ao mesmo tempo que o

homem é um ser ligado aquilo que o transcende. E visto que sem referencia a esse

transcendente tudo fica a mercê dos critérios pragmáticos sendo tudo dominado pela

técnica, dessa maneira que a razão curvou sobre si mesma estando incapaz de

atingir a verdade do ser e ao mesmo tempo não dando importância a capacidade

que o homem tem de conhecer a verdade (JOÃO PAULO II, 1998).

Esses fatores também foram junto com as causas do rompimento de

suma importância para o surgimento da crise tanto que:

Daí provieram várias formas de agnosticismo e relativismo, que levaram a investigação filosófica a perder-se nas areias movediças dum ceticismo

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geral. E, mais recentemente, ganharam relevo diversas doutrinas que tendem desvalorizar até mesmo aquelas verdades que o homem estava certo de ter alcançado. A legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes: trata-se de um dos sintomas mais difusos, no contexto atual, de desconfiança na verdade (ibid., p. 11).

Com a característica muito forte da época moderna o iluminismo

repercute muito forte sobre o campo da fé, deixando transparecer que a visão que a

fé tinha do homem e do mundo era uma visão ultrapassada que não correspondia

mais os anseios do homem moderno. Com isso a fé torna-se objeto de suspeita

sendo identificada como ideologia de ordem ultrapassada (ZILLES, 2002).

A fé, privada da razão, pôs em maior evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal. É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrario, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser (JOÃO PAULO II, 1998, p. 68).

Também Ratzinger sucessor de João Paulo II, assegura que a separação

de fé e razão está intimamente ligada também com a modernidade devido ao

racionalismo exagerado, e que essa separação traz em si um estrago primeiramente

a própria fé gerando assim uma crise ainda mais profunda na confiança do homem e

por cima de tudo, na sua capacidade de conhecer com certeza alguma coisa.

Segundo Ratzinger a fé destituída da razão tem sido vista ou concebida em

simplessensação e experiência o que torna a fé pouco a pouco destituída de seus

valores que antes eram considerados universais passando agora a ser concebida

como mito e superstição (GREGG, 2007). Percebe-se a tamanha desvalorização da

fé ocorrida principalmente durante o tempo moderno com a sobressaída do

iluminismo, tornando dessa maneira uma fé incapaz de dar respostas e de chegar a

algum conhecimento a respeito de alguma coisa.

Quando se fala em crise de fé reportamos também a alguns autores que

de certa maneira influenciou o contexto histórico da época moderna como Ludwig

Feuerbach (1804-1872), que desmascara a fé em Deus concebendo-o como uma

projeção humana. Sendo que o homem estando alienado é preciso esperar por uma

superação da fé ou religião com base nos domínios tecnológicos (ZILLES, 2002). É

perceptível a substituição que era posta por Feuerbach de trocar a fé por aquilo que

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é de matriz tecnológica, a fé é ilusão, mito e superstição segundo alguns pensadores

modernos, o conjunto de todos esses fatores elencados e algumas coisas que vem

contra os princípios da fé é reflexo daquilo que estamos discutindo, ou seja, a crise

de fé no apogeu no tempo moderno.

Situando a importância da razão na época moderna começando com o

grande processo de racionalização proposto por René Descartes, que foi mais tarde

se desenvolvendo com o iluminismo e só consolidado no século de Augusto Comte

(1798-1857) e de Karl Marx (1818-1883), visto que durante séculos a racionalidade

era monopólio de filósofos e teólogos que procuravam responder as grandes

questões a respeito da origem e destino último das coisas e dos seres, até ao ponto

de grandes cientistas como Galileu Galilei (1564-1642), Descartes, Isaac Newton

(1643-1727), descobrirem as conexões entre a racionalidade de tipo matemático e

os diversos comportamentos da natureza. Além disso, o tempo moderno

caracterizou-se pelas grandes tomadas de decisões sobre a vida social, valorização

do método democrático, a liberdade como sinal de autonomia do sujeito fazendo

com que o indivíduo saia da menoridade conforme propunha Immanuel Kant, um

dos que mais influenciou o pensamento da modernidade (PETRINI, 2007).

