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EDITORIAL Caros Colegas, Nesta edição passamos às suas mãos todo o conteúdo das palestras matinais do congresso de julho 2005, proferidas pelo Dr. Heinz Zimmermann. As palestras (com exceção da primeira, que se baseou em anotações resumidas) haviam sido gravadas, portanto estamos lidando com uma nova experiência: a de transcrever textos gravados, o que exigiu mais tempo por causa de nossa inexperiência. Este trabalho só pôde ser realizado graças à valiosa ajuda de colegas de diferentes escolas. Cordialmente, A Coordenação do Periódico NOTA DA REDAÇÃO

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EDITORIAL

Caros Colegas,

Nesta edição passamos às suas mãos todo o conteúdo das palestras matinais do congresso de julho 2005, proferidas pelo Dr. Heinz Zimmermann. As palestras (com exceção da primeira, que se baseou em anotações resumidas) haviam sido gravadas, portanto estamos lidando com uma nova experiência: a de transcrever textos gravados, o que exigiu mais tempo por causa de nossa inexperiência.

Este trabalho só pôde ser realizado graças à valiosa ajuda de colegas de diferentes escolas.

Cordialmente,

A Coordenação do Periódico

NOTA DA REDAÇÃO

O texto da primeira palestra do Dr. Heinz Zimmerman foi redigido a partir de uma compilação das anotações cedidas pelos colaboradores Suely N. de Resende Lima, da Escola Waldorf Rudolf Steiner, e de Vander Vicentin, da Escola Waldorf Viver, de Bauru.

As palestras que se seguem à primeira, da segunda à quinta, foram redigidas baseadas na transcrição de gravações cedidas por Paulo Roberto de Souza Netto, também da Escola Waldorf Viver, de Bauru.

Foram necessárias a adequação das anotações à linguagem fluente e a normalização do texto integral. O trabalho foi extenso, e também por isso o atraso desta edição foi maior.

Agradeço a compreensão de todos, e espero que apreciem a leitura desta edição especial.

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Paula Cristina Dassie

PRIMEIRA PALESTRA

Caros colegas! É interessante falar de congresso neste ambiente. A tenda é uma boa imagem para a flexibilidade do movimento...

Toda aula é uma aula de língua, pois usamos nelas os órgãos fonadores. O ponto de partida é o próprio professor. Podemos perceber que os alunos adoecem quando o professor fala entrecortadamente, por exemplo . Há uma conseqüência real que acontece no social, num âmbito inconsciente. Quando falamos, a laringe se movimenta com o som da fala e conseqüentemente há uma imitação da fala.

A introdução da criança à língua em geral é um segundo passo de desenvolvimento individual dentro da própria língua materna, o que ocorre por volta dos três anos de idade. Já o ensino da gramática compreende:

1- a recitação: o que as crianças falam (teatro); 2- aquilo que o professor conta no decorrer dos anos (e como ele conta); 3- a parte curricular (base antropológica do conteúdo).

Há um poema de Rudolf Steiner sobre o mistério da língua:

Ouvir sem entender,apenas ouvir...

no amor à palavra.

A linguagem possui três âmbitos. O primeiro é a compreensão. Nós, adultos, conseguimos perceber o que ia ser dito sem que seja preciso concluí-lo. A compreensão é a parte da linguagem ligada ao pensar, à cabeça. O segundo âmbito, intermediário, é o ato de ouvir, sem necessariamente entender. Não está condensado no âmbito da cabeça. É possível dizer uma frase que seja rapidamente compreendida [N.T.: como na Suíça há diversos dialetos, ele deu três exemplos, com nuances diferentes (três seres diferentes na fala), da frase: “ Ah!, mas isso era muito bom!”]. Até mesmo as rugas são diferentes; a forma de caminhar também é diferente, bem como os gestos. Quando falamos em um dialeto (de modo curto, ligeiro), os gestos são ligeiros e curtos... Isto acontece porque entre o pensamento e o movimento se encontra o âmbito da linguagem. E é importante considerarmos a esfera intermediária: a audição. Quando ouvimos somos atingidos, mesmo que semiconscientemente, por algo que toma conta do nosso sentir. As três maneiras de falar demonstradas atuam de modos diferentes no sentir.

Existe uma polaridade da linguagem, e devemos tentar perceber os sentimentos envolvidos[N.T.: o Dr. Zimmermann recitou um verso mágico que, no século IX, era usado para curar a perna

quebrada de um cavalo. Nele pudemos perceber o poder mágico de transformação, uma vez que houve a repetição dos mesmos sons três vezes, sempre acompanhados de um gesto].

De um lado, a língua tem o poder mágico da transformação – o que pode ser percebido, em três etapas, dentro da propaganda, ou seja, para que seu poder seja utilizado repete-se três vezes o som com intensificação. Existe um poder na intensificação. Do outro lado há o pólo do pensamento: a informação propriamente dita, que

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podemos ver nos sinais e ler nos avisos. Nestes não há necessidade de ouvir; a língua emudece, basta compreender. Como exemplo, temos o de uma placa num parque: “É proibido pisar na grama (multa)”. Vejam, as palavras foram suprimidas.

Atualmente usamos o computador, em que um texto que pode ser deletado, acrescentado, e cujas ordem das frases pode ser modificada. Neste caso ocorre a manipulação da linguagem. Por outro lado, quando as crianças começam a aprender a escrever, no primeiro ano, usam o giz de cera e as primeiras letras lhes chegam mediante vivências. Isto é o oposto de se escrever num computador. Devemos levar para a escola uma linguagem relacionada com vivências.

Para o Ensino Médio devemos levar autores que não primem pelo conteúdo, mas que explorem a sonoridade da língua. No décimo ano é possível escrever poesia utilizando apenas a sonoridade para transmitir o conteúdo, tal como na poesia dadaísta. É preciso, no entanto, primeiro estabelecer um ambiente. Por exemplo, há ritmos na África nos quais os sons são diretos, são algo do sentir. O ambiente muda conforme os sons. Isso se relaciona com a qualidade de ouvir a linguagem. Por exemplo: piso num caranguejo, “crrr, ai!”. A compreensão aconteceu mediante o mero ato de ouvir. Ninguém dirá: “Como? Não entendi”... Na realidade a compreensão se dá no âmbito do ouvir, e essa capacidade deveria ser explorada pelos professores. Uma mesma palavra tem significados diferentes de acordo com o tom em que foi dita.

Existem, na linguagem, dois patamares: o do intelecto e o da intenção. Isto é comprovável com a anatomia e a fisiologia do cérebro. O cérebro tem dois lados: o esquerdo, relacionado com a lógica, e o direito, vinculado à musicalidade da língua. O neurologista inglês Oliver Sacks, autor do livro O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu, descreve pessoas que sofrem de lesão no lado esquerdo do cérebro: elas ouvem sentenças, mas não compreendem seu conteúdo. Pessoas que sofrem danos no lado direito compreendem tudo, mas não distinguem as vozes femininas das masculinas. Numa de suas experiências, havia aqueles que prestavam atenção ao conteúdo e outros que apenas davam risadas, pois a partir da sonoridade percebiam que tratava-se de uma farsa.

É importante tentar ouvir, através do conteúdo, a sonoridade, e, através da sonoridade, perceber o estado emocional de quem fala. Uma boa mãe ouve e sente se a criança está bem ou não. Quando ouvimos a voz percebemos se uma pessoa está tranqüila ou se algo a incomoda. Mediante a voz de uma pessoa é possível perceber as nuanças dos sons emitidos. Os médicos podem atentar para isso e perceber se uma pessoa está bem encarnada ou se está no limiar.

A sonoridade provoca antipatia ou simpatia. Durante a retrospectiva da noite, seria bom que nos lembrássemos de como cada criança falou. Distinguiríamos, desta forma, certas tonalidades: de baixo para cima (resignação), de cima para baixo (tranqüilidade). Outras pareceriam um lamento. Devemos superar psicologicamente tais sensações, pois o conteúdo pode nos ser útil. Cada voz é única; cada ser tem a sua própria voz, e nela se revela o mais íntimo: o seu eu. Quando nos tornamos capazes de ouvir encontramos a essência do outro.

Um exemplo de conhecimento dramático: olho para o espelho e enxergo uma outra pessoa, que não eu, fazendo caretas. Tenho uma percepção imediata, mas sem representação mental – e não tenho uma conclusão. Desmaio, ou me oponho e grito. Esta é a saída do mundo espiritual para o mundo terreno.Quando percebemos algo e não entendemos do que se trata, ficamos entregues à percepção. A criança pequena do primeiro setênio se encontra nessa situação. Que tipo de percepção essa criança tem? A exclamação é uma reação contra uma percepção incompreendida. É a busca pelo novo conceito existencial, e não é uma pergunta tranqüila – “Eu tenho de saber!”. É uma procura dentro das representações da memória. Afinal, o que é aquilo no espelho? Quando descobrimos que tudo foi uma brincadeira de mau gosto, nos tranqüilizamos. Este é o caminho da percepção ao conceito.

A linguagem busca a compreensão do que toma conta de nós. Resumidamente, estas são as três formas de linguagem:

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! ? .

(exclamação) (pergunta) (conceito)

As duas primeiras, exclamação e pergunta, estão ligadas ao movimento, e a última, o conceito, à idéia. Por exemplo: “Tomei banho no lago. Brrrr!”. Concluímos que a água estava fria. A linguagem está ligada à vontade, e é movimento até chegar ao conceito.

No caso do verso mágico, temos uma língua individual. A relação com a palavra é mágica, e a formulação é intelectual. Existe um caminho: reação imediata, juízo e conceito. Este é o caminho da humanidade que vai da vontade até a conceituação, da palavra mágica até o conceito.

No âmbito individual isso também ocorre. O que acontece com a percepção quando, na educação, encontramos o conceito pronto? Há uma diminuição da intensidade, um enfraquecimento da percepção. O ser humano adulto sabe de imediato o que está vendo e ouvindo. A criança deve ser conduzida da percepção ao conceito. O adulto encontra a percepção a partir do conceito.

Um outro âmbito: ouvimos uma criança falar. Como foi que ela aprendeu a língua? Percebemos então como a linguagem é adquirida e como é colocada em uso. No caso da língua estrangeira há uma etapa de tradução, que só é aprendida quando não pensamos. Em cada um vive uma língua, como uma posse. É um milagre do espírito da fala. Antes de dizermos algo não sabemos exatamente o que vamos utilizar. Se tivéssemos de pensar, não falaríamos; não saberíamos o que falar. Temos uma percepção geral do que será dito e entramos no fluxo da fala. Encontramos, assim, facilidades e dificuldades. Certa vez, a própria Magda Mayer* teve de fazer uma alocução para o dia de São Micael. Questionou a si mesma sobre o que diria e, com fúria, a professora pegou um papel com os conceitos e os converteu em um ótimo fluxo. Quando estamos agitados nos surpreendemos com o fluxo da nossa fala.

E como é que eu, professor, posso utilizar o fluxo da língua em prol das crianças? Não deve haver discrepância entre a cabeça e o coração, o fluxo do coração. Rudolf Steiner fala da possibilidade de relacionamento com o espírito da língua. Mas como entrar no fluxo do coração? Cada língua tem seu próprio espírito, a sua própria essência. Isto se expressa nas qualidades de cada língua, nas gramáticas, nos vocábulos, na sonoridade. Por exemplo: Giovanni, John, Johannes, Juan, João. Há sons, entretanto, que não conseguimos falar: eis o espírito.

Se olharmos do ponto de vista da fisiologia, veremos que ativamos 120 músculos diferentes quando falamos cada palavra. Mais de 100 músculos se movimentam por segundo. É na laringe que produzimos os movimentos mais rápidos do corpo. Não poderíamos percebê-los conscientemente. O fluxo produz os movimentos concretos. Poder-se-ia dizer que um milagre acontece quando nos entregamos a isso e saímos dos sons concretos. O espírito age até mesmo movimentos adentro.

A tarefa do ensino da língua materna é estabelecer a amizade com o espírito da própria língua. Quando não sabemos o que dizer ocorre uma intensificação dos movimentos. A partir do movimento surge a fala, e, a partir da fala, surgem os pensamentos. A representação mental se une à ação.

Movimento – linguagem – pensamento

O pensamento se desenvolve lentamente através da fala. A linguagem se situa entre o movimento e o pensamento. O educador, ao exercitar a fala, exercita também o meio do ser humano, a partir do qual a vida social se constitui.

***

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SEGUNDA PALESTRA

Houve uma pequena introdução, em que o Dr. Zimmermann comentou a respeito do frio que fazia naquele dia: “Eu disse que iria para o Brasil, e então me aconselharam a levar, sem falta, o calção de banho... Antes que vocês vejam alguém congelando, sugiro que façamos alguns exercícios de aquecimento no meio da palestra...”.

As experiências da vida são trocas das experiências que temos. Os senhores seguramente chegaram aqui com perguntas. Façamos, de início, uma coleta de perguntas. Tentaremos fazer uma estruturação e a cada dia abordaremos um assunto.

Agradeço cordialmente a apresentação do poema das línguas clássicas feito no início. Gostaria de trazer–lhes à lembrança os quatro níveis com os quais lida a linguagem:

1. a compreensão do sentido2. a audição da alma 3. a vivência do espírito4. o amor

Compreender o sentido: o pensamento.Ouvir a alma: o sentimento.Vivenciar o espírito: a vontade. Amar: o ser humano completo.

