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Oficinas com recursos criativos para pais, avós e cuidadores de crianças atendidas em Clínica-Escola de Psicologia: ações de extensão universitária na Promoção da Saúde.
Eberson dos Santos Andrade
Tatiana Slonczewski
Pontifícia Universidade Católica de Campinas – São Paulo, Brasil
Resumo: A extensão universitária é parte relevante na constituição da universidade
brasileira, articulando-se com o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável, viabilizando,
assim, a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. O objetivo deste estudo é
o de apresentar as ações de extensão desenvolvidas por meio de oficinas com recursos
criativos destinadas a pais, avós e responsáveis por crianças atendidas na Clínica-Escola de
Psicologia da PUC-Campinas, priorizando a articulação com as políticas públicas de
promoção da saúde e de prevenção das violências. De maio a dezembro, obteve-se um total
de 27 participantes, sendo 22 mulheres e 5 homens. O espaço das oficinas e as
intervenções realizadas possibilitaram a reflexão dos participantes acerca de algumas
temáticas que envolviam o cotidiano deles enquanto cuidadores. Essas temáticas foram
expostas em categorias, visando discutir as ações realizadas e o impacto destas oficinas
para a autonomia e promoção da saúde dos participantes e para o serviço de psicologia em
questão.
Palavras-chave: Atenção psicológica clínica institucional. Promoção da saúde. Oficinas para
pais. Clínica-Escola de Psicologia.
Abstract: University extension programs became a relevant share in the Brazilian University
Constitution, serving as an inextricable link between teaching and research, enabling thus
the progressive relationship between the University and its society. The aim of this study
presents the developed actions throughout the extension project with creative resources
workshops directed at parents, grandparents and guardians for children served in the Clinic-
School of Psychology from PUC-Campinas, articulating the actions with public health
promotion policies and prevention of violence. From May to December, the sample was
composed of 27 participants, in which 22 were women and 5 were men. The workshop’s
setting and the interventions that were carried out enabled the participants to reflect on a few
themes involving their everyday lives as caregivers. These themes were displayed in
categories, in order to debate the actions taken and its impacts, considering the health
promotion and effecting autonomy of the participants as for the Psychology service.
1
Keywords: Institutional Psychological Clinic. Health Promotion. Workshops for Parents.
Clinic-School in Psychology.
INTRODUÇÃO
A extensão universitária
De acordo com a legislação, a extensão universitária, juntamente com o ensino e a
pesquisa, é parte relevante do tripé que constitui o eixo fundamental da universidade
brasileira. As universidades, desta forma, obedecerão ao princípio da indissociabilidade
entre essas três instâncias que, equiparadas, merecem igualdade em tratamento por parte
das instituições de ensino superior (MOITA; ANDRADE, 2009). A extensão universitária
como parte constituinte dessas instituições pode ser entendida, segundo o Plano Nacional
de Extensão Universitária, como o processo educativo, cultural e científico que articula o
Ensino e a Pesquisa de forma indissociável, viabilizando, assim, a relação transformadora
entre Universidade e Sociedade (BRASIL, 2001). Ainda de acordo com este documento:
A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Este fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados/acadêmico e popular, terá como consequência: a produção de conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional; e a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. (BRASIL, 2001, p. 5)
Neste sentido, tal posição corrobora o pensamento de Freire (1983 apud MARTINS,
2014) da extensão enquanto uma perspectiva dialógica, comunicativa, sem transferir o
conhecimento, mas sim uma construção conjunta e participativa dele, ou seja, desmistifica a
concepção de extensão como via de mão única, caracterizada por uma posição autoritária
do fazer acadêmico, por meio da qual a universidade “saberia” e levaria algum
conhecimento àqueles que “nada sabem” – a comunidade. Nesta relação dialógica, os
programas de extensão universitária manifestam seu significado na relação entre instituição
e sociedade, consolidando-se pela troca de conhecimentos e experiências entre docentes,
discentes e população pelo desenvolvimento de processos de ensino-aprendizagem a partir
de práticas cotidianas caracterizadas por necessidades do mundo real (HENNINGTON,
2005).
2
Os programas de extensão que articulam ações na área da saúde assumem papel
importante na medida em que se integram à rede assistencial e podem promover espaços
diferenciados e particulares para novas experiências voltadas à humanização, ao cuidado
em saúde e à qualificação da atenção à saúde (HENNINGTON, 2005).
Promoção da Saúde
O projeto de extensão universitária aqui apresentado visa a promoção da saúde por
meio de oficinas com recursos criativos para pais, avós e responsáveis por crianças
atendidas na Clínica-Escola de Psicologia da PUC-Campinas, na cidade de Campinas, SP.
Desta forma, faz-se relevante definir o que se entende por Promoção da Saúde, além de
caracterizar a Clínica-Escola de Psicologia desta instituição de ensino superior.
É impossível mencionar a Promoção da Saúde sem citar a 1ª Conferência
Internacional de Promoção da Saúde em Ottawa (Canadá), em 1986, onde se produziu o
primeiro consenso do que este conceito envolveria. Naquela ocasião, a Promoção da Saúde
foi definida como “o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua
qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo”
(TRAD, 2010). Para atingirem um estado de completo bem-estar físico, mental e social, os
indivíduos e grupos deveriam saber identificar aspirações, satisfazer necessidades, além de
modificar favoravelmente o meio ambiente. Neste sentido, a saúde seria definida como um
conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades
físicas (BRASIL, 2002)
A Carta de Ottawa destaca, também, que as condições e os requisitos para a saúde
são a paz, a educação, a moradia, a alimentação, a renda, um ecossistema estável, a
justiça social e a equidade (BRASIL, 2002). A saúde passa a ter um caráter ampliado que
envolve mais do que ausência de doença; ou seja, quando se fala em promoção da saúde, o
objetivo maior é buscar expandir o potencial positivo de saúde, portanto, a ausência de
doenças seria uma perspectiva limitada para a compreensão desse fenômeno (SUCUPIRA;
MENDES, 2003).
