-marianansilva-oferendas

238

Click here to load reader

description

NaMadeira.Offerendas Silva,MariannaXavierda(1883), Silva,MariannaXavierda(1883),NaMadeira.Offerendas,Funchal,CEHA-BibliotecaDigital,disponível em:http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/literatura/-marianansilva-oferendas.pdf,datada visita:// RuadasMercês,8 9000-420–Funchal Telef(+351291)214970 Fax(+351291)223002 EX."' SR.* .If

Transcript of -marianansilva-oferendas

Page 1: -marianansilva-oferendas

Rua das Mercês, 89000-420 – FunchalTelef (+351291)214970Fax (+351291)223002

Email: [email protected]@madeira-edu.pt

http://www.madeira-edu.pt/ceha/

Silva, Marianna Xavier da (1883),

Na Madeira. Offerendas

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

Silva, Marianna Xavier da (1883), Na Madeira. Offerendas, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponívelem: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/literatura/-marianansilva-oferendas.pdf, data davisita: / /

RECOMENDAÇÕESO utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras,usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao

rigoroso respeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprirescrupulosamente a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática,de direitos de propriedade intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente

responsável pela infracção aos comandos aplicáveis.

Page 2: -marianansilva-oferendas

--

coar uril4 @~oio~ucçÃe,

EX."' SR.* .If<. GUIOMAR TORREZAO E WSXA @,4iaTA-i*~@%@GO

DO

lX?i"i, Dlt, 1UI% ANTONO 6OlSAlvES 1s FRlilThS

Page 3: -marianansilva-oferendas

Lisboa-'Pgpographia dn Vitivn Soiisn Novos, rua da Atnlnin, 65

Page 4: -marianansilva-oferendas

~ e 1 ~ u w pkmc diate pahe lim pode$ ochue

p&da na h ~ a cwlLu~iwia intdl~~oncla, tão modata

~>uiunto b~ilhwta, ~ c ~ c i e$ba, a uidca deiwlba da awu-

dia da UObicecndan e a rnuM ?tala Lempeon~a pata a

Page 5: -marianansilva-oferendas
Page 6: -marianansilva-oferendas

A sii~çcla e modesta dcspretenção d'este titulo é j& urn allraclivo para quem se proponha abrir o li- vro, mcsmo antes de saber quc cspccie de preilica- dos o recommendam e que merito possa lisver n'elle para conseguir prender, por espaço c10 algumas 110- ras , o escluivo c distraido leitor conlcmpoi~aneo, pro- duelo fatal da Cpoca do vapor c da ~lecl~ricidadc.

Ha ainda n'csle livro oillra rnritlarle: é cscripto .pela pcnna dclicncla clc uma scnhora, cm urn paiz

Page 7: -marianansilva-oferendas

em que as senlioras tecm o cliscreto boi11 gosto de só se servirem das penn;is para enfeitarem com el- Ias os seus chapeus.

Cons~ituirá esse facto excepcional um elemento que dê roça ao livro, e premiari o exito, pro\~cnienle do favor publico, a applicnção cla auciora, o louva- vel desejo quc ella tem de acertar, os esforços com que procura, por todos os modos, aperfeiçoar o seu espirito e a esperança com q~ic, a medo, atira o seu nome ao revolto oceano da publicidade?

Não ouso asscçi~ras-111'0. O livro da srSa O. Marianna Xavier cla Silva tem,

entre outras quulidrides apreciaveis, a rara prenda de ser urna ohrn gci~tiirialnenlc porlugucza.

As singclas ~rari.alivas em que a, auctora 110s des- creve a Rilacleira, onde residiu por espaço cle alguns annos, corn a linlia pilloscscn dos seus usos, coslu- mes, tradições o lingoagein, csião escripias em um estylo de uma simpliciclade encarilaclora, ondc Ilo- reste a espaços, como um doce aroma dc violctns,

Page 8: -marianansilva-oferendas

recatando-se no espesso manto da folhagem, a sen- silsilidacle feminina.

São esses contos, pela sua fórma singelissims, pelo seu intuito moral e pelo interesse que se. liga á formosa ilha de que tratam, que constituem a pe- rola do livro.

Destacar-se-hia talvez melhor a nota caracteris- tica, das Offcrendns, (que a auclora qu i z preceder do meu nome), se clesapparececem das suas paginas os versos, deslocados, como intrusos, no ajardinado terreno onde triumplianl as narrativas.

Emfim, as Ofereizdas são um preludio. Aguarclemos a syrnphonia de aberlura, o livro

que liade seguir a prometledora estreia, e em que a intelligonte escriplora, já familiarisada com o pros- cenio liltcrario, que vac pela primeira vcz pisar, sc apresentará, tenho a cerleza, emsncipacia de lodos os defeitos.

Lisboa, 16 do derombro do 1883.

gU.iawat, %~~v[m.

Page 9: -marianansilva-oferendas
Page 10: -marianansilva-oferendas

O formoso livro que acabo de lor, nasceu da intima

alliança do uma pastoral do Glessnor com um idyllio

d e Florian, tendo sobro os piogoniboree a vantagem do substituir o artiricio por uma vordade adoravel o sirn-

plcs.

Aos quadros dobuxados com fideliclade ndmiravol, d'npvhs natzws, nas paginas das OFFE~~ENDAS, sente-se

bom que cleu vida iiin coi.açEo do mi~llier :- s8o todos

impregnados do sentiinento o do amor;-mas a penna

que os trac;ou bebeu iiispiraçEo e força ii'unia intelli-

gencia osclarecicla o robusta o a'uin suporior osl~irito clo

obsorvac;Eo, Assim 6, que, duranta n loitura do livro do v. , julguei ou aspirar o aroina do um ramallielo

sodnctor onde. tivessoin vindo oiltrolaç:~i- iloroti o ilosso

mallogrado Julio Diriiz, Goorgo Sand o Gustavo Droa.

Page 11: -marianansilva-oferendas

XII CARTA-PROLOGO -

Que verdade nas locuções !- que brilho no colorido

das l~aisagens ! -q~~e singeleza no osty10 !- que santa

moral na simples urdidura da acçKo!-E, para mim

sobretudo, que impress6es suaves, que Iembraiips dul-

cissimas vieram trazer-me as moclulações formosas das

limpidas e frascas arias dos campos da minha terra!

Por isso me liouro em accecler aos desejos d e v ,

expressos n'um pedido arnavcl e lisongoiro, e franca-

mente exponho a minlia opinizo, que nunca ao amoldou

a a d n l ~ ~ õ e s mentirosas nem a menos rectas expansões.

Q~ianto h introducyilo para o livro, permitta-me v. , que eu transcreva um periodo de rnadame Sand, que o

prefacinrzi brilhantemerite, casando-se com a sentidis-

sima queixa archivada a paginas 84 das OFPERENDAS. Escreveu aLi v. :

uQuizera que tudo o que nos rocleia fosso terno, mei-

go, sincero. . . . . . mas. . . . . . vejo o despreso substituir

a ternura onde ella devia ser mais acrisolada; vejo o trato brusco occupar o logar da meiguice; vejo o indif-

ferentismo onde s sensibilidade carecia do ser sxcessi-

vai a ingratidão avassalla os que tinham obrigapão da

ser dedicados; a maledicencia ataca os caracteres mais

clignos; e, o que B maior espanto, os maldizentes são

Page 12: -marianansilva-oferendas

CARTA*PIZOLOGO XIII

os qiie rrfais favores hão recebido de n6s ! Como é triste

e arido este mundo !»

Com isto defronto o trecho seguinte do prologo da Petite Fndette, que Luiz Ratisbonne com tanta raszo

incensou :

UNOS tempos que v50 correildo, em que o mal pro-

vem do indifferentismo, dos odios e inalqi~arenças, a

missHo do artista 6 celebrar a confianpa, a ternura, a amisade, e fazer assim Ieiiibrar aos descrentes pelo des-

animo que os coutumes puros, os sentimentos ternos e a equiclade primitiva existem ou podem ainda oxistir

n'eete mund0.x

Felicito-a, minha senliora, por tEo bem haver com-

prehendido esta santa misslo e por tão gloriosamente

a ter cumprido.

Page 13: -marianansilva-oferendas
Page 14: -marianansilva-oferendas

DUAS PALAVRAS

Seria Lalvcz conveniente publicar uma especic de oglossarios, onde desse alguns Icrmos usados popularmente na ilha da Madeira e que divergem coniplclamenle da significac50 que no conlinente Ilies da- mos, ou quc s3o aqui totalinenlc descoi~liccidos; porem, receio quc m e alcunliem de sabicl~ona e dc querer dar a cstc ligeiro escripto uma feição muito outra da quc Ilie perterice.

Comtutlo, 6 indispcnsavel dizer algumas palavras para qualquer lei- tora mais exigente.

MEo pozcmos cm as Na~~ralivas tanta abundancia de qzles, como usa a gcnlc dos campos da Rladeira, que abusam muito dc tal palavra: dizcndo de continuo-oa que dcsculpea-#tu quc COnlaSJJ ((tu que t e as~ciitcs,-«etc., tambem nEo dizem cm geral a ultima syllaba d a palavra casa -por cxcmplo nfui e m ca... de fulaninho;~ scslive cnz ca ... il'cllan, etc.

Os dois 11 valcm sempre de 111 cm quasi todas as frcguczias; assim, dizem, villru, nqzcillio, uaam muito do j, em vez do z, ou do s, com egual valor,proiiunciando qu?jer; e em oulras palavras supprimem o u como cm acaji; subslilucm por x os dois ss, proiiuncianclo (lixe, Lroirxe; enlcrrur a6 s e cmprcga para os cadaveres dos sercs racio- nncs, a l i~p i l ' para os irracionaes; assim como d'aquelles dizem: a ca- r a ou resto, c a dos irracionacs, atb mesmo quadrupedcs, cliamam bico.

Page 15: -marianansilva-oferendas

As gallinlias são exclusivamente deiiorninadas- aves, assim, di- zem: num caldo d'aue. comprei duas aves*, etc.

hrcas cliamam aos quadris; gerne, de que não coiilieco eqiiivaleii- te juntam sempre 6 negativa ~juaiid0 querem designar a absoluta falta de qualquer coisa. Co~npcçar e usado em vez de começar, carapicho em vez de capricho, graxa em vez dc maiileiga ou banlia de porco. Em geral o tratamento B de vds, principalmente entre pessoas da mesma classe. Ponclla cliamam a uma bebida composta d'agua-ar- dente, assucar e limão, de que fazem muito uso os barqueiros e ùo- mens de rcde; -grog, B o uomc que dão a um copinlio de agua-ar- dentc;-Convile, cliamam z i gratificacão que se da depois dc reccber- mos qualquer servico, al8m da paga ajustada.

Se lograr fazer nova etlicáo, empregarei nas Narrativas maior copio de termos peculiares da illia, e talvcz ei~lão me resolva a es- crever o glossario.

Alguns erros cscaparain, sendo um dos principaes a pag. 23, nota, onde se repete a preposição da na palavra Fade retro.

Para todas estas faltas imploro a benevolcncia dos leitores.

Page 16: -marianansilva-oferendas

1$ 24!LlHA AliíIGA

D. VIRGINIA AMELIA D E BARROS

Dcpois cle quinze aiiaos cle ausencia, oilcontramo-nos (18 novo.

Tiniidas avesiiihas saicles do ninlio paterno, rouni- mo-nos nmbas rio mesnio collegio, o do Santa Cecilia, pnsa, dcssedentar-nos do clcsejo do saber. No fiin de con- vivermos ali longo teinpo, cada, zinn de u<is desferiu. o voo crn procura c10 outras regiGos, as c10 amor, que é a vida, inteira, da rnulher, tenclo apeilas para variar essa nota, o sacrificio, o soffrimonto, a cleclicação,

T u sncoritraste o amor o a riqiiesa; eu, se n3o achei as riqucsas, sorriu-mc por6m aqiielle sentimento ineíkvcl que enebria a nossa alma e quo 110s aligeira a cruz da existencin, ainda a mais pesada, fazendo q i ~ o entrcsn-

1

Page 17: -marianansilva-oferendas

chadas com os carclos do camiillio se nos c~eparein al- g11"aS floriiilias de cor brilhante e mimoso aroma. . . . . . . . . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

E r a iiecessario que a reunião clo nVs aiiihns, depois de tso grande separac)%o, ficgsse assignnlacla com uru singelo p:~dr30 que a uma o outra recordasse ein todo o teiiipo o intenso affucto que nos invadiu a alina ao abraçari~io-110s.

Xós as mulheres vivemos cl'isto, d'estas affeiçCes inti- mas, cl'este sentir~ientalismo, cleisa-in'o dizer assim, que a iiossos olhos poetiss 11otnc~, logarcs, clatns !

Quizesta que eu, artifice moclesta e li~iinilcle lcvan- tasso um moiiumentosinlio comnicniorntivo d'aqiielle dia de felicidadu, e As miillias evasivas rosponcleste-me apon~aildo para as ligeiras procluc~cieu aqui e alem dispersas, e que agrupadas darisin m a t ~ r i a l para a

obra. htravez do prisma da aiiiisncle afigurou-se-te do mar-

xnoro finisuimo o informe bloco, pczrocerarn-to coloridas e irisaclas flores, estas paginas estnaecidas.

I luito da proposito simulaste nX0 vvêr os erros e de- feitos que por todos csscs escriptou av~iltain, e quan- do, satisfazendo os teus ílescjos, te apresentei o que devia ser livro, acolheste-o coin a singular benevolen- cis, a santa alegria o a oscesuiva gouerosidade das almas supe riores.

Page 18: -marianansilva-oferendas

Assim a critica soja bencvola descnlpando-ine a ou- sadia de aproscntar-mo n a imprensa sei11 meritos de poetisa, ou prosadora, attendendo só It idka qiie prosidiir B l~ublicnç% #este livro.

Referi-te a origeiil d'estas paginas, coilvein por6m que n exponha :i leitora para i?3o mo S L I P P O ~ vniclosn.

Nos iilomcntos cle ocio, e digo mornciitos gorqiie a sesl)"to de lioras poucas niulheres a s disfractam, sobre tudo qunndo absorvo os seus dias o os se~ i s cuidados ii, cloco tarefa cla inatorilidade. N'esses ~noinciltos do cles- trinco, dizia, ao pensar n'uiiln pessoa do miiihn fainilin oii de iiiinlis atniundo, lançnrnin-so fugitivnmuiitc ao p,i- 1x1, para offcrtar-llios, m~iitoa clos escriptos q ~ i o v30 ler- su, alguns cios quaos virnin a luz piiblica nos periodi- cos cln Madeira, ondo niiiitos ailnos rcsicli.

Eis egualinente expiicaclo o motivo por quc ao livro dei o titiilo clo OFFEI~ENDAS.

Qiiizesto mais acccder no dasídLjo qiie manifestei do do- dicar aste trabalho a outrein quc n%o fosses tu, para qn~; poclesse ao lado do teu nome f ig~irar o de nin clo rneas irrubos, comme~norcznilo assim ii'estas singelas paginasp duas das mais verdacleiras e intiman ainisados da ini- nlia vida.

Lisboa - fevereiro clc 1832. Tiia dsdicsda

~.ba%if l l t~za.

Page 19: -marianansilva-oferendas
Page 20: -marianansilva-oferendas

ESPERANÇA

Ao brilliar rla lua cheia, que ondeia,

por sobre o iiiar praLe:ldo, vB.so um barco dcslisar

e a reuiar um innnccbo contristaclo.

Quem ser:\ que ali s6siiih0, no barcluinlio

vae t.50 triste a rneclitar ? Puclia os remos, feridu a vaga,

e da plaga vac distalite navegar.

Page 21: -marianansilva-oferendas

Quem serii? Ouvi n voa que cllc a scis

nolta B brisa quc esvoaça ... Serno cantos de vciitura?

Dc tristnrn ? Scrzo cnrmcs dc desgraça?

entrc o ncgrunic cln noite, ciilbora o vcnto 1110 a p i t o n fricc, o as ri,jan lufadas do copioso aguncciro, sobre as vcstes jti molhndas, lho gnlcm o corpo inteiro ; ciiibora, r~ij:t o trovzo coiii o seu estalar hcrrivcl, e , na rlcnsa cscuriil20, so torne o raio visivel, inclo clistante cair no adusto roblc curvado, n?io trepida; sc luzir, entra as sotribrns, n'urii eirado, v6 a luz, que ilenuncia n casinlia 1iospit;lleira; onclc a nieillc presngin vasto luino na larcira,

Page 22: -marianansilva-oferendas

repouso nos mcmbros cançados , c10 boa gente os cuidados que o cerquem ali; entiio, ergue ao c60 os ollios seus, e fervorosa oraçno sol ta por ter crido em Dous. u

Eii sou qual o viajante, tanho esp'rança no porvir ; embora milito distante, a luz amiga 11% de vir.

Page 23: -marianansilva-oferendas
Page 24: -marianansilva-oferendas

HORAS DE ALLIVIO

ti Er."'"r." D. IIIilllld DO Ci1RILIO VASCONCELLOS

O ciutue n a mullier B qual modo nos fracos. Vae O viajante desternido caminhando palas serras o

desfiladeiros, alta noite; nEo lha pesa que a cscuridto o envolva, qiie baloucem os galhos da arvore, que sus- surre o ~inhei ra l , cicie a aragem, pio o agonrento 3 mocho, regouguo a raposa a s tu t i ; scgne o seu caminlio attentando só n'olle, com o, ponsamento entrogiie 4s suas crenpas, affeições o11 negocios; o o aniiiio clesassom- brado !

Após ellc segue o viageiro inedroso e pusilanime. A noite escura nssustii-o, as trovas fazeni-no tremer;

o rairialhar das franpas afigura-sc-llia rumor clos passos d e geiite mal intencionada, o ondular clau arvores, vul-

Page 25: -marianansilva-oferendas

tos que se movem; os troncos, phantaçn~as que o es- peram; as pedras grandes a alvejarem tcniieinente aqui e a l h , almas do outro mundo que em paradas o aguar- dam.

Alonga a vista para os mnttos com receio lhe surja d'eiitro elles algum IadAo, alg~iin assassino, algum lo- bis-homem.

Desconfia de tudo; tudo teme. O pio do mocho &-lhe agouro; o esvoaçar de qualquer

ave desperta siquellas horas, sobresalta-o; o grito da ra- posa toma-o pelo uivar do lobo,

E tremem-lhe os membros, vergam-lhe as pernas, batem-lho os queixos, rangorn-llie os dentes, latejam- lhe as foiites, dilatam-se-lhe as pupilas, acelera-se-lhe o pulsar rlo coraçzo, agita-se-lhe todo o organismo.

Ta l como elle 6 a mulher ciumenta. Tudo a assusta, tudo a intimida, tucio receia, de tudo

treme. Nas coisas mais naturaes que a outrem se façam, vê

provas de amor; noa acasos, vê propositos; ns, que é desfarce, á s vezes para seu proprio bem, vê paixão ...

N'uxn olhar de curiosidade, affirma e teima que houve ternura; na saudn~iio exigida pela, delicadesa, supp0e declaração de sympathia; um aperto de mllo cerernonioso é para ella um signal para qualquer fim; encara, julga, avalia, quasi todas as cousas pelo contrario.

Page 26: -marianansilva-oferendas

IlOltdS UE ALLIPIO 11 -

Os zelos na mulher 5x0 a sua chaga incuravel, mas chaga ulcerante.

Que fazer-lhe 3 Se o Creadoi a formou assim!

Page 27: -marianansilva-oferendas
Page 28: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES '

A iüEU IRBIBO J. MARIA XIIVIER DA SILVA

6D rrnynzimlio dra Loi~nlilctiln

A Lombacla clos Esi~oralclos, Jd o disse u i n a vez o repotil-o-hci, agora o scmprc, 6 a perola c10 concelho da Ponta do Sol.

k propricdnde bein coiuo o vasto terreno qua tem aqucllc nome, do Conclo do Carvnllial opulento fidalgo niadeirense.

Foi a Lombada dos Esrneralclos crtXo celebre por oinoiue como por fama pclas muitos assuc:Lrcs qiic n'ella

I Ila liiigungcrn rallntla ~ ic los 1inl)itaiitcs das Irrgi~cxios iuracs rln Il,~tlrir:i. c ii'nlgiiiis do scus iisos c costiiii~cs, Lciittrmos ii'cslcs c ri'oli- tr.i~s csci'iplos (iliic nein lodos v50 ~ ~ u b l i c a d o s ii'estc livro) (lar iiiiia 1i;roiia iilda a s Iciloras r10 coiiliiiciilr. S51i Iruclos dc ~Igu i i i a s iiolas tuiiiada; duranlc a nossa loiiga rcsiùcncia ii'atluclla ilha.

Page 29: -marianansilva-oferendas

cso reco!hem qiio foi aniio em que deu vinte mil arro- abas cl'clle, a qual Lonibada o capitam ' tomoii para aseus filhos o depois correu taes transes que agora ne- nnliiim cl'e!les a ~ O S ~ L I C por so dividirem c a veric~erem <-horarip de R ~ l i Gonsalvcs cla Camara que a aforou xa JoEo ICsmeraldo fidalgo flaincugo que n'ella instituiu ctdols iaoi~gaclos. I) 2

NZo longe da epreja qiie se cleva sobre uin vasto adro coin espar;osa c alta escaclaria cle peclra ergue-se o palacio, vclho solar dos niorpclos de Santo Espirito q t ~ c oiitr'ora tiiiha i~iaia de oitcnta escravos, entre inou- ros, niulatos, ilegros, negras e canarios, aincla lioje Iiia- gestos0 a querer luctsr com as r~iinas que o anlcaqain de perto.

Niio hn casal q ~ i s n:lo tenha um jarclimsinlio, onrle, quasi iein cultura, clcsabroc11all-i o se osteiitam ao sol espleridoroso da Madcira, as rosas riibrns entrelaçadzs com inil tiges ein que so baloupa, perfumanclo os aros, a rnadresilva (10s antigos nainorados.

N'rim do? sitios mais pittorescos alveja a capella, do Espirito Santo, fundada ein 1808 por JoEo Esiueraldo; tomplo elegante i10 exterior e clecorado da bcllissiinas imagons e ricas obras de talha do portas a clentro;

' Joõo GonçriiJes .arco da Caniara 1.0 desciiliridor c capitiio dona- tari! cla illia da Blatleira.

Pr. Ciospar liruclui~so.

Page 30: -marianansilva-oferendas

capella que muitas fregiiezins da Macleira desejariam possuir para egre,ja parochiaI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

No anno c10 187 ... fui passar o verao para a Loin- badiz lia choup:iniaha que havia pouco clcixdra de ser habitada por ui11 sacorclote digi~issiilio, ainda lioje cliie- rido pelos Iinlitantes cl'aqticlles casaes, o por quem ainda chorani.

E não julgiieru que o digo ri~ctnphoricaiiicnto o ~ i para arredondar o periodo: presenciei em inuitas occasiCcs, os cainponezes a q u e lia Madeira 630 o feio nome de uillõss o .~.illuas, vi, repito, chegaroin as lagrimas aos ollios do muito lavraclor probo, o de muita Iavradora sisuda e lionesta, quando sc Ilics fallava c10 sciihor 11a- dre ciira, o revcreiido Luia Quiroga.

Eram lagrimas de iiltin~n saudade, do iildclevel gya- ticl30, pelo digno iniaistro do Senhor, tao escellcnto padra corno boin filho tem sido se1upl.o.

Passava todos os dias por defroilte da niinlia porta, & liora ein que as avesiiilias entoain scns pririiciros hyin- nos, quando o sol nasce o a natnresa revive, uin ra- pazinlio dos se~is q~iinze anilos, q u o tisava pai.:ir ao pii

Page 31: -marianansilva-oferendas

16 OBFERENDAS

da casa para lavar a cara na agiia d a levada, de En- tre-caminhos, que corre limpida, junto do jardimsinho contiguo. l habitac;Eo.

Succedeu em uma das manhIs formosas de agosto que ali passei, estar 9, porta uma das villoas minha vi- sinha, na occasi2io em que o rapaz tratava da obluçEo matinal.

Quando elle voltoii costas tomando pelo caminho do JangZo, a visinha disse em TOE alta, som se dirigir a mim, mas provavelmente com muita vontade de o fazer:

-Coitado cl'aquillo! j 5 nRo tem L ã o nem pae! -Ha muitos assim-respondi, fechando as Rosas

Pazlidas, inimoso livro de D. Guiomar TorresRo, publi- cado recentemente.

Conhecêra o clesejo da mulher em querer conversar comigo, e quiz onvil-a. Deiwlhe .a co~zJimga, como 6 uso dizer nos campos, em casos identicos.

-Ha sim, minha senhora, acucliii prompta ao recla- me a cilloa; mas aqaelle! Coitado cl'aquillo ! foi desin- feliz quasi Li nascença. A minha senhora é Id de fora da ilha de Lisboa, disse-me o moa velho 1, nHo conl~ecc aqui, nem gerne; eu 1110 conto 4 minha senhora a

d assim qiie na ilha da AIadcira a mullier trata o marido e vicc- vcrsa, [liler na presença cluer na ausencia. Sara evitar maior numero de iiotas aclvcrlimos cle iiovo que a linguagem I: egual a que usam os Iiabitantes do campo.

Page 32: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS ~YIADEIRENSES 17

Iiistoria cl'aquelle rnl3azinho ... a do pae e da m%e ... que a do triste é ir ajuntar alguma gavelinlia dc comar pa ra a rez o arruniar inalhõcs c10 ti Claudio Rabolla, em casa de quem cstd, quando n gavcIa n5o O grande, ou quanclo o pequeno toin fome o n%o se contenta s6 com uma garft~dinha de coives c0113 11111 pé cle inhaine, uma batata 011 uma seinilha oxtreme I.

Abeirei-me do niuro e sentei-me n'tim dos bancos da pedra q~10 deitam para o caininho. A rninhs intcrlocu- tora clisse clnas vozes o usual ((com liceilpa da senhora)) que 6 fasticliosamerite rcpcticlo em quasi toclas as frases da gciltc (10s cqinpos, a sentou-so no chto, tendo pro- viainente reparado se haveria por ali algum ((matton que lhe pozcsse pecha na saia de 1% de riscas azues, ainarollns o cscarlaies, fiacla, tecicla e O que mais é tinta por ella, com Iicrvas do cainpo, com tonta mos- tria que lhe nKo mcttom inveja os ti*nballios de tintu- raria do Mr. P. Cairibournnc, annunciados pomposn- mcnte nos jornaes o nlmanaclis.

-A senhora vigia cl'alii, aquella vista a16111 B bancln de riba da cgroja, onclc astb um piquinho cheio de pe- reiros 2

Qiiando nahIaclcira se cinprcga a palnvra nljatata,~ cnlcnde-se ue E a b d a a <loco, c qiic constiluc iiiii dos priilci~iacs alimentos ùn e a batata cominum clinnia-sc so)nilha, c 6 ali merios vulgar e mais cap do que i10 coriiiiiciite.

e

Page 33: -marianansilva-oferendas

18 OFFERENDAS

-Vejo, sim. -Ha 14 uma casinha c10 colmo. -Todas as casas que vejo estilo cobertas de colmo. -& verclade, é ordcm do senhorio; aqiii, na Lom-

bada, nilo ha licenr,a do sr. rnorgaclo para fazer casas de telha. Abafadas de telha 56 a egrcja e o palacio ve- lho ali alén~, e a casa I4 em riba, c10 Sr. morgado d o Jangao o Sr. Agostinho.

-Isso cntXo porque é ? -Eu sci, senhora ! SZo coisas de outro tempo; nem

o Sr. conde, nem o sr. morgado foram d'essa idéa; aqiiilho jii foi impribido pelos ficlalgos antigos, ,a ~ 1 t 6 Iioje ainda nK0 horive l i cen~a em toda n Lonibada. para ningueni. A casa que eu digo esth abafada clo novo e tcin clutis iiesproiras grandes na portada.

-Vejo, rejo. -Ali morou em solteira .z inHe cl'aquellc rapaz, a

Naricas do tio Teixeira. Ern bonita ~ U O nem uma iii~a- gem. Era ~1111 gosto vê1 a. E oiro quo aquillio tii?lial Era contas, cordFio, laço cadeados2 tudo bom. M~iitos ra-

i hlorgado do Junpão é o digno Par do Reino o sr. dr. Agosiinlio de Ornellas, que tanilicm na Loinbada possue diver~os terrenos, uma Boa casa c unia capella com a invocnc3o de Nossa Srriliora da Pirrla- de; aitm d'esle tem s er.x mais inorgados cm outros ponlos da illia.

Os camponezcs da Madeira, mtlsmo na ausencia das ppssoas i is tr+m por senlior ii exccpção das que con~icleram seus cguaes ou in.. feri?ces.

- O que chamamos brincos das orellias.,

Page 34: -marianansilva-oferendas

pazes a clncriain ; ellx si, gostava de uiu, e o pae do ne- nliurn. LB a sua ncjiiclla era quo a r,zpm-iga liavia do casar c0111 um lavraclor bem ~ i c o e que tivesse mais c10 que elin. A ii~ullicr dizia-lho ás vezcs:

-E se a iíI:iric~lr nr?o gostar, ineu velho? -Quer goste, cliicr n8o gostc, aiilcln te11110 uni arco

de cautanlieiro para Ihc desaiicnr as cadcirns.

-Uin dia, pd:~ ITestnt, coiltinuou a iiliilha visiiilia com aq~icl ln volubilidarlc no f~tllnr qiia bem clciiiincín ((a pura ib:i;:~ do algnrvios» de q ~ i o dcscei~cle, 11:~ siia nlaior par- to, a plobo i~indoirciisc, se bcin que ostcs da Loiiibntln, sc jn~u tiilos pelos das oiitrns froguezias coiuo clescei~cleil- tcs c i i~ geral dos ii~oui.o.r G 0scrnv03 coni rluc JOZO Es- inercildo e soiis herdeiros povo:lratn n v:lst:i, Sesmnl'id c o ~ u l ~ a c l a aos Cainnrns. Tanto nssirn que ainda hoje B irijiirin clintiinr-lhes o s c ~ ~ p t i u o s do Loniòc~tlc~.

-Uii1 din, pela fcsta, continoii n villGa, qua C o tcnipo rlinis alegro que a gciitc tcnios, o qrinndo briil- cai.ilos mais, cst:iva o ilaiiiorticlo da hlnricns ali alCm, B porta n tocar n'uiii raj2.o 2 e a trovail) quauclo o p a o vein

' O Xatal. ' O ra j lo c o inacliete rlo .Craga são uns iiistrunientos peculiares

Page 35: -marianansilva-oferendas

l i de dentro da cosinha e cornpeqou a brig,zr com elle, dizendo que nZo queria que lhe botasse trovas h filha, que queria mais patacas o menos cantigas, e que ti- rasse o sentido da rapariga, que n8o estava ali para nenhum trabalhador somenos, sengo para um lavrador que tivesse arranjos. Dito d e ch, dito de lá, acaji que investiam: o que valeu B que passou o sr. juiz das leva- dos e os acommodou. Feio homem, Deus lhe perdoe! A rapariga, essa chorava, que e r a uma coisa!. .. No ou- tro dia o pae disse-lhe :

-Vigia, Maricas! se o P s d r o dos Zimbreiros torna a apparecer aqui na portada, ferro-lhe um tiro n'elle, e em ti dou-te um malh?io. Vigia lá, o que fazes! I-Iomem para ti jd tenho, nFio faz mingua aquelle reles. A senhora me defictilpe. Passado urn mez, a Maricas arrecebia-se com o Fi~ancisco do Bosario que emprestava dinhoiro a pre. mio e tinha mais de um alqueire de patacas, como'a olles disiam.

Nunca mais riu a Maria d a Calqada, sempre triste, que fazia pena! O marido dizia-lhe para a acompanhar

da gente dos campos da Madeira: raro 6 o vilão que não possue um d'elles ou ambos e que os não saiba tocar para acompanliar já osirn: rovizos e cantigas ao desa[io, a que chamam trovas já as xacaras e

[istorias em verso a que chamam arengas.

Page 36: -marianansilva-oferendas

:i8 roinarias. L& liada ! Ella virava-lhe, com licença da scnliora as costas e... busio.

Uill clia era j6 sol nado, a Mkricas i ~ o appapecia 1):~ra O almopo, procurarain-n'a, ninguern a encontrou; o ruiirido tinha icio cicb~ilhar uns trigos, o pao não lhe dcu cuidado; alla costumnva ir aos tnlos de inbnine para n rcz lobo CIO iiiniil~%, C ficava por 19 horas esquecidas a vigiar para o xnar.

l2llcs diainrn qiio ern olhacio: j,Z a, tinham benzido, iii:is f6rn o i~iesino que nada. Scc6 estivesse ainda o sr. pa- dro cura, n5o a lienziain, I A nncls ! Olhe a minha senho- ~ilioi~n, o si.. padrc cura clizia quo as ~null.icres qua ben- ziitili oram somenos, o quando a gente perdia alguma cwit;n o fallnva or11 i r tcr com a, tia Jristina Pestana, que (lciln cartas 15 lia Ponta c10 Sol; e a casa de quem vão :~ti1: algil~nas íicla.lgas da villa, ello brigava comnosco a iiiai~i nzo l~oclcr, a senhora O qtle diz ?