É como os quatro passos em direção à comunhão, à união com a linguagem.Temos falado sobre o seguinte:

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- Língua como pensamento/compreensão do sentido: consciência diurna - Língua como algo que se ouve (menos desperto): consciência noturna - Língua como espírito: movimento profundamente inconsciente.

A compreensão do sentido ocorre na clara consciência. A audição, que está no âmbito da consciência onírica, é menos acordada. O que está relacionado com o espírito da língua é, em geral, profundamente inconsciente.

E o que se pensa sobre o poder da palavra escrita? Por exemplo: numa camiseta está escrito amor, e, numa outra, ódio. É possível que uma pessoa capte a energia dessas palavras transmitidas? De início, precisamos saber que a palavra escrita tem um poder muito mais atenuado do que a língua falada. Pensemos no seguinte: temos um texto de palavras mágicas escritas e as lemos diante de um cavalo. Nada acontece. As palavras passaram pela nossa cabeça, mas não a permearam de fato. A linguagem escrita é uma linguagem que passa somente pelo pensar, pela cabeça, pelo sentido. Mesmo assim, um verso escrito tem uma atuação bastante forte por não estar relacionado com a consciência diurna, desperta, mas, com uma consciência onírica, a mesma com que lemos uma propaganda: adormecida. Quando lemos uma mensagem escrita numa camiseta escrita não a seguimos, pois a lemos semiconscientemente – e é desta maneira que a mensagem adentra nosso subconsciente. Podemos dizer aproximadamente que tem o mesmo poder da propaganda dos outdoors.

Inicialmente, a escrita tinha poderes mágicos, e é por isso que antigamente apenas pessoas que haviam recebido a incumbência da escrita como sacerdócio é que podiam escrever. Quando cometia um erro de escrita no Egito antigo, o escriba era condenado à morte. Comparando-o com a escrita no computador – em que podemos errar, “deletar” e continuar a escrever –, vemos a transformação da “língua como atuação mágica” para a “língua como veículo de comunicação”. Podemos ver os dois pólos da linguagem: o pólo da transformação e o pólo da mera informação. Por exemplo: todos entendem “Au!!!”, “Brr!!!”, DVD, PC, bem como [N.T.: ele fez um gesto] – qualquer um compreende. São estas as palavras abreviadas que cada um compreende por convenção. São expressões do movimento. Podemos dizer que, por um lado, a linguagem é a expressão do movimento introjetado, e que, por outro lado, também é receptáculo da informação.

Podemos representá-lo muito bem mediante duas situações ocorridas num espaço de tempo de aproximadamente dois mil anos. Primeira: seguramente todos conhecem o início do evangelho de São João: “No princípio era o verbo, e o verbo estava com Deus, e um Deus era a palavra. Esta no início estava com Deus, e tudo se fez através dela. Isso que foi feito foi feito através dela”. Isso significa: a palavra como principio de criação. Podemos perceber a força de transformação nas palavras mágicas e no xingamento, e, nas palavras de bênção (na oração), a transformação da palavra.

Segunda situação: uma citação do início do século XX. A língua é o sistema de símbolos que transmite pensamentos. Dentro desse enorme arco tudo é, na realidade, língua. É o desenvolvimento da língua e desenvolvimento da linguagem como ponto de partida da vontade, da transformação; o percurso histórico da língua desde portadora da forma mágica até a transmissão do pensamento. Neste sentido, a língua constitui o meio entre o movimento e o pensamento. Poder-se-ia dizer, ainda: entre cabeça e membros.

Hoje eu gostaria de abordar o desenvolvimento da língua, desde a criança até o adulto. Como a língua se desenvolve no ser humano? De que maneira a criança pequena aprende a língua? Já no útero materno a criança capta os sons através das vibrações. Há pesquisas com recém-nascidos que mostram suaves vibrações delicadas pelo seu corpo inteiro, que se estendem até os membros, quando sua mãe fala. É bem claro que a língua está primeiramente relacionada com a audição, e a primeira coisa que a criança faz é ouvir. A criança existencialmente precisa fazer o que nós adultos esquecemos – ou desaprendemos. Existem casos que são exceções, e eu gostaria de dar um exemplo.

No seminário de formação de professores que eu dirigia havia um aluno alpinista, que era de Berna. Ele fez uma expedição ao Himalaia com um guia xerpa, que só falava a sua própria língua e um pouco de inglês. O estudante também só sabia pouco inglês e a sua língua materna. Nos primeiros dias se comunicaram com o parco

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inglês. E então perceberam que quando o bernês falava o alemão bernês e o guia sua língua materna, entendiam-se bem melhor. Como compreendê-lo? Quando falo a minha própria língua, uno-me totalmente àquilo que falo – e isso passa para o outro. Quando ouço com atenção compreendo a intenção do que o outro diz, mesmo sem entender as palavras. Isto também pode ser percebido em relação à linguagem corporal, ao gesto. No gesto muito pode ser expresso sem que se compreenda a língua. Assim temos de imaginar a criança pequena, que progressivamente começa a compreender por meio da audição. A audição não é algo que ocorre no ouvido; ocorre no ser humano como um todo. Precisamos considerar que a criança passa por três grandes etapas fundamentais durante sua transformação num Homem: erguer-se, aprender a falar e aprender a pensar. São os instrumentos que posteriormente estarão à disposição do Eu: movimentar-se como ser humano, comunicar-se com o outro como ser humano e desenvolver pensamentos que se dirijam ao futuro. Podemos afirmar que nesses três primeiros anos são conquistadas as características mais importantes, mesmo antes que a criança diga eu para si própria.

Rudolf Steiner chama a nossa atenção para o seguinte: nessas três forças, o ser Cristo atua diretamente, e nos capacita a nos erguermos, a falar e a pensar. Quando observamos como a criança se esforça para se erguer, podemos invejar quão fortemente nela atuam as forças da vontade. Ela tenta cem vezes, se levanta, cai novamente, tenta de novo, cai. Eu nunca ouvi uma criança dizer: “Agora chega!”. O que acontece no ato de ficar em pé infantil? Constituem-se dois pólos: a cabeça conquista a calma, a imobilidade, e nos membros se instala o pólo do movimento. No meio se forma o um novo sistema, o sistema rítmico, em que os braços ficam livres para o movimento e para o trabalho. Ou seja, mediante o ficar ereto forma-se o Homem trimembrado: o pólo da cabeça parado (pensar), o pólo dos membros (movimento) e, no meio, o sistema rítmico (entre o em cima e o embaixo).

Observemos de perto como esse processo se desenrola até que o andar ereto seja alcançado. Por isso tenho o privilégio de me mover aqui, no palco. Quando olhamos para uma pessoa caminhando, observamos que ela, ao se movimentar, alterna ao tirar um pé da força da gravidade enquanto o outro se une mais fortemente à Terra. Eu me uno com a Terra e dela me separo numa alternância rítmica. A união com a Terra significa encarnação, e o desprendimento desencarnação. As duas coisas acontecem num equilíbrio ritmado.

Observemos na fala o mesmo que temos no movimento. Como podemos observá-lo na linguagem? Também na língua há algo de plástico que se une à Terra, que é a consoante, e algo de mais musical, que é mais leve e que se liberta: a vogal. Quando entram num ritmo, que palavra surge? ...isso é mama!

A consoante M é a mais fechada. Fechamos bastante os lábios para pronunciarmos mmm. A vogal A é a que mais abrimos a boca para pronunciar, e, ritmando as duas, temos mama. É um andar interiorizado, introjetado.

Todas as primeiras palavras da criança são ritmadas, tais como o gogo, baba, lala, mama. Não têm um significado propriamente determinado. Diz mama, papa, indiferentemente para tudo o que lhe é querido. É interessante que no início, antes de chegar a essas palavras ritmadas, ela, como que brincando com o aparelho fonador, emite sons guturais, vibrantes etc., experimentando o que é possível fazer como ruídos. Chega ao reconhecimento substancial de que é assim que ela aprende os sons da língua materna – a partir da audição –, e de que é mais difícil aprender uma outra língua. Pode-se dizer que, ao adquirir a língua materna, morre a relação com a língua universal, com o logos.

Existe uma língua bengali que tem dez sons diferentes entre o d e o t. A criança bengali os aprende brincando. Para nós isso é quase impossível. O chinês tem cinco melodias diferentes, e conforme a melodia o significado é totalmente diferente. A criança tem de conquistar tudo isso, todas essas possibilidades, antes de dominar a sua própria língua. Aprender a língua materna significa escolher uma dentre as muitas possibilidades. Para o adulto é difícil aprender uma outra língua, pois sabe que não se trata mais de sua língua materna. Ou seja, quando aprendemos, conquistamos uma língua, perdemos a capacidade de aprender uma outra.

A conquista de uma língua se processa de tal modo que inicialmente registram-se sons, sílabas, palavras, e, por último, a frase. Essa conquista se constitui de duas etapas. Primeira etapa: inicialmente, mama é apenas um jogo da fala. Segunda etapa: nesta, a palavra mama é identificada com a mãe. Não significa, no entanto, apenas mãe como um substantivo; tudo o que está relacionado com a mãe é mama. E a primeira coisa que a criança

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aprende são estas três expressões: exclamação, pergunta e declaração [O palestrante expressou a palavra mama das três diferentes modalidades: “Mama.”, “Mama!”, “Mama?”, “Mamama...”]. Do mesmo modo, au-au não é somente a designação para cachorro, mas para tudo o que se relaciona com ele – e talvez também para gato.

A criança, entretanto, registra uma infinidade de palavras assimiladas do seu derredor. Imaginem que a criança de 6 anos têm à disposição cinco mil palavras no ativo e 24.000 no passivo. Isso significa que uma criança aprende, em média, onze palavras novas por dia. Para o professor de línguas isso é uma miragem, uma inimaginável capacidade de assimilar a língua materna, tal como assimilar o leite materno.

Podemos ver agora de que maneira isso funciona. Há palavras que a criança ouve, mas não compreende, pois a seqüência é sempre esta: ouvir, falar e então entender e compreender. Há, por exemplo, o uso do mas. Percebe-se que é criança não sabe o significado da palavra. Ela passa a usá-la sempre, em todas as situações, às vezes corretamente e outras não. De repente, um dia percebemos que enfim ela captou o significado. Seria impossível explicar para criança o que significa a palavrinha mas.

Percebemos que a aprendizagem da língua ainda está, de certa forma, ligada à corporeidade. O próximo passo alcançado é quando percebemos que a criança aprende a pensar a partir da língua. Um bom observador o descreveu da seguinte maneira: o pai brinca de bola com uma criança, escondendo-a e mostrando-a em seguida, e pergunta: “Onde está a bola?”. Ela responde “Aí”. A criança pode falar “bola” ou, “bola, aqui”. O pai escreve que chegará o dia em que a criança falará algo muito significativo, o que talvez nem seja percebido por outros. “Onde está a bola?”, perguntará o pai. “Bola aí”, dirá a criança. É um passo gigantesco porque, pela primeira vez, a criança relacionará uma coisa com a outra. Antes era “bola”, “bola, aqui”. Agora é “bola aí”. Percebemos o nascimento da frase. A frase é a polaridade entre a cabeça e os membros, por meio da qual uma afirmação é feita. Algo é afirmado sobre o sujeito: é o predicado. Esta é a base, o essencial da frase, a polaridade entre atividade e processo, de que se diz algo: “Eu tenho algo” (sujeito), e ainda há uma ação que diz algo desse sujeito: o verbo. É onde começa a gramática – está claro que não na idade da criança pequena. Mas nós precisamos da gramática porque existem frases. Esta é também a forma primordial do pensamento. Quando pensamos, sempre pensamos sobre algo e afirmamos algo sobre aquilo. Desta forma, podemos dizer o seguinte: enquanto a criança aprende a falar frases, aprende a pensar.

A partir da fala a criança aprende a pensar, e esse processo de chegar à frase termina por volta do terceiro ano de vida, quando fala eu para si própria. Considerando todo o primeiro setênio em relação à conquista da fala, podemos dizer que ela tem uma relação mágica com a língua e, ao mesmo tempo, uma relação sensorial com a língua. É possível dizer à criança: “Você é boba!” (em tom brando), ela sorrirá, ou, “Foi ótimo!” (num tom bravo). Para a criança vale o tom, e não o conteúdo. Como ela reage ao tom dos pais quando percebe, à noite, que vão sair! Assim que tentam levá-la mais cedo para cama, fazer tudo como sempre, a criança chora e grita. O que acontece? É que a criança ouve as nuances, as sutis diferenças na voz da mãe. A mãe está um pouquinho nervosa, pois ainda não sabe se conseguirá ou não. A criança percebe essa diferença sutil, apesar de a mãe fazer tudo como sempre faz. É um fenômeno semelhante ao dos animais, que têm uma percepção muito maior dos nossos gestos e dos tons de nossas vozes.

Concluindo, pode-se dizer que, no primeiro setênio, o movimento, a fala e o pensamento formam uma unidade que está totalmente ancorada no pólo do movimento. Observemos este verso infantil:

Hoppe, hoppe Reiter.Wenn er fällt dann schreit er.

Fällt er in den GrabenFressen ihn die Raben

Fällt er in das grüne GrassMacht er sich die Fältchen nass.

Fällt er in den SumpfDa macht der Reiter Plumps

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Quando dizemos esse ritmo, brincamos com a criança que está sobre os nossos joelhos, e fazemos o gesto de cavalgar. Assim que acaba, criança fala: “De novo!” [O palestrante sugeriu fazer com a platéia para que se aquecesse, e todos o fizeram].