Ao contrário, de todos esses fatos ocorridos julgados positivos para a

sociedade adentramos na concepção de crise da razão, que foi ao contrário daquilo

que expusemos acima, agora sob a ótica de um caráter negativo. Iremos perceber

que ao mesmo tempo quando se fala de crise da razão estamos também falando de

crise da modernidade, isso pelos graves problemas sociais ocorridos durante o

período como a primeira guerra mundial, a destruição ocorrida por conta das

bombas atômicas, os regimes ditatoriais do terceiro mundo, outro fator em destaque

é a constante violação dos direitos humanos, a fome de mais de um terço da

população mundial e outros fatos que contribuiu diretamente para a chamada crise

da razão, importante perceber que esses elementos propícios para a crise da razão

surgiu não em ambientes atrasados, mas sim em setores modernos e de tecnologias

avançadas, locais que teriam plenas condições de fabricar armas (ibid).

Realizou-se um grande desenvolvimento, nos domínios das ciências e da técnica, mas o esforço para dominar a natureza e a história acabou conduzindo a razão a servir os poderes econômico, militar, politico e ideológico. Tendo abandonado as exigências elementares como ponto de referência para a sua atividade, restou à razão colocar-se a serviço do poder e do mercado (ibid., p. 292).

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A própria inteligência do homem voltou contra ele no momento em que

usa sua razão em prol da destruição e do massacre, “a razão, privada do contributo

da revelação, percorreu sendas marginais com o risco de perder de vista a sua meta

final” (JOÃO PAULO II, 1998, p. 68). Justamente isso foi o que ocorreu com a razão

ela estando em crise trilhou caminhos que não era de sua linha desviando assim até

da sua meta que é levar o homem ao conhecimento da verdade.

Se de meados do século XIX até meados do século XX, o homem ocidental apostou na razão como caminho para a solução de todos os problemas humanos, a partir de meados do século XX percebe-se o surgimento de uma desconfiança contra a mesma. Toma-se consciência de que é limitada. Esta mudança percebe-se na busca das religiões e seitas. Desta maneira as ciências da racionalidade científica não cumpriram a promessa de tornar a vida mais bela e melhor em busca do bem-estar e da felicidade (ZILLES, 2005, p. 35).

Depois de percorrer pela história etapas de encontros e desencontros da

fé com a razão através de diversas formas de pensamentos, percebemos o quanto é

importante quando uma caminha ao lado da outra, tornando assim completo e mais

claro o ser absoluto e o nosso próprio ato de existir. Tratar de fé e razão nos faz

refletir todo o itinerário percorrido pelo homem em procura do sentido da sua

existência, por isso pretendemos analisar no terceiro capítulo a visão de João Paulo

II acerca desse tema e sua colaboração para a história da humanidade, visando

assim os argumentos filosóficos e antropológicos da relação da fé com a razão.

PROPOSTAS DE JOÃO PAULO II PARA A RECONCILIAÇÃO DE FÉ E RAZÃO NA CARTA ENCÍCLICA FIDES ET RATIO

4.1 Argumentos em vista da reconciliação de fé e razão

Pretendemos neste último capítulo, elencar de forma clara pontos em que

depois de uma leitura analítica da obra Fides etRatio ficaram a entender que fossem

propostas oferecidas por João Paulo II para que pudéssemos compreender as pistas

de como seria possível a união ou conciliação de fé e razão. Essas propostas visam

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determinados questionamentos acerca do nosso tema, como os argumentos

filosóficos e os antropológicos para a reconciliação de fé e razão e as devidas

compreensões das concepções de credo ut intelegam e intelego ut credam, em boa

parte da filosofia cristã de Santo Anselmo até ao nosso tempo atual em que João

Paulo II está inserido.

Na tentativa de descobrir mais profundo e claramente aquilo que rodeia e

acompanha todo o tempo da história e por excelência a compreensão do homem em

relação a Deus e a si mesmo, João Paulo II faz referência a determinadas formas de

descobrir quem é o homem chegando a conclusões de que ele é um ser que está à

procura da verdade, e por outro lado, perceberemos ao longo deste capítulo que

também aquilo que caracteriza o homem e sempre o acompanhou em seu percurso

histórico foi a crença (JOÃO PAULO II, 1998).

Percebemos que o homem é identificado com essas duas qualidades,

sendo que a primeira é caracterizada pelo desenvolvimento do raciocínio, ele como

João Paulo II elenca que: “há que reconhecer que a busca da verdade nem sempre

se desenrola com a referida transparência e coerência de raciocínio” (ibid., p. 42).