-Aclio qiio o sr. pndro Liiiz fazia muito bem em a ncoilst:lli:il-as s qilo n3o desseru credito a tacs einbusti- CCH; 113:i8 var~ios liistori,z.

-A sonliora, ~ L I O fayn favor de osperar um rtaclinha, t\inquanto vou por o inhaine lia tampa a esfriar e coser i ~ i i i : ~ coi~icluita cle atum para inandar o almoço' e o jiLilini no inoir. voiho cluo anda nos carniilhos; a ceia, $0 NOABO S~n l lo r q~i,jor, vai SCP u m nadinha de milho com coivc? quo i: do que elle gosta rnclhor.

Page 37: -marianansilva-oferendas

Aproveitando 21 auseucia da iniilher, sai atb o Pico da Amendoeira, d'onde se avista um liildissinio pano- rama, e quedei-rne tambein a olhar para o luar, q110 15 ao longo estendia as vastas aguas, illnilliilaclas por iim sol forinosissimo de aposto.

Passados instantes regressei, e a narradora viillin tambcin chegnndo & porta coin uma cesta, na inzo.

-Prompto, disse elln pousando a cesta no chno -o Xabido n8o tarda para ir levnr o comer ao meli ~ e l h o . A sonhora hn de conhecer o Xrnbicln, ello anda. I & ein baixo na escola: arluillo sempre é sahiclo ! As artes que olle tem. .. Ah, feio pequeno I

-EtitCio ngo acaba a sna Izisto~ia? -A iniilha souliora que ospare, fapa favor, de rngzr

se vae ao longo, coiilo clil-o o outro. Moniontos depois chognva o 8ahiclo & porta do casal

sssoliui~do uin tailgo que a philarmonica do Camara de Lobos tochra no anno antecedente na festa do Livra- mento, em que fora thesoiireiro o João .da 12elva da LomlSada.

Se a gente cl'ali lesse este fofolhetirn, c10 certo que não deissriam de sorrir ao vBr o 1101110 do rapaz que elles ciirisniaraiu de r5Libido 0m lctpa rccloilda.

Page 38: -marianansilva-oferendas

-P6ga e caminha, disse a, villoa, vigia n"u t e detc- nhas a rotoigar com os outros rapazes.

-Qual rctoigar, senhora ! amecê estzí zoiubando? ELI queria inesnlo levar panclime do ti Antonio !. ..

E alii vac o Sabido. Atiro~i ~ i u a podra ,z iim «cachorro)) que lho passou

ao alcarico o correii por n estrada f4ra arremedando ein cni altn voz o iiioçlo de fallnr c10 Tonto: ctEii fui d j'onta Dclgacla beijar o pé no Scnlior Jc s~ i s ... s E des- app:irccea.

-Vaet'nrrcq~ie ', Sntido, ainda nho vi coisa assim. E sentou-se a rir a iniriha, visiilha. -A sorilioi~a cst:l onviildo? A Maricas na0 aliparc-

ccu n'aqucllc clin, nem no outro. Elleu disseram qiio na vcal~ei-a clla npaiilil'ira do niaridu, que bobia o sou. gro- g~icsitilio bem bom, o dava panijuisso nn mullicr, qiie era urna coisa ...

Ao cnlio do qiiatro clins corrcu na frcçiiezia a noti- cia que &Iaricas oinbarcdra para Dciilcrnra. O 1100 nEo qiicria acrcditai, a, in%e teve uina frciilia que acnsi morria u aC4 proinctteii i r ao Sclilior J c s ~ i s do l'ont:~ Dolglicla, se a iilhs apparoccssc.

' Euyircss%o popiilnrissiiiin c!m todo o coricellio [lu. L)ont:i dii Sol- i'ai.Lc arrcqiiu siLrn iiiira cr~i'i'kipti!lla tlc I'~lile tlc wlr'u? Igiioro, iii:is siil)li~rilio-o; o ccilo 6 (lu" ç~s"ala iiáo só pclos ca:iilioriezcs iiins tailr- iiciii pcld gciita niais illustrada.

Page 39: -marianansilva-oferendas

Mas qual! A Maricas Aio mais voltou.. A mle o que fazia era attentar o marido dizendo-lhe que elle 56 e que era o culpado por casar a filha tLo novinha coin um homem de quem ella nLo gostava; o pae raivava a saia de casa.

-Um dia, tinham passado dez annos, O marido de Ma- ricas .morrera dois annos depois d'ella desappâreoer, com uma bebedeira de aguardente : veiu uma carta para o ti Manuel da Calgada.

N'aquelle tempo n?io havia ainda isto que chamam vapores, nem esta historia do fio; que 11s poucos dias fizeram e que o sr. Nuno da Ponta do Sol, disse quer era uma coisa muito boa, porclue falla para toda a,

toda a parte : aquellc Sr. Niino é ministraclor ha muitos. annos G Q bom C& para a gente do povo. E a mLe S aquilho 6 uma santinha, como dil-o o outro, s elle 6 amiguissimo d'ella, em a tendo em casa, nLo parace 0, mesino.

-E verdade, é, mas diga-me o resto da historin, que desejo ir almoçar.

-Eu digo, a senhora que oiga. Veiu a carta, e o ti Manuel tremia que fazia d6, foi procurar um sobrinho

Page 40: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MA DEIRENSES 25

que andava aprendendo com o sr. Profirinho 18 da villa e deu-lha a Iêr.

Aquillo era chorar, que foi uma coisa ! Chorava 0 pae, a mãe, os moços, os visinhos, tudo o que ouvia. lêr a carta chorava. Era da Naricas; estava ein De- merara, casada com o Pedro. NBo podendo soffrer o marido, e clesinquiotada por uma amiga, fugiu para De- merara ; ali andou pricneiro a servir em casa do um o outro, até que quando soubo da mortc c10 inariclo, fez tengzo Clc voltar c8 para a ilha. Acloeceu, e lembran- do-se da amisade quo o Pcdro lhe tinha, escreveu para Barbiça ', ondd ello estava, clizendo-llie que GcBra viuva e só, n'nquella terra.

O Pedro largou tudo, e veiii ter com clh, que pas- sado teinpo estava cTe sande, e casaram-so.

Agora é que isto é mais tristc seilhorn! Mandou ella pedir pord8o ao pae; que ji de ha muito lhe havia per- doado, e dizia-lho que no primeiro navio o vinha abra- çar com o seu Pedro e um filhinho.

-Todos os dias o velho e a velha, iam além para aquella vista vigiar para o mar, h cspcra do navio que Ihes trouxesse a fillia.

O sr. padre Luiz jA uma vez contou ti hora cla missa, que 0110 scinpre fazia fallas ao povo, para bcm, jCL sa

Page 41: -marianansilva-oferendas

sabe, uma historia assim de um velho e de uma velha, quo esper:i.\?tim por iim filho, niio mo alembra agora, O

nome parece-me que era Mathias ... - Tobias, i: quo havin do ser. - fi verdadti, 6 ; isto quem sabe ler, sempre d tims

prenclii! ELI ainda conipecei a aprender, depois casei; casastes, escravisastoà-te, como dil-o o oatro.

-Teu@ vez. Um dia vieram dizer ao ti Uanel, que chegavn s filha mnl'o genro, em um navio dos que andam d'aqui para DernoraraIae de 16 para aqui, Olho a minha senhora, que é muita ,z fhmilia ctt da ilha qLI5 vae para aquellas terras. Ha annos em que vFio mais de dois centos de pessoas: I& tinha eu tambern dois ir- m8os o urna irmz.

-E que v30 fazer para ld? -Eu sei senhora! Alguns teem trazido umas pata-

cas, a ent3o os outros maginain que hLo de enriquecer 14; mas quantos vtto depois de venderem o que por aqui tinham para a passnge, vivem por 19 pobres o nunca mais, nem ao menos mandam escrever. É tima cegueira Deus me perdoe. Eu ir para Deinorara? Lh nada! aqui fui nada e criada, aqui hei de acabar a vida,

Page 42: -marianansilva-oferendas

n Deus cluercr. O ti Manuel, qunndo Ihes clerarn a ilova que n 1Inricas estavn na cicladc i1Zo c,zbia cri1 si cle conicnte, n r n k qiinsi ~ L I O eutu~ltacia:-Fornni logo para a cidacle. - O Peclro juntarn alguin dinheiro a vinlin comprar

umas buinfoitorias, que terra c10 cliziino 3 Detis, 6 coisa qiie ii?m se nchn na Lombacla, neiii gkrne. Aqui 1130 se compra o terreo liem por bons l~ntncns. ..

--M%e, A 111%e, tcnlio foino, bradon iiin vilZosinlio vestido agoiias coili unia cniiiisa que chegava nos l~es o um colete muito cuniprido a qiio cli:iiiiam vcstia.

-Tu que espore~ J O ~ O ! Ancln nqvi para o i ~ i ~ i r 116.

O rapaz; vciii e ,acocorou-se ao pé cln iii3c olhnnclo de scoiifiaclo para mim.

Felizmonto tinlia n'aqiiolla occasiZo uns biscoitos na algibeirn o atirei-os ao pequciio, qno se lancri~i a clles coin :ilrgi.in. - òInito obrigacla h seilliora. - Fn.~a um cri:iclo Jo5o. JoKo ~ ~ V O I I a li130 nbeiita A boccn cm ncqIio do hcijnr

a paliiin abxisanclo ao niesmo tenipo a cnbeyn. -Ajui~ta os cloces, j6 teris com qiie qiicbrnr ojejutu:

-disse a nino sorrindo dn gracinlia do poilu~iio: cle- pois continuou :

Este cá afilhado do sr. l3elicinno Teiseirn; n uii- alia sorihora 2incle conhecer, Aq~iil lo 6 que ó uma boa

Page 43: -marianansilva-oferendas

pessoa. Tambem digo Q senhora que, nto ha muitos com'a elle, quando nEio faz um favor, é quando mas- mamente nao p6de ser. Elles dizem que tem uns filhos IA f6ra 110s estudos, que sabem muito. Cd na cidade osth um que B o sr. conego da SB, jd aqui tem estado na Lombada, a senhora hsde conhecer, é um padre de muito respeito.

Conheci-o, e r a um gorgulhinho com'a este- e in- dicou o filho -muitas vozes os vi pela mão da criada a J o ~ e ~ h i n h a , que levava o outro ao c0110 o menino JoBosiriho e que dizcm que, já esth aquagi doutor.

Tambem poucos merecem que Deus os ajnde como o mou oompadre O Sr. Felicinno. TU gostas do padri- nho João?

O rapaz riu-se, e disse que sim tres vezes com a cabeça. - Elle quiz que osto meu crianço se chamasse

Jogo por ser O nome do filho.

Vigio n minha senhora a alegria d'aquelles pobres, havera a senhora ouvir a Zabelinha do Palame que es- tove d presencia. Ai, filhos, filhos I S6 quem os não tem é que OS 1180 eatima!

Page 44: -marianansilva-oferendas

O pae, a mle, Peclro, Maricas e um filhinho arranja- ram o seu governo e rnarcharaiii para aqui. liette- rain-so n'uin barco da Calheta que os havia clc deitas no Logar cle Uaiso, e s~ibiam pelo camiilho do Luzi- r20 para o casal.

Os barqueiros vinham contontcs do bebida, com Ii- cenga da senhora, porque o Peclro deu-lho poncha a hrtar; nias vinham contentes cle mais.

Ali na Poilte da Cr~ie, a senhora sabe aoncle é - n'a- quella ponte aonde quando se passa todos tiram o ca- rupi1ç.o ou O chapéo para resar; ld mesino o barco cleii n'nma Laixa e abriu,

Quatro Iiomens e cluas inullicres foram-se logo. LI, sc foi o Pedro. A Maricas, por via cla saia ~ L I C levava vestida, aguen-

tou-se il'agria um pouco aboiando e erg~ionclo rios bra- ços o filhinho quo so~r ia - coitado cl'nqiiillo !

Afinal foi afundhudo e por ultinio s6 so llio viam os bracos de fora cl'agua, apr rando aiilcla a crjaapa.

Uin homem que estava nas suas sinas c que ailaclnva para ella, conscguiii desapegar-llie as iilKoa do piqucno e salval-o, eni inentes o mar o não Icvava tninbern. Diz elle que lhe parecia ouvir clebnixo cl'agna a voz cla mão pedindo qno lhe snlvassein O filho.

O lioiuem ndanon para umaftirnn, porcliio ali lia mui- tas, e esperou que chegasse outro b a ~ c o que orccolhcsse,

Page 45: -marianansilva-oferendas

O pequeno, coitado d'aqnillo, o que fazia era gritar pela m?ie e dizer que tinha frio, e que qneria aglia.

Coitado. do triste. O t i bEailuel perdeu o siso, ficoii tonto do todo, a iiiulher tambem se afogka; O casal para ahi ficou; as bemfeitorias passaram para outro do- rio, o rapazinlio dizem elles qiie tem esse dinheiro na arca dos orplios, mas do que lhe serve? O titor, o t i Itntolla, ha Se ter artes para lho tirar todo. Alii se tem criado, Deus sebe como.

Eu nunca passo por aquellc sitio que a20 esfrie to- da, que ncni rocha da ribeira, e reso sempre um pndre- nosso ao Senhor 'Jcsus dos Nilagres por alma ile tan- tu5 que ali tem morrido sem padre, nem sacramento ...

Agora vigio, a sonliora a modos que tem os olhos chorosos.

-EntZo queria que me risse? -L4 nada, senhora, o caso não B para isso. &Ias,

minha senhora, se tiver illglim trapinho vellio do sou senhor, dê Bquelle pobro que estd bem carecido. Sem iu%u, neril pao! Deus Nosso Senhor clê melhor sorte a este pola divina misericordia e a Virge do Moilte, clue E! a in8e de nós toclos:

E apcrtou a si o filho, traduzinclo em um fervoroso beijo todo o seu amor maternal. T i~o certo E! que o co- raçzo da m3e & egaal em todas as mulheros.

Madeira- 1678.

Page 46: -marianansilva-oferendas

MÃE E FILHA

Vi uiil c1iapi.o tao boilito h tiicninn que passava, ~ L I O so CC" tivcssc dinliciro, coiii ccrtcse cliie comprava iitn cgnal ao sou ...

Doixnvn ? Dcixnvn mniii8, clue on sei, bom vojo 110 sol1 olhar. J:Z 1130 picciso mais rinda pnrii, canz a110 contar.

Page 47: -marianansilva-oferendas

32 OFFERENDAS

e o tal chapéo i'abas largas de sotim cor de roina,! E... as minhas botas novas quo o pxpd mandou fazer? Fica o pó t8o pequenino, tão gentiI, tXo airosinho que i: mesmo um gosto ... Vae vêr !

-Sou das minhas companheiras do collegio a mais bonita: -Como tu vens bem vestida! Que bem te fica essa fita!- Disse-me um dia, mui triste, a filha da dona Eita. Ella que 13 feia s valer, não havia de chorar! Que servo o muito enfeitar se o nosso espelho nos mostra uma cara de aterrar?

E se chega a ser senhora fogem d'ella, nzo é certo? Pois tendo a cara tão foia ninguem a quer vêr de perto.

-Has, mama, porque essas lagrimas a vejo verter assim 3

Page 48: -marianansilva-oferendas

SEo de enfaclo ou de praser? JLL n3o gostar8 cla mim? ???to SOU j& n filha querida, sua alegria cla via a, scxi anjo, seu clicruliiin 3 Q u e h que tela?

NZo se apoquente, cii qiioro vG1-a, contente nb~ayar-mo ternainente, t~ sorrir-se para mim t ...

-ClitS~o sú por v6r-te alegre, qx~ando, olliaildo ali p'rn a rua, vqjo rotn,, quasi ndn, a filha dri, tacedeira ! A iii';íe, de t:ii~tn cnnceira iioin jd p6de trabalhar; vc!iii lionl(:i~i, a chorar, :iclui lmlir-1110, 110~ Deus, q u ~ r~lguns clos vosticlos teus (Icsso ii filha, p'ra tapar OH RCLIS 1iionl1)ros delicados, (1no tlci frio rcgelaclos i~Lú jtl roxos estão !. . .

Page 49: -marianansilva-oferendas

34 OFFERENDAS

Ai f filha, e tu tXo alegre, qual avesinhs palreira, a fall ar...

Foi uma asneira,.. &Ias, lembr'ou-me se algum dia te visses em tal desgraça ... sem fato ... a lareira fria ... e tendo s6 de quem passa, As vezes, pequena esmola l Eis o que me descunsola, n$o saber, aba, o futuro; ser4 brilhante OU escuro o que Deus para ti reserva ?

-MamE, maml, niEo observo Que com esse pensamento a sua bella alma aaige? Olhe, escute-me um momento : m ji nKo quero o chapéo, o dinheiro que elle eueta chega, talvez mesmo A justa, para comprar um vestido á filha da tecedeira.

Harn3, p'la sua saude, o meu desejo nTio mude: dê-lhe um vestido de 13; o se acaso nXo chegar,

Page 50: -marianansilva-oferendas

póde vender p'r'o compi.ar o meir vesticlo do seda, minha capa, d'astralr,zn~. E digo saclcusu satisfeita ao chapéo cGr de roinli.

A niãe beijou-a na teeta, a filha abrapou a ~ntlc, o foi um dia, de festa para a visinha d'além !

Madeira- 1875.

Page 51: -marianansilva-oferendas
Page 52: -marianansilva-oferendas

SANTA CRUZ

AO I~x."" Sr. CONE(i0 ALPREDO CESAR D'OLIVElRft

So cn quizossu cscrovor um folliotim massuclo e com miis iti'cs (10 Iiistorico, sorvia-mo osto titulo, para, com- r)~~lsniido aci Su~~dc~cZes da l'evrn, 31istoria Iiuzriana, e o i i t ro~ qiinosquor voliirncs q ~ i ~ tilatnm da &Iacleira, di- zor nqai viirias o clivcrsas coisas da origem e antigui- dado i l i ~ villa rroi~do tacnLo cle cliogar. Fallaria no Zargo o ii'orilros xsaiii~iptos concci*i~entos h clescobcrtn da ilha o rio coiiioço (11~8 l)ovoayões; mas doixo isso aos escrip- 10rot3 CIO ~i )xo forto, ;I qllo nzo chamo foi0 para não ser iii,y,.n~t,:l ii nrrin1)ilidnria coiri cluc 0110s danominam em ge- ral IIH ~i!lll~c)i~trs ( ( O bollo sosoa, sandc cllie nlgiimas de l i c ' , ~ , l i ) l * r ; t ~ 4 corili>ssal-o, 880 innis feias do quo n noite i l o ~ trovtios, c01110 s» diz vulgnrmento na Madeira.

Asai111 ropolirc!i ~iiigolrinioi~to o qac pensei ao :~vistnl.a. (Jostoi i113 Snnh C ~ L I B 80 nl~par~cci*.rne alvejaiite pas-

Page 53: -marianansilva-oferendas

sada a Ponta cla Oliveira, por entre os arvoredos, as plnntayões da canna de assucar e as moitas de inlia- me.

Gostei de vêl-a reclinada i beira-mar, sentada na falda de uma inontania qunsi até ao cimo cultivada.

O seu aspecto agradou-mo sobremodo; é Santa Cruz a villa mais bonita da Nadeira, de quantas tenho per- corrido.

Ha quem não goste das grandes cidades, lia quem diga de Lisboa, por exemplo, qiio 6 urna cidade de ale- grias e gosos para os felizes, mas nin foco de dores para os desgraçados; que n% 6 terra para as almas a quem o desgosto opprime; essas shmente nas cidades seminiortas do oriente se compraseriam de habitar. -

Ali, onde nem o sino de broi~zo atira pelos ares as fortes vibrações, ali onde nno rodam os estrepitosos ve- hiculos que a civilisapio enropea tem inventado; ali onde todo o viver se concentra no lar, onde a mulher nppareeo a furto e o homem prefere um molle coxim em que se recline indo!eute sob o tecto dourado do ha- rem, fumando silepcioso e meio adorineciclo, ds ruidosas conversa~0es dos passeios ou dos boulevards. H a talvez alguma rasão n'iuto. Para as almas tristes e victimas de uina dor immensa, antes, mil vezes antes, a villasi- nha debriiçada sobre o mar; é preferivel aos grandes e populosos centros; porque embora essas villas tenham

Page 54: -marianansilva-oferendas

SANTA CRUZ 39

om gora1 o inconveniente cio maior malcilicencin, são comtudo mais soccgadas e remannosas.

Além, a dois passos, está o campo com toda a sua bellesa poetica e fascinadora, com o silencio apenas in- terroilipido pelo cliilrenr de algaina avesinha ou pelo bala^ da ovelha que chaina o cordoiiinho perdido.

O campo, onde as arvores n%o relatam OS gemidos que algucim soltou sob sua copada folhagem, nem a relva diz as lagrimas com qno foi regada. Os que sof- frein amam tanto a golid2o dos bosques! Alliam-se tZo ~ O L I I com SOU espirito atlx~olles sons abafados - Xo?zs q t ~ q ~ n s s a e z -quacs os cleiiominou o siiblime poeta Tho- maz Ribeiro; harmonias cluo ninis nos convidam a iria- ditar, o nEo nos distraeiii dos pensamentos com que apesar dc a tortiirai7cm, a alina se compraz quando as- soborbada por amargos desgostos.

EiitEo de certo se preferem as penhas e arredores do Cintra, os ccdros altcrosos c10 Bussaco, As maravi- Ilins da arte a da industria que cobrom o solo das gran- des cnpitaos.

E o lilar? Com tocla a ~olidilo imponenta e mages- tosa; .coiii o seu ruiclo monótono o tristo do quebrar das vagas e a amplid20 immensa qiio leva a nossa alma A contomplaqão do infinito!

-Mas, Santa C~LIZ? air& a leitora.-Mas, Santa Cruz? dir6 o redactor d'cste periodico, um dos mais

Page 55: -marianansilva-oferendas

40 OFFERENDAS

distinctos filhos d'esta villa, o primeiro orador sagrado da Madeira e uin:dos seus escriptores mais notaveis e a quem agradaria decerto a descripçtio da siia poetica terra natal.

-Santa Cruz? Santa Cruz Q a villa mais bonita da Madeira. . .

Madeira - i877.

Page 56: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES

A EIIIiSIlB 1 1 1 ~ ~ 1 àiillll.4 ANTONA DA SILVA

- Seu filho scmpre caminha Antoniqiiinha? - fi vcrclade: ld vao por esses mares de Deus Nosso

Saillior 118 seguricla feira. -A Virgom Soilhora da Guia, e Nossa Senhora do

Monta, que 6 1Ilo cle nds todos o acompanhe. -Coitado d'acluillo. É iim gorgirlhinho ainda! - A liInricns o que quer ? A gcnte semos pobrcs ; o

11ac b um triste qixe anda sd a beber poncltc~ e raro vac no rtiar : o padrinho qirer levnl-o e c11 ainda que me fica ch por dcntro o cornçZo a estalar, deixo-o camii~har porque talvcz faça fortuna. - Tem-so visto, tein-se visto, redarguiu com modo

acntoncioso a tia Maricas dos Ilheiis.

Page 57: -marianansilva-oferendas

Este curto dialoga passava-se ao pO da fonte dos ilheus na villa da Cnmara de Lobos em uma tarde (le agosto de 18. . .

Era o caso, que o filho da Antonia do tio José da Ignacia ia partir para Domorara em companhia do pa- drinho. O Joséi cla Ignacia fora nos seus tcmpos um bom l)escndor, como om gora1 o 880 todos da sun fre- guezia, abuncla~tissima n'ellcs, d'onde vem aos naturnes a alcunha do Pesqzlitos com que os apodam os Iiabitnntos das outras fi-oguezias ; porhin o José da Igilacia, que havia tido de seu dois barcos, um de pesca e outro da Deserta e que se ia goveri~ando miiito bem, coinogou a entregar-so ao vicio do beber e passava q~lasi todo o dia na vonda c? tomar cangiqdes doponcha e gvogs: bc- Lia, pagava a nm e a outro, n8o ia A posoa, nBo ia aos gaiados d Dcsorta, no teillpo proprio, o coniopou a inise- ria a bater-lhe h porta.

A pobro da, mulher cliornva, ralava-se, rosafra o po- clia n Deos que o filhinho crescesse, para valor ao sou casal, qao via ir.se arruinalido. Os dois barcos j d ti- nliarn sido vendidos e o marido cada vez pcior.

F8ra padrinho do pequeno um ainigo do José dn Ignacia, quo partira teinpos dcpois para Doinarara e ld ganhd'a alguns contos de patacas como so usa clizor ; voltou a vor a sua fi'egnoaia o a comprar uns poclaços de terra onde tencionava fnzor uma casa quanrlo viosso

Page 58: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS 1);IADEIREhTSES 43

de todo para a ilha clisfructar, com descango, o que tanto lhe custara n ganhar; gostoii da espertesa do aG- lhado e l~ropoz ao pae e B mãe levnl-o comsigo.

O pae accedeu de proinpto ; a m h , essa, custou-lhe mais; porém forçada pela necessidade, consciltiii por fim.

k n'esto ponto que cornega a nossa singela narrativa que i~ada tcm cle iiotavel, desde já, previilo a leitora, mas que 6 vcrclacleira; e escrevi-a para satisfazer a um pedido dos proprictarios d'este joriia11 qiie com tanta benovolencin teem acolhido os meus singclos rabiscos.

Dias aiitcs do dialogo com qne eilcetzímos esta his- toria passava-se ein casa de Antonia ~ i m a scenn beni triste.

A boa ninlhcr, era quasi ao anoitecer, bordava aincla para acabar urnas tiras que pro i~xt tê~a para o dia se- guinte, cluanclo o marido cntrou c.n casa. -- Aiitonicn, que foi c10 teu curJ5oP - Vcndi-o Josb ! - Qno 6 do dinlieiro ? - Gnstci-o, tu bem sabes.

' O Diario de Nolicins, do funclial.

Page 59: -marianansilva-oferendas

44 OFFERENDAS

-Então n"a ficoii sequer riieio schelilig? - Ficoii algum dinheiro; mas tu beiu sabes para que é. -Quero o dinlicii~o, nRo mc importa mais nada. - Oh homem, tu que me deixes -o dinheiro é para

o cr ian~o levar i10 canto da. arquinlia. DGUS sabe se lhe ftirh mingua. - O rapaz nzo lera nem gwne; IA tcm O padrinho

que lhe dB tudo. E o Josb, nioio embriagado dirigiii-se para a arca; a

mullier poz-sc-lhe defronte para n8o deixar abrir a caixa aonde estava o fatinho que o iillio havia de levar e que ella compr~ira com o proclucto do cordi'io.

c OS nos cn- O hoinecn sem d6 da infeliz deitou-llie as m9 bellos pucliando-os com tal violencia quo a misera caiu no cliLo.

Bateu-lhe ainda apesar cle s v6r n'aqucllo estnclo, E o filho que estava com medo atreveu-sa a dizer:

-O pae q~io n£io riiallie iiiais a mâe. -Tu que tc calles quanclo não dou-tc urn murro que

te aivd.xnto. Abriu a caixa o de clentro tiron um saquinho cio chita

novo em folha, atado com um cordgo brni~co c no qilal se conhecia qiio devia ostnr algum dinlieiro, - mcttc.ci o sacco no Bolso c partiu ilesponclenclo com grossorias h niulher que do ,joellios lho podia que a80 gristnssc o di- nheiro do filho.

Page 60: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIliEKSES 45

Saiu:-na vencla esperavam-no tres amigos com umas cartas cncobadas para jogarem & bisca de nove, de qua- tro pai,cairos a cangi~ões de po7~cha; clivertimento favo- rito do JostS da Ignacia e de tantos outros pescadores; e que bom era d'clle se abstivessem pelo mal que fazem A si G :Is 1)obrcs fimiiias.

Deixeinol-O e~i t i~eg~ic Aqilelln vida estragacla e volte- mos a casa aonde ficaram a mullier e o filho.

-A iiifie que nSo chore, eoitadinlia. --Não liei de cliorar, filho, eu que te criei coni tanta

ainisaile; bom basta vêr-te ir embora, qiinilto mais iicm seclucr o clinlieirinho, que era do cord2o que tiia R V U m e deu, quando mo casei, ncin sequer osse tu levas para cornl~rai. uin boccaclo cle niillio se tiveres fome.

-A 1n2o que deixe: n5o ine tem ensinaclo que Deus scmpro vale A gente se 1110 rosa? Pois eu se tiver forno rcso, o Deus ha de dcparar-me comer.

A rnão i120 responileu, estava lieasativa; de repente lovailtou-sc c10 cliiio nonclo ainda jazia, foi a iiina arca, tiroti uils objectos, cmbr~ilhou-os e voltou para junto do fill10.

-Vigia, Josi.1 toliia; - sAo os meus cadeados de oiro

Page 61: -marianansilva-oferendas

e o meu 1890, giiardo-os bem; tinha-os para dar B nossa Maricas quando fosse a primeira vez B confissfio, levaaos tu que vaes caininhar; se um dia precisarus vende-os e lembra-te de tun mao. Esconde-os no teu bolso.

-E se o pae a malhar? -RZo malha, não, deixa estar. O rapaz agarroil no embriilhinho, guardou-o, abra-

çou a mEe. -Assim me Deus salve, disse olle, em coino a nossa

Maricas airida ha de p6r estcs cadeados e O lago com um cordão de quatro ~ o l t a s que lhe hei de dar e outro a c2niecG.

-Coitaclo d'ioto! exclamou a mHe sorrindo por entre lagrimas com o santo affecto e nobro orgulho das mães.

Ji ae balouça nas aguas do Funchal o brigiie Jllária prestes a partir para Demerara, atracando a um e outro lado botes concluzindo os passageiro3.

Tristo scena ! Alguns voltam os olhos com saudaclo para a terra que

os viu nascer, outros estão ainda dizendo o ultimo adeus ao pae, h mãe, Q irm8; muitos pensam na estens?io cla viagem. Quantos dias sobre as aguas do mar1

Page 62: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS iKADEIREPr'SES 47

Do porto cle Camara da Lobos saiu um barco tripti- lado por dois valentes pascadoies, levando a bordo o tio JosC:, s mtilhor, o filho a o padrinho.

O barco C: o mesmo que pertencera ao pescador; o rapaz dcsojara ir n'olle, porque era aquelle onde brinchra em peguci~o, ,aonde pela priirieira vez fora fi pesca, aon- dc ]?:is8dra muitas noitas trabalhosas, n'aquelle arduo miater.

Atrncoii ao brignc o barquinho cio pesca; subiram ps ~asmgci ros a escada de corda do portaló e entraram n a coberta.

Por toda a parte liavia prantos, beijos, bençLos, abra- $053.

A familin do rspaaito conservou-se a bol*do até se dar o signal cia partida: o pne uoio ernbriagaclo con- versaizdo caril o coinpadrc, n rnZo abiapada ao $lho mi- rando-a com sanclxclo o amor.

A clcsl~cdids, o paclriillio cle lisniiol, disse ao José dn Ign~icia:

-Vigie IS, compadre, o barqx~inlio é outia vez seu, f q a por '10 conta que 6 aeu filho quem 111'0 dá porque foi 0110 quo in'o pecli~i; n&o o vencia p a ~ a bebida; an- tcn qiicro snber quo ao virou, sam perigo de pessoa al-

Page 63: -marianansilva-oferendas

guqa jB.ae vê, do que ouvir que o compadre o ven- deu.

-Dê cd esse abraso, Iioine; n5o fique para ahi ca- lado como o atum na praça.

O José da Ignacia abraçou niacliinalniento o compa- dre, contavii. ello depois qua a primeira leinbrança que lhe occorrêra, fora a quantidade do grog que tinlia para beber com o proclticto da venda do barco.

O filho abeirou-se d'elle, chamou-o d parte, falloii-lhe algum tempo e abraçoii-o.

Reparou alguem que o homem trazia os ollios Iiumi- dos de lagrimas.

- Entrio IA se foi Antoniquinha? h verdade, Maricas, tenho este coraç5lo mais negro

que uma ba5ta. Coitado c10 crianço! Quer saber o que alle disse ao pac antos da gente carninl~a~ para a terra?

- A mecê que conte. -Chamou-o da banda Ifi do navio e fez-lhe esta

falla : JB que eu vou para loilge cle si, cluero peclir-llie cliias

coisas s6. Não malhe mais a nossa mEe e nrYo boba muita aguardente. O pae que me prometta isto para cu ir descnnçado.

Page 64: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS IIIADEIIZENSES 49

-Ai crcdo! a mecê o que me diz ? aquillu 6 que 6 a bondade do mundo cle rapaz; 18 juizcliilho sempre elIe teve; e n b ora estropclla; em quanto os outros anda- vam na retoipa estava elle estudando a cartilha ou brin- canclo alii ao se11 pé.. . Mas agora reparo, a Antonicn vai vaiTrer a casa sendo já noite?

