-Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação e ...bdsepsi/195a.pdf · 2 Universidade...
Transcript of -Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação e ...bdsepsi/195a.pdf · 2 Universidade...
-Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciências Humanas
Departamento de Psicologia
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A HISTÓRIA DE VIDA E A PRO DUÇÃO
ARTÍSTICA DOS USUÁRIOS DA OFICINA DE PINTURA DO CAP S-SÃO
CARLOS
Paula Andréa Massa
Dezembro 2003 – São Carlos
2
Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciências Humanas
Departamento de Psicologia
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A HISTÓRIA DE VIDA E A PRO DUÇÃO
ARTÍSTICA DOS USUÁRIOS DA OFICINA DE PINTURA DO CAP S-SÃO
CARLOS
Paula Andréa Massa
(203858)
Trabalho apresentado como conclusão de curso
de bacharel em Psicologia, sob orientação da
Profa.Georgina Faneco Maniakas
Dezembro de 2003 – São Carlos
3
Dedico este trabalho de conclusão
de curso de bacharel em Psicologia
aos usuários dos serviços de Saúde Mental,
principalmente para os usuários do CAPS de São Carlos.
4
AGRADECIMENTOS
Aos participantes desta monografia pela credibilidade no meu trabalho por
terem aceitado participar deste projeto, pelos momentos em que passamos juntos
e pela paciência.
A minha orientadora Georgina Faneco Maniakas pelo suporte, pelos
momentos de troca de conhecimento e principalmente por ter acreditado na minha
idéia.
Aos meus pais Tereza A. Meerson e Celso G. Massa e minha irmã Amanda
Massa pelo incentivo, apoio e patrocínio de todos os meus sonhos e projetos.
Ao meu namorado Anésio M. O. Bueno que nos momentos de desanimo
sempre esteve ao meu lado, me estimulando a nunca desistir dos meus objetivos.
As minhas amigas, companheiras de todos os momentos, Cristiane Marçal,
Patrícia Russo, Lívia Midori, Maria Theodora, Fabiana Freitas, Ana Dourado, e
Renata Nakachima pela paciência e atenção.
As psicólogas Denise A. Teixeira, Clélia C. Ferrari e Marizilda F. Pugliesi
pela atenção, pelo tempo disponível, pelo suporte teórico e principalmente pela
disposição em contribuir para a realização deste projeto.
Por fim, agradeço especialmente a Dra. Nise da Silveira por ter atentado a
possibilidade de realização de um trabalho tão importante, por ter acreditado nos
seus resultados e posterior publicação.
5
SUMÁRIO
Resumo...............................................................................................................06
1. Introdução.......................................................................................................07
3. Metodologia....................................................................................................18
4.Resultados.......................................................................................................22
5. Discussão........................................................................................................34
6. Conclusão.......................................................................................................44
7. Referências bibliográficas...............................................................................52
8. Anexos............................................................................................................54
6
RESUMO
Por meio da constatação empírica proporcionada pela experiência de
trabalho da Dra. Nise da Silveira em um atelier de pintura de um hospital
psiquiátrico do Rio de Janeiro, a pintura em forma de Oficina tem qualidades
terapêuticas porque dá formas a emoções tumultuosas, despotencializando-as, e
objetivando-as em formas autocurativas que se movem em direção a consciência,
à realidade.
De acordo com Jung, o simbolismo nas imagens do inconsciente só pode
ser compreendido por meio de pesquisa comparada. Isoladas e dissociadas de
seu contexto, as pinturas são indecifráveis; para fins investigativos. Elas devem
ser estudadas em série, pois, assim, revelam a repetição de motivos e a existência
de uma continuidade no fluxo de imagens do inconsciente, permitindo assim, ao
pesquisador acompanhar os desdobramentos de processos psíquicos. Sendo,
então, necessário o estudo comparativo de uma série de pinturas para podermos
compreendê-las.
Por meio da participação na Oficina de Pintura realizada no CAPS-São
Carlos, o presente estudo pretende analisar a produção artística dos participantes
da pesquisa, assim como o relato posterior a essas produções, à luz da Psicologia
Junguiana e também dos dados obtidos em entrevistas individuais, semi-
estruturadas. O caráter interativo entre pesquisador e participante, nesse trabalho,
pretende promover a construção do conhecimento e a avaliação da evolução
clínica dos usuários nesse serviço de saúde mental com base na abordagem
biopsicossocial e no processo interativo de construção do conhecimento.
Os resultados apontam para a possibilidade em utilizar oficinas expressivas
como meio de entendimento da história psíquica de pacientes psicóticos assim
como a posterior construção de práticas que estimulem o desenvolvimento de
autonomia e a promoção da reinserção social, presentes nos atuais modelos de
atenção à saúde mental construídos após a reforma psiquiátrica.
7
1. INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial de Saúde, “saúde é um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de
doenças ou enfermidades”. Segundo Capra (2001), essa definição apesar de
irreal, concebe a natureza holística da saúde e, conseqüentemente, da cura.
No modelo biomédico, constituído a partir do paradigma cartesiano, o corpo
humano é considerado uma máquina, portanto a doença é vista como um mau
funcionamento do mecanismo biológico, assim o papel dos médicos é intervir para
consertar o defeito no funcionamento de um organismo. A razão, privilégio do
homem, estaria muito acima hierarquicamente, funcionando independentemente
do corpo e comandando emoções e sentimentos, e quando a razão desvaira, é a
loucura.
Para Saraceno (1982), no caso da Saúde Mental, o uso do modelo
biomédico remete-nos a um tratamento especificamente da mente, pois assume a
identidade entre mente e cérebro como todas as conseqüências para a doença
mental. Um exemplo de tratamento na Saúde Mental baseado neste modelo é o
hospital psiquiátrico, onde o uso de medicação é excessivo e a condição dos
pacientes internados é de miséria, violência e abandono, representando um
desvio, senão uma deturpação do objetivo terapêutico que deveria ter.
Na abordagem biopsicossocial, termo que surgiu em 1977, com George
Engel, o ser vivo é considerado sob uma concepção sistêmica. Assim, o
tratamento de um indivíduo é baseado no biológico, no social e no psicológico, ou
seja, o tratamento na saúde mental passa a ser sistêmico e regido por várias leis,
não só a dos mecanismos biológicos.
Esta mudança de paradigma se apóia em estudos (muitos deles
promovidos pela Organização Mundial de Saúde) que demonstram que o
isolamento do paciente em relação ao contexto intensifica a gravidade do
transtorno; resultando em cronificação e em prognóstico ruim; conseqüentemente,
o atendimento a estes pacientes vem sofrendo uma reforma. A reforma
psiquiátrica teve início na Itália com Franco Basaglia e teve como conseqüência a
8
diminuição da população manicomial e a substituição do modelo de tratamento
nos hospitais psiquiátricos.
Impõe-se uma verdadeira mutação, tendo por princípio a abolição total dos
métodos agressivos, do regime carcerário, e a mudança de atitude face ao
indivíduo que deixará de ser paciente para adquirir a condição de pessoa, com
direitos a ser respeitados.
Um estudo piloto, iniciado em 1956, na Casa das Palmeiras, comprova ser
possível modificar condições tão adversas, cortando o ciclo de internações. Essa
casa funciona nos dias úteis, em regime de externato e representa um degrau
intermediário entre a rotina do sistema hospitalar, desindividualizado e a vida na
família e na sociedade. O principal método de tratamento empregado é o exercício
livre de atividades diversas, geralmente chamadas de terapêutica ocupacional.
Essas atividades envolvem especialmente a função criadora adormecida no
indivíduo. Segundo Nise da Silveira (2001), a criatividade é o catalisador por
excelência das aproximações de opostos, ou seja, por seu intermédio, sensações,
emoções, pensamentos são levados a reconhecer-se, a associar-se.
O atendimento nestes hospitais-dia surge com o objetivo de um alívio diário
para família na gestão do paciente, para atender a demanda de atividades
extramanicomiais, para dar uma alternativa à solidão do paciente e para apóia-lo
na inserção no mundo produtivo. Assim, o tratamento passa a assumir o seu
objetivo terapêutico.
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), de acordo com esta proposta,
vem promover a saúde mental dos pacientes assim como a inserção destes no
mundo produtivo. Um exemplo de como este trabalho pode se dar na prática são
as oficinas promovidas nos CAPSs. O efeito terapêutico das oficinas é citado por
Saraceno (1982) no exemplo das “oficinas de Soja”.
As oficinas de soja tinham como objetivo introduzir a soja na alimentação de
mulheres e crianças desnutridas de Salvador. Os encontros entre as mulheres
logo passaram a ser ocasiões de troca e solidariedade, o que foi fundamental para
o crescimento da consciência e da auto-estima destas mulheres, assim pacientes
psiquiátricas se incorporaram aos encontros de soja.
9
Um método que utiliza pintura, modelagem, música e trabalhos artesanais,
seria logicamente julgado ingênuo e quase inócuo, mas se utilizado com a
intenção psicoterapêutica, seria o mais viável nos serviços de saúde mental
sempre super povoados, onde a psicoterapia individual é impraticável, além de ser
o menos dispendioso.
Segundo M. Thévoz apud Nise da Silveira (2001), nos pacientes
esquizofrênicos, hospitalizados por um longo período, sujeitos, inevitavelmente, ao
tratamento pelos neurolépticos, ocorre um embrutecimento mental e uma
anestesia que se traduzem, no domínio da produção plástica, na perda das
funções criativas. Para Prinzhorn apud Nise da Silveira (2001), uma necessidade
de expressão instintiva, sobrevive à desintegração da personalidade, pois o poder
criador está presente em todos os indivíduos.
Para Dubuffet apud Nise da Silveira (2001), as produções de pacientes
psiquiátricos podem ser consideradas como “arte bruta”, que são produções de
toda espécie: desenhos, pinturas, modelagens, esculturas, etc. que apresentam
um caráter espontâneo e fortemente inventivo, que nada devem aos padrões
culturais da arte, tendo por autores, pessoas obscuras, estranhas ao meio
artístico.
Para Franz Marc apud Aniella Jaffé, “o objetivo da arte era revelar a vida
sobrenatural que existe por detrás de tudo, quebrar o espelho da vida para que se
possa contemplar o verdadeiro rosto do ser.” 1.
Segundo Herbert Read apud Nise da Silveira, “a arte foi e ainda é o
instrumento essencial para o desenvolvimento da consciência humana. As artes
plásticas seriam tipos de atividades que permitiriam ao homem proceder ao
reconhecimento e a fixação das coisas significativas, tanto nas experiências
externas quanto internas”. 2
1Jaffé, A. O simbolismo nas artes Plásticas In: O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1964, pág.262 2 Da Silveira, N. Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981, pág. 42
10
Segundo Carvalho (2001), a arteterapia emergiu distinguindo-se como
opção terapêutica a partir da década de 30, quando psiquiatras tornaram-se
interessados nos trabalhos desenvolvidos por alguns pacientes e estes
procuraram uma ligação entre suas produções e a doença que os acometia.
Segundo Nise da Silveira em O Mundo das Imagens, baseada em uma
constatação empírica, a partir da sua experiência de trabalho em um atelier de
pintura em um hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro, a pintura não só
proporciona esclarecimentos para compreensão do processo psicótico, mas
constitui igualmente verdadeiro agente terapêutico e se diferencia da arte-terapia
porque permite a produção livre e espontânea de seus participantes, sem
nenhuma interferência do monitor.
A pintura em forma de oficina tem qualidades terapêuticas, pois promove
atividades que permitam a expressão de vivências não verbalizáveis por aquele
que se acha mergulhado na profundeza do inconsciente, no mundo arcaico de
pensamentos, emoções e impulsos fora do alcance das elaborações da razão e da
palavra.
Segundo Nise da Silveira (2001), já Leonardo da Vinci havia observado que
os pintores freqüentemente representam a si mesmos nos personagens, que
pintam, impondo suas qualidades físicas e morais aos modelos mais
dessemelhantes e não lhes poupando nenhum de seus defeitos. É um fenômeno
de projeção.
Nise da Silveira completa dizendo que a pintura não só proporciona efeitos
terapêuticos como também proporciona esclarecimentos para a compreensão do
psíquico, pois permite que os participantes dêem formas a emoções tumultuosas,
despotencializando-as, e objetivando-as em formas autocurativas que se movem
em direção à consciência, à realidade.