Tendo desse modo, a intensão de aproximar aquilo que é de traços filosóficos

garantidos por parte da razão com a verdade suprema que é o absoluto. A segunda

garante que o homem é ser que vive de crenças, baseando sua vida naquilo que ele

acredita, acima de tudo uma crença conforme afirmamos no primeiro capítulo do

nosso trabalho, aquela que na Idade Antiga era tida como a confiança nos outros

não só em algo superior, além disso, confiar nas palavras dos outros. Era dessa

forma que era conferida a fé no tempo antigo.

De início, podemos notar onde que pretende chegar esse capítulo, visto

que a intensão é aproximar a verdade obtida por parte do raciocínio com a fé

(crença) e nessas duas integrá-las nos argumentos filosóficos e antropológicos da

conciliação de fé e razão.

E também o intuito é discorrer sobre as duas concepções como já ditas

acima, Credo ut Intellegam e Intellego ut Credam, onde pretende-se expor de qual

maneira mais apta para chegar a verdade, se primeiro precisa crer para depois

entender ou se é preciso entender para depois crer de tal modo que João Paulo II

também oferecerá seu contributo para essa compreensão.

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4.2 Argumentos filosóficos e antropológicos da reconciliação de fé e razão em João Paulo II

Os argumentos filosóficos que trataremos aqui são aqueles em que a

filosofia necessita do auxilio da fé para obter sua completude e tornar-se apta em

discutir, apresentar e oferecer ao homem aquilo que ele tanto almeja que é a

contemplação da verdade.

Como é afirmado no concílio que:

A Deus que revela, é devida a obediência da fé”. Com essa breve mas densa afirmação, é indicada uma verdade fundamental do cristianismo. Diz-e, em primeiro lugar, que a fé é uma resposta de obediência a Deus. Isso implica que ele seja reconhecido na sua divindade, transcendência e liberdade suprema. Deus, que se dá a conhecer na autoridade da sua transcendência absoluta, traz consigo também a credibilidade dos conteúdos que revela. Pela fé, o homem presta assentimento a esse testemunho divino. Isso significa que reconhece plena e integralmente a verdade de tudo o que foi revelado, porque é o próprio Deus que o garante. Essa verdade, oferecida ao homem sem que ele a possa exigir, insere-se no horizonte da comunicação interpessoal e impele a razão a abrir-se a esta e a acolher o seu sentido profundo (ibid., p. 20).

Essa é a primeira causa onde a filosofia deve-se optar pelo olhar dá fé

para que possa analisar em sentidos claros e verdadeiros sobre aquilo que é

revelado. E consequentemente levar a entender que a razão sozinha é incapaz de

adentrar no contexto do mistério que há de ser revelado.

João Paulo II menciona a segunda maneira em que a razão necessita do

auxilio da fé, é justamente quando procura compreender o mistério e nestes vem

também os sinais presentes na revelação. Assim conduzindo para mais longe a

busca da verdade e ao mesmo tempo concedendo a mente uma autonomia para

investigar dentro do próprio mistério. Sendo dessa forma, a razão se fortalece

porque é permitido a ela fazer as investigações dentro do mistério e ainda com seus

próprios meios de que ela precisa (JOÃO PAULO II, 1998).

Outra forma perceptível de solicitude da razão pela fé se expressa

também em referência ao livro de Sabedoria como João Paulo II assegura nas

devidas palavras:

Encontramos, no livro da Sabedoria, alguns textos [...] lá, o autor sagrado fala de Deus que se dá a conhecer também por meio da natureza. Para os antigos, o estudo das ciências naturais coincidia, em grande parte, com o

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saber filosófico. Depois de ter afirmado que o homem, com a sua inteligência, é capaz de “conhecer a constituição do universo e a força dos elementos [...], o ciclo dos anos e a posição dos astros, a natureza dos animais ferozes” (Sb 7, 17.19-20), por outras palavras, que o homem é capaz de filosofar, o texto sagrado dá um passo em frente muito significativo. Retomando o pensamento da filosofia grega, à qual parece referir-se nesse contexto o autor afirma que, raciocinando precisamente sobre a natureza, pode-se chegar ao criador: “Pela grandeza e beleza das criaturas, pode-se, por analogia, chegar ao conhecimento do seu autor” (Sb 13,5). Reconhece-se, assim, um primeiro nível da revelação divina, constituído pelo maravilhoso “livro da natureza”; lendo-o com os meios próprios da razão humana, pode-se chegar ao conhecimento do criador. Se o homem, com a sua inteligência, não chega a reconhecer Deus como criador de tudo, fica-se devendo isso não tanto à falta de um meio adequado, como sobretudo ao obstáculo interposto pela sua vontade livre e pelo seu pecado (ibid., p. 31).