-E verdade não atremei: com a lernbranga do nosso I\iIailuel. . .

-NBo varra, não, que sae o cliiihoiro de casa; sem- pre assim o ouvi dizer.

D'ahi a pouco entrou o Jose cla Igilacia; vinlia triste, d: com seu cliapéo dc palha, pintado cle tinta de oleo vorcle, caiclo sobre a testa. - Boas noitos A coii~pailliia. - Dcns lhe dê as iiicsmas, visiiiho. - A ccia est8 pi,omph, Antonica? perguntou it inti-

Iher. -Vou apromptal-a, é unia sol~iniia dos chixarros qiie

tu mandastes. -Foi o meu quinhzo : sc pesca. foi someaas : O mar

jA 1150 coi~liccc o JouB da Iilaiça ! ás vezes at8 tcnho vontaclu de pedir-lhe pragas. - Calla-tc c10 ahi hori~e do Deus. - Pragas ! visiaho, actidiu a &Iaricas - pragas com

rasa0 nein ao meu cão : o que não voin om dia de Santa, &1 arin v emn'outro.

(L

Page 65: -marianansilva-oferendas

O JosB ficou-se para ali callndo A espera d s p i a , -A Antoniquinhn que passe bem a noite mais o sou

velho. - Se a visinlia quer cear, a visinha quo iiEo saia. -- Obrigada a Autonica; acleus. A visinha saiu; veio a ceia, que se compunha coii~o

dito fica de uma sopa de chixarros muito usada na Ma- deira, maxime na freguezia de Cairuara do Lobos: junta h sopa o peixe cosido, com um molho de azoite e agna do peise a que cliamam caldo. O azeite porúiu ein vista, d a sua caresbia, porque nrio hn oliveiras un Macleirn, nem soinprs figura n a mesa c10 pobre.

Fiilclb, a ccia, o marido e. a mulher foram selltar-60, a coser, elIn algiima roupa cle casa, elle a coiicortar uilia japoila de oleado. E n'easa noite cjiie cra n iinineclinta B d a partida clo filho, faltou B venda nqiielle freguez (p

i bisca o habitual l~arceiro.

ãfiiclarn bastalite o Jos6 da Pnniga, como lhe aliama. vam bebia muito pouco etpescava xninito mais.

Toclos os dias das tres para as quntro horas da ma. drugacla, 16 iam Li porta o AgriZo, o A i ai, o Pae Pau- dos, o AyoZica ou outro qudqzier i.rithr pclo arraes, 0

Page 66: -marianansilva-oferendas

NARRATIYAB NADEIRENSES 51

jb o achavam prompto para a lida quo[hdiaiia: rino pas- sava, verdade seja, sein tomar no botcqniin do sr. Ro- quinho ccque no tempo d'csta veridica liistoria aincla exisiia)) o seu copiiiho de agiiarclente para nqiiecer; mas ficava por ali; uin grog, e nada iilais. R Ilitaricns andava inais satisfciia. J B Ilie luzia o dinliciro do Lor- cladinlio, que sc i a acuiniilando ao canto (1s :Lrc!a.

Os i~ia(loirciises ilKo estrnnliaiii vcr n gciitc do povo bordar, i50 usual B iin illin aquclla inclastl*i:i ; mas os continontaes, tu mialia querida irma, a qiiení dcdico esta iiarrativa para que fracamonte possas J:~zer ligeira id6a CIOS costames da illia, decerto t e adinirnrhs ao sa- ber qiie esses bordnrlos quc se veern nas montra? clns lojas erii Lisboa, csses borclados c~ijn perfeiçrio iios erile- va, sâo.ixiuitas.vcze~ fcitos por uma pobre ~iliiihw', mal arraiijacla, clescillga, qiie vac corn o Lorclaclu na in8o at6 o calhau, at8 á rod:~ da i~iaré, vigiar sc o loarqni- nho, onde aida o seli vellio B pesca, j(i vein para o porto.

E rcpai3n que emquaiitn a niRe faz nin bortlaclo, a fi- lha, criaiicinlin de dez oii doze annos, faz iinia t i l a e está b porta, toda seria coiil 3 tlicsoiira eilfi:icla n'cirna fita ao pescoço, ganhniirlo uiis tristes vii~tei~s. Oritras mullici~es burc1,zm coin o filhiillio no collo ; oil eniqilaiito es~eraiii para eiiclier o pote ou vnsillia dri agua, qiia 60 bi~scar á foiite; finalrilenta pclos cainpoY, por toda a

Page 67: -marianansilva-oferendas

52 OFPERENDAS

parte encontramrias as bordadeiras como otitr'ora pelas nossas terras se encontravam as mulheres a fazer meia.

E miraculosa a maneira como o bordacio sae limpo, aceiado, perfeito, de inãos que parecem s6 proprias para os misteres os mais! rudes e que n'ellos empregam alternadamente muitas horas do dia.

NLio fiques d'aqui suppondo que B s6 a gonte de mais baixa esphera a q u ~ borda na Madeira; ha milita me- nina e muita senhora de educar,lo, que buscam n'essa industria meios para acudir Ls necessidades da vida. Aqui da-se uma tira cle panno, uma agulha o uma liriha a uma crianqa para brincar, fazondo um bordadinlio, como 11 pelas nossas temas, se Ihes dão uns retalhos para fazoi. um vestido 4 boneca. .............................................

Desculpe a leitora madeirense os parentliesis d'estas narrativas, que cle certo nlo lhe interessam, s6 podem ter algum merecimento aos olhos dos estranhos, por Ihes dar a conhecer, embora impoyfoitamento alguma coisa dos usos o costumes da ilha,

Entrou uma noite em casa o JosB da Tgnacia pensa- tivo e como quem vinha assoberbado por uma idéa im- portante, tomou unza banquinha e sentoumse.

Page 68: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS IIADEIRENSES 53

A mulher e a 6lbinha borclavam. -Sabes, Antonica, que tcnho pena do crianço; jtl 1&

vão mais de tres mezes e nao dB copia de si como dil-O outro. Elles dizem, que o brigue MUTZU, ji sahiu de Demerara, mas que partiu de 18 com melaço para Lisboa e 96 na volta vi1.8 aqrii.

-Tainbcm eii j B ouvi fallar n'isso. -A mim d8s que o rapaz se foi até jd me n8o sabe

a aguardente; ioinci enjôo S bebida. -Tão ponco tenlio eu resacio B Scnhora do IYIonta e

ao santo Servo cle Deus 1 para qoo affastasse cls venda o meu velho!

-Pois sim: mas vigia; tcnho andado com a idéa de ir atO d Deserta no barco do Angelica pascnr uma. por- 9% clo gainclo e cavala para manclar salgada ao rapaz.

-Ai, llome, credo! -JB estlis velho para ires tl Deserta, alembra-te d a

(tdisgraciau qne aincla nLo ha muito aconteceu no Porto da Cruz.

-Ora o arraes aia uni criango e os compan21eiros asoinenos)) valheu-lhes o Sei~lior Bom Jesus, que B bom pae.

1 O scrvo de Dciis nome popiilar porqiie O coiiliccido em Carnara dc Lobos o licalo Srci iJcdro da Guarda coiri queui os moradores tem grandc dcvoçHo.

1)'elle escrcvcinos um dia a lerida.

Page 69: -marianansilva-oferendas

-ElIes jA mandaram por a ckuz nova ila rochz~? - J6 sirJ.1, foi promessa c10 arrnes qiiando se viu quas

afogado; eiitão i~Ko havia cle inandal-a pSr? Mas eu LI muitas vezes h Doserta e nnncn me aconteceu dainno graças a Deus.

-O meu velho quc faga o que qiiizer; inas 0111s se mandares o peixe ao rapas eatAo h~ls cle me acomp1.a- res> Lima cuscuzaira parri. Maricas iue fazer uiis casens para eu msnclnr tambem.

-E JIaliuel? Pobre cr ianp! Morren-lhe o padriillio na, vingein sem

fazer disposiçXo alguma, o O pequeilo, clua era já mnl olhado pelos ~oin~~anlieiros por ~ L I G tiilha a ~rotecçLio de uin clenzer,a~.isicc rico, viti-se c10 reponte isolado no meio d'aqiielln goate, sein apoio ncm arrimo.

Deseinbarcou o pobresito na cid~icla cle Gcorgo-Town, expulso de bordo com asperos modos' polo cnpittlo do brigue.

-Tu para que sarvcs? diziain-1110 os marinheiros. -Eu sei poscar, sei i r aos n covas)) . . . -Pois siin, sim, governa tua vida. L6 foi o triste-

sinho, proc~~ranclo de porta cin porta arrimo.

Page 70: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES 55

Ninguem queria seus serviços e a infeliz crianc;a uin dia, gastos os ultimoa vinteils que possuia, teve fome!

Pobres mães! Crearnios com tanto amor, tantas lagirnas, sacrifi-

cios tainnnhos, uin filho para elle se ver assim ao des- arnl>aro oin estranhas terras!

Certo dia o pcqneiio tenclo passado q~iaienta e oito ho- rns scm outro aliinento mais do que algumas bananas j& muito innduras, que apailhdre no chXo c10 mercado, e seiitindo a foine roer-llie as entranl~as, levou a mgo ao bolso, c achou os cadeados e o lago. EntBo alegrou-ss o foi procurar quem lhe comprasse ccacluollas prenclas~ quo c110 18 cle si para si determinlra n"a vender llI111Ca.

Mas a primeira pessoa a quem se dirigia perguntou- Ilie brliscamonte.

-Tu aonde roubaste isto rapzl~? - Senhor eu d o roiibci ((foi quc a nossa mIeu me

dcii . -Vae-te cl'aqni cluo nzo compro ob.jectos roubados, se

1x10 appareces outra vez entrego-te 6 policia. O rapaz toinou medo e gir~rclon as joias. Extcnuailo, coin foino, sem saber que fazer, Icmbrou-

se c10 scus pacs c Ieinbrou-se de Deus. Passava entzo por unia cgrcjcz cuja porta estava absrta.

Page 71: -marianansilva-oferendas

-Eu - contava elle depois - clizia comigo, a nossa mãe ensinou-me a que quando tivesse fome rezasse a Nossa Senhora., qiie Ella me acudiria.

Paz-se de joelhos, ergueu as inãos e rezou; rezou o Padre Nosso, Ave Maria, a Salve Rainha, unica reza que sua m3e lhe ensinara.

Quando com todo o fervor pcdia a protecpão do Pae Ceieatial, que do céo nos vê e contcinpla com amor, en- trou na. egreja uma senhora edosa, que ia levar um cirio h Virgem.

Attentou no rapazinho e adiuirou-se de o ver tLo novo e dando signaes de tXo verdadeira devogão.

Quando o pequeno se ergueu ella dirigiu-se-lhe e per- guntou em portuguez. -Tu de qu8m As? A creanpa ao ouvir fallar o seti idiomn, e conliecando.

na acentuaçto cle voz qiio tratava cbm possen da &Ia- deira, respondeu chorando: -Eu senliora sou o 11aniiel filho do Jos6 da Inaipx

da freguezia de Cainarn de Lobos. -Entlo nto esths em uaaa de ninguem? -Nlio, senhora; vim com mou padrinlio; elle morreu

no mar, e vae, para aqui fiquei sem conhecer pessoa al- guma, e sem ter ainda ganho nem gerne.

-Vem comigo. Suiram ambos: a caritativa senhora era viuvn de um

Page 72: -marianansilva-oferendas

- - - -

NARRATIVAS hIADEIRBNSES 5 7 --

madeirense que embarcira para Demernre, fizera for- tuna no paiz e ti sua morte deixára alguns bens.

O Manuel ficou. em casa d'ella a titnlo de creado e nIo foi infeliz.

-Boas noites t i visiiiha disso a Mayicas. -Deus Nosso Senhor lhe dê a5 n~esmas, respondeu

Antonia. Que frio faz, visiilha, até teilho os ((beiços arregua-

d0s.u -Eu? iiin anno assim nunca vi, graças a Doiis. -E o seu Manuel? -&Inildoa escrever visinha, e conta que esteve em

casa de um8 senhora; gostou d'ello que foi iiiua coisa, servi11 I& de crendo e agora poa-lhe u,ma vendn.

-Ora vejam! ainda ha familia boa por esse mundo clo Deus.

-E elle, visinha, mandou clez patacas ao pae para comprar uma japona e pedi~i-llie outra vez qnc K I ~ O bo- besse agua-ardente de mais.

-Coitado clo crcanço! Vigie Antoniquinha que ca- becidaclo qiie elle tem! quem havera de dizer!

-Elles dizem que o rapaz vem para ahi mais rico do que o sr. Roquiaho; eu j6 me conte%to em elle tra-

Page 73: -marianansilva-oferendas

zer com que nos ajude a passar o resto clos clins. O meu velho nunca mais toinou a bebec!eira, 6 verclade; nonl me inal'uou, mas anda triste, triste, que é uma coisa1

-E digam IA, acudiii a Maricas - sim: digam que 0s pnes n b tem amor aos filhos; O amols (10 luzo 6 iiitii- to, mas o do pae nlo b'sornenos.

-A visii-ilia sabe, tenho lioja ticlo uma cl8r 110 esta- mago, a só comi de manlit uma coisinha C ~ C inillio com coive e graxa, nem mais gerno em todo O dia.

-Ai isso ha de ser azis; a visinlia que espera, clisse a Antoniquinha, que era, cnrandeira e tambein ds veacs deitava cartas,- isso vae-lhe passar, clê-mo um cnngi- r50 d'agiia.

Levanton-se a Maricas, e foi ao cnilto C ~ L L casa aonda estava uma bilha (a cliic chamam pote) e trouxe um cangirão (que tcm no continente o noma de p11cu.o).

-Antoniqoinlia que se poilha o m 116, a v6 bobcnclo aos goliiilios agua ein quanto eu cligo a orap2o.

E coinegou: Azia, azia, tres vezes azia. Nossa Senhora tinha tres novolhinhos. Um com quo fiava, outro com cluo torcia. Outro com que passava o mi l da azia.

isto o que vos pego. $ Para mo tii'dr a agonia.

Page 74: -marianansilva-oferendas

-- NARRATIVAS MADEIRENSES 59

A visinha que repita tres vezes esta oraçEo e rzi be- bendo em mentes lhe não passar.

N'aqtielle calhau de Camara de Lobos, clieio de bar- quinlios de pesca, aglomerava-se uma grande multidão.

E ra perto das tres horas da tarde. O c60 estava lin- do e sereno como costuiila ser o céo d'esta terra de flores : a face aziilada o tranqiiilla dns aguns da pesiie- na bahia, a, mais excellente da ilha, retratava as es- curas rochas que forinain o porto.

Entre aquelle povo, via-se um vellio de cabellos brail- cos, as faces crestaclas pelo ar do mar e pelas agtias salgadas: vestia uma jnpona de panno azul, nova, cdca da 1nesn)t-t fazenda, e com um grande cliapéo de pnllia. Estava sentado no ixiuro ou cortina qiie defronta com a porta lateral, da erinida do Espirito Santo; junto d'elle estava uma inullier tarnbem edosa, tisajando nZio ao uso de o~itras iregaezias da ilha, mas ao da cidade, vestido de chita, ehaile de cazemira, e leaço de seda na cabe- ça - acompanhava-os uma formosa rapariga, que de quando em quando olhava a furto para um iilocet"a que estava sentado na bo11da de um barco de pesca.

Page 75: -marianansilva-oferendas

-JB vem para cB do Cabo GirBo; nLo vigias An- tonica ?

--Nf10 havéra dc vigiar, parece que tenho hoje dois tantos d s vista. Estou enorme, meu velho; não sei o qiie isto é.

-Ora o que ha clo ser? 6 alegria, como aqiiella que a gente c6 por dentro ao sabor que iamos ver o nosso Manuel, que ha um ror d'annos estava 14 fdra.

Grapas a Nosso Senhor e ao Santo Sorvo de Deus, que nos deixou cllegar atb hqjo. A minha velha sabe? Ainda tenho medo de riu@ elle nRo venha, a de o abraçar.

-Lá isso nEo; vigia É: aqciolle; tenlio uma, coisa que me diz, que 6 elle, que vem no barqtiinho &.I&-mar do Cabo BirLo.

Ora se é, inte! Estou mesino co~lhecenclo-o. -Tu, sim; olhem voc6s agorct n rapariga, julga que

o nosso &Ianuel, vem o moamo tal qual foi1 -Feia baboza! disso o pae sorrindo. -Ajunta o lenço que te caiu Mnrioas, n l o oiives ? - A m8e que desculpe, nBo t s t remei .~

O barquinho chegou perto do calhau: os tros oorra- ram, e j h quatro robustos pesoaclores tinham posto os pnraes n'um momento, mcttendo.so pola agua pare aju+ darem .a varar o bxrao.

Page 76: -marianansilva-oferendas

NAXRATIVAS NADEIRENSES 61

O Manuel saltou em teria. Vinha um figurao. Quem ouvisse depois a visinha

Maricas a contar 4s outras: Elle trazia o bom fato de cazemira azul, a boa calpe

de cazen-iira arnarellzl, o bom chapéo de pallia d'abas largas, e siia corrente cle oiro posta por cleforn do ca- saco prendendo o relogio inettido no bolso-só anneis de oiro, grandes, eram tres: dois na in50 direita e uin na esqiiorda. Eu fiquei rnttxima, visinhn, fiquei maxiinn quando vi aquillo!

Era verdade: o Ilanuel dera-se bem com o negocio, e voltara á freguezia a cnmprir uma promessa, e com- prar uma casa.

Ao desembarcar no calhau, o pae apertou-o nos bpa- 90s o saltaram-lhc as lagrimas; a mKe como pasmada não se cançava de coctemplar o filho ; parecia-llie im- possivel, ser o seu rapaz aqaelle mocetlo perfeito e aceiado que ali via.

-EntBo, Autoniquinlin elle trouxe imitas patscas? -Ora se trouxe, Maricas : e jíi clisse que este auno

se ha de fazer a procissão do Senlior S. Peclron e qna hade apparecer uma ubarquinliau que vae cleixar todos admirados. Mas o melhor, visiilfis, foi que o rapaz, coi-

Page 77: -marianansilva-oferendas

..---- --- @k OFPEFE1SDAS

ta& dktiuillo! trouxe-ine outra vez O ~ l a ç o a os ca- de&d@~, deu-CM A irmil ; e a mim deu-~ue estes ; quer vt.2 - Oh, lindas prendas! disse a Xaricas arregalando

úti 0lfiaj.s.

- 1s-o cuo;tuu para mais de trinta patacas. - E o cord.'ro, visinha, o corda0 que elle botou ao

1%&08;*r~ da Írjiid, 6 qutlsi t2o grosso como O meu dedo uiaituiliho.

-Isso 4 que se chama um filho, olhe quem tLlo nova j6 acsrripe~ai, s ter assim fortuna, em senclo ve- lho t: rnaie rico que o morgado da Nazareth. - E olho ariiece que nBo se esqueceu de a g r a d e

eer ao yav n2o ter bebido de mais: o meu ~ e l h o cho- raiva com'a um erianpo com as palavras que elle lhe disw, - E o &eu ~ e l h o não lho fez falla neohiima? -Coitado d'aquillo ! s6 lhe respondeu que fora a

amisade que lho tinha, as saudades que sentia e o fa- vor da Virgmn do Monte que llie tinhain tirado o mal- dito vicio, Deus me perdoe, ......................... I ........ .. l... .L.. ..

Tiido era alegria na polre casinha dos pescadores : alegria que compartilhavam os visinhos e de qiie par- ticipou no dia de S. Pedro toda a freguezia. Nunca em atino algiiiu no dizer dos velhos se fez procisslo

Page 78: -marianansilva-oferendas

mais bonita: abriram o prestito quatro rapazes aos mais bem postos, nlontados n cava110 e vestidos ci tur- ca com sua calça eucarnacla lililito larga, scil tiirbante muito alto, que l era uxn gosto ver e segurando cada um sua bandeira de cores, que esvoaprs ri brisa. da tarde.

Logo apoz i s uma dança em que tomaram parte mais cie vinte homens, iiietacle dos qunes vcstillus de mulher, e com fatos cada qunl mais estravagan- te, levando todos 11ma carapLiGa a a uso da itiin, imito enfeitada de fitas e fiores: em segiiicla qu:itro ra- parigas vestidas :i inoda a n t i p da illis e que ainda hoje iiguraui nas festas c10 Espisito Santo e a que cha- inarn ~(saloiass.

Levavam o p i t o cheio de joias, o pescoço qiiasi co- berto pelos cordões de oiro, e as carapucas artistica- mente enfeitadas com fios de porolns e flores.

Quatro homens do niar dos luais valentes coudii- ziam ein segilicla a barquinha, que ia cheia de duces, fsiictns, miihares de ramos de flores, miiitgs ovos, grande quantidade de p3es cle assuear, muitas garra- fas de vinho, tiido disposto coni a maior arte. AO pé da barqninha iam os doze aapostolos)) levando uma rede de pescar, nova, e resticlos de modo a qiieiei iiili- t3.r O trajo dos coinl~anheiros do Divino llestre: seguiam depois as irmandades, sendo a idtima coilfsaria a do

Page 79: -marianansilva-oferendas

$&timimo. A imagem de S. Pedro ostentava se en- f&k& conz grande variodade de flores. Atraz da ima- e m o antes do pdio, lli se via com a sua capa de dor rrovrr. e vara de prata o nosso Manuel.

Ao Indo o velho pescador, que G o sabia se havia de rir, 5~ chorar; e pxwava de uma para a outra mIo s reirios, t2o distrahido caminhava, a rever-se no filho.

A mueíca da cidade aiegrevs com seus harmoniosos mams q w l h festa, o da quando em quando estaleja- PW fopebs e dinviam-se os tiros da apedreiros.~

Fiada ei procissk a bbarquinha foi depositada no m ~ i a d r %reja para quem a quizesse ver; e recolhida dspie pelo sanhor vigario a quem pertence todos os BnDUs. * . ... l . . . . e . ...... t..... .. ...... .... . . . . S . . .

Ainda hoje quem fGr a Camara de Lobos, no Cami- nho Grande e Precos, v& entre as franças dos arvore- dw, alvejar a casinha com que o Dfanael presenteou o p m c a mãe, ao pmtir de novo para Demerara.

O vdho morreu annos depois abençoando o filho; a rei% ainda lhe sobreviveu.

Page 80: -marianansilva-oferendas

NARBASICAS BIADEIRENSES G 5

XIII

- Senliora Antoniquinha, ainecê na, vilha hoje? -h verdade, senhora Maricas, vim com o meu ne-

tinho 4 missa, rezar pela alma do meu velho, que trio amigo foi do pae d'este cccreanGou o nosso Manuel, que int8 perdeu o vicio da bebida.

-A visinha que entro e descance um nadinha.

Camara de 1,obos - Bladcira 7 de maio.

Page 81: -marianansilva-oferendas
Page 82: -marianansilva-oferendas

DOR D'ALMA

A E X . ~ ~ Sr.a VISCOIYDESSA DOS OLIVilPS

Eu sogro, ,e esta ùbr que me atormenta E um supplicio atroz!

E para cantal-a h l t n ,i lyra coi*das E aos labios meus a voz!

Oiiti*'ora, nos ergastulos horrendos ao martyr torturado alitnentava uma esp'rança, que aprís dias tromonclos n aurora. resplendento inda aguarclavn.

I-Icje, porém, meu Deus, que luz de esp'rangn n'esta alma angiistinda verterds 7 no meu viver da horror verei aind,; o amor, a compaixão, a clitn, a paz?

D'esta alma que p'ra ainar Senhor, fie cléste quem foi que a flôr clilecta me arrancou ?... Ai flor, ai virgem flôr, no c1180 fanacln, ai, sonho, sonho bello quo passou !.. .

Page 83: -marianansilva-oferendas

Um dia, n'am oceano embravecido am qtte eu mm ramo saccumbia. já, brilhm propicia e sh l la l Inda a Teu moto n@r ( M J ~ tormenta b~ i lhad P...

St3 d'mm &tm fomos0 O movimento k tu admcrnta, oh Deus ! que determinas, qae d45 f m n r r r á brisa, o canto 4s aves, o dum m m i l h roaas purpurinas;

-se tudo LZ Tua voz suprema escuta, porque hrr de em duro anceio agonisar mta dms que me d h e ? alma de martyr ? C$I~ é msn mime? E mime, oh Deus ! amar?!

Page 84: -marianansilva-oferendas

NO ALBUM

DA E x . " ~ SrSa D. CAIILOTA DE N O R ~ N H ~ IIENRIQUES DE ACUIAR

Se a flor se iinpressionasse e podcsse aifiar o regato que deslisnndo juiito cl'ella lha nutre a rtciva; se O arn- biente conhecesse e podesso ser grato aos effiuvios com que 6 dor o embalsama; se a ovelhinlia percebesse o bem que o pogureiro 1110 quer quando a conduz ao vi. rente pascigo: se a avesinh'a aclorasse os 'tronquinhos e pallias de que construo o ninho onde ha do conchegar a tenra prole; se tal succedesse, todos esses nffectos e gratidão'seriam um pnllido reflexo dos que t e consagro.

Camara de Lobos. -Madeira 1875.

Page 85: -marianansilva-oferendas
Page 86: -marianansilva-oferendas

DESESPERANÇA

aÉ como o outono R minha vida triste, como o sepulchro, solitaria a nua», sempre batida por coi~trarios veiltos, B como a nuvein que no wr fl~ictua.

Senhor! Sonhor! porque me clésto a vida se em hora iilfausta para a dur nasci? So apoz o sonho de iiioritido gozo oin negras soiiibras por meu ninl mc v i !

QLICIB P ~ I I O os dins'disfr~1~ta~ alegre ? sd cj1ie.m nEo sabe o qiic estc inupclo 6 ; sd qiiein não prova do mnrtyrio a taga, quem aliineiita no seu peito a fd.

Page 87: -marianansilva-oferendas

&%e krrw noits! N'este horror infindo @ida ni eeprsnça, minha luz fenece; qw defira, compassivo, em breve, d"am pita d i c t o a fervorosa prece.

H& .ai nr caw do rigor que soffro; 4 m h , 6 santo do meu peito o amor

O crime aonde crima existe, a ~ i s &-me B mpe~ttnça, por quem Bs, Senhor!

Page 88: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES

Cantava o papinho nos cannaviwes alegrando a hora suave c10 crepusculo vespertino: do tecto de colmo da cabana elevava-se ein espiral o fumo.

Pela estrada, que conduzia a um casal, caminlinvam duas raparigainlias, quasi da mesma adade. O rosto de uma, suave e encnntndor, cienuncinva a santidade de um caracter Loudoso,

A outra, formosa tambem, tinha no aupccto algiima coisa de repulsivo, e os seus olhos negiqos seriarii mais lindos se n8o tivessem uina exprsss50 de nialclade.

Acliante d'ellas ia:

aUmn vaq~iinha leiteira. de alvas malhas, pello nedio~

Page 89: -marianansilva-oferendas

74 OFFE13 ENDAS

aqui e aldm a bocca para apanhml alguma giesteira viçosa, quo se balouçava A boira da estrada.

impacjentava Joanninha, a linda rapariga do ,-,lhos negros, e cada vez que O animal baixava, a ca- beça para colher a planta, puxava-lhe violentamente

corda, a 8s vezes batia-lhe com ùma vergasta. - Joanninha, nLo faças mal 4 Joia, -dizia a ou-

tra peq~~enita.- Joanninha fazia ouviclos de mercador. Chegaram ao casal. A ni%e esperava-as, com n santa alegria com que as

mâes*aguardam os entes a qneni dcraiu. o sor. - Ondo estR a Join?-perguntou. -Prendi-a a uma arvore, para nLo comer mais; veio

pastando todo o caminho - disse a Joanninha. -E d6ste-lhe com a vergasta para te vingares

d'ella, - acudiil Rosinha pesarosa. -Fizeste inal, Joanaa, os snimaes sentem e conhe-

cem quem Ilies quer bem. Joanninlia não respondeu; entrou para a cabana e

sentou-se a um canto. Siia irmL seguiu-a com os olhos, e dirigiu-se para s

arvore aonde a Joia eatava presa, mirando cubiçosz oe tufos de verdura luxuriante que vegetrhva ein torno d'ella.

Desprendeu-a, e não $6 a deixou passeiar, mas, cor- rendo pelo campo, qual ligeira gazella, colhia o ~ a oin

Page 90: -marianansilva-oferendas

um ora em outro sitio um punhado do herva e vinha trazer Ct Joiu quo Ili'a tirava da mbo coin toda a bran- dura, como se rccurisse offendel-a.

A creanpa Latia as palmas e corria do novo s con- tinuar a tarefa agradnvel.

As soinbras da rioito iilvaciiram n turra; brilharam n o céo os ii~il clininankes que se cngastain no firma- manto; o pintasilgo viera tainbein .gorgear nas bananei- ras, enchendo o espaço coin scti iunvioso canto.

No dia segniilto apenas por detrrls daa serranias ir- radiava siia primeira luz o clar2o da inadriigada, fui ao casal. - Joanninha, - disse-lho, -vem iuugir a, vaccn; dB-

me um copo do leite. Rosiriha, cercada por um bando c10 gallinlias e frari-

&os, distrib~iia-lhos iilillio, sorrindo contento. Jonniiinha, com mllo rnodo, ei~camitiliou-se para o

sitio ondo estava a Joirr, Mal que a viu aproximar-se, o nniiiial brarriin zan-

gado, e agitou a cabcgn. -Vou buscar a vei*gastn, Assim o fez, a vcrgnstorr-a. Tornou 3 a1)roximar-se;

Page 91: -marianansilva-oferendas

76 OFFERENDAS

porfm a vncca, B forga de movimentos desesperados, que- brou a corda e deitou a correr. - Est i damnada a Join, gritou Joaaninba em altos

brados, - algum cachorro damnado a mordeu. Acudirsin o pae, a mIo e o moço do casal. Conta-lhos a pequena o caso, aiigmontado com seus

pontos. Eosinha niio disse palavra. Olhei-a, vi-a sorrir. O lavrador entrou em casa, foi buscar uma espin-

garda, e voltou dizendo para a mulhor: -Bem me custa dar cabo do animal. É: tÃo bonita,

e depois.. . . Deue sabe quando poderoi coniprar outra. Rosinha correu para o pae: -Não mate a Joia, pae; eu vou buscal-a.

b - Não, que eu nIo consinto,- acudiu a mLo, ooin n solicitude do coiqação, de oiro qiio todas ns mil08 pos- suenl.

-Deixe-mo só chamal-a, a vor se ella vom. E sem esperar acquiosconcia ao pedido, corrou a apa-

nhar uma porqão de taloa de inhame, a vcloz qual Ia- vandeira por entre os prados, aproxiinou-so da Joiu, chamando-a.

0 -pae e a ni2e seguiram-na, c mais atraz Joanninha. Eu fiquei s6, contemplando aquelle quadro.

Page 92: -marianansilva-oferendas

- --

NARRATIVAS IKADEIRENSES Í7 7

Já, o sol se apresentava coin toda a sua bellesa por sobre as montanhas: as aves pipilava7n; saiam do redil a s ovelhas o ouvia-se ao longe o rumor da orchestra - dos trabalhos ruraes.

Meia hora depois, voltaram todos. .Ouvi a maviosa voz da Rosinha que me chamava: - Vigie! vigie, - gritava. A Joia, ruiaiiiaudo uma folha de canila il'assucar, vi-

nha pausadamonte atrnz d'ella, segura por lima, cortla. kQoiroii-se de niim a pcquenita. -VOLI mugir a minha vaquinha, e a senhoi-a rao to-

mar o leite. Jo~nninhn aproxiinou-se, a a Joiu virou o focinho e

deti mostras de impaciencia. - Tira-to Joanninha, disse a inZCe, - agora sei as

mnldaclas que tons feito ao pobre do animalsinho. A pequena retirou-se para a porta do casal, que mil

rosas e madresilvas esmaltavam. A mãe, erguendo a voz, continuou: -A Joia nBo se esqueceu dos teus mdos tratos. Os

animaea, mal conipara.ndo, em certas coisas 8% como a gente. Conhecem o bem o o mal, nrlo se asquecem de um, nem da outro, Vea? Vigia como se deixa mugir.

Page 93: -marianansilva-oferendas

Tomei o leito. Rosinha afagou a Joia que lhe lambia as rnEos. Retirei-iue.

.Dias clepoia voltei ao casal das madresilvas e 110-

aeiras. Joanninha, inugia a vacca, Admirei-me! F o i ainda a mãe quem me explicou, o m sua lingun-

gem desenfeitadn, o milagre: -Vê, minha senhora? O animal O que 1110 deix

umn lipão. A Joanninhn vae mudando de genio, AS m4s acgães sempre teem castigo. Deus aborrece os %{os, tanto quanto ama os bons. Esth em toda n parte, iudo vê e tudo póde. Para recompensar os bons e castigar os máos faz mover as proprias padrarc e fiillnr os animaes: n l o acha, minha senhora?