Outro aspecto importante observado por Nise da Silveira em seu trabalho
com oficinas de pintura, foi a importância do vínculo afetivo para a condição
psicótica. Quanto mais grave a condição psicótica, maior será a necessidade que
tem o indivíduo de encontrar um ponto de referência e apoio, e esse apoio é dado
11
pelo monitor da oficina. “Sem a ponte firme de um relacionamento afetivo não há
cura possível para os graves estados do ser e da patologia psíquica”.3
Segundo Capra (2001), vivenciar uma mistura incoerente de ambas as
formas de percepção, a do mundo interno e do mundo externo, sem poder integrá-
las é ser psicótico. Na condição psicótica fragmenta-se o ego, desorganizam-se as
funções de orientação do consciente e os processos arcaicos de funcionamento
se formam apreensíveis.
No caso dos psicóticos, segundo Nise da Silveira (1981), os mundos
internos e externos interpenetram-se. Então, torna-se penosa a comunicação, por
exemplo, com esquizofrênicos, por intermédio da palavra. Segundo Freire &
Pereira (2001), o ato subjetivo da pintura permite a criação de um lugar apropriado
à alteridade no trabalho terapêutico analítico.
Então, temos de estar atentos aos gestos, mímicas e formas de expressão
plástica que, sem dúvida, serão úteis para o esclarecimento do diagnóstico, o
controle da evolução de casos clínicos e meio para a compreensão da
psicodinâmica dos sintomas.
No caso, a esquizofrenia pode ser descrita como a inundação do campo
consciente por conteúdos do Inconsciente profundo. Nesses estratos mais
profundos, segundo Jung apud Nise da Silveira (2001), existem disposições
funcionais herdadas, inerentes à própria estrutura psíquica, que são as imagens
arquetípicas. É preciso frisar que o fator patológico não reside nas imagens
arquetípicas, mas na dissociação do consciente, que perde a possibilidade de
controle sob o inconsciente já que é dominado por ele.
Para Freud apud Nise da Silveira (2001), a atividade artística seria uma das
principais formas de sublimação. A sublimação acontece quando a libido
abandona o objeto sexualmente desejado para dirigir-se a uma outra meta, não
sexual, encontrando satisfação em atividades não sexuais e socialmente
valorizadas.
3 Da Silveira, N.O mundo das imagens. Rio de Janeiro: Editora Ática, 2001, pág. 42
12
Já sob a perspectiva Junguiana, a libido dificilmente troca de meta se não
se transforma. É aí que tomam lugar as imagens simbólicas, cuja função é
promover a transformação da libido.
Segundo Nise da Silveira (2001), a imagem não é a simples cópia psíquica
de objetos externos, mas uma representação imediata, é o produto da função
imaginativa do Inconsciente que se manifesta de maneira súbita, mas sem possuir
necessariamente caráter patológico, desde que o indivíduo a distinga do real
sensorial, percebendo-a como imagens internas. Dos estratos mais profundos da
psique podem emergir imagens configuradas em disposições herdadas, imagens
arquetípicas, ricas em arcaísmos e motivos mitológicos reativados pela situação
presente daquele que as visualiza ou as sonha.
Segundo Kepler apud Nise da Silveira (2001), a imagem simbólica precede
a formulação consciente de uma lei natural. São as imagens simbólicas e as
concepções arquetípicas que levam a busca de leis naturais. O indivíduo cujo
campo do consciente foi invadido por conteúdos emergentes das camadas mais
profundas da psique, estará perplexo, aterrorizado ou fascinado por coisas
diferentes de tudo quanto pertencia a seu mundo cotidiano. A palavra fracassa,
mas a necessidade de expressão, necessidade imperiosa inerente à psique, leva
o indivíduo a configurar as imagens.
Já o psicanalista C. Wiart, da direção do centro de documentação
concernente as expressões plásticas, afirma ser necessário que a pessoa que
pinta venha a falar. “Os símbolos que se configuram nas idéias delirantes ou
expressão plástica, deveriam ser transpostos em palavras. A tarefa da psicanálise
seria reduzir essa criação imaginária a um sentido racional”4.
Para Jung, as imagens e significação são idênticas, portanto as imagens
arquetípicas não necessitam de interpretação, elas retratam sua própria
significação. O símbolo transmite a visualização dos processos psíquicos e,
principalmente, sua reexperiência.
4 Da Silveira, N. O mundo das imagens, Rio de Janeiro: Editora Ática, pág. 87
13
Jung vê nos produtos da função imaginativa do inconsciente, auto-retrato
do que está acontecendo no espaço interno da psique, sem disfarce, pois é
peculiaridade essencial da psique configurar imagens de suas atividades por um
processo inerente a sua natureza. A energia psíquica faz-se imagem, transforma-
se em imagem, exprime-se por meio de símbolos diferentes da linguagem
racional.
A imagem, enfim, constitui uma unidade e contém um sentido particular:
expressão da situação do consciente e do inconsciente, constelada por
experiências vividas pelo indivíduo. A psicologia analítica distingue dois tipos de
imagens, as do inconsciente pessoal e a do inconsciente inato, profundo e
coletivo. Para Nise da Silveira (2001), as imagens são auto-representação de
transformações energéticas que obedecem as leis específicas e seguem direção
definida. Trata-se de tentativas de realizar o processo de individuação, a partir da
relação entre o ego e as imagens inconscientes.
R. Volmat apud Nise da Silveira (2001) diz que não se deve utilizar
desenhos e pinturas unicamente com objetivos diagnósticos e esclarecimentos
redutivos da dinâmica dos sintomas. O método coletivo, graças a seu próprio valor
emocional, melhora os contatos interpessoais e ajuda no estabelecimento de
comunicações verbais, favorecendo o contato psicoterapêutico e particularmente
para alguns, permite fornecer-lhes um auxílio precioso e eficaz que poderá ser
desenvolvido.
A tarefa do terapeuta será estabelecer conexões entre as imagens do
inconsciente e a situação que está sendo vivida pelo indivíduo. A análise das
pinturas deve se basear em um paralelo histórico da experiência de vida do sujeito
com as imagens simbólicas captadas por meio da pintura.
Assim, a conduta terapêutica irá traduzir a experiência interna na
restauração da própria psique e da sociedade onde vive o indivíduo, já que do
mesmo modo que o corpo humano resulta de uma evolução histórica, a psique
não poderia deixar de ter uma história.
Segundo Jung apud Nise da Silveira a psique doente é uma psique humana
e apesar das perturbações que possa sofrer, participa inconscientemente na vida
14
psíquica total da humanidade. Portanto, não há dúvidas, de que uma revolução
social em nível econômico que tenha como objetivo construir uma nova sociedade
onde o homem possa ser feliz, é uma exigência evidente. Esta saída foi apontada
por Che Guevara apud Nise da Silveira: “Hay que endurecerse pero sin perder la
ternura jamás"5, ou seja, recomenda o afinamento da sensibilidade humana na
construção de uma nova sociedade.
Considerando a importância da formação da sociedade na estrutura
psíquica do ser humano, Jung constata que as imagens do inconsciente de cada
ser humano aparecem como símbolos coletivos de uma sociedade (arquétipos).
Essa formação do psíquico ocorre através das emoções, que não encontraram
forma adequada de expressão, que introvertem-se rasgando sulcos subterrâneos
até alcançar a estrutura básica da psique. Essa estrutura é um tecido vivo de
unidades energéticas encerrando disposições inatas para configurar imagens e
para ações instintivas (arquétipos).
A teoria dos arquétipos foi desenvolvida por Jung. Carl Gustav Jung, era
psiquiatra, discípulo de Freud e apresentou um panorama mais amplo e
compreensivo da psique humana através da psicologia analítica. Sua obra
apresenta uma teoria completa sobre a estrutura da psique, seu dinamismo e dos
tipos de personalidade. Para Jung, a estrutura psíquica é formada por
inconsciente pessoal, inconsciente coletivo e consciência. Segundo Edinger
(1955), o Ego é o centro da consciência e o ponto de partida para toda psicologia
empírica, é a sede da identidade pessoal, portanto não está ligado ao
inconsciente.
Os conteúdos inconscientes encontram-se primeiramente como complexos.
Um complexo é uma entidade psíquica inconsciente carregada de emotividade,
repleta de imagens associadas e agregadas ao redor de um núcleo central, que é
uma imagem arquetípica. Quando existe um afeto que causa um desequilíbrio
psíquico, ocorre uma perturbação no funcionamento do ego.
5 Da Silveira, N. Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981, pág. 114.
15
O Ego se relaciona com o mundo interno e o mundo externo. A exigência
do mundo interno em relação ao externo cria uma estrutura mediadora chamada
Persona. A Persona é composta de vários elementos: identidade pessoal,
expectativas da sociedade, primeiros condicionamentos de pais e educadores, etc.
A mediação entre o Ego e o mundo interno do inconsciente é realizada pela
Sombra. A Sombra é composta por características pessoais inconscientes do
indivíduo, contém traços inferiores e fraquezas que a auto-estima do Ego não
permite que se reconheçam. É a primeira camada inconsciente que se encontra
em uma análise psicológica, em seguida está o Inconsciente Pessoal,
distinguindo-se assim, do Inconsciente Coletivo.
O Inconsciente Pessoal contém conteúdos pertencentes ao próprio
indivíduo, que podem e devem ser conscientizados e integrados na personalidade
consciente ou Ego. O Inconsciente Coletivo é composto por conteúdos
transpessoais, universais que não podem ser assinalados pelo Ego. Entre essas
duas camadas se encontram outras entidades, a Anima para o homem e o Animus
para a mulher.
A Anima é um conteúdo psíquico autônomo dentro da personalidade
masculina, que pode ser descrita com uma mulher interna, personifica o princípio
feminino no homem. A Anima conduz o homem à significação total do
relacionamento humano e lhe dá acesso às camadas mais profundas da psique, o
Inconsciente Coletivo.
O Animus é o correspondente dos elementos masculinos na mulher e
permite que a mulher funcione com racionalidade objetiva e, da mesma maneira
que a Anima no homem, abre a ela o Inconsciente Coletivo.
O Inconsciente Coletivo é repleto de arquétipos e suas manifestações
simbólicas particulares, as imagens arquetípicas. Um arquétipo está relacionado a
um instinto. Um instinto é um padrão de comportamento inato e uma característica
de certa espécie, um arquétipo está para a psique assim como um instinto está
para o corpo. Os arquétipos são percebidos e experimentados subjetivamente
através de imagens mitológicas universais, típicas que se repetem. A pintura seria
uma forma de objetivação de uma imagem psíquica que pode auxiliar o Ego a se
16
desidentificar com o inconsciente e ainda liberar uma boa quantidade de energia
psíquica.
A psicologia junguiana não se desinteressa das imagens de caráter
pessoal, mas os símbolos coletivos (arquetípicos), como são mais freqüentemente
revestidos de características arcaicas, primitivas, e são imagens que invadem todo
o espaço intrapsíquico, acabam sendo mais vantajosos no esclarecimento dos
sintomas psíquicos. Segundo Nise da Silveira (1891), Freud através de sua
técnica redutiva, descobriu conteúdos reprimidos na interpretação de símbolos.
Nise da Silveira em Imagens do Inconsciente (1981), fala da impossibilidade
da criação de códigos para entender as expressões inconscientes, mas cita alguns
exemplos baseando-se na teoria de Jung sobre os arquétipos. Diz, por exemplo,
que dependendo do estado interior do paciente, as pinturas serão abstratas ou
figuradas.
O geometrismo, por exemplo, mostrou-se significativo de esforços
instintivos para apaziguar tumultos emocionais. As mandalas, segundo Jung apud
Nise da Silveira (1981), aparecem em sonhos, em situações de conflito e em
casos de esquizofrenia. São freqüentemente divididas em múltiplos de quatro e
representam uma tentativa de autocura, que não se origina de uma reflexão mas
de um impulso instintivo.