Observem que a característica é o ritmo, e que o ritmo está sempre relacionado com os membros. O conteúdo não tem um significado determinado. Quando andamos esse ritmo e quando falamos esse verso lidamos com o ritmo. É por esta razão que a criança pequena é muito receptiva ao ritmo. A criança nunca pergunta pelo significado. Ela repete falando o que ouve e se alegra com o ritmo. Esta é, por si só, a melhor formação da linguagem. Podemos observá-lo também nos versos seguintes. Há um verso que existe em várias línguas, talvez também em português [ele o falou em suíço]:

Heile, heile Sega/Drei Tage Regen,Drei Tage Schnee,

Tut dem Kindlein nimmer Weh!

(Sana, sana etc.)

A mãe fala o verso e sopra como se soprasse a dor, e a criança sorri. Esta é atuação mágica da língua. Se atentarmos para o conteúdo, veremos que o verso em alemão significa: Sara, sara, bênção/ Três dias chuva/ Três dias neve [era novembro na Europa], Nada mais dói para a criança! O frio é desagradável – mas qual a relação disso com a dor? Não há lógica! A mãe não pode, porém, falar esse verso em prosa, sem ritmo [o palestrante o falou sem o ritmo].

O que é exigido do educador do primeiro setênio?

É fundamental que o educador esteja completamente dentro do som e da sonoridade no momento da fala. Tem de se identificar, portanto, com aquilo que estiver falando. Toda a educação da linguagem é, no primeiro setênio, exemplo e imitação.

Durante a aprendizagem da linguagem ocorre uma importante intervenção, que é a troca dos dentes. Do ponto de vista antroposófico, a troca dos dentes é um processo que abrange a criança como um todo. No primeiro setênio, o movimento, o falar e o pensar formam uma unidade relacionada à corporeidade. Todas as forças plasmadoras do corpo etérico estão voltadas para a constituição do corpo, e a última coisa que o corpo etérico expele são os dentes definitivos. A segunda dentição possui o material mais duro de todo o organismo humano. Observando a diferença da mordida de uma criança que ainda não passou pela troca dos dentes e a daquela que já passou, veremos que na primeira ainda há espaços entre os dentes, que se fecham com a segunda dentição. Nesta existe um limite entre o fora e o dentro e, ao mesmo tempo, uma nova possibilidade, pois uma parte das forças plasmadoras, estruturantes – as forças etéricas – fica livre, e pode ser usada noutro âmbito: a capacidade ou a possibilidade de aprender coisas por meio da memória, ou seja, a maturidade escolar. Antes dessa troca de dentes tais forças estão ativas na estruturação da corporeidade, e após esse processo ficam à disposição da criança para o aprendizado. Neste estágio, a fala se emancipa do movimento. A fala se torna autônoma.

Não se pode imaginar que uma criança contente com algo fique sentada, com os braços imóveis. A criança como um todo expressa a sua alegria, e seus gestos, sua corporeidade, são partes dessa alegria. Quando imaginamos uma criança no quarto ano, ela pode estar sentada tranqüilamente na classe e interiormente estar apreciando, participando, rindo sobre o que está ouvindo. Isto mostra que uma vida interior nasceu. Podemos dizer que a criança não vive mais tão fortemente nos membros, mas que vive fortemente no ser humano mediano, no âmbito do coração. Por isso precisamos falar de tal forma que a imagem, o imagético contido na fala venha a se expressar. E mais: pode-se dizer que a troca dos dentes é um processo em que a linguagem está vinculada à consoante. É através dos dentes que conseguimos expressar com clareza que tudo o que é compreensível e

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audível. Os dentes são as forças formativas da linguagem. Sem dentes é apenas possível balbuciar, e a clareza da expressão desaparece.

Agora podemos olhar para um mistério, apontado por Rudolf Steiner, que diz respeito à tarefa principal da educação após a troca dos dentes. Nesse momento não se deve mais dirigir a preocupação à estruturação da corporeidade, do físico, mas ao anímico, à estruturação, à formação do âmbito da alma. É possível dizer que no segundo setênio as forças estruturantes precisam constituir uma “estrutura óssea anímica”, do mesmo modo que no primeiro setênio foi constituída uma estrutura óssea física. Surge uma “dentição anímica”. Mas o que é uma dentição anímica?

Em relação à língua, pode-se afirmar duas coisas. Primeiro: para aprender a falar corretamente a forma da língua, as consoantes, deve-se aprender a gramática. A gramática é o meio que possibilita a estruturação do anímico da criança, e, através disso, ela se torna o meio que intensifica a percepção de si própria. Segundo: a outra parte da estruturação óssea do anímico é o desenvolvimento da memória. É muito importante que exatamente nesses primeiros anos escolares a memória seja muito desenvolvida e muito fortalecida.

Rudolf Steiner apresenta, em uma de suas palestras, uma fórmula de ensino da língua para todo o segundo setênio, que consiste em três fases. Primeira: o desenvolvimento de uma percepção correta da língua. É preciso aprender a escrever e a ler; expressar corretamente as formas da língua são forças do direcionamento correto. Isto corresponde à formação da estrutura óssea. Em relação à idade intermediária do segundo setênio, Rudolf Steiner diz: “Deve-se desenvolver um sentimento pela beleza da fala, pelas imagens que estão na linguagem: a beleza dos poemas, das palavras, das frases”. Na terceira fase, mais próxima da puberdade, é preciso transmitir a força existente na linguagem, o poder da linguagem: o elemento dialético. A primeira fase é a percepção do correto, isto é, gramática; a segunda fase, do belo, é a retórica; a terceira fase é uma percepção do poder que se obtém através da linguagem, é a dialética da linguagem. Isto não é mais do que a metamorfose das primeiras três das sete artes que constituíam o princípio formativo em toda a Idade Média e na Antiguidade. Podemos constatar:

-Gramática: o esqueleto.-Retórica: a vida;-Dialética: o pensamento.

Percebemos que na puberdade algo se liberta: a discussão. Todo professor conhece: quando ele diz algo, alguém diz algo contra, rebate; professor diz algo diferente e logo um outro diz algo diferente; novamente surge uma outra manifestação. É apenas é possível dizer: “Agora chega!”.

Por último, hoje ainda gostaria de falar sobre a segunda etapa da aprendizagem, e amanhã voltarei aos setênios.

[O Dr. Zimmermann perguntou se era possível continuar ou se era melhor fazerem uma pequena pausa para exercícios corporais. Fez, então, o exercício com a conhecida palavra mágica abracadabra, possível de ser feito no sétimo ano em quatro variantes, relacionadas aos quatro temperamentos:

Abracadabra: melancólico Rabadakabra: fleumático Bradakaraba: sanguíneo Cadarabraba: colérico]

Observemos a cisão: troca dos dentes = fase consonantal; troca da voz = fase vocálica. Temos o início do pensamento autônomo. Aqui temos algo da morte do escorpião, o que se percebe quando alguém fala corretamente.

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O pensamento na puberdade

No 9o ano damos o seguinte exemplo de Sócrates, relacionado ao autoconhecimento:

aluno: A virtude é ensinar? Sócrates: Caro Menon, eu não sei o que é virtude! aluno: Mulher, homem... Mas a virtude simples...Sócrates: Eu não sei o que é virtude! (ponto zero). Só sei que nada sei!

Daí se aprende...

Na puberdade, o pensar se emancipa da linguagem. Durante a troca dos dentes a fala se liberta do movimento e, durante a troca de voz, a fala se liberta do pensamento. Observemos as crianças e suas diferenças: na puberdade, o organismo se une mais à vida terrena (à maturidade terrena). A euritmia atua harmonizando essa superação. As forças naturais do querer se retraem, e o ser humano deve então conquistá-las. Ele deve preencher tais forças e fazer nascer a capacidade volitiva. A voz desce uma oitava nos meninos, e nas meninas uma terça. Ele, no inicio, perde a voz – é uma impotência. Com o tempo, percebemos como que uma pausa da língua. Assim como perdemos os dentes, perdemos a voz humana herdada dos pais. Há uma perda das consoantes e da medida [estrutura da língua]. É um estado comparável ao de um ébrio – um estado de embriaguês.

***

TERCEIRA PALESTRA

Hoje abordaremos a primeira pergunta que me foi feita, e a segunda será respondida durante a palestra: qual é a relação entre as forças crísticas e o ato de se levantar, de erguer-se?

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Nesta relação é preciso considerar o Cristo como um ser que não é idêntico ao homem de Nazaré. No princípio era o verbo, e Cristo viveu entre nós esta palavra universal. Cristo é um elevado ser solar que viveu durante três anos sobre a Terra. Também no evangelho de João lemos: “Eu sou caminho, a verdade a vida”. E se Cristo morreu para todos os seres humanos, independentemente da religião a que pertençam, então ele deve ser relacionando com aquilo que é essencialmente humano, o eu.

Através de quê nós podemos ser eu? É através da nossa estrutura humana ereta – contrária à do animal, que anda na posição horizontal. A verticalidade é própria do ser humano, e através dela se estabelece esta região mediana [torácica], que nos possibilita falar. Os braços se tornam livres e, com eles, os gestos da fala. Ao mesmo tempo, a cabeça chega à posição de repouso. Observem uma galinha bicar grãos. Ela faz movimentos para baixo e para cima e – constatem! – este é um ser que não pode pensar. Para pensar é necessária a posição de repouso da cabeça. Quando refletimos sobre isso vemos que nós nos separamos da gravidade da Terra, e que assim podemos nos movimentar livremente. Podemos então nos movimentar de maneira humana. Ao mesmo tempo temos, no espaço intermediário, a fala, através da qual nos comunicamos com os outros e nos entendemos com as outras pessoas. A fala é o elemento social.

Um terceiro ponto é: o pensar é uma capacidade, e por meio dela nós próprios podemos nos desenvolver. É através do pensar que podemos representar algo que queremos ser no futuro, mas que ainda não somos. Nós podemos ter idéias e transformá-las em ideais. Assim podemos nos transformar, progredir gradativamente e nos tornar alguém no futuro. Podemos dizer: O movimento, a fala e o pensamento humanos são os meios pelos quais o ser humano se torna humano. E essas três forças se desenvolvem nos primeiros três anos de vida. No primeiro ano de vida desenvolve-se o andar ereto; no segundo ano de vida, a capacidade da fala; no terceiro ano de vida, a capacidade de pensar. Só depois de desenvolver esses instrumentos é que a criança fala eu. Tais forças atuantes em cada ser humano – que o permitem conquistar a verticalidade, o “estar ereto” – e a conquista da fala, do pensar, são as forças do Cristo. Assim como em cada há um eu, existe um eu que é o representante da humanidade como um todo, e então podemos chamar esse ser representante de Cristo. Este Cristo não está relacionado com o homem histórico que atuou em Jerusalém e em Nazaré. Trata-se de um elevado ser solar. Assim, pode-se dizer que em cada ser humano vive a força solar da ressurreição no movimento, bem como a ressurreição vive na fala, na palavra, no pensar. Isto pode ser lido na obra de Rudolf Steiner A Direção Espiritual do Homem e da Humanidade*. Por isso é que a tarefa mais sagrada do educador ocorre no primeiro setênio. Também é essa a idade em que a criança precisa de maior proteção.

Ontem nós percorremos todo o percurso da conquista individual em relação à fala. A relação com a língua, no primeiro setênio, é sobretudo mágica. Nessa época o adulto ainda consegue, através da fala, atuar sobre a criança com força de transformação.

Em seguida temos, com a troca dos dentes, a primeira grande transformação. A troca dos dentes é um processo consonantal. Observando do ponto de vista antroposófico, podemos dizer que as forças plasmadoras, ativas no corpo no primeiro setênio, são parcialmente libertas e ficam disponíveis para a aprendizagem. Rudolf Steiner chama esse processo de nascimento do corpo etérico individual. Isto se expressa internamente pelo fato de que movimento e fala se libertam um do outro. Forma-se um espaço interno. As crianças precisam formar um querer anímico e vivenciar as imagens das histórias. A “estrutura óssea anímica” se forma através da gramática e também através de uma relação com uma autoridade.

Então temos a segunda grande transformação corpórea: a puberdade – isto é, a mudança da voz. É por meio da voz que a criança entra com a corporeidade nas forças gravitacionais terrenas, a maturidade terrena. Os membros se tornam pesados, a voz se desestrutura inicialmente, depois desaparece e reaparece mais grave, e o pensar começa a se tornar independente no pólo da morte. Pode-se dizer que ocorre novamente um processo de nascimento. É o que Rudolf Steiner chama de nascimento do corpo astral: a capacidade de carregar autonomamente as faculdades do pensar, do sentir e do querer. A movimentação corpórea deve ser conquistada a partir das forças individuais. Tal como a criança de sete anos recebe dentes próprios, o jovem recebe a sua própria voz. Uma nova capacidade é o pensar independente da fala. Desta forma, podemos dizer que os três instrumentos do eu estão à disposição dessa personalidade.