Beijei Joanninha, e deixei-nie levar por sua ira3 que, puxando-me pelo vostido, mo clizia:

-Venha vêr s minha gallinha de poiipnl Ribeira-Brava-Iradeira, 1877.

Page 94: -marianansilva-oferendas

TOUJOURS A TO1

A ti que cm niivcns retratei nos ares A t j que em astros retratei nos teus A ti que crn ondas retratei rios inares A ti nicu anjo o derradeiro adeus.

João iic I)EUS.

Deixa dizer-te, repetir, ineu anjo, tuao qiie soffro t80 s6sinlia aqui: a ti ineus cwtrmes dedicar sb dovo, a ti, bom anjo, semljre s6 a ti.

A ti que 6s raio ~ ' ~ S S C sol que brilha nas sombras nogras cl'este mou v i v a r ; a ti que animas a minlia nlina exhausta entre as tortui-as d'uin cruel soffrer,

A ti quo sm flores desenhei nos prados, a ti que em maguns, por meu bem achei, a ti que em sonhos divisei tão caros, a ti, meu anjo, qiio t?io codo amei.

Page 95: -marianansilva-oferendas

A ti que e11 aino com paixto vehemente, que és luz, que és vida, que 4s amor, prazer, a ti quo és norto que na vida sigo, ente adorado ein qiio só posso crer.

Deixa dizer-to, repetir, meu anjo, quznto meri peito sente dentro em si: amor profiindo, dedicado sempre a ti, bom anjo, sempre só B ti.

Page 96: -marianansilva-oferendas

H.OR.AS D E ALLIVIO

A MEU I R X ~ O SBVIER DA SILVA

Encontram-se nossos pensamentos, como so adivinham nossas presanpns, como se compreheiidem nossas alinas, para confirmar mais urna vos o dizer cle Alfreclo cle Vigny :

11 a'est troiiv8 par fois.. . Deux mnes s'elova~it suis les plainas clii mpnda, Toujours l'une POLI^ 1>autre existenca fcconde; DouSle et briilant rayon nC d'ua xnême soleil, Vivant; coinme un senl etro, intime et piira meiaage, Semblriblea dana leur v01 nux cleux ailles cl'un xnge Ou telles qiio dos nuits les jnineaiix radieux D'nn frateinel bclat illiimiiieilt les cieux.

6

Page 97: -marianansilva-oferendas

-- -

82 OFPERENDAS C_-

Almas que a multidzo vozeadora, mesquinha, egois. ta, não coniprehende: que os adoradores do abezerro de ouro^ não descortinatn, porque lhcs offuscam a vista os fulgores que projecta o seu idolo.,.

Almas que na terra similham as perolas da rocio que o sol absorve das petalas da flor, para as transformar, acumuIando-as, em nuvens, suspenclendo-as no espaço.

Almas que ~odein ama vez por acaso tombar e cons- purcar-se, mas para que erguidas rebrilhem mais limpi- das, aclareadas pelo passar do v40, que as purificou da vasa esparrinhada pelas que no lodo se revolvem ...

Soffrcin, porque se estremam das volgaridades: pnde- cem, porque quasi sempre 820 alvo cla turba parvoa, que torqe a bocca n'um alvar sorriso a quo cliarne d6, oii distende os Iabios n'um esgar brutal, a que dá o nome de despreso!

D6 do que não avalia; despreso pelo que não com- prehende!

Quando se encontram duas d'essas almas, attrahoin- se como gotas de agua perdidas no espaço; aproximam- se, fundem-se n'uina s6!

Page 98: -marianansilva-oferendas

IIORAS DE ALLIVIO 8 3 -

Paz o dia de lioje, osplendido c iilagnifico, lembrar aquelles versos do teu querido poeta cego como Milton, su maior do que elle no dizer dos entenclidos, que não no meu; em taes materias nLo tenho voto.

Cego que vê tudo como disse d'elle o poeta enorme; d a Franpa, Victor Hugo, por quem egualmente sou fa- natica.

k o Cantico da m a n h b u que allndo. aQue alvor ! que ainar ! que musica ! Nos céos, em mim, no ar !u Posso qnasi exclamar como o poeta, por que sinto

t ~ ~ i i o quanto descreveu. N'estes dias ha mais calor no sangue, no coração;

mais fogo no amor, mais amor na alma, mais alma no viver, mais vida nos affectos, nos movimentos, nos trans- portes intimos do existir. Pelo menos em certas nature- .sas, e a minha (1 uma d'ellas.

Mal que despertei, na beira do telhado chilreavam andorinlias o seu canto d'amor : ali junto dos ninhos que annuaiinente construem.

O sol espalhava os mais bellos dos seus raios, que para mim são estos da primavera, e coando-se pelas vi- dragas do meu quarto, traziam-nie luz e calor !

Page 99: -marianansilva-oferendas

A alma elevou-se-me n'um delicioso arrabo e pensei em ti, amoravel quaes essas aves que ouvia pipi1ar;- pensei em ti, e ergui os olhos marejados de Ingrimas ao azul do c60 a pedir ao que n'Elle habita menos tor- turas para n6s ambos ...

Tens rasgo, enganei-me, quieera O mundo tal como o sonhei, como o vi atravez d'um prisma de illns0es.

Qiiizera que tiido o que nos rodeia fosse terno, mei- go, sincero, grato para eu poder ser assim sem mQ ver ludibriada,. .

Mas succede o contrario. Vejo o despreso substituir a ternura ondo ella devia ser "mais acrisolada; v40 o trato brusco occupar o l o p r da meiguice; vejo o indif- fereutismo onde a sei~sibilidade carecia de sor excessi- va; a ingratidgo avassala os que tinham obrigagzo de rier cledicados; a iiialediconcia ataca os caracteres mais dignos; e, o que B maior espanto, os maldizentes a80 os que mais favores h30 recebido de n6s!

Como Q triste e arido este mundo!

Porque, n'um momento, lialito, menos puro empanou, a larnina de aço brilhante e limpida, n2o se clesvane- cerd jamais a mancha?

Page 100: -marianansilva-oferendas

HORAS DE ALLIVIO 85

Porque a nuvem, pei.passando uma hora, obscnreceii a cstrclla, n2o fulgir$. o astro nunca mais?

Porqiie furioso o siil, com violento furncno, encrespa as aguas do rio, rsvolvendo-as do alveo á superficie, turvando-as e irnpellindo-as a innilndnr a margem, não ro1vei.d a deslisar tranquiiia a cauclal formosa?

Porqiie, ao revoar por entre os tojaes, a pomba ni- voa feriu s ligeira aza, e um laivo do sangue purpn- reou a aIvura das pennas, 1350 malhorard a mimosa avesinha, nEo desapparscerrl O signal do damilo?

Se eu fui o bafo que te empanou a alma, nuvem que te enluto~i o espirito, tojeiro que te espinhou o corn- gão7 não coiiseguiroi que volte a ser qual foi ,z alma que soffreu, o espirito que cleliro~i, o peito qtie se oppri- miu, o corapgo que ia quasi estalnndo?

Não digas que n8o: nem tu o ssiites, nem eu o croio ... Madeira -- Campanario, 1876.

Page 101: -marianansilva-oferendas
Page 102: -marianansilva-oferendas

BOM EXEMPLO

AO E X . ~ O Sr. Dr. BilRTlRfIO DA IiUCIIB G U I U B R ~ E S CAIIÕBS

VoItsndo a meiga andorinha a casa do lavrador, viu que nem gr8o tinha a tiilha; nem o lar tinha calor.

A lavradora, coitada, chorava os moveis perdidos e os brincos cl'oiro vendidos para pagar ao crbdor.

Levou-lho tudo o imposto I Correu-lho o anno ruitn, e o anml do casamento, at8 empenhou por fiin I

Page 103: -marianansilva-oferendas

Prostrado, o pae cle familia, dizia, com voz magoada : uNão posso suster a enxada, xnão sei que será de mim ! . . .

Depois, mulher e marido, trocavam tristes olhares, exprimindo seus pesares, que eram peior que morrer.

E emquanto os pobrcu choravam a beindita viajeira na janellinha ti3apeii.a ia o seu ninho fazer.

Do lavraclor os filhitoa B jnnelljnha, cliogados, «H30 cíintarhss 11113 diziam, ((visto sermos desgrngadoa :

ccvae longe, para bem longe nfazer o teu novo ninho; ntudo 6 triste passarinho, «aqui nos nossos telhados.

Page 104: -marianansilva-oferendas

E vae, o volta a operaria, proseguir o riinbo vem ! co'a palliinlia clelicad~, que fura culliêr aléia.

Porem o vento soprava e a palha no longe cahia, i ~ a s a aildorinhn porfia. . . E o campo mais palhas tcin.

N"a desaninin, B assidiia; par i o ninho cm todo o dia, a nuiicia da pririíavera, novas palliiillias trnzin.

E cliilrcxva contento, batendo as Azas gentis, conio dizendo:-- O que fiz, torno n fazer. Que ~legria!

O Izvraclor isto vendo, diz - «Se aii podesse imitar a aquelln ave aornjo~a, ctiusistiiido etn trabslliar;

Page 105: -marianansilva-oferendas

rque ernhra o reato lhe leve ado ninho a palha inda solta, car &%r o rninho volts awmpra em continuo lidas!. . .

#Fui eu que fiz n d r a , &outros ccrrnersim-lhe o grPo, ae t~ filha8 e n companheira gdexcslr;mrr v g o B sem pito ! !. . .

~0 que junbi pma ellw rssimrtlb srãs pdhm do ninho,

qu~es, O venb dairnninho, rmal p"5, hngs no chgo.. .

uiE n6s pedimos a morte, ancm scquer luetar tentAmos, ce ao duro rigor ds mrte adesanimadoa verglmm!. . .

<Nas, quem sabe, oh andorinha! a e o &Senhor Bondoso Deus, ate enriou junto doe meus, rpma ver se te imitamos?. , .

Page 106: -marianansilva-oferendas

--- -

Bohr EXEMPLO 9 1

uEnviou! Tomemos forças, abusquemos o fuso, s enxada; ua ave que Deus nos manda ((seja por n6s imitada.

&ia, filhos! ao trabalho ! ((deixae acabar o ninho: ucinge a roca, fia o linho atu, mulher; tristesas nacla li,

E d'entre a afflicta familia fttgiu da incligencia o horror; robustez lhe deu, e forpa confiança no Sei~hor!

Ás vexes, nos dias tristes, sentindo os membros cansados, diziam : - Basta! - enfadacios do seu trio rncle labor:

e ao c60 os olhos erguendo viam na trapciia o linho, apesar de t2o pobrinho tornado agora thesouro.

Page 107: -marianansilva-oferendas

E sempre ao vel-o sentiam ao trabalho mais affecto, que Ihes deu viver quieto, sustento, e paz, duraclouro.

Ponta do Sol-bradeira, 1876.

Page 108: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES

h ExSrna SrSa D. MARIA ARSPNIQ DE ANDRADE

Ha quarenta annos urna tempestade liorrorosa caiu sobre a cidade do Fuilchal.

Algrins navios surtos no porto levailtaram-se a pode- ram fugir ao temporal, outras vieram dar iL praia, ou perdesaiu-se no mar alto.

Em um d'estes ultimos passaram-se taes scenas, que n.30 se apagaram da memoris dos madeironses por longo tempo; a ainda hoje B releiubrado com mngoa, por iziui- tos, o ho~rivel sinistro.

A testaiuunha ocular ouvi a historia que passo n con- tar.

Page 109: -marianansilva-oferendas

Era em dezembro; chegltra havia pouco ao porto d'esta ciclade a barca franceza IIiroolzdelle.

O eapitno e dono era viuvo e trazia duas filhas, que estremecia, para verem a Madeira tão justamente fal- lada no estrangeiro. ~ inutil fazer retratos: oram duas creanpas urna de quinze e outra de dezesete annos: airosas, sympatliicas e com aquelle donaire tgo notavel nas frailcezas. Acom- pnnliavam-nas duas criadas; o que B facil de snppor, porque o rico proprietario não queria faltar com os maiores coinmodos e regalos fis suas idolatradas filhas.

Ainbas erain jA noivas déja $uncées com dizia M. de Marignio ao apresental-as ás pessoas de suas relapões.

Se nElo o cegava o orgulho cle pae, as noivas eram umas perolas; deux arais òijoux como elle usava de- nominal-as.

E n2lo exagerava de certo, porque suas palavras eram mais quo confirmadas peles criadas; peasoas sempre dis- postas a dizer mal dos amos.

A primeira sociedade do Funchal, a elite como se dizia entno S franceza, ou o high-1% como se usa hoje, á ingle- sa, recebeu as duas Marignie com a maxima affabilida- de , que t: um dos ~aracte~isticos da familia madeirerise.

Page 110: -marianansilva-oferendas

M. de Marjgnie, era filho de um conde c70 iliiperio e peu pae morrora almirante.

Grato ao fidalgo acolhimento da sociedade iuadeirense, o distincto cavalheiro qniz corresponder-lhe, offertanclo zcne nzntinée dansante a bordo da ~ r o ? z d e ~ ~ e , que foi engalanada para a festa sumptuosamente.

A marinhagein do navio vestida de novo, recebia no caes, então airida nBo arrilinado, os convidados que os esca!eres da barca empavezaJos de flamulas e galhai- detes e flores, conduziam para bordo.

O luxo, a graça e elcgancia franceza, via-se em toda a parta.

Nunca os madeirenses tiveram festa d'aq~lella ordem, mais esplendida.

k ocioso referir os promenores; a leitora imagina de certo o enthusiasmo que reinava n'aquelle dia, as dan- ças, os ditos espirituosos, os cantos, tudo o que poderia arrebatar os coraçí3es, enebriar as almas!

Proximo da tarde o immecliato, que ,gstivercz algum tempo fora do salão, chegouase a M. c10 blarignie e dis- se-lhe: - CapitSio o tempo ameapa trovoada. N3o é iniiito seguro o porto, seria bom ir para terra.

Page 111: -marianansilva-oferendas

-Vou dar o signal da partida C agradeço-lhe o cui- dado.

Pouco clepoi; o grtipo alegre dos convivas, descia pela escacla c10 portal6, e e~nba~cavzva nos escaleres com di- recção ao calhhu.

Corrcrn tiiclo bein at6 ali. M. cle Mnrignie acornpanliára os conviclados a torra,

Oregress4ra n bordo para buscar as filhas e as criadas. Quando por8rn abordoli ao navio j& o vento era rijo

B O mar começava s encapellar-se. -Que lhe pnrecc M. Fri~ncnt esperaremos que isto

abonance, por ser difficil o desembarque das minhas fi- lhas, ou vnnios j B para torrti? - CnpitSo, te11110 otivido dizer que as tempestncles no

porto do E'unclial 1130 s8o de longa duraç2io; e As ve- zes riWo psssain cl'estes golpes de veiido, a que OS do pai^ chamain tvouondns, eiiibora nEo faça trovõos, acho pi*udento esperar, e so coi~tinua~, levai~tar-nos-hemos para traz da illia como iisain aqui fazer. - Esperomos pois. As daas meninas tinham largado os seus carnarotcs

o chegavam nhsto morneiito: &I. c10 Marignio fez signal no immediato que se nff~~stasse G correu a tranquilisar 2es jeunes f ia~zc&es,

O vento angmentnva sempre; o mar bramia com LI- ris.

Page 112: -marianansilva-oferendas

31. de Marignie ligeiramanto pallido, deu coin voz se- gura as orclans para o navio se l e~an t a i*~ teildo man- dado recolher aos camarotes suas fillias.

O navio obedeceu perfeitainente; porém qirrindo j4 ia uin POUCO distante perdeii o leme que o mar lhe que- brou e foi eacalhar n'uina baixa.

Partiii de todos os peitos iiin grito angiistioso ; miil- t i~l icavan~-so os sigi1a.s pedindo auxilio : mas se :i hora em que escrevo nincla os soccorros para estes sinistros s3o quasi nenliuns, o que faria ha quarenta annos?

A terra, estava ali a beni peqlieiia distancia, a 111111-

tidno enchia o cnlhiiu afflicta o clese,josa de poiler sal- var aqiielln gente!

A noite descia ral~ida; o mar einbravecia cacla vez mais; o vento redobrava da 'fiiror a as ondas batiam na barca c0111 forpa espai~tosa. Eram serras d'sgua: as- sim o diziam na praia.

Eiii terra não faltava boa vontade de valer ao navio; faltavam apparelhos,

BIuitos hoinens intrepidos tcutarnm lançar ao mar UIII barco coiil algails cabos; inas o oce$iio, aqiielle gi- gante inedoriho, torrivel, cruel, balcl8ra szns exforgos, . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

D'ali a pouco s6 11113 l l o inc~ , a que se enlaqavanl duas meninas, ag.arrado a um pedaço da mastro, 1 ~ 1 ~ - tavn da balde para gailliar a praia.

7

Page 113: -marianansilva-oferendas

Os mil fachos acccsos no call~áu, os brados de animn- E%, os trabalhos arrojados dos madeirenses para ciinse- guir auxiliar aquelles infelizes, mostravain quanto in- teresse tinham pelos ilaufragos.

Passou rapido o drama,

Um golpe de mar palktira ao meio a Bi~.oade7le; e emergiram do tiirbilhão das vagas acluelles tres eiltcs.

Um velho lobo do mar, como dizem os francezcs, fdra por 31. Marignie encarregado, além de oiitros, de vigiar pelas suas filhas, ses deux Õijoztx, como lhes chnmon ain- da pela derradeira vez.

Nas a tempestade nada coilsentiii; o clepositario dos theaoiiros do capitão francez viu-se cle repente agarrado elas duas meninas a tentou ainda Iangnr mão ao nia- deiro.

-NBo possó salvar ambas se me n3o largam o se- guram ao mqstro, para ou ao menos ver se comsigo ir nadando com um clos bragos e dirigindoeo com o outro.

- NWo tenho forças para agarrar-me a si e segurar-mo ~s t ro ; Jarin deixe.ine morrer, e salve a minha que- rmã, dizia uma das meiiinas.

Page 114: -marianansilva-oferendas

-N?io, ia?io, snlm a Elisa: 6 mais nova, cn morro. E clzs~irorideiido-se c10 cinto c10 rilariniieiro a declicadn irmZ fecl1ou os 01110s: a onda revolta embrulhou-a lia iiiortalhn d'agiia.

Jnrin deitoa uma ilas iiiBo3 a Elisn: irias esta que virn clcsal~p~recer n ir~riW clesinniou e abandonou o apoio qiici lhc duvn o mnrinheiro.

O i-iial* cagoliii outra victiriia! - -iãT01i2 d'1in Zlieu! praguejou Jariii.

2bat est f i lzi .

E largando o peclaco de mastro ergiieu as rnzofi ao c60 e i s nfiindar.sc quanclo uin valente Lnrqneiro o agarrou i,elos caballos e conseguiu segurnl-o; de terra piicharnm o cabo qiie prendin o corajoso fillio da &Ia- deirli, o Jsriii voltando uril poiico a si o sendo mais forto ~i'c!le o iizstincto cle snlvap20 do quo a cl6r pela pcrcla das fillias c10 seu capitXo, logrou pôr p6 ein terra.

O iioinc c10 cornjoso ba~qtieiro, ficoir ignorado coino o c10 tantos outros!

Cartas de F ~ a n ç a recebidns mais tarcle por &I, B1aii;e consiil nx Madeira, contavam qilc uni dos iloivos fGrn para Argelia fazarm malnr 11010s arabcs, o outiqo 011-

Page 115: -marianansilva-oferendas

100 OFFEKENDAS

louqneceu e qnebroii n cabeça de encontro aos vnrõcs de ferro da janella do seu quarto.

Na parede acharam-se cscriptas a lapis estas duas- quadras de tiin outro loiieo sublime, Gerarcl cle Nervalr

((Ou soiit 110s amoureusas? ctElles sont dans le ciel! ctEllas aoiit plus heureuses aDans un liea plus bel.

Elles sont prés dos anges tAu fond du ciel bleu «Et chnntent les luanges ~rDo Ia BIére de Dieu!

Page 116: -marianansilva-oferendas

QUEIXUMES

A 0. COLUAíBil DE NlCNiCZES BORGES

Borque nos Bstos cl'uma dor imi~ei.isa nie opprimis Senl-ior?

'Porque claes h minha a lmi~ ein inagua imniensa continuo aini~i-gor?

Eu creio que sois Pae, que clnes pieclacte sempre no fillio afllicto;

cj11e tom sempre qiiinhao essa boiidncle coraç%o contricto.

Se é crime, o11 Deus, o aiuoi., porqno h ininlin alma cheia, da B~%c<;%o,

deste o fogo sem fim, que iiaila ncnlina, o fogo dn pnix2ol

Page 117: -marianansilva-oferendas

- 102 OFPERENDAS

--- -

Porquo revolto como o ocoano irado, &to sempre o peito?

E o c o r a ~ k gcrn~ildo, angustiado, eiu perlaços f'iito? ! . . .

Se das miseras sou a qileiil a sorte repartiu a d8r;

desclitosa cle rniiii, antes rnorte ine deis jA, Senlior I . . .

fifadcira-Funclial.

Page 118: -marianansilva-oferendas

A FAMILIA ALBERGARIA

ROMANCE RISTORICO ORIGINAL

Ent r e s pleiado de eacri\itoras, clue actuali~ento es- rnnlt:ii~i a litterat~ira port~igobza, figura em primeiro lo- gar 11). G~iioiunr Torres&o.

Longo vao a &]?oca em qiie o escrever, e mais ainda, o publi~,zr algutn escripto, 110s era defeco. Quantas e c~uari tas pagiiiaa iiitiinas, perfuruaclas, ~iootic~ts, se per- deram rasgadas pela mulher, qne, a medo, uiil dia as lia- v ia traçaclo ! ? . .

Quaiitos o cliial~toa tnleiitos dcvados, que pocleriam ter cntliiiaiasninclo o :iri.cbatado ns niul ticlijes, brilhnram- se l>rilkiai.am ! - npui~ns ne couvivcncin do d i i a ~ oli trc4 ,zmig.i~, que sc enuoiidiniil todas sol> n arvoro fs~lidos:i clo lwado, oo ei~tre a iiiui,ta c10 jardim, par8 oiivirein as euli.op11cc" inclocliosns, ou um trcclia do prosa de qunlqiiei.

Page 119: -marianansilva-oferendas

- - - - . ----e

10.1, OFPEIIENDAS

d'ellas, e as coitadas, com o coragno palpitando de sns- to, interrompiam a espaços a le i t~ira para lanparein olhares a furto e temerosos em torno de si, csperarido do qualquer parte vêr suiagir o rosto severo da i~llae, tis ou goveriiaiite, que Ihes ceilsiirasse asperail-iciite aquella pel.igosa distracç80 ! . . .

Quantos e quai~tos paes se nLio horrorisavain c0111 a idda de qiio sua filha fosse dada Q leitura?. . .

Quantas e quantas rn8es nxo aproveitavaili o somiio da filha, l~orgi?o adorada da sua a l ~ n ~ , para llie tirar e 6s- conder para todo o sempre o livro coln que a irieilina sc deliciava ; coilf~indiiido a boa iliãe niuitas vezes, i10

seu excesso de cautelosa tcrvura, o bom com o 1360, O

iililocente com O perigoso ! ? . . I-Iouve paes que votarain suas filhas $ ignorai~cia, e

que - i-iotavcl aberraçbo c10 cspirito hnmailo ! - sciiclo illustrados, iicgnvain 6s fillias o direito de aprcnder n 10r 1 !

So o homclil, a queiii Deus accendêra no esyiirito a chn~iima s~ibliiile da poesia, era inenoucabndo, o com ii1tent;Po alounhaclo dc poeta, coirio se queixoti Alnieida Gni'rett no Cmz5es; qno auccecleria ti poetisa? ! . . ,

Acolliixm-il'a sorrisos cle db , quando 1-60 de desdein e meuosprcso; os liornens zonibavaiil d'ella a occultas, cliainnvnin-lhe sairicho?zn, o para vurgoiilia do liosso sexo ~ O V G clize~+-se~ que em niais c16 nrn coiiciliabnlo feinini-

Page 120: -marianansilva-oferendas

no a inveja e o dcspeito ving:rvain-sol caIuinnianùb em VOZ baixa) rzqaella qne n3o podiam egualar !

Ae inais baiievolas olhavain, com certo panico mes- clado de admi ra~ão , para a mulher quu ous8ra revoltar- se contra a obsc~ii~idncle a que entendera dever coizclcin- nal-a o sexo forte.

E iiiais de uma senlioro afidalgada, nno podendo cles- forgar-se d e outra sorte da mulher corajosa que se atre- via a quebrar as algemas cor11 que iiiteiltavnin irnl~e- di1.a de pogar n a pcniin, ein iioine cle niio sei que pre- coilcoitos, vingiiva-se, se era iube, ein aconselhar os í~ lhos que ntlo busoassem taes in~~lhares para compaiihei- ras do sou lar. Levava at6 o seu rancor a proliibir As fillias rolar,Tiou com siniilliantes seiilioras.

lks iii~ilhcr, - licasava se entno - sê ignorante ; saf- fre, chora ; roga coin 1agi*iinas a tiin alcova de virgoin quando os vagos receios do porvir te assdteiii! Ir i~inda co.1 t e~ i s prantos, st; 6s mhe, o b e r p c10 filhinlio, cm quanto dorrna, o tti esperas o esposo, que só alta: noite recolh~:r:l saciado cle prazeres criiuirios~s.

hIas se D c ~ i s tc cloton uma alina de tanta intelligen- eia, que vencea n proprin ipnorancia a que intentaram coi~daini-it~r-to, 110111 por isso c o i ~ l i n ~ n i q ~ ~ e s ao papel teus clesgostos, ncin por isso lnilcea ii'ulle as alcgrias ou cl6- res que to v30 i10 ii~tiino, e se f6rcs assfis temeraria para fazor tal, por D o ~ i s ! n?io entreg~ies d luz pnblica essas

Page 121: -marianansilva-oferendas

- .-..--__._l___l_- -----v._-

1 OG OPFERENUAS

fi6ras cla tua intelligencin, essas perolas do teu enge- nho, esses friictos dn tua iilspii.ag8o ! . . .

hligiisl;ias ou alacridades conserva-as em ti, e nzo as trniisinittas Requer como deanfogo It folha branca do papel. So, por distracp50, buscares na escripta passa- tempo, alc~ii~har-te.liZo de vaidosa, de louca, rir-se-Lba de ti !

fio és ~iobre, R nobreaa Q bastante para seres hdnii- rade; se é3 plebeia confunde-te coin a m~ilticl80 ignára ci> n(io tentes grangear coin a tua peiina pergaminhos do iicihrcsa litteraria que te distingam.

Iristruir a mulher ! Pnrn quo? ! Pnra sa rcvoltar (pobre escrmn da força I) contin as

violencins e grosserias do inarido ? Pnrn a fazer libertina? I'cnsavn-so nssiin, salvo honrosas excepções ; a nEo se

recorclt~vnin cllia a miilher, buscando nn leitura rofugio As nlnguas, 1x50 se desviaria jiiiids do caininho do cie-

~ 0 1 , . E n3o se letnbravam, quo embora a sociadade se fosso praverte~iclo, R riiullier iiistr~iida perisaria, seupro que nlio restava no ineio cl'esss corruppilo scnÃo a sua pu- ros% ; « c ~ L I O devia csrnagar o coração paila n2o clescer jtlrxinis do pedestal onde os respeitos s sandasse1n.n

Pobro iizulhar! tens siclo victiius pacifica a resignada

Page 122: -marianansilva-oferendas

c10 egoisino de um sexo qiio entcnclcii ser tEo sdinen- to partilha sua quanta sciemia Deiis osp:~llio~i no mundo ! ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . . . . . . . I .

Ia-me descaindo a pennn para. considerações bem di- versas do meli fim, RO t i8apr estas linhno pobrissiiuas do iiispirag20 : consideragCus que ilie suggeri~i a leitura, do iiovo c formcisissiruo livro do D. Guioiunr Torres30.

Gracns B civilisaph d'este seculo, a niiilhor tein iclo tomai~clo o sou vordaàciro logar na sociedade, deixaizdo ao homem o qua é de suas attribiiições, nAo abaido. naiiclo ileilliuinn dnu virtudes ou eilc,zi*g)s quc 1110 60 \)razão e g1oi-ia, O compartilliando coin elle as lirles lit- tornrias, trazenao h Iiia piiblica, as priiiiic:iau do sou tn- 1el1t.n~ som que O seu i-~otne deixe de ser estimaclo e i,es- pei tndo.

Haverti ainda. irnl oii o~itío cspirito cntursa, Iiaverií aiilcla riizl 011 oiitro cziracter frio c cxlculaclailieilt~ cgoistn q11o sc i~evolte; mas d liora ein que escrevo o seli 11~1-

mero deve ser climinutissiino. E protesto aq~ii, desde jR, em iiome dos habitantes

d:~ furinosa cidade do F~inchal, u quem ainda n5o ha muito ouvi alcunhar de daspresaclorcs dou talolitos fe- minis, o de qiiem ouvi clizor qiic iiKo estiinariarn uin li- vro qualqrier oscripto por lima senhora ! Pi'otesto, pai*- que os cavnllieiros inacleii.cilscs coin quom ath Iiqje liei

Page 123: -marianansilva-oferendas

conversado, sei que tributam sincei,o preito ds produc- ções littorarias do sexo a que pertengo. Protesto, por- que 56 quem nLo conhece^ o ostado de civilisapão o adiantamento da Macleira poderá irrogar-lhe ta1 censu- ra; fazer.llie similhanto injustiça. E tenho fé que o ro- nlatice iiiagnifico cle D. Guiomar TorresXo ha de achar il'csta virenta ilha o acolliimento do que é merecedor.

Espleildido livro na, verdade ! Não me cega ao confessal-o o culto quc 118 muito de-

dico B illiistra eucriptorn, n3o me illude n sympatliid que 111.e tributo, .ambos fillios clas producgõos mimosas do seu peregPino taleiito.

Os ascriptos da poetisa li~boilense são para mim en- cailtadores ; e no obscuro retiro aonde vivo, sigo a par e 11asso as nmanifestações cada vez mais radiantes e vi- viclas cl'aqnelle astro formoso d a nossa hodierna litte- rntura.

O primeiro livro de D, Guiomxr To r r e sk foi a Alma da ?~zidher. Tinlia 18 nnnos quando O publico^^ ; o es- tylo O mimoso e singelo, revelando-se n'essa primeira, tentativa on dotes litterarios que exornavarn om tão ju- vciiil edndo, a siia auctora.

Julio Cesar Machaclo, uin dos nossos primairos litte- ratos, sem duvida o primeiro folhetinista portiiguez, 6 ç1uori-1 1veí'acia aqiiella obra.

As ZZosas PuZEidas são um primor ; o corap5io dn inu-

Page 124: -marianansilva-oferendas

Ilier traiisparece n'aqnelle livro com toda a poesia, com toda a suaviclade; e se me n%o vissc forpacla a resuinir estas iiisignificai-ites linlias, que o entl.iusinsino pela cs- criptora e 1150 a minha competencia lua levou a escre- ver, se qiiizesse a melhores artigos roubar espago, coiii tSLo inesquinho trabalho qual o meu, apresentaria aqui a l g ~ ~ n s excerptos cl'essas bellas paginas, e aIguris tre- chos dd Thornds Ribeiro, o poeta notavel c10 D. J c q n ~ s , e cla Delphina do Bful, peiina anctorisncla que escreveu o prologo das Rosas Paliiclds. A Ipunzilin Albel.gavia B roinance da mais siibicla

plana, e para dizer d'elle tiido o que merece, necessa- rio fora o talciito de Piilheiro Chagas ou Latino Coelho, e O estylo brilhsnto de qrialquer cl'essos dois escripto- ,es. S6 uin critico elevado e sabcdor poderia avaliar o analysar uin romanco como é a .P1uvzilia Albevguvia.

O romance historico 11% tido ein Poi.tuga1 desvcladoa cultores; inas senhora algiima, me parece, tentira ainda encetar aq~ielle genero.

Abalaiqou-se á einpresa D. Guiomar Torresâo, e do ti111 modo que nos veio mostraiT O inl~ito que vale, e o quanto pocleinos espeivnr cl'esse talento enorme, coti~ que a Yroviclencia n doto~r.

Corre a acpão de 1324 a 1824, tempo ein clue sa

travou em Portugal unia luctn ingente. E a anctora descreve as sceiias d'csstt bpoc,z coin tal

Page 125: -marianansilva-oferendas

veriladc e impxrcialidade que jtilgo i150 Iinverh motivo para lxotcsto c10 noi~hurn dos dois partidos.

BcrtLa d'Albcrgaria BIoiltoiiegro do Serija é iima cscnç8o fclicissimn e o vulto que inais attrae o enleva. no romance : depois d'clla Alvaro desperta-nos a rnaioi sympathia.

