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O PARNASIANISMO BRASILEIRO (1882 - 1902) Início 1882 – Fanfarras de Teófilo Dias A voz da História A maior parte dos módulos tem uma música tema para abri-lo. Esta música foi composta na época ou faz referência a ela de algum modo. Neste módulo escolhi o Hino Nacional Brasileiro, pois é uma das composições de época que melhor representa o Parnasianismo, seja na sua estrutura preciosista, seja no patriotismo presente em alguns autores da época, entre eles Olavo Bilac. Por isso não estranhe a presença do nosso Hino Nacional, pelo contrário, leia-o, compare com sua versão mais “popular” e perceba a beleza dos versos de Osório Duque Estrada: Hino Nacional Brasileiro (Letra: Joaquim Osório Duque Estrada Música: Francisco Manuel da Silva) Parte I Ouviram do Ipiranga as margens plácidas De um povo heroico o brado retumbante, E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, Brilhou no céu da pátria nesse instante. Se o penhor dessa igualdade Conseguimos conquistar com braço forte, Em teu seio, ó liberdade, Desafia o nosso peito a própria morte! Ó Pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve! Brasil, um sonho intenso, um raio vívido De amor e de esperança à terra desce, Se em teu formoso céu, risonho e límpido, A imagem do Cruzeiro resplandece. Gigante pela própria natureza, És belo, és forte, impávido colosso, E o teu futuro espelha essa grandeza. Terra adorada, Entre outras mil, És tu, Brasil, Ó Pátria amada! Dos filhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada, Brasil! Parte II Deitado eternamente em berço esplêndido, Ao som do mar e à luz do céu profundo, Fulguras, ó Brasil, florão da América, Iluminado ao sol do Novo Mundo! Do que a terra, mais garrida, Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;

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O PARNASIANISMO BRASILEIRO (1882 - 1902)

Início 1882 – Fanfarras de Teófilo Dias

A voz da História A maior parte dos módulos tem uma música tema para abri-lo. Esta música foi composta na época ou faz referência a ela de algum modo. Neste módulo escolhi o Hino Nacional Brasileiro, pois é uma das composições de época que melhor representa o Parnasianismo, seja na sua estrutura preciosista, seja no patriotismo presente em alguns autores da época, entre eles Olavo Bilac. Por isso não estranhe a presença do nosso Hino Nacional, pelo contrário, leia-o, compare com sua versão mais “popular” e perceba a beleza dos versos de Osório Duque Estrada:

Hino Nacional Brasileiro(Letra: Joaquim Osório Duque Estrada Música: Francisco Manuel da Silva)

Parte IOuviram do Ipiranga as margens plácidasDe um povo heroico o brado retumbante,E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,Brilhou no céu da pátria nesse instante.

Se o penhor dessa igualdadeConseguimos conquistar com braço forte,Em teu seio, ó liberdade,Desafia o nosso peito a própria morte!

Ó Pátria amada,Idolatrada,Salve! Salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívidoDe amor e de esperança à terra desce,Se em teu formoso céu, risonho e límpido,A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela própria natureza,És belo, és forte, impávido colosso,E o teu futuro espelha essa grandeza.

Terra adorada,Entre outras mil,És tu, Brasil,Ó Pátria amada!Dos filhos deste solo és mãe gentil,Pátria amada,Brasil!

Parte IIDeitado eternamente em berço esplêndido,Ao som do mar e à luz do céu profundo,Fulguras, ó Brasil, florão da América,Iluminado ao sol do Novo Mundo!

Do que a terra, mais garrida,Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;"Nossos bosques têm mais vida","Nossa vida" no teu seio "mais amores."

Ó Pátria amada,Idolatrada,Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símboloO lábaro que ostentas estrelado,E diga o verde-louro dessa flâmula- "Paz no futuro e glória no passado."

Mas, se ergues da justiça a clava forte,Verás que um filho teu não foge à luta,Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada,Entre outras mil,És tu, Brasil,Ó Pátria amada!Dos filhos deste solo és mãe gentil,Pátria amada,Brasil!