Neste mesmo documento, definiu-se que a Promoção da Saúde envolveria a
responsabilização múltipla, tanto da população quanto do Estado, pelos problemas e
soluções. Dessa forma, caberia ao Estado a implementação de políticas públicas saudáveis,
a criação de ambientes saudáveis, assim como o reforço da ação comunitária, o estímulo ao
desenvolvimento de habilidades pessoais, a reorientação do sistema de saúde e a
construção de parcerias interinstitucionais (TRAD, 2010).
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A partir dessas considerações, pode-se afirmar que a Promoção da Saúde é um
instrumental conceitual, político e metodológico em torno do processo saúde-doença,
visando analisar e atuar sobre as condições sociais críticas para aprimorar e valorizar as
condições de saúde e de qualidade de vida. É interessante pontuar que as ações de
promoção da saúde se manifestam em diversos espaços, como em órgãos definidores de
políticas, nos espaços sociais onde vivem as pessoas, e nas universidades (SUCUPIRA;
MENDES, 2003), como é o caso das ações concretizadas em projetos de extensão
universitária que visam a promoção da saúde e o desenvolvimento da autonomia do público
alvo.
A Clínica-Escola
A Clínica-Escola de Psicologia da PUC-Campinas é um serviço de atenção
psicológica conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS) que atende a uma população
com condições de renda precárias e que convive com uma série de condições críticas, como
violência, privações financeiras e sociais. Este serviço se localiza na região Noroeste de
Campinas, região caracterizada pela precariedade de recursos sociais. A Clínica-Escola é
considerada um dos maiores recursos em termos de assistência à saúde mental da cidade
de Campinas (PREBIANCHI; CURY, 2005).
O espaço de orientação e atenção aos responsáveis pelas crianças atendidas na
Clínica-Escola, possível também pelo projeto de extensão, vem como uma proposta de
ampliar os serviços de atenção psicológica à população da cidade de Campinas,
especialmente aos pais e responsáveis por crianças. É importante frisar que, de acordo com
o estudo de Prebianchi e Cury (2005) sobre a caracterização da população atendida por
este serviço, há predomínio significativo dos pacientes infantis.
Vale ressaltar que o projeto de extensão universitária em questão se tornou possível
com a reformulação da clínica, que ocorreu há alguns anos, acolhendo diversas ações que
incluíram as interfaces com a Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, com a
Graduação em Psicologia e com a Extensão Universitária. A perspectiva de clínica
ampliada, o novo modelo de trabalho, visa superar a clínica tradicional que toma como
objeto somente a doença, construindo um objeto ampliado para o trabalho clínico
(PREBIANCHI; CURY, 2005).
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é o de apresentar as ações de extensão desenvolvidas por
meio de oficinas com recursos criativos destinadas a pais, avós e responsáveis por crianças
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atendidas na Clínica-Escola de Psicologia da PUC-Campinas, priorizando a articulação com
as políticas públicas de promoção da saúde e de prevenção das violências.
METODOLOGIA
O projeto de extensão desenvolveu, ao longo de 2015, oficinas com recursos
criativos para pais, avós e responsáveis por crianças atendidas pela Clínica-Escola de
Psicologia da PUC-Campinas, visando a promoção da saúde e a ampliação da autonomia
dos participantes envolvidos.
O convite aos responsáveis foi feito pessoalmente, no momento em que eles
procuravam o serviço para atendimento dos menores, por encaminhamento das psicólogas
da Clínica ou por busca espontânea. As oficinas foram oferecidas semanalmente e foram
divididas em quatro eixos temáticos, com quatro encontros cada, em período diurno e
vespertino-noturno, totalizando 16 encontros para cada grupo. O número máximo de
participantes era de oito por encontro, que tinha até duas horas de duração.
Foi disponibilizado aos participantes material lúdico e expressivo para realização das
atividades. No primeiro eixo (“Criar filhos: a gente já nasce sabendo?”), o narrar histórias foi
o recurso norteador e teve por objetivo desenvolver a reflexão dos participantes sobre os
cuidados com as crianças e sobre a construção do papel de pais/cuidadores. Dessa forma,
almejou oferecer um espaço acolhedor para discutir dificuldades e potencialidades
identificadas pelos pais na tarefa do cuidar, bem como buscar soluções e compartilhar
estratégias para um cuidado que reconheça a criança como pessoa.
No segundo eixo (“Sim, não, talvez?”), o norteador foram as questões sobre
convivência familiar e limites na educação dos filhos, e teve por objetivo fortalecer
competências familiares para maior autonomia no cuidado com a criança e orientar as
práticas familiares que podem ser promotoras de uma condição mais saudável de
relacionamento familiar e desenvolvimento da criança. Objetivou, também, possibilitar o
exercício de uma cultura de paz nas relações e de uma comunicação mais efetiva, para a
promoção da saúde.
No terceiro eixo (“Bem me quer, mal me quer”), os recursos utilizados foram o
material lúdico disponibilizado pela clínica e o diálogo, tendo como tema principal a
violência. Esse eixo teve por objetivo promover um espaço acolhedor para se discutir
rupturas, conflitos e também caminhos para a construção de sentidos em meio às
dificuldades vivenciadas, buscando melhores recursos para a promoção da saúde da
criança. Além disso, almejou facilitar a reflexão sobre prevenir, identificar e manejar
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situações de violência, visando promover suporte grupal e orientação frente às demandas
apresentadas.