&tio clevapEo de sentimento em ambos ! Que grandesa d'alrna, ! Qao nolresa de caracter ! O typo cle D. Mendo, o chefe da nobre farnilia Al-

bergaria, cst8 firlalgainoute clescsipto. O sou clialogo com o duque da LafUes é sobcrl-io ; 0

6 im~ossivel clcixar do admirar n'esaas paginas, locm cotiin c111 muitas outras, o profundo saber cle D. Gt~io- mar Torres3o.

3i'inrgarid:~ impressiona pela auzl clodioap30, pelou seiis soffriin eiilos.

As sconns entre olla e Bertha s8o cheias do iiltcrcsse e comrnovem sempre. O dialogo 170 pi.csbytcrio, oiido Mnrgnridn vae procurar o padro Hci~rique para quo dissuncln D. Mcndo da a casar com hlvr\i*o, clos maie liein escriptos, no inou liuwiilclc iuodo do vOr, c10 lire- cios,) romancc.

E padro I-Ionrique ? Qiiam 11Eo 11x cle alnnr e< respeitar o sacorclotc t:tl

qual o clesci~evo n anctorn ?

Page 126: -marianansilva-oferendas

Nzo é dos iilais ii>ferjores pewonageas Riiy dc Ble- deiros, e R ndrnirng?io do lcitor ac01111)aiiha O i l l ~ ~ s t r o 6- dalgo, desde que elle npparece na tellzt c10 romance até qiie 1nol:re.

E m todos os outros typos creados pela auctorn lia verdade e rigoroso desenho.

O ar. D. Migncl, o si. D. Pedro, o corido de Bn:;to, gr,ziide nninero cl'esses vultos qiio liginrn~.nni aa senda politica portugiieza, no lapso de tempo de 1824 a 1834, ap~nrecem no ronlniice esboçados rapidamei-ito, é vcr- dado, mas esboços ondc se rcvela 11150 dc mcstre.

O estylo do livro é inagaifico o ndaptndo aos pcrso- sagsns que a'cllo figuram.

Serinino a r r e ~ ~ n d i d a de ter comegado. Irreflectidamente cedi ao impulso do escrever Acerca

do livro cle D. Gniomar Torres20, e bem pouco, qnRsi n ~ d n disse, tendo tanto a dizcr! Mas ... sd ngiiias acoiii- panhain no v60 as outras aguias ; a avesita, qua adqja proxiino da terra, i15o ptide clerar .8~ até onde se Sibra n rainha clo espaço.

Page 127: -marianansilva-oferendas
Page 128: -marianansilva-oferendas

AQUI

Viraçzo embalsamada, perpassa ii'este logni*; e V&SQ ao longe do mar correr a onda, anniladn.

No cimo cl'altivo monto divisa-se o e~emiterio; e vê-se no cemiterio o cypre~te erguenclo a fronto.

O insecto voa siibtil serpea o nrroyo delgado e o pintasilgo a meu lado clc~cai~ts as iloitcs d'abril.

Page 129: -marianansilva-oferendas

-I---. .__-. I .-- .- -=__l_ L

114 OFFERENDAS --- - - . - - . - - . . " - ,

Um echo sôa distante, repercute na quebrada da ovelliinlia tresmolhndn terno bnlir incessante:

Tudo isto me seclua, ine cnptiva in'arrebata; mas cl'uili tuu ollhi. yuo iriata, mais poesia se traduz,

P(,nla d~ Sol. -Livramento.

Page 130: -marianansilva-oferendas

ALDA OU A FILHA DO MAR

Lembra-me tar lido ha annos em um folhetim da ~euo lugão de. Setem6r0, assignado pelo sr. Luciano Cor- deiro, que ara inutil em Portugal occnltar-se qualquer eseriptor sob um psaudonymo, pois que o mysterio du- rava menos tempo do que a vida das rosgs dos tão co- nhacidos versoe francezes de hiIalhei*l.m : - O espapo de lima s6 manhL.

EBectivamente uma liora depois da priblicado o ar- tigo, toda a gente sabe o nome vercladeiro do aiictor que o pseudonyino esconde. Becordo-me tamboru do ter visto um folhetim que fez certa sensaçno em Lisboa que vinha aasignado- Carolina; Ii, noito no theatro jd corria de bocca em bocca que - Carolina - era Julio C. Maohado. Ultimamente Christovgo de 55, appareceu mystoriosamente assignando folhetins e revistas cla se-

Page 131: -marianansilva-oferendas

116 OFFERENDAS

mana - não sei pelo que, todos disseram que OS folhe- tins eram do sr. Cunha Bellem e não se enganaram.

E a Valentina de Lucena do Dia?-io PoplbZar? Quem nIo soube que era D. Maria Amalia Vaz de

Carvalho ? Ora, quando isto succedeu nos grandes centros d~

populapão, o que far4 n'uma area pequena como ó O

Funchal! Apenas o jornalsinho transptie os umbraep, da typographia, trazendo folhetins assignados com pseudonymo, desconfia logo a primeira pessoa que o lê quem é o auctor. Ainda nSio ba muitos dias appareceu toda embugada a Rita da Purificapão e afinal um pe- queno periodo tornou-a bem conhecida e vein segre- dar-me baixinho quem era o auctor : um cavalheiro muito conhecido, de muito merito, Salvador Gainito de Oliveira. Ainda não comprehendi a vantagem dos pscu- donymos. Vem isto a proposito do pseudonymo - Cesar Ortigão - adoptado pela intelligente escriptora de cujo drama vou dizer duas palavras.

Apenas veiu B luz publica o primeiro folhetim cle Ce- sar Ortigão, n'esse mesmo dia soube quem era a auctora-

Tenho lido com interesse todas as outras prodncgões da distincta escriptora, e ou eu estarei muito engnna- da, ou S. e ~ . ~ lua de occupar, ainda um dia, um dos primeiros logares entre as senhoras que cultivam as. lettras.

Page 132: -marianansilva-oferendas

ALDA OU A FILEIA DO MAR 117

Eu sei que nos censuram por isto, eu sei que prin- cipalmente o sexo que se apellidn forte, na sua maior parte, ci7itica desapiedadamente a mulher qtie tem a louca vaidade, dizem elles, de communicar ao papel a s suas impressões, e a vaidarle, ainda mais stulta, de publicar o que escreve.

Seria com receio cl'essa critica que a auctora occiil- tou o seu nome, e seriu para adular o sexo forte que foi escolher Lim pseudonyrno masculino? Se assim foi, a minha illustre collega na collaborapão d'este jornal, pordoe-me a censura, não audou bem.

'Que mo importa que critiquem? se eu n"a queria ex- por-me ti critica n3o mandasse para a imprensa os meus artigos, nZo enviasse para o palco os meus dra- mas. Mas furtar o meu nome á censiira ou ao elogio, isso é que nunca farei.

Quem não quizer lêr, n"n leia, 1x20 obrigo niaguem sconssllio até OS que nEo gostaroril dos meus escriptos, a fazer uma coisa milito siinples; ir vêr no final do folhetini se traz a iniiilia aasignatora, e ac11ando.a porem o jornal clo lado; por isso nZo Ihes quero mal.. .

Voltando a Cesar Ortigzo, ou antes á festejada es- criptora madeirense D. Olympia Pio, posso dizer fran- camente quo de proposito ftii ao Fiinchd vêr o sou drains, A fama trouxe at6 mim envolto n'uma aiirBo- la de enthusiasmo o nome da auctora e o titulo do dra-

Page 133: -marianansilva-oferendas

ma; e isto era o bastante para desafiar a curiosidade de vêr a producçiio de um talento feminino do qual, como j i disse, era ha muito admiradora. E depois, talvez esteja dizendo a esta hora algum prnguento - por exemplo, o que censurou o meu folhetim a Santa C ~ Z - parapliraseando um dito celebre : ccCuriosidade, o teu nome, 6 mu1her.u

A verdade 6 que-mo agradou sobre modo o ara- ma-e apenas senti, que o enthusiasrno dos especta- dores nlo chamasse d'esta vez ao palco a auctora para eu ter o gosto de a conhecer pessoalmente.

O drama ressente-se, 6 mister confessal-o, de inexpe- riencia de um primeiro escripto n'aquelle gonero, escri- pto de uma senhora que, segundo consta, não saíu ain- da da Madeira, onde não ha recitas de actorcs do piso- fi~são e raras vezes representam OS curiosos algumna coniedias triviaes, niio podendo ter visto, por conse- quencia, as obras dos grandes mestrcs ti luz da ribalta.

Differe bastante a comedia quando a lêtnos n'um ga- binete, de quando a vemos no palco, o muitas occasiões os auctores, apesar do terem lido as suas producp0es perante auditorio selecto,' têem-se visto forqados, de- pois da primeira recita, a cortar um ou outro dialogo, a eliminar uma ou outra scena. E dizendo-se isto, que seria inutil para a maior parte dos leitores, es t i clada a desculpa de qualquer falta, que alguns dos taes pra-

Page 134: -marianansilva-oferendas

- ALDA OU A FILLIA DO unn 119 -

guentos tem por.uso esmerilhar, em tudo quanto se pu- blíca, para achai* motivo de critica malevolente.

E talvez precipitada a scena do reconl~ecimento, o não percleria o drama se o panno caisse na occasi2io em que o navio sossobra, e o segundo acto ficasse re- servado para o encontro do pae e da filha, sendo facil a o robusto talento da auctora imaginar q.ualquer episo- dio que alongando o segunclo acto conservasse por mais tempo o espectador d~ividoso e sem poder adivinhar o resultado d'aqiielle naufragio.

E uma vez que fallci do nnufragio, permitta-se-inc um ligeiro reparo, que nacla, to111 com a auctora, B qnes- tfto de mis cn-sc8ne: O pac de Alda que acaba de lutar com as ondas vem tso bem trajado, o vestido com tEo poucos aignaes de naufrngio, que parece ter estado na praia a fazer a toilette para se poder apresentar em casa de D. Mathilcle.

Alcla é uma bonita creaçLo, B um vulto sympatliico, e a niictora aclornou-o com toclas as grapas do seu fi- no espirito. Conhece-se lili o corapflo da, miillier qiia ama, e que sente w alma, avassalada por uma paixzo infinitn. O amor é a flor cla vida:

C ~ u r sans amour est iin jardin sans fle~irs.

Page 135: -marianansilva-oferendas

120 OFBERENDAS

A actriz encarregada d'esse papel, interpretou-o per- feitamente.

Além de escripto com o maior mimo, são sempre commovedoras e bem desempenhadas todas as scenas entre ella e Gabriel. Este papel foi representado com uma naturalidade notavel !

O drama revela na sua auctora as mais pronuncia- das tenclencias para a litteratura dramatica, e com a franquessl e sinceridade que me orgulho depossiiir, fe- licito-a e convido-a a que nos dê mais prirnicias c10 $eu brilhante talento.

Despedace por& . a mascara ; deixe de clamar-se Cesar OrtigBo.

Pois não ser8 Olympia nome muito mais syinpa- thico?

Ao'terminar, devo dizer que o drama foi recebido co~ii niuitos applausos, e que nilo era nocessario o nieu despretencioso elogio.

Nilo precisava d'elle a anctora.

«Pois quem tem corôns cle subido nierito j8 n"a oe ipporta com mais um 1oiivor.n

Sancta Cruz-23 de junlio de 1877.

Page 136: -marianansilva-oferendas

Aldu 02~ u F~ZJLCL do 1 1 2 ~ ~ 1 3 ! ... E a t reve~-se V. B

defender esse pobre drama que, clescle a primeira scena at8 it ultima, s6 defeitos encerra?! E não receio11 que nos envolvesscm na mesma, censura, a mim por cleixar repiSeseiltar Alcla, a v. por defendêl-a? Agradeço- lhe, minha senliora, a coragem que teve.

Irti, dias li no Dia~io iim folhetim do um dos nossos escriptores rnadeirenses. Achava bellesas no drama! ! E eu, por mais que procure, s6 defeitos encontro. Agra- deço-lhe o clefendêl-o.

Diz v. que veiu de proposito ao Funchal vBr o drama e que sobremoclo lhe agraciou? Creio; mas, iil- telligente como é D. Mayianna, se lhe não dekobriu as faltas, O porque no auctor via um vulto feniinino, que nSlo lhe deixava descortinar o que em Alda havia de nltlo, o que a obrigava a s y m p a t h i ~ a ~ com essas sce- nas, porque era uma imaginsçzo de mulher que as havia ideaclo.

Alda não presta.

Page 137: -marianansilva-oferendas

- __ L-...-

122 OFFERENDAS -7

- -

Se o primeiro acto se p6de soffrer, o segundo 6 in- supportavel. Precisava de mais desenvolvimei~to e in- felizmente nno o teve. E um drama que, em tres actos e escripto por outra peiiila rz iiKo ser a minha, poderá produzir effoito. Tem rasão o publico da minha terra em notar-lhá clefeitos. Se eu sou a primeira a conhe- cêl-os !... Admirei-me que o applaudissein.

Ao ouvir os sons da orchestra quo me anniinciava que o drama estava q~iasi a principiar, confesso,.. senti a coragem faltar-ma. Como pocleria têl-a se eu sabia o ualor que tinha Alda? Arrependi-me ent8o de ter ido ao theatro, mas era doinasiado tarda.

Perguntar-me-lisio talvez : -Sa lhe reconliecia defeitos, se via que o dr,unn

dão prestava, para que o cleix~u representar? Jb justa pergunta, se c? fizerem, e peço perdão de

haver condescendido. Não imagihem que vou defender Aldn; nunca o fa-

ria. Vou apenas dizer n verdade, porquo assim talvez o publico da minha terra me desculpe o têl-o massado duas noites.

A s vezes, findos oB meus trabalhos, tomava nus pe- daços de papel e eeoievia algulnas scenas, sein pensar no effcito que fariam, setii cuidar no desenlace d'ellas. Era uma distrac@io que me fazia esquecer as massa- doras horas de ensino e os enfadonhos tliemas de alle-

Page 138: -marianansilva-oferendas

ALDA OU A FILIIA uo BIXIC 123

mRo, Se algueni entlo me dissesse que o publico havia de vêr essas scenas que ao papel entao confiava, tel-as- hia feito em pedaços.

Escrevi Aldcz, creia-o V. , a brincar. NBo escrevi AZda para o tùeatro, ugo escrevi Alda para o publico, escrevi-a unicamente para mim. Perdoem-me as faltas que encerra.

Pergunta v. se foi com receio da critica que oc- cultei o meu nome sob o pseiiclonymo - Cesn~ Orti- gEo? Adivinhou. Ao enviar um folliotim, conliecendo eu o pouco que valia, receiavn a censura pubIica. Fia mal? ... Talvez; a cle hoje em diante não furtarei o meu nome 6, c~itica; ató mesmo a pego ao publico, mas peço-a justa,

Cens~irarn-nos por oscrever ? Não devem. Que mal póde haver em a inulliar confiar ao papo1 os seus sentimentos? Deixar4 ella por isso de ser boa esposa, boa mãe? Ahandonnri os deveres que tern a cumprir no lar domoatico? Passar4 com menos clesvelo essas longas noites de vigilia B cabeceira do cizt'eriilo ? Cui- dar8 menos na creancinha a quem chama, filho? ... NZo, E escrcvei~do nno ambiciona EL mulher gloria, renome, admiraplo; nzo escolhe as phrases, n%o pen- sa nos efFeitos, escreve apenas o que o coraçto lhe clicta, e escreve-o para se distrair. Nas, O grito do 6- Ihinho, o geinido do enfermo, o miiiiino descuido no lar

Page 139: -marianansilva-oferendas

124 OFBERENDAS

domestico, fazem-n'a largar a penna, esquecer as li- nhas que trapou e cuidar nos deveres que a sociedade lhe impõe.

E quantas d'essas paginas que o publico 18, nLto as arranca ella c10 proprio livro da sua vida !...

Não censurem a mulher por escrever, que cl'ahi nLo vir8 mal nem a ella, nom aos paes, nem aos maridos, nem aos filhos. Ao' lè~ os escriptos d'ella, seja moderada a vossa critica, leitor. Lembrae-vos que tem iminonsos de~eres a cumprir n'esta vida, que tem a responsabili- dade do futuro dos filhos e, por consequencia, do fu- turo da sociedade, felicidade preseiite dos mariclos, e c10 deslisar tranquillo e suave da velhice d'esses dois entes a quem cliairia paes: o 86 cumpridos estes deveres, P. que a mulher escreve.

E agora, minha senhora, basta de fallar da mulher, Ao lerem este folhetim, esses que portcncem ao sexo forte, (como v. lhes chama) rir-se-hão talvez. N%o im- porta; não tratem mesmo de occultar o sorriso zombe- teiro que pelos labios Ihes passar, que a mulher ao v6l-o não se deteih, mas continuará na estrada do progresso.

E de hoje em diante abandonarei o pseudonyuzo - Cesar 30j-ligüo; teroi mais coragem do que até agora tive, expor-inc-hoi ft cenaura sob o verdadeiro nome de

Funcùal-Junho 28 de 1877. OlyWLfiia.

Page 140: -marianansilva-oferendas

ALDA OU A FILHA DO NAR

d E X . ~ ~ SrSa D. OLYllPIiI PIO FERNANDES

Vou apenas dizer aIgumas plrases com relaggo ao muito apreciavel folhetim de v. ex."

Começo protestando contra os tgpogrnphos e estou tentada a protestar contra o revisor do Dia& de No- ticias, porque fizeram dos dois versos um periodo em prosa. Os versos são assim:

Pois quem tem c'roas de subido merito J B nlo se importa, com mais um louvor.

São versos de Augusto Luso, que li não sei onde. Isto posto, e agradecelido as palavras nimiamente

lisonjeiras qiie v. exea me dirige, felicito-a e felicito-me pela tor aconsclhado a que, rasgando o v60 doznnony- mo, assigne, de hoje dvante os seus escriptos coin o for- moso nome que possue.

Nlo e~tranhe v. ex." a demora da resposta. V. ex."

Page 141: -marianansilva-oferendas

126 OFFRREN DAS

falia nas horas massadoras do ensino, nos themas en- fadonhos de allemfo; eu poderia f a k - I h e nos prosnicos traslados de ~~c r ip tu r a s e nos embirrantes formaes de partilhas.

s ão elles os culpados de eu n%o ter escripto mais cedo; e 6 tambem para me desenfadar d'esses trnba- lhos, de que a poesia anda longo, que 4s vezes pego na penna para lançar so papel, OLI recorclagões do um dia, ou as impressões de um rnon~~mento.

Alda nfio presta? diz v. ex.' E que pena tenho eu de n to possuir uin nome au-

ctorisado com que sobroescrevesse cstas palavras : -Alda vale muito: vale pelo principio que advoga,,

pela mora1 que encerra, pela bellesa do estyIo, pelo en- canto de muitas das scenas; vale por ser uma opu- lenta e viridente flor que nos esth a prometter l i para o futuro os fructos sasonado? e optimos do uma intol- ligencia notavel.

E o que sinto, e Q o qiie digo com franquesa. Nem eu tenho que lisonjear a v. oxna Por qu6, e para

que? Tudo o que se podia dizer, em defesa cle qunesquor

defeitos de Alda disse-o v. ex.' em quatro lihlias: aEscrevi Alda a brincar ... Nto escrovi Alda para o

theatro, n%o escrevi Alda para o publico, escrevi-a tini- camonte para mim.#

Page 142: -marianansilva-oferendas

ALUA OU A FILHA DO MAR 127 -

Na ingenuidade da confissIo, na franquesa com que 6 feita, resume-se toda a desculpa.

Animo pois ! Repetirei as phrases do seu conterraneo e humoristico folhetinieta 3'. Brasão : d v a n t e , formoso talentoj ávante !a

Diz v. ex.& muito bem, a mulher nto deixa, por con- fiar ao papel as commoç8as intimas, os seus pensamen- tos tristes ou alegres, de ser boa filha, boa esposa, boa mãe, essa trindade sublime que ella representa.

NEo 6 d'nhi que provém o mal á mulher, ProvBm das Izj.rxpões ~Zeseyunes, provém-lhe da maldade do ho- mem. Inda nEio ha muito li n'uma longa serie de ar- tigos, qixo ost4 publicando na Actt~alidade aquella peregrino talento que se chama Maria Amalia Vaz c10 Carvalho, e que v . ex." deve conhecer cle nome, O se- guinte :

<iSe os homens fossem egualrnente bons, esclareci. dos, benevolos, a inissão da mulher era realmente muito mais facil. Se 6 indispensavel elevar o nivel moral das futu:*ns educadoras, n"n 6 siuiylesmoiite para satisfapgo do Iiornein, mas sim para sua remissno.

aNbs n8o dovemos trabalhar para dar novos gosos a novos triumphos 9. porgão mais forte e mais feia da hu- manidade. h outro o intuito que deve animar todo o espirito que pensa.

a 0 que antes de tudo queremos e ainl>iciontimos E

Page 143: -marianansilva-oferendas

melhorar o homem ; melhoral-o, engrandecêl-o, depii- ral-o por via cla mulher, essa fraquosa ante a qtial toda a força tem fatalmente de curvar-SO.D

Pois qub, nao preferirá o marido, ao voltar a casa, encontrar, al8m dos confortos do lar doineslico, a 0s- posa serena, tranquilln, tendo passado OS momontos de descanpo do lidar caseiro a Ibr iiin livro oii n confiai* ao papel uma ou outra recordnggo, uin 011 otitro procluoto da sua inteiligencia, que a elic mostre, que 1116 leia, que lhe fapa desvincar a, fronte, abrir-Iho um sorriso ? Não preferiri tudo isto a vir encontral-a chorosa porqiie esteve na sua aiisencia prestando ouviclo attento ds ca- lumnias cle Lima intrigante, As intrigas clo iiina osmeri- lhadora de vidas alheias, aos aleives de qunlclnor crea- tura invejosa ?

Elles que respondam. A mEe?! Existe porventura alguma coisa n'oste mim-

do, que desvie a mão c10 bercinho de sau filho, quando as necessidacles da creanpn reclamam o auxilio ma- terno ? A mesma 110ra ein que tenho a honra de. lho oacro-

ver, minlia senhora, so o vagido do inizocantinhLo quo dorme tranquillo o somno dos anjos a meu lado mo soasse aos ouvidos, por mais qao asso vagido Robil fos-

8 se, zl penna voaria nSo sei para onde, e este oscripto não se terininaria talvez mais.

Page 144: -marianansilva-oferendas

ALDA OU A FILHA DO MAR 129

E O qiie eu f a~ i a , fazem-no todas as ililes. Digo-o convicta, digo-o, intcrpretaiiclo-lhos os sentimeiltos.

Senhora ou inullier, a miie é uma 86.

Quem se lembra de escrever quando soffre O $lite ~ U G adoramos, seja pae, esposo oii filho?

0 hoiuein sim, que isso faz; pratica o iriiiilns vezes, sejamos justas, porque n tal o obriga a necessida(1e do siistenpr os seus; mas a iu~illier a qiiem n3o cor1.c geralmeatc egilnl devcr, tudo abai~cloiia para camprii na terra a rniss5o de consoladora, que Deus lhe impoz.

E agora direi coiilo v. : basta de frtllar da mul her. DIais uma palavra ainda a proposito dos pseudony-

mos. Accusnram-nlo eiii carta particuIai- excessivnmente aniavel, clo que ceiisuraildo en os pseiidonymos ma con- servtisse sagjli-~;ek~dcb-assepo a v. e ~ . ~ que foi a pro- pris expressgo.

NKo terii raszo o censor, porque ou creio-o n'isto n3o ha modestia iiein, vaidade-quo toda a gante sabe, trn- duaii* as iniciaes com que subscrevo os meus polires. escriptos: e não 6 tão grailrle a Madoira, qiio niio se- jam bem conhecidas na possoas da ftira.

Ali nCEo lia pseudonymo, ha apenas o liabito em que me puz de escrever mais breveinontc O meu noiiic a ap- pelidoo; iiorne que, alEin d'isso, nRo é na ilha muito v~i1- gar, tanto que iunito eiiibirrani em dividil-o cm dois, qucrenclo que eu seja Maria Alma.

9

Page 145: -marianansilva-oferendas

Termino agradecendo a subida honra que v. e ~ . ~ me fez, e pedindo-lhe desculpa d'esta miscellanea de phra- soa que por aqui amontoei; protcstando a v. exa8 iima vw ainda, os sentiiaentos do verdadeira admiraçto d a

Santa Cruz - 5 de julho de 1877.

Page 146: -marianansilva-oferendas

A FILHA DO CARRASCO

Triste lampada brux'Ieia em morada sepulchral; a lu5 quasi se arreceia d'esse aspecto funeral :

erguem-se em volta mil tumulos gelados, tristea, sem luz; alguns raios debeis, tremulos, v80 beijar humilde cruz.

Na vasta quadra sombria, uma donzella formosa, curvada na lagem fria, ora com VOZ fervorosa.

Page 147: -marianansilva-oferendas

102 OFFERENDAS

É linda, no olhar suave transparece-llie a cmdura : na fronte serena e grave, ha um sulco de amargura.

Olhos negros qual beryllo, tem-nos em pranto banhados. -Porquel pomba, em tal asylo szo os teus dias passados?

Dos Iiomens atroz maldade ii reclus2o a votou; Rem lhe raleu a beldade, ~6 despresos encontrou.

Diante do crucifixo, em humilcle posiçgo, o olhar na imagem fixo, e n'esse olhar a afitficçLo :

em cxtaeis piedoso ergue a Deus interna prece, o soffrer angustioso, em espiação offerece.

Page 148: -marianansilva-oferendas

A FILHA DO CARRASCO 133

Porque, jovon dcsgrspada, jazes no p6 envolvida? Porque maldição, e nada, é, p'rn ti, no inundo a vida?

Porque buscas soIitaria csto recinto apartado? Porqiie vcste rnortuaria cobre teu corpo nevado?

Acaso do amor R cliamma arde vivida ein teu peito? E ontra a lma a .tua inflamma 6 paixto r c n ~ c i ~ c ~ o prcito?

Deu-te um anjo essa bellcsa, essas graças e candura, inas dos liomcns a cruesa marcou tua desventura.

Votou-te a son~brio olvido ao pranto, inartyrio, d8r; ai cle ti, lyrio pcndiclo, sem as caricias de amor.

Page 149: -marianansilva-oferendas

Aperta bem o cilicio em tuas firmas airosas; deixa as galas, o bulicio, p'ras que forem venturosas.

-O teu amor é um crime, ningi~em te quer a paixão, despreso eterno te opprime : esmaga o teu cora'~çã0.

Mas porque todo esse encanto tem do mundo a vilta, o asco? Ouvi-a dizer em pranto : - Sou a filha do carrasco !

Ilha do Porto Santo, 1872.

Page 150: -marianansilva-oferendas

A VIRGEM DAS DORES

AO EXam0 SR. CONEGO PELICIANO J U ~ O TEIXLIRB

As auras subtis brincavam-lhe com as madeixas do loiro e annellado cabe110 !

A cabeça graciosa pendia-lhe inclinada. E dormia ! Dormia a gentil menina n'om bercinho policio e dou-

rado: alvas as roupagens, as rendas alvas. A cnmelia não era mais branca do qrie seu rostinho

angelico, nem do que as suas faces era mais rubra a rosa de cem folhas.

Dormia o anjo da innocencia; parecia protcgel-a a

Page 151: -marianansilva-oferendas

136 OFFEREN DAS

effigio da Virgem das Dores collocada em um painel sobre a cabeceira do bergo.

Velava-llia o somno um cão. Guarda fiel. Olhar meigo e limpiclo, vulto grande A magostoso. Era um Terra Nova magnifico ! Mirava a creanpa sentaclo junto ao berpo; mirava-a

com ternura. NSio era mais firme a sentinella, nem mais vigilante

o guarcla do pharol! Pobre e humilde se via a casinha ; o luso estava no

doiiado bnrpo; mas a aceio em todo o aposento.

Para buscar 6 filhinha pUo, 0 flôres, saíra a pobre iiiBe, viliva de uin iuarinliciro.

O p30 repartia-o a pequonina coin o crio; as flores ornin para, ambos brincarem.

Trus annos contava aqnelle cntesiiiIio de inexccdi- veis encantos; alva, como z açucona, purl~nrinn como s papoila q n ~ Aammeja por entre a coara.

E o c20 fiel vigiando-a, fazia leinbrar ou o pogurei- ro at;tent,zildo pelo rebanho, ou o avaro volando pelo sou tliasouro.

Page 152: -marianansilva-oferendas

A VIRGElI DAS DORES 137

A serpente inimiga do homctn deisdra a lurn negra. E, a~rastando-se, e colleanilo, penotrou no apo-

sento. DemorAra-se lá fóra a mZe ; vira aberta n porta dn

cathedral, entrdra, para dirigir fervida prece tí Tlr-geni das Dôres, recoininendando-lhe o anjo que clori-iiin o songino da innoconcia !

Eram grandes os desgostos, tristes os dias, as noi- tes angustiosas, mas em noite nonhiitna a Trirgenz pns- siira sem fervorosa orac;Bo d'aqiiclla 1iiP.e religiosa e crcnte,

Fosse muita a pressa, instanto a nccessidaric, j&- mais a boa mulher transpozera a testada da sim porta, scin encommenciar S iüZe Dolorosa a inilocentinhn e o seu guarda.

Caisse a torrentes a cliuva, fragoso fosse o caminho, abrazasse o sol : se aberto era o templo sempre d 111.- genz dus Dôres a mKr, Ieiiibrava o lyrirt d'amor e O seu fiel compsnheiro, . .

E a serpente, em mil roscas, colleava pelo cliZo da CRSR.

Ainda nas brancas roupagens do bercinho elegante, dormia o anjo de cabellos de ouro.

Page 153: -marianansilva-oferendas

138 OPPERENDAS

E o c80 velava; velava sempre. Não estaria mais firme o athleta no circo; nem mais cuidadoso o timonei ro em o navio.

Resava no ternplo a mãe, e a imagem á VÊrgem das D8t.e~ suspensa sobre a cabeceira do berpo cla fi- lhinha brilhpva emmoldurada em lavrado caixilho, aos raios do sol.

Caminhou a serpente e o Terra Nova avistando-a, fitou as orelhas, afiloii as ventas, arregagou os beigos e mostrou os dentes.

O reptil arrastando-se sempre aproxima-se do cão e ao descobril-o uimmediatamente se fórma ein espiral, achata a cabeça, ent~ifa as faces, franze os beigos pe- gonhosos, e estancara a sangrenta voragem das gualas; florsa como bipartide Iavareda a farpada lingua, como asciias lhe flammejam os olhos, o corpanzil impando de raiva sa abaixa e aItea como folle de fragua, o coi- ro destendido se desluz, enfusca e escamama i

Ouviu-sa um silvo agudo e a mãe sentiu n'esse rno- mento um aperto do coração,. . .

G~nio do Clbrislianisnzo, traducgão dosr. Visconde de Caslilho (Antonio).

Page 154: -marianansilva-oferendas

-- - -

A VIRGEX DAS PORES 139

Mas ergueu os 01110s para a ' I í i~gern das Dôres e pa- receu-lhe que a imagem sorria por entre as lagrimas com que o esculptor lhe adornrlra as faces maccradas.

Travaram combate a serpente e o c%o; mas o reptil era possante e nas suas mil roscas envolvia e aperta- v a o inimigo. . . .

E a menina dormia, tranquilla e serefia, similliando iim anjo de marmore de alto relevo de antiga cathe- dral gothica a quem um Genio sobrenatural animasse e fizesse arfar suavemente.

Ai d'ella se lhe succurnbe o guarda ! ai cl'ella se lhe desfallece o defensoi. !

Não a poupar$ a serpente.. .

Do painel da Alüe Dobvose destravou-se uma espa- da das sete qna lhe trespassavam o coragão, e d'ello manou sangue precioso que um anjo veiu receber em urna diamnntina, E a serpente alargou as roscas e caiu morta estendcndo-SQ 13010 pavimento.

Roçgra pelo collo do monstro, a espada, E o anjo da guarda da menina, emquanto o outro anjo desappare- cia com a ~ ~ r n a , lcvava B Virgem das Dôres a lamina, j B purificada, que salvkra a fragil creailciiilia 1

Page 155: -marianansilva-oferendas

--

140 OFFEKENDAS

O cLo voltou a sentar-se no seti posto, brilhava-lhe o olhar aonde parecia reflectir-se a alegia do ven- cedor.

A encantadora e IouçTi criancinha n'aquelle momen- to abriu os 01110s lindos como O azul do ar : o cão agi. tou as orclhas e a cauda e fitou a. pequenina com ter- nura e satisfaçzo.

Quando a santa inullier voltou viu o monstro lior- rendo que jazia inerte no solho; ergueu a vista assus- tada para o painel da Vbgenz e de novo se lhe figu- rou que Ella sorria 1 . . .

Ajoelhou a boa mbo, o agradeco~l 6 protectora do sua filhinha o haver livrado do tão horrivel morto o ido10 do sua alma, a, consolaçc20 unica de sua viuvez.

