· Web viewnos países periféricos, em territórios homogêneos de reprodução e...

35
21. Water in Brazil : socio-spatial conflicts and monopolization of the territory José Gilberto de Souza 1 e Eduardo Luiz Damiani Goyos Carlini 2 A trajetória humana na terra deve ser compreendida como um processo de reprodução da vida e não na forma como tem se realizado, sob a égide do capitalismo, em destruição da espécie humana e do conjunto da natureza do qual faz parte. Ao longo de séculos, ao responder pelas demandas necessárias à sua reprodução, o homem estabeleceu relações metabólicas de caráter biológico e social. Mas, estas relações não podem ser pensadas como exterioridade, ao contrário, elas se referem, notadamente, ao processo de formação do homem no mundo, como ser social. A cultura consolidada pela atividade central destas relações metabólicas, o trabalho, é em essência a natureza humana, como natureza que pensa e transforma o meio em que vive. O ser humano vive da natureza, assim a natureza é seu corpo, com a qual ele precisa estar em processo contínuo para poder viver. A vida física e espiritual do homem está associada à natureza, o que de certa forma a natureza está 1 Professor Adjunto do Departamento de Geografia e Pesquisador do Centro de Análise e Planejamento Ambiental (CEAPLA), Unesp, Campus de Rio Claro - [email protected] 2 Licenciado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Pesquisador do Laboratório Geo-Mundi - Departamento de Geografia – Unesp, Campus de Rio Claro - [email protected]

Transcript of  · Web viewnos países periféricos, em territórios homogêneos de reprodução e...

21. Water in Brazil : socio-spatial conflicts and monopolization of the territory

José Gilberto de Souza1 e Eduardo Luiz Damiani Goyos Carlini2

A trajetória humana na terra deve ser compreendida como um processo de

reprodução da vida e não na forma como tem se realizado, sob a égide do capitalismo,

em destruição da espécie humana e do conjunto da natureza do qual faz parte. Ao

longo de séculos, ao responder pelas demandas necessárias à sua reprodução, o

homem estabeleceu relações metabólicas de caráter biológico e social. Mas, estas

relações não podem ser pensadas como exterioridade, ao contrário, elas se referem,

notadamente, ao processo de formação do homem no mundo, como ser social. A

cultura consolidada pela atividade central destas relações metabólicas, o trabalho, é

em essência a natureza humana, como natureza que pensa e transforma o meio em que

vive.

O ser humano vive da natureza, assim a natureza é seu corpo, com a qual ele precisa estar em processo contínuo para poder viver. A vida física e espiritual do homem está associada à natureza, o que de certa forma a natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza (MARX, 1975:177).

Nesta lógica, as formas de apropriação que o homem exerce sobre o meio em

que vive revelam o sentido de valor de uso que os elementos naturais apresentam em

uma perspectiva de reciprocidade. Portanto, água, ar, terra e todos os elementos

constitutivos deste meio são vitais à vida e à sua reprodução como um todo.

A mudança desta perspectiva se estabelece quando as estruturas das relações

sociais, sobretudo no capitalismo, promovem o cisma entre o homem e a natureza,

determinando limites à reprodução. Assim, esta exterioridade do homem em relação à

natureza, tem seu ápice na dimensão do valor de troca, não somente em relação aos

elementos constitutivos do meio, especialmente a terra que se particulariza e se

privatiza, realizando-se enquanto mercadoria, mas quando o próprio homem, ele

mesmo, torna-se esta mercadoria, sob a forma de dominação social.

1 Professor Adjunto do Departamento de Geografia e Pesquisador do Centro de Análise e Planejamento Ambiental (CEAPLA), Unesp, Campus de Rio Claro - [email protected] Licenciado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Pesquisador do Laboratório Geo-Mundi - Departamento de Geografia – Unesp, Campus de Rio Claro - [email protected]

Qualquer dominação de classes depende da exploração do sobretrabalho da maioria da população por uma classe que controla as condições sociais da produção. A maneira histórica e peculiar ao capitalismo reside na exploração de trabalhadores formalmente livres. Essa “liberdade” resulta da expropriação da maioria da população das condições de assegurar a própria subsistência e é ela, portanto, que assegura a permanente conversão da força de trabalho em mercadoria. (FONTES, 2008:24).

Este processo de mercantilização se estabelece inicialmente na acumulação

primitiva, nas dinâmicas de expropriação de camponeses, quando todos os elementos

constitutivos da natureza assumem o apanágio de valor de troca e passam a ser

subordinados por relações sociais de produção marcadas pela extração do

sobretrabalho (mais valia) (SOUZA, 2009). A partir deste pressuposto a ideia de uma

natureza humanizada, uma segunda natureza, de caráter não apenas cultural, mas

efetivamente mercantil, se estabelece no seio de nossas sociabilidades e

subjetividades.