Por fim, o quarto eixo (“Brincar é coisa de criança?”) teve como norteador o resgate
às brincadeiras da infância, objetivando a sensibilização de pais e cuidadores para o brincar
como recurso privilegiado de expressão e de comunicação com a criança. Almejou facilitar
que, pela construção conjunta de brincadeiras/brinquedos e pelo resgate do brincar, das
canções, do contar histórias e dos demais recursos lúdicos, os pais pudessem refletir e
dialogar sobre a relação que constroem com a criança. É importante ressaltar que tais
recursos foram considerados como elementos disparadores para as discussões e reflexões,
ou seja, os assuntos e temáticas desenvolvidos posteriormente foram elaborados levando-
se em conta a condução que o próprio grupo deu à atividade.
RESULTADOSDe maio a dezembro, obteve-se um total de vinte e sete (27) participantes em pelo
menos um encontro, nos diferentes horários oferecidos, sendo vinte e duas do sexo
feminino e cinco do sexo masculino. Em relação ao parentesco das crianças atendidas pelo
serviço de psicologia, vinte e uma mulheres eram as mães e uma, a avó; dentre os homens,
três eram pais, um era padrasto e um era bisavô.
Como o projeto de extensão visava a promoção da saúde, o trabalho incentivou
condutas adequadas à melhoria da qualidade de vida dos participantes. Desta forma, foi
uma preocupação dos profissionais envolvidos em criar um espaço de escuta e de atenção
psicológica clínica qualificada para a emancipação e desenvolvimento de autonomia por
meio da facilitação da reflexão dos participantes. Deste modo, notou-se que as ações
desenvolvidas permitiram a ampliação das reflexões dos cuidadores em relação a algumas
temáticas.
No final de cada oficina, os encontros eram descritos em formato de narrativas pelo
bolsista extensionista. Os dados dessas narrativas foram analisados e, de acordo com o que
emergiu como tema ao longo dos quatro ciclos de oficinas, definiu-se as seguintes
categorias como expressão das temáticas que permitiram a ampliação da reflexão dos
participantes, considerando-se os objetivos do plano de extensão proposto: O conceito de
família e a ausência da figura paterna, o Papel social da mulher na contemporaneidade, e a
Prevenção da violência. Além dessas categorias que representam elementos que se
repetiram exaustivamente na descrição dos encontros, criou-se uma categoria titulada
Oficinas enquanto um espaço de Promoção da Saúde, a qual exprime de modo mais
abrangente o que foi experienciado pelos participantes nos encontros.
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Como as oficinas caracterizavam-se pela livre participação e, consequentemente, por
um fluxo bastante dinâmico de participantes, foi necessário que os profissionais envolvidos
desenvolvessem estratégias para avaliar a experiência em cada encontro.
Ao perceber que os participantes estavam escrevendo e também relatando
oralmente o impacto do encontro para eles a cada dia, de forma espontânea, pensou-se
como instrumento de avaliação complementar da experiência a Versão de Sentido, que para
Amatuzzi (1995 apud BORIS, 2008) consiste em recurso por meio do qual os indivíduos
escrevem sua percepção do que foi vivido naquele espaço, ou seja, consiste em um recurso
que não pretende ser um relato do que aconteceu em sua materialidade, mas uma tentativa
de dizer a experiência imediata enquanto pessoa naquele momento. Vale ressaltar que foi
desenvolvido, também, um questionário com perguntas abertas e fechadas como
instrumento de avaliação das oficinas, o qual foi respondido pelos participantes no final de
cada eixo temático.
Era perguntado no final de cada oficina “Como estou saindo deste encontro?”. Se os
participantes se sentissem confortáveis, eles poderiam escrever no papel o que o encontro
significou para eles enquanto experiência pessoal. Percebeu-se que alguns elementos se
repetiam nessas Versões de Sentido, como discursos que envolviam Ampliação da
Consciência, Identificação com outros participantes, além de Sentimentos como Esperança,
Confiança, Alívio e Felicidade. Algumas dessas versões de sentido serão apresentadas no
corpo do texto do presente artigo.
Para a análise dos dados, foi realizada a análise categorial de conteúdo, que
consiste no desmembramento do discurso em categorias em que os critérios de escolha
orientam-se pela delimitação da investigação dos temas relacionados ao objeto a ser
analisado (BARDIN, 2004). No caso deste estudo, foi realizada a elaboração de categorias
temáticas sobre os temas: O conceito de família e a ausência da figura paterna; O papel social da mulher na contemporaneidade; Prevenção da violência; e Oficinas enquanto espaço de Promoção da Saúde e autonomia.
Além das categorias que evidenciam o que perpassou todos os eixos, ou seja, o que
emergiu como discussão e reflexão dos participantes, influenciando diretamente na
autonomia dos mesmos, este estudo apresentará também uma categoria que evidenciará
aquilo que o projeto desenvolveu enquanto produto objetivo, caracterizada pela ampliação do serviço de Psicologia da PUC-Campinas por meio da inserção das oficinas.
DISCUSSÃO
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Vale ressaltar que este estudo se trata de uma narrativa da experiência com a
avaliação dos conceitos desenvolvidos. Priorizou-se, no presente artigo, a descrição das
ações de intervenção e das experiências vividas pelo grupo que frequentou as oficinas no
período vespertino/noturno.
Para fins didáticos, a análise das atividades e intervenções realizadas, nos dezesseis
encontros do grupo, será dividida pelas categorias anteriormente citadas, as quais
evidenciam os temas que atravessaram todos os eixos. Esses temas ora desapareciam ora
retornavam em meio às discussões do grupo.
