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VEM VOAR COMIGO

Da Autora:

Sei LáHerman Superstar

Não Há CoincidênciasAs Crónicas da Margarida

Alma de Pássaro Artista de Circo

I`m in Love With a Pop StarNazarenas e Matrioskas

Pessoas Como NósDiário da Tua Ausência

Vou Contar-te Um SegredoA Rapariga que Perdeu o Coração

Português SuaveGugui, o Dragão AzulOnde Reside o Amor

O Dia em que Te EsqueciA Minha Casa É o Teu Coração

Minha Querida InêsO Amor É Outra Coisa

Há Sempre Uma Primeira VezOs Milagres Acontecem Devagar

Mariana, Meu Amor Quando Voltares Para Mim

O Meu Amor ExisteAntes Que Seja Tarde

VEM VOAR COMIGO

Margarida Rebelo Pinto

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.Reprodução proibida por todos e quaisquer meios.

Por vontade expressa da autora, a presente edição não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990.

© 2018, Margarida Rebelo PintoDireitos para esta edição:Clube do Autor, S. A.Avenida António Augusto de Aguiar, 108 - 6.º1050-019 Lisboa, PortugalTel.: 214 149 300 / Fax: 214 141 [email protected]

Título: Vem Voar ComigoAutor: Margarida Rebelo PintoRevisão: Silvina de SousaPaginação: Maria João Gomes,em caracteres RevivalImpressão: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda. (Portugal)

ISBN: 978-989-724-435-3Depósito legal: 447 423/181.ª edição: Novembro, 2018

www.clubedoautor.pt

Para o meu pai, o homem mais querido que conheci.

Para todas as mulheres da minha vida.

Eu quero uma casa no campo(…)

Onde eu possa plantar meus amigosMeus Discos e livros

E nada mais.

Zé Rodrix

A alma só acolhe o que lhe pertence.

Robert Musil

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O amor dá-nos asas, diz a sabedoria popular. Não interessa se é a paixoneta infantil pelo colega de

carteira com óculos de lentes garrafais, se ficamos de bei-cinho pelo primeiro rapaz com quem dançámos na ado-lescência, se é com o homem com quem casamos, ou com um caso antigo que só chega na segunda volta da vida. O amor torna-nos mais fortes, mais leves, empresta- -nos poderes de super-herói. Daí a abrir os braços e a capa para um voo pelo desconhecido, vai um instante. E num instante tudo muda.

Um amor pode começar com uma atracção incontro-lável, um sorriso cúmplice, uma paixão fulminante, ou um conjunto inesperado de afinidades que num golpe de magia aproximam dois corpos, duas cabeças, quatro mãos e dois corações. Como explica Maria, a mais clássica das três mulheres do livro, apaixonas-te quando conheces uma pessoa com quem te sentas à mesa e nunca te apete-ce acabar a conversa. Quando descobres que gostam dos

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mesmos iogurtes e embirram com as mesmas pessoas. Quando no primeiro abraço consegues sentir outro coração a bater junto do teu. Quando todos os ponteiros de todos os relógios do mundo param ao primeiro beijo.

Se a paixão inicial sobreviver aos traumas e desafios de cada um, se superar a rotina, se aguentar as diferenças e os desentendimentos, se as almas se tocarem e se unirem para lá de todos os medos, num tempo fora de todos os tempos, então a paixão pode transformar-se num grande amor. O que acontece quase sempre é ficarmos a meio do caminho. Ou faltou isto, ou aquilo, ou era a pessoa certa no timing errado, ou um desiste, ou o outro teve medo, ou esteve sempre ali e por isso só demos valor depois de o perder. Na verdade, amar é uma prática que requer humildade e curiosidade. Existem muitos tipos de amor e ainda mais formas de amar. Aquilo que resulta com uns não resulta com outros, porque o amor é muita coisa e encerra muitos mistérios. Às vezes aprendemos com os erros, mas quase sempre só aprendemos quando é tarde, ou muito tarde, ou demasiado tarde.