Affagou o animal, e deu-lhe pBo. Beijou a filhinha, e deti-lhe flores. Gi.irvon de novo os joelhos, ergueu as mãos e mnr-

murou fcrventa prece d Vil-gem das Dares.

Porta do Sol, 1879.

Page 156: -marianansilva-oferendas

JUNTO AO BERSO DE MINHA FILHA

Senli~i.! livrae-a da rajada dure, a flbr rriimosa iie desponta agora, ùeitac-llie orva(llio na corblla pura, dae-lhe hafcjos, prolongae-llio a aurora.

C A S I ~ I I ~ O n'Annsu.

Dorme, filha, em quanto eu velo para ti pedindo a Deus, a doce paz, c l na terra, gloria eterna, l i nos ceus.

Has de ser, por Deus, ditosa, o eu por ti; filha querida, se tal qual é meti desojo, minha prece fôr otivida.

Page 157: -marianansilva-oferendas

142 OFFERENDAS

Que as agonias do mundo d'este abysmo negro, e fundo, nunca tenhas de soffrer; e que a tua f6 t80 pura, que te dá toda a ventura, te acompanhe at8 morrer.

Dorme, e deixa quo este pranto brote livre e sem parar, que o motivo d'estaa lagrimas n5o t'o posso revelar !

Dorme, dorme, anjo innocente, ernquanto eu peso ao Senhor, que te ampare, e que te cubra, com seu manto protector.

40 de dezembro de 1865.

Page 158: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES

V

UMA LENDA MADELRENSE

O beato frei Pedro da Giia~*da

U m a das primeiras terras da Madeira onde residi, que depois visitei amiudadas venes, e da qual conservo tamboin gratas recordações é Cainara de Lobos.

Seja-me pois permittido deixas n'estns paginas al- gumas linhas descrevendo aqne l l a 1,zborioaa freguezia l .

' Creio ja ter dito que na Madeira a denominaçúo geral das locali- dades B a de fregilezias, i excepção da cidade do Fuiiclial que pelos bnbitaiites das frepuezias é simplcsmciilc denominada-a oiclclnàc.

Page 159: -marianansilva-oferendas

-

144 OFBERENDAS

8' semelhanga cle Ceairnbra, e outras povoapões c10 coiltineiite, Camara de Lobos constitue, juntamente com 1\/Iacliico, as dnas povoagões especialmente piscatorias da iIha.

A siia populap3o na maxima parte composta de pes- caclores, dedica-se quasi exclusivamente aos trabalhos do mar.

Contam as memorias dos primeiros descobridores, que Jono Goilgalves Zarco depois de descoberta a ilha, re- solv8ra percorrel-a, e visital-a niinuciosamentc, para o que se mett8ra em uma barca c fizera n pouco c pouco a viagem ao redor de toda e1Ia: e por essa occasizo ia pondo os nomes que lhe pareciaWaos diversos sitios que sc lhe deparavam.

Foi assim que dobrando elle e seus coinpanheiros a Ponta da CI-~LZ, rochedo temoroso, que ciitra muito polo mar, e onde iininensas desgraças teein acontecido, ao avistarem urna pequena praia cle magnifico aspecto a denoininaram Pvaia formosa.

E segriindo scmpre oncontraram uma candaIosa ri- beira, cujas inargens eram de lii-ido aspecto e Inxuritiilte vegetagão. Algitils hoinens iiovos, q.iio em companhia do futuro donatario do Fi~nclial navegavnin, yeclirain-lhe liceiiga par:^ saltar ein terra e assim disfi+uctai,eiu cla agraclavel sombra e frescura que de 14 os ostnvn na- iiiorando.

Page 160: -marianansilva-oferendas

Accedeu ao desejo Zarco e tanto foi encontrarem-se em terra como deitarem-se a nadar 11s formosa e

soberba ribeira. Poitirn como o impoto da8 aguas era grande, nXo po-

deram atravessal-a e foram impollidos para o mar onde teriam perecido se de bordo Ihes n3io acuilissem imme- diatsrnento.

Salvos os mancebos pelo soccorro dado, ficou A ribei- r a o nome que ainda hoje conseiSva do Ribeiqoa dos 8oc- -

cov~idos. Continuando a navegar dcpararnm coin uma rocha

que tambem entrava um tanto no mar; ein frente exis- t ia outra e no centto ama pccliiena baliia tranclailla o remsnsosa que para logo os cnptivou. Entraclos os ba- teis n a ensenda o saltando cin tcriSa avistnsam urna gl-ande Inpa tao modo de camnrn» do roclía viva oncla não sb dentro, mas nas visinhailpas, viram iiiila oilor- mo quantidade de lobos marinhos qtio Ihes causou nrl- miraçno, 9 depois recreio, por q ~ i o n caça-1-0s so entre- tiverem alguns dias.

João Gonçalves Zarco poz. ao sitio o noino da Cct- mura de Lobos, que depois adoptou pnra seu appellido.

E mais tarde el-rei D. JoLo I para o gsilardoar pa- la descoberta da ilha, além cle outras honrarias, Ihe con, codeu a merc& de brazâo de armas ; que ora, ein campo -verde, uma torre cle oiro coin uma cruz om cima a

i0

Page 161: -marianansilva-oferendas

-

146 OFFERENDAS

dois Zobos marinhos de cada lado e por timbro um 1060 marinho assentado no paquife.

Tanto o appellido como o brazto cl'armas são ainda hoje usados pelos descendentes c10 illustre navegador.

A calheta e sua furna nRo podiam deixar de ficar em a lembranpa dos primeiros descobridores, e mais tarde alguns para ali foram estabelecer-se na praia junto ao mar, e por tal sorte deram capa aos 2060s ma- rinl2os que ha muitos e muitos annos desappareceram de todo d'aquellas paragens.

O logar comegou por uma pequena, povoagão, au al- doia, cujos habitantes construindo suas cabanas de c011110 e casas de sobrado 4 beira-mar, foram a pouco e pouco, internando-se at6 fazerem uma bonita localidade com uma grande rua, larga e espaçosa, no fim da qual está a egreja matriz.

A fregiiezia foi creada scgiindo diz o sr. dr. Aze- vedo pelos annos de 1430 e tinha collegiada. O templo foi reedificado 6 custa do estado nos annos de 1673 e 1710, sendo o orago S. Sebastião.

A melhor parte da fi.egiiezia portencoii de primeiro a Zarco, e mais tarde ,z S ~ I I S lierdeiros, cluo ali estabe- leceram dois morgados de capella, o c10 Esph.ito Santo, e o da Vera Cruz.

Actualmente a capella do Espirito Santo pertence ao publico; est4 situada guasi d beira-mar e ali fazem

Page 162: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS NADEIRENSES 147

os pescadores suas festas e romarias. Havia mais diffe- rentes ca~ellas e morgados, que com o correr dos tem- pos se foram creati'do; entre elles Gguram o de Nossa Senhora da Narareth do qual conta o historiador que ,citlmos o seguinte cnrioso facto:

KE tradigão entre os pescadores de Camara de Lo- bos, que, no pi.incipio d'este seculo a morgada da Na- -zareth armada de espaclim se collocava no alto onde é a capella; chamava os barcos de pesca que vinham eu- trando no porto; e, por privilegio ou abiiso, cl'elle tomava o peixe que queria, e o pagava como lho pa- rec ia .~

Contarei tarnbem resumidamente tima das leudas, que me foi narrada pela tia Justina do Se7.7-ado das Adegas, e que se liga com uma das tracliç0es religio- sas da fregueziri, cle Camara de Lobos.

Quando visitei o ex-convento cle S. Bernariliiio', em prna das salas do qual existe actualmeute a escola do

f O convento de S. Bernardino foi a terceira casa professa d a or- dcm de S. Francisco quc Iiouve na Aladeira. Frei Jorge de Sousa o cdi- ficou em 1533, em cumpr'imeilto da promessa feita a u m cenoliita, que n'aquelle local vivera e cujo eremilerio uma clieia dcstruira cm Ii60.

(V. Dr. Azevedo,-Notas ás 6az~iados da Terr'u.)

Page 163: -marianansilva-oferendas

148 OFFERENDAS

sexo feminino, a mãe de lima das rapa~igas disse-me A saida:

-A minha senhora jB viu a f~irna oncle viveu o Sci?ato Sarco de Dezu S

-Ainda 60. -Pois a senhora que a renha vêr, e lá llio contarei

a liistoria c10 santinlio cola quein a gente d'esta freg~ie- zin tanta devopão tem,

Para nRo enfadar as Icitoras não usarei n'este escri- pto a linguagem peculiai. da gente do povo dn Macloira, visto que já em outras narrativas doi mostra; nEo po- dendo talvez eomtuclo evitar que me escapem algane terilios dos que a narradora empregou.

-O Santo Servo de Deus era 18 de fora de terras de Portugal e a modos qne ouvi dizer que o noille cl'elle lhe vinha de nina d'essas terras. Cliarnava-se Pedi.0 da Guarda. A gente cii nKo o conhecemos sen2o pelo Santo Seyvo de Deus, e eu se lhe sei da vicla toda, O porque o sr. Padro Vigario a contou ao meu velho, para este m'a ensinar a clizcr aos estrangeiros ' que veem visitar

i A gente do povo da Jlatleira, chama estrangeiros a todos de fóra da illia, at6 mesmo aos (10 conlinonte, aos quaes quando se qucr re- ferir com despreso ou odio, denomina awibcidos.

Page 164: -marianansilva-oferendas

as ruinas do convento de S. Bernardino e que enten- dessem a nossa falla.

Sempre grangeio assim o meu convite, que me ajuda a sustentar quatro gorgz~llti~zhos que 18 tonho em casa.

-Milito bom 6 que vocernecê saiba essa historia, por que a s pessoas de fdra sempre gostam de ouvir casos dos logares que visitam.

-Oiça a minha senhora: -O pae c10 eanto havia por nome Jogo L~liz , de

officio tecelão, a mtie Agneda Gonçalvca ; vae em 436 annos que elle nasceu o tinha vinte do sua edade quan- do tomou o Iinbito do senhor S. Francisco.

-LQ por esses reinos do Portugal viveu santa vida; fazendo Deus Nosso Scnlior por causa d'elle muitos mi- lagres, com o que todos buscavam Frei Padre da Ganr- d a para Ihes acudir e valor. O santo sorvo de Deus para fugir aos que o procuravam chamando-lhe santo, o pedindo-lhe soccorros, n8o o deixando resar ilein en- tregar-se bs suas devoções, alcançori licenpa clm seus SLI-

periorcs, cleixou acliicklas terras e embarcou.se c$ para a nossa ilha da Macieira, vindo tor n esta freguezia onde o coiivonto que a minha sonliora acabou da vêr, cstava entSio foito de novo,

-Que boa memoria vocamecé tom. -Ld isso b uina vcrdado; 1120 é por mc gabar, mas

boa cab~cidnde sempre eu tivc, e inal o haja quem não

Page 165: -marianansilva-oferendas

150 OFFEHENDAS

me deixoii aprender as letras que 1130 estaria eu agora aqui. Mas vamos ao caso : N'esta freguezia B que a vida dJelle foi'mesiuo a de um santinho. Trazia, B roda. do si uma corrente de ferro e todos os dias se discipli- nava at6 ficar eecorrendo em sangue. Escolheu pare seu mister o de cosiilheiro, por ser o mais humilde e. aspero, mas apesar de fazer o coiner para os outros fra- des, nem para si t i~ava . S6 nos dias do festas. comia as migalhas de pão e os sobojos de peixe qiie os demais religiosos dcixnvairi.

O resto do tempo jejuava ou comia alguns flqil~tos silvestres.

As offertas, quo lhe levavam os pescaclores da fre- guezia, todas entregava para o convento ou repartia com algum pobresiilho.

Elles dizem que apesar de cosinheiro, nzo era o Santo Servo cio Deus quem fazia nunca o comer; ia para a sua furna resar, e vinham OS anjos do c60 c10so~np0~111ar- lhe cz obrigação.

Contam os velhos tor ouvido quo na cosinha so fez, uma capella onde havia missa, e estava ainda a cha- miné, as panellas, caldeir8es e mais vasilkns do tertipo. c10 Santo, e uns anjos em vulto inui bcm feitos de pau, figurando que arranjavam o comer ; tudo inui bciii posto. em memoria do Santo Servo de Deus. Mas houve gon- tio bravo que escangalliou essas coisas todas - Deus

Page 166: -marianansilva-oferendas

RXRRATIVAS MADEIRENSES 151

porém ha de castigsl-os não 6 verdade minha se- nhora?.

-De certo: se não os castigoii jd. -Talvez, talvez j B estejam a ferver na caldeira de

Pedio Botelho. &Ias vamos adiante. A furna ou lapa onde O Santo

Servo da Deus viveu s maior parte do tempo tambom foi feita em capelia; é aquella que ali além estB arrui- nada.

Se eu fome a contar h minha senhora os milagres to- dos do Santo Servo de Dous, s minha senhora ficava eqtoyme de espanto,

Uina vez aconteceu nfio haver no convento nem ger- ne de p%o, porqne os frades franciscanos eram uns tria- tes; o, chegaram 4 portaria muitos pobres qiie vinham caindo de laseira. O guardiiio dou-lhe tima fveimn por não poder remedeal-os e o Santo Servo de Dens no ver isto, pediu licença para ir á caixa cla despensa para ver se lá haveria algum p2io.

-k eesciisado ir I&, disse-llie o guardião, de 1A ve- nho eu. EstB vasia.

Mas o Santo Servo de Dens foi ; e tanto pão trouxe, qne a toda aquella gente abundou.

Quando havia fomo no corivento e que n ribeira en- chendo nEo deixava cllegai as esmolas, logo o Santo se punha a resar, e pouco depois ouvia-se bater á por-

Page 167: -marianansilva-oferendas

taria e indo-se ld encontrava-se pão, azeite, carne, tu- do com fartura, sem que se enxergasseni os portado- rek. O que diz a minlia senhora? não z 'gno~~~ isto tudo?

-Tudo pbde ser q~iersndo Deus. -É verdade, 6. Quer ouvir mais? - Conte 16, conte. -A um rapaz, que certo dia o passou As costas para

o outro lado da ribeira, perguntou o Santo quantos an- nos tinha; e respondendo-llie que vinte e dois, diuse- lhe-pois mais cento viverds eni paga, do teu favor, sempre na bengão de Deus.

E foi certo, porque o homem d'aquella eclade morreu. Quando resava, os frades iam ds vozes espreitar, o

viam-no erguido do ehPo para mais de tres covadoa; suspenso no ar! Dizern que tambem adivinliava o que estava para succeder. Mandava callsr os passarinhos quando estava resando, e elles obedeciam-lhe: louva- do seja Deiis !

-E doantes que alla sarava?! Anda essa freguezia cheia, que nrio s6 eu 111'0 contaria isto Q seiiliora. Pois ao elle at8 adivinhou a hora da sua morte !

-Depois de ter vivido vinte annos na nossa fre- guezia, um dia cliamou o paclre guardiCio e com 'muita humildade despediu-se d'ello dizondo que ia morrer, e a uin loigo podiii que lhe fizesse uma cova no c1180 som maia signal do que uma cruz.

Page 168: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIREKSES 153

No dia 17 do rnez de julho, quando os religiosos es- tavam no coro resando, ouviram dobrar os sinos sem que estivesse i l a torre pessoa alguma. E logo suppoildo que seria a morte do Stmto Servo de Deus, que ha oi- t o dias jazia doente, coiSrernni A furna o lá o encoiiti~n- r am clefuncto, com os' olhos abertos elos no céo; os bra- 90s em cruz, deitado sobre um feixe de vimes, que fôra sempre a sua cama, e exlialando uin cl.leiro a flores ra- ras o mimosas.. .

Ali correram todos, e o povo muito choroso: e Deus Nosso Senhor contiauoii a fazer muitos milagres.

Annos depois, em vista de tantas curas e beneficias, o Sr. bispo da Funclial e outras pessoas, d,z cidade vie- Iam aqui ao convento de S. Bcrnnrdino, e o sr. bispo e o cominissario dos couveiltos cavaram por suas mnos e acharam os ossos do Santo Servo de Deus, tendo a caveira todos os clontes, c o Lnbito coino elle o trazia em vida: o da cova so espalliou iiiii clieiro inuito bom, como o dos melliores porfumes. Entiio inettcrsm tudo em um caixgo, e pozerarn na egrqjg, até que depois fo- ram para dentro de uma arca de pedra, collocacla na capellinha que o povo fez, no sitio da 8epullu1.a~ que era ali além, Venlia vêr.

Page 169: -marianansilva-oferendas

154 OFFERENDAS

Levantei-me e segui a boa mulher que nAo se can- gQra de fnllar, e chegada ao local, ainda me contou o resto da historia do advogado prodilecto dos pesqz~itos, como na ilha denominam os habitantes de Camara d a Lobos.

- Olhe I?. minha senhora, os milagres do Santo, pas- sam de muitos centos, e tudo est& em papeis, e jÉl foi lá. para onde vive o Paclro Santo para se poclerem man- dar dizer miseas a frei Pedro da Guarda, ta1 qual como se dizem aos ontros santos.

&Ias quando mndoii este governo, ha trinta e sete Izn- nos, pozeram os frades d'aqui para f6rn e vieram d a cidade uns fidalgos e o Sr. vigcario capitrilar e procu- raram as cinzas do Santo para as queimar; mas como n?io as encontrassem, porque rirn devoto as escondera, mandaram queimar a sua imagem, clizendo que o povo não dovia acreditar n'aquella devopão qua era pecca- do - o povo assustado deixou fazer tudo.

Mais tarde cobrou alentos, e cle novo tornou a vir orar ao nosso Santo Servo cle Deus; o conveiito vne-se arranjando e a capclliuha tambetn, porqiie o si1. Cania- cho qiia comprou o convcnlo daixa o povo arranjar a capella e vir aqui resar ao santo.

Page 170: -marianansilva-oferendas

Agora p6de a minha senhora acreditar uma coisa, lia muitos santos no céo, mas c& a gente da Camara de Lobos, um dos em quem tem mais fé, é no Santo Sn*vo de Dszhs; assim elle dê á minha senhora e a to- da a sua familia inuita saude o muito dinheiro para fales bem aos pobresinhos que tanto carecem.

E com uma p a t i n h a que llie deixei cair na mEo, retirou-se-a villoa muito contente, e eu satisfeita não a6 por saber mais uina lenda da &Iadeira, mas pelo inagnifico passeio que déra ac lindo sitio aonde está. o ox-convcato de S. Beriinrdino á inargem da siboirn.

Caniara de Lobos-:! de fevereiro.

Page 171: -marianansilva-oferendas
Page 172: -marianansilva-oferendas

LAMENTO

Kascer, luclrir, sorrcr, eis toda a vitlti. A. GON-ALVES DIAS.

k s andorinha que perdeu o bando, naufrago em ailcias, a perder a fb; triste qnal monja, sem cessar choranclo, qual a da mnrtyr a tita alma é.

Fugiu-t'a esp'iailça, sem luz $unia aurora ; sem conforto que o peito alimente sem a palma qoe a ruartyr implora sinistra ic1i;a t'avassalla a, mente!

Page 173: -marianansilva-oferendas

Choras, sim l De que vale esse pranto, se provoca do mundo O desdem, se o gemer por motivo tão santo B do escarneo motivo tsinibern?

Como o homem de todo se esqiiece d'esse amor que Ilie teve a mullier! não se lembra que extreiuos merece pelo muito que sempre Ilio qucr.

Insensivel, do praiito sorrindo que orgulhoso a fizera verter, vae a triste mais n'alma ferindo, vae-lhe sempre augmeiitaado o soffrer !

PorEm, Daue, que é bom Pae, que 6 piedoso, hade a pobre por fim resgatar; hade dar-te um f ~ ~ t u r o ditoso, ou a martyr no c80 premear.

1880.

Page 174: -marianansilva-oferendas

HORAS DE ALLIVIO

v

Ao E r . l l l ~ Si-. Goilclo clo Pi-imo

. . , . . . . + . . . . . . . . I . . . . . . > . . . I . . . . . . . . . . . . . . . . .

SOLI f~*allca; su conisigo suppoi.tnr o pndocor uma oii oiitra voa, RO lho ~csis to slgiimns, lino posso faz8l-o som- pro. Eiiganniri-so com n nltsa da iiiiilliar os quc a jul- garn do toiz.ipoi*a t:~1 quo roccba, iiripavida os golpes dcs- aliiodirdos qiio 1110 vibram, miiii,o innis so ullos pnrtoin (10 pcsRon quo Ilic 6 cnrn. ((A coriigcin da mullior -diz uina iritolligoiita oscrili torn iririiloiron.so - consista oin s~illiinottoi-so Li, voi~í,n~Ia do I)oLI~; tcr lmcietlcia) j~iizo c Ii~imniiiilnilo. P

Ailipliaroi uin pouco irinis o coilcailo, so n8o iri'o to-

Page 175: -marianansilva-oferendas

- -- 160 HORAS DE ALLIVIO

mam S conta de pretençlo.-A corageli1 da miilher s& se manifesta, salvo excepç5esi quando a sua alina está. plena do um sentimento qualqner quo lh'a avassnlle, Careco de que no seu coraglo haja nmn crença, um af- fecto, um sentiinento qne seja como a occriltn mola que lhe ponha e111 acção toclas as faciildacles. A mulher nlo. vao As guerras, como o homow, pela vaidade ou pela. ambiçgo clc adquirir riqucsas e locupletar-se d custa clo sangno, vida e rilina cio seli semelhante. Impelle-n para o meio dos coinbates o arrior maternal, coino siiccc- d e ~ i d rninha, Santa Isabel; leva.& o aiiior conjugal a armar teiYt;os, p6r-s'e-lhes B fi.eilte o gnial-os contra o, iniiliigo, coino fez D. Mariatina c1'Alencastro; obriga-a o amor filial n transp6r a ponta levadiçn do forto cas- tello, como praticou D. Brites de Bilotira; attrnlie-a o amor cln te11-a natal ao mais renliiclo claa pelejas, coino D. Isabcl da Vciga; instiga-a o ai-tlor da roligiZo a, sup- portar as pol&s, os potros, as calclcirns cl'neeitc fervc11- CIO, n encarar sern susto o cntello c10 algoz, que lhe vao decepar n cabet;a, como o martyriologio christtio nol-o diz de tantas virgens c servas do Senhor. E o amor cla religiZo e cls patria g i ra nn siin nlina coragem pro-. cligiosn, tal como a. qiia apraaentoii Joannn d'Arc.

A mullier, abstrnhindo as filhas de algumas nações, n30 brande o punhal por ama futil vulgnriclacle, por um capricho, mas s6 quando suppõe praticar .um acto

Page 176: -marianansilva-oferendas

- - - - . - . . - -- -

IIORAS DE ALLLIVIO 1G1

do siloriiio dedicngno, tal coiiio o do Carlotn Corclag! A iilullicr clcsarinain-ri'a as mais das vezes os prantos, as caricias, a iiiiioceiicin ; nzo é a cllas iiiseiiaivcl, conio om gora1 succcclo nos lioinoiis.

E quanto iiiais iam a civilisng80 cainiiihado, o dado d iziiillicr o logar qilc do justiça Ilio coiiipete, tanto inriis toiu olln csliiliicto as maiores provas c10 que é a do que vale ...

1'tii.n qno a iiiullicr n3o i c ~ u caragem, 6 para s C ver ti+;iliida, ali:iiicloiiada polos ilue ama, vilipciiclinda pelos q ~ o cstiriia, cscnriiccicla pelos quc adora; eiitIio 6 fraca c, ilo iilil, rcsiato uiiia u tal provaçlio! ...

Page 177: -marianansilva-oferendas
Page 178: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES

AO EX."'] SR. DR. N U ~ O SPLVESTRE TEISEIRA

Quando ha mais de onze a n o s por uma noite do luar lindissima depois de ter atravessaclo s porgi50 de mar que separa da &Iadeira a S L I ~ irmã iaais vellia, :i

ilha do Porto Santo, desembarq~~ei, parecia-me que tiilha chegado a uma povonçEo da costa cle Portugill.

E m vez dos calhnzts eno~mes e incoinmodos que en- chem os portos do Funchal, Santa Cruz, Machico, Ca. iaara do8 Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e os cle- mais da Madeira, que tanto nos fazem aboi*recer e nos molestam, pisava eu uma areia finissimn e branca egual á da praia de Setubal e oatras do continente.

Page 179: -marianansilva-oferendas

164 OFPERENDAS

O barquinho onde eu viera chamava-se Prop7zeta. Pobre P~.oplteta! despedaçou-se cl'ali a mezes no.

Ilheu de baixo. Pobre do barco, nEo direi; mas do dono, a quem bastante falta fez.

As peesoas de quem na Madeira me despedia, di- ziam-me:

-Então a senhora vae para os P~ophetas? A bordo mesmo, oiivi por mais de uma vcz os cona-

panhei~os do barco dizerem uns aos outros: p?*opheta para aqui, propheta para acolh.

Scismava no que significaria tanto p ~ o p l ~ ~ t a , e que relaçgo teria a palavra, com a ilha do Porto Saiito.

Mais tardo interroguei o nosso brioso hospedeii*~ dis- tincto filho d'aquella ilha, o ex.'"O sr, Severiano Mar- cial cln Camara e do que olle me contou e outras pes- soas mo referiram e sobre o assumpto li, alinhavei esta narrativa.

Na occasião ein que os navegadores portugiiezes, mandados pelo infante D. Henrique, sulozlvain os ma- res ignotos, para cumpriram a orclom que elle lhes dera, salteou-os um furioso vendaval dias depois do sai- rem do porto de Lisboa, Afastados jd muitas laguns cla costa de Portugal, luctando com os ventos dcsencadea- dos, vendo n morte antosi, imagine-se qual o seu al- voroço ao oavirem gritar Ter~a! e ao verem surgir das

Page 180: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS NADEIREXSES 165

ondas, como por milagre, aquella ílhasinlia coberta de arvoreclos, á qual com felicidacie apartaram, e a que no enthusiasmo pela segnranpa e abrigo que Ihes dera, de- nominaram Porto Santo.

Limitada era a porção de terreno, mas de formoso aspecto apresentando em sua frente um porto amplo, esplendido 0 seguro.

Estava a ilha do mar á serra coberta de dragoeiros, zirnbreiros e outras arvores.

0 s dragoeiros teem ciesappareciclo, tanto foi o con- sumo que d'elle fizeram, aproveitanclo-os j d para uteii- silios domesticas, j& paya barcos, jit extrahindo-llie a seiva bein coaliecida nas pharmacias pe!o nome de san- gire de clrago.

Roje a ilha é ainda talvez mais sandavel do que a Madeira, de bons e frescos ares, mas pouco arbnrisada.

Porém como memoria da abundaucia dos dragoeiros ainda em seu brazLo d'armas figura uma d'aquellas ar- vores.

Es.tá 130 caminho do Lisboa para a Madeira, distan- do dozoito lcgilas c10 Funchal; tem tres de comprido, e Lima o meia de largo po~ico irtais on inenos. Existem em volta clifferentes ilheus, sendo os princil~aes o Ilheu dos d?.agoeivos, o Illzez~ d o ~ o q u e i ~ ü o e o Ilheu da Fo~zte d a s A?-eias.

Coube a ilha de Bartholomeu Pcrestrello que a po-

Page 181: -marianansilva-oferendas

voou e n'ella residiu, indo-lhe OS mantiiiientos cle La- goe em um grande navio todos os annos.

Prosperou a olhos vistos, funclnndo-se uma villa que tomou o nome de villa Bulei~o e pertencia h capitania. cle Machico.

Corria o alino de 1532 quando se passou o caso que deu origem a esse titulo de 21rophetus dado aos filhos do Porto Santo.

Havia no sitio do FL~VI-O~O, pequena rou~iilo de caaaes. no caminho c10 Taagire, iiin liomem que se chamava PernIo Nunos. Era da sua iiatiircsa bravio, rustico e vivia solitario, vindo vozes h villa, e nunca 4 missa !

A este homem o demonio, no dizer do povo da ilha, tentou a ir ter coin uma mpnriga de quinze para clezc- seis annos, sobrinha do Le~~eficiedo da villa, Nano Vez e d'allo Fernso B ~ a v o , alciiiilia que lhe haviam posto, para quelhe contasse cluailto ouvia a sabia Acerca das pessoas qiio frequentavam a casa d'aquelle sou tio.

Qiiando jci um dia estova bem sciento dn vicla de inuitos o dito FernEo Bu~wo comopoii a cleitai voz do quo O Espírito Santo Ilie apparocBra o queria que elle piégasse Acliielle povo o arrepencliineato clo seus pec- cados.

Page 182: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES 167

E uma noite, tangendo urna grando campainha diri- giu-se a casa da referida siia sobrinha Filippa Nunes e coiueçou a pr8gar accnsando uns e outros.

O povo accorreu, como de costume, sempre qiie fareja il'estas novidades, principalmente em uma terra isola- da de todos, pcquena. boia, no centro do largo ocoano.

Apoz a arraya minda apparecoram o juiz, os verea- dores e toda a fidalgtiía da ilha, que j B então, con~o hoje, muito ali ab~zndava.

A cada uin Fernzo EIYXVO lançava ein rosto uma ou outra mA ~ 1 ~ ~ 2 0 , sem que elles podessem adivinhar quem lli'a contbra, pois que tivcra a caiitala cle ir cle noite ter com sua sobriulia, evitando que o vissem.

Passaclo dias Fernão B~sauo tinha a siia reputacão feita; o povo cliarnava-lha o santo propheta Fernão e h sobrinha a propiletct Filippa.

Sabia pouco de grammatica o povo: nBo conheci's O

feminino prophetisa. Um aventureiro liespanhol servia.llies da sachristão,

e tocava toclos os dias a campainha lançando preggo para a prdtica.

Homens o mulheres andavam conf~isos e espantados 110 clizer clo cbronista ue as mulheres cleitaram as ma? todas as posturas clo rosto sem tratar dos vestidos pre- ciosos~ faziam penitencia, poiico alimento to~navalll) esse mesmo era de pé, para qne apenitencin fosse maios.

Page 183: -marianansilva-oferendas

168 OFFER EXDIS

Suocedeii que uin cliz opropheta e a p7-0pJtetu, a que111 nada bom faltava em casa, inandassem pelo saclirist80, annunciar uma procissão e prcclica na e~micla de Nossa Senhora da Graga ,-cujas ruinns ainda hoje se veein na ilha, e que ha nove anilos u.rn digno sncerclotc tontou reedificar- e ali correu o povo.

Resava n'essa occnsiXo suas orag0es João Calaga, de officio notario e nEo se importando com a prégaçElo do falso prophetn, contininoii ein sua leitura. Este poréin, magoado por ver que liavia quem não Ihc prcstava at- tençâo, exclamou irado-que aqnelle lioiiiew rluc estava resando, tinha o clemoaio no corpo o que Ih'o fizessem sair.

Tanto bastou para que a turba ignAra e faa4tica sal- tasse sobre o desgrapaclo tnbelli~o a a iiiurros o matasse.

Depois o proplieta ordenou que levassem o corpo para a ermida de S.. SebastiSi0,-aoacle 15 hoje a misericor- dia - o que elles cnil.iprirnnl.

Aterrorisaclas pelo crime, desvairadas pelas préga- çOos, aqiiellas pobres gentes abzbanclonavam stias fazeil- das e iião so tiravam dia e noite da porta dos pro~he- tas, os quaes dizcnclo que não comiam, noiv bebiairi, passavam viria regalada, nzo cleixnnclo ontrnr pcssoa alguma senão quando 1Iies convinlia: se,rvindo-llies de porteiro o hespanhol, que era fino o astuto, a muito de- dicado dquelles impostores.

Page 184: -marianansilva-oferendas

NAIZRATIVAS MADEIREXSES 169

Segundo as inemorias c10 tempo, um tal estaclo de coisas durou muitos dias, parecenclo que andavam os demonios soltos na ilha e toda a gente como louca: at8 que Jozo Aiiiles, escrivão, a casto conseguin que dois hoinens clos mais assizados e tres barqtieiros o acoin- panhassem de iioite, á s escondidas, com receio cios pro- phetas e niettenclo-se etn uma barca, fizeram-se de vela para a villa de Machico em llrocura do coi~regedor.

Apenas clesembarcaram, contaram o caso, nlvoro- $ancTo aquella gente com a noticia dos espantosos acon- teciruentos que na visinhsi, ilha do Porto Santo se esta- vam passaiido; e porque o corregcdor se achava air- sen1.o tornaraiu a cinlsarcar-se em clirecçLo ao Funchal.

D e tuclo inform,zram o capitão doilatario que orde- nou ao corregodor de Macbico por noine João Affonso, quo sonl perda de tempo se dirigisse B ilha do Porto s a n t o a inquirir c10 quo liavia.

A nova, conio C do persuinir, causou espanto ein to- do o Funchal, c o corregeclor deti-se prcssa em regres- sar a Machico para preparar a sua partida.