O fato é que os processos de acumulação capitalista, em seu desenvolvimento,

não se restringem a terra e à continua marcha histórica de expropriação camponesa,

nem mesmo ao aprofundamento de suas capacidades de extração do sobretrabalho,

mediado pelo desenvolvimento técnico-científico. Muito mais, ganham racionalidade

e potencialidade para absorver as dimensões centrais da vida humana, ao objetivar

apropriar-se dos mecanismos de sua reprodução física, seja pela privatização de

outros elementos constitutivos do meio (água, por exemplo), seja pela demarcação

dos limites de reprodução da natureza, engendrando os sistemas de controle de

patentes sobre os princípios ativos e de sementes, e com isso gerando, a partir do

desenvolvimento técnico-científico, o controle reprodutivo dos alimentos, o controle

reprodutivo da vida3.

Consolidam-se novas formas de efetiva mercantilização da vida e observa-se

que seu esteio está demarcado pelos processos de controle da terra, uma vez que,

sobretudo no caso da água, as estratégias de apropriação, no Brasil, se fundem às

questões agrárias. Esta mercantilização também se configura a partir da categorização

3De acordo com Niiler (1999) In early October, the agricultural–chemical giant Monsanto (St Louis, MO) announced that it would drop plans to market "terminator" seeds that produce infertile crops. Although the technology could prevent the spread of genetic modifications to other plants, biotechnology foes cheer the decision, which is seen as a wise move on Monsanto's part to improve its deteriorating public image.

de bens, que deixam de ser considerados como direitos humanos e públicos, e passam

simplesmente a ser referendados como bens econômicos. Significa dizer que em

resposta à falsa tese da esgotabilidade dos recursos, do recrudescimento dos danos

ambientais, cuja centralidade está exatamente no modo de produção e reprodução

social do capitalismo, toma-se a ideia de valor econômico como princípio de negação

de direitos. Inverte-se, portanto, a dimensão do direito para a perspectiva mercantil de

valor de troca e consumo, elementos basilares da sociabilidade capitalista. Um

contrassenso, uma vez que o capitalismo sem produção material generalizada e

crescente não se realiza, o que denota a inconciliabilidade entre economia capitalista e

preservação ambiental.

A economia de recursos e as questões de externalidades (PIGOU, 1946),

aparentemente querem justificar um impedimento às ações de depredação e destruição

ambiental, mas seu fundamento, de caráter neoclássico, permite apenas reforçar a

mercantilização da vida e as lógicas de acumulação, reforça-se a sociabilidade e de

separação do homem com o meio, com a natureza, que se fez externalizada.

O exacerbado processo atual de “mercantilização” é, de fato, um dos mais violentos momentos de expropriação social. As águas, o ar, a natureza biológica, sementes, gens humanos, etc. eram elementos naturais ou sociais sobre os quais não incidia propriedade e que vêm sendo arrancados da totalidade dos seres humanos e convertidos em propriedade. O que vem ocorrendo não é apenas “converter” em mercadoria algo que não o era, mas um efetivo processo social de expropriação. Não se trata apenas de converter coisas em mercadorias, mas de assegurar a permanência e expansão das relações sociais que nutrem o capitalismo. (FONTES, 2008:28).

No Brasil, no que tange à exploração de recursos naturais (terra, água, minérios,

entre outros) ela se estabelece como lógica de acumulação por espoliação. Segundo

Souza (2015) o geógrafo estadunidense David Harvey (2004) elabora este conceito

(accumulationbydispossession) em uma aproximação direta ao pensamento de Rosa

Luxemburgo (1967), como forma econômica do capitalismo, em seu processo de

concentração de capitais, quase derivando e, também, comparável ao da acumulação

primitiva, no que ele tem de destruição da natureza, de rapina, pilhagem, ou como

afirma Lenin, das formas de obtenção de controle dos recursos naturais e do mais

valor do trabalho, aplicado em escala internacional e mediada pelo capital financeiro.

Esta perspectiva interpretativa é, portanto, reveladora do grau de conflito que

estas práticas socioespaciais do capital monopolista busca transformar em amplitude

nos países periféricos, em territórios homogêneos de reprodução e autovalorização do

capital monopolista. Exatamente neste ponto em que apresentamos o objetivo

principal deste texto, uma vez que as formas de reprodução social que refutam este

modelo de sociabilidade mercantil, deparam-se, inicialmente, em processo de

resistência e conflito social, mas que são apenas fenômenos de antagonismos de

classes mais profundos.

Uma vez que o conflito se explicita apenas como uma fricção pontual de

demandas e interesses negociáveis. Ele se revela como um alargamento dos processos

de resistência e representação social dos sujeitos acerca das estratégias de negação de

seus modos de vida e de direitos. O conflito, assim, deixa de assumir uma

representação local e ganha a exata dimensão de que se trata de determinações

territoriais do modo de reprodução do capitalismo como um todo, uma vez que ele

integra controle, concentração e acumulação ampliada sobre os elementos

constitutivos da reprodução da vida dos sujeitos.

Cabe considerar ainda que a construção categorial de “determinações

territoriais” não se vincula à trajetória de desenvolvimento histórico-linear, uma

teleologia vulgar, como se apontasse para um determinismo de formas e processos de

sua constituição. As determinações são “estado” e “movimento” das lógicas de

apropriação espacial. O “estado” representa uma situação dada dos elementos

constitutivos do território - normas, identidade, símbolos e relações de poder - e o

movimento se refere às forças efetivas em confronto, as intencionalidades das classes

sociais em um devir constante e contraditório (SOUZA, 2009a). As determinações

territoriais são processualidades histórico-espaciais reveladoras dos projetos sociais,

econômicos e políticos das classes, e que colocam os elementos constitutivos do

território em movimento, em direção à hegemonia. O movimento (práticas

sócioespaciais) é que consolida e altera os estados das determinações territoriais.