É verdade que homens e mulheres amam de forma diferente. Os homens são intermitentemente sexuais, as mulheres são continuamente eróticas. Os homens ten-dem a separar as diferentes realidades da mesma existên-cia, as mulheres tendem a harmonizar os vários aspectos da sua vida. O coração só acolhe aquilo que lhe pertence, e o amor, para ser amor, tem de ser inclusivo, tem de ser destemido, tem de ser inteiro.

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Este livro é uma reflexão sobre os caminhos do amor neste tempo em que vivemos, contaminado pela sociedade líquida que anseia pela satisfação imediata, que confunde amor com prazer e prazer com felicidade. Inês, Maria e Beatriz vivem com um pé na cama e outro no chão, são mulheres feitas que, ainda assim, podem perder a cabeça quando a paixão aparece ou se reacende. E mesmo presas na rebentação, nenhuma perde a lucidez nem a vontade de chegar a um porto seguro. Afinal, a vida é um eterno regresso a casa, como diz Inês.

São vários os caminhos para alcançar o que mais deseja-mos. Os conformados querem aquilo que sempre tiveram, os visionários imaginam o que ainda não foi alcançado. Existe um visionário no coração de cada homem apaixo-nado, existe uma guerreira na alma de cada mulher que se entrega ao amor. Todos sentem a vertigem, mas nem todos percebem que o mais importante não é a queda, é a aterragem.

Depois dos 40, aprendemos a voar mais alto. Talvez ainda nos falte aprender a aterrar com leveza e graciosidade, sem partir as asas, porque a vida não vem com para-quedas, a rede nem sempre é segura e às vezes nem existe. Ainda assim, vale a pena arriscar, vale a pena voar, vale a pena acre-ditar que no momento certo o voo pode ser perfeito e levar--nos ao porto de abrigo que tanto desejamos e merecemos.

Margarida Rebelo Pinto Paço d’Arcos, 12 de Outubro de 2018

inÊS

A sonhadora

Signo CaranguejoAscendente GémeosCores preferidas Branco e azul-turquesaFilhos Duas gémeas de 21 anos,

Leonor e Amelinha

Profissão Escritora e argumentistaEstado emocional temporário

Frágil

Estado emocional permanente

Sólido

Maior qualidade Nunca desistir daquilo em que acredita

Pior defeito Nunca desistir daquilo em que acredita

Lema de vida Tudo o que não é dado, perde-se

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O monstro amoroso

Sempre que não consigo mudar de vida, mudo de casa. Descobri a eficácia deste paliativo geográfico quando me separei do Alexandre, ainda as gémeas eram pequenas. Passámos de dois pares problemáticos a um triunvirato feliz que, com os anos, se transformou num pequeno Gineceu. Elas foram crescendo sem presenças masculinas cá em casa, com excepção do Eduardo, até caíres de pára--quedas no meu coração.

Entretanto o tempo voou e já estão na universidade, uma apaixonada por teoremas e equações e a outra diluída em belas-artes. A Leonor, com o meu feitio, afável e sonhadora; a Amélia, torta e resmungona como o pai.É a lotaria genética. Ambas ruivas, puxam a mim, mas ainda com mais sardas e, quem sabe, mais fogo dentro do peito.

Os namoradinhos sucedem-se em catadupa, parece que vivem numa competição tácita, mudam com muita

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rapidez. Sempre que aparece com uma nova conquista, a outra imita-a. Quando pergunto se é alguma coisa séria, riem-se as duas em estéreo e respondem:

— A mãe acha?!Tento não me preocupar com o assunto, são ainda

muito novas, andam a divertir-se, deve ser o reflexo da tão falada sociedade líquida. Com a idade delas já era muito mais intensa. Nunca mudei. Talvez me tenha tor-nado mais leve, mas a intensidade foi sempre o meu ponto forte. Ou o meu ponto fraco.