Nesse ponto, a razão tem sua valorização por cima de tudo como aquela

que busca e almeja a verdade, visto que o que ela alcança pode ser verdade, porém

só adquire o seu significado pleno se estiver em consonância com a fé (ibid., 1998).

Assim temos plena certeza de que os argumentos filosóficos encontrados na carta

encíclica visam de certo modo nos mostrar que além da razão ser capaz de chegar a

diversos tipos de verdades e ainda à verdade suprema, ela também abre seu

espaço de atuação para que a fé o leve de maneira mais segura para o objetivo

determinado.

Seguem os apontamentos relativos aos argumentos filosóficos em prol do

nosso objetivo que é mostrar pontos em que a razão percebe a necessidade da fé

para a busca e consequentemente a contemplação da verdade. Em sua carta o

papa faz o reconhecimento merecido de que não apenas devemo-nos apostar

somente no conhecimento provindo da observação do homem, do mundo e da

história, mas ele baseado no Antigo Testamento, coloca como indispensável para

obter o conhecimento uma relação que a pessoa deve ter com os conteúdos da

revelação (ibid., 1998).

Como já foi elencado antes, o nosso foco se baseia em restringir de

maneira simples os pontos que são perceptíveis de abertura da parte da razão para

o acolhimento da fé, algo que se resume nos argumentos filosóficos para a

conciliação de fé e razão. Não poderia deixar de mencionar também o

desenvolvimento por parte dos filósofos cristãos a constatação a teologia cristã.

É possível constatar a assunção crítica do pensamento filosófico por parte dos pensadores cristãos. No meio dos primeiros exemplos encontrados, sobressai sem dúvida, Orígenes. Contra os ataques lançados pelo filosofo

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Celso, ele recorre à filosofia platônica para argumentar e responder-lhe. Citando vários elementos do pensamento platônico, começa a elaborar uma primeira forma de teologia cristã. Naquele tempo, a designação mesma de teologia e a sua concepção como discurso racional sobre Deus ainda estavam ligadas à sua origem grega. Na filosofia aristotélica, por exemplo, o termo designava a parte mais nobre e o verdadeiro apogeu do discurso filosófico (ibid., p. 55).

A importância de sublinhar que por meio do pensamento filosófico foi

possível a explicação de assuntos teológicos têm ai mais um argumento filosófico

claro que visa à conciliação da razão com a fé, e ainda:

[..] hoje, com esta multiplicação de sistemas, métodos conceitos e argumentos filosóficos, muitas vezes extremamente fragmentários, impõe-se ainda com maior urgência um discernimento crítico à luz da fé. Esse discernimento não é fácil, porque, se já é custoso reconhecer as capacidades naturais e inalienáveis da razão com as suas limitações constitutivas e históricas, mais problemático ainda se pode tornar às vezes o discernimento de cada uma das propostas filosóficas para verificar, do ponto de vista da fé, o que apresentam de válido e fecundo e o que existe nelas de errado ou perigoso (ibid., p. 71).

Foram assim elencados e discutidos, como proposto anteriormente

através da leitura da carta encíclica Fides et Ratio aquilo que percebemos de

fundamental importância para melhor sermos orientados de que pelos argumentos

filosóficos citados, é mais fácil chegarmos a um senso da harmonia entre razão e fé.

No mesmo aspecto em que destacamos os argumentos filosóficos na

carta encíclica, destacaremos também os argumentos antropológicos contribuintes

para a conciliação de fé e razão, acenando de modo particular que “a Razão é um

fenômeno antropológico elementar, aquele que possibilitou ao ser humano um passo

novo e decisivo na evolução da vida” (VAZ, 1999, p. 296). Com efeito, o

aparecimento da razão como bem sabemos significou uma ruptura com o até então

sistema que prevalecia no mundo animal, o homem torna-se identificado através de

sua evolução como zôon lógonéchon, o homem possuidor de razão, segundo a

expressão de Aristóteles. (ibid., 1999).