O conceito de família e a ausência da figura paterna
É imprescindível que, ao propor um projeto de extensão que envolva o cuidado
paternal/maternal-filial, se compreenda o que os participantes envolvidos compreendem pelo
conceito de família. Quando se considera um projeto de extensão que visa à promoção da
saúde da família como um todo, é preciso entendê-la e conceituá-la para, assim,
compreender os desafios das práticas de saúde que a ela se destinam (TRAD, 2010).
A temática sobre família surgiu, no grupo, logo no primeiro ciclo de oficinas (Criar
filhos: a gente já nasce sabendo?). Ao narrar as histórias de família, os participantes
puderam se reconhecer nas suas trajetórias de vida, compreendendo com mais
profundidade a noção da própria história e a noção de maternidade/paternidade. No entanto,
a discussão sobre família surgiu com mais força no eixo “Bem me quer, mal me quer”,
quando as participantes exploravam questões que envolviam as perdas, a condição da
mulher, além da ausência da figura paterna e de figuras de referência na estrutura familiar,
como a de seus pais.
Segundo Trad (2010), o tema “família” tem envolvido estudos de diversas áreas,
como a psicologia, a sociologia e a antropologia. Esses estudos coincidem no que se refere
à complexidade e a necessidade de um olhar multidisciplinar, face às profundas mudanças
que impactaram significativamente sobre a família. Por exemplo, quanto à sua organização
interna, a família sofreu diversos arranjos que coexistem: família nuclear (conjugal), família
extensa (consanguínea), família unilateral, família homoparental e família monoparental. De
acordo com essa mesma autora, há um decréscimo das famílias formadas por casais e um
aumento proporcional das famílias monoparentais. Em relação a essa estrutura de família, o
IBGE de 2010 verificou que houve um aumento de famílias tendo a mulher como
responsável (de 22,2% para 37,3%) em comparação aos dados de 2000 (IBGE, 2010),
como é o caso de algumas participantes das oficinas.
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Verificou-se que algumas participantes, tanto as que chefiam a casa quanto as que
não a chefiam, se queixam da ausência da figura paterna nos cuidados com as crianças.
Essa ausência pode ser entendida como resultado de um processo de separação e divórcio,
de abandono por parte do parceiro, pela morte do cuidador e/ou simplesmente pela
ausência simbólica da figura masculina, caracterizada pela presença do homem no cotidiano
da criança, mas pela ausência desse nos cuidados com os filhos, sobrecarregando a função
das mulheres, o que será discutido com maior profundidade na próxima categoria de
análise.
A esse respeito, Pereira (2003 apud CUNICO; ARPINI, 2014) considera que a função
básica e estruturadora do pai está passando por uma transição difícil de ser compreendida
na realidade contemporânea. Tal transição é evidenciada por pais que não reconhecem
para si mesmos o direito e dever da participação ativa na vida dos filhos. Esses são
entendidos como os pais que não se envolvem afetivamente com os filhos mesmo morando
com eles, os pais de finais de semana, pais que se recusam a pagar a pensão alimentícia
do filho ou ainda aqueles que não reconhecem os menores, não registrando o filho na
certidão de nascimento.
Percebe-se que dentro das oficinas, muitas das participantes que se encontram
nesta situação de ausência paterna nos cuidados com os filhos simplesmente afastam os
homens do seu papel, seja consciente ou inconscientemente, ativamente ou não, gerando
sobrecarga em seu papel como cuidadoras. Diante disso, os profissionais envolvidos
evidenciaram, por meio das discussões no grupo, a importância da figura masculina para o
desenvolvimento saudável da criança, sendo a interação entre o pai e a criança um dos
fatores decisivos para o desenvolvimento cognitivo e social da mesma, o que facilita a
capacidade de aprendizagem e a integração da criança na comunidade (BENCZIK, 2011).
A partir dessas relações estabelecidas, a literatura aponta para o fenômeno da
desagregação patriarcal familiar e, assim, também para os novos arranjos familiares
resultantes de uma maior flexibilidade com o aumento de separação e divórcios (TRAD,
2010). Ao analisar o perfil dos participantes das oficinas, verifica-se que um número
significativo de participantes, do sexo feminino no geral, encontra-se em uma situação de
reconfiguração familiar por terem se separado ou divorciado. Muitas delas estão,
atualmente, com outros parceiros que não o pai de seus filhos.
Em um dos encontros desenvolvidos, referente ao eixo “Bem me quer, mal me quer”,
as participantes passaram a comentar sobre as famílias e seus arranjos, parecendo ter
dificuldade em definir e compreender o que unia ou separava seus membros, como era
aquele tipo de relação. Sendo assim, surgiu para o grupo o questionamento disparador: “o
que é, então, isso que se chama família?”, e que tinha como objetivo verificar o que as
participantes compreendiam pelo conceito de família. O que motivou este recurso foi a
9
reflexão acerca das novas configurações de família e da ausência paterna. As cuidadoras
puderam manusear bonecos de pano que, geralmente, são utilizados nos atendimentos
infantis da Clínica-Escola. Esse exercício de compreensão do grupo resultou em um folheto
construído com a contribuição de todos, posteriormente. Nesta ocasião, verificou-se que não
havia definição única do conceito de família para o grupo, como é apontado pela literatura
(TRAD, 2010). Em linhas gerais, pode-se dizer que Família nada mais é do que a união de
pessoas ligadas entre si por laços consanguíneos ou por laços afetivos. Ou ainda, uma
definição possível considera a família enquanto:
Um espaço de intercâmbio simbólico entre gênero e gerações; de mediação entre natureza e cultura; de mediação entre a esfera privada e pública, podendo ser entendida seja como relação intersubjetiva, seja como instituição. Trata-se de ver a família para além de uma unidade de residência em diferentes pontos do tempo, mas como uma estrutura relacional que envolve seus membros, amigos, vizinhos (SERAPIONI, 2005 apud TRAD, 2010, p. 167)
A partir do que foi discutido aqui, deve-se atentar para o fato de que a estruturação
da família sempre acontece em consonância com o momento histórico da sociedade na qual
está inserida e que não há definição única possível para este conceito. Diante disso, é válido
ressaltar que quando se fala em promoção da saúde da família, um limite que deve ser
destacado refere-se à compreensão, por parte dos profissionais da saúde, do que se
entende por família, a qual não pode ser tomada genericamente (TRAD, 2010).