Ainda tenho saudades tuas. Quando estamos a jantar, eu de um lado da mesa e elas do outro, apanham-me a olhar de soslaio para a cabeceira. Às vezes perguntam-me se temos falado. Sem levantar os olhos, respondo que não sei de ti há meses e mudo imediatamente de assunto.Não lhes digo que deixei de te procurar porque não me procuravas, cansei-me de viver esta paixão sozinha. Depois de meses de desatenção crónica, desisti. O meu purgatório particular chegou ao fim.

O pior foi desligar o corpo, aplacar a vontade, fazer do monstro amoroso um cordeiro mudo e paralítico. No início, entregava-me ao planeta dos prazeres solitários onde o desejo se mata com técnicas apuradas. Apesar do empenho e convicção, nunca voava, não sei voar sozinha e tu foste o meu único astronauta qualificado. Devagar, muito devagar, o tempo foi apagando tudo. Dizem que o desejo nas mulheres diminui ao fim de um ano de abs-tinência, talvez tenha sorte.

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Quando mudar de casa tudo será mais leve e simples. Dormirei enfim num quarto onde nunca respiraste, e da janela que nunca viste, irei olhar para o mar todas as ma-nhãs. A casa tem lareira. Nunca acendemos uma lareira juntos, passámos Invernos clandestinos, mas isso nunca fizemos.

Sempre que me assaltas o espírito, temo que o fogo se reacenda, acho que vai ser assim até ao fim da vida. E sei que tu também tens medo. Não sei de ti há que tempos, mas tenho a certeza de que também o sentes a arder debaixo da pele.

Longe ou perto, o fogo arde dentro e fora do peito, sem nunca se apagar. Longe ou perto, as cinzas queimam o espírito e a carne. Longe ou perto, o coração sente sem-pre quando outro coração está longe ou perto.

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Queres esquecer alguém?Muda tudo o que puderes. Começa por mudar de

perfume. Experimenta um novo, se nenhum te der conforto, volta ao antigo, anterior ao teu amor per-dido. Muda a disposição dos móveis, troca os quadros de lugar, compra almofadas novas. Muda a cor dos lençóis e aprende a dormir do outro lado da cama. Se puderes, muda o lugar da cama, ou mesmo de quarto. Faz novos amigos, experimenta aquelas aulas de dança de que tens vontade, compra flores, muda a tua alimentação,

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descobre como são bons os corações de alcachofra e o sumo de arando.

Se queres esquecer uma pessoa, tens de ir mudando por dentro. Se não conseguires, muda por fora tudo o que puderes até conseguires mudar por dentro. Não leias mensagens antigas, são uma viagem perigosa a um lugar que já não existe. Não oiças as músicas que partilharam. Em vez disso, descobre músicas novas. Liga a Radar, para variar. Escolhe um guru que te aconselhe. Pode ser Deus, Alá, Rumi, o teu professor de ioga, o teu cão ou o teu gato. Pode ser um filósofo ou um poeta, um músico ou um idea-lista, o Mandela ou o Che, a Clarice Lispector ou o Chico Buarque, e aprende. Aprende tudo o que puderes com ele. Aprende a aceitar o que a vida te trouxe, a deixar cair os sonhos sem esfolares os joelhos, a chorar em silêncio. Se precisares de chorar todos os dias, escolhe uma hora para o fazeres. Entre a uma e as duas, por exemplo. Até as lágrimas secarem. Até sentires que o coração não pode sangrar mais.

Se queres esquecer alguém, treina o dom do perdão. Perdoa tudo, porque quem te amou nunca te quererá mal. Quem te amou irá guardar o vosso amor numa caixa azul que ninguém sabe que existe e que é vossa para sem-pre. Perdoa as ausências, as omissões, perdoa as traições, se as houve, as mentiras pequenas e grandes, mete tudo o que foi mau num saco do lixo, sela-o e esquece. Esquece o mau e guarda o bom, o que foi mais belo, quando a pureza e o sonho embalavam a paixão.