Significa dizer que o território não é dado a priori, e sim que sua gênese e

consolidação estão nas relações sociais que o sustentam, o que revela sua dimensão de

classe, configurando aqui, essencialmente, uma perspectiva classista de território.

(SOUZA, 2015). “O território é assim, produto concreto da luta de classes, travada

pela sociedade no processo de produção de sua existência”. (OLIVEIRA, 2008:5).

Este é o jogo específico das disputas espaciais do capital, elas encerram

dimensões que assumimos como terminologias territoriais (local-global), mas que são

objetivamente lutas sobre a apropriação e exclusão espacial. (SOUZA, 2015).

No que concerne a água esta dimensão de conflitos está centrada nas estratégias

de monopolização do território e de territorialização do monopólio. Resulta como

determinação territorial dos processos de apropriação da terra e da água, de sua

efetiva mercantilização, que se realiza no campo e na cidade.

Tipificação e espacialização de conflitos pela água

Os conflitos pela água ou ganham projeção espacial no Brasil e se intensificam

ao longo dos anos, ou passam a ser sobejamente denunciadas a partir dos movimentos

e formas de organização social existentes. A base de dados que utilizamos neste texto

se refere aos levantamentos realizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem objetivado dar

visibilidade aos processos de violência e resistência dos movimentos sociais às

investidas do capital monopolista na apropriação e controle da água, que são

denominadas, pela CPT, como ações do “hidronegócio” (MALVEZZI, 2015)

Desde 2002, a Comissão Pastoral da Terra registra, em separado, os Conflitos pela água no campo. Antes desta data, já desde o início da publicação de Conflitos no Campo Brasil, em 1985, entre os conflitos por terra catalogava-se os conflitos originados pelas barragens para construção de hidrelétricas ou outros pequenos açudes. A decisão de registrar distintamente os conflitos por água deu-se exatamente pelos cenários desenhados à época, tanto em âmbito nacional, como internacional, que a disputa pela água se acirraria no mundo inteiro. Era o estabelecimento da chamada “crise da água” (MALVEZZI, 2015:98).

A primeira perspectiva que assumimos neste texto é que a dimensão dos

conflitos da água não se restringe aos mecanismos de negócio (hidronegócio) ou

estritamente à produção agrícola (agrohidronegócio) (THOMAZ JÚNIOR, 2009). Em

que pesem algumas especificidades elas assumem uma faceta das estratégias de

economia política, como expropriação social que avança as fronteiras de

mercantilização e consolida sociabilidades capitalistas no interior da vida cotidiana

dos sujeitos. Uma economia política que referenda de forma imperativa os valores de

uso e troca como simultâneos e indissociáveis, sustentando nas esferas da vida as

formas de expropriação dos recursos naturais. Esta expropriação social altera o ethos

e as formas de compreensão do homem em relação a si e em relação à natureza,

fragmentando ainda mais sua ação metabólica no mundo, mediada pelo trabalho,

como atividade central de sua realização enquanto ser.

Neste caso, é possível falar de uma hidropolítica, para além das aproximações

teóricas que se estabelecem com o estático conceito de geopolítica, mas a partir da

compreensão de que, em seu cerne, estão as práticas sócioespaciais de sujeitos e

agentes econômicos, mediadas ou não pelo Estado. Práticas sócioespaciais que

consolidam territórios de acumulação capitalista e ou de resistência aos seus

processos de subordinação, como expressões geográficas de relações, disputas e

exercícios de poder. A hidropolítica ultrapassa a perspectiva teórica da política ou de

suas dimensões superestruturais de relações de e entre Estados nacionais. Supera

ainda as possibilidades de uma política hidrológica tecnicista que se estabelece pelos

agentes reguladores e a constituição de normas de uso, outorgas de direitos e ou

tributação. Ela incorpora estes elementos como processualidades históricas concretas

que permeiam todas as formas constitutivas de poder, acumulação e expropriação

social, e se expressam como determinações territoriais nas espacialidades urbanas e

rurais do modo capitalista de produção.

Assim, a construção de tipologias de conflitos hidropolíticos não se revela como

uma abstração. Não se trata de uma dedução lógica de conceitos a qual se pode aplicar

a todo momento e espacialidade, como se fossem derivados de si mesmos. Antes, seus

constructos são materiais, historicamente construídos pela realidade material e

imaterial dos homens e, por isso mesmo, com seus nexos internos e contraditórios.

(SOUZA, 2015).

Segundo Porto-Gonçalves, o conflito pode ser compreendido como

(...) a manifestação concreta dos antagonismos de grupos e classes e por meio dele se evidencia a experiência concreta de construção de sujeitos sociais, onde se configuram a construção de identidades coletivas, de motivações e interesses compartilhados, estratégias de luta, assim como formas de organização e manifestação (PORTO-GONÇALVES, 2013, p.2).