BOX: Entendendo o nosso Hino: A letra do Hino Nacional Brasileiro, do professor e jornalista Osório Duque Estrada, é um dos mais importantes e conhecidos registros da poesia nacionalista do final do século XIX, contendo em si muitas das características parnasianas, como o preciosismo da composição. A música de Francisco Manuel da Silva, é o símbolo sonoro da Pátria e, qual tal, tem a sua execução e a sua apresentação regulamentadas em lei, tendo sido oficializado pelo Governo Provisório da

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República, através do Decreto nº 171, de 20 de janeiro de 1890, sua existência data, Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro, os originais do poema do Hino nacional Brasileiro, originais estes que contêm as modificações feitas pelo próprio Duque Estrada, manuscritas pelo autor, com destaque bem visível na 2ª estrofe: onde se lê: “Entre as ondas do mar e o céu profundo! Leia-se: Ao som do mar e a luz profundo. Onde se lê: .”O pavilhão”. Leia-se “O lábaro”.

Interpretação: As margens plácidas (tranquilas, serenas) do Ipiranga ouviram o brado (grito) retumbante (estrondoso) de um povo heroico. E o sol da liberdade, em raios fúlgidos (cintilantes), brilhou no céu da Pátria nesse(naquele) instante. Se conseguimos conquistar o penhor (garantia) dessa igualdade com braço forte, o nosso peito desafia até a morte em teu seio, ó Liberdade. Ó Pátria amada, idolatrada (adorada, venerada)... Salve! Salve! Brasil, um sonho intenso, um raio vívido (intenso, vivo) de amor e de esperança desce à terra se em teu formoso (belo) céu, risonho e límpido (transparente), a imagem do Cruzeiro (constelação do Cruzeiro do Sul) resplandece (brilha). Gigante pela própria natureza, és belo, és forte, impávido (destemido, corajoso) colosso (gigante). E o teu futuro espelha (reflete) essa grandeza,terra adorada. Entre outras mil,és tu, Brasil,ó Pátria amada! És mãe gentil (amável) dos filhos deste solo. Pátria amada, Brasil! Ó Brasil, florão (abóbada, cúpula) da América, (tu) fulguras (brilhas) iluminado ao sol do Novo Mundo deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo. Teus campos risonhos e lindos têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida no teu seio (tem) mais amores do que a terra mais garrida (enfeitada, graciosa). O lábaro (bandeira) que ostentas (exibe) estrelado seja símbolo de amor eterno. E o verde-louro desta flâmula (bandeira) diga: paz no futuro e glória no passado. Mas, se a clava (bastão usado como arma) forte da justiça (tu) ergues, verás que um filho teu não foge à luta, nem teme a própria morte quem te adora.

Histórico: A poesia parnasiana teve seu início na França como consequência do repúdio de alguns poetas ao sentimentalismo exagerado da poesia romântica. Ela é um fruto do materialismo que se desenvolveu na sociedade em virtude da segunda fase da Revolução Industrial. Entre seus principais nomes estavam os poetas Théophile Gautier (1811-1872), Leconte de Lisle (1818-1894), Théodore de Banville (1823-1891) e José Maria de Heredia (1842-1905) e Sully Prudhomme (1839-1907). O nome da Escola é inspiração oriunda do jornal “Le Parnasse contemporain” que circulou entre os anos de 1866 e 1876. O nome da publicação é uma referência ao Monte Parnaso, a montanha que, na mitologia grega era consagrada a Apolo (deus da beleza e da perfeição) e às musas, uma vez que os seus autores procuravam recuperar os valores estéticos da Antiguidade clássica, além do racionalismo tão caro aos gregos.

No Brasil:

Estátua de Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras, R.J.

Apesar de ser uma escola com as mesmas influências das Escolas do “Final do Século” (Realismo e Naturalismo), o Parnasianismo brasileiro representou um afastamento em relação às tendências e preocupações do realismo social. Seus poetas estavam mais preocupados em buscar composições que primavam pelo exagerado esteticismo, além de temas consagrados pela tradição literária europeia, como temas orientais, helênicos e materialistas. Foi típico desse movimento a busca pela impassibilidade do poeta diante dos objetos que representava em seus poemas, criando uma poesia que primava pela objetividade e pelo descritivismo: “a arte pela arte”.