De acordo com Jung apud Nise da Silveira (1981), o simbolismo nas
imagens do inconsciente deve ser pesquisado através de paralelos mitológicos
para que se possa entender suas características arcaicas e também sobre a única
base científica possível: a pesquisa comparada. Conseqüentemente, para esta
pesquisa, as pinturas devem ser estudadas em série, pois isoladas são
indecifráveis, já em séries revelam a repetição de motivos e a existência de uma
continuidade no fluxo de imagens do inconsciente, permitindo assim, ao terapeuta
acompanhar os desdobramentos de processos psíquicos. Sendo, então,
necessário o estudo comparativo de uma série de pinturas para podermos
compreendê-las, assim como nos sonhos.
Baseada nestas constatações, a escolha do local deu-se pelo fato deles
estarem inseridos em um programa de reabilitação que privilegia a abordagem
17
biopsicossocial em saúde mental e a escolha dos participantes se deve às
diversas modalidades de expressão dos esquizofrênicos que são muito ricas em
símbolos, que condensam profundas significações, constituindo linguagem arcaica
de raízes universais.
Com base nas descobertas de Nise da Silveira, através da psicologia
Junguiana e no modelo da pesquisa qualitativa, que se caracteriza como uma
forma de produção de conhecimento construtivo-interpretativa (cujo caráter
interativo entre pesquisador e participante legitima a singularidade e a
subjetividade do sujeito), o presente estudo pretende estabelecer uma relação da
produção artística, realizada na oficina de pintura do CAPS - São Carlos com a
história de vida de cada um de seus participantes.
Considerando uma Oficina um meio de expressão terapêutica, que engloba
aspectos sociais e psicológicos dos pacientes, o presente estudo tem o objetivo de
analisar a produção artística dos participantes da Oficina de Pintura à luz da
psicologia junguiana e da abordagem biopsicossocial, a fim de avaliar a expressão
da evolução clínica dos usuários do CAPS-São Carlos, assim como levantar
hipóteses sobre a manifestação de seus sentimentos, o desenvolvimento do
processo de formação de sua estrutura psíquica e fortalecimento de seu ego na
sua relação com seu meio social.
18
2. METODOLOGIA
Segundo Rey, a subjetividade caracteriza-se como um complexo de
significações e sentidos produzidos na vida cultural e é a sua flexibilidade,
versatilidade e complexidade que permite ao homem a capacidade de gerar. O
uso da abordagem qualitativa no estudo da subjetividade permite o conhecimento
e acesso de seus complexos processos, sem o objetivo de predição e controle.
Caracterizando-se o método qualitativo ideal para a presente pesquisa que
pretende basear-se na capacidade de gerar criativamente.
2.1 PARTICIPANTES
Os participantes são quatro usuários do Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) de São Carlos que serão identificados pelas letras: JGS, MRN, AR e EAO;
com a finalidade de preservar em sigilo sua identidade. Os participantes
freqüentam o CAPS de forma intensiva, ou seja, passam o dia neste Centro. A
participação em oficinas é recomendada a eles por seu profissional de referência
como forma de auxílio ao tratamento farmacêutico.
2.2 MATERIAL
Para a realização das oficinas de pintura foram utilizados tinta acrilex de
várias cores, pincéis tigre amarelo de espessura variando entre 4 a 22 e papel
sulfite. Foram utilizados papel e caneta para as anotações durante a fase de
coleta de dados e um microcomputador para a fase de tratamento dos dados.
19
2.3 INSTRUMENTO
Como instrumento para realização desta pesquisa foi utilizada anamnese,
que têm o objetivo de coletar dados sobre a história de vida de cada um dos
participantes, contemplando as seguintes questões: identificação, motivo da
consulta, transtorno atual (tempo, início, sintomas, antecedentes clínicos e
recursos utilizados), história pessoal (gestação, infância, escolaridade,
adolescência, sexualidade, hábitos e interesses sociais, atitudes, história familiar,
história socioeconômica e ocupacional), medicação e dosagem.
Oficinas de pintura espontâneas foi o instrumento utilizado para a produção
de uma série de doze pinturas de cada participante. Foi utilizada também a
consulta aos prontuários para a obtenção de dados sobre a história de vida e
situação atual dos participantes.
2.4 PROCEDIMENTO
Os participantes foram convidados pela prévia participação na oficina de
pintura ministrada pela própria proponente no CAPS durante o ano de 2002,
sendo o critério de seleção para este convite, a assuidade. De acordo com esta
contagem de presença na Oficina de Pintura, foram pré-selecionados sete
participantes, pois foram os que participaram em média quinzenalmente durante o
período estipulado.
Os participantes convidados foram classificados, segundo os critérios
diagnósticos da CID-10, nas seguintes categorias: em transtorno esquizofrênico
(3), transtorno esquizoafetivo (1), transtorno psicótico agudo (1), epilepsia com
retardo mental grave (1), e transtorno mental e de comportamento decorrente do
uso de álcool (1), segundo as informações do prontuário disponível no CAPS.
A proponente convidou individualmente os usuários pré-selecionados a
participarem deste projeto. Foi apresentado a eles o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE), em linguagem acessível, para sua concordância (ou
20
não) e assinatura, junto à explicação dos objetivos desta pesquisa, das atividades
a serem realizadas pelos possíveis participantes, assim como o esclarecimento
sobre os riscos e benefícios em estar participando deste projeto.
Dos usuários pré-selecionados, somente quatro aceitaram participar do
projeto. Sendo eles: JGS e MRN (transtorno esquizofrênico), AR (transtorno
psicótico agudo) e EAO (epilepsia com retardo mental grave).
Após uma reunião com o psiquiatra responsável pelo tratamento dos
participantes, decidiu-se por aplicar a anamnese em dois participantes (JGS e AR)
e no caso dos outros dois participantes (MRN e EAO) somente com seus
responsáveis. A partir de então, foram realizadas as anamneses com o objetivo de
conhecer a história de vida do usuário.
Foram realizadas também oficinas de pintura semanais, fechada, em
horário fixo, com duração média de 40 minutos e livre de qualquer coação. Tanto a
escolha do tema quanto à do material foram livres, pois o critério que valida a
pesquisa é a produção artística espontânea. Foram também realizadas consultas
às informações dos prontuários contidas no CAPS.
Os usuários foram acompanhados pela própria pesquisadora, que
providenciou os materiais necessários e orientou os participantes nas possíveis
dúvidas em relação ao material a ser utilizado. Após cada sessão da Oficina de
Pintura, os participantes eram convidados a relatar o que haviam desenhado
naquele dia.
Tendo como base explicativa à psicologia junguiana e como método o uso
da pesquisa comparativa, será analisada toda a série de produções artísticas
provenientes da participação da oficina de pintura acima citada, em contraposição
aos dados obtidos nas entrevistas. O número de encontros para a realização das
produções artísticas da série foi de 12 para cada participante.
Este número foi escolhido baseando-se na necessidade apontada por Nise
da Silveira de que a análise de pinturas deve ser realizada em série, portanto foi
estipulado para a coleta de dados, 3 meses de oficina com produções semanais, o
que resulta em 12 pinturas.
21
2.5 ANÁLISE DOS DADOS
Os dados foram analisados a partir da comparação das informações obtidas
com a aplicação das anamneses e consulta aos prontuários com as conclusões
obtidas na análise da série de pinturas realizadas por cada participante, assim
como nos relatos posteriores a cada sessão de oficina de pintura. Esse resultado
será relacionado com a base teórica escolhida a fim de produzir conhecimento
teórico sobre o tema em questão. A base teórica é a Psicologia Junguiana,
segundo Nise da Silveira.
22
3. RESULTADOS
Foram assinados os termos de compromisso pelos participantes e pela
coordenadora do CAPS. Em seguida, deu-se início a coleta de dados através da
consulta aos prontuários e pela aplicação da anamnese.
A entrevista semi-estruturada foi realizada, inicialmente com os
participantes AR e JGS, que após uma reunião com o Psiquiatra responsável pelo
tratamento dos pacientes convidados, foram indicados como aptos a estarem
respondendo a uma anamnese. Com relação aos outros dois participantes, a
indicação foi para que a entrevista fosse aplicada com seus familiares, então foi
aplicada a anamnese com dois familiares de MRN e com nenhum familiar de EAO,
já que estes não se dispuseram a estar participando, então os dados da história
de vida de EAO são os encontrados no prontuário do CAPS de São Carlos.
Os resultados das entrevistas semi-estruturadas e dos relatos obtidos após
o término de casa sessão da oficina de pintura realizada com cada participante
foram resumidos a seguir, para a apresentação dos participantes.
Um dos participantes é o JGS, de 43 anos, sexo masculino, solteiro e o
caçula depois de 5 irmãos. Inicialmente, a intenção era aplicar a anamnese
somente no participante mas a partir das informações confusas que este
apresentou, foi realizada também a anamnese com a cunhada TS de JGS, casada
com seu irmão WS há aproximadamente 25 anos.
Segundo JGS, começou seu tratamento psiquiátrico aos 22 anos e desde
então foi internado por três vezes. O paciente acredita que deve ter algum
problema na cabeça, mas que todo o tratamento começou por causa de problema
nos dentes, pois foi pela vergonha dos dentes estragados que se afastou das
pessoas. JGS relata que desde os 28 anos ouve vozes que diz não serem de
rádio ou da igreja e que essas vozes lhe dizem para ele ter paciência que onde ele
está não é hospital, que ele deve tomar seu remédio certinho. Relata que só as
ouve em média uma vez por semana, atualmente.
Segundo JGS, sua mãe teve sua gestação com 43 anos. Sua infância foi
divertida e morava em Jaú. Chegou a fazer até o 2o. Grau e estudava a noite,
23
começou a trabalhar com uns 6 anos com o pai no cafezal, mas segundo ele,
queria ser urbano e com 12 anos resolveu mudar para cidade e trabalhar como
logista e depois foi trabalhar como gráfico. JGS se considera uma pessoa muito
tímida, até por isso acredita nunca ter conseguido um relacionamento mais íntimo
com alguém, se considera também passivo, quieto e difícil de ficar nervoso.
Conta que seu pai faleceu em 1984 de asfixia, pois tinha bronquite e que a
mãe morreu logo em seguida, 1989. Nessa época mudou-se para São Carlos para
morar com um irmão e também porque não agüentava as crianças de sua rua
jogando pedras em sua janela. Segundo JGS, toma 25 mg de Neosine por dia e
Haldol injetável para acalmar seus nervos.
Segundo TS, cunhada de JGS, casada com seu irmão WS, a doença se
iniciou aos 17 anos, após a ida de JGS a um baile da cidade, do qual ele voltou
estranho, com a fala confusa e algumas atitudes diferentes, como, por exemplo,
ficar enfileirando vasos de flores em cima do muro da casa. A partir de então,
começou a faltar da escola e do trabalho.
A família é de Jaú, onde JGS morava com os pais. Teve uma infância
tranqüila, ativa e participativa, dos filhos foi o único que não precisou ajudar o pai
na roça quando criança. O pai faleceu de derrame há 7 anos atrás com 67 anos e
em seguida a mãe e JGS foram morar com a irmã AS. Após quatro anos, a mãe
morreu de infarto com 83 anos. JGS foi morar com a família do irmão DS. Neste
período, JGS, por descuido e descaso do irmão, não teve acesso a hábitos de
higiene, já que ficava trancado em um quarto, usando sempre a mesma roupa,
comendo uma marmitex por dia, sem escovar os dentes ou tomar banho. Há um
ano atrás, o irmão WS ao perceber a situação em que JGS vivia o trouxe para
morar com sua família.
Segundo TS, JGS começou a trabalhar com 15 anos como gráfico e este foi
seu único emprego até os 17 anos, quando a doença começou a se manifestar
mais seriamente. Sobre os recursos utilizados anteriormente, diz que JGS foi
internado por 4 vezes, a primeira aos 17 anos, a segunda aos 19 anos após uma
possível crise, na qual JGS saiu correndo pela rua fora de si e roubou um tênis. As
outras duas internações foram por decisão do irmão DS, o qual o mantinha preso,
24
sem condições de higiene, segundo TS, a intenção de interná-lo seria para que os
parentes não vissem o estado o qual JGS se encontrava. TS conta também que
JGS nunca tirou carta ou título de eleitor, mas chegou a comprar um carro aos 17
anos, o qual foi devolvido por insistência dos irmãos.