Não se desconsidera a importância do conflito no âmbito do processo de

percepção de desigualdades, mas é preciso avançar a dimensão da experiência para

consolidação de um ponto claro de contradição de classes. Cabe considerar que o

conflito é apenas uma fricção, ou seja, um ponto de contato de antagonismos, mas que

não representa a natureza de todos os interesses e interfaces que o processo de luta de

classes realiza. Vale sempre a máxima de que o conflito é a aparência de um

fenômeno, mas não o fenômeno em si. Ele carrega características concretas da

essência, mas não pode substitui-la ou realiza-la. Significa dizer que a distinção entre

aparência e essência é fundamental, uma vez que a ciência seria desnecessária se a

forma de manifestação (a aparência) e a essência das coisas coincidissem

imediatamente. (MARX, 1982).

A tomada da aparência, do vivido, da “experiência”, exige um reconhecimento

do processo histórico, que rompa a dimensão do cotidiano, tornando imperativo que

as categorias mais centrais de análise, que sustentam o conflito em seu ponto exato de

fricção, possam emergir como elementos explicativos de sua consolidação. Significa

dizer que o trabalho, a propriedade privada e o Estado, enquanto formas sociais

específicas de determinação territorial no modo capitalista, como processo histórico

de dominação e controle social é que reúnem a efetiva capacidade explicativa do real.

Nas palavras do próprio Marx: “As verdades científicas serão sempre

paradoxais se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente capta a

aparência enganadora das coisas” (MARX, 1982, p. 158). Desta forma é que nos

debruçamos sobre o exercício teórico-prático estabelecido pela Comissão Pastoral da

Terra (CPT), assumindo que os conflitos são fenômenos das determinações territoriais

de classe (hegemônicas e ou não).

Os conceitos ou tipologias de conflitos construídos pela CPT são:

A apropriação particular se dá, quando por exemplo, quando um proprietário faz um barramento de uma fonte, ou promove o desvio de um curso d’agua, diminuindo ou impedindo o acesso à água de outros. Os conflitos por barragens e açudes se dão sobretudo por projetos de construção hidrelétricas - grandes, médias ou pequenas - ou por outros projetos que não cumprem os devidos procedimentos legais, ou quando expropriam famílias de pequenos proprietários, assentados, posseiros, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores. Ou quando estes projetos não cumprem uma política de reassentamento, ou fazem reassentamentos inadequados, ou simplesmente se negam a efetuar o reassentamento das famílias. Os conflitos relacionados ao uso e preservação da água são aqueles ligados à destruição de matas ciliares que levam ao secamento de fontes, ou a outras formas de destruição de fontes, à poluição das águas por diferentes atividades (entre estas se destaca a mineração), os agrotóxicos, a pesca predatória, a cobrança pelo uso da água. (MALVEZZI, 2015:100, grifo nosso).

Consideramos, para além destes pontos de fricção, que é a existência de uma

concretude material que revela a interdependência destes fenômenos e que permite

atingir a essência destes movimentos. Esta concretude material se estabelece a partir

de elementos estruturais do modo de produção capitalista: o trabalho, a propriedade

privada e o Estado. A constituição de legitimidade social, como processo natural e

não histórico, tornou o trabalho passível de apropriação, dado sentido ideológico de

“liberdade” que ganha esta mercadoria, e simultaneamente a propriedade privada,

como motor e fim da ação humana. Suas realizações históricas privam o outro de

delas usufruírem. No primeiro caso o trabalho como forma específica de mercadoria e

não como realização humana em seu processo de reprodução e, no segundo, a

propriedade privada, como forma específica de existência na sociedade capitalista em

negação às outras formas de constituição territorial: comunitária, social ou mesmo da

simples posse. (RECLUS, 2010). O grau de legitimidade que o capitalismo produziu,

dada a sustentação ideológica, impede quaisquer questionamentos às formas de

exploração do trabalho e da consolidação da propriedade privada, sendo assumidos

como ameaças às próprias condições de existência material das pessoas e mesmo

contra a sua “liberdade”. (MARX, 1975). Assim, os conflitos estão centrados na

legitimidade da apropriação do trabalho e da propriedade privada: de forma interna na

capacidade de determinação sobre seu uso, e de forma externa, nas estratégias de

expropriação, pela imposição de relações de poder em sua busca de apropriação.

A terceira categoria, como asseveramos, se refere ao Estado. Especificamente

nos referimos ao Estado como fundamento ao desenvolvimento das determinações

territoriais e suas formas de manifestação na lógica de acumulação. Trata-se do agente

reconhecedor, normatizador e regulador das esferas da necessidade de realização

dessa concentração de capitais (produtivo e financeiro) e que aparecem como

distintas, mas que existem em condicionamento recíproco e constituem a forma de

movimento (social) do capital. E este processo se estabelece na realização da

mercadoria e no seu fundamento enquanto forma de apropriação de mais valia e renda

da terra, na qual a água, como riqueza, é simultaneamente mercadoria e reserva de

valor para a produção. Torna-se imperativo reconhecer seu valor de uso como síntese

de valor de troca. Sem estas perspectivas o conflito é apenas um ponto de fricção

midiático e alusivo à escassez e disponibilidade hídrica, desmatamento e poluição em

corpos d’agua, um ponto passível de regulação e negociação, vide os comitês de

bacias hidrográficas e como são assumidos como formas de resolução de conflitos,

mas não de superação destas lógicas intrínsecas ao modo de produção capitalista.