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A escola, no Brasil, infelizmente, acabou cultuando muito a correção gramatical, o preciosismo das palavras, a obsessão por clareza e pelo rigor formal. O Parnasianismo fez muito sucesso por aqui, pois era a estética preferida dos representantes de uma elite agrária e da burguesia que começava a ver as transformações nas principais cidades que se afrancesavam. Reflexo da época, preferiam um tipo de poesia alienado que só se preocupava com aspectos estéticos “puros”. O veículo de divulgação dos poetas para suas composições era a revista carioca “Fon-Fon”, inspirada na buzina dos primeiros automóveis da época. Essa revista realizava concursos para eleger os “príncipes dos poetas” e foi satirizada posteriormente pelos Modernistas com a revista Klaxon (um tipo de buzina mais moderno). Disciplinados e “acadêmicos”, os poetas parnasianos acataram as regras que se pretendiam “científicas” da poética tradicional, além do uso excessivo de um palavreado difícil.

Características:Objetividade e impessoalidade: Esta posição combate o exagerado subjetivismo romântico. O poeta só se permite uma abordagem desprovida de sentimentalismo, buscando a palavra exata para descrever cenas e objetos.“Arte Pela Arte” (frase de Théophile Gautier): A poesia vale por si mesma, sem expressar sentimentalismo ou subjetividade, e justifica por sua beleza. É por isso que muitas poesias são relacionadas a matéria de burilamento.Preciosismo: focaliza-se o detalhe; cada objeto deve singularizar-se, daí as palavras raras e rimas ricas. Formalismo: O poeta parnasiano busca a perfeição formal a todo custo. Por isso faz uso exagerado de:

Rimas Ricas: São evitadas palavras da mesma classe gramatical. Valorização dos Sonetos: É dada preferência para os sonetos, composição dividida em duas estrofes de

quatro versos, e duas estrofes de três versos. Ressaltando, no entanto, a “chave de ouro” no último verso. Metrificação Rigorosa: O número de sílabas poéticas deve ser o mesmo em cada verso, preferencialmente

com dez (decassílabos) ou doze sílabas (versos alexandrinos), os mais utilizados no período. Ou apresentar uma simetria constante, exemplo: primeiro verso de dez sílabas, segundo de seis sílabas, terceiro de dez sílabas, quarto com seis sílabas, etc.

Descritivismo: Grande parte da poesia parnasiana é baseada em objetos inertes, sempre optando pelos que exigem uma descrição bem detalhada como “A Estátua”, “Vaso Chinês” e “Vaso Grego” de Alberto de Oliveira. Temática Greco-Romana: A estética é muito valorizada no Parnasianismo, mas mesmo assim, o texto precisa de um conteúdo. A temática abordada pelos parnasianos recupera temas da Antiguidade Clássica, características de sua história e sua mitologia. É bem comum os textos descreverem deuses, heróis, fatos lendários, personagens marcados na história e até mesmo objetos. Metalinguagem: Como muitas vezes os poetas não tem sobre o que falar, visto que as poesias não devem expressar sentimento, eles se voltam para o próprio fazer poético, como se pode ver nos versos abaixo de Olavo Bilac, “A um Poeta”:“Longe do estéril turbilhão da rua,Beneditino, escreve! No aconchegoDo claustro, na paciência e no sossego,Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!”

A “Tríade Parnasiana” Considerados os mais importantes poetas do período, Alberto de Oliveira (à esquerda) e Raimundo Correia (no centro) formam, com Olavo Bilac (à direita), a chamada “Tríade Parnasiana”. Merecem destaque, também os poetas acadêmicos Machado de Assis (em sua segunda fase, já que a primeira era composta por poemas românticos), Vicente de Carvalho

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(santista conhecido como o “poeta do mar”) e Francisca Júlia. É interessante ressaltar que houve reflexos parnasianos na produção poética de muitos escritores modernistas, como Vinícius de Moraes.

Olavo Bilac(o 1º “Príncipe dos Poetas”)(o “Poeta das Estrelas”) Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu em 1865 e morreu em 1918, no Rio de Janeiro, onde foi jornalista,

poeta e fundador da Academia Brasileira de Letras. Após iniciar a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a Faculdade de Direito de São Paulo, Olavo Bilac voltou à sua cidade natal e passou a dedicar-se à literatura. Começou a trabalhar no jornal A Cidade, no qual conseguiu ser indicado correspondente em Paris, em 1890. Exerceu diversos cargos públicos e foi grande incentivador do serviço militar obrigatório e da criação dos Tiros de Guerra.  Autor da letra do Hino à Bandeira, foi como poeta que Bilac se imortalizou. Eleito “Príncipe dos

Poetas Brasileiros” pela revista Fon-Fon, em 1907. A publicação de Poesias, em 1888, rendeu-lhe a consagração.