Os relatos de JGS, obtidos durante a realização da série completa de doze
pinturas, estão resumidos a seguir. No primeiro desenho, JGS desenhou uma
figura feminina em azul e marrom, com riscos nas bordas da folha e disse que
desenhou a monitora, que foi a visão que ele teve na hora. No segundo desenho,
fez uma bandeira do Brasil e fez os riscos na borda, que segundo ele eram para
sinalizar onde pegar a bandeira. “Antigamente usava-se muito a bandeira em
selos, estampas. Lembro de um selo que tinha um vidro na frente na casa dos
meus avós”. Ao final, assinou com seu nome, disse que não estava encontrando
seus desenhos. No terceiro desenho, fez as linhas e escreveu os nomes dos
participantes naquele dia, relatou que queria mostrar quem está sob
responsabilidade da monitora.
No quarto desenho, fez um logo tipo do hospital São Judas Tadeu e
desenhou um S, um J, um T, e uma seringa. Relatou que quando trabalhava fazia
logotipos, mas este ele criou. “Esse logotipo eu sei fazer porque trabalhei como
gráfico, mas nunca fiz este logotipo. Conheci o hospital São Judas Tadeu porque
ia jogar bola em um campinho perto da igrejinha ao lado deste hospital. Meu pai
ficou neste hospital tomando soro, fui visitá-lo, quando cheguei estava cheio de
gente, meus tios avós, avós, tios, um monte de gente que eu nem conhecia. Ele
estava internado para se aposentar. Eu era moleque. Meu pai morreu, eu tinha
uns 32 anos fiquei sabendo da morte dele quando vi seu nome no jornal, mas me
animei quando vi no jornal que tinha uns 10 ou 12 nomes iguais ao do meu pai,
aí achei que poderia não ter sido ele que havia morrido, mas era”.
No quinto desenho, fez uma folha de caderno. Disse que queria fazer uma
bandeira, mas quando viu já tinha saído uma folha de caderno, “foi puro instinto”.
Disse que o caderno é da monitora e ele só fez uma folha. No sexto desenho, fez
um gato, uma onça. “tem um gato em casa que aparece na hora da janta, ele é
todo pintado, parece uma jaguatirica. É da minha sobrinha. Eu gosto dele”. Disse
25
também que o gato era fêmea porque quando gato tem três cores é porque é
fêmea e disse que o nome é Pix.
No sétimo desenho, fez um CD, “roleplay”, depois disse que eram 6 faixas
de um vinil de músicas natalinas, que gosta do Natal e está feliz porque está
chegando. Disse também que quando trabalhava como gráfico, tinha que traduzir
do castelhano para o português e espanhol, “aí eu ficava treinando, escutando,
meu chefe vinha e dava as ordens e aí meu amigo que trabalhava comigo, ele
gravava as ordens do chefe em um gravador para a gente não esquecer o que
tinha que ser feito. Aí um dia, eu pedi autorização para o meu chefe para comprar
um vinil e comprei um de valsa, fiquei gostando.”
No oitavo desenho, fez um coelho com o lingrão em volta. Explicou que o
lingrão serve para acertar a placa, que usava quando era tipógrafo. Disse que
desenhou o que veio a sua mente, porque estava lembrando de uma revista que
ele estava vendo, a Playboy, que não gostava muito porque é muito cara. No nono
desenho, fez um distintivo de um time com uma estrela no meio, disse que é do
Botafogo de Ribeirão Preto. “Vai ter decisão sábado, Palmeiras Contra o
Botafogo”.
No décimo desenho, fez uma nota de 1 real. Os desenhos no topo e na
parte inferior da folha são as dezenas que tem na nota, “vai do A ao B e aí tem
cinco dezenas: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10”. Disse que o losango no centro é o
desenho da nota e tem o R$ nos quatro cantos. Disse que se tivesse uma nota de
1 real votaria de novo em um deputado. “Eu ouvi alguém comentando que custa
três reais um voto, com esse dinheiro vou pagar a multa por não ter votado”. Em
seguida, JGS queria saber quando seria a próxima eleição e quando começariam
os novos mandatos.
No décimo primeiro desenho, fez uma moldura dupla em volta da folha
Disse que era para alguém desenhar o quadro dentro, mas que agora não estava
a fim de fazer o desenho, e já fez a moldura para facilitar. No décimo segundo
desenho, escreveu “Feliz Natal e Próspero Ano Novo” e em seguida falou “Desejo
um ano bom para você e que você seja uma ótima professora de desenho. Eu
26
este ano pretendo descansar porque eu to muito cansado, acordo cedo todo dia e
para quem é aposentado, né ?”.
Outro participante é AR de 22 anos, solteiro, sexo masculino e estudou até
a 5a. série. AR acredita estar em tratamento porque tem depressão há cinco anos.
Diz que começou a ficar doente aos 17 anos, e desde então foi internado duas
vezes e logo em seguida sua família se mudou de São Paulo para São Carlos.
Sente que as mudanças em seu comportamento foram de uma hora para outra.
AR diz sentir desespero, angústia, solidão e nervosismo. Relata que, algumas
vezes, vê luzes quando olha para dentro dos carros ou para pessoas nas ruas, AR
acredita que essas luzes são de Deus querendo o ajudar e que as outras pessoas
não conseguem vê-las.
AR relata que sua infância foi triste, pois seus pais costumavam bater muito
nele e solitária porque só tinha um amigo que era seu vizinho. Na escola era bom
aluno, mas parou de estudar porque começou a repetir muito, gostava da
professora, mas não tinha amigos e não gostava de ir a escola. AR se considera
uma pessoa nervosa, confusa e preocupada, o que o incomoda.
Sobre a mudança de cidade, acredita que tenha sido porque o pai acha que
em São Carlos ganharia mais e ele e sua mãe também queriam mudar. Aos 16
anos, AR começou a trabalhar numa fábrica de gesso com o pai, mas depois de
um ano resolveu parar de trabalhar porque não estava gostando.
AR não completou a série de doze pinturas, produziu 6 pinturas. Os dias em
que não participou foi por motivos variados, falta de vontade, ter faltado do CAPS,
etc. Os relatos de AR, obtidos durante a realização das 6 pinturas, estão
resumidos a seguir.
No primeiro desenho, fez um sol, um chão, uma nuvem com chuva, a casa
na praia que mora ele e sua mãe, árvores e flores. No segundo desenho, sentou e
disse: “Hoje vou fazer o símbolo do SP.”. Fez o símbolo do time e a alegria,
porque logo vai parar de tomar os remédios e se curar, “foi o que o Dr. J. me falou
hoje, o remédio é ruim porque me deixa nervoso. No desenho o azul é o céu, é
Deus, é alegria e o vinho é o inferno, pensei nisso agora”. No terceiro desenho,
27
começou falando que estava nervoso estes dias, mas que quando entrou na sala
ficou mais clamo. Ficou contando que quando fica nervoso ele quer destruir tudo,
que ele já fez muito isso na casa de um tio, e que este tio o chama de dengoso.
Perguntou porque é tão difícil melhorar, porque sua vida tava assim, disse que
achava que devia se conformar. Fez a sua vida, a desunião e as pessoas tirando
sarro dele (traço perto), a alegria (triângulo), a solidão (vermelho) e o preto é uma
capa que ele viu na sua janela, “é uma capinha do demônio, que eu sempre vejo,
é estranho, né?”.
No quarto desenho, disse que fez a felicidade porque está feliz a toa, que o
vermelho é a solidão de São Paulo, que prefere morar em São Carlos, porque em
São Paulo quando ia para escola ficava sozinho pelos cantos, mas que agora está
mais esperto porque está tomando remédio. E a mancha azul é a felicidade, “é
bom ficar sozinho”. Disse que o preto e o azul são as nuvens, o azul (meio
esverdeado) é a felicidade também, o amarelo, o mar e o sol é dele. No quinto
desenho, fez um barco, um rio e as nuvens. “O Barco está indo para o inferno
porque minha vida é um inferno, porque eu tomo remédio, calmante”.
No sexto desenho, fez o chão amarelo, uma casa azul, escreveu seu nome
em preto, depois riscou em cima, fazendo um borrão preto e por último desenhou
uma nuvem rosa. Durante o seu trabalho, disse: “Eu tomo 5 remédios depois do
almoço”. Disse que fez dois carros e um ônibus que bateu neles. “Foi um acidente
que eu vi na televisão, aconteceu em São Paulo”. Disse que quando tinha uns 17
anos, estava andando de bicicleta na rodovia e um casal dentro de um carro o
atropelou. Ficou um mês na Santa casa, quebrou a perna e lembra que ficou com
muito medo.
MRN é outro participante e a anamnese foi feita com a cunhada (casada
com o irmão WSN) e com a mãe de MRN. Segundo a mãe, MRN, do sexo
masculino, tem 24 anos, estudou até a 5a. série, tem quatro irmãos mais velhos e
está em tratamento por um problema na cabeça que não sabe qual é, acha que é
depressão. Relata que esta doença se iniciou há 5 anos, quando MRN tinha 19
anos, e que começou a não querer ir trabalhar, pois tinha medo do serviço.
28
A mãe relata que se casou aos 17 anos, que moravam em Jales e
trabalhavam na roça. Após três anos, a família se mudou para São Carlos para
trabalhar, também na roça. Segundo a mãe, o pai de MRN logo ficou doente de
um problema no estômago e vivia na cama. A mãe também ficou doente, por um
problema na cabeça, e teve que fazer uma cirurgia e diz não saber porque.
A mãe acredita que os sintomas de MRN são tosse, catarro e dor de
barriga. Relata que seu filho foi internado somente uma vez e depois iniciou o
tratamento no CAPS. A mãe conta que sua gestação foi normal, mas com muito
enjôo e na infância MRN foi uma criança quieta, que costumava brincar com os
irmãos. Na escola, tinha amigos e a professora o elogiava, repetiu a 2a. série e
parou de estudar para começar a trabalhar. Trabalhou, inicialmente, de ajudante
em um bar, aos 11 anos, e depois iniciou o trabalho de frentista, onde ficou por
três anos.
Aos 18 anos, segundo a mãe, MRN começou a namorar uma vizinha e ia se
casar, mas sua noiva acabou se casando com outro e a partir disso, MRN ficou
“ruim”. A mãe considera seu filho uma pessoa quieta que não gosta do barulho da
televisão, nervoso e cheio de manias, como a de ficar tirando e colocando objetos
de um lugar para outro.
A entrevista com a cunhada apontou alguns pontos de divergência com as
informações que a mãe havia relatado. Segundo a cunhada EN, MRN tem 29
anos, é solteiro, fez até a 4ª. Série, foi frentista e começou aos 18 anos a ficar com
medo das pessoas, a se isolar, faltar do emprego e a ter falta de apetite. A
cunhada, como a mãe de MRN, acredita que estes sintomas tenham se iniciado
após uma desilusão amorosa e também por incidente em que MRN chegou a ser
preso por ter sido acusado de estupro. EN acredita que esta história contada por
uma mulher do bairro não seja verdadeira e que na noite em que ele permaneceu
na prisão, MRN tenha apanhado dos policiais.
A cunhada relata que a família sempre foi muito pobre, que a mãe obrigava
os filhos a pedirem comida nas casas e não os incentivavam a estudar. O pai foi
doente a vida inteira e morreu quando MRN tinha 12 anos, a irmã (MRN) é
esquizofrênica e vive internada por causa dos repetidos surtos, o irmão (JSN) é
29
afastado por motivos de saúde e o MRN, segundo a cunhada, não teve surto, mas
foi internado uma vez por que não comia e estava entrando em estado de
inanição.
A mãe de MRN relata que teve dois filhos que morreram, um com uns 6
meses e outro com uns 2 anos, mas a mãe diz que não sabe o nome destas
crianças nem a causa da morte. EN diz que, no cotidiano, MRN é uma pessoa
calma e mostra ter reações incoerentes com o mundo, pois quando sua ex-
namorada foi apresentar seu novo namorado para MRN, vestida de noiva, reação
de MRN foi de silêncio e em outros momentos, por exemplo, conta que seu irmão
(JSN) estava reclamando de dor de noite e MRN o espancou porque queria dormir
e não estava conseguindo por causa do barulho.