Henrique Lima Vaz faz uma rica apreciação à carta encíclica Fides

etRatio, e faz com sua interpretação uma rica análise, onde de início podemos notar

de modo simplificado a razão de dois modos:

a) a razão fabricadora, que permite a invenção de instrumentos e a rápida modificação do entôrno vital do ser humano; b) a razão simbólica expressa na linguagem, que permite a criação do universo dos sinais

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convencionais, a sua ordenação, as regras da sua utilização, enfim a comunicação que torna possível a formação das sociedades humanas, e a integração de todas as obras humanas no mundo da cultura, que é o mundo por excelência. [...] Por conseguinte, ao compararmos Fé e Razão, comparamos, de fato, uma certa forma de Razão presente na Fé e que torna possível a linguagem da Fé como linguagem coerente e portadora de sentido, e uma Razão que avocou para si esse título na medida em que desenvolveu autonomamente seus recursos intrínsecos em termos de constituição de uma linguagem própria que hoje denominamos Lógica, de método, de procedimentos demonstrativos, dotando-se, assim, de um incomparável dinamismo em face de outras formas de Razão (ibid., 1999).

Percebemos que ao longo do tempo, tinha-se uma razão teológica,

aquela que era em prol dos conteúdos da fé precisamente no tempo da Idade Média,

no tempo moderno, a razão dá um salto muito grande passando para uma razão

antropológica, onde o homem irá usufruir de seu raciocínio para operar de diversos

meios aquilo que foi e ainda é de positivo para a humanidade, como também aquilo

que foi e ainda é sinal negativo que perdura na história do homem. Em meio a esse

desafio precisamente o da modernidade, João Paulo II vem apresentar uma direção

por onde deve ser conduzido o pensamento do homem, não um pensamento

isolado, fechado para os conteúdos da fé, mas a proposta é para que possa ter

abertura da parte do homem para acolher aquilo que a fé o oferece.

Desse modo, analisaremos pontos principais em que transparece o

sentido em que o homem estando no centro da história ele observa, vivencia e sente

que sem a presença da fé torna a vida sem um determinado sentido, até mesmo a

própria existência perde seu sentido. O primeiro ponto encontrado na leitura são as

interrogações como: “A vida tem um sentido? Para onde se dirige? À primeira vista,

a existência pessoal poderia aparecer radicalmente sem sentido” (JOÃO PAULO II,

1998, p. 40). Nesse mesmo contexto nos é recomendado que não seja necessário

recorrermos a filósofos para duvidar do sentido da vida, mas apenas pela

experiência quotidiana é o suficiente em nos mostrar que esses questionamentos

sempre fazem presente na vida do homem.

O homem procura um absoluto que seja capaz de dar resposta e sentido a toda a sua pesquisa: algo de definitivo, que sirva de fundamento a tudo o mais. Em outras palavras, procura uma explicação definitiva, um valor supremo, para além do qual não existam, nem possam existir, ulteriores perguntas ou apelos. [...] Os filósofos procuraram, ao longo dos séculos, descobrir e exprimir tal verdade, criando um sistema ou uma escola de pensamento. Mas, para além dos sistemas filosóficos, existem outras expressões nas quais o homem procura formular a sua “filosofia”: trata-se de convicções ou experiências pessoais, tradições familiares e culturais, ou itinerários existenciais vividos sob a autoridade de um mestre. A cada uma

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destas manifestações, subjaz sempre vivo o desejo de alcançar a certeza da verdade e do seu valor absoluto (ibid., p. 41).

O homem como vimos nas entrelinhas do pensamento do papa, não é

mais guiado de forma passiva a um determinado ponto, mas sim, procura meios que

o conduza para a verdade absoluta, ou seja, o homem autônomo por meio de seu

raciocínio deseja chegar à verdade absoluta que é Deus. Fator esse que implica um

argumento antropológico na medida em que o homem sente a necessidade de

descobrir o sentido da sua existência nos âmbitos da razão e da fé.