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A tarefa do ensino no terceiro setênio é colaborar para que os três âmbitos possam ser realmente preenchidos. Quando comparado à troca dos dentes, o processo da mudança de voz pode ser chamado de processo vocálico. Desta forma, podemos dizer que a belíssima idade do sete aos 14 anos e pode ser comparada a uma sílaba: aos sete anos a consoante, aos 14 anos a vogal. E então temos a situação do jovem, que podemos comparar a um teatro: quando as cortinas se fecham é preciso fazer um novo cenário, e para isso coloca-se a placa com os dizeres “fechado para reforma” – ou seja, trata-se de encontrar uma nova relação com o mundo, e a primeira tarefa é transformar as forças que vêm da alma e da corporeidade na ocasião do nascimento do corpo astral. Quando o corpo astral acaba de nascer, ainda precisa de muito calor e de muito cuidado. O pensar está no estado de recém-nascido, e sua capacidade de expressão e toda a sua movimentação é ainda bastante rudimentar. O título do terceiro setênio poderia ser “Saudade do Nascimento do Eu”. Os adolescentes assumem a postura de maioridade como se fossem fortes e preenchidos, mas na verdade nada têm por detrás. Isto fica bem evidente quando as forças infantis e os conteúdos se retraem, e surgem essas novas faculdades do pensar e da fala: há uma abertura para todo tipo de tentação. É a idade de maior tentação em todo o desenvolvimento da criança. É necessário dar muito calor a alguém nessa idade. Lógico, não é aquele calor que surge quando a mãe fala para uma criança “Você precisa de um agasalho” – neste caso, o jovem apenas daria um grunhido indefinido.

Considerando essas saudades, esse anseio do eu, o que podemos fazer em relação à aula? É evidente que tudo o que fazemos precisa estar sob a qualidade exemplar, sob o exemplo do eu. E de que maneira podemos fazer com que uma qualidade do eu seja percebida? Primeiramente mediante as biografias, nas quais o eu é o exemplo. É a idade das biografias. Por meio delas o jovem pode perceber de que maneira outras pessoas lutaram e sofreram derrotas que se tornaram conquistas.

Um segundo elemento é o que se chama de estilo. É possível percebê-lo na literatura e identificá-lo como eu: quando se conhece bastante literatura, basta ouvir o estilo de um poema para perceber a expressão do eu, e então poder afirmar que tal estilo só poderia ser de tal período da literatura e de tal autor. Portanto, o estilo como expressão do eu.

É por isso que a formação do estilo é uma das coisas mais importantes nesta idade. Pode-se fazer, por exemplo, o seguinte exercício: primeiramente, uma coletânea de expressões verdadeiras de fulano. “Quem consegue 23 exemplos?”. Estes podem, depois, ser lidos. Percebe-se, então, a existência de âmbitos estilísticos. Em alemão o significado de Haupt é algo maravilhoso: cabeça, fronte, cachola ou cear, comer, devorar – isto é, aprendem-se âmbitos diferentes. Uma outra tarefa seria descrever como pessoas da alta nobreza, que comparecem a um belíssimo castelo, iriam se comportar num jantar. E ainda: descrever como se comportariam os mendigos sob a ponte do rio Sena, em Paris. Chega-se então a uma percepção de estilos diferentes. Isso também é um elemento de forma.

Havia uma segunda pergunta: de que maneira pode-se reconquistar o elemento consonantal que o jovem perde com a mudança da voz?

Para isso temos as recitações, e sobretudo o teatro é uma ajuda fundamental maravilhosa. Quando os alunos falam o poema da manhã, suas posturas parecem mais uns pontos de interrogação. Não adianta dizer: vamos tentar ficar em pé, eretos. Sempre há algo de moralidade. E eles não suportam tão bem o “moralizante”. Numa peça de teatro, porém, se o Rei Afonso subir ao palco todo largado, desmazelado, ouvirá: “Este não é um rei, é o um molenga!”. Durante a parte rítmica da aula, eu muitas vezes fiz os alunos exercitarem as diversas formas de andar. Por exemplo: um rei orgulhoso entra e anuncia algo. Ele entra com movimentos bem decididos. É possível fazê-lo para os quatro temperamentos. O melancólico vai andando meio para frente e parece que vai cair; porém, quando entra o sanguíneo saltitante, muda de direção. É uma andar bem diferente. Outro é o fleumático, e não vai nem bem para a direita, nem bem para a esquerda. Segue o colérico com o queixo ressaltado, as panturrilhas tensas e fala mais o menos assim [exemplifica]. Pode-se levar adiante deixando que o sanguíneo e o melancólico travem um diálogo. É possível fazer essa parte bem diversificada, pois os alunos gostam de participar Gostam de fazê-lo, pois gostam de fazer teatro e tudo o que se relaciona com o elemento da forma – e portanto com o elemento consonantal.

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Para o elemento vocálico encontramos em especial o âmbito da alma. O encontramos no teatro, onde uma situação anímica se altera e muda dentro da peça [o palestrante está convicto que o diálogo teatral deve ser cultivado em cada fase da vida].

É possível começar com improvisações. Descrevamos uma situação: uma mulher que quer encontrar uma coisa e a procura no armário, ou um professor distraído quer fazer compras. É possível encontrar muitas situações do cotidiano e representá-las. Neste caso, o movimento é inserido no gesto de apresentação. A educação do gesto é também a educação da fala, e da mesma forma a fala é a educação do gesto. Esse é o elemento dramático em especial, que também é importante na puberdade.

Agora observemos o plano de ensino segundo Rudolf Steiner para as classes mais altas. Uma pergunta sempre surge: de que maneira podemos transformar o espaço lingüístico de uma outra cultura? É evidente que a pedagogia Waldorf precisa universalmente diferenciar o currículo de ensino conforme o lugar. É também evidente que não se pode transportar o currículo da Europa Central, tal qual ele é, para a Austrália, África ou América do Sul. Faz-se necessário, então questionar: o que pode ser modificado e o que quero atingir com uma indicação curricular? Há um patamar que trata da cultura daquele lugar, por exemplo: Goethe e Schiller na Alemanha, Shakespeare na Inglaterra etc. É preciso distinguir o que tem um significado nacional daquilo que tem um significado universal.

Eu jamais limitaria as obras de Shakespeare à Inglaterra. Shakespeare é significativo para o mundo todo. O mesmo acontece com Goethe e Schiller. E principalmente a amizade entre Goethe e Schiller, que é algo de um significado universal quando se percebe que Schiller é totalmente diferente de Goethe. Goethe, na corte de Weimar, é aplaudido por todos, enquanto Schiller é um pobre em busca de sua existência. Devemos observar como lentamente se aproximam. Inicialmente tratava-se de um amor-ódio por parte de Schiller, que lentamente se transforma. E então, num aniversário de Goethe, Schiller escreve uma carta em que descreve a essência do ser de Goethe de forma tão precisa que nem o próprio Goethe poderia fazer. Por meio dessa amizade espiritual todo o classicismo alemão se tornou possível. Nessas duas figuras já está dado, de certa forma, o cerne de toda a antroposofia. Por isso eu não abriria mão desses dois personagens no oitavo ano.

É óbvio que ao lado deles também devemos falar de poetas, de escritores e de autores brasileiros consagrados. É preciso dizer que o currículo do Ensino Médio não é tão restrito quanto o do Ensino Fundamental. O Ensino Médio é muito mais livre. É preciso que haja fantasia para saber o que é melhor e que todas as indicações curriculares sugeridas sejam avaliadas, bem como saber o que é primordial e o que se refere mais à situação local. Todas as indicações curriculares sugeridas por Rudolf Steiner devem ser avaliadas sob este aspecto.

Sigamos agora abordando um pouco o Ensino Médio, e então entremos cada vez mais nos aspectos antropológicos que o norteiam. Rudolf Steiner indica duas épocas de língua para o nono ano: a primeira sobre Goethe e Schiller e a outra sobre o humor. Agora imaginem a situação do aluno do nono ano. A meu ver, não há aluno ou aluna do nono ano que queira permanecer como é. Existe um desconforto dentro do próprio corpo. Há problemas de dores anímicas. Não são capazes de dominar bem os sentimentos. Temos a impressão de que tudo está em ebulição. Num determinado sentido, o nono ano tornou-se a estrutura de um herói revolucionário. O pior nessa idade é o aproveitamento. Preferem que tudo permaneça como é. O melhor método de lidar com esses alunos é deles exigir algo que nós exigimos de nós mesmos: reprocidade. Que se façam experiências anímicas mostrando que o problema foi entendido e que será trabalhado.

Quero dar como exemplo o que fiz na época de História da Arte no nono ano. Em História da Arte fala-se da antiga cultura egípcia, da cultura grega e assim por diante. Propus aos alunos que se sentassem como faraós, com as pernas bem paralelas, um braço sobre o colo e o outro sobre o cetro, o olhar para o infinito, e que assim permanecessem por três minutos. Quando o fizerem seguramente haverá uma menina que precisará rir. E quando um ri, os demais são contagiados. Há aqueles que ficaram firmes, que estavam sentados ao lado dos que riam: “Eu sei me controlar”. Outros procuraram resistir, mas perceberam que não agüentavam. Quando disse que se tratava de uma experiência de exercício anímico, de ver quem conseguia fazê-lo, ele se tornou interessante. Mas

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se eu o abordasse do ponto de vista moral, de ver quem conseguiria se controlar, tornar-se-ia impossível. Nunca podemos falar num tom de moral.

Quando observamos Goethe e Schiller, temos o grande exemplo de uma imagem típica de pessoas que passaram por uma grande crise, depois temos a amizade tão significativa dos dois e ainda podemos abordar os dramas das suas autorias. Temos então a qualidade de um eu desenvolvido, a qualidade de um eu para o qual é possível olhar com admiração. Também no terceiro setênio temos de constituir uma “estrutura óssea”. Mas essa “estrutura óssea” é espiritual, uma “estrutura óssea” de idéias, daquilo que eu quero me tornar. Este é um dos lados: olhar para as grandes personalidades.

O outro lado é o humor. É o mais importante nessa idade. O que é o humor? O humor está sempre relacionado com o fato de podermos nos distanciar de nós mesmos, de podemos rir de nós mesmos. É o último humor aquele em que se ri do outro. O humor verdadeiro, puro, é aquele em que todos podem rir juntos. Quais as diferenças de humor existentes? Um humor bem simples é aquele em que se ri de imediato porque a piada era boa, ou em situações que são simplesmente gozadas. Por exemplo: um professor bem alto e magro ao lado de um bem pequeno é, por si só, engraçado. Há aquele humor fortemente arraigado na razão, no pensar: um humor em que não se ri de imediato, apenas um pouco mais tarde, quando se entende o que aconteceu. Há muitos exemplos coletados em literatura específica. Na Alemanha há uma coletânea de Lessing. Quero citar uma pequena frase de Lessing que primeiro se ouve e só depois se dá uma risada bem determinada. O título: Epitáfio Sobre um Enforcado (nada animador): “Aqui ele descansa quando o vento não sopra”. Podemos dar mais exemplos deste tipo, e depois perguntar aos alunos: “Como e de quantas maneiras diferentes podemos rir?”. É possível estruturá-las a partir das cinco vogais, bem como descrever a partir da situação. Há aquelas risadas libertadoras em que simplesmente se ri livremente. Há uma risada às custas de alguém, aquela risada bem espremida, rêrêrê (debochada). As diferentes vogais dão entonações diferentes. Devemos também levar em conta as necessidades dos alunos que estão voltados para dentro de si. Pode ser que isso atinja uma aluna de forma horrível, e que um mês depois a aluna ainda fale de como foi horrível. Posso falar bem diferente: ôô, haha. Isso é muito próprio da puberdade. É uma das sutilezas da linguagem na puberdade uma mesma palavra, dita de forma diferente, poder provocar sentimentos tão diferentes. A fala é o que dá plasticidade interna à linguagem.

Prossigamos com o décimo ano, em que ocorre uma relação muito profunda entre os alunos e o peso [corporal]. Ainda não sabem o que querem do futuro e têm um pouco de medo, mas geralmente já saíram do pior da puberdade. É muito importante apresentar aos alunos dessa idade elementos de uma verdadeira amizade. Eles também têm problemas, tais como: gostariam de se tornar independentes, de se livrar do contexto e dos hábitos sociais, de cortar o cordão umbilical das leis naturais etc. Quando olhamos para o plano de ensino do décimo ano, lá encontramos dois temas: a Canção dos Nibelungos e a Origem da Linguagem. Numa terceira época temos a poesia, ou seja, as formas poéticas – isto é, trabalhamos a Edda, a origem do mundo já ouvida no quarto ano, porém sob outro ponto de vista: toda a epopéia dos Nibelungos, que é uma epopéia horrível. Siegfried, o herói solar, é morto. E toda a segunda parte é a vingança desse assassinato. Sempre se chega à situação em que as pessoas do mesmo clã lutam entre si. No final, ninguém desse clã sobrevive. Dietrich von Bern é o último, e assiste ao fim de todo o clã.

Podemos nos perguntar: “Devo contar todo esse horror?”. E em seguida surgirá a pergunta: “Qual é o motivo disso?”. O motivo é mostrar que a comunidade dos laços de sangue chegou ao fim, e que agora surge a seleção eletiva. Esta é uma razão para se abordar as diferentes formas de comunidades. Comunidades de laços de sangue serão substituídas por comunidades de interesses ou ideais. É o começo de uma reflexão sobre a origem da linguagem que utilizamos diariamente. É um estágio mais elevado, em que refletimos sobre algo que já vive dentro de nós como um segredo. A motivação primordial são as perguntas: o que é uma comunidade moderna? Sobre o quê está embasada uma comunidade moderna? Será possível substituir a Canção dos Nibelungos por algo de valor equivalente no próprio âmbito cultural, que igualmente expresse essa imagem primordial de comunidades de sangue que chegaram ao fim, e que mostre ser necessário criar uma nova comunidade a partir do espírito, de ideais de uma comunidade espiritual? A poesia é uma oportunidade maravilhosa de trazer à tona o que está subjacente, escondido nos alunos. Nessa época eu sempre fazia um concurso de trovadores. Pedia para

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que os alunos escrevessem poesias com formas previamente bem determinadas. Muitas vezes também os meninos escrevem versos numa forma bem apurada, a lírica. E assim, todo o Ensino Médio estimula sobretudo a atividade própria, e não a matéria excessiva – estimula a atividade própria dos alunos.