Antos porhm de caminhar para o Porto Santo enten- deu, por boa cautela, fazer rounir ao l ~ h da egreja d e

Page 185: -marianansilva-oferendas

170 OBFBRENDAS

S. Sebastito a gcnte principal e a plebe da villa, e tli- zer-lhes, que jnlguva tudo aqui110 obi.8~ do demonio, inimigo dos homens, e qile buscava toda a occasião de pe~qdel-os, e que para combater o inimigo ia elle em pessoa confianclo na piudencia dos habitantes cle Ma- chico que o nno acompailhassem son8o as pessoas qne indicasse.

Dito e feito : porque findo o discurso, embarcou-se sua mercê ticto continrio - levando coinsigo dois escri- vzes e o mais pessoal qne antendou - chegando no dia segninte pelo iaaio dia ao Porto Snnto.

Aincla o barco IA vinha ao longe, quaiiclo foi svista- do dn ilha, e antes que dobrasse o 1272e0 Se Õaixo, cle- rain os espias rebate aos cla terra e o p7.oplzatn entendeu mellior refugiar-se na Se~v.n de dentro.

B a lpda dirigiu-se a casa da p~opheta que jazia na cama, B 11nrn a convencer do oinbusto do dizer que nto comia, cliaiite d'aquella, gente inandou que se levan- tnsse e saindo todos para fdrs, ella assim o fez o tor- i~anclo potico clepois a entrar o corregeclor c seu sequito, na presen~n dos circumstarites, inanclou hcqiiells auclo- ridade dar busca minnciosa h cama; ali acharam pão, nBo clo forneado mas cosido no lar, a que os da ilha cliamam bolos do caco, alguns particios c dentados, con- fessailclo a mulher, que c-oinêra o que ali faltava. En- tão o corregedor, remetteu-a para a cadein, em quanto

Page 186: -marianansilva-oferendas

NARRATIVAS MADEIRENSES 171

que um meirinlio e q~iadrilheiros iam i serra em procura de Fernão Bvavo:

Tendo facilmente deparado com elle, pois que a Sewa de dentro e a Serq.cc de fóva n%o passam do alguns mon- tes faceis cle percorrer, foi o propheta remettido sob prisão para Machico, emquanto que o corregedor in- quirindo testemunhas continuava na clevassa.

0 corpo do infeliz João Calaçw, victima que trans- formara em tragedia, a ridic~ila coinedia dos prophetas, estava aiilda iascpulto na egroja de S. Sebastião, onde o corregeclor foi encontral-o já puti.efacto, e lhe mau. dou dar sepultura como hoineui que ((pereceu e morreu martyr por não dar credito a LL~U truki o crutico en- ganado do diabo)) conforme diz o bom do Frei Gaspar Froctuoso.

Trouxe a lume o inquerito das testemunhas muitos abusos do falso proplicta; bastar& dizer qiio até a cem vacla de aeus campos mandou debulhar por homens e mulheres que n'elle aci.eclitavam, clizerzclo-lhos que isso Ihes seria lcvado em conta para o perdão c1.e seus pec- caclos.

Sei160 corto que entilo, conio actualmente, sempre na ilha houve falta do braços para aq~iello e outros traba-

Page 187: -marianansilva-oferendas

17.2 OFFERENDAS

lhos ruraes, a tal ponto, qu': todos os aiinos vein da Macleira trabalhaclores para os fazer, retirando-se de- pois de concIuidos.

Dezoito dias durbra a iinpostiira e abuso de FernCio B).uuo e um meE e quatro dias - cle fevereiro a mar- 90 - gastou a alçada com a devassa. Os iinplic~dos nos factos relatados, foram todos presos para 31acliic0, nRo esquecendo o celebre l~i*egoeiro castelhai~o, quo tanto imbliira n'aquelles povos a creiipa em os falsos pro- phetas, Fero80 Brnuo e Filippa, Nunos.

Nlo estavam porém terniiilrtdas as sceiias ein que ti- nham de figurar aquelles protogoiiistas, era neces~ario qoe fossem castigados : e o corregedor mandon-os em moado do anno de 1533 para Lisboa, acompniil~ados de iiin de seus escrivnes, Heiiriq~ie Cocllio, para qua fossem apresentados a 01-rei D. Jono 111.

A seiitonça 11x0 foi das mais crueis. Maildou o sobe- rano que o proplzeta e a p~tophetn estivessem ainbos S porta da SB cl'Evora- cem urna escada cada um com szla cavocha de papel que diziam : PropPie-ka do Porto Sai~to e com uin ci& 1 acceso cada una na müo e~npzea~zfo se dissesse missa da tecça, c l h vesti- da e eiZe nzd da cintm para cinza e fossem sokos visto sev. oõra do Denzo~zio.~

' Vela de cera: ainda Iioje na ilha se dA esle nome, e tsmbem o dc cnndsin vclla de cera mais pequena.

Page 188: -marianansilva-oferendas

-- - ---- NARRATIVAS NADEIRESSES 173

E visto ser obra do Demoizio nno soffi*eram castigo pela c~implicidade na barbara inorte do desgracado João Calaga, porquo assim o entendcu el-rei. . .

Os moradores do Porto Santo foram condetnnados a pagar cluzentos cruzados para uma obra da ilha, isto 6 , cada uma das pessoas psincipaes dez cruzaclos, e os ou- tros conforine seus bens.

Qnal o fiin que teve o p~*opheta não o dizem as cliroiiicas; e as tradições divergein: uns dizem que se iIngiu loiico para escapar a inaior castigo; outros que se finou preso no Limoeiro, e alguns que depois de mui- tas peuiteucias foi em peregriilagno at6 Jerusslem de onde n%o voltou.

A pvo~l~etu, ou prophetisa, foi inais feliz, casou, e viveu no contineiite com abastanga e respeitada, não se atrevendo com tudo a apparecer mais na ilha, thea- tro das suas proezas.

Da e x ~ o s i q ~ d'elles n a porta d a Sé, creio eu, pyo- virá o rifão popular na Aladeira e Porto Santo - «Quem cidiuinhcs cae p a ~ u a povta da Sé.n

D'aquellcs factos passados lia 350 nnnos adveio aos

Page 189: -marianansilva-oferendas

- 174 OFFERENDAS

habitantes do Porto Santo a antonomasia de Prophe- tas.

Não se magoam porém com ella; antes rinclo e zom- bando contam aos qne ignoram o caso; e uns aos outro^ se dlo o epitheto, sem o minimo melindre.

Nem havia motivos para offendeis-se porque nada tem com os factos, que dois dos moradores pratica- ram ha seculos, 'n briosa e ficlalga poplilaçZo cl'esta for. mosissima ilha.

A alcunha em nada desvirt-íia a generosidade do ani- mo, a bondade CIOS sentimentos, que tanto honram og

filhos d'aquella poq~ienina e virente 5Ôr pcrdida no meio dos piiramos do oceano.

E tanto sabia isso a f~lnao o ineu distinctissimo a apreciava1 medico, a quem ouso declicar esta bagatolln iitteraria, que entre as mais dignas e fos~nosas filhas do Porto Santo, buscou esposa do subidas qualiclados, do quem me honro haver sido huinilcle preceptora.

F l ô ~ do oceano chamei h ilha do Porto Santo, deno- mina980 ogual á que 4 eua visinha Madeira, dcu um poota inglez e decerto que n2io merece nlonoa ser assim cogno- minacla.

Porto Santo, 31 de dezembro.

Page 190: -marianansilva-oferendas

SEMPRE

I ~ I I ~ ~ A G Ã O , h toi toujours a loi.

v. IIuuo.

A aiirora jt1 rompe a neblina ligeira! formoso 6 O crimpo vesticlo do luz : í'orniosa 6 a esp'rnnga, sorrii~do fagueira, que a todos, 11'eata hora, contoutos seduz I

Da brisa suava se agita ciubalada a flor, que c10 orvalho cclestc bcbea, o a pcr'la colliida, oiu. porfuines torilncla, s'eleva do calicc As 1iuvei~s CIO CGLI!

A seiva o o alento do sol, eiil toi.rcntos cninclo, transfor~iin c111 thesoni'o uma flor. A abolha osvoliça nos prados viroiitcs, libnnclo, o zuinbinclo, no aasiduo labor.

Page 191: -marianansilva-oferendas

176 OPFERENUAS

Que ricla renasce n'aldeia! na serra1 que dita, que unlevu no pobre casa11 Alegres os elites, que habitam a terra, felizes, entoam canr,Ko festival.

Eiivolta nas sombras n noite apparece, e a lua saudosa seu.rosto a inostrnr, ensii~a ao poeta, que ao vê]-a iiltristece, segredos ... rnystcrioe ... que o fazem chorar.

Porém que iil'irnporiam sorrisos cl'a~irorn? O sol que c1B vida? da brisa o flleacor? iiiysterios da noite?.. se est? alma t'adora sein vêr outra coisa meu anjo dkamor.

Page 192: -marianansilva-oferendas

HORAS DE ALLIVIO

A O DISTINCTO ESCHIPTOR ALADElRENSE

O Ex."O Sr. Ju.$o XI'GUSTO UB ORSELLAS

O viqjante q u o a o c l iegai ao p o r t o do Funcl ia l , abor- rido pelos incommodos cla viagem, sobe B tolcla da eiu- b a r c q s o para vêr a cidade, f ica des l~imbraclo .

' Cumpre-mc fazer especial menção d'esle cavallieiro, que na qiia- lidadc de redactor do Ilil-oilo, o mais importante jornal da illia, e que j 6 conta 24 aiinos de euisteiicia, foi o primeiro a convidar-n:e para co- laborar no seu periodico, acompanliando sempre as miiilias Iiumildes ~iroducções com plirases animadoras e de immerecido elogio. Até O

iiltimo dia da mirilia estada na illia recebemos, eu c minlia hmiliti, do illustre roniancistii ineclui~ocas provas de ealima leal, e desinttrcs-

Page 193: -marianansilva-oferendas

I? esplendoi*oso o panorama que avista. Descrevêl-o, não o poderia fazer a minha penna, nem que o pociesse seria em artigo t50 limitado.

A meia serra, mas sobranceira A cidacle, que se es- tende pela encosta de vericlentes colliilas e oiiteiros, descobre-se uma egreja cotn diias altas torres, destn- cando sua alva frontaria d'entre os fronclosos arvore- dos que lhe cncobrom a parte inferior.

Perg~intae a alguem que jl tenha ido 5 Madaira qiinl B aquella egreja o responder-vos-hx simplesineilte : k o Monte. E esta palavra diz tudo para o macicirense. O ií4onre

é a Cintra da ilha: e nada fica devendo tí do Contineiite. Desde a falda da montanha, onde come$&, o caininlio

para a egreja até o formoso templo, é orlado de quin- tas lindissimas, oiide se ostenta'm parreiras soberbas, qiia por sobre os mnros, se debruçam para a estrada. N'ossas quintas vae qnasi toda a gente abastada do Funclial passar o vertio.

O Monte B ponto obrigado de todos os forasteiros que visitam n FlÔr -do Oceano.

Mal se vê da cidade fundear um vapor no porto, bellissi- mos cavallos de alnguer stio pelos arrieiros coi~cluzidos ao cnllzau,para serem aproveitados pelosviajantcs, transpor. tando-os ao Ilfonte, que visitam nas poncas lioras quc os paquetes se demoram no porto. Para o regresso hn uns

Page 194: -marianansilva-oferendas

carrinhos de verga sem rodas, os quaes irup~llidos por homens adestrados n'aquelle exercicio, cscorrcgam pela inontanlia abaixo com uma celeridade vertiginosa, trans- P O ~ C ~ O a distancia, que 6 de uns quatro Iíilometros, cm

nlgiins ininutos. A c~grqja do illonte foi fundacla eni 1470 por A c l b

Goiisalves Ferreira, i e o grande adro de formosa esca- daria, concl~iiclo ein 1472.

Coilio disse, é sitio muito frequentado pe!os liabitan- tes da Bladeira, scnclo notavel a roinaria, que, de todos os pontos da ilha, ali vae nos dias 14 e 15 d'agosto, vespera e (lia c10 orago. Aqnella e a c10 SenAo?- J e s u s de Ponta Delgudcc sao as mais iil~portailtes do archi- ~ e l a g o .

A festa do $!ante colileça coin a iiovona; cada uni d'acluelles dias é jli uma festa notavel, iaaiicladn fazer por clifferentes rlevotos. Na egreja, instrnmciital, iiiissa rolemne, sermno; no adro, philarrrionicn, miiitos foguo- tes e p e d r ~ i 7 . 0 ~ que dhõ estrondosos tiros, e de. t~iicle grande afflnencia de senhoras a cavallieiros, que estio

2 Era hdáo Gonsalves fillio de Gonsalo Ayres Pcrreira, um dos rlcs- caliridorcs da ilha, companliciro de Zarco, o qutil deu o nonic d ril~eita q11c ainda hoje se cliama de Goiisalvo Ayrcs. E porque foi este a 11i.i- meira pcsioa do sexo iiiasculirio que nasceu ria illia da Rladcira Ilie pozeram o nome de Acldo, assim eoiiio n primeira do sexo feniiiiino liouve por nome Eua. Creou aquelle fidalgo um morgado do qutii Ioi capelia a egreja de nossa Senliora do 1Ioilte.

Page 195: -marianansilva-oferendas

veraneando no Jfo~atc c acodem ali para conversar a folgar. A Senhora do illonte tein uina Ze?zcln coino qiiasi to-

das as imagens de iiiaíor devoção dos povos calliolicos. Um dos milagres principaes quo a'essa lenda sa conta,

6 o succeclido por occnsiGo da entrada dos coisnrios frnncozes em 15(iG, do quc c150 noticiri, e clc que tra- tam, todos os auctores antigos qiic cscrevcrain Acerca. d a iilaclcira, e nioderna~i!entc Rebello da Silva. Acon- teceu ein 3 de outulru do 1566 que ~Iontcliic, -coiiz novecentos holnens, que vinhniri ciubnrcaclos. cin trez galcões,-- guiado por unz t:il Gaspnr Caldeira, saltasse n a I J ~ a i n forniosa com o firn de saquear n cic1:icle do Fuuchal.

E r a j i por este tempo celebrada a egreja do nlo?zEe pelas riquesns que possuin.

Esta faliia c1es:dio~i a cobig:~ dos francczcs, e uln troco dos corsarios, quc I~aviaili desoilibnrcarlo, se cliiqigiu Aq~iclle sitio. Um cl'elles, lailçniido iiiiio da Sciiliora, scgundo diz a tradiçno, a clcspiu de sciis adornos, c trn- zci~clo-n dcyoiu para os degraus da entrada, qiic eraiii do pedra rigissiina, ali dcu com a imagem ii)i.tciz~e»to no marniorc, Linscnndo T ar so conseguia 1):irtil.n; irias apesar da imagem ser do pau, fizcrniri-sc eni l j~dnços os clegraus, e o homeii~ can~at lo , Innço~i para loiige a iina- gcm e toniou o caminho da cidade.

Page 196: -marianansilva-oferendas

--v

HORAS DE ALLIVIO l d l

Qliando descia a montanha viu na portada da sna casa uiii pastor, de que a, tradiyno conservoti o nomo- Antonio illendes -o qual tudo l>resoncidra e nõo se ~ l ~ p o z e r a ao sacrilegio em virttide do grande nuniero ,c10 corsarios que acompanhava aqtiiinlle iconoclnsta : 1ria3 vendo-o agora só, o convidou, n que entrasse o toniasse

> I :i0 em sua casa. algiiina rcfc'c;" Apni-ias o frnncez, qiie acceilera ao convite, ia a en-

t rar , pastor com um macliaclo que trazia lhe fendeu o cranen deixanclo-o instantaneainente morto. Chega- ram depois inais pastores o toriianilo o corpo do ccrsa- rio o qlieimaram n'aquelle mesnio logir. A Sci-iliora nl)p:imcc"u mi1:~grosainente na siia cnpella, ignor:indo- se at8 lioje quem para ali a coiiduziii: dizendo a gciato do povo que foram os anjos.

O pastor Antonio lIerides, foi cm premio do seu aer- iço, armado cavalleiro pelo capitlo donatario PiniZo ~Qonsalvcs rln, Cailiara, indo depois servir em Atrica.

Os f~nilcezeg, depois de tereni, pt,r cspnyo de qun- torze dias, fuito i i~~i iansas mort:~iiÍia~les o roubos n:i, ci- d:tdr, retiraralu-se cla illin com os riavios cnrrspndas do dcspojos.

Page 197: -marianansilva-oferendas
Page 198: -marianansilva-oferendas

HORA TRISTE

Soffro, e tu podes minorar-me a dor, choro, o LI podes estancar meu pranto, amo, e tu podes com um puro amor, ' tornar-ine a vida n'um ditoso encanto.

Ai, se tu podes co'uma doce falla, com um sorriso, podes tu, não crês? tirar-me ao peito esta dor que o abala, haurir o pranto, quo cm meus olhos vês,

Tambem quizera, como ás vezes scismo, levar-te a paz a» corapLo que sente, tirar-te CL vista o tenebroso abysmo, abrir-te as portas de uin jardim ridente.

Page 199: -marianansilva-oferendas

Assim ventiira qual soaliei tiveras; o eii a teu lado, mais feliz, iria mostrar-te quanto na minha alma imperas, jurar-te o muito que por ti soffl-ia.

Page 200: -marianansilva-oferendas

HORAS DE ALLIVIO

ii ES."'" SR." D. Hhi'rlA ISABEL BARBOSA DE FARIA E CASTRO

PONTA DO SOL

Todas as villas da Madoire tcein iim aspecto diffe- rente, mais ou inenos formoso, mas snmpi,e agradavel.

.A villa da Ponta de Sol, a prirneirn que se encontra no caminlio da costa do Sul, apresenta-se i10 meio cle dois elevados inontes, uin d0 rocha nus e alpestre, ou- tro cultivaclo do amar d sewnn como usam dizer oa in- siilnnos.

Page 201: -marianansilva-oferendas

Da rocha do Occidente que entra muito pelo mar, e aonde hoje está o caes do principe Alaximiliai~o, tira o sea nome a villa; porque os primeiros descobridores avistaram-n'a de fórma qite lhes pareceu serem os veios da rocha, como o desenho dos raios do sol que alguein ali tivesse esculpido, pois que havia no centro uin gran- de circulo d'onde partiam aquelles veios ou raios. Por isso chaniaram Aquelle local Ponta do Sol.

Sem querer alongar-me em dissertações liistoricas, direi alguma coisa ticerca da origcin d'csta villa, aonde residi bastantes :\mos, recorrendo para esto fini aos li- vros que tratam do assumpto.

O descobrimento do sitio onde hoje se acha adifi- cada a villa, é coevo da descoberta de diversos pontos da ilha da Ma~lcira. Do Funchal, como algures diss8- mos, foi Gonçalves Zarco percorrer cm bateis a costa do Si11 e tendo desembarcado na Ponta c10 Sol, a que deu tal nome pelo motivo acima dito, seguiu depois por tcrra em direcção ao sitio mais tarde deijominndo Ct2- ~zhas.

Antes do chegar ali, deparou com uma ribeira a que deu o nome de Ribeira de Santiago, planeai~do a fun- d a $ ~ de uinn egrpja junto d'ella, o quc mais tarde le- vou a effeito; teinplo do qual hoje nem sequcr ruinas existom.

Assim como as outras villas da Madeira, ti excopp50

Page 202: -marianansilva-oferendas

do Fui~chal'mais tarde elevada a cidade, e da da Ma- chico - a Ponta do Sol - coinepou por uma fieguezia: d'essa origem proveio denominarem-se todas as cabe- ças dos concelhos, freguesias e n2o villas, pois q u e o povo. ha seculos se habituou a chamar-lhes assim, scm se importar com a sua e1evaçIo Bquella cathego- ria.

A villa da. Ponta do Sol é das mais antigas da Ma- deira, a fi~egueziu cujo orago B Nossa Senhora da Lua, teve origem na fazenda povoada que Rodrigues Annes, a coxo, d a familia dos Furtados, fundou, como consta do seu testamento, approvado eu1 4 de abril de 14% e do epitaphio da sua sepultura na e g e j a

Com o corrcr dos tempos a populaçiio foi augmen- tando, creando-se novasfiegz~ezias; e sendo difficil para os povos d'eutas localiclacles que tinham de requerer sua justiça, irem no Filnchal, elerei D. Manuel, por carta regia de 2 cle clezeinbrg de 1601, elevou a frs- guezia da Ponta do Sol a villa, dando-llie por arintis o sol de prata, ein campo azul, circumdsdo com uma le- gerida latina, que na o:casi%o n?io podeinos citar, mas que temos idéri, serem as palavras do vellio Simeao ao receber iio tcmplo o Salvador.

Do concolho fnzein parto as freguezias de AV. S. do

i Saitdatlcs da l c r ~ a , dr. Azevedo.

Page 203: -marianansilva-oferendas

- -- - 188 OFFERESDAS -.- -.

A j u d a da Serra dlAgzia creada em iGT9 - 5. Bewto da Ri6eica B ~ a u n , povoaçKo que teve em 1440; o é uma clas inais iinportnntes e coinmerciaes da ilha; solar cln ill~istre faiuilia cios Rcredias e que deu o titulo ao actaal visconde: S(lntissinla T~ilzdccde da Ataljzic~ (011 Tnbua conio hoje so diz) erecta em 1568- Nossu Xenho~cc da Piedade dos Cclnl~as, fundada em 1484,- é situada na serra,- Sctllzrn dfiw.ia dlirgdale?tu vulgarmente clorioiuinacla Jlagdale~~cz c10 d&u~, crigidn .em 1582, iica 4 borde d'agiia, e b qciaei todii povoada d e pescadores.

E m toclas estas fregiiezias, bcm como nas outras da ilha, havia iiiniiieras capellas e morgados, sendo 11% dti Ponta do Sol a innis notavcl a c10 Livrninonto, porten- cente ao morgado RiIeaquita, nobilissima familin de quo 6 hoje ropresentnnte o er, lliogo Albino de Mcscliiita Sprangcr, cscrivno do juizo de cliroito na cicleclo c10 Funchal.

NR proliria villa da Ponta c10 Sol bn unia cnpclln, que se jiilga cle origem vinculni., iilas que aot~iallnentç pertence á cainura municipal quo a iusridoii i*ecclificnr .em 1734, e (10 novo reparar eiiz 1879, sendo n invoca- 9 ão - S. SebautiZio.

Ao cloucinbarcar no caos clo principa Mnxiiilili~iio, no sitio c10 Fojo, entra-se n'iiin vnuto~passeio com cluris aleas de soberbos carvnllios, qrra tor~iam sique110 sitio

Page 204: -marianansilva-oferendas

muito aprazirel, fic:inclo h beira-niar, c rlefeiidiclo por lima grossa ~nilralha~ sendo no calhazc u m frcrito onde varam os barcos do porto. Ao fundo d'este passcio esta. O nicrcado do peise modcsto, inas cIcgatitc.

Fica a villa situcicl? na encosta cla lndeira que vao para o Licraii~eilto e Torps.

Logo da parto c10 cima do passeio estii n egrcja ma- triz com um rnagnifico :iclro. k uiil templo bonito que tem por 01-ngo ~Vc~ssct Senl~ol-tc do . L u z ; vasto, claro) e com o tecto clc rnnclciia, na capcli:t-mói., dc i.iqiiissirno trnliallio sí, egiial ao dn StJ, da cidade do F~i!ichnl. Esta cçrc;ja CSR collcgiacla coiiforiiic diz o sr. di.. Azcveclo e tiiiIii~ um .i;igct~-<o, g i i c ~ t ~ o Ó e ~ z e f i c i n d . ~ ~ , tbm CZlT'U, una thvso~i~eiro, zcnz 2irby(xtZor e i i i n 09-yanistu.

Hojc tem apeiias um vigario e uin cura que 6 tam- bern capellão da LoinLacla cios Esirieralclos, e urii orga- nista. Albni cl'esta egi,o,i:i lia na villa a s crr21eZEas de Xclnto Antonio e c10 S. S>cí)~1~tiZo. Eni segulcln no tom- pIo, ao lado direito, fica o edificio cla cainara, trihu- na1 juclicial, adniiiiistrap?io do couccllio, reliartiç3o de hzcucla, etc.

O tribunal foi construir10 h n pouco tempo; antes cla cren~fio da comarca, e csth clecorado coiii tocla a do. cencia.

A. s:il:i, das sessGes da camírra E sumptuosa, tendo uinn c::cellonte mobilia: por cima da cndcirx c10 pre-

Page 205: -marianansilva-oferendas

sidente ha urna tella inagnifica, emmoldurada, com o retrato de S. M. El-Rei D. Luiz, pintado em Lisboa.

A proposito direi, que foi esta a iinica terra da Ma- deira, além do Funclial, que o actual monarcha q ~ ~ a n d o infante visitou ein 1SGO. Para cornmeinorar esta facto, a vziu direita passou a deiloiriil-iar-so qlun do Pvi12cipe D. Luis; e na cnsa onde o real hospecle descanl;oit, conserva o proprietario -o sr. Nnno dc Freitas Pestana advogado e administrador do concelho, cavallieiro de fino trato e muita erudigão, -um retrato do infante, trajando o uniForme da marinha portugueza.

Na parte inferior da n101d~11.a tctn O seguinte clistico: Sua Bfayestacle ELRei o #I-. D. Luis, kon~-ozb esta cusa com u sua pesenga em 1860.

A' entrada da villa, ao lado esq~ieido, fica a fabrica de assucar e engcnho de distillaçBo c10 aguardente, do activo e probo industrial sr. Guilherme TVilbraham. I? a unica notavel que lia ein toda a ilha, B excepg%o cldns tres que existem no FunchaJ.

O largo c10 Pelo~iriiilio tem uma foiite singela, mas bonita, com agua potavel muito fina. Ale~n do passeio, e do caes, ha iim outro ponto cle reuni80 dos pontasolcnsos, chamado o Reclo~iclo, no caminho da villa para os A ~ j o s .

As casas espalbain-se pela cncosta do inonte, com jardins e nrvoreclos, sendo aquelle ooroaclo por um lindo predio, onde se vê uma larga e esplenclicla vnrniida, to-

Page 206: -marianansilva-oferendas

BORAS DE ALLIVIO 191

d a ornada da flores o coberta de ab~~ndantes ramos de ~ozignnuiiEe.

Para mim uin dos inelhorcs edificios da Ponta do Sol, apesar cie moclesto, pelos momentos aprasiveis que ali hei passaclo, em sua coiripanhia, é o que pertence d ver- cladeira amiga a quein dedico estas bi~milclcs liilhas ...

k a ailla rla Ponta do Sol cabep cle comarca cle terceira classe; sendo clepois c10 Funchal, a coinarca mais importante da ilha, no dizer dos que entei~dem d'estes nssumptos jucliciaos.

Tein uiua escola c10 sexo mnsculino, para a p n l se astd cle proposito eclificail60 uma casa, e oiitra para o scxo femiiiino, na villn; bavei~do nos Cdnlins Lima aula para o sexo masculirio, oiitra na Serra d'Agun, duas 11s Ribei1.a Brava, niiia para cada sexo. A pouco (3 OU- co tein sido dotada a povoag30 com grandes inelhora- mentos. I? ill~irninnda, o que ngo 6 vulgar na ilha, sendo tainbein a uiiica terra qac possue relogio cio cam- panario, c:omprado ha cinco ou seis annos, a ~ X ~ C ~ I R ~ S

de uma s~ibscripçiIo, cla q~ial foi iniciador e pi.iiicipn1 contribuirito o cligno vigario ar. p d r o Aiitonio I-cliciano da Freitas.

Page 207: -marianansilva-oferendas

H a ui11 a11110) del~ois d'esta nolicia ter sido piibli- cada, n'uin almanacli começou-se a fazer uin passeio ajardinado, na slnmeda junto ao cacs e. que jh se acha concliiirlo, tendo-sc-lhe dado o nonic de praça do ilíar- guez de Pun~bai.

Os habitantes da Ponta do Sol sPo cle uaraatcr fran- co, obseyuiadores, hospitaleiros e de agradabillissimo trato. Essencinlmei~te religiosos fazem celebrar ~i'aquella localiclacle festas suinptuosas, ilas quaes dispcnclem, cola bisarria, aviiltaclas qu~intias. Tecm uirin philarriioi.iica, e uma orcliestra onde sa encoiltrain verdacleiros talui-itos inusicacs.

Ha em todo o concelho Lastaiites familias c10 antiga uobresn, sendo as principacs - a dos Heredias, a doír Andi,adcs, ligada. c0111 os Faisir?s, Abreus, e Cavalloiros -e a'dos Farias e Castros - dri qnal nui dos iriais dis- tinctos rcpresci-~taiitos 6 o si*, Jos6 Carlos da Fni'ia o Castro escriptor primoroso, quo rcsicle nctualiiionte nn Bussia, apareiltndo c0111 a casa imperiaI, e a qucm, di- zern, vae scr concedido o titulo de v i s c o ~ z d ~ da Ponta do Sob.

Porita i10 Sol, novcmbro dc ISSO.

Page 208: -marianansilva-oferendas

MORTA

AS ESCELLENTISSIPAS SENHORAS ' COLLADORADORbS DO

DI.PIEEQO DE WfDa<UCIbS PIO FUi\'@UAI.

IIelas ! raut i1 mourir, sans connsitre Ia vie !

Na minha recente viagem a Lisboa, tres ou quatro dias depois de desca11çar, e alliviar as saudades mais vivas, as cla falilili&, recordei-ine cla miiilla amiga do collegio D. Maria Silveira.

Havia quatro snnos que cleixára cle escrever-me; ha- via quatro annos que nfio iildagdra noticias d'ella.

Mctti-me em um trem, com o meu filhinl~o e mandei ~ e g ~ i i r , dizendo ao cocheiro:-Rua do S. Liiiz, A Estrel- Ia, numero. . . . O trem partiu e pelo trajecto senti n8o sei que aperto no coraçZo.

D. Olgmpis Pcrnandes. D. Joanna Castello Drarico. D. Arsenis BIiranda.

Page 209: -marianansilva-oferendas

B alegria de v6r a ininlia antiga condiscipula do col- legio de Santa Cecilia, 1120 ine alvo~ogava o aniiiiu, sentia-me triste, triste, e direi até, as lsgrimas nssoma- rain -me aos olhos. . .

Attribtii aquella tristesa ao nervoso. Dias o corapzo inuitas vezes adivinlia.. . era uin p ~ o -

seiltiixento . . . O trein pai.ou d porta que eu indicbra; relancooi

apenas a vista pelo passeio da Estrella e subi com ra- pidez o priineiro lanco de escada. . .

Toquei a campainlia. Senti uns liassos pesados e vagarosos clue denuncia-

vam pessoa de edade: abriu-se a porta, o As grade8 da cancella tão usual, e direi tão coininoda, cle muitas GSCIL.

das de Lisboa, appareceu uina senhora oclosa Vostida de preto.

O coraçiio batia-me com violeilcia maior. A 8 r . W . Naria cla Silveira eutd? -Nilo, minha senhora, -Poderh ter a bondade de me dizer onda mora? -No. cenzitevio dos P ~ . a z e ~ e s , iiiiiiha scnliora. --Morta? ! -Morta! respondeu a boa velha coin voz ti~eiiiuIn,

n3o pela edado, mas pela coinmogão. Picdmos um ,mo~iiento a olhar iiiila para, a outra som

l~roferir palavra.

Page 210: -marianansilva-oferendas

NORTA 195

A final aaquella senhora de l~icto, abriu vagarosa- mente a cnncolla e disse tristemente :

-Queira entrar, minha senhora. E entrei sem dizer Lima ~nlavra; entrei sem mesmo

saber porque, nem para que entrava. Conduziu-me á sala: uma sala que infiindia t;ambein

tristesa. Noveis bons, antigos e na sua maior parte de pdo-santo, severarinente collocados com aquella simetria que fazia o enlevo de nossos avós, e ainda hoje esti- mada por muita gente.

Moclernns sb ali havia dois objectos: era111 dois qua- dros grandes cobertos de crepe, atravez o qual coizfusa- inente se descortinnvain clois retratos, u u de mulher, outro de homem.

-Mandei-a entrar, minha senhora, para saber O qiie queria cla minha filha, fallecicla ba tres annos. Adrni- rei-ine de que houvesse em Lisboa pessoa das nossas relações quo ignorasse ainda a morte da minha que- rida kIariquinhas, da qual todas as gazetas falla- ram.

-Eu, minha senhora, estou na Madeira ba tres ali- nos-respondi:-e poucos jornaes leio, porque niio tenho vivido senão no cainpo, e lia pauco é que fui para o Fun- chai: em Lisboa estou lia quatro dias. NWo tinlia o gosto d e conhecer v. exaa pessoalrnentc, porque no collegio é raro conhecermos a fatnilia das nossas condiscipulas.

Page 211: -marianansilva-oferendas

Alem do qiie, qiinndo saí do collegio, a 3Iariquiilhas Sil- veira ainda I A ficou por alguns annos.