Outro ponto caracterizador do argumento antropológico é a concepção do

homem como aquele que procura a verdade, mesmo que muitas vezes essa busca

não é feita com a referida transparência e coerência de raciocínio pelas limitações

tanto naturais da razão como pela inconstância do coração (ibid., 1998). Verdade

essa que o homem procura, faz-se necessário elencar suas várias formas:

As mais numerosas são as verdades que assentam em evidências imediatas ou recebem confirmação da experiência: essa é a ordem própria da vida quotidiana e da pesquisa científica. Nível diverso ocupam as verdades de caráter filosófico, que o homem alcança por meio da capacidade especulativa do seu intelecto. Por último, existem as verdades religiosas, que de algum modo têm as suas raízes também na filosofia; estão contidas nas respostas que as diversas religiões oferecem, nas suas tradições, às questões últimas (ibid., p. 43).

O homem desde seu nascimento está inserido em uma sociedade e nesta

ele recebe várias tradições e muitas delas ele acredita quase que instintivamente,

porém, essas verdades podem e devem ser postas em dúvidas e avaliadas através

da atividade crítica do pensamento, e justamente no aceitar os vários tipos de

tradições logo mais tarde aparece inúmeras perguntas a serem respondidas, sendo

que a partir dessas concebemos o homem como aquele que vive de crenças (ibid).

Viver baseado em crenças nos faz lembrar como era o conceito de fé na Idade

Antiga, a confiança na palavra do outro, não apenas ter bases em conhecimentos,

masacima de tudo, o valor e confiança na palavra do outro.

Convém mencionar as próprias palavras de João Paulo II que diz:

Graças às capacidades de que está dotado o seu pensamento, o homem pode encontrar e reconhecer uma tal verdade. Sendo essa vital e essencial para a sua existência, chega-se a ela não só por via racional, mas também por meio de um abandono confiante a outras pessoas que possam garantir a certeza e autenticidade da verdade. A capacidade e a decisão de confiar o

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próprio ser e existência a outra pessoa constituem, sem dúvida, um dos atos antropologicamente mais significativos e expressivos (ibid., p. 46).

Os argumentos antropológicos tiveram de certa maneira os objetivos de

nos fazerem compreender o entrelaçamento que o homem necessita através da

busca da verdade e a vivência da crença, unir esses pontos para que haja em

consequência a si mesmo uma conciliação da razão com a fé.

4.3 As Concepções credo ut intellegam e intellego ut credam na carta encíclica Fides et Ratio

Desde filósofos como Anselmo de Aosta questões como essas vem

sendo discutidas, onde o modo pelo qual para o homem chegar a verdade requer

tanto o esforço da razão como por excelência depositar uma aposta na fé. Quando

se fala em fé e razão em Anselmo é expressa as palavras credo ut intelligam (creio

para entender), o aforismo tem a pretensão de destacar duas coisas:

Primeiramente, a necessidade da fé para o conhecimento da verdade religiosa e moral; daqui a importância do credo. Em segundo lugar, a necessidade de usar a razão para que a adesão à fé não seja cega e meramente passiva: daqui a importância do intelligam (MONDIN, 2005, p.168).

E confirmando sua adesão pelo credo ut intellegam Anselmo ainda afirma

em sua obra Proslogion:

Eu não tento, senhor, aprofundar-me nos teus mistérios porque a minha inteligência não é adequada, mas desejo compreender um pouco da tua verdade, em que o meu coração já crê e ama. Eu não procuro compreender-te para crer, mas creio para poder te compreender (ANSELMO apud REALE; ANTISERI, 1990, p. 501).

Esse era o programa de Anselmo, fazer a compreensão com a razão

daquilo que já possuía pela fé, ele tem uma enorme confiança na razão humana ao

ponto de destacar que ela é capaz de iluminar os mistérios da fé, demonstrando

suas coerências, suas conveniências e suas necessidades. Resumindo a colocação

de Anselmo, podemos entender do seguinte modo, uma fé que vai a procura da

inteligência e consequentemente também uma meditação racional sobre as razões

da fé (REALE; ANTISERI, 1990).