1. Determinações territoriais: as resistências aos processos de

monopolização do território e territorialização do monopólio.

Segundo Oliveira (2012), as relações sociais capitalistas no campo, se realizam

em dois movimentos: a monopolização do território e a territorialização do

monopólio. Segundo o autor:

(...) a territorialização do monopólio atua simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária. Esse processo deriva da especificidade de dois setores: o sucroenergético e o de celulose e madeira plantada (OLIVEIRA, 2012, p. 8). A monopolização do território é desenvolvida pelas empresas de comercialização e/ou processamento industrial da produção agropecuária, que sem produzir no campo, controlam através de mecanismos de subordinação, camponeses e capitalistas produtores do campo. As empresas monopolistas atuam como players no mercado futuro das bolsas de mercadorias do mundo, e, às vezes controlam a produção dos agrotóxicos e fertilizantes (OLIVEIRA, 2012, p.10).

Desta forma, o primeiro (territorialização do monopólio) atua no controle da

propriedade privada e dos processos produtivos, diante de determinado grau de

verticalidade que expressa. O segundo, (monopolização do território) sobre as

relações sociais de produção, sem que sua gênese seja, necessariamente, capitalista

(LUXEMBURGO, 1967), e é na mediação destes movimentos que se apresentam os

conflitos e disputas pela água, porque estes movimentos integram trabalho,

propriedade privada e Estado.

A partir de um esforço social e político para visibilizar, mensurar e localizar os

conflitos pela água no Brasil, a CPT apresenta em seus relatórios “Conflitos no

Campo – Brasil”, um universo de situações concretas envolvendo a luta de milhares

de famílias na questão da água. Estas famílias atualmente são impedidas de uso e ou

acesso a água, seja por contaminação ou escassez; também pela apropriação privada

que desvia, altera ou cerca o curso dos rios; ou ainda as construções de barragens e

reservatórios que expropriam populações devido ao alagamento das áreas de

contenção que são construídas; entre outros.

Ao observar o Gráfico 01, é possível inferir que o conflito pela água é

permanente no Brasil e vem aumentando nesse período de dez anos. No ano de 2006,

por exemplo, ocorreu o menor número de registro de conflitos, totalizando 45,

diferentemente, em 2014 quando ocorreu o maior registro, alcançando um total de 127

municípios.

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 20140

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

40000

45000

01002003004005006007008009001000

71 4587

46 4687 69 79 101 127

457.2 455.6376.4

590.3

877.1

454.3406.6 378.6

300.9 337.1

Graphic 01: Conflitcs and familys involved in dispute for waterin Brazil (2005-2014)

numbers of familys numbers of conflicts average familys/conflitcs

Fam

ilys

Confl

icts

Source: CPT (2005 - 2015)

É importante destacar, como demonstrado no Mapa 01, que esta realidade

contraditória não acontece de maneira isolada, ou mesmo, em apenas uma região. Os

conflitos envolvendo disputa pela água acontecem em todos os estados da federação.

Os dados relevam a magnitude da luta de classes quando explicitam a

quantidade de famílias envolvidas em cada ano, chegando a quase 43 mil famílias no

ano de 2014. Destaca-se, ainda, a gravidade da situação pela média de 427 famílias

envolvidas em cada conflito, no período e em todo território nacional. No ano de 2009

apesar de ter registrado 46 conflitos, ultrapassa-se a marca de 40 mil famílias,

envolvidas no referido ano, o que revela uma média de 877,1 famílias/conflito.

Os pontos marcados no Mapa 01 marcam o centro geométrico do município e

não necessariamente o local exato onde ocorreram os conflitos registrados pela CPT.

Assim, existem municípios marcados envolvidos nos mesmos conflitos e que devido a

suas grandes extensões de área, os pontos em vermelho, apresentam-se distantes. É o

caso do Estado do Pará, em especial dos municípios de Altamira, Senador José

Porfírio, Vitória do Xingu, Medicilândia, Uruará e Rurópolis envolvidos nos conflitos

oriundos da construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Este

conflito envolvendo 6 municípios aparece de forma desconcentrada no mapa devido a

extensão dos mesmos.

Na análise dos dados dos relatórios da CPT empreendemos uma forma de

compreensão do conflito como manifestação do movimento contraditório da

sociedade capitalista que se materializa na luta de classes. O conflito está dado e sua

centralidade na lógica de reprodução capitalista quando se apresenta na forma de

apropriação privada (barramento ou o desvio de um curso) expressam, de um lado a

reafirmação do monopólio da propriedade privada e, de outro, a retenção e ou

consolidação de reserva e ou forma de uso intensivo da água em que os proprietários

materializam a mercantilização excessiva dos elementos da vida.

Nestes casos, estão inseridos os processos de produção agrícola, de

extrativismos e transformação industrial, vinculados sobremaneira à produção de

commodities (agrícolas e minerais) para a qual a água se coloca como um elemento

fundamental, e que em essência se materializam em formas de apropriação da mais

valia.