Chegamos então ao 11º ano, cujo tema básico é o romance de desenvolvimento. É claro que em todos os âmbitos lingüísticos encontramos exemplos. Podemos pegar exemplos de Guimarães Rosa, mas é importante que o arco vá do romance de desenvolvimento da Idade Média até a atualidade. Jamais deveríamos abrir mão de uma época independente com origens no âmbito lírico místico alemão: a da epopéia de Parsifal. Lecionei por mais de vinte anos, mas nenhum outro tema é tão central para os alunos quanto Parsifal. Por que há uma relação? É porque o romance de Parsifal tem um esoterismo profundo. Wolfram von Eschenbach foi um iniciado que mostrou, por meio de sua obra, o desenvolvimento arquetípico do ser humano. A primeira fase trata da ingenuidade, do modo de ser natural, da solidão junto à mãe. Ele era o bobo. Entra na comunidade dos cavaleiros e recebe instruções para tornar-se um deles. E então liberta a mais bela mulher, Condwiramurs, e com ela se casa. O romance poderia acabar com o casamento, porém se inicia, logo a seguir, a etapa mais profunda. O leitor (ou o ouvinte) sabe que a mãe de Parsifal morre quando ele parte. Com o passar do tempo, surge em Parsifal o desejo: “Eu gostaria muito de rever minha mãe”. Mas ela está morta, portanto é como um chamado do mundo dos mortos. Ele chega ao castelo do Graal, ao qual normalmente ninguém chega. Lá vê todo aquele esplendor e encontra um ser humano que sofre, doente: Anfortas. Ele fica tão admirado que pensa se deve ou não perguntar. Conclui: “Não, meu mestre cavaleiro, Gurnemanz, me disse: ‘Não faça perguntas desnecessárias”.

É possível debater com os alunos qual é a essência dessa pergunta. É possível perguntar por curiosidade. Pode-se perguntar quando se quer saber algo. Pode-se perguntar por amor ao conhecimento. Pode-se perguntar por compaixão. Mas a pergunta fundamental deve ser reconhecida pelo professor. O fato de formular uma pergunta liberta, e um problema se resolve. Mas Parsifal não faz a pergunta e, por causa disso, atira-se numa grande desgraça. Ele cai em desgraça porque faz exatamente aquilo que seu professor lhe disse. Mas existe um âmbito em que não se pode agir conforme o que o outro disse, em que é preciso agir a partir da presença de espírito. E agora, na frente de toda a corte do rei Artur, é amaldiçoado por um ser horripilante: Cundrie. Muitos alunos e alunas têm essa sensação de serem amaldiçoados. “Eu posso fazer como eu quiser, sempre dá errado!”. Agora há um caminho, que é o essencial, a terapia para o 11º ano. Parsifal sabe que jamais poderá reencontrar o Graal, mas mesmo assim o procura. Duas coisas estão no seu coração: a procura pelo Graal, isto é, a busca pelo supra-sensível, e a procura pelo amor, pela esposa. Eu não pretendo contar a história inteira, apenas extrair esses motivos. É claro que acaba encontrando o Graal. Mas seu percurso é o do desenvolvimento do processo natural no caminho para a cultura social na comunidade, para a superação e recepção do individual no presente. É recomendável fazer essa época combinada com atividades artísticas – por exemplo, a pintura. E também sugerir que façam algo para o quarto ano: recontar Parsifal para os alunos de quarto ano, mas de forma bela. As imagens dessa epopéia atuam de maneira muito forte. É uma obra do cristianismo esotérico que, ao mesmo tempo, é algo apropriado ao Homem moderno. É claro que a coisa mais bela que se pode dar ao jovem é a consciência de que “eu posso me desenvolver; não preciso permanecer assim como eu sou agora”.

O 12º ano está, por um lado, sob o signo de Fausto [de Goethe]: o homem que, durante sua busca, se reúne com o mal. O outro elemento é uma visão geral de toda a literatura. Creio não ser fácil encontrar outro drama; Fausto não pode simplesmente ser substituído, apesar de haver outras obras com o elemento da busca e do encontro com o mal. De certa maneira pode-se dizer que o 12º ano é uma realização de todos os elementos presentes no primeiro ano. No primeiro ano, todos os elementos formam a unidade do “eu em mim” nos contos-de-fadas. No primeiro ano, essa unidade absoluta do eu e do mundo emerge dos contos-de-fadas. Nas classes seguintes essa unidade desaparece, e, no oitavo e nono anos, se chega à multiplicidade despertada por muitas matérias. No 12º chega-se novamente a uma unidade – aquilo é uma unidade a partir do conhecimento, a unidade a partir da interrelação entre todas as coisas. Assim, pode-se dizer que o plano curricular parte de uma unidade, e que depois há uma diversificação, uma separação e um fechamento, em que tudo se encontra a partir do conhecimento, em que tudo se reúne.

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Em todo o percurso curricular do Ensino Médio há três perguntas que todo aluno tem. São perguntas latentes, não formuladas, internas. E essas três perguntas nós, como educadores, temos de conhecer.

Primeira pergunta: “Quem sou eu?” (o questionamento da própria identidade, da própria liberdade).Segunda pergunta: “Como encontro eu o tu; como encontro eu o outro?”. Há uma frase maravilhosa de

Martin Buber*: “Eu, tornando-me eu, falo o tu”.Terceira pergunta: “Qual é a minha tarefa neste mundo, a partir da pré-concepção; qual é a tarefa que eu me

propus a realizar, a partir do pré-natal?”. Se trouxermos essas três perguntas conosco, como pano de fundo, compreenderemos os jovens. Quem sou eu? Como encontrar o “tu”, o outro?Qual é a minha tarefa no mundo?

QUARTA PALESTRA

Hoje trataremos do humor, e o centro dele vai ser a gramática. Geralmente a palavra gramática é associada à cor cinza, mas é minha ambição obter uma cor verde no fim da palestra.

Primeiramente falarei de algumas perguntas que recebi sobre a palestra de ontem. Uma delas fala de alunos que têm como modelo a biografia de um cantor de rock, como a de Michael Jackson... Hoje não mais, mas devemos distinguir, de qualquer maneira. Uma das perguntas foi como e quando os alunos elegem seus ídolos.

Nesse momento deve haver uma intervenção. Eu impediria de qualquer maneira. Essa necessidade de olhar para cima, para um ídolo, é, de fato, significativa e importante. Olhar para um jogador de futebol segue essa mesma tendência. É por isso que, quando tratamos das biografias em aula, é preciso mostrar que vale a pena olhar para cima, com admiração. No sétimo e oitavo anos cada aluno apresenta uma biografia, e não faz importa se um deles conta uma biografia de um cantor de rock. O importante é entrar nessa temática e falar com o aluno, e talvez chegar a discutir com ele se aquele ídolo é, de fato, um herói da humanidade. No nono ano propus, àqueles que quisessem, irmos juntos assistir a um jogo de futebol. Depois conversamos a respeito dessa massificação e sobre reações de massa, onde o julgamento individual se apaga totalmente e prevalece o julgamento coletivo. É importante adentrar esse mundo; ele não deve ser negado.

A segunda pergunta foi a respeito da época de Parsifal. Algumas escolas lidam com esse tema durante uma semana inteira, e fazem desse conteúdo um projeto de trabalho intenso e exclusivo. A pergunta é: não deveria ser uma época de literatura, em se leria a respeito? Deve ser feita uma semana intensiva ou não?

Eu diria que não se deve fazer uma separação tão forte entre a literatura e esse projeto. É possível, por exemplo, retomar o conteúdo depois dessa semana intensiva e ler trechos da epopéia no original, para então aprofundar o que foi tratado no decorrer da semana. Basicamente, no entanto, posso dizer que, pela experiência, em todas essas épocas, como também na epopéia dos Nibelungos, é o próprio professor quem conta as imagens da história. Fiz uma experiência e observei que os alunos têm cada vez mais dificuldades de fazer uma leitura própria e depois transformar o conteúdo lido. Por isso, o método melhor é aquele em que primeiramente se conta o romance ou a história e depois os alunos lêem trechos ou passagens daquela obra.

Uma terceira pergunta foi: se, na puberdade, o aspecto consonantal como forma é o mais necessário, o que acontece com aspecto vocálico?

O elemento vocálico vive em toda parte em que vive o ambiente anímico [ele recita uma balada que depois pode ser transformada em uma seqüência de vogais]. Ou uma peça de teatro. Rudolf Steiner sugere, inclusive, a representação pictórica do ambiente anímico causado pelas vogais. Pode-se também criar um diálogo em que duas características conversem, uma a-o e a outra i-e. Há seres humanos que permanecem mais no pólo dos

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nervos, e há seres humanos que estão mais no pólo sangüíneo. Ouçam um exemplo e percebam essas duas características: (devagar) “Sahst du das Blass an Zahn und Mund?” (rápido) “Nichts im Gesicht bemerkte ich”. Percebemos que existe uma atuação muito diferente. Pode-se dar uma tarefa em que uma seqüência de vogais seja dada para que, com elas, se escreva uma história.

A terceira pergunta fala do desenvolvimento da linguagem mágica e da desvalorização da linguagem atual. De um lado, podemos lamentar que esse poder de imagem, essa magia da língua, tenha fortemente se retraído, mas dentro do contexto do desenvolvimento da linguagem ainda estamos na situação de uma pessoa na puberdade. A força mágica que preenche a palavra está retraída, e agora ou a língua se torna uma frase oca e vazia, ou é algo preenchido pelo eu, concernente à liberdade. Por exemplo: se a antroposofia tivesse sido escrita na linguagem daquele verso mágico, não haveria a liberdade de aceitar ou não o que está escrito. Vejam, o distanciamento do poder da língua é necessário para que se mantenha a liberdade diante do pensamento. O desenvolvimento oposto seria conquistar conscientemente essa linguagem, a partir das forças individuais – a segunda questão colocada ontem.

Agora eu gostaria de voltar ao tema da gramática na aula. Tratamos da gramática do terceiro ao 12º anos, mas as épocas mais importantes são as primeiras épocas do terceiro, quarto e quinto anos. Rudolf Steiner chama a atenção dizendo que, também na escola Waldorf, o ensino da gramática é ruim demais porque os professores não têm um vínculo com a gramática. Eis o grande problema. Só nos é possível ensinar – e, de fato, ficarmos entusiasmados – quando nos ligamos intensamente ao conteúdo. Eu mesmo dei um curso em que tentei me entusiasmar pela gramática...

Mas existem algumas pedras pelo caminho, e uma delas é quando o bom professor defende o seguinte ponto de vista: “no princípio era a gramática, e depois veio a língua com seus belos exemplos” – ou seja, a língua seria uma enorme variedade de exemplos para as regras. E como é a realidade? A realidade é que, quando a criança vem para escola, já possui toda a gramática. Com seis anos a criança já sabe falar tantas frases gramaticais totalmente corretas quantas quiser. O ensino da gramática nada mais é que elevar o que já vive dentro da criança a um patamar consciente, pois, na verdade, ela já possui esse conteúdo. Por isso Rudolf Steiner considera tão importante que esse início do ensino da gramática no terceiro, quarto e quinto anos, pois fortalece a percepção de si mesmo e está relacionado a um princípio metodológico básico: no início é preciso produzir muito conteúdo de linguagem, e a regra vem depois. Não se deve trazer a regra antes, nem cedo demais.

Mostrarei isso, como exemplo, numa primeira época de gramática. A língua de um ser humano, como um todo, é inerente à gramática. É fundamental relacionar o ensino da gramática com o ponto de vista antropológico. Já vimos no exemplo “bola”, “bola aqui”, a polaridade entre movimento e estagnação; é um tema relacionado à atividade ou um estado. É a primeira coisa que deveríamos fazer no segundo ano: diferenciar algo de um processo.

Chegaremos, por exemplo, ao terceiro ano, quando temos a época da construção de uma casa. O que é necessário para a construção uma casa? O pedreiro faz as paredes, o eletricista coloca os fios. Construir, montar, edificar, parafusar. E o que surge através do parafusar, construir e montar? Surge uma construção: um quarto, uma parede, uma casa. Ou ainda podemos perguntar: o que o fogo pode fazer? Queimar, flamejar, arder, crepitar. O que a água pode fazer? Pingar, fluir, correr, jorrar. Nada falaremos de verbo ou substantivo. As crianças, porém, vivem nesses dois mundos. Depois de exercitarem uma coisa depois da outra, surgirá a maravilhosa história da criação do mundo, em que Deus Pai diz: “Faça-se a luz”, e a luz se fez. E Deus cria o mundo e cria o Homem. O Homem nomeia as coisas. Primeiro, criar: movimento, membros e depois a cabeça. Ou seja: o verbo e o substantivo.

O ensino da gramática é, na realidade, a arte de levar o verbo ao substantivo. Quero agora mostrar isso com um outro exemplo. O sol brilha. Nós temos o brilho; fluir e fluxo; cheirar e o cheiro. É claro que não fazemos assim com as crianças, mas podemos fazer para nós mesmos a diferença ao falarmos: cheirar – o cheiro; fluir – o fluxo; brilhar – o brilho. Devemos semear essas diferenças. Onde vivenciamos “fluir” e onde vivenciamos “o fluxo”? O rio, a árvore, a casa. Portanto, fluir está relacionado com os membros, com o movimento. A casa e a árvore são imagens. Isso quer dizer: membros e cabeça, duas qualidades primordiais do ser humano. Agora

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podemos observar com mais precisão. Nós ouvimos palavras como: devorar, beber; tropeçar, cair. Tais palavras tendem um pouco para que as imitemos e acompanhemos algo daquilo que está sendo dito. Em alemão há uma palavra bem característica para comer, mampfen. Esta palavra nos dá a idéia de – eu não gostaria de fazer isso – mastigar com a boca bem cheia, talvez fazendo ruído.