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João Paulo II nos oferece caminhos por onde possamos perceber alguns

pontos dessa interligação do credo ut intellegam, posta em evidência que o desejo

de conhecer é uma característica peculiar de todo homem, daqueles que acreditam

como também daqueles que não acreditam em algo superior. É demonstrado que no

antigo Israel o conhecimento não era provindo da abstração como fazia o filósofo

Jônico e nem da forma como é concebido na época moderna por meio da subdivisão

do saber, além disso, o antigo Israel contribuiu de uma forma direta para que

houvesse uma unidade profunda e indivisível entre o conhecimento da razão e o da

fé, sendo que tudo o que acontece no mundo, sua história e as diversas realidades

observadas são julgadas por meios próprios da razão, porém sem deixar de lado o

contributo da fé, visto que essa não vem para fazer calar a razão e nem reduzir seu

espaço, mas apenas tornar visível que em todos os acontecimentos e em todo

tempo da história atua o Deus de Israel (JOÃO PAULO II, 1998).

Desse modo, João Paulo II faz referência ao modo como deve ser

colocada a fé diante da razão tendo em evidência como é afirmado que:

A mente do homem dispõe o seu caminho, mas é o Senhor quem dirige os seus passos [...] É como se dissesse que o homem, pela luz da razão, pode reconhecer a sua estrada, mas percorrê-la de maneira decidida, sem obstáculos e até ao fim, ele só o consegue se, de ânimo reto, integrar a sua pesquisa no horizonte da fé (ibid., p. 29).

Percebe-se certa harmonia com aquilo que Anselmo de Aosta já tinha

tratado a respeito do credo ut intellegam, colocando a fé em harmonia com a razão e

nos leva também a perceber que a fé realmente necessita do auxílio da razão para

conduzir o homem de forma segura à contemplação da verdade.

Para os antigos, o estudo sobre as ciências naturais não tinha muita

diferença com o saber filosófico, devido a evolução do pensamento, o homem foi se

desenvolvendo aos poucos conhecendo a constituição do universo, o ciclo dos anos,

a posição dos astros, a natureza dos animais, tendo assim uma capacidade de

filosofar, sendo capaz também de chegar ao autor do universo por meio da natureza

fazendo uso do raciocínio. Tem-se aí uma valorização da razão, porém a carta

encíclica deixa bem clara que o alcançado pela razão pode ser verdade, mas só

adquire um pleno significado se estiver em harmonia com a fé.

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A fé, segundo o Antigo Testamento, liberta a razão, na medida em que lhe permite alcançar coerentemente o seu objeto de conhecimento e situá-lo naquela ordem suprema em que tudo adquire sentido. Em resumo, pela razão o homem alcança a verdade, porque, iluminado pela fé, descobre o sentido profundo de tudo e, particularmente, da própria existência (ibid., p. 31).

Sobre o intellegam ut credam expressão que pode sintetizar o esforço

teórico de Abelardo ele que apoiava seus questionamentos numa filosofia racional,

mas o fim do itinerário filosófico é Deus, Pedro Abelardo não concebe a ratio como

serva da teologia, isso porque ela é autônoma, não esquecendo que todos os

esforços que a razão faz são para uma melhor compreensão das verdades da fé.

Porém diferente de Anselmo e de seus contemporâneos ele não diz que a razão

possa dar explicações definitivas, todas as explicações dos filósofos, teólogos e dos

padres são opiniões mais ou menos abalizadas, mas jamais são conclusivas

(REALE; ANTISERI, 1990).

Na carta encíclica Fides et Ratio é afirmado que: “Existe, portanto, um

caminho que o homem, se quiser, pode percorrer; o seu ponto de partida está na

capacidade de a razão superar o contingente para se estender ao infinito” (JOÃO

PAULO II, 1998, p. 38). Inicia aí um aprofundamento daquilo que estamos falando

sobre a capacidade da razão de adentrar no interior das diversas questões

existentes e extrair delas a verdade. Verdade essa que tem várias formas como:

As mais numerosas são as verdades que assentam em evidências imediatas ou recebem confirmação da experiência: essa é a própria da vida quotidiana e da pesquisa científica. Nível diverso ocupam as verdades de caráter filosófico, que o homem alcança por meio da capacidade especulativa do seu intelecto. Por último, existem as verdades religiosas, que de algum modo têm as suas raízes também na filosofia; estão contidas nas respostas que as diversas religiões oferecem, nas suas tradições, às questões últimas (ibid., p. 43).

Essas formas de verdades são muito importantes porque nos situa de

certa forma no contexto que é tratado como, por exemplo, a verdade filosófica que

não deve ser compreendida somente por meio das explicações dos filósofos

profissionais, mas também por meio do homem comum que de certa maneira como

o filosofo coloca é um filosofo capaz de orientar sua vida, tem uma visão global de

mundo, sabe o sentido da própria existência e além do mais capaz de colocar em

relação a verdade filosófica e a verdade religiosa e a partir dai chegar a uma

conclusão (ibid).