Da análise dos conflitos depreende-se ainda a ideia de que os represamentos e

desvios de cursos de água consolidam-se no impedimento de existência de outras

formas de reprodução social, cuja centralidade está no autoconsumo, na produção

alimentar, ou seja, nas formas campesinas de existência, em que terra e água reúnem

importância pelo seu valor de uso. Segundo Marx (1982), o valor de uso se constitui

no conteúdo material da riqueza que ganha forma diferenciada no capitalismo. Para o

autor, nas relações capitalistas a riqueza não é considerada um bem interno, como um

valor moral ou cultural e que deve ser cultivado pela humanidade e que se considera

de extrema relevância à manutenção do homem enquanto espécie, ao contrário, ela se

apresenta como objeto externo, um bem econômico, material, que na forma

mercadoria deve realizar quaisquer necessidades, sobretudo de acumulação.

Desta forma, os conflitos pela água, tipificados como apropriação privada, são

expressões concretas e historicamente determinadas das formas de exploração do

trabalho e de lógicas distintas de apropriação da terra (como valor de uso ou de troca).

Neles se fundem os mecanismos mediadores de acumulação e de reafirmação de um

modo hegemônico de reprodução social vis à vis a produção de mercadorias.

Da mesma forma, os conflitos que aparecem como uso e preservação e que se

remetem aos agrotóxicos, desmatamentos, secamento de fontes, bem como a cobrança

pelo uso da água, realizam-se em confronto aos sujeitos que se reproduzem

socialmente a partir de uma compreensão da terra e água pelo seu valor de uso. A

relação que indígenas, quilombolas ou camponeses estabelecem com a terra não está

estruturada na dimensão dos negócios, mas sim, como uma dimensão da reprodução

da vida, agora ameaçada pelas práticas capitalistas no campo. As lógicas de

reprodução social marcadas pelo autoconsumo, pela segurança alimentar e pelo uso

coletivo da terra, por exemplo, demarcam uma oposição clara em relação ao modelo

de reprodução social capitalista no campo, em que a água se configura como riqueza

material que se insere em uma lógica produtiva. Configura-se como reserva de valor

para produção e reprodução do valor (capital) – entendida na fórmula D-M-D' e como

estratégia de apropriação privada de um bem comum.

Os dados informados pela CPT denunciam um total de 758 conflitos

envolvendo cerca de 320 mil famílias no período de 2005-2014, em todo o Brasil

(Tabela 1). Fato que marca parte da luta de classes vigente no campo brasileiro e,

portanto, torna evidente a luta daqueles que resistem ao agronegócio e da exclusão

proporcionada pelas políticas de desenvolvimento do Estado brasileiro.

Este ponto nos remete aos conflitos denominados pela CPT como barragens e

açudes, e que preferimos aqui denominar de barragens e reservatórios,

considerando que açude é a denominação também utilizada para pequenas projetos e

obras de retenção de água realizadas por produtos familiares vinculados à produção de

alimentos. O termo reservatório explicita uma dimensão de uso em maior escala e

com fins específicos para a produção agroindustrial e ou de mercado. Como apontado,

estes conflitos, se dão sobretudo por projetos de construção de hidrelétricas que não

cumprem os devidos procedimentos legais, que expropriam famílias de pequenos

proprietários, assentados, posseiros, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores e

que não cumprem uma política de reassentamento. Neste caso, para além da inclusão

das perspectivas de análise antes estabelecidas, agrega-se a atuação do Estado como

fundamento de “desenvolvimento” promovendo as infraestruturas e formas de

controle social, ratificando a água como bem econômico, de forma a garantir suas

formas de uso/apropriação na lógica da acumulação.

Verifica-se assim, a gestão pública dos recursos hídricos no Brasil e as

transformações qualitativas na relação entre Estado e Sociedade Civil, tendo um ponto

de inflexão nas ações de políticas de Estado e governo a partir de mecanismos de

cooptação e coerção social e que precisam ser efetivamente analisadas.

Cabe pontuar que políticas públicas, em nossa concepção, apresentam um

caráter popular e emergem das formas organizativas e de tomada de consciência de

seu conteúdo de classe por parte dos agentes políticos. Políticas públicas não são

“recebidas” dos governos, como se fossem concessões, mas demandadas pela

sociedade, como pauta política e de luta dos movimentos sociais, o que as difere de

políticas de governos e políticas de Estado.

Essa diferenciação é que permite entender o quanto destas políticas legitimam o poder

de Estado como reconhecedor, normatizador e regulador das esferas da necessidade

de realização dessa acumulação. Exercendo esta instância social o seu poder de

polícia e de monopólio da violência na realização do capital produtivo e financeiro,

que aparecem como distintas, mas que existem em condicionamento recíproco e

constituem a forma de movimento (social) do capital.

Nesse sentido, o Mapa 02 denota a concentração dos municípios envolvidos em

conflitos em todo o Brasil e nos revela regiões de alta densidade, por exemplo, o

litoral dos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, o oeste de

Maranhão nas proximidades do município de Imperatriz, no norte e sudeste do estado

de Minas Gerais e também em Santa Catarina e Rio Grande do Sul na divisa com a

Argentina. (Mapa 02). Esta espacialização de enfrentamentos é explicitadora de como

elas se materializam com o beneplácito do Estado, o que legitima o movimento de

determinação territorial dos grandes grupos econômicos.