Podemos ir um passo além e dizer: o verbo decorre no tempo; a casa e a árvore decorrem no espaço. O caminho do verbo até o substantivo é o caminho do tempo até o espaço. Podemos prosseguir observando as palavras construir e a construção . Podemos dizer que construir é uma atividade, e que a construção é o resultado – um processo que conduz ao resultado. Assim, podemos afirmar que o verbo é um futuro substantivo e que o substantivo é um verbo no passado. É como um caminho que conduz dos membros à cabeça. Ou ainda: do movimento ao repouso. Dando mais um passo, posso perguntar: o que acontece entre brilhar e brilho? Eu obtenho brilhante. E entre fluir e fluxo? Obtenho fluido. O que vocês percebem? Brilhar é um processo no tempo. Brilhante é uma característica, uma propriedade. Isso está situado como que no meio. Quando eu digo brilhar, trata-se de imitação – posso fazer, eu mesmo, o brilho; posso apontar para ele. Quando eu digo brilhante, trata-se do intermédio – eu me coloco numa relação, estou junto. É assim que entro no âmbito dos braços: isto é feio, isto é bonito; coloco-me numa atividade de avaliar, de julgar. O verbo é uma palavra de identificação; o substantivo, de afastamento e de distanciamento; o adjetivo, de ir e de voltar – está no meio. Desta forma podemos dizer que o percurso entre o verbo e o substantivo é um caminho dos membros, que passa pelo meio – a região do coração – e segue até a cabeça. E esse é exatamente o caminho que a criança percorre. Primeiro seus membros são despertos (o primeiro setênio), depois o meio (segundo setênio) e, por último, a cabeça (terceiro setênio).

Agora chegamos ao âmbito mais profundo, antropologicamente falando. O verbo é o princípio do processo da transformação do movimento da vida, do organismo humano, isto é, do corpo etérico, do corpo vital. O substantivo é aquilo que se tornou; é o resultado do esforço do etérico; é o físico. O substantivo é o resultado do anímico, o astral. E onde está o eu? O eu é o elemento integrante, que transpassa todas as partes da corporeidade. O que é isso, na linguagem? É a frase. E a frase é a realidade da linguagem. Não existem verbos ou substantivos sem uma frase. Por isto temos sempre de retornar à frase: a frase é o elemento integrante, na linguagem. Temos primeiro “mama”, “bola” e depois “bola aí” – ou seja, a coisa e o processo se uniram. A gramática, portanto, aborda, no terceiro ano, as categorias das palavras que vimos até agora. A criança precisa vivenciar o ser humano como um todo.

Surge um problema metodológico: o que fazer com a nomenclatura? É claro que, quando se diz para a criança o que é um verbo, um substantivo e um adjetivo, tudo se conclui. Eu faria o seguinte: procuraria junto com as crianças o nome para cada categoria de palavras. De quê poderíamos chamar isto? As crianças que têm muita fantasia decidem pelo nome da trilogia – por exemplo, a “palavra da cabeça”, a “palavra do coração” e a “palavra dos membros”, não faz tanta diferença qual seja. Só quando a cabeça despertar de fato é que essa palavra será substituída pela convencional. O percurso deve sempre ser feito da vida para a forma, e não contrário. Na aula de gramática jamais diremos que isto é um substantivo, e que agora procuraremos o verbo. Sempre devemos fazer primeiro com que a criança viva nessas palavras, e depois disso dê o nome àquilo que vivenciou. Apenas posteriormente é que será dito o nome convencional. É um terror quando os alunos entram no Ensino Médio ainda falando os nomes “vivenciais”, do mesmo modo como é ruim dar, no terceiro ano, os nomes convencionais – no caso, os nomes latinos. Pudemos ver como o ensino da gramática acompanha o desenvolvimento da criança.

No quarto ano, os temas da gramática são os tempos verbais e as preposições. Não é um assunto óbvio e, neste caso, temos de verificar se cada aluno tem uma consciência temporal. Num dialeto da Índia existem duas palavras, ai e kan; ai significa atual e kan significa “não atual”. Não faz a menor diferença se algo pertence ao passado ou ao futuro, simplesmente não é atual. O primeiro passo, portanto, é distinguir o que é atual do que não é. Isto é separável: ou é atual ou não é.

Podemos vivenciar o quanto essa consciência temporal não é necessariamente óbvia com um exemplo de habitantes do antigo Nepal: alguém me contou que planejaram fazer uma viagem de vários dias. Não calcularam,

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contudo, que a gasolina poderia acabar e que haveria a possibilidade de não haver por perto um posto de gasolina. Para tal viagem é necessário ter certa previsão de futuro. Se eu viajo e a gasolina acaba, tenho um problema atual. O contrário disso é prever o que pode acontecer futuramente. É, portanto, uma capacidade típica do ser humano poder pensar no futuro.

Devemos conversar com as crianças sobre o que significa poder olhar para o futuro: surgem medo, esperança, expectativa... É algo indeterminado, e é preciso usar muita fantasia. É diferente de quando olhamos para o passado: este é fixo, não pode mais ser transformado. Para um melancólico isso é muito claro, pois ele vive no passado. O colérico tem sempre a tendência de querer mudar o passado: “Por que isso de ruim tinha de acontecer?”. Se o sangüíneo roubou algo, “Bem, alguém me deu isso”; ele vê o passado com a fantasia, e assim surge a mentira. O fluxo que vem do passado faz com que nos tornemos cada vez mais velhos e “ossificados” demais. O fluxo que vem do futuro faz com que sempre busquemos algo diferente. A fantasia rejuvenesce.

Um padre de uma igreja perguntou: “O que é tempo? O passado não é mais, o futuro ainda não é e o presente passa tão rápido que a gente não o possui. Então, o que é o tempo?”.

Pode-se dizer que o presente é o momento de união do fluxo do passado com o fluxo do futuro. No instante da união o presente acontece. Quando queremos segurá-lo, já passou. Quando falo agora o instante já passou, e a coisa já não é mais agora. Podemos ter esse tipo de diálogo com os alunos – claro que de forma transformada, para que despertemos essa percepção temporal. E podemos falar sobre o que é o hoje, o amanhã e o ontem. Eu me coloco na posição do amanhã. E então, o que é hoje? Amanhã, hoje vai ser ontem, e pode-se dizer: ontem, hoje foi amanhã. Sempre depende do ponto de vista.

Assim, o conteúdo de gramática, no quarto ano, é o tempo e a orientação no tempo. Trabalhemos as preposições, por exemplo: após a coluna. Para vocês eu estou após a coluna, mas, para mim, eu estou perante a coluna: após, perante, sobre, sob. Tudo isso são relações espaciais. O conteúdo programático de gramática para o quarto ano é a orientação no espaço e no tempo. É justamente na idade em que pela primeira vez ocorre o distanciamento do mundo. É a idade do “rubicão”* e das sagas germânicas, em que atua muito fortemente o princípio da encarnação.

Para o quinto ano há dois temas: vozes ativa e passiva e discursos direto e indireto. O que significa transformar um discurso direto num discurso indireto, ou mesmo transformar uma frase na voz ativa em passiva? Por exemplo: eu acaricio o cachorro – o cachorro é acariciado por mim. No primeiro caso, eu sou o sujeito e o cachorro o objeto. Esta é a consciência geral. “Eu” no centro, e o mundo, que é o objeto, em volta de mim. Quando passamos da voz ativa para voz passiva nos transportamos para a periferia, e nos colocamos no lugar do objeto. O cachorro é acariciado. Precisamos mudar conscientemente o nosso ponto de partida. Quando apresentado desta maneira para a criança, temos um exercício de nos colocarmos no lugar do outro. Toda noite, e também após a morte, temos essa consciência periférica. O sujeito se torna o objeto e o objeto se torna o sujeito. Centro e periferia se invertem.

O segundo tema são os discursos direto e indireto, o que também é uma mudança de ponto de vista. Em outras palavras: no quinto ano temos o exercício de nos colocarmos sob o ponto de vista do outro.

No sexto ano temos o subjuntivo. Pode-se dizer: “venha” ou “você vem”. Venha é a expressão da vontade, e você vem é a expressão do pensamento. “Seria bom se você viesse” ou, como no Pai Nosso, “venha a nós o Teu reino”. Qual é a qualidade do subjuntivo? Trata-se, na realidade, de nada mais que o julgamento de uma ação: um desejo, uma hipótese, uma verdade ou uma desconfiança. É no sexto ano que a puberdade começa, e então temos de relacionar o fato de a criança estar nessa idade. Podemos dizer que a criança na puberdade é um subjuntivo que se que se materializou.

Uma menina me contou que estava sentada na sala de aula imaginando: “Se eu dissesse uma palavra muito significativa e mil pessoas estivessem sentadas, elas diriam ‘Que maravilha!’. Ou outras, olhando para os olhos de umas crianças, imaginando umas coisas no futuro: estar na praia, não ter mais aula...”. Isto é uma irrealidade que, nessa idade, nada mais é do que a astralidade que desperta, a interioridade que desperta. Trata-se de olhar para o processo e perguntar: é uma certeza? É apenas algo que outrem afirmou? É um desejo? É uma hipótese?

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No sétimo ano temos o que disse Rudolf Steiner: formas de admiração, de assombro e de desejo. Podemos dizer que são qualidades da interioridade. A qualidade vocálica e, claro, a sintaxe propriamente dita ainda são abordadas nessa idade: a frase e aquilo que é dito com uma frase. Observam-se coisas como: por meio da pontuação distinta das palavras de uma frase podemos expressar pensamentos diferentes. Por exemplo: “Hoje de manhã você trancou a porta com a chave”, ou “Você, hoje de manhã, trancou a porta com a chave”. Percebemos o elemento dramático da fala. É importante unir a gramática com o dramático.

Muitas vezes percebemos que nessas palavras há muito mais do que se pensa. Há três palavras chamadas conjunções: mas, porém, e. Estas três palavras, na língua alemã, podem ser preenchidas com sentimentos muito mais do que na língua portuguesa. Certa vez tive uma vivência horrível. Com dezessete anos fui com uma amiga a um baile. Eu era muito tímido... E estava um pouquinho apaixonado. Tive a coragem de confessar-lhe. No dia seguinte telefonei para ela, e estava muito animado por não ter falhado. E então ela me disse uma única palavra: “E...?”. Um outro caso: alguém chegou ao carro e viu a porta toda amassada. Contando isso para alguém, este reagiu assim: “E...?”. Esta forma de expressão é também conhecida das crianças pequenas. Uma mãe leva a criança para dormir, conta uma história bem linda para a noite e depois diz: “Agora está na hora de dormir”. A criança pergunta: “E como continua a história?”. O que aconteceu com esse e? A criança conectou-o com o antes, e o que a mãe falou foi esquecido. Pode-se dizer que essa é uma identificação e corresponde ao verbo; que essa figura representa o que é o e.

Qual é o correspondente? Esse gesto... (mas!). Mas exprime distanciamento. “Mas o que você fez?”. O professor olha para os alunos e vê que há aqueles com a característica do e, outros com a do mas e ainda outros com a do ou. Em alemão até podemos usar o mas como interjeição: “Mas!”. Percebe-se que uma palavrinha destas pode receber um significado incrível. Numa reunião de professores é possível perceber que há contribuições com as características do e, do mas e do ou. Numa reunião, alguém começa a falar, vai falando e no final ainda diz e, ocupando assim o lugar do próximo que quer falar. Mas alguém próximo, que na verdade sempre quer se distanciar daquilo que foi dito antes, muitas vezes não fala. O terceiro é o alternativo ou: “Ou é assim ou é assado”. Expressa uma possibilidade. Seria relacionado ao adjetivo falante. Ainda existe aquele que, quando alguém apresenta uma proposta ou um tema, fica balançando a cabeça e faz cara feia. Como não tem tanta coragem, fala: “Ou – bem também poderia ser diferente”. O oponente é do tipo mas e o intermediador é do tipo ou. Com jovens podemos fazer dramatizações ou diálogos utilizando esses elementos. O importante é perceber, o tempo inteiro, que a gramática é uma expressão do elemento humano.

Resumindo: podemos dizer que, na gramática do Ensino Fundamental, o mais importante é a fantasia. Que não seja feito algo seco. Que basicamente não se observe a forma primariamente como forma, mas que a partir do impulso da vida, e com vitalidade, se chegue a uma forma. Sobretudo estimularemos a produção lingüística dos próprios alunos, de forma a estimular ao máximo a atividade própria. Eu recomendo usar a gramática em doses homeopáticas. Não faria uma época muito comprida. Não ocuparia a manhã inteira com gramática. Que se tenha uma parte de vida da palavra, da língua, e depois de forma da língua, sempre unindo o dramático ao gramatical.

No sexto ano, que é o momento dos romanos, façamos uma Reunião do Senado, e escolhamos um determinado tema que os romanos precisem discutir. Ou modernizemos: tratemos de um problema que aconteceu com a classe, e discutamos de forma que cada um tenha um papel bem determinado e definido. Isso vale para todo o ensino de língua materna. Que o aluno produza tanto oralmente quanto por escrito.