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Cheguemos ao ponto de abordar mais afundo uma questão que é por

excelência bem tratada em João Paulo II com sua própria análise:

O homem, por sua natureza, procura a verdade. Essa busca não se destina apenas à conquista de verdades científicas; não busca só o verdadeiro bem em cada uma das suas decisões. Mas a sua pesquisa aponta para uma verdade superior, que seja capaz de explicar o sentido da vida; trata-se, por conseguinte, de algo que não pode desembocar senão no absoluto. Graças às capacidades de que está dotado o seu pensamento, o homem pode encontrar e reconhecer uma tal verdade (ibid., p. 46).

Fica bem clara a questão do intellego ut credam em João Paulo II,

demonstrando a tamanha importância que a razão exerce juntamente ao lado da fé

para poderem ambas chegarem ao estado máximo ao absoluto.

O objetivo elencado anteriormente em relação a este capítulo, dos

argumentos e concepções que visavam de forma mais clara e determinadas elencar

os pontos nos quais eram presentes as ideias de João Paulo II, de reconciliação de

fé e razão, parecem ser atingidos com êxitos, visto que, não foi a intensão de

esgotar os pontos em que o papa se refere a conciliação de fé e razão, mas apenas

alguns que pensamos ser os mais precisos para serem abordados neste trabalho.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao findar este estudo da carta encíclica Fides et Ratio de João Paulo II,

analisamos as devidas relações existentes entre fé e razão, e concluímos que ao

longo da história, principalmente da época moderna até os dias atuais o homem

caminha visando seus objetivos através do desenvolvimento da razão. Sendo que

ao lado dessa encontra-se a fé, aquela que ilumina e dá sentido ao homem quando

a razão é incapaz de dar respostas para determinadas questões que o circunda.

Precisamente na Escolástica com Santo Agostinho e São Tomás a

reflexão fé-razão evidenciava uma enorme discussão sobre o fato de que elas

deviam caminhar juntas, isso porque o homem precisa delas para as devidas

investigações surgidas precisamente em relação a sua própria existência, sendo que

era esse mesmo o foco que João Paulo II pretendia também ao escrever a sua carta

encíclica.

Evidenciamos que a fé é justamente o acreditar em algo que não é

evidente e que não é implícito, sendo que somente aceita se estiver fundamentada

com premissas coerentes. Ela fornece segurança e agilidade à razão em relação a

seu objetivo que é a procura da verdade. Por isso, concluímos que não deve de

maneira alguma haver oposição entre fé e razão, visto que a razão é uma obra do

criador inerente ao homem e a fé um dom que o criador lhe concede. Mesmo que os

objetos de conhecimento são diferentes um do outro, a razão realiza suas

descobertas por meio do intelecto, já a fé por meio da vida espiritual do homem.

A razão conduz o homem ao conhecimento das leis naturais do mundo,

enquanto a fé o orienta para a transcendência, o ser absoluto. Com a ajuda dos

variados filósofos cristãos percebemos que não é apenas necessário crer, mas

também a extrema necessidade de compreender aquilo que se crê. Isso porque é

preciso mostrar com a razão as verdades professadas pela fé, e para ocorrer tais

exigências é preciso que atue os princípios essenciais da razão.

O homem como vimos ao longo de todo o trabalho, é o principal agente

de todas as consequências sofridas ao longo de toda a história, principalmente

quando não se tem um conhecimento intelectivo acompanhado da fé, algo que

caracteriza de maneira particular o tempo atual, ficando então a mercê dos diversos

tipos de conflitos que se manifestam durante os tempos.

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Enfim, por essa causa analisamos oportuno também elencar que o

homem é o sujeito principal a quem é destinado a fé e a razão. Sendo concluído

este trabalho até visando os argumentos antropológicos de reconciliação de fé e

razão. Uma vez que em João Paulo II não há motivo para haver concorrência entre

fé e razão, uma implica a outra, e cada qual tem o seu espaço próprio de realização.

Page 46:  · Web viewInicialmente, pretende-se apresentar a relação existente entre ambas. Faz-se um percurso histórico de Santo Agostinho até o seu auge, precisamente com Santo Tomás

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