Características Olavo Bilac destacou-se, até com certo exagero, pela busca da perfeição formal na poesia: faz jus ao atributo de parnasiano, pois foi nesse sentido, um dos mais radicais. Esse radicalismo pode ser visto, de início, no famoso poema “Profissão de Fé” (uma espécie de apresentação metalinguística da estética parnasiana que abre seu livro Poesias), onde prega o trabalho formal e o rigor do estilo. Sua preocupação com a estrutura é tão grande que a epígrafe do poema (“Le poète est cise1eur,/Le ciseleur est poete”, de Victor Hugo) quer dizer que assim como o escultor é um poeta, o poeta também é um artesão dos versos.

“Invejo o ourives quando escrevo:Imito o amorCom que ele, em ouro, o alto relevo Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara A pedra firo:O alvo cristal, a pedra rara, O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me, Sobre o papelA pena, como em prata firme Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem, A idéia veste:Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim.

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Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito

(...)Assim procedo. Minha pena Segue esta norma,Por te servir, Deusa serena, Serena Forma!

(...)Celebrarei o teu oficio No altar: porém,Se inda é pequeno o sacrifício, Morra eu também!

Caia eu também, sem esperança, Porém tranquilo,Inda, ao cair, vibrando a lança, Em prol do Estilo!

Vocabulário:Ourives: joalheiro; Carrara: região da Itália de onde se retira um tipo de mármore branco; Ônix: pedra; Cinzel: instrumento usado pelos escultores e ourives; Cingir: vestir; Engastar: colocar; Rubim: forma transformada de rubi, pedra preciosa; Norma: regra.

O perfeccionismo, no entanto, não significa, porém, que ele fosse sempre perpassado da frieza que predomina em “Profissão de fé”. Há poemas em que Bilac se mostra emotivo - quase romântico - presente no volume Poesias, que inaugura sua obra. É de notar na parte do livro, denominada “Via Láctea”, o soneto (uma das formas prediletas dos parnasianos) XIII, onde se lê:

“’Ora (direis) ouvir estrelas! CertoPerdeste o senso!’ E eu vos direi, no entanto,Que, para ouvi-las, muita vez despertoE abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquantoA via Láctea, como um pálio aberto,Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: ‘Tresloucado amigo!Que conversas com elas? Que sentidoTem o que dizem, quando estão contigo?’

E eu vos direi: ‘Amai para entendê-las!Pois só quem ama pode ter ouvidoCapaz de ouvir e de entender estrelas.’”

Vocabulário:

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Pálio: espécie de tenda que serve para cobrir o padre; Cintila: brilha; Tresloucado: louco, alucinado.

Ou ainda poemas em que se misturam traços histórico-religiosos referindo-se à mitologia cristã relacionada à expulsão de Adão e Eva do paraíso, com a exaltação da sensualidade e do amor carnal, como em “Alvorada de Amor”, poema que insinua erotismo:

“Um horror grande e mudo, um silêncio profundoNo dia do Pecado amortalhava o mundo.E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendoQue Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,Disse:

‘Chega-te a mim! entra no meu amor,E à minha carne entrega a tua carne em flor!Preme contra o meu peito o teu seio agitado,E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê! tudo nos repele! a toda a criaçãoSacode o mesmo horror e a mesma indignação...A cólera de Deus torce as árvores, crestaComo um tufão de fogo o seio da floresta,Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;As estrelas estão cheias de calefrios;Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;Surjam feras a uivar de todos os caminhos;E, vendo-te a sangrar das urzes através,Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés...

Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,Ilumina o degredo e perfuma o deserto!Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,Levo tudo, levando o teu corpo querido!

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:- Tudo renascerá cantando ao teu olhar,Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!Rosas te brotarão da boca, se cantares!Rios te correrão dos olhos, se chorares!E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu,Agora que és mulher, agora que pecaste!

Adão e Eva de Tamara de Lempicka.

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Ah! bendito o momento em que me revelasteO amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!Porque, livre de Deus, redimido e sublime,Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,- Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!’” Vocabulário:Amortalhava: tornava morto; Repelir: afastar; Calefrios: calafrios; Rugir: gritar, bramir; Turvar: tornar-se escuro, com pouca visibilidade; Crestar: queimar; Encrespar: tornar crespa, agitada; Injuriar: proferir injúrias, xingamentos; Urzes: espinhos; Degredo: abandono, expulsão.