Papel social da mulher na contemporaneidade
Como já apontado, a grande maioria dos participantes das oficinas foi composta por
mulheres. Dessa forma, muitas discussões dentro do grupo envolveram o papel da mulher
na contemporaneidade. Essas discussões permitiram reflexões profundas da condição da
mulher na sociedade. As participantes se queixavam constantemente da sobrecarga de
atribuições pessoais no dia a dia devido a dupla jornada – trabalho e afazeres domésticos -
o que corrobora os estudos de França e Schimanski (2009) que afirmam que mesmo com
grandes conquistas da mulher e dos avanços tecnológicos, o papel feminino ainda é
permeado por aspectos de tradicionalismo, por meio do qual a mulher é vista como
cuidadora da família e a responsável pelo zelo da casa. O papel da mulher na
contemporaneidade, diferente do tradicional, soma sua inserção no mercado de trabalho à
sua função na família, gerando a dupla jornada da mulher, dentro e fora de casa.
Pode-se considerar que a posição da mulher como cuidadora da família e a
responsável pelo zelo da casa resulta da ideologia prevalente da existência da família
nuclear como uma instituição imutável, natural e necessária; assim, esta ideologia apenas
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representaria uma glorificação hipócrita da maternidade (NOGUEIRA, [s/d]), que acarreta
desigualdades de poder entre os gêneros masculino e feminino. Sabe-se, no entanto, que
nos últimos anos, o papel da mulher na família vem sendo reelaborado. Essa mudança é
resultado de muitos fatores, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, as
conquistas advindas da luta do movimento feminista, a maior participação sócio-política da
mulher, dentre outros. No entanto, sabe-se, também, que essas mudanças trouxeram
grande impacto sobre o papel da mulher dentro da família.
Ao se colocar no mundo do trabalho, a mulher, no geral, parece ainda colocar em
segundo plano a sua identidade profissional, priorizando a família. Dessa forma, as
mulheres que somam trabalho com atividades do lar ainda se percebem impactadas pelos
seus múltiplos papeis, o que pode desenvolver problemas de saúde. Conforme Carloto
(1998 apud BARROS, 2008), as mulheres que somam o trabalho assalariado e as funções
domésticas não conseguem se recuperar da fadiga e do desgaste, e ficam mais sujeitas a
dores, doenças e vários tipos de sofrimento físico e mental.
Verifica-se que o desdobramento dos novos papeis da mulher na
contemporaneidade teve como consequência uma sobrecarga de funções (BARROS, 2008).
Neste sentido, é relevante pontuar que as participantes das oficinas se queixavam,
constantemente, da sobrecarga física e emocional relacionada à condição delas enquanto
mulheres, mães, esposas e trabalhadoras. Vale ressaltar que os profissionais se atentaram
para as discussões desenvolvidas, visando que o grupo não se fixasse em reproduzir papeis
sociais, pensamentos e conceitos cristalizados socialmente, mas que os participantes
buscassem sua saúde, autonomia e a transformação de seus respectivos cotidianos.
A discussão sobre a condição da mulher surgiu no grupo com mais força no 3º eixo
de oficinas, quando se discutia as dificuldades vivenciadas no dia a dia pelos cuidadores. É
interessante pontuar que as participantes sentiam falta de figuras masculinas no grupo;
segundo o discurso delas, seria interessante compreender o posicionamento dos homens
diante das questões que perpassam a desigualdade de gênero. Diante disso, elas
desafiavam o bolsista extensionista o tempo todo, pois, na maior parte do tempo, ele foi a
única figura masculina naquele espaço.
Ao falar a respeito da sobrecarga no papel da mulher e, mais especificamente, sobre
os impactos em sua saúde integral, é relevante apontar que a situação de saúde circunda
diversos aspectos da vida, como as condições do trabalho, moradia, renda, alimentação,
dentre outros. No caso específico das mulheres, os problemas são agravados pela
discriminação nas relações de trabalho e pela sobrecarga com o trabalho doméstico. Posto
11
isto, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (BRASIL, 2004, p. 9)
acrescenta que:
As mulheres vivem mais do que os homens, porém adoecem mais frequentemente. A vulnerabilidade feminina frente a certas doenças e causas de morte está mais relacionada com a situação de discriminação na sociedade do que com fatores biológicos.
É interessante apontar que, por meio do discurso das participantes no grupo, elas se
permitiram à reflexão de que essa condição foi, por vezes, também alimentada por elas
mesmas em seus cotidianos, visto que narraram ter tido dificuldade de dividir a tarefa com
os parceiros, seja por considerá-los incompetentes para a função ou por acreditar que elas
são autossuficientes para realizar todas as funções como cuidadoras. Diante disso, elas
foram aos poucos se apropriando da experiência de que, se os parceiros não estão
presentes, essa questão cabe a eles e a elas também, pois acabam por afastar os homens
dos seus papeis como pais/cuidadores, como descrito na categoria anterior.