Relata também que MRN tem uma ligação muito forte com o irmão WSN,
que o arrumou o emprego de frentista, onde ele trabalhou por 2 anos, quando
parou por causa da doença. EN diz que em relação às atitudes de MRN acredita
que ele sempre foi isolado e quieto, a diferença, para ela, é que hoje ele “parece
que conversa sozinho”.
A descrição dos desenhos e os relatos de MRN, obtidos durante a
realização da série completa de doze pinturas, estão resumidos a seguir. No
primeiro desenho, fez um círculo no meio da folha, com um pingo dentro e quatro
traços que saem da bola e vão para os cantos da folha. Disse que fez de tudo um
pouco, para dizer tudo a qualquer pessoa. Começou a assinar o trabalho e em
seguida desenhou um pequeno círculo no topo da folha e disse que o fez para que
o desenho não fique feio. “O desenho não está feio, mas se ele quiser ficar a
bolinha não deixa.”
No segundo desenho, fez uma onda com pingos em cima, um risco no meio
da folha, tronco, copa, raízes que saem da copa e vão para debaixo do chão e
uma bolinhas em baixo da terra. Durante a realização do trabalho disse: “Tô
achando engraçado o meu desenho”.Por último, fez um rasgo no canto da folha.
Disse que fez uma árvore e suas raízes que a alimentam. As bolinhas em baixo da
terra são o alimento que formam os frutos. “As bolinhas são indicadores do sol e o
sol é que faz a árvore crescer”. E o rasgo que fez no papel é para não deixar o
30
desenho se perder. No terceiro desenho, fez uma antena e a chuva que cai sobre
ela, “que faz o desenho ficar legal. Ás vezes, a chuva atrapalha a comunicação. A
antena faz a televisão funcionar, e a chuva com a fita que faz a tv funcionar não
combinam. Esta antena tem na casa de todo mundo mas nem todas tomam chuva
porque tem algumas que ficam na garagem.”
No quarto desenho, fez uma árvore que descansa e protege a pessoa do
sol. Disse que “a chuva molha a árvore e por isso não tem chuva do outro lado da
folha. O risco vermelho é uma quase chuva. Árvore gosta de chuva por causa da
raiz”. Disse que a “rodinha” protege a chuva para molhar a árvore e para não
molhar dentro do carro. “Tenho medo de temporal, quando era pequeno, tinha uns
5 ou 7 anos tomei chuva, estava para baixo do mercado, fui para lá antes de
começar a chover e quando estava voltando, tomei um temporal. Cheguei em
casa e fui tomar um banho, para não pegar uma gripe. Tomei uma surra da minha
mãe porque ela estava preocupada comigo que estava fora de casa naquela
chuva. Fiquei com medo de não chegar em casa, não pensei em nada na hora.” E
em seguida me perguntou: “Porque a tia faz tanta pergunta, para me condenar?”
No quinto desenho, fez o chão, o risco no meio e a copa da árvore. Disse
que o arco entre a copa e o tronco, serve para dar suporte à árvore e a copa serve
para dar frutos. Fez dois pingos antes de entregar o trabalho, que ele disse que
era para não estragar o desenho. estragaria a árvore e ele respondeu que “uma
chuva forte estragaria a árvore, a chuva forte dá medo de ela matar as plantas e
que só o vento forte seca a árvore depois da chuva. O chão é para proteger a
árvore”. Fez riscos para baixo da terra e disse que era para a árvore não se perder
no vento.
No sexto desenho, dividiu a folha em quatro partes, desenhou as bolas,
traços na diagonal, pingos nas bolas superiores e depois escreveu os nomes e os
uniu com um arco. Fez, por último, um segundo traço horizontal do lado esquerdo,
que serve para visualizar melhor e disse que o outro lado não precisa. Disse que
fez a família, “W. é meu irmão, tenho outros irmãos, gosto do W.”. Disse que eles
estão separados, mas que ele fez o arco para ficarem juntos. Disse que os pingos
foram o pincél que fez e servem para não sujar o desenho. Disse que não se
31
preocupa em ver seu irmão todo dia porque sabe que ele trabalha. Em seguida
pediu se podia dobrar os cantos da folha do seu desenho, fez pequenas dobras
nos cantos superiores, para o desenho ficar mais bonito.
No sétimo desenho, houve uma certa dificuldade para se movimentar na
sala, demorou para sentar e sentou-se só depois de observar a monitora
sentando. Fez uma bola central, uma estrela, riscos na diagonal, pingos no meio e
duas faixas segmentadas que saiam da bola para os cantos da folha. Escreveu o
seu nome e do irmão W. No meio do trabalho, disse: “To quase terminando, tia”.
Terminou o trabalho e disse: “Prontinho, Kiki”. Disse que “Kiki” é nome para o
arroz, que os passarinhos fazem “Kiki” nas árvores. Disse que pintou um relógio,
ele e o W. “São 3 e o W. e o M. é igual ao relógio”. Disse que não tem relógio, mas
que o W. tem. Disse que para saber a hora do relógio, precisava dobrar o canto do
papel. Antes de entregar o desenho, pediu para fazer mais um desenho que a
parte de cima estava muito branca. Disse que fez um instrumento que servia para
ver se a folha que a monitora entregou para desenhar estava no tamanho certo.
Disse também que era um impulso, onde fica o relógio, “tem gente que poe no
bolso”.
No oitavo desenho, fez um traço no meio, os arcos e os pingos. Disse que
os pingos são uma chuva de pedra e que o arco é para proteger a árvore da chuva
e que a chuva não ultrapassa o outro lado. No nono dia, começou dobrando o
canto da folha. Depois fez um risco na diagonal, uma caixa com pingos, escreveu
seu nome, fez um risco que sai do nome e por último, fez a aureola em volta da
caixa. Enquanto estava desenhando disse: “É mentira dele”. Disse que fez uma
televisão que está chuviscando, que não está pegando, que o risco ligado ao seu
nome é o fim da antena e é por causa dela que a televisão não pega. Disse que
este tronco está ligado ao seu nome porque ele tem uma televisão e o seu irmão
tem outra. “Posso assistir qualquer uma das duas. Ás vezes, as pessoas mentem,
diz que desligou a televisão mas na verdade ela está chuviscando”.
No décimo dia, fez a chuva de pedra caindo no chão, na grama e uma
estrela que brilha no céu. Falou que os riscos são os raios. “W. é o nome da chuva
e M. é quando a chuva cai na grama”. Disse que a estrela brilha a noite, quando
32
não tem chuva. Falou que a monitora é legal, agradeceu, e saiu dizendo “Valeu
Kiki”. No décimo primeiro desenho, fez uma árvore e os riscos na diagonal, da
árvore para os cantos, fez a onda em cima e dois pingos no canto. “Ta em ordem,
é uma arvore e uma proteção para não machucar a árvore da chuva que deixa cair
as coisas boas da árvore. É a árvore que protege as outras que dão fruta”. No
décimo segundo desenho, fez os arcos embaixo, no meio fez o tronco, depois a
copa e por último os riscos na lateral. Disse que fez uma árvore e dois paus que a
seguram para que as folhas não caiam. “Os paus servem para proteger a árvore,
agora ela está segura”. Antes de sair, disse: “As vezes, tento falar mas não
consigo, porque não consigo entender”.
Através da realização da oficina de pintura com MRN foi possível perceber
que este sentia prazer em participar, ao pintar MRN demonstrou através de uma
rica comunicação não verbal por meio de expressões faciais e olhar a satisfação
em estar tendo a oportunidade de se expressar.
A quarta participante é EAO. Os dados obtidos sobre a história de vida
desta participante são somente do prontuário já que a família não se dispôs a
estar participando. EAO tem 39 anos, é solteira e tem epilepsia com retardo
mental grave. Teve sua primeira crise aos 16 anos quando ficou menstruada pela
primeira vez. O sintoma principal é a agressividade. Chegou a trabalhar algumas
semanas como babá, mas logo teve que se afastar pelo seu adoecimento.
EAO não completou a série de doze pinturas, produziu 6 pinturas. Os dias
em que não participou foi por falta de vontade. A descrição dos desenhos e os
relatos de EAO, obtidos durante a realização das 6 pinturas, estão resumidos a
seguir.
No primeiro desenho, ficou repetindo que não sabia fazer e foi tentando
copiar o trabalho do MRN. Durante todo o trabalho ficou perguntando se o dela
estava certo. Fez várias bolas com pingos dentro e raios em volta de cada uma.
Disse que eram rosas da casinha dela, rosas das que ficam dentro de casa.
Quando terminou disse que sua vontade era de pintar um elefante mas que isso
não sabia fazer. No segundo desenho, fez círculos e raios, um quadrado e os
33
pingos, sempre perguntando se estava bonito. Disse que fez uma flor e o caule.
Os pingos são bolinhas que ela não sabe o que é.
No terceiro desenho, disse que queria fazer um passarinho, mas não sabia
e por isso ficou nervosa. Foi se acalmando e disse que fez uma flor que não
conhecia, que não sabia qual era. No meio do trabalho disse que o JAS terminou
primeiro porque ele é homem e ela é mulher que não sabe fazer as coisas. Disse
que fez um barquinho, que ela fez quando era criança, levou-o na escola e todo
mundo mexeu e acabou quebrando.
No quarto desenho, entrou dizendo que não sabe fazer nada, que já rezou,
se ajoelhou para ter paz. Disse que não quer participar e que é para deixá-la em
paz. Pegou um pincel e o esfregou com força no papel, dizendo que não sabe
fazer nada, jogou o pincel ao lado e saiu da sala.
No quinto desenho, após ter sido convidada a participar, disse que queria
fazer um elefante, mas durante o desenho disse que estava fazendo um cavalo ou
uma vaca e quando terminou disse que era um cavalo, que se chamava Reno.
Disse que queria ter feito um elefante do circo, que era verde, amarelo e marrom,
que havia visto faz tempo quando foi ao circo com umas amigas da escola.
No sexto desenho, entrou falando que não sabia como era uma cabrita, que
então não poderia desenha-la. Disse que fez uma florzinha, uma coisa, uma
árvore (triângulo com ER), uma bola flor, um broto que vai nascer e um não sei o
que. Depois de fazer vários números, disse que gostaria de ir a escola também
mas que ninguém a levava, “peço para me levarem, minha mãe prometeu para
semana que vem, sabe, nunca fui a escola”.
Durante as atividades, esta participante reclamou que estava cansada de
pintar. Um risco possível da pesquisa é o cansaço, advindo da realização semanal
das oficinas. Embora os participantes já estejam habituados a esse ritmo de
trabalho da Oficina de Pintura (ano de 2002). A queixa foi a de não estar com
vontade de estar participando semanalmente. Então, foi dada a ela a possibilidade
de não ter o compromisso em continuar a participar ou de participar de forma
esporádica de acordo com sua vontade.
34
4. DISCUSSÃO
Os dados obtidos mostram que somente dois participantes completaram a
série de doze pinturas, JGS e MRN. Os participantes EAO e AR não completaram
a série por diversos motivos, como falta de vontade em participar, não querer
estabelecer um compromisso de freqüentar as oficinas semanalmente ou mesmo
por ter faltado no dia em que a atividade estava marcada para acontecer.
AR
De uma forma geral, os dados obtidos na anamnese e na pintura de AR
coincidem, pois ambas expressam seus sentimentos de inconformidade em
relação à doença, o que gera angústia. Em relação aos outros participantes,
aparentemente, AR é o que está mais em contato com a realidade, talvez por ser
o mais novo, estar a menos tempo submetido à medicação antipsicótica e,
conseqüentemente, sofrer menos efeitos colaterais dos mesmos, e também
porque nos sintomas que ele relata existe a predominância de sentimento de
solidão, angustia e tristeza. Estes fatos permitem a ele este ligamento com a
realidade, supõe-se que este sentimento de inconformidade persista por causa
deste quadro.
Durante a aplicação a anamnese, AR respondeu a todas as perguntas com
um bom nível de consciência sobre o seu estado, apesar de acreditar que está em
tratamento porque tem depressão. As impressões em relação ao seu
comportamento durante a entrevista foram de ansiedade, pressa e por isso foram
obtidas respostas curtas. O mesmo pode-se observar em relação a sua
participação nas oficinas, que têm como conseqüência algumas de suas faltas,
pois mostrava não ter paciência de permanecer em uma sala esperando o material
ou o início das atividades.