-Ent%o v. cx." é.. . -A Mnrianna Silva. . . -Sei bem, sei bem - ncucliir presciror;airioilto a boa

senhora - lembro-me c10 minha filha me lêr muitas das cartas que a senhora lhe dirigia, e nlguinas das que ella cscrevia em resposta.

-Perinitta lhe dê um ah ra~o , ininlia sei~horn. li: estreiton-iria com ternura ao peito. -Sente-se um poiico; fallemos cla siia amiga; gosta-

se tanto de fnllar dos que aman~os, e jh nWo existem, coin aquelles que os conhecerain, clisse ,z minha intc.rlocntora chegando n minlia cacleirn pal9n junto da sun, visto que ine havia levantado para rccclscr o abra90 quo me offcr- tdra.

-SZo duns palavras apeiins, minlia senhora. . . A gento nova aborrece as conversas tristos, elo contra- rio, os velhos, coitados, apraz-aos closafogar as nossas magoas; n3o quero poi-41x1 enfaclal-a p01. iniiito tampo,

-N%o enfada, 1130; tambein sei o quo são dôros t tambem, apesar cle nno tcr muita edadc, tenlio passado ncerbos soflriincntos.

-A lfariquinhas, sabe v, ex,%muito boin,- disso a inãe cln minha amiga bastanto coinnlovida- clopois cla sua educaçLo no collogio, vein para uossa oas,z, ondo

Page 212: -marianansilva-oferendas

-- MORTA 197 - -

seguiti sempre os consell~os meus e do pae; foi sempre filha obediente o uma inenina honesta. Era o nouso en- canto, o nosso enlevo, Tâo socogacla, ti30 boa, t2o te- mente a Dous !

-Por isso Elle a chamou a si. . . -Meu marido seiitindo-se velho C vendo que eu

tallibem j:i nZo era nova, disse-me uin dia : -Isabel, é preciso casar a XIariqtiinlias: estou velho

e cauc;ado; posso de um moiiieiito para outro fechar os 01110s; e n?to LiRo ficar para ahi duas senhoras, uma ve- lha e irma rapariguita, sem amparo.

-Creio qire v. sabe que meli inarido era mili- tar.

-Sim, minha seiiliora. -3Iorreti em coronel ; I estd na terra da verdade ;

só eu ainda c& estou n'este valle de lng'i.irilas, som ne- iihu~n CIOS nleus. PÍLSSO dias e dias sdsinha. Hoje, minlia sonliora, iiem sequer a criada esti cin casa; pediu-me para sair, e como n30 ve111 aqui pessoa alguinn, cuiclei ser ella, por isso fni abrir a porta.

-&Ias v. ex.Vin dizendo. , . -Ia clizoiido, que rloanclo iiic~i inarirlo iuc falloii em

casamonto iI. que reparei ani que a IYlariquinhas estava uma, senhora; ate tlqiiellc inoinento era para miin uina crcaiign.

- F q a o que q ~ r i z e ~ , i-espoadi a mcu inniido; com

Page 213: -marianansilva-oferendas

tanto q ~ ~ e 1150 ii obrigue a casac contra voiltacle: olho que isso é scmpro 171iio. . .

-N30 tern cluvida; nGs temos Jgu ina cousa, a pc- qiiena nwo tem uin grande dote, mas ao M ~ I I O S ~IOSSUB

algiins mil cruzacloa. Mein irmRo Joaqiiiin, o coroiiol qne csth ein Setubal, toin IA uin rapnzoto qne vi o niliio passado, é j6 alferes do cnçadores e ter11 boa cnbcçn; 6 soccgado e airai-ijadito. Doscjo qiio clln caso coin um parente, o mais do que tiir10 coi~i LIIU filho do iueii Joa . quim: iileu irmSo 6 uina join; c c10 boa arvore, bar11 f1,ucto.

-E casou? -hT%o, minhn scnlioi,a, lloti mariclo oscrcveii ao ir-

mno, dcn lhc parte dc tudo o disse-1110 qtic arranjasse licencn para o nosso sobrinlio vir estar aqni uni inez.

E r a lh o seu iilnno do campaiiha dizia clle. , . -Vciii; a &iariquiiilias dc riada fGra prcvcilidn, e

rcceb(-,n o priino coiii toda a moilcstia. Carlos, cra o seLt iioino, nada sabia i:iinboiri, inns conhccoii-se logo [lua a prima lhe fizera i.ripl.cssi+io. Ao nlrnoyo, no jantar c ao chh, iinicas occasiiies c111 quo se ericoiitravnm, Car- los i-iâo tirava a vista da ininlin fillia; meu innriclo muito satisfeito olliava para inim c fazia.wo gestos, sor- rindo. E n por6in n2o tirilia vontadc do rir.

-A pequena pouco 011 ~ I C I ~ ~ L I I ~ I caso fiiziit do priiizo, riao coilversava quasi iiada, o rccolliia-se ao scti q l ~ ~ ? r t @

Page 214: -marianansilva-oferendas

para bordar, lêr e resail, que é em que clla, n pobre ineniifi, gastava o tempo. Passava clias e dias qne 1120 chegava i jnnella, nom sequer 6 tardinlia.

-Ella tocava muito bem piano. -Tocava, sim, minha senhora, toclos os clias hs onzo

horas viiilia estiaclar. Tambcin fazia veilsos; ainda tenho alguns guardados, dos qne offerecia ao pne e R mim qaniido faziainos annos. TJln dia Cnrlos pediu ao tio li- cença para convidar'a jantar o seu amigo BIanoel de Aboi~n, fillio de uin firlalgo da Beira, q~ i e cstudava em Lisboa, c que o obsequiara muitas vezes. hccedeu o tio, c no dia dcteriniiiado - bem triste clia para mim fico11 scnclo -, BLaniiel ilo Alsoim apresei~ton-se eni nossa ca- sa. Nada se occulta so olhar perspicaz cla mSe, 11Lto B assim, niinha senhora?

-E verdade, sr." D. Isabel. -Pois lietn, A mesa vi qiic JInniiel do Alsoim filava

1C1ariqi1inlias com iiisistencia; esta, cáraiido e coni 111~lito receio, corrcsponclia aos seus olhai,es. I\Ien i~iarido, en- trctirlo n convcrsnr coin C~rlos, nas gileTraa r10 SI-,

D. RIiguel e c10 sr. D. Pcdro, seu assuiiil7to favorito, n2o rcparoa n'isso. Carlos noto11 rlue os dois so olhavnin, ed i i r a~ t e o jniitar estcvo triste o corn os sobr'ollios en- crcspaclos. R1a11ucl de Aboim ainda voltou unias diias vezes, coin Cnrlos, a jantar; o veiii urrias tres a horas dcseilcontraclas procurar por cllo; por6111 si, umn o re-

Page 215: -marianansilva-oferendas

eebemos na sala, P O Y ~ L I ~ Mariquinlias cstava ao piano e peiliu-me que o i~iandasse eiitrar. Elles cori*spon. diam-se; a inulhei- dos recados, soube O depois, ora a portadora das cartas.

-Em geral & seinpro preciso cuidado coiil essa gcn- te, disso eu.

-$C verdade, mfs fazia da iiliillier tLlo boin con- ceito ! tinha visto iinscei a nosfia Mnriquiillias e que- ria-lhe inuito. . . Qiiinzc dias dcpois d'esta visita, Mn- nuel de Aboiin npreseiita-se cin ilossa casa e pecle para fa1l:ir a meu mariclo. I3ccebemol-o: e OLI senti uma pnn- cada i-io corapão c esfi*ioi por tal inodo, que estive quasi iado sala, sustitfe-me l~orrl?ni. Passados il-iomentos, auto meii marido clizer: «,zinrd qiie elln qiieira, i130 qi~ero eu; nias sempre voii vêr se iiie oilganoaj e clia- mo~ i om VOZ alta a criada: «Diga B inoiiina qne f q a favor de vir & sala.»

-Eu ncoml~niiliei iuinlia, fillia. Meu iri;trido ostava oiii p0, veimollio c10 colara: dcfroiiie cl'olle, blaiiiicl do ALoiia sereno e triste.

-Diga-me, senhora, oste cavallioiro vciii licdil-a crn casamelito e cliz que a senhora o anctorisou a isso; E verdacle ?

-h, sim, papa ! -l\íuito bem! Pois ou, qiio sou SGLI pao, CIOLI-lho a,

lilirilia palavra de inilitnr lioiiraclo, que 1130 ha d o ca-

Page 216: -marianansilva-oferendas

MORTA

sar com .elle. Ou com seu primo Carlos ou para um convento.

-Irei para um convento: mas eu niiilca pei~sei em cas ar com o prinio Carlos !...

--Mas 11ensei eu, pcnsoLi, sua inae ; k quanto basta. Agora se qaizer a minha maIdi$io, se quizer acabar- me com os dias de vida, diga a este senhor que vá ter 19 cum essa gente cln justiga, traga-nos c& os mei1.i- rihos e v& coiil elles. . .

-NZo, ~ a p d -respondeu a santa da minha filha- em quanto o papá for vivo nZo casaroi coin o sr. Manrrel de Aboim, e accrcsceiitou com firinesa: nem coin ou- tro qualquer.

-Pdde-so rotirar, disse ineir marido ií Slha: e esten- dendo friaineiite a 1x20 a &i"i'nuel de Aboim, ac~escen- tou com iiidifferençn: O seiilior transtornou o nioii p l ~ n o de campanhn, veremos se ainda ganho a victoria.

Mnniiol de Alioim 'cortejoti-u e sai+ -E Cnrlos, ininlia senliora? inquiri coi-ii eiirir~sidade. -C~zrlos andou coiilo um cavalheiro; ctiese ao tio

que deixasse casas a prilua coni o Aboiin, que cllcs se nrnavam, e cliegou até n dizer-lhe que 1150 seritia, pela rima iilais do que uma affeiçzo de parente, e nrio de- scjava casar coin olla. Meu marido tciinou; PIIXRV~?

com violeilcia as guias do bigode, e dizia a Carlos : -Se tu. 1180 ri, quercs, 2120 mo i~nl)ortaj mas em-

Page 217: -marianansilva-oferendas

quanto eu tiver os olhos abertos, O lileu dinheiro não ha c10 servir para engordar paisaaos da Beirn nem de proviilcia alguina; depois c10 eu morto, quein cá, ficar faça o que quizer. Quem boa cama fizer. . .

-Carlos, vcilrlo que 1130 resolvia O tio, pediir. passa- gem 11arz O Ultramar, o morrcn dois iile-;es depoio de lá estar, na occn:i%o da ultiina doenpa rle iuai marido, que foi longa. Quaiido soiibe cla inorte cl'cllo, meu lua- rir10 cliainou ,z RIariquiiilias e clisse-1110 : Carlos morreu; agora cstk livre d'elle; clcixc-i110 morrer e casc com o Aboim.

D. Isabel d a Sil\leirn continuou assim n narraçzo eiltrecortada pelas lagri~nas de dOr prof~inda: ,

-1Ieii mariclo fallcceii; e se na0 ficdinos ricas, ficd- 1110s ao inci1os rcillecliaclns. Tiilhainos a peilsLo do go- verno c0111 os renclirrientos de liin bom vinculo. Passados seis mezes, l~a i iuc l de ALoiiil veiu visitar-aos. Acolhi-o cora alguma friean; luas A i\'Int~iqniiilins n quem o cles. gosto pelo falleciilicnto cio 11ae fizera perder as cores, voltou a sauclc, c clir-lhe-hci, iiiinlia senhora, nnla certa alegria.

-Era sorte, tinlia do cuinprir-so I -Bojc creio bem que 1150 linviam rleixarlo de se es-

crever. No fim de iim anno, PIIniiucl dc Aboiin veiit pedir minha filha em casaincnto. Rcspoi~di-1110 apenas : Ella jl't teia eclade c10 saber o que faz; se quizer casar

Page 218: -marianansilva-oferendas

com o sr. Aboim, eu nrio ine opponho, porque tenlio a certesa de qnc a alma do iilc~i mariclo cstiina,rh autes vêr minhn fillia casada, c10 qne ficar alii só n'cste mundo de enganos e traiyões, sein braço cle hoiuem q n ~ a proteja. Cliamci a RInriquitiliaç. Oh ! minlia seilhora, tenlio ainda iixpressa ila nieilioria a forinosiira que lhe brilhava@o rosto, a alegria qtic resplandecia ~ ~ ' e l i e , quando a pobre menina eutroii na sala.

-Eram ambos formosos. E lcvantanc10-se :ipressadaiiientc, arrancori com um

tremor iiorvoso os crepes qiia encobriaili os dois quadros. Ditas gentia cabecas havia ali. Dois seniblantes s~7ml~athicos a rcspirnr alegria, ino-

cidade, amor ! -A BIariquiilIias está parcciclissima, disse, e rnare-

jarain-se-me cle lagrimas os olhos.' -E cllc tnmbern, iniilEia, setihora. &I:ttiuel cle Aboim

t inhi~ ni?ias feis0es perfeitas. Atiron com tristesa os crepes para uma grande cn-

deira torncadn, c scntou-sc dc novo. 1). Isabol cln Silveira cstevc alguii~ tempo calada, e

eii 1130 tive aniiuo do cjnebrar a sua mudez: rcspeitavn a d$r cl'nqiielln iiifcliz senhora, a quem o soffrimauto saiitificava a mcus ollios.

-Pobres creaiips ! disse por fim. Ella tinha vinte e urn annos, e clle vinte e tres. Tratou-50 do cnsamen-

Page 219: -marianansilva-oferendas

to. l'iia todo o meu einpeiilio eili nrrnnjnr para a mi- nha filha utn oilsovd cle pi,iiicess. hlriiluol de Aboirn offcreceii-lhe uiii linclo collai.; O ~yo,tiilo de iloivar3.0 era de setim branco. Serviti-lhe de inortalha; clilem in'o havia de dizer eiitão, meu Deus? ! Andava loccq a mi- nha querida filha: eu ora o alvo de toclas as suns cari- cias; cobria-me de beijos de inanhz, A iloibls; o cogi- tava do noite as surpresas que 1170 havia de fazer rio dia seguinte. Fora en a auctorn da sua vciitura, repe- tia seu cessar, beijando-me a testa, os ~cnLellos, as mAos e offcrccendo-irie versos.

Perdoe-me, ininha senhoi'n, estas particiilaridailcs que Ihc conto; talvez não as conto a in:iis niilgneili. . .

Paltavain apenas oito dias para o casameiito. Ma. nnel de Aboiin o n t r o ~ ~ ein nossa casa e disso-110s:

-Faço gosto ein que mou tio, o coiiselheiro Igii~icio da Aboirn, seaja iim :CIOS iuous paclriilhos. Tain sido meli pro- tector c p:~e. Vosseii~ias sabe~n qiie l i q~~e i orpliko dcieni-a ednde. h qnostão do qiiatro dias, id:~ (3 v~l ta , TTOII 110 ca- minho cle ferro atú o Porto; L ~ O 1Z1 a casa do Zirasilei~a, como Ilie chamam na alclci:i, onde iesicle, 6 uiiln joi'iin- da de trcs horarc cri1 uin boin cavullo. I),:lo-ms licct~gn?

-Poin d o , sr. ~iboim, disso cu sorritido. A Mariquinlias, porhil, fico11 u n i tniito ailiivinda. -Na0 era iiiellzor oscrcver n sou tio? pcrguiltoii ao

Page 220: -marianansilva-oferendas

-N?io, minha senhora, conheço-lhe o genio. A mi- nha ida enchêl-o-lia de jubilo, porclue vae consideral-a coiizo uma grancle prova de gratidão : e assim 0 . Além do que, esth avelhantado, e eu qiier'o acompanhal-o. De- pois iremos toclos passar uns dias no Douro, na sua quiuta; elle, apesar de ri50 ser muito rico, tam com que hospedar xossencias como p e m são.

-Man~iol de Aboiin dizia tiido isto alegre, satisfeito, com aquelle alegria qne tem um noivo, c0111 a vivaci- dncle dos poucos annos.

-Agora, minha senhora, permitta-me que vi ali áqrielle cofresinho tirar um Dinrio que te11110 gnarda- do; v. ex." 15 a primeira pessoa que o lê clesde que o gnardei, 1la tres annos - a ultima foi n~inha filha, a filha da minha alma !

Deu-me o periodico : çra uni numero do Diaqqio de 1Voticias clolrado na pagina da frente, deixando vês logo n. seguinte local:

ccD~sgraça no caminho de ferro. .Urna victima. - -- Hantem, pela impreviclencia de um dos conductores, deu-se no caminho de ferro de leste um facto lamentavel.

«Tinham saido em Esrnoiiz alguns passageiros, e o coriductoi. riso deu volta ao segundo fecho de seguran- $a : cluanclo o comboio se dirigia para a esta980 proxi- ma, a cle Estarreja, um viajante encostou-se ti porta do

Page 221: -marianansilva-oferendas

wagon fiimanclo : ncto contintio a mola do nnico fecho que a scgurava abriu-se e o desgraçado caio na linha coin tanta infelicidade, que, prendendo-se-lhe o casaco na plantafúrrna rlo wagon, o trcm passou-lhe por cima das pernas e esmigalhou-lhas completainente. O infcliz inor- rcu poucos inoinentos dopois, antes do chegar na maca a Estarreja. Era um mailcebo muiio conhecido em Lis- boa, o sr. 3Ianncl clb Aboiiii. Dizein que estava para casar corn iiina fillia clo nosso antigo amigo o coronel Silveira, taii~bem jh fa1lecido.-0 notiso pcsaiile. <A cornpaniiia rccominencl~lmos o maior escrupulo nà,

escolha c10 possoal para quo se não repitam factos ci'esta naturesa. 1)

-Olhei para D. Isabel : estava pallicla e triste, om pé, na inesuizt posiçao ein qiie ine dera o jori~al.

-Leu, wiulza senlzoia 3 -Li. -Imagine o que soficu a sua amiga, qiinndo do

iriantiZsin11a a criacla, que nem 10r sabe, lhe foidnuito alegre levar B caina, O Dinvio que o rapaz rnettern cla- baixo da porta, como era costnme.

-Ao grito a s s ~ ~ s t a d o ~ qim elln dou, ergui-me do lei- to, O meu quarto era juilto ao seu, corloi, cntroi lia al- cova cle minha filha o vejo-a closmaiacla cnin csta ga- zeta. ao' pé: o coraçgo nclivinhoii a desgraçn ; nem so.

Page 222: -marianansilva-oferendas

MORTA 207

qiicr quiz ler. Tratei de acudir-lhe c mctti o pe~iodico em uma gaveta. Passado teinpo voltou a si debulliada em lagrimas, conton-me tudo. Imagine a dôr que nio feriu o cura$?io: direi quc ainda era talvez maior do que a da minha pobre fillia; cu soffria por mim e por ellcs.

E: solnpava ~iolentamente a pobre velhial~a, victilna de tanta desventura.

De mim, que direi? estava fria, senti um tremor nervoso agitando todo o meu corpo, e o coragxo batia tão apressado que cliegiiei a assustar-me.

D. Isabcl cla Silvcira tomou o jornal, foi gaardal-o, e voltando pare jnnto de iniin, beijou-me na testa, sen. tou-se, encosto~r o cotovello ao brago da cadeira e a bace á rnlo e assim perinsncccu por alguiu tempo;

-Quer vêr o quarto cl,z sua amiga? I a levantar-me, qnanclo me disso iminerliatameilte: -NEo vamos, uEo, a senliora est8 pallicle, cst8 muito

.commovida, p6cle fazer-lhe peior. Olhe, bcije o sou fi- lhinho; vê? aclormeceu ! Pobre anjo !

Podco mais tenho a dizer-lhb, minha senliora. Otiça o fim d'esta desgraga.

-Um diq, s crincln ao entrar no quarto da minha filha, correti ospantacla para o meu, gritando:

-Minha senhora. Sr.& D. Isabel! A menina esth moita ! !

Page 223: -marianansilva-oferendas

-BTorta? ! -Venha ver. -Fui. Tinha sobre o peito uiw. Santo Christo cle marfim,

que talvez rnorrêra bci,jando; ella foi sempre milito reli- giosa. Sobre o vclaclor, que estava A cabcccira, achava-so o retrato cle illaiiuel de Aboim e uns versos. Dnrou $6 um mea depois do noivo. VOLI 1nost1,ar-lh70s;dê-me 1icai~c;a.

E com passos taidos saiu cla sala; seliti-a snbir a os- cada, e levantei-riie para contcmplar n-iais nina v o z o retrato da SIaiiquiiihas da Silvcira.

D. Isabel voltou coni os versos. Li-os. -V. e ~ . ~ perinitte-ine que copie esta poesia ? -Sim, ininha senliora, com un1acoiidiç3o : emquanto

eii viva for não desejo qnc os dê para nenhninn gn- zeta : ~ecli~am-mo c recusei-os, Leia-os v. C X , ~ ein VOZ

alta, clucro ouvil-os inais uina vez. -Sim, millha senliora. E li:

Cangado o espiyito, fatigada a mento, qiie resta ao ente que ao mundo estd,?

E sna alma exhausta d'nm luctar liorr~nclo, seni cessar goinenclo, que visões ter8 ? 1

Page 224: -marianansilva-oferendas

O aznl do c60 nto mais o enleva, nem sequer o leva ao sonhar cl'outr'ora;

os gorgeios d'ave, o verdor do prado, tudo vê mudaclo... tudo 6 triste agora.

Venha embora a morte, Ella acaso aterra quem possue na terra só martyrio e dôr 7

Já nzo ha lagrimas d'um acerbo pranto, Terminou o encanto c10 fatal amor!

-E bem fatal, iriinhs sonhara! ........................................... Sai d'ali mais triste do quo entráre: e de momonto

a momento, repetia inseiisivelmente -MORTA ! No paquete de 22 d'este me5 recebi uma carta de

14

Page 225: -marianansilva-oferendas

210 OFFERENDAS

uma minha amiga, a quem recommendei me d6sse sem- pre noticias de D. Isabel da Silveira, ein que dizia que aqiiella senhora fallecêra no dia 10 c10 corrente.

Impressionada por tal nova, tracei as linhas que ahi se lêem; se n%o agradarem ds collaboradoras c10 Dinj*io de Noticias, da Madeira, a quem ouso dedical-as, E porque eu nlio sube pintar com ae verdadoiras c8rBs o quadro triste de que tive coiihecimento.

Page 226: -marianansilva-oferendas

D ' A QUI

.i EX.ma PII." D. PHILIPPA ADELAIDE DE PREITAS IIIOREIRA

Yoici les lieux clieris à ina reverie. iiI.ln~ A A I A ~ L E TASTU.

D'este rochedo eu ve-jo o cBU, da terra o véu, o azul do mar;

d'este logar vejo a palmeira, brisa fagueira sinto pas5ar. ..

Longe n lua mira saudosa, terra formosa d'csta Macieira;

.enche de luz aguas d'anil, e bosques mil de bananeira ...

Page 227: -marianansilva-oferendas

212 OFPERENDAS -

A aragem leve a canna agita, onde palpita terna avesinha.

O mar rebrame, e forto a vnga, inunda a plaga, dc mim visinha.

Senhor ! Senhor ! B bello o mundo, saber profundo revela e diz !

DQste-me a crença, emfim, mandandcv que eu crendo, e amando fosse feliz.

Madeira-Cabo Giráo, 1872.

Page 228: -marianansilva-oferendas

HORAS DE ALLIVIO

h nlciii~ia D. Jiilia @orr&a Gamitlo clc Oliveira 'interessaiit& Pllna (10 PxlmO Sr. Salvador Gamitlo

TÃO PEQUININA I . . .

A Julinhst tinha d e z annos . Era agil, buligosa, trs- v e s s a c o m o um corde i r inho novo , a l e g r e como um par- dal clunnclo revBa, p o r b a s t a coára, i n n o c e n t c como o p e n s a i n e n t o de um anjo , bon i t a coino a mais linda ima-

Estc cavaliieiro a quem cu e minlia Pamilia na Madeira, devemos a s mais acrisoladas Hnesas, ílllias do seu genio obsequiador, e da sua iinissima oducação, 6 natural CIO continente e exerce o cargo deinten. dente de pecuaria no Punclial com notavel pronciencia.

É escriptor inuilo illustrado e cori~ciencioso, professor hahilissimo, sendo um dos mais distinctos ornamentos do Funccionalismo madei- rense. Da sua nimia bondade espero desculpa por ousar melindrar a s u a modcslia, egual ao grande talento de que s. ex.a é dotado.

Page 229: -marianansilva-oferendas

2 14 OBBERENDAS

gem da Virgem pequeaina que lê nos joelhos de San- t' Anna.

E ra o orgulho do papá, a alegria da marna. Quando It tarde voltavb do collegio, e entrava sobraçando os li- vros e o cabazinho do le~nch, que & porta da riia tirava da mão da velha criada, havia f~~lgores saudosh cle ju- bilo no rosto da inãe, raios estranhos de alegria no semblante do pae.

Aguardavam-na ambos para jantar. 0uvia.se entno uma orchestra de ditos, de faIlas, de r~iidos, de gargalha- das christalinas, havia na sala um voltear de borboleta irisada.

E fallava, ria, coiltava as lic~ões q ~ i e soubera, os er- ros que emendára, as licções q i ~ o n3o podera dar, as amigas que tinliam ido, as qiie haviam faltado; as que ntio souberam o licpão, as que nlio deseinpenharain com perfcigxo a tarefa que a professora, llies clera; mostrava umas g,zratujas a qno chninava o seu desenho, a escripta d'aquelle dia, o seu crocliet do rolovo que j& trazia mais unia flor. Depois uin affago ao papii, iiin beijo na mainn, o pedido de nina fita nova para o cabello, egual zi, da Nini, de umas botinas de salto h Benoiton e bi- queiras bordadas iriuills das que estreiara a Clarinha, presente de annos.

E a mainã promettia a fita, o papA as Isotinas e ella. louca do coiitonte batia alegre as palmas e cantava:

Page 230: -marianansilva-oferendas

HORAS DE ALLIVIO 215

Tendes Ò pé pequenino do tamanho d'um vintem podia calpar de prata quem tEo pequenino pB tem.

OU outra qualq~ler cantiga popular que a velha criada lhe ensinara. Outras vezes recitava os versos que o papzí Ilie repetira, ora cantarolava o trecho de uma opera italiana que ouvira, a mama tocar no piano.

A VOZ solicita da inZe punha termo quasi sempre &que110 raido dizendo :

-Vamos pnxa a mesa, clunndo não esfria o jantar; anda Julinl~s, que hns cle estar muito fraca.

E 18 ia pelo corred& saltando, puIando at6 cliegar A casa de jnntnr, onde se sentava B mesa muito seria e comedida como o papá e a mamH queriam, e lhe ha- viam ensinaclo a, portar-se nJaquel1e logsr.

Tiilha a Julinlio urna irrna pequeniila; muito mais pe- qoenina do que ella,, e com quem muito brincava. Bei- java-a, pegava-lhe ao collo, fingia ella de mama o a Bel- liiilia cle filha. Ning~ieiri imagina os extremos de cari- nho fraternal que havin na Julinha.

Page 231: -marianansilva-oferendas

Uma noite amrdaram todo; sobresaltados aos gritos da visinhança; apparecera fogo no andar inferior. O pao de Julinha homem corajoso e arrojado, corr%ra a cha- mar as criadas e o criado e disse-lhes que fossein bus- car as meninas, que as envolvessem em roupa, e as le- vassem para a rua, por que havia teinpo de todos se salvarem sem precipitaçilo. E no entretanto dirigiu-se ao quarto de sua osposa, que jd vestida se encaminhava para onde dormiam as filhas.

Tranquillisou-a elle, dizendo-lhe as orclens que dhra, e acompanhou-a até .4 rua, conduzindo-a depois a uma casa visinlia. Feito isto ia voltar para apressar a saida das filhas e das restantes pessoas de sua, casa, quando o in- ccndio irrompendo f~~rioso lhe tollieu o subir a escada. U m grito de angustia saiu-lho c10 peito e augmantou a sita aflicg%o, quando, olhando para o Iaclo, viii o criado e as criadas sobragando cada uin irnmensas trouxas de ~ o u p a.

-As meninas? pergtintou. E desculparam-se atra- palhando-so sem sabor o qiiu clizianl, nem o mudo coino defender-se do 861.1 vil180 procedililento. I-Iaviain prefe- rido salvar as roupas de seu uso a ii'em buscar as fi- llias dc seus amos.

Foi um momento em quanto o angustiado pae lançou

Page 232: -marianansilva-oferendas

HORAS DE ALLIVIO 217

mão robusta a uma escada e encostou 6 janella para penetrar na casa 'd'onde saiam enormes lavaredas.

N'este momento um grito de terror soltou-se de todos os peitos, e centenas de espectadores correram em busca do novas escadas para poderein entrar na casa incen- diada.

D e repente toda aquella n~ulticlão parou estupefacta. Por entro o fogo e o fumo, 4 sacada de uma das janellas grandes, appaiqecera a figura syinpathica e gentil da Jii-

linha com a irrnãsinha ao collo. Brilhava-lhe no rosto uma energia desusada. - Papá ! rnamÊi ! gritou deixando-se ficar quietinha,

.coino quem esperava que a fossem buscar. O clarfo clas chammas illuminava-lhe o rosto. N'um instante o pae deitou-lhes as inLos, tiroumas

d'nli, o milhares do braços se estenderam para elle, to- mando as criancinhas, que passaram de mão em in3o osculadas por toda aquella gente.

A Julinha pouco depois de cntregue a irms, quo nunca Iargdra, zí mne, coineçou a chorar. - Que susto eu tive inamg! julgaiido,q~~e não pode-

ria salvar a 13ollinlia; mas Deus ajudou-me, foi Nossa Senhora, nZo foi 7

E em roda o povo, exclamava outliusiasmado: - Que valor cle creança ! Tão pequenina ! Calliela - 23 de março.

Page 233: -marianansilva-oferendas
Page 234: -marianansilva-oferendas

HOMENAGEM

AO BS."' SR. IARUEL MARIA PORTELLB

A ti poeta d'cstro brilhante, qual outro D-ante, vate inspirado !

De longe vou saudar sómente teu canto ingente e sublimado.

Triste vida, triste soffrer, nos vem dizer teu livro bollo.

Notas soltadas entro prantos s5io do E~nzo Cantos o d'alma anhelo.

' Depois dn Icilura do livro - Cantos do Ermoi

Page 235: -marianansilva-oferendas

Gemes tão só, n'nm mar d'agruras, tendo amarguras, sem tal* boilança.

Que dares, poeta, seiites d'aluia que nem a pdma deixam d a .esperança? !

Acaso amor, essa alma forte feriu de morte e captivou?

Tambem a ti, geiiio eminente, paixão fremente

. avassalou? !

'E teu canto qual fabnlada aria inspirada do cysne ameno;

tem a magia do clue a desgrapa tianquillo xbraça forte e sereno !

Como enlevain tuas cançijes os corapões de quem as lê!

01i 1 gonio illustre ! SB eu t7cgual;lra feliz j ulgkrcz a vida, crê.

Page 236: -marianansilva-oferendas

A ti poeta d'estro brilhante qual o de Dante I y r ~ inspirada,

envio apenas, ao canto ingents signal rev'rento d'admirada l

Xadeíra, maio de tfi5:.

Page 237: -marianansilva-oferendas

INDTCE

PAG . INTRODUC~ÃO ............................................... VII

............................................. CNITA-PROLOGO SI A minlia amiga D . Virgiiiia Amelia de Barros ................... I

.......................................... Esperança (poésia) 5

I h ex: sr.& D . Alaria do Carmo Basconcellos .............. 9 ......................... 11 A meu irnião Xavier da Silva 81

.................................. I11 h coragem da mullier 159 ................................ IV Nossa Senliora cio hlontc 167

......................................... V Ponta do So l 188 ........................................ VI Tão pequenina! 213

................................ I O iapazinlio da Lombada 13 .......................................... ii O Demerarista 41 .......................................... 111 Conto infantil 73

........................................... IV A Ilirondelle 93 V O Beato Frei Pedro da Guarda ........................... 143

............................................. VI Os proplietas 163 Mãe e fllha (poesia) .......................................... 31

................................................. Santa Cruz 37 ......................................... Dbr d'alma (poesia) G7

................................................ N'um allium GB

Page 238: -marianansilva-oferendas

INDIOE 223

PACi . Desesperanga (poesia) ....................................... 71 Toujours toi (poesia) ....................................... 79 Bom cxemplo (poesia) ..................................... 87 Queixumes (poesia) ......................................... 101 Familia Albergaria ......................................... 103 Aqui (poesia) ............. ! ............................... .. . 113 Alda o11 a ílllia do mar ....................................... 115 A fillia do carrasco fpoesia) .................................. 131 b Virgem clas Dòres ....................................... 135 Junto ao berço (poesia) ...................................... 141 Lamento (poesia) ........................................... 157 Sempre (poesia) ............................................. 1-75 Elora triste (poesia) ......................................... 183 Morta ..................................................... 193

......... D'aqui (poesia) .................................... ; 211 Homenagem (poesia) ......................................... 219