No sétimo ano podemos, sem problema algum, pedir para que os alunos transformem uma história curta num diálogo, ou para que, a partir de um texto, façam uma pequena dramatização. Ou o contrário: de um diálogo ou de uma situação dramática, que escrevam um conto, para que assim façam sempre uso do âmbito de estilo, estilístico.

Num oitavo ano, pedi para que os alunos trouxessem de casa recortes de jornais e que retirassem conteúdos que fossem próprios para poetas fazerem um poema. Há pessoas que passam por acontecimentos sem percebê-los, ao passo que um poeta lê algo e já imagina uma história. Surgiram histórias que foram escritas a partir de algum fato objetivo. É possível pedir recortes de jornais, e os alunos se sentam em grupos e discutem de que

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maneira aquilo poderia ser transformado numa bela história. No ensino de língua materna a produção própria é muito, muito importante!

Amanhã falarei da matéria que o professor de classe conta, desde o primeiro ano: do conto-de-fadas à biografia. Depois quero também falar sobre a fala do professor.

***

QUINTA PALESTRA

Caros colegas! Estou contente e entusiasmado porque todos hoje ainda vieram. Agradeço de coração pela noite de ontem [apresentação das diversas escolas]. Pude ter uma visão incrível das diferentes escolas. E o mais impressionante foi o final brasileiro. É algo que só no Brasil é possível. Muito obrigado! Gostaria de agradecer ao artista da fala por sua colaboração improvisada.

Recebi uma série de perguntas e gostaria de respondê-las. Uma delas é: “Qual é a influência da fala da mãe sobre a criança pequena? De que maneira ela atua sobre os órgãos fonadores da criança?”.

Atualmente existem pesquisas de um americano chamado Konden, que descobriu que o corpo inteiro da criança pequena chega a vibrar diferentemente com cada fonema – principalmente os órgãos fonadores, que serão formados por meio da fala da mãe. Pode-se dizer que nessa idade a fala da mãe exerce uma força plasmadora no organismo da criança.

Outra pergunta foi: “O que acontece quando, numa família, várias línguas são faladas? O pai fala uma, a mãe fala outra língua, e talvez exista ainda uma terceira língua.”.

Há diversos níveis no primeiro setênio. O ideal seria que na primeira fase houvesse uma língua central, e que as outras tivessem um papel mais periférico. Ou seja, que uma das línguas faladas fosse a língua predominante. Isto se refere principalmente ao primeiro e ao segundo anos de vida. Mas é preciso dizer também que hoje os destinos das pessoas são tão diferentes que é preciso observar o que é possível fazer e o que não é. De qualquer maneira, para a formação da personalidade seria bom que houvesse uma língua principal, e que as demais fossem secundárias. Por outro lado, quando uma pessoa fala a língua que não é a materna, aquela não exerce uma atuação tão forte. Isto é uma desvantagem. O ideal é que nos primeiros três anos de vida haja uma língua principal. O resto é uma questão de destino. Nas relações sociais atuais todos os tipos sociais podem acontecer.

A pergunta seguinte é sobre a relação entre o canto e a fala. É um tema gigantesco, e posso apenas dizer algumas coisas. A fala é uma composição de um elemento plástico e de um elemento musical. A consoante é o elemento plástico e a vogal é o elemento musical. Num certo sentido, o canto é o elemento mais cósmico da fala, mais ligado mais ao cosmo, enquanto a fala é mais ligada às consoantes, o que a torna mais terrena. Temos de saber que, quando cantamos com as crianças, o canto as desencarna mais, enquanto a fala as encarna mais. Não é

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tão fácil retomar a concentração das crianças quando cantamos uma canção bem alegre e animada no começo da aula. Já a recitação e a fala trazem as crianças para dentro dos membros. É evidentemente importante saber que o canto tem um papel fundamental. É sempre bom acompanharmos a criança pequena com o elemento musical, que é muito mais próximo dela do que o elemento plástico. Por isso é maravilhoso poder cantar para crianças, por exemplo, canções de ninar, porque os cantos acompanham esse fluxo mais cósmico de que a criança ainda precisa.

Outra pergunta: “Como lidar com a gramática do Ensino Médio?”. Eu precisaria de uma palestra inteira para falar detalhadamente sobre isso. Só me é possível dar alguns

exemplos. O ensino da gramática no Ensino Médio deveria vir sempre junto da estilística. Eu escolhia um texto com uma forte característica substantiva, verbal ou adjetiva. Textos com frases curtas ou textos com frases complexas – o importante é que os alunos produzam os seus próprios textos, ou seja, que escrevam o mesmo conteúdo, uma vez com uma característica mais verbal, outra com uma característica mais substantiva e outra mais adjetiva. Uma vez com frases curtas, outra com frases longas. Também é muito importante, no nono ano, uma recapitulação dos conteúdos gramaticais do primeiro grau. Na primeira época do nono ano eu fazia assim: nos primeiros dez minutos da aula, falava de um assunto que havia sido tratado no ensino fundamental. Todos os dias, durante 10 minutos, abordava o fenômeno, e tudo se tornava presente novamente.

Vou responder agora à pergunta a respeito da escrita. Hoje as crianças lidam muito cedo com o computador. Assim, torna-se cada vez mais importante o cultivo da escrita. Com a escrita, em primeiro lugar, a vontade é exercitada por meio da forma; em segundo lugar, a personalidade se forma. Eis a importância da escrita a partir da imagem, ou seja, a partir de um ponto de vista estético, da forma – ou seja, a própria criança deve acompanhar as formas que escreve. Um exemplo negativo: há pessoas que fazem um rabisco no ar e depois começam a escrever. No Ensino Fundamental eu não aceitaria dos alunos trabalhos digitados no computador. Também no Ensino Médio sempre devemos pedir para que os alunos apresentem trabalhos escritos à mão. Através disso se insere o elemento pessoal dentro da formação da língua. Estamos numa época da abstração de tudo, e por isso é muito importante dar valor a essa expressão pessoal da escrita. É sabido que a partir da letra é possível falar muito das características pessoais de uma pessoa. Por isso, o cultivo da escrita à mão é muito importante. Virou moda entre os alunos do colegial escrever ou em letra de forma, ou tudo maiúsculo, como no computador, e não mais com a escrita cursiva, corrente. Isto novamente diz respeito ao deficit de vontade. É justamente o ato de formar uma letra e de uni-la a outra que exige o engajamento da vontade. É como na euritmia, em que não é possível fazer um fonema e depois o outro – faz-se o percurso até o outro. Eu daria uma grande importância à escrita cursiva. Podemos dizer aos alunos que os trabalhos devem ser como cartas de apresentação, que devem ter uma bela letra individual.

Gostaria de chegar ao final destas palestras e, em primeiro lugar, de fazer a pergunta: o que, de fato, ouvem as nossas crianças? Temos inicialmente um percurso que vai dos contos-de-fadas até a biografia. O conto-de-fadas é o mundo em que o eu e o mundo ainda são unos. Há um universo em que ainda há magia, e é possível fazer transformações. No conto há sempre uma crise, mas o final sempre é bom. Os contos-de-fadas são imaginações maravilhosas advindas de uma esfera espiritual. Por isso não há nada mais importante do que contar contos-de-fadas no primeiro ano, e também no jardim-de-infância. Todo o mundo está transpassado por essas imagens. É assim que o Homem se move dentro dessas imagens, e dentro delas encontra o seu objetivo. Contos-de-fadas têm algo como imagem primordial. Por exemplo: “Era uma vez um rei que tinha três filhos”. Não é assim: “Era uma vez um rei chamado Frederico I, que tinha três filhos, João, Henrique e Paulo”. O rei, o filho e o bobo são imagens arquetípicas. O conto é, portanto, esse mundo formado por uma unidade entre mim e o universo. Sabemos que, quando contamos um conto, a criança imerge totalmente nos acontecimentos, se esquece de si mesma. Quando, no dia seguinte, recontamos a história dizendo uma palavra diferente, a criança diz: “Não, não era assim!”. É um relacionamento mágico.

Agora vamos ao outro pólo: a biografia. Lá não se fala mais: “Era uma vez um rei”, porém é bem concreto: “Filipe IV”. Ele tem uma biografia aqui na Terra que pode ser estudada concretamente. Então tudo isso – o geral, o universal e o espiritual – se particulariza no indivíduo humano, físico, e chega a um determinado destino. É

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desse destino que se fala agora. O conto é espiritual, ainda está no Céu, e a biografia desce e chega à Terra. É por meio disso que se fortalece a sensação de que dentro de cada ser humano existe essa fonte espiritual. Com a biografia, é possível ver como essa descensão do Céu para a Terra ocorre com passos bem determinados.

No segundo ano escolar contamos fábulas e lendas. As lendas sempre retratam as vidas santos – não de pessoas que nasceram santas, mas de pecadores que, por meio de sua vida cristã, se transformaram em santos. É o exemplo. A fábula mostra a unilateralidade. O que vive nos animais vive também em cada um de nós: a fúria do lobo, a esperteza da raposa, a burrice do corvo. Podemos falar dos exageros unilaterais dos animais na fábula, por um lado, e, por outro, dos exemplos, nas lendas. É evidente que o conteúdo da fábula e das lendas deve ser retirado do âmbito cultural em que se vive. No nosso caso aqui, os próprios do Brasil. A única condição é: que no conto se encontre o aspecto universal, espiritual, e que na lenda haja, de fato, o elemento de exemplo.

No terceiro ano são contadas as histórias bíblicas, como as encontradas no livro ...und Gott sprach*. Surge a autoridade: o Pai. Este elemento prepara a fase do Rubicão, própria da idade. E nas histórias bíblicas encontramos a passagem da lenda e do conto universal para a História. Isso também ocorre no quarto ano com a saga dos Nibelungos, ou seja, os elementos mítico e terreno se aproximam um do outro. O mito, a imagem mitológica, chega à realidade terrena.

No quinto ano chegamos à História e ao início das antigas culturas por meio das lendas e da mitologia grega. Os contos-de-fadas acontecem totalmente no âmbito cósmico, seguidas das histórias bíblicas, das epopéias e, por último, da História. Na História se inicia o significado da biografia. Observamos assim todo o percurso que acompanha a encarnação da criança, o caminho do ser humano cósmico ao terreno. É fundamental que o professor saiba de que formas diferentes ele deve contar esses conteúdos. O conto-de-fadas precisa ser contado de um jeito muito diferente da fábula. As crianças devem ser conduzidas para dentro de um âmbito anímico muito diferente. Quando se começa a contar um conto-de-fadas, o ambiente precisa surgir por si só: “Era uma vez um rei que tinha três filhos...”. É diferente do que se fala na fábula: “Havia um touro forte que, com seus chifres fortes, quebrou a porta ao transpô-la”. Em outras palavras: um forte touro despedaçou a porta no momento de atravessá-la com seus chifres fortes. Um elemento muito mais intelectual entra em cena; não é possível compreender tudo, mas é possível dar risadas sobre o que se expressa. Já a fala se transforma. A linguagem é diferente também ao se contar a história da criação do mundo: “Deus-Pai que cria tudo”.

Podemos ver que a fala é o órgão mais importante no segundo setênio. Certa vez, Rudolf Steiner disse que com cada frase que falamos para as crianças constituímos o futuro hábito de julgamento do ser humano adulto. O vocabulário bastante diferenciado propicia, mais tardiamente, um julgamento diferenciado e individualizado. Nos expressarmos da seguinte maneira: “daí ele fez, daí ele falou e daí...” é muito simplório, não há diferenciação. A falta de diferenciação na fala, “aí ele perdoa, aí ele achou, aí ele se adaptou, aí ele correu”, não desenvolverá a capacidade de julgar. Isso abrange também o ritmo. Deve saber-se que o ritmo leva à consciência. Há pouco ouvimos um exemplo de “curto-curto-longo”. É um ritmo impulsionante do conteúdo da recitação, em que há diferenciações entre longo, curto, curto e longo. Isto faz a diferença no conteúdo da recitação.

Agora eu gostaria de falar de certo perigo e de uma possibilidade no conteúdo da matéria a ser contada no fim da aula. Certos professores, diante da escola Waldorf, ficam apavorados e dizem: “É um horror pensar em contar aquelas histórias enormes. Eu nem sei se vou me lembrar de tudo. E ainda vem aquela chateação de eu ficar aqui pensando como é que continua a história! Mas as crianças estão aí, e se eu começar a pensar nas crianças não consigo mais pensar na história. Como é que eu faço? Também não posso sistematicamente olhar para todo o mundo a fim de saber o que estão fazendo. E então eu esqueço a minha história!”.

Sabemos que há professores que têm a qualidade de sempre, na hora certa, olhar para o lugar certo. Quando eu era aluno, tive um professor que, sempre que eu não fazia a lição, apontava para mim como se tivesse um sistema misterioso que detectasse isso. O fato é simples: através dessa relação que se estabelece durante a noite, resultada do trabalho interno com os alunos e do trabalho interior, nós, professores, adquirimos essa capacidade de olhar para o lugar certo na hora certa. E quando temos coragem de realmente pular na água fria percebemos que as crianças nos falam de que maneira contar uma história, e isso vem das próprias crianças.

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Um método muito útil é: à noite, antes de dormir, imaginar toda a história em imagens, várias imagens ou quadros; assim, no dia seguinte, perceberemos que, na hora certa, a palavra certa aparecerá. É horrível ter o livro aberto para dar uma olhadinha e ver qual é a próxima cena da história.