Prevenção da violência
Ao falar em promoção da saúde, verifica-se que essa política está relacionada a um
conjunto de ações que envolvem aspectos diretamente voltados à saúde da família e de
seus membros. Dentre os elementos que são estimulados por esta política, destacam-se a
prevenção da violência e a promoção da cultura de paz, mediante a capacitação e
sensibilização de profissionais da saúde acerca da violência intrafamiliar e sexual (TRAD,
2010).
Partindo disso, é relevante apontar que a temática que circunda a violência, ou
melhor, as violências, apareceu em diversos encontros das oficinas. Inclusive, um dos eixos
temáticos desenvolvidos pelos profissionais (“Bem me quer, mal me quer”) discutiu
exatamente este assunto. Quando os participantes compartilharam experiências de violência
para com as crianças, fosse ela física (a mais comum), psicológica e/ou negligência, a
posição dos profissionais era de escuta, acolhimento e orientação, promovendo condições
para a reflexão sobre a violência cometida e sobre violação dos direitos da criança, direitos
estes assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente enquanto uma política pública
de proteção integral da criança e do adolescente (BRASIL, 2014).
Em uma das oficinas, desenvolvida no eixo “Bem me quer, mal me quer”, o recurso
disparador elaborado com as participantes presentes foi de que elas pudessem desenhar,
em suas casas, o contorno dos pés e mãos delas, dos maridos e dos filhos para,
posteriormente, compará-los e ilustrá-los com os recursos criativos disponíveis; no encontro
seguinte, elas puderam verificar a diferença do tamanho dos membros dos responsáveis e
12
dos membros das crianças. Este recurso disparador possibilitou a discussão e a reflexão,
por meio dos recursos expressivos, de como a violência intrafamiliar praticada contra
crianças pode significar abuso de poder dos responsáveis nesta relação. Para Moreira e
Sousa (2012, p. 15):
A violência intrafamiliar praticada contra crianças e adolescentes é uma prática histórica na sociedade brasileira, presente em todos os segmentos sociais. Venturin, Bazon e Biasoli-Alves (2004), ao examinarem a literatura sobre a violência intrafamiliar, mostram que os pesquisadores têm enfatizado que ela é a expressão do abuso de poder dos pais ou responsáveis, que coisificam as crianças e os adolescentes, fazendo deles objetos e desrespeitando os seus direitos fundamentais.
Nota-se, no dia a dia das oficinas, que os participantes encontraram dificuldades em
impor limites na relação com os filhos e a maneira encontrada para se estabelecer este
limite foi, muitas vezes, por meio de posturas autoritárias e agressivas. Eles, no geral,
sentem culpa, medo e se orientam pelo temor quanto a um futuro marginal dos filhos mais
do que pelo foco na atitude presente; reproduzem, assim, práticas culturais arraigadas na
família, como práticas coercitivas e/ou autoritárias.
Neste sentido, os profissionais possibilitaram a discussão em torno dessas questões,
trabalhando com o grupo a possibilidade de se educar sem violência. O grupo concluiu, em
alguns encontros, que o diálogo é uma possibilidade interessante para se estabelecer uma
relação de autoridade (não de autoritarismo) para com as crianças, promovendo, assim, a
harmonia e o desenvolvimento saudável dessas. Neste sentido, destaca-se a promoção da
Cultura de Paz como um forte aliado à promoção da saúde, visto que, segundo Ferreira
(2012, p. 6):
Uma cultura de paz não preconiza a ausência de conflitos, mas valoriza o diálogo, a negociação e a mediação entre as pessoas e grupos como estratégia para a convivência e a resolução de conflitos. Por isso, muitas políticas públicas e programas que tem como objetivo a prevenção da violência estão articuladas e associadas à promoção da cultura de paz como forma de se contrapor à cultura da violência.
O grupo pareceu guardar alguma desconfiança quanto à efetividade de educar
“abrindo mão” de práticas coercitivas e autoritárias. Ao compreender o diálogo como uma
alternativa interessante frente à violência e/ou autoritarismo, torna-se relevante demonstrar
alguns apontamentos do grupo, expressos em suas versões de sentido:
“Bem, eu refleti hoje sobre confiança, saber resgatar amor, saber disciplinar sem
usar a violência. Eu desejo usar esse novo conhecimento para ser uma mãe presente, firme,
que corrige, mas que ama...Desejo que meus filhos me respeitem por amor e que se sintam
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seguros pra ser eles mesmos, e até me questionar sabendo que não serão punidos por isso”
(Sem nome; 3º eixo “Bem me quer, mal me quer”)
“Hoje percebi que talvez o meu querer, a minha imposição, não seja tão bom; é
interessante querer saber a opinião, o motivo do ‘ele’ não querer. ‘Dialogar sempre’ é o que
fica na cabeça hoje” (G., mãe e participante; 3º eixo “Bem me quer, mal me quer”).
Oficinas enquanto um espaço de Promoção da Saúde e Autonomia.
Esta categoria refere-se às oficinas enquanto espaço promotor de saúde e de
autonomia. Por meio das versões de sentido, do discurso e expressão das emoções dos
participantes, e da avaliação final, verificou-se que as oficinas possibilitaram um espaço
onde os participantes puderam refletir, se ver e se sentir, como pode ser observado na
versão de sentido de G., mãe e participante do grupo:
“Hoje percebi que estou acertando, aos trancos e barrancos, acertando...pois
conversar, questionar, querer saber, se importar é o melhor caminho para ter os filhos perto.
Ter intimidade, jogar conversa fora, ter tempo para eles, com certeza é o melhor caminho.