Importante destacar que nos mapas 1, 2 e 3 apenas são demonstrados os

municípios onde registrou-se o primeiro conflito e estes somam 463. Os municípios

envolvidos em mais de um conflitos somam um total de 295 que não são repetidos nos

mapas.

No que diz respeito a cada uma dessas localidades a categorização do conflito,

assim como, a quantidade de famílias envolvidas variam no referido período. Como é

possível observa no gráfico o maior número de famílias em conflito está diretamente

relacionado com o movimento da lógica capitalista em transformar a água em reserva

de valor. Logo em seguida temos, com a lógica de produção de mercadorias no campo

– caracterizada pela contaminação dos solos, aquíferos e destruição das matas –

138.065 famílias nos conflitos de uso de preservação. Por último foram registradas

6.444 famílias prejudicadas pela apropriação privada da água.

0

30000

60000

90000

120000

150000

180000

6444

177999

138065

Graphic 02: Familys involved over different types of water conflicts, Brazil (2005-2014)

Famílias

Fonte: CPT (2005-2015)

A apropriação particular, com demostrado no Mapa 03, apresenta uma maior

concentração na região nordeste em especial no interior e litoral caracterizando, em

sua maioria, situações de impedimento de acesso à água, considerando como

agravamento a distribuição irregular das chuvas nesta região semiárida. Já os conflitos

por uso e preservação apresentam-se numerosos não apenas no nordeste, mas também,

no estado de Minas Gerias com destaque para a atividade mineradora4. No estado do

Amazonas com a pesca predatória e também no estado do Rio de Janeiro em especial

os municípios ao redor da baía de Guanabara atingidos pela destruição e poluição da

mesma. Os conflitos caracterizados como barragens e açudes encontram grande

expressão no estado de Rondônia, Pará, Minas Gerais, Maranhão, Santa Catarina e

Rio Grande do Sul flagrados nas mais diversas situações, entre elas: falta de projeto

de reassentamento, não cumprimento de procedimentos legais, ameaça de

expropriação, destruição e ou poluição, reassentamento inadequado, diminuição do

acesso à água, desconstrução do histórico-cultural, divergência e não reassentamento.

(Mapa 03).4 Nos momentos finais de fechamento deste texto, no dia 05/11/2015, houve o rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco destruindo por completo o distrito de Bento Rodrigues do município de Mariana em Minas Gerais. Até o momento não há informações precisas sobre o número de pessoas atingidas. O rejeito liberado das barragens da mineradora Samarco, sobrepôs-se à hidrografia da região alastrando a tragédia para dezenas de cidades no leste do estado de Minas e, até mesmo, cidades no estado de Espirito Santo. Todas as cidades atingidas tiveram o abastecimento de água interrompido parcial ou por completo sem previsão de volta. (Jornais: Globo; Brasil de Fato e UOL)

Quando analisamos os dados em escala regional, percebemos que em todas as

cinco regiões do Brasil, há um grande número de famílias e conflitos. A região

nordeste, por exemplo, apresenta o maior número de conflitos totalizando 273, com

destaque para o estado da Bahia e Pernambuco com 100 e 51 conflitos registrados.

Sendo a média apresentada por esta região de 245 famílias/conflitos (Gráfico 03).

AL BA CE MA PB PE PI RN SE1

10

100

1000

10000

100000

ConflictsFamilys

11

10039 32

12

51

12 13

3

3795

1862310086 7204 5849

17436

1481

4735

190

Graphic 03: Conflicts and Familys - Brazil Northeast Region (2005-2014)

Conflicts FamilysStates

Source: CPT (2005- 2015)

Ao tempo em que é a região norte que apresenta o maior número de famílias

envolvidas em conflitos, totalizando 102.670 com uma média de 537

famílias/conflito. Dos sete estados que compõem a região norte, cinco deles

apresentam um número de famílias envolvidas nos conflitos superior a mil. Em

destaque alarmante o estado do Pará e Rondônia. (Gráfico 04).

AC AM AP PA RO RR TO1

10

100

1000

10000

100000

ConflictsFamilys2

28 2568 40

1

27

346

1667 1428

7257423312

2

3341

Graphic 04: Conflicts and Familys - Brazil North Region (2005-2014)

Conflicts Familys

States

Source: CPT (2005- 2015)

É na região sudeste onde encontramos a maior média de famílias envolvidas em

conflitos, com aproximadamente 585 famílias/conflito. O estado do Rio de Janeiro

apresenta o maior número de famílias envolvidas na região com 67.487 e a maior

média entre todos os estados da federação com, aproximadamente, 1874

famílias/conflito. (Gráfico 05).

ES MG RJ SP1

10

100

1000

10000

100000

Conflicts

Familys14

10836

9

969

2609967487

3148

Graphic 05: Conflicts and Familys - Brazil Southeast Region (2005-2014)

Conflicts Familys

States

Source: CPT (2005- 2015)

A região centro-oeste apresenta um registro de 48 conflitos e uma média de 245

famílias/conflitos. Destaca-se o estado de Goiás com a terceira maior média do país

com aproximadamente 565 famílias/conflito. (Gráfico 6).