Outras faltas de AR aconteciam por falta de vontade em participar, já que
muitas vezes ele estava no local e se decidia por não pintar. Podemos analisar
essas faltas como conseqüência do conteúdo que emergiu, a partir da pintura. Os
relatos de AR eram de angustia, sentimento de solidão e de isolamento em
35
relação ao mundo, assim como AR declara como sendo estes seus sintomas
principais levantados pela anamnese.
Durante os relatos obtidos a partir dos desenhos, o que aparece são
histórias de sua vida como, por exemplo, a vida isolada em São Paulo e a
mudança para São Carlos, o acidente sofrido com a bicicleta, o problema em
tomar remédios e a necessidade de saber quando estará curado, ou seja, a
negação do estar doente, pois ele mesmo em um de seus relatos, se questiona se
ele deve se acostumar com esta situação.
AR, segundo o seu psiquiatra, tem transtorno psicótico agudo, que se
caracteriza por sintomas psicóticos agudos como início súbito de delírio, como ele
mesmo relata em uma de suas pinturas e nas respostas à anamnese, quando
conta que vê “luzes de Deus” ou que vê uma “capinha do demônio”. Outro sintoma
é a instabilidade emocional com turvação da consciência que está presente em
sua fala, quando ora está angustiado, triste, sozinho e ora está alegre, no céu com
Deus1.
Em seu penúltimo desenho, AR relata que fez um barco que está indo para
o inferno e que ele está sozinho neste barco; com este desenho, podemos
perceber o nível de angustia que este participante está enfrentando. Seria
prematuro tentarmos analisar profundamente os dados obtidos com AR, já que
não é possível obter deste participante uma série completa de pinturas.
EAO
A participante EAO nos mostra em seu relato após os desenhos, que ela se
sente inferior aos homens por ser mulher e também incapaz de realizar tarefas por
este mesmo motivo. Segundo o prontuário, a primeira crise ocorreu justamente
quando EAO ficou menstruada pela primeira vez. Ao pensarmos que a
menstruação é um símbolo da passagem de menina a mulher, podemos entender
que exista alguma relação entre este fato e o adoecimento de EAO.
1 O que indica um quadro de esquizofrenia é o fato de não haver a remissão destes
sintomas após no máximo quatro semanas, como indica o CID-10.
36
Os desenhos de EAO são geralmente de vegetais, principalmente as flores,
apesar da intenção desta ser de desenhar animais, como algumas vezes
manifesta em seu relato. Em um dos desenhos acaba pintando um elefante que se
torna uma vaca e vice e versa. De uma forma geral, podemos pensar que o fato
de EAO desenhar animais e vegetais indica que sua forma de representação
ainda é primitiva, até mesmo infantilizada, pela maneira como ela reage ao mundo
externo, pois quando quis dizer que não queria participar semanalmente das
oficina, EAO fez “birra”, ao pegar o material e, ao invés de pintá-lo, estragou-o. A
mesma impressão se mostra quando EAO relata que quer voltar a estudar e que
ninguém a leva, e que agora sua mãe prometeu que vai fazer isso por ela.
Essas reações apontam para a permanência de um estado de dependência
em relação a mãe e também de permanência em uma fase infantil, a qual EAO
demonstra não estar preparada ou não ter vontade de ultrapassar. Quando o seu
corpo lhe mostra que irá se tornar adulta, através da chegada da menstruação que
também já aparece em um momento bem atrasada, já que a média para o início
da menstruação é por volta de 12 anos, esta reage com agressividade e
isolamento em relação ao mundo.
Em função da falta de informação sobre a história de vida de EAO e
também por não ter uma série completa, não é possível discutir com maior
profundidade este caso ou até mesmo fazer uma análise crítica afim de
chegarmos a algumas conclusões.
JGS
Sobre a anamnese de JGS, no momento em que foi necessário coletar
dados sobre a família, o paciente teve grande dificuldade em falar sobre as idades
de seus pais e seus irmãos. Num primeiro momento, ele atribuiu aos pais uma
idade muito próxima a de seus irmãos, sendo que, para ele, a diferença de idade
do irmão mais velho e de sua mãe era de um ano. Quando questionado sobre este
fato, ele se corrigiu (sempre tomando por referencia a sua idade), dizendo que
esta diferença era de nove anos para mãe e oito anos para o pai. Questionado
novamente, ele afirmou que sua mãe havia tido seus filhos bem cedo.
37
Na etapa final da anamnese, em que foi preciso descrever a historia
familiar, relatou que os pais haviam falecido há pelo menos 15 anos. A partir disso,
infere-se que ele parou de contar a idade de seus pais após o falecimento dos
mesmos, fato que demonstra que seu raciocínio está descontextualizado.
O paciente apresenta discurso fragmentado e incoerente. Descreve
alucinações auditivas. As vozes não conversam entre si e, segundo o paciente,
não vêm do radio e nem da Igreja e sim quando está no meio das pessoas ou
quando liga a televisão. Percebe-se que as vozes são amigáveis, mas tem um
discurso que exerce controle sobre o comportamento do paciente, na forma de
colocação de regras. Foi possível perceber, a partir da expressão facial do
paciente, quando interpretava a voz, um certo preconceito das vozes ao chamá-lo
de “negrão”.
O discurso se mostrou incoerente quando foi questionado sobre o inicio de
seu tratamento e também em relação aos seus sintomas. O paciente acredita que
o problema começou e persiste devido a um tratamento odontológico. Por este
mesmo motivo, ele relata que se isolou socialmente pela vergonha em conversar
com os outros com os “dentes estragados”.
O paciente relata que quando foi fazer o tratamento odontológico, não sabe
como, foi encaminhado para uma médica, que de acordo com J.G.S., disse que a
cabeça dele não funcionava mais, e quando acordou estava em um hospital com
um psiquiatra.
Apesar de demonstrar não saber o real motivo de estar sendo atendido no
CAPS, JGS demonstra saber que medicamento toma, qual a dosagem e que
servem para seus problemas na cabeça.
O episódio em que relata sobre quando foi tirar carta de motorista mostra
que o paciente não estava em contato com a realidade, ao acreditar que neste
momento sua psicóloga estava no local e que um homem armado pulou sobre o
carro. Além disso, ele viu seu nome escrito em vários carros e quando questionou
o porquê, obteve a resposta de que era uma homenagem a ele. Através da
anamnese com a cunhada TS de JGS, sabemos que esta história não é real pois
38
JGS não chegou a tirar carta, inclusive porque os sintomas de isolamento se
iniciaram aos 17 anos.
Em relação ao diagnóstico, seria prematuro defini-lo, seria importante
continuar coletando mais informações para obter uma avaliação completa. No
entanto, os dados obtidos indicam um possível quadro de esquizofrenia, já que
existem vozes alucinatórias, que comentam sobre seu comportamento, além de
sintomas negativos como: apatia marcante, pobreza de discurso e incongruência
de respostas. No que se refere aos subtipos desta patologia, não podemos
diagnosticá-lo como paranóide, já que não relata um delírio circunscrito, nem
mesmo catatônico, por não apresentar perturbações psicomotoras proeminentes.
A idade em que apareceram os primeiros sintomas pode ser um dos
indicativos de esquizofrenia hebefrênica. Outros indicativos para este diagnóstico
seriam: presença de maneirismo - decora números, pois em dois momentos
durante a entrevista fala sobre seus números de inscrição em prontuários dos
vários serviços que utilizou – e expressões faciais repetitivas – observadas
durante a entrevista; alucinações fragmentadas; afeto superficial; discurso
incoerente, além da tendência ao isolamento.
A série de pinturas coincide com os dados obtidos pelas anamneses de
JGS e TS, sua cunhada. A comparação das pinturas nos mostra uma passividade,
já que não apresenta pinturas carregadas, cheias de formas indefinidas, sem
espaços brancos, o que coincide com a voz que JGS escuta, pois esta se mostra
como uma tentativa de autocontrole externo, ou seja, afastada do ego.
De uma forma geral, a série de desenhos aponta para a necessidade de
encontrar o seu eu. Mostra-se a necessidade de deixar uma marca; pensando no
desenho do logotipo, pensando na lista de nomes, pensando no coelhinho da
Playboy, no símbolo do time de futebol, nota-se que ele está buscando uma marca
própria, porque ele não tem marca, ele não é. Na psicose não existe o desejo
porque a pessoa não existe. O desejo é aquilo que representa o querer; então se
uma pessoa não é, ela não tem querer. A seqüência aponta para uma
necessidade de deixar uma marca vazia, do vazio, do não ser.
39
Ele se representa como a doença, no desenho em que coloca o J no meio
de uma seringa é como se ele entendesse sua existência através desta doença. A
loucura não é linear, a psicose é a desorganização, por isso a dificuldade em
encontrar uma fala coerente, e a importância em buscar o que está querendo ser
dito através das imagens.
A coerência está no sentido do ser através da doença. Quando ele desenha
imagens mais organizadas, mostra-se a relação com a monitora da Oficina. É uma
transferência; no caso, parece que a monitora é uma pessoa que está sendo
organizadora, que permite que ele se expresse, que está favorecendo o seu
processo de organização. Portanto, essa ligação acontece de uma forma
organizadora, pois o vínculo transferencial é de organização, como se a monitora
fosse a pessoa que desse a oportunidade a ele de se representar.
Pode-se dizer que ele sente que o pintar é que faz a diferença, é no pintar
que está a possibilidade de representação. Outro aspecto importante é que,
apesar da estranheza em seu relato, ao pintar ele tem o seu estilo. Esse estilo
parece estar baseado no ser gráfico, em função dos relatos que algumas vezes
retomam sua história como gráfico e também nas marcas nos cantos da folha,
apresentadas na maioria de suas produções, que segundo ele, é o ligrão das
placas que um gráfico usa para trabalhar. Considerando que ele se situe a partir
da sua profissão, podemos pensar que esta é a sua referência, ou seja, que ele se
orienta a partir do ter sido gráfico em uma vida saudável. Portanto, a necessidade
seria entender quem ele é agora, enquanto doente, já que não pode exercer sua
profissão.
MRN
As anamneses com a cunhada e mãe de MRN apontam para
características particulares desta família. Com os relatos, percebe-se que a família
existe em função da doença, já que o pai morreu de derrame quando MRN tinha
12 anos, em seguida a irmã MRN e o participante MRN apresentaram sintomas de
esquizofrenia, o irmão JSN teve um problema no estômago e por isso é afastado e
a mãe teve derrame cerebral há seis anos. Restam, então, o irmão JRN que não
40
tem contato com a família e o irmão WSN, o qual possui uma relação forte com
MRN, segundo a cunhada EN e os desenhos apresentados por MRN.
Outro indicativo desta situação é a divergência apresentada entre os dados
obtidos nas anamneses da cunhada EN e a mãe, como por exemplo, na idade de
MRN, endereço, idade dos irmãos, etc, ou seja, a mãe não sabe informações
básicas como as de identificação, o que nos leva a supor, entre outras coisas, a
possibilidade de retardo mental da mãe, já que segundo EN, ela sempre foi assim,
mesmo antes do derrame cerebral.
Existe uma concordância entre as familiares em relação ao início do
surgimento dos sintomas. Estes surgiram com o término do namoro de MRN e a
posterior visita a MRN desta ex-namorada vestida de noiva com o seu futuro
marido. Os sintomas que surgiram foram o isolamento, a fala confusa e conversar
sozinho. Segundo a cunhada, MRN sempre foi uma pessoa quieta, isolada, tímida
e que com a doença ele passou a não conseguir sair de casa e ter medo de ser
preso.
Estas características nos levam a pensar que um possível diagnóstico deste
participante seja a esquizofrenia do tipo simples, pois não pode ser residual já que
a comunicação não verbal não é pobre, e a característica principal é a
incapacidade de atender as exigências da sociedade e um declínio do
desempenho total com o desenvolvimento de sintomas como embotamento afetivo
e falta de volição. Sintomas francamente psicóticos como a presença de delírios e
alucinações não são evidentes, pois MRN, apesar de conversar sozinho, não
relata para as familiares que esteja escutando vozes, por exemplo.