Agradeço a oportunidade de participar do grupo, pois todos em casa já conseguem ver a
minha evolução” (G., mãe e participante; 3º eixo “Bem me quer, mal me quer”)
Ao abordar as oficinas com recursos criativos e seus impactos na saúde mental,
Pereira, Cesarini e Bilbão (2009, p. 4) esclarecem que:
O pressuposto de que existe uma disponibilidade interna para a criação, ou algum recurso que possa vir a ser desenvolvido, a necessidade de ser criativo, para auxiliar na adaptação e manutenção da saúde mental, devido às mudanças que vivemos hoje em nossa sociedade acelerada, torna essencial a prática das oficinas terapêuticas, pois durante sua aplicação é o momento que se tem para parar e refletir, se ver, se sentir, um momento seu. O ato de criar deveria estar presente no dia-a-dia das pessoas para promover saúde mental, auto avaliação e, consequentemente, melhora da autoestima.
A possibilidade de discutir questões que muitas vezes não são pensadas
diariamente, devido ao ritmo acelerado em que se dão as relações e as obrigações
cotidianas, fez com que os participantes das oficinas experienciassem e desenvolvessem a
capacidade de refletir profundamente sobre questões como a violência, as dificuldades
encontradas para se criar um filho, os direitos violados e as dificuldades encontradas ao ser
mulher na sociedade brasileira.
Como mencionado anteriormente, os encontros nas oficinas permitiram uma reflexão
profunda acerca da condição da mulher na contemporaneidade, o que demandou um olhar
14
cuidadoso dos profissionais para com aquelas mulheres e suas histórias. Quando se pensa
em gênero e saúde mental da mulher, não se deve pensar no sofrimento causado por
transtornos mentais que acometem as mulheres, partindo de uma visão individualista. Antes
disso, vê-se a necessidade de contextualizar os aspectos envolvidos na vida cotidiana das
mulheres, conhecer com que estrutura social elas contam (ou não) para resolver as
questões práticas da vida, além de reconhecer que a sobrecarga das responsabilidades
assumidas pelas mulheres tem um ônus muito grande e significativo, que muitas vezes se
sobrepõe às forças de qualquer pessoa (BRASIL, 2004).
Verificou-se, ao analisar as versões de sentido como instrumento de apoio à
avaliação das intervenções, que alguns elementos se repetem exaustivamente como a
identificação com outros participantes, além de sentimentos como felicidade, confiança e,
principalmente, alívio, como pode ser exemplificado pelos escritos de L., C. e G., mães e
participantes do grupo, em dias diferentes:
“Hoje foi interessante, pois no relato de outra pessoa me enxerguei na mesma
vivência e isso me tocou bastante. Saio daqui com muitas perguntas, mas também feliz por
compartilhar meus problemas e saber que pessoas que vivenciam os mesmos conseguiram
ordená-los e não sou a única que passo por essas dificuldades.” (L., mãe e participante; 2º
eixo “Sim, não, talvez?”).
“Sempre me sinto muito bem nesse grupo. Consigo expor o que eu sinto e saio
daqui aliviada e em paz, com algumas dúvidas onde me questiono, mas em paz.” (C. mãe e
participante, 2º eixo “Sim, não, talvez?”).
“Hoje, mesmo sendo uma semana pesada, consegui sair daqui aliviada vendo que
problemas antigos foram superados, e que novos desafios pesam, mas logo passam e
servirão de incentivo para novos objetivos.” (G.; mãe e participante, 2º eixo “Sim, não,
talvez?”).
Percebe-se que, durante o processo, os participantes conseguiram se constituir
enquanto grupo. A importância desse processo de convivência social e trabalho em grupo é
explicada por Rogers (1977 apud PEREIRA; CESARINI; BILBÃO, 2009, p. 4) ao citar que:
A tessitura destes laços e de comunicação guarda uma relação estreita com a possibilidade de elaborar e transmitir experiência através de produções que transcorrem no eixo de uma aprendizagem afetivo-intelectual, no eixo da aprendizagem significativa.
Ao falar de trocas de experiência e de aprendizagem, uma das participantes relata
em sua versão de sentido, como apoio à avaliação de intervenção:
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“Apesar de ter ficado pouco tempo no grupo hoje, como sempre, estou muito
contente em participar, dividir experiências, aprender com os erros e também com a vivência
de outras pessoas.” (L., mãe e participante; 4º eixo “Brincar é coisa de criança?”)
É válido ressaltar que o espaço das oficinas possibilitou a criação de uma atmosfera
de reflexão grupal, o que, para Silva, Paiva e Miranda (2004), convida os participantes a
discutir também suas vivências grupais relacionadas à própria maneira de pensar, agir e
elaborar significados afetivos, além, é claro, das reflexões gerais do grupo. Segundo esses
mesmos autores, a partir deste momento de elaboração, “inicia-se um processo onde a
comunidade estará mais consciente na sua condição de grupo-atuante, buscando a
conscientização e mobilizando-se na luta por melhores condições de vida” (Ibidem, p.4).
É interessante pontuar que, durante os meses de trabalho, os profissionais, além de
proporcionar esse espaço de reflexão e acolhimento, provocavam os participantes a pensar
em possibilidades e alternativas para uma vida mais divertida, colorida e respaldada por
sonhos, apesar das dificuldades encontradas na vida cotidiana. Inclusive, o último eixo de
oficinas (“Brincar é coisa de criança?”) teve este propósito ao resgatar as brincadeiras da
infância dos participantes, assim como as brincadeiras que eles criam com seus filhos e
uma existência mais criativa e lúdica como adultos. Este eixo deu vida a um guia de
brincadeiras, construído em conjunto com os participantes, como material informativo sobre
as ações realizadas.