DF* GO MS MT1

10

100

1000

10000

Conflicts

Familys

1

11 8

28

300

6218

818

4462

Graphic 06: Conflicts and Familys - Brazil Midwest Region (2005-2014)

Conflicts Familys

*Federal District / States

Source: CPT (2005- 2015)

E por fim, a região sul apresenta uma equidade entre os estados, variando de 21

a 38 o número de conflitos e 8.274 a 19.172 o número de famílias o que resulta em

uma oscilação entre aproximadamente 400 e 530 famílias/conflito. (Gráfico 07)

PR RS SC10

100

1000

10000

100000

Conflicts

Familys38

21 22

19172

827411671

Graphic 07: Conflicts and Familys - Brazil South Region (2005-2014)

Conflicts Familys

States

Source: CPT (2005- 2015)

Como é possível verificar a expressão dos conflitos das regiões e, portanto, do

Brasil, reafirma-se a dimensão da luta das famílias em todo o país para ter acesso a

água ou para permanecer em suas terras, resistindo ao agressivo processo de

apropriação privada capitalista da terra e das águas.

Considerações finais

Todos este processos são reveladores da importância do método na

compreensão das dinâmicas de apropriação do espaço e na consolidação de

determinações territoriais como expressões de classe desta apropriação. Os conflitos

tipificados pela CPT nos permitem identificar as categorias centrais que explicitam os

modos de acumulação e de apropriação privada e o sentido de riqueza material que

terra e, neste caso, sobretudo a água, assumem nas lógicas produtivas de valor.

Revelam ainda o quanto estes modelos comprometem a segurança de reprodução

social atingindo frontalmente as esferas da vida e da produção de alimentos e de

dessedentação humana e animal.

A quantificação e a espacialização dos conflitos denotam não apenas a

magnitude do problema da água no Brasil, mas o poder de atuação do Estado em

legitimar e alavancar as formas de reprodução capitalista. Os conflitos, quando

associados às categorias trabalho, propriedade privada e Estado, evidenciam que os

processos de monopolização do território e territorialização do monopólio explicitam

as potencialidades de produção e apropriação do valor e sua autovalorização mediadas

pela produção de mercadorias, que em verdade ampliam os limites do capital na

mercantilização da vida.

Referências Bibliográficas

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT) Conflitos do Campo Brasil. Brasília-DF: CPT/CNBB. (Relatório 2005-2014).

FONTES, V. ; Capitalismo, imperialismo, movimentos sociais e lutas de classes. Em Pauta, Rio De Janeiro, v. 21, p. 23-36, 2008.

HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo. Loyola, 2004.

LUXEMBURGO, R. A acumulação do capital. Série Os Economistas. São Paulo: Abril Cultural. 1967. 417p.

MALVEZZI, R. Conflitos por água nos últimos 10 anos. In: Conflitos do Campo Brasil. Brasília-DF: CPT/CNBB. (Relatório 2005-2014), p. 98-106.

MARX, K. Para a crítica da economia política. Salário, preço e lucro. O rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os economistas.).

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1975.

NIILER, E. Terminator technology temporarily terminated. Nature Biotechnology, 17:1054, 1999.

OLIVEIRA, A.U. A mundialização da agricultura brasileira. Actas XII Colóquios de Geocrítica. http://www.ub.edu/geocrit/coloquio2012/actas/14-A-Oliveira.pdf, 2012. Acesso em 13/11/2013.

OLIVEIRA, A.U. Território de quem? Revista sem Terra. v. 47, p. 17-31, 2008.

PIGOU, A. C. La economia delbienestar. Madrid: M. Aguilar, 1946.

RECLUS, E. O Homem e a terra: a cultura e a propriedade. São Paulo:  Expressão & Arte editora, 2010.

SOUZA, J. G. Local-global: território, finanças e acumulação na agricultura. In: LAMOSO, L. P. Temas do desenvolvimento econômico brasileiro e suas articulações com o Mato Grosso do Sul. Curitiba: Íthala, 2015.

SOUZA, J.G. A geografia agrária e seus elementos de crítica sobre o avanço do capital monopolista no campo brasileiro. Cannadian Journal of Latin American and Caribbean Studies. 2009. vol 34, nº 68.

THOMAZ JUNIOR, A. Dinâmica geográfica do trabalho no século XXI. (Limites explicativos, autocrítica e desafios teóricos). 997p. Tese (Livre Docência) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2009.

Jornais

“Barragens se rompem e enxurrada de lama destrói distrito de Mariana”. Globo. Disponível em: <http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/barragem-de-rejeitos-se-rompe-em-distrito-de-mariana.html>. Acesso em Nov 2015.

“Detritos das barragens de Mariana 'navegam' por rio e chegam a Barra Longa”. UOL. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/11/06/detritos-das-barragens-de-mariana-navegam-por-rio-e-chegam-a-barra-longa.html>. Acesso em Nov 2015.

“Confira a cobertura especial sobre a tragédia em MG.” Brasil de Fato. Disponível em:<http://cobertura.brasildefato.com.br/>. Acesso em Nov 2015.