A comparação dos dados obtidos nas anamneses e nas pinturas, de uma
forma geral, mostra que deve existir uma atividade interna intensa, pela dinâmica
apresentada nos desenhos, através do papel rasgado, dos cantos dobrados, da
bolinha que tem uma função no desenho, etc.
Antes de iniciar a oficina fechada, sua participação na oficina aberta se
limitava a produções recheadas de figuras geométricas, fato que mudou a partir de
sua participação na oficina deste projeto, já que a série de produções aponta para
a repetição de figuras simbólicas como a árvore e a chuva.
41
A relação que ele estabelece com o pintar nos faz pensar que ele encara os
objetos como se tivesse uma vida animada, como se a vontade dele não
dependesse só dele, mas do pincel, da tinta, como se a vida destes objetos fosse
desconectada da dele. As figuras geométricas quando pintadas, podem ser
consideradas como representações, que não estão embutidas de afeto.
Nos desenhos, a bolinha vai controlar a qualidade do desenho, o que se
repete em outros desenhos, assim como o rasgo que não vai deixar o desenho se
perder. Podemos perceber que o participante está sempre em busca de uma força
reguladora, que se expressa através de rituais, ou seja, ações que têm a intenção
de realizar desejos que muitas vezes vão além das possibilidades de poder
daquela pessoa.
O fato de existir uma assinatura com o seu nome, na maioria das pinturas,
mostra uma certa identidade pessoal. O quarto desenho, no qual ele conta a
história da surra que levou por ter tomado chuva, mostra a preocupação da mãe
por ele, dando significado a sua existência e também o medo da chuva como uma
certa noção do que é o bom e do que é ruim.
O risco vermelho deste mesmo desenho, assim como outros riscos
divisores, presentes em outras pinturas desta série, apontam para a necessidade
do desenho ser sempre dividido, como se também tivesse a necessidade de se
orientar entre o lado de lá e o lado de cá, o ser e o não ser através de um
orientador externo. No desenho intitulado por ele como família, podemos inferir
que assim como o pensamento se esvai, ele tem que colocar limite no desenho
para que não fuja, como o próprio pensamento. Aparentemente surge a
possibilidade de ele não conseguir ter nada de concreto.
Outro aspecto que surge na repetição do desenho da árvore é a
necessidade de ter esta árvore presa na terra para estar segura. A árvore tem que
fixar, a folha tem que rasgar, tudo depende do externo, para que se mantenha.
Novamente, a falta da noção de concretude, mas se ele pinta, desenha, a idéia vai
ficar presa no papel, caso contrário é como se tudo fosse deixar de existir.
No oitavo desenho no qual ele faz o arco que protege a árvore da chuva,
ele também coloca o seu primeiro nome do lado em que existe a proteção.
42
Podemos pensar o quanto ele não se identifica com esta árvore que precisa ser
protegida e que precisa prender bem senão ela voa com o vento, a mesma coisa
ele, que precisa de alguma coisa palpável porque senão ele se esvai. Podemos
até pensar no significado da relação como a forma que ele está usando para se
relacionar com o mundo real, palpável e saudável, que está prendendo ele a
realidade.
No geral, a série de árvores indica uma busca pela proteção, uma
necessidade de controle, para não cindir. O subjetivo parece não ter uma relação
com o real, pela visão externa bizarra que ele apresenta, ao mostrar uma defesa
do ego que age para manter um mínimo de representação, mas age de forma
incoerente, quando consideramos que o significado desta série, mostre ele como a
árvore que precisa de proteção contra os males externos, simbolizado pela chuva
e o meio de se proteger é a construção de uma barreira que o separe do mundo
externo, pensando assim, podemos entender que ele se encontra desconectado, e
o esforço é para tentar se conectar, mas a compreensão é distorcida. É como se
ele não conseguisse definir quem é ele, então precisa de alguma coisa a mais
para poder ser. E, no caso, podemos pensar que esta existência vem acontecendo
pelo irmão que existe e ele não.
Este fato pode ser entendido ao pensarmos no desenho da família em que
o seu nome aparentemente pode ser confundido com a palavra “morto”. Não é
possível sabermos o quanto este fato foi intencional ou não, o que não nos impede
de pensarmos na existência de uma ligação com a história da família.
A mãe relata que teve dois filhos que morreram quando bebês. Podemos
considerar que a própria escolha do primeiro nome de MRN, tão facilmente
confundível com Morto, pode estar de alguma forma relacionada a história de vida
do participante ao pensarmos no fato que o nome escolhido já traz um expectativa
em relação a vida daquela criança, como apontou Françoise Dolto em seu livro
Inconscientes e destino. Neste caso, existe a possibilidade desta expectativa ter
sido de entender a vida do filho que morreu através da vida do filho que nasceu,
fato que pode estar relacionado com a gênese do estado psicótico, pois a psicose
é a não vida.
43
De uma forma geral, através dos relatos da mãe e da cunhada do
participante, a família parece que existe através da doença, e só o irmão Wilson,
está “vivo” pois consegue ter uma família, trabalhar, ou seja, estar produtivo. E,
aparentemente, é esta relação que o mantém conectado à realidade, ou seja,
através do elo com este irmão, podendo concluir que, como na maioria dos
desenhos em que a figura do irmão é representada, existe a necessidade de
separação entre eles, como se essa relação tivesse que constantemente ser
marcada a partir das diferenças, existe uma dificuldade em se separar do irmão,
separar quem é ele, quem é o irmão, já que usa do irmão para se ver, se
reconhecer.
No caso do desenho do relógio, podemos pensar o relógio como um
instrumento que marca um tempo, como se a relação dele e a do irmão estivesse
baseada em tempos diferentes. Neste mesmo desenho, ao desenhar o objeto de
medição que depois vira um pulso, surge a questão de uma relação de confiança,
como se ele estivesse querendo comprovar ver se o que a monitora está
oferecendo a ele é de confiança e se entra em concordância com o que ele quer
fazer ou o que tem para dar à monitora. Podemos apreender ainda que, neste
desenho, ele avalia a relação da monitora com ele. Se ele pode estar confiando
nesta relação estabelecida e também em como está ocorrendo esta interação, que
para ele, neste momento, tem se mostrado importante e prazerosa.
No trabalho com pinturas de esquizofrênicos existe a necessidade de se
tirar o máximo de representações possíveis dos desenhos produzidos, pois o
objetivo é que a pessoa expresse aspectos pessoais em sua produção, represente
coisas da sua própria vida, que fazem um sentido para ela, e qual a emoção que
está associada a isso. A interpretação feita, muitas vezes não importa, e para os
participantes não faz nenhum sentido; o importante é o que ele quis expressar.
44
5. CONCLUSÃO
A conclusão será baseada na discussão dos dados dos participantes JGS e
MRN, obtidos a partir da aplicação da anamnese, da comparação da série de
pinturas e dos relatos dos participantes após cada sessão da oficina de pintura, já
que somente estes dois participantes produziram a série completa de pinturas,
fornecendo assim maiores subsídios para as conclusões tiradas aqui.
Os desenhos de JGS se baseiam no “ser gráfico” o que justifica imagens
que nos indicam uma percepção mais apurada da realidade, mais do que muitos
trabalhos de esquizofrênicos costumam mostrar, inclusive mais que os de MRN.
Por exemplo, no desenho de uma nota de um real, JGS desenha os dez números
entre as letras A e B, que todas as notas de dinheiro possuem. Essa observação
apurada, em um primeiro momento, poderia ser entendida como um traço
obsessivo de perceber o mundo, mas ao considerarmos esta forte ligação, que é o
tempo toda expressa nas pinturas, com o “ser gráfico”, podemos concluir que este
detalhamento venha desta atividade que JGS costumava desenvolver.
Na série de pinturas podemos analisar a evolução da escolha de como
colocar seu nome, na forma de rubrica ou com o primeiro nome inteiro, como
tentativa de busca por uma identidade, já que podemos inferir pela repetição de
modelos que retomam a profissão de gráfico (logotipo, coelho com ligrão, bandeira
com marcas para segurar a placa de gráfica) que sua identidade saudável é a do
ser gráfico,pois foi o ápice que sua estrutura pôde vivenciar antes do adoecimento
e hoje, que não é mais gráfico, quem é ele?
Podemos perceber nesta série a presença de três mandalas: o distintivo do
time, o vinil e a bandeira. O termo mandala é usado para descrever as
representações de si mesmo, o arquétipo da totalidade. A mandala é uma forma
de produção freqüente no campo das artes, arquitetura, jardinagem e nos sonhos,
também aparece em desenhos de esquizofrênicos. Segundo Jung (1968), a
verdadeira mandala é uma imagem interna, é gradualmente construída através da
imaginação e é representada, na maioria das vezes, quando existe um distúrbio
45
psíquico. São figuras que parecem configurar as imagens inconscientes e estão
afastadas de uma intenção consciente.
Jung (1968) relata que, com seus estudos sobre a mandala, chega à
conclusão que a repetição dessas imagens não são sugeridas a ele por sua
fantasia, mas sim produzidas na forma de desenhos, pinturas, esculturas, etc.
espontaneamente, em todos os lugares do mundo e por todas as pessoas, assim
como pelos seus pacientes.
Existem inúmeras variáveis que motivam o aparecimento da mandala. A
motivação que Jung considera básica é a premonição de um centro de
personalidade, um tipo de ponto central com o qual a psique se relaciona. O
aparecimento do desenho da mandala está ligado a um rearranjamento da
personalidade que envolve a criação de um novo centro; por isso a mandala
aparece conectada com o estado caótico da psique, com momentos de
desorientação ou sonho, assim a tentativa é, ao pintar uma mandala, alcançar
uma redução do nível de confusão mental em direção a ordem, embora esta não
seja a intenção consciente do paciente.
A mandala, segundo Jung, apud Nise da Silveira (2001), expressa a
existência de um individuo, simboliza um princípio organizador que existe dentro
dele, o self, é a resistência de um centro organizador em meio à confusão da
consciência. O self é definido por Jung, apud Edinger, como o centro da
circunferência da psique e incorpora os opostos dos arquétipos femininos e
masculinos.
Podemos concluir que a expressão de mandalas de JGS, junto à
incoerência e confusão mental que este apresenta nos seus relatos, indica que,
apesar da aparente fragmentação do ego, o seu centro organizador, o self,
permanece ativo na busca pela organização.
As pinturas do escrito desejando “Feliz Natal e Próspero Ano Novo”, da lista
de nomes e da moldura amarela, podem indicar a necessidade de adaptação ao
mundo externo, pois são imagens que retratam o senso comum, e para ele, que
está afastado da realidade, seria a tentativa de enquadrar-se.
46
O desenho do logotipo vem junto com um relato da morte do pai de JGS.
Podemos concluir que este desenho simboliza a morte do arquétipo do pai, pois
segundo JGS, o pai morreu no hospital São Judas Tadeu, mas o pai real morreu
no hospital Amaral Carvalho.
O arquétipo do pai espiritual pertence ao reino da luz e do espírito. É a
personificação do princípio masculino da consciência. Seu aspecto positivo se
mostra na lei, ordem, racionalidade, compreensão, etc., e os aspectos negativos
são a alienação da realidade concreta, estado de confusão e geração de
pensamentos grandiosos de transcendência. A morte do pai interno, do arquétipo
do pai, representa o abandono, a desproteção, a falta de ordem, de regra e de lei,
o que nos leva a concluir que a expressão é da própria dominação da loucura
sobre o são, o que levaria à perda da identidade.
As figuras de animais - o coelho e a jaguatirica- estão ambas associadas à
figura feminina, pois uma é o símbolo de uma revista de mulheres nuas e a outra é
a gata que pertence a sua sobrinha. Os animais escolhidos possuem a
semelhança da textura felpuda que pode estar ligada à representações primitivas
da anima, já que são figuras que provocam a sensação de sensibilidade afetiva e
uma certa ternura no tato. Segundo Jung (1968), o gato no mundo interno do
homem, configurado por vários autores, pode tanto simbolizar qualidades
específicas masculinas como a imagem interna de uma mulher no homem: a
anima.