Há também na produção de Olavo Bilac poemas nacionalistas importantes como o “Hino à Bandeira” e “O Caçador de Esperaldas”.

Alberto de Oliveira

(o 2º “Príncipe dos Poetas”)(o “Poeta dos Vasos”) Antônio Mariano Alberto de Oliveira nasceu na cidade de Palmital de Saquarema, RJ, em 1857; e faleceu em Niterói, no ano de 1937. Após cursar medicina até o terceiro ano, abandonou o curso e optou pela área de farmacêutica, formando-se em 1883. Além de professor, exerceu a função de Diretor Geral de instrução do Rio de Janeiro e foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Em 1924 (em pleno Modernismo), foi eleito o 2º “Príncipe dos Poetas Brasileiros” ocupando o lugar deixado por Olavo Bilac.

A sua obra, dedicada exclusivamente à poesia, é composta por: Canções Românticas e Meridionais.

Características Considerado pela crítica como sendo “o mais Parnasiano” dos poetas brasileiros, Alberto de Oliveira, durante seus oitenta anos vida, presenciou várias transformações políticas e sociais, porém, isso não alterou o seu estilo literário, que permaneceu sempre fiel ao Parnasianismo. Sua poesia sempre seguiu as rígidas regras da escola Parnasiana, ou seja, perfeição formal e métrica rígida. A sua linguagem é cuidadosamente trabalhada, chegando às vezes a ser rebuscada. Os temas giram em torno de descrições objetivas, como exemplo pode-se citar os sonetos “Vaso Grego” e “Vaso Chinês”.

Vaso Grego“Esta de áureos relevos, trabalhadaDe divas mãos, brilhante copa, um dia,Já de aos deuses servir como cansadaVinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que a suspendiaEntão, e, ora repleta ora esvasada,A taça amiga aos dedos seus tinia,Toda de roxas pétalas colmada.

Depois... Mas o lavor da taça admira,Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordasFinas hás-de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira

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Fosse a encantada música das cordas,Qual se essa voz de Anacreonte fosse.”

Vocabulário:Áureos: de ouro; Divas: divinas; Copa: parte superior da taça; “Poeta de Teos”: Anacreonte (575 - 490 a.C.) nasceu na ilha de Teos; Repleta: cheia; Esvazada: esvaziada; Tinir: fazer barulho; Colmada: cheia, plena; Lavor: trabalho; Canora: harmoniosa; Ignota: desconhecida.

Vaso ChinêsEstranho mimo, aquele vaso! Vi-oCasualmente, uma vez, de um perfumadoContador sobre o mármor luzidio,Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamoradoNele pusera o coração doentioEm rubras flores de um sutil lavrado,Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura -Quem o sabe? - de um velho mandarimTambém lá estava a singular figura;

Que arte, em pintá-la! A gente acaso vendo-aSentia um não sei quê com aquele chimDe olhos cortados à feição de amêndoa.

Vocabulário:Mimo: presente, beleza; mármor: mármore; luzidio: brilhante; rubras: vermelhas ao se referir aos desenhos do vaso (sutil lavrado); desventura: falta de sorte; mandarim: típica figura chinesa de homem idoso e poderoso; chim: simplificação da palavra chinês de olhos amendoados.

Raimundo Correia(o “Poeta das Pombas”) Raimundo Correia nasceu em 1859, e faleceu no ano de 1911, em Paris, onde foi tratar da saúde. Filho de família rica, realizou o curso secundário no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Em 1882 formou- se na Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo e, logo depois, retornou ao Rio de Janeiro, onde fez um bem-sucedida carreira judiciária.

Características Em 1883 com o livro Sinfonias, assume o Parnasianismo e passa formar, ao lado de Alberto Oliveira e Olavo Bilac, a famosa “Tríade Parnasiana”. Os temas adotados por Raimundo Correia giram em torno da perfeição formal dos objetos. Ele se

diferencia um pouco dos demais parnasianos porque sua poesia é marcada por um forte pessimismo, chegando até a ser sombria. Ao analisar a obra de Raimundo Correia percebe-se que há nela uma transformação: iniciou sua carreira como Romântico, depois adotou o Parnasianismo e, em alguns poemas, aproximou-se da escola Simbolista, como “A Cavalgada” e “Mal Secreto” A sua obra é composta por Primeiros Sonhos; Sinfonias; Versos e Versões; Aleluias e Poesias.