Há mais um obstáculo. Quando sabemos muito bem contar histórias, então acontece o seguinte: contamos uma história bem interessante, uma lenda maravilhosa e todos os olhos se voltam para a minha boca. É uma delícia o sentimento de “sou capaz de encantar toda essa criançada”. Isso é fazer o mesmo que O Flautista de Hamelin, Caçador de Ratos. Todos sabemos o que acontecerá à aula seguinte à da história bem contada – uma aula de línguas, por exemplo. O professor de línguas dirá, quando terminar: “Foi uma catástrofe! Eu não consegui fazer nada!”. O que aconteceu? As crianças foram demasiadamente tiradas de dentro de si, desencarnadas demais. É então necessário que, no meio da aula, o professor de línguas pergunte: “Como é isso? O que vocês pensam sobre isso?”. As crianças tomam um pequeno susto e se voltam para dentro de si próprias. É preciso que as crianças não sejam tiradas demasiadamente de si; devem “sair de si” e “voltar a si” para que um ritmo saudável se estabeleça. O conto não pode durar muito tempo. É preciso que a expectativa permaneça: como é que vai continuar? Contaremos mais um pouquinho e diremos: “Como continua vocês saberão amanhã”. A criança levará aquilo noite adentro e, no dia seguinte, ficará feliz com a continuação.

Gostaria agora de falar sobre um ponto que é bastante delicado: a linguagem do professor. Com cada sílaba nós, professores, atuamos sobre as forças de saúde da criança. Vou dar três exemplos de como o professor poderia introduzir uma época. Vocês nem precisam prestar atenção ao conteúdo que vou contar, mas simplesmente notar como isso atua sobre cada um dos aqui presentes. O tema é: sétimo ano, Carlos Magno.

Primeira versão (lenta, pausada e ininterruptamente): “Carlos Magno foi um imperador importante que viveu na Idade Média e realizou maravilhosos feitos heróicos. Ele foi então coroado imperador em Roma. Então lhe foi colocada uma coroa na cabeça. Ele não queria, mas assim foi feito porque o papa quis introduzir a sua soberania. Por isso foi feito assim. Assim o papa tinha mais poder do que o imperador porque o papa colocou-lhe a coroa na cabeça”.

Segunda versão (voz alta e esganiçada; fala impulsionante em frases curtas): “Queridas crianças, nós vamos agora falar sobre Carlos Magno. Carlos Magno foi um imperador importante. Ouçam agora e não se esqueçam disso!”.

Terceira versão (exageradamente fantasiosa): “Minhas queridas crianças, nós agora vamos falar sobre Carlos Magno. Carlos Magno foi um imperador importantíssimo. Ele vivenciou muito em sua vida. Mas ainda algo bem especial: Por volta de 800 d.C. ele foi coroado em Roma. Imaginem só, ele foi coroado e foi coroado pelo papa! E foi assim que o papa lhe colocou a coroa sobre a cabeça, e com isso mostrou que era superior ao imperador”.

É óbvio que ninguém fala assim, de modo caricato, tal como falei agora. Mas cada um tem algo de caricaturesco. Na primeira versão, qual foi o exagero? Adormecedor! É tedioso e chato. Perceberam qual é o meio lingüístico ao falarmos assim? Sempre a mesma altura de tonalidade alongada. Este é o ritmo longo-curto, com respiração longa. Esta forma pode ser usada por professores visionários, que nos contam uma história e nem sequer percebem que a maioria das crianças já estão fazendo algo diferente. Podemos imaginá-lo numa caricatura de um professor do Ensino Médio, ou também de um professor universitário.

E a segunda versão? Imaginem que durante oito anos o professor fale como um general, um diretor de circo etc. Os alunos têm a sensação de estar constantemente se defendendo. Pensam constantemente: “Pare! Pare! Não agüento mais!”. É um ditador, um tirano. E qual é o elemento que entona ao falar? Não é tanto uma respiração, é pulso. É a cadência a toda hora: acentuar, não acentuar. Há muitas variações dessa forma de fala. O pedante fala desse jeito. O professor percebe que as crianças não entenderam nada, e então começa a falar desse jeito. Por exemplo: “Eu não quero mais ouvir uma palavra, agora acabou!”. O pedante fala em um só tom: “Você agora chegou três vezes atrasado, e eu o escrevi na minha cadernetinha. E não dá mais! Não quero mais!”. De que esfera vem esse tipo de fala? Evidentemente é da esfera da vontade: eu quero influenciar você. Tem uma intenção moral. O primeiro é o professor universitário; o segundo é o padre: “Membros desta comunidade, comportem-se, senão vão todos para o inferno!”.

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Lembremo-nos do terceiro jeito. Como é que atuou sobre vocês? “Queriiiidas crianças...” (bem meloso). Sim, como atua? É típico da escola Waldorf! É como uma titia de contos-de-fadas: “Queridas crianças é maravilhoooso!” (tom meloso). É algo bem agradável, mas esconde um grande perigo. Quando as crianças forem perguntadas: “E como foi na escola?”, responderão: “Foi maravilhoooso!”. “Mas o que o professor contou?”. “Isso eu não sei mais, não me lembro mais.” Isto significa que tudo foi apagado, que tudo se apaga porque ficou muito no âmbito do sentir. Melodia-agudo-grave – estes são os três elementos do ritmo. Ha línguas que têm mais de uma das três características, por exemplo: a língua sueca tem mais a característica de agudo-grave. É possível dizer as coisas mais horríveis e continuar sorrindo. Ou ouvindo a língua italiana: acentuado–não-acentuado. Ainda há línguas que têm acentuado–não-acentuado curto, como na Alemanha do norte. A fala na Alemanha do norte é diferente. Quando vamos para o norte da Alemanha, ouvimos a fala oscilando em torno de alguns tons graves. A língua é mais plana [N.T. tal qual a paisagem]. No sul há uma oscilação entre agudo e grave. É interessante trabalhar de maneira artística com esses elementos da dicção. O bom professor domina todas essas variações. Quando chega ao quarto ano fala, por exemplo, aquele verso mágico que foi recitado no primeiro dia. Percebe-se que o elemento principal é o acentuar–não-acentuar e o agudo–grave, isto é, o elemento consonantal que corresponde ao pulso do sangue. Este é um meio de fazer encarnar no quarto ano. É o elemento da aliteração.

Chegamos ao quinto ano, em que abordamos a cultura grega. Esta é a classe mais harmônica do primeiro ciclo, em que há o equilíbrio entre o sensorial e o espiritual. A forma de abordagem da fala deve ser diferente. Isso atua de forma totalmente diferente... [o palestrante recita o início da Odisséia, em grego antigo. Este texto está disponível em diversas bibliotecas de escolas Waldorf no Brasil]. Sentiram? É como entrar no fluxo do mar, no equilíbrio. Surge um elemento de harmonia que tranqüiliza. Vemos como através das recitações encontramos uma forma apropriada de encarnar.

Tudo isso que foi falado até agora é um constante exercício da fala. A fala do professor é fundamental para toda a educação. Fala-se muito e repete-se muito: que essas diversas qualidades sejam vivenciadas! Por um lado, temos a educação da fala do próprio professor. Por outro, o professor, por causa da sua profissão, tem de falar muito. É só pensar no que um professor, numa manhã, tem de falar para os seus alunos, na quantidade de coisas que fala. Pegue o lápis, escreva, chegou atrasado, quero ver. O tempo inteiro é um chamado após outro. Ele já se perguntou o que as crianças fazem com tudo isso? O poder da palavra – ou melhor, da fala – fica desgastado, perde força. Também é possível usar mal esse poder dentro da própria profissão quando, por exemplo, na conferência dos professores ou ao visitar os pais, o professor fica falando sobre a pedagogia Waldorf, ou seja, ensinando e falando sobre que o método.

Aprender a fazer perguntas e saber ouvir deve ser sempre um trabalho interno do professor. Por esta razão, é muito importante para o seu desenvolvimento interno. Existe um exercício fantástico que Rudolf Steiner propõe entre os exercícios do caminho do conhecimento dos mundos superiores, que é um excelente exercício para professor. É possível exercitá-lo, por exemplo, nas reuniões dos professores, quando temos a intenção de dizer algo. Este é o pré-requisito importante: querer dizer algo. Não adianta não querer dizer nada. E todos nós conhecemos o problema: quando não podemos dizer logo o que pretendemos, ficamos impacientes e não o ouvimos mais o que os outros, nesse ínterim, falam. O exercício consiste em decidir, no último instante, talvez já de dedo levantado, que naquele momento nada será dito. É a desistência voluntária da fala. Não é tão fácil, pois freqüentemente, quando desistimos, um outro diz exatamente queríamos falar. Perguntamo-nos então: “Mas por que eu não falei?”. Este problema só surge no início. É preciso cuidar para este exercício seja apenas feito socialmente, e que seja suportável. Por exemplo: alguém me pergunta onde fica a escola e eu não respondo porque estou fazendo o exercício! É claro que temos de ter bom senso. Praticando-o com certa regularidade poderemos observar a seguinte vivência: sentiremos quem é que tem de falar naquele momento. Alcançaremos uma percepção das constelações. Quando eu mesmo quiser falar, minha consciência sempre permanecerá como meu ponto central. Eu estarei presente como um todo, mas tiver a capacidade de abrir mão da minha própria fala me encontrarei na minha periferia, e poderei vivenciar os outros.

Assim também se adquire uma percepção do essencial, que leva a perceber o processo de diálogo como uma percepção concernente às relações de destino – e adquire-se, assim, a qualidade de ser um ouvinte tão bom que

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melhora a fala do outro. O outro fala melhor porque percebe que é bem ouvido. A forma mais elevada de ouvir é aquela em que, quando o outro diz alguma coisa, percebemos que aquilo nem teria nos ocorrido se não tivéssemos escutado dessa maneira. Isto é algo que o professor precisa aprender: perceber qual é a pergunta que vive no outro – não em mim, mas no outro. Desta forma também nos será possível observar que quando essa percepção, essa sensibilidade for desenvolvida, perceberemos o estado do outro – neste caso, o dos alunos. Sentiremos que algo não está bem com aquele aluno. Perguntaremos: “Como é que você está?” – e assim abriremos uma porta que possibilitará a solução conjunta de determinado problema. Eis o mais alto grau da qualidade de ouvir e de perguntar. Nós podemos responder ou dar respostas o tempo inteiro se não perguntarmos o que aconteceu.

Há perguntas que são muito superficiais, perguntas que são informação. Quantos quilômetros são daqui a Botucatu? Quando alguém responde, o diálogo cessa. Eu agradeço e vou embora para Botucatu. Num outro nível de pergunta há a curiosidade: “Como é que você vai? Por aí tudo bem?”. Uma pergunta que surge a partir do sentimento. A primeira pergunta era a de informação, e a segunda de contato, de sentimento. Estou sentado num ônibus e pergunto à pessoa ao lado: “Para onde você está indo?”. Não é uma pergunta interessada pelo ponto final dela, é apenas uma questão de contato. A pessoa ao lado com certeza não vai responder se não estiver interessada. É ainda possível intensificar essas duas perguntas. Quando as intensificamos a partir do sentir podemos chegar ao interesse pelo outro, à compaixão pelo outro. “Como é que você está?” é uma pergunta que não parte de si mesma, mas do outro. Com a intensificação da informação chegamos à pergunta: “De onde, de fato, nós viemos?” e “O que vem depois da morte?”, “Qual é a tarefa do ser humano na Terra?”. Todas são perguntas para as quais respostas imediatas não são cabíveis, mas que abrem o caminho. Só os “antropósofos” têm o hábito de quererem logo dar, após uma pergunta assim, uma resposta fechada e imediata... É preciso tomar muito cuidado.

A forma mais elevada da pergunta é uma união entre a pergunta advinda da compaixão e a pergunta advinda do desejo de conhecer. Aqui nós, educadores, alcançamos a mais alta possibilidade de fazer uma pergunta. Como nós podemos ajudar as crianças? É a partir da relação, a partir da compaixão que surge essa pergunta. Por outro lado, a partir da antroposofia nasce o desejo de saber: como se pode ajudar a criança?

Então esses dois lados – o do conhecimento e o da relação – se unem na pergunta. O que eu posso fazer pela criança? É então que surge o que de mais belo existe na profissão de professor: professores, em conjunto e unidos, falam sobre a criança a fim de achar o caminho até ela. O inesperado pode acontecer. Vivenciei muitas vezes a busca sincera pela resposta sobre uma criança. Quando existe essa luta, esse esforço, percebemos, no dia posterior ao do questionamento, uma mudança na criança. A pergunta acerca do caminho, do destino dessa criança pequena adentra, de fato, o âmbito noturno, espiritual. E assim se inicia o trabalho conjunto com a terceira hierarquia: com o Anjo, o Arcanjo e o Espírito do Tempo.

É isso o que consta naquele livro que ontem foi apresentado*. Lá está escrito de que maneira nós, professores, podemos estabelecer a relação com a terceira hierarquia de forma frutífera. Quando nos dirigirmos ao ser superior, ao Anjo, lado superior do nosso próprio ser, peçamos para que tenhamos força para o nosso trabalho. Façamos o pedido ao espírito da escola, da comunidade espiritual escolar, ao Arcanjo – a este por coragem. Quando nos dirigirmos ao ser ainda mais elevado, ao Espírito do Tempo, façamos um pedido por luz. Neste sentido o nosso movimento pedagógico traz uma contribuição para o nosso tempo, o tempo que é o tempo certo, o tempo que as nossas crianças escolheram, no qual elas vivem.

Espero que todos recomecem o trabalho cheios de entusiasmo. E desejo-lhes muita alegria, entusiasmo, luz e coragem.

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