Sobre o resgate das brincadeiras, uma das participantes apontou em sua versão de
sentido avaliativa:
“É bom estar de volta; lembrar das brincadeiras de infância foi muito bom, até porque
muitas das brincadeiras, posso fazer com as crianças hoje, assim como eu gostaria que
minha mãe brincasse comigo antigamente. Vou tentar e ver no que vai dar!” (G., mãe e
participante; 4º eixo “Brincar é coisa de criança?”).
Sabe-se que o brincar é um recurso indispensável para o desenvolvimento cognitivo,
motor, psicológico, social, com impactos na formação da personalidade da criança
(SANTOS, 2013). Muitos pais não valorizam esse recurso ou não sabem de sua importância
para o desenvolvimento saudável dos filhos. Sabendo disso, o brincar como recurso
privilegiado de expressão e de comunicação com a criança torna-se um ato político ao
passo que a região noroeste de Campinas, onde se localiza a PUC-Campinas e de onde
vem a maioria dos participantes, tem baixa oferta de locais voltados para a cultura e o lazer.
Segundo o Relatório de Informações Sociais do Município de Campinas, a região Noroeste
da cidade, que conta com cerca de 123.484 habitantes e onde se situa o serviço-escola no
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qual as oficinas foram desenvolvidas, possui apenas uma unidade destinada ao lazer e a
cultura (CAMPINAS, 2014).
Oficinas promovendo a ampliação do Serviço de Psicologia
Um dos grandes objetivos deste projeto de extensão universitária era o de contribuir
com o serviço de psicologia da PUC-Campinas, entendido como um serviço que pauta suas
ações e intervenções nos princípios do SUS, ou seja, na universalidade, integralidade e
equidade, contemplando as prioridades loco-regionais em saúde, e integrando-se aos
demais serviços-escolas que contribuem para a formação dos profissionais da saúde na
Universidade.
Ao final deste projeto, verifica-se que as oficinas, como espaço de construção e
multiplicação da saúde por meio da relação com pais avós e cuidadores, cumpriram o
objetivo de contribuir com as modalidades de atendimento psicológico prestados à
comunidade, diversificando-as. Devido à boa aceitação do público alvo e da equipe dentro
do serviço, vale ressaltar que as oficinas com recursos criativos para os cuidadores de
crianças atendidas na Clínica-Escola de psicologia da PUC-Campinas continuarão a ser
oferecidas nos próximos anos, não mais como um projeto de extensão universitária, mas
agora como parte das atividades de um grupo de estágio supervisionado em psicologia na
saúde/clínica, dentro do currículo previsto pela Faculdade de Psicologia da instituição.
CONCLUSÕES
Na medida em que este artigo ganhava forma, fortalecia-se cada vez mais a
concepção de extensão universitária enquanto via de mão dupla, na qual o conhecimento é
construído conjuntamente com a sociedade, viabilizando a relação transformadora entre
Universidade e Sociedade. Isso é possível no momento em que a produção do
conhecimento científico é capaz de contribuir para a melhoria das condições qualitativas de
vida do público-alvo, ainda mais quando aborda a promoção da saúde, a prevenção das
violências e a autonomia dos envolvidos, como é o caso.
Partindo disso, é interessante apontar para o número significativo de pais, avós e
responsáveis por crianças atendidas na Clínica-Escola de Psicologia da PUC-Campinas que
este projeto de extensão atingiu. Foram aproximadamente 40 cuidadores contatados e
convidados, sendo que 27 desses participaram em pelo menos de um encontro das oficinas.
Se cada um desses tinha em média mais 3 pessoas compondo sua estrutura familiar (entre
cônjuge, filhos e outros), as ações atingiram a um público total próximo de 100 pessoas.
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O número é expressivo na medida em que também confirma as oficinas como uma
ferramenta em potencial para a transformação social na vida dos participantes, entendidos
aqui como seres integrais e únicos, mas que não podem ser desvinculados de um contexto
econômico, social e político muito maior. Além disso, vale destacar que o projeto de
extensão possibilitava a entrada do público externo para a participação das oficinas. Neste
sentido, seria interessante que os participantes vinculados pudessem convidar outros
membros da família, vizinhos, amigos interessados nos cuidados com as crianças a
participar.
Ao falar dos participantes, vale ressaltar que a grande maioria foi composta por
mulheres, o que pode estar relacionado com a condição da mulher brasileira como
cuidadora principal dos filhos. Infelizmente, poucos homens participaram dos encontros.
Este envolvimento dos cuidadores seria interessante na medida em que a participação da
figura masculina, quando existiu, enriqueceu as discussões e as reflexões nas oficinas.
É importante frisar, também, o impacto do espaço das oficinas para a promoção da
saúde e autonomia dos participantes, bem como para a qualificação do serviço de
psicologia. Verificou-se que, a partir das discussões e reflexões desenvolvidas, os
participantes compreenderam e experienciaram, no geral, a função daquele espaço de
acolhimento e de escuta qualificada, permitindo a multiplicação da saúde e de cuidados
mais efetivos na relação com as crianças e com eles mesmos
Além disso, não se pode desconsiderar como a inserção das oficinas impactaram
significativamente para o serviço de psicologia prestado pela Clínica-Escola da PUC-
Campinas, considerando a relevância social e a relevância em saúde mental que o serviço
representa para a cidade de Campinas, em especial para a região noroeste da cidade.
Por fim, é relevante destacar o impacto da Extensão Universitária para a formação
do discente de Psicologia que, ao participar de um projeto como o descrito neste artigo,
amplia sua aprendizagem tanto em termos teóricos e metodológicos quanto em nível de
experiência profissional e pessoal, possibilitando, também, reconhecer as possibilidades da
Psicologia enquanto Ciência e Profissão, com destaque para seu comprometimento e
relevância social.
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