A anima seria primitiva pela própria escolha de JGS em representar figuras
femininas em forma de animais. A anima se encontra sexualmente em um nível
primário de desenvolvimento graças ao bloqueio na possibilidade da vivência da
realidade, como conseqüência do início do adoecimento.
A única figura feminina desenhada é a monitora, traçada com boa noção de
realidade, de composição e de adequação, o que podemos entender como a
presença de uma objetividade, de estrutura e uma forte ligação que ele possui
com a monitora, pode-se inferir que foi criado um vínculo, o que, segundo Nise da
Silveira, é essencial para o aspecto terapêutico da oficina de pintura.
47
A conclusão é que a personalidade de JGS está dominada por conteúdos
inconscientes, característica, segundo Nise da Silveira, recorrente em estados de
esquizofrenia. A busca pela permanência de uma organização mínima através do
self se mostra presente. Em função dos aproximadamente 25 anos em que este
paciente vem tomando antipsicóticos, assim como desenvolvendo sintomas da
esquizofrenia, a fala não tem sido uma boa forma de comunicação, principalmente
pela constatação de que a fala desorganizada e incoerente tem sido a
característica principal do seu quadro psicótico.
Entretanto, a sua participação nesta oficina de pintura mostrou a empatia
deste paciente por esta forma não verbal de comunicação, pois nesta atividade
JGS participou assídua e ativamente. Entendendo a expressão na forma de
pintura, como uma tentativa de comunicação através da simbologia apresentada,
e baseada nos resultados, a conclusão é que a ligação de JGS com a realidade,
assim como sua percepção do mundo, está baseada na atividade produtiva, ou
seja, na sua profissão de gráfico.
Então, podemos indicar que há, para este paciente, a possibilidade de uma
intervenção bem sucedida com base em sua motivação para realizar atividades
com temas ligados a profissão de gráfico ou relacionado a ela. Uma possibilidade
é a participação em uma oficina de produção de estamparia, que o tornaria
novamente produtivo, e poderia possibilitar a JGS a construção de uma nova
identidade. Esta intervenção seria mais eficaz se houvesse a possibilidade desta
atividade ser realizada em grupo, com a presença de uma monitora que propicie o
estabelecimento de um vínculo afetivo, já que estamos considerando a partir do
seu primeiro desenho, e outros já descritos, que este vínculo estabelecido com a
monitora da Oficina de Pintura tenha motivado JGS a realizar suas produções.
Uma característica singular que aparece nas pinturas de MRN é a
constante necessidade de desenhar bolinhas que não deixem o desenho ficar feio
ou se perder, ou até rasgos nos cantos das folhas também com esta função.
Neste caso, MRN demonstra que acredita que o fato dele desenhar uma bolinha,
48
por exemplo, pode fazer um desenho não se perder, ou seja, ele faz ligação de
ação e reação que não tem coerência com a vida real, como uma forma de ritual.
Segundo Nise da Silveira (2001), a psicanálise descobriu que a atitude e o
comportamento mágicos podem ser encontrados em todas as neuroses. Freud
investigou particularmente a neurose obsessiva, criando o conceito de onipotência
das idéias – fantasia de que os pensamentos e desejos do indivíduo seriam
fatalmente acompanhados de sua realização. Seus atos obsessivos teriam o
poder de afastar as ameaças que o atormentam, daí repeti-los constantemente.
Essa atitude e as superstições que dominam sua vida, diz Freud, mostram
como esses doentes se acham próximos dos selvagens, que acreditam poder
transformar o mundo exterior por meio de suas idéias e atos mágicos. Enquanto o
neurótico, se não realiza um ritual, sofre e os substitui pela angustia, o psicótico
substituiria um ritual que lhe era impossível praticar por outros, transferindo
facilmente o poder mágico para outro ritual, no caso, rasgar a folha, ou fazer
bolinhas, etc. Alguns estudos sobre rituais mostram que existe uma ligação com
os arquétipos, que estabelece uma estreita ligação entre configurar imagem e
disposições para a ação.
Sintomas de esquizofrenia são a emergência de impulsos arcaicos em
conjunção com inegáveis imagens mitológicas. O ritual dramatiza as ocorrências
vivas de significação arquetípica. Na sintomatologia da esquizofrenia verifica-se
uma mistura de conteúdos pessoais e coletivos, com predominância dos símbolos
coletivos. As emoções se configuram através de imagens simbólicas muito
próximas dos mitos e rituais. Essa é a linguagem da psique inconsciente.
O estudo da história das religiões mostra que rituais são usados sempre
que se impõe a necessidade de lidar com os deuses e com as forças que as
divindades desencadeiam, ou seja, com as imagens arquetípicas de alta carga
energética que representam.
Em linguagem psicológica Jung, apud Nise da Silveira, interpreta os rituais
como recursos instintivos de defesa para apaziguar a ansiedade diante das
grandes forças originadas na profundeza do inconsciente. “Os rituais constituem
represas para conter os perigos do inconsciente. Com esse objetivo, o homem
49
arcaico construiu instintivamente as barreiras dos rituais, e ainda hoje, em
situações psíquicas de ameaçadora desordem, os mesmos procedimentos são
postos em ação”6.
Podemos concluir que este recurso instintivo de defesa, o ritual, foi utilizado
em suas pinturas ao desenhar as bolinhas, mas também no conteúdo dos
desenhos das árvores que o tempo todo vem acompanhado de uma necessidade
grande de proteção contra a chuva, o que podemos inferir como sendo o meio
externo.
Segundo Jung (1970), uma imagem que aparece freqüentemente entre as
configurações arquetípicas do inconsciente é a arvore, e está ligada aos aspectos
simétricos da forma de uma mandala. Se a mandala é entendida como um
símbolo do self, então a árvore pode representar o self decapitado, num processo
de crescimento. No caso de MRN, pode-se relacionar o self decapitado proposto
por Jung como um self que está mutilado, mas não sem a cabeça e sim sem os
pés, a base. Essa hipótese é baseada na análise da série de árvores pintadas por
MRN que não mostra a presença de raízes na maioria das pinturas. Nas duas
pinturas em que aparece raiz, uma está saindo da copa e não do tronco, ou seja,
está presente mas não funcionalmente e a outra raiz existe porque, segundo relato
de MRN, a árvore precisa estar presa para não se perder no vento, ou seja, a
função de nutrição é colocada de lado.
Podemos supor que a representação da destituição da raiz implica na
indicação da ausência de nutrição adequada, pois não traz firmeza e a chuva,
aqui, pode ser entendida como uma forma de nutrição externa, mas que não pode
ser recebida ou aproveitada já que não existe a base, a raiz.
Assim como os símbolos arquetípicos, o símbolo da árvore tem sido
estudado para entender a repetição de significado. A deusa, como a árvore,
proporciona alimento, sombra, proteção. Exprime vida, geração, crescimento,
qualidades que a faziam adorada na antiguidade.
6 Da Silveira, N. O mundo das imagens, Rio de Janeiro: Editora Ática, pág. 98
50
Entendendo a nutrição como uma função materna, podemos concluir que
existe uma aparente ausência da função materna no desenvolvimento psíquico de
MRN, hipótese que pode ser confirmada através do estado confusional
demonstrado pela mãe no momento da anamnese.
Considerando a repetição da imagem da árvore como a tentativa de
expressar a falta de um self estruturado e o uso de ações ritualísticas como a
necessidade em estar buscando apaziguar a ansiedade diante das grandes forças
originadas na profundeza do inconsciente, podemos supor que nesta série MRN
tenta expressar que as forças instintivas do inconsciente coletivo estão dominando
a consciência, que por sua vez, não tem um ego ativo e nutrido para resistir a esta
invasão.
A análise da série indica que a percepção de MRN de sua situação psíquica
existe, já que ela aparece representada nas pinturas, mas esta percepção
dificilmente poderia ser expressa a partir de uma comunicação verbal, mas a partir
da pintura essa comunicação foi possível. Assim, uma intervenção terapêutica
com MRN deveria se basear em oficinas expressivas, como a pintura, por
exemplo, já que MRN mostrou, durante este trabalho, prazer em pintar. Uma
oficina como esta proporcionaria a ele a oportunidade de realizar atividades que
envolvessem a criatividade.
Segundo Nise da Silveira (2001), o uso da criatividade é ideal para aquele
que se encontra mergulhado nas profundezas do inconsciente, no mundo arcaico
de pensamentos, emoções e impulsos fora do alcance das elaborações da razão e
da palavra. A autora completa dizendo que os produtos da função imaginativa do
inconsciente retratam o que está acontecendo no espaço interno da psique, sem
disfarce, pois é peculiaridade essencial da psique configurar imagens de suas
atividades por um processo inerente a sua natureza.
A criação seria, então, o meio da energia psíquica tornar-se imagem,
transformar-se em imagem, na busca da autocura através da possibilidade da
criação de identidade, a qual MRN se mostra em um estágio primário, de acordo
com a análise feita em relação a evolução do seu nome na série de pintura. Assim
51
como para JGS, a intervenção de MRN deve garantir a existência de uma figura
de apego, que poderia ser a monitora da oficina de pintura.
Ao final desta análise podemos concluir que as produções advindas de uma
oficina expressiva de pintura são um meio reconhecido de estar se comunicando
com pacientes esquizofrênicos a fim de podemos entender as motivações
individuais para o desenvolvimento do processo psicótico. Somente assim
podemos propor uma intervenção que promova um mínimo de inserção e
adaptação ao mundo real.
Em contraposição ao tratamento farmacológico que, a partir dos efeitos
colaterais dos antipsicóticos, tende a afastar os pacientes da sociedade, a
participação de pacientes esquizofrênicos em centros de atenção à saúde, que
promovam atividades que contenham um objetivo expressivo, tendem a promover
um desenvolvimento de cidadania e autonomia para estes pacientes, tão
estigmatizados.
As propostas aqui levantadas são, tanto para MRN quanto para JGS,
sugestões que podem contribuir para o tratamento destes pacientes, pois uma vez
participantes de oficinas expressivas, segundo Carvalho e Pugliesi (2001), não se
faz tão necessária a interpretação ou interferências dos terapeutas, pois a imagem
traz em si sua significação levando estes pacientes à existência em si.
52
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPRA, F. O modelo biomédico In: O ponto de mutação . São Paulo:
Cultrix, 2001
CARVALHO , M. R. Terapia cognitivo-comportamental através da
Arteterapia . Revista Psiquiatria Clínica, 28 (6), pág: 318-321, 2001
CARVALHO , I. M. A. & PUGLIESI, M. F. Grupo de terapias com
pacientes esquizofrênicos, tendo como instrumento i ntermediário e
desenho livre – uma proposta de trabalho. Texto não publicado. São Paulo:
2001.
DA SILVEIRA , N. Imagens do Inconsciente . Rio de Janeiro: Alhambra,
1981.
______________. O mundo das Imagens . São Paulo: Editora Ática, 2001.
EDINGER, E. Um esboço sobre psicologia analítica . Apostila do centro
de integração e desenvolvimento (CID). São Paulo: Instituto Sedes Sapientae, s/d.
FREIRE, J. M. G. & PEREIRA, M. E. C. A pintura, os desenhos...são
imagens que pedem para serem escritas. Revista Latino-Americana de
psicopatologia fundamental.,IV,3, pág: 11-26,2001.
JAFFÉ , A. O simbolismo nas artes. In: Jung, C. G. O Homem e seus
símbolos . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.
JUNG, C. G. (1968). The archetypes and the collective unconscious.
Volume 9, parte I, of the collected works of C. G. Jung. Princenton:
Princenton University Press. 2 a. Edição.
53
JUNG, C. G. (1970). Alchemical Studies. Volume 13, of the collected
works of C. G. Jung. Princenton: Princenton University Press. 2 a. Edição.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de tran stornos
mentais e de comportamento da CID-10 . Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
REY, F.L.G. Diferentes abordagens para a pesquisa qualitativa:
fundamentos epistemológicos. In: Pesquisa qualitativa em Psicologia .São
Paulo: Thomson-pioneira, 2002.
SARACENO , B. As razões de um interesse, Psiquiatria e Saúde Mental. n:
Libertando Identidades-da reabilitação psicossocial à cidadania possível, Rio
de Janeiro: IFB/TeCorá, 1982.