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Mal Secreto “Se a cólera que espuma, a dor que mora N'alma, e destrói cada ilusão que nasce, Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse; Se se pudesse o espírito que chora, Ver através da máscara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse! Quanta gente que ri, talvez, consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo, Como invisível chaga cancerosa! Quanta gente que ri, talvez existe, Cuja ventura única consiste Em parecer aos outros venturosa!”

Vocabulário:Punge: provoca dor; Atroz: forte; Recôndito: escondido; Ventura: sorte.

A Cavalgada

“A lua banha a solitária estrada...Silêncio!... Mas além, confuso e brando,O som longínquo vem-se aproximandoDo galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.E as trompas a soar vão agitandoO remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...Da cavalgada o estrépito que aumentaPerde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...E límpida, sem mácula, alvacentaA lua a estrada solitária banha...”

Vocabulário:Fidalgos: nobres; Trompas: instrumentos musicais; Soar: fazer som; Remanso: calma; Embalsamada: perfumada; Estrépido: barulho; Límpido: clara; Mácula: mancha; Alvacenta: branca, alva.

As Pombas“Vai-se a primeira pomba despertada ... Vai-se outra mais ... mais outra ... enfim dezenas

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De pombas vão-se dos pombais, apenasRaia sanguínea e fresca a madrugada ...

E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam, Os sonhos, um por um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais...”

Vocabulário: Sanguínea: da cor do sangue; Nortada: vento do norte; Ruflar: sacudir de forma a fazer barulho; Abotoam: nascem em botão; Céleres: rápidas.

Para saber mais:Outros poetas Parnasianos:Francisca Júlia

(a “Musa Impassível”) Nasceu em Xiririca (hoje Eldorado, no Vale do Ribeira, S.P.) provavelmente em 31 de agosto de 1871 e faleceu em 1º de novembro de 1920. Em 1895, publica o primeiro livro, Mármores. O livro causou sensação nas rodas culturais de São Paulo e Rio de Janeiro. Olavo Bilac, numa crônica emocionada, destacou: “Em Francisca Júlia surpreendeu-me o respeito da língua portuguesa, não que ela transporte para a sua estrofe brasileira a dura construção clássica: mas a língua doce de Camões, trabalhada pela pena dessa meridional, que traz para a arte escrita todas as suas delicadezas de mulher, toda a sua faceirice de moça, nada perde da sua pureza fidalga de linhas. O português de Francisca Júlia é o mesmo antigo português, remoçado por um banho maravilhoso de novidade e frescura.”

Musa Impassível“Musa! Um gesto sequer de dor ou de sincero

Luto jamais te afeie o cândido semblante! Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não a queroEm tua boca suave o idílico descante.Celebra ora um fantasma anguiforme de DanteOra o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,

Page 11: alfatoledo.com.bralfatoledo.com.br/.../c148a3e9fce951394f99e3a516949a59.docx · Web viewA música de Francisco Manuel da Silva, é o símbolo sonoro da Pátria e, qual tal, tem a

Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos, Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,Ora o surdo rumor de mármores partidos.” Vocabulário:Impassível: sem paixão; Afeie: tornar feio; Cândido: limpo; Semblante: fisionomia; Sobrecenho: rosto; Austero: sério; Idílico: referente a idílio, relacionamento amoroso; Descante: referente a cantar; Celebra: festeja; Anguiforme: que tem a forma de cobra; Marcial: referente a Marte, o Deus da Guerra, garboso; Hemistíquio: é o espaço compreendido da 1ª até a 6ª sílaba poética, acentuação interna obrigatória em um verso de doze sílabas poéticas (Alexandrino); Crebra: freqüente; Calhau: pedra.

Referências BibliográficasABDALA Jr. Benjamin e CAMPDELLI, Samira Youssef. Tempos da literatura brasileira. São Paulo: Ática, 1983.BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1995.CANDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira (momentos decisivos). Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.________, Antônio. Esquema de Machado de Assis. In: VÁRIOS Escritos. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas cidades/Ouro sobre azul, 2004.________, Antônio. Literatura e sociedade. 9ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura brasileira. 2º grau. São Paulo: Atual Editora, 1995.MERQUIOR, J. Guilherme. De Anchieta a Euclides. Rio de Janeiro: Top Books, 1996.NICOLA, José de. Literatura brasileira - das